Você está na página 1de 6

Baer - A crise fiscal e financeira do Estado Brasileiro

Capítulo 4: As tentativas do ajuste heterodoxo

● Os ajustes heterodoxos dos anos 80 são muito associados ao combate a inflação, mas
também continha alguns fundamentos de natureza estrutural nos âmbitos fiscal e de
financiamento
● Havia o diagnóstico de que a economia estava numa situação na qual os encargos
financeiros e o endividamento se alimentavam mutualmente (Ponzi finance).
○ Essa situação era visto como o principal determinante de aceleração da
inflação e do risco de que o Estado continuaria com dificuldades de se
financiar
● Por isso o objetivo era romper com essa dinâmica perversa para, além de um efetivo
ajuste fiscal, recompor a capacidade do setor público de se financiar em melhores
condições.
Os principais aspectos estruturais do enfoque heterodoxo e sua lógica de ajuste
● Três princípios nortearam as preocupações com o ajuste ortodoxo implementado entre
81-83 e a busca por uma política alternativa.
● O primeiro deles era que as causas do processo inflacionário eram de natureza
estrutural e não por um aumento de demanda.
● Em segundo lugar os resultados alcançados pela política de ajuste fiscal mostravam
como era difícil expandir as receitas num contexto recessivo uma vez que ao
aumentar a carga tributária reduzia-se a base em que ela se incidia.
● Por último havia o problema do financiamento dos gastos do setor público, cujo os
encargos financeiros e a dívida cresciam em ritmos acelerados e deteriorava sua
capacidade de financiamento.
● Para as experiências heterodoxas, o controle do processo inflacionário era somente o
primeiro passo de uma estratégia de política econômica mais ampla, que visava
resolver a questão fiscal e de financiamento, sendo esta última a condição para que a
primeira pudesse ser minimamente resolvida.
Financiamento externo: as dificuldades de recompor um fluxo mínimo de recursos
internacionais através da negociação da dívida externa
● Nas gestões Funaro e Bresser-Pereira no Ministério da Fazenda, houveram tentativas
de renegociações da dívida externa para recompor o fluxo mínimo de recursos
internacionais.
● Ainda que nos anos de 1985-86 o cenário externo tenha se tornado favoráveis com a
redução das taxas de juros e dos preços internacionais.
● Porém as dificuldades de negociação da dívida se mantiveram por três fatores
segundo a autora.
○ O primeiro fator é o fato dos juros incidirem sobre um estoque considerável do
total da dívida, uma vez que 77% do estoque médio era contratado a juros
flutuantes.
○ O segundo era que os bancos internacionais estavam mais rígidos com relação
à liberação de dinheiro novo e renegociação do principal para que os riscos de
uma crise financeira internacional ocasionado pelo endividamento dos países
em desenvolvimento fossem eliminados.
○ Por fim, tornaram-se muito explícitas as dificuldades de se avançar na área
fiscal e de financiamento interno que pudesse facilitar a manobra com os
credores internacionais.
● Dificuldades nas negociações com os credores
● Equipe econômica cautelosa com os credores
● Queda nas exportações no final de 86 em função do aumento da demanda interna com
o Plano Cruzado comprometeu as contas externas, que provocou novas
desvalorizações.
● Investimento externo líquido negativo de 470 milhões quando se esperava uma
entrada líquida de 800 milhões.
● Qualquer ameaça a performance das exportações gerava uma especulação na taxa de
câmbio que comprometia rapidamente o estoque de reservas.
● A corrosão das reservas minavam o poder de barganha do Brasil frente aos credores.
● Em fevereiro de 87 a moratória foi decretada sem a supervisão do FMI.
● A autora cita um motivo político e um econômico para a decretação da moratória:
○ Motivo econômico: evitar uma situação total de iliquidez das reservas
○ Motivo político: a moratória servia como uma manobra de endurecimento das
negociações com os credores uma vez que internamente a situação já estava
caótica dado o malgoro do Plano Cruzado II
● O governo brasileiro manteve os pagamentos em cruzados nas contas abertas nos
respectivos bancos, estando à disposição do Banco Central.
○ Isso era uma forma de manter uma postura mais cautelosa e responsável diante
dos credores.
● O repúdio do FMI foi violento, fazendo com que os bancos estadunidenses
facilitassem as negociações com demais países devedores (México, Filipinas e Chile)
para impedir uma possível articulação entre eles.
● No entanto, as represálias foram menores do que se imaginavam e, apesar do
rebaixamento de crédito, não houve uma retirada massiva de recursos.
● Para a autora, a moratória evitou, sem dúvidas, que o país caísse numa iliquidez que o
deixaria totalmente subordinado à imposição dos credores.
● O problema foi que ela se deu num momento de fragilidade interna com o retorno da
aceleração da inflação, tornando-se assim mais um desgaste para a equipe econômica
do ministro Dilson Funaro, que renunciou em abril.
● No lugar de Funaro assume Bresser-Pereira que tem por missão renegociar a dívida
junto aos credores internacionais.
● Em meados de 87 a situação da balança comercial no Brasil melhora, sinalizando um
possível retorno do pagamento dos juros.
● Bresser e sua equipe tentaram melhorar a situação do país propondo uma
renegociação a prazos mais longos, que não era do interesse dos credores.
● Apesar de uma ampliação das negociações, os credores não estavam interessados em
oferecer melhores condições pois a ideia era manter o país sob as regras do sistema
financeiro internacional.
● Apesar do retorno do pagamento dos juros vencidos, o acordo esperado não saiu.
Segundo a autora, a falta de articulação política, tanto interna quanto externa, foi um
dos fatores que impediram o avanço de um novo acordo.
As medidas de política econômica nas áreas fiscal e de financiamento interno: avanços,
dificuldades e retrocessos
● Em 85 a situação fiscal é ambígua pois há uma recuperação da arrecadação em razão
da retomada do crescimento.
● Porém no decorrer do ano a situação se complica com o aumento do gasto com
pessoal e da retomada dos investimento dos estados e municípios, que requeriam mais
recursos da administração federal.
● Com isso o ministro Funaro realiza um ajuste centrado em três objetivos:
○ Mudanças de natureza institucional
■ Tinha como finalidade garantir maior transparência e controle sobre os
gastos públicos
■ Criou-se a Secretaria do Tesouro Nacional e se eliminou a Conta
Movimento do Banco Central
■ Foi criada o Conselho Interministerial de Remuneração e Proventos
(CIRP) para delinear as diretrizes da política de remuneração do setor
público
■ Aventou-se a possibilidade de criação de uma holding das estatais
■ Das medidas anunciadas, somente a primeira deu certo.
○ Medidas que visavam aumentar a receita do Estado
■ Um dos principais desafios era eliminar a perda de arrecadação
tributária por causa da inflação, diminuindo o prazo da cobrança dos
impostos e indexando-os
■ Também houve aumento efetivo na carga tributária.
■ Iniciou-se um processo de recomposição das tarifas públicas.
■ As pressões de descentralização tributária por parte de estados e
municípios foram contida.
■ Essas medidas não enfrentaram maiores resistências
○ Maior controle e racionalização dos gastos e das transferências
intergovernamentais
■ O desafio nesse objetivo era conseguir controlar e coordenar os gastos
da administração pública, mas que esbarravam na autonomia dos
estados e das estatais.
■ Uma das grandes preocupações era a retomada do investimento
público a partir de 85 nas administrações diretas de estados e
municípios, que não passavam por maior controle do governo federal,
mas contribuíram para o passivo do setor.
● As medidas de ajuste anunciadas por Funaro lograram maiores sucessos na
recuperação da receita, mas no restante enfrentou problemas de ordem estrutural e
também conjuntural na medida em que a situação econômica voltava a se agravar.
● De acordo com a autora, era evidente a necessidade de uma reestruturação profunda
da "máquina estatal" que requeria maior complexidade.
● Ao fim, os problemas no relacionamento das diversas esferas públicas começavam a
aparecer.
● Na gestão do ministro Bresser, já haviam grandes dificuldades de implantar qualquer
ajuste dado a situação econômica novamente deteriorada.
● Houveram tentativas de manter a valorização das tarifas públicas, que cessaram após
o congelamento implantado pelo Plano Bresser.
● Com a economia novamente desaquecida, a receita se deteriorava ao mesmo tempo
em que cresciam a pressão por subsídios e novos aumentos salariais.
● O governo federal chegou a proibir a concessão de novos subsídios no final de 87 e
preparava um novo pacote de ajuste para o próximo ano, que enfrentou resistências do
setor público e privado, levando à renúncia de Bresser em dezembro de 87.
● Na gestão financeira interna do setor público, o ministro Funaro tomou um conjunto
de medidas para enfrentar a situação de Ponzi finance que iam em 3 direções:
○ Redução das despesas financeiras referentes ao estoque de dívida já contratada
■ Valorização contínua da moeda nacional ante o dólar fez com que as
despesas da dívida financeira externa se desvalorizasse
■ Diminuição das taxas de juros internas
■ A expressiva redução do overnight mostrou que não eram necessários
juros tão altos para garantir o refinanciamento do estoque de dívida no
curtíssimo prazo.
○ Diminuição deste mesmo estoque
■ Mudança do IGP para o IPCA como índice de referência para o
reajuste dos principais indexadores utilizados pelo mercado financeiro
■ No Cruzado também se modificou novamente o indicador, criando o
IPC.
■ No fim das contas, se tratava de um esquema de manipulação para
trabalhar com diferentes séries temporais e excluir uma parte da
evolução dos preços na contagem
■ A abruta queda da inflação com o Cruzado também contribuiu para a
queda da dívida do setor público pois num novo momento de subida da
inflação os contratos realizados antes deste período provavelmente
embutiam uma expectativa de inflação menor uma vez que o indexador
considerava a inflação dos últimos três meses.
■ Houve também manobras para retirar a alta real de alguns preços do
indexador, como era o caso dos depósitos compulsórios na venda de
alguns bens como combustíveis e carros.
■ O ágio cobrado na crise de desabastecimento do pós-Cruzado também
não era contabilizado pelos índices, indexando aos contratos uma
inflação menor do que a averiguada.
■ Ainda que estimar a desvalorização real do passivo interno do setor
público pelos indicadores oficiais levasse a erros grosseiros, essas
ações tiveram impacto importante na redução do estoque da dívida.
○ Constituição de novas bases de financiamento
■ Com o controle do processo inflacionário houve um processo de
remonetização da economia, com a base monetária crescendo 150%
nos primeiros 5 meses do Cruzado.
■ Em 86, 90% das necessidades de financiamento do setor público no
conceito operacional correspondia à base monetária, contra 38% do
ano anterior.
■ O efeito positivo da remonetização superou e muito a queda do
imposto inflacionário (senhoriagem).
■ A remonetização estimulou uma explosão do crédito numa economia
já superaquecida pela elevação do salário real e da queima da
poupança financeira. Essa explosão de crédito reforçou mais ainda o
gasto, erodindo o congelamento e a regulação de preços, que no curto
prazo eram fundamentais para o combate à inflação.
■ A pressão inflacionária voltou a aparecer num período curto de tempo,
cessando o processo de remonetização
■ Uma outra medida para melhorar a capacidade de financiamento do
setor público era tornar os investimentos de longo prazo mais atrativos
e punir os investimentos de curto prazo.
■ Para isso foram retiradas o fim de algumas indexações e estenderam os
prazos de algumas aplicações.
■ Contudo, a desindexação no curto prazo precisava ser substituída por
um referencial de mercado e os títulos públicos deveriam se tornar
mais atraentes que os títulos privados.
■ Para tornar os títulos públicos mais atraentes, o governo colocou os
títulos de longo prazo a juros flutuantes.
■ Contudo, num cenário de retorno à inflação, os juros passaram a
crescer muito, junto com o spred de risco, o que ocasionou num alto
custo para o Estado na colocação destes títulos no mercado.
■ Também houve a criação de um mercado cativo para os títulos
públicos ao obrigar os fundos mútuos de ações e os clubes de
investimentos a aplicar no mínimo 19% de seus recursos em títulos
públicos.
■ Com a retomada da pressão inflacionária, os títulos a juros flutuantes
passaram a ser olhados com desconfiança do mercado dado o cenário
de incerteza, aparecendo indícios de fuga de capitais.
■ As novas pressões inflacionárias fizeram o governo recuar em algumas
medidas, como no afrouxamento das regras de aplicações.
■ Como forma de conter a fuga de capitais, o governo criou uma
indexação financeira plena através das Letras do Banco Central (LBC),
um título do Banco Central com indexação diária.
■ Contudo, apesar dos recuos, o conjunto de medidas tomadas em termos
dos encargos financeiros do setor público em 1986 foram muito
significativos, reduzindo a dívida do setor público em 34%.
● Já na gestão Bresser-Pereira, não se deu tanta importância essa dimensão do
financiamento interno do setor público.
● Com Bresser as medidas de ajuste foram mais conservadoras e não focaram no
financiamento do setor público.
Conclusões
● Para a autora, a experiência heterodoxa quanto à questão do financiamento mostrou
que medidas que atinjam o estoque de dívida e não apenas os fluxos são mais efetivos
para evitar a situação de Ponzi finance.
● Porém, essa experiência revelou suas limitações ao ser tomada de forma unilateral
pelo governo.
● No caso da dívida externa, a sustentação de uma oferta restrita de recursos
internacionais exigia uma desvalorização do dólar como forma de tornar os produtos
exportados mais competitivos, porém, essa desvalorização, aumentava a despesa com
a dívida externa.
○ Para a autora, sempre haverá um trade-off entre o peso do estoque e dos
encargos da dívida externa e a performance das exportações.
● A experiência do Cruzado mostra como o controle do processo inflacionário é
fundamental para recuperar o financiamento do Estado através da remonetização.
● Para a autora, as dificuldades de empreender o ajuste fiscal nesse período ficam muito
evidentes pois o aumento da receita do estado tem como passo fundamental um
contexto de crescimento e a contenção ou reestruturação dos gastos é algo muito
difícil.
● Contudo, ainda segundo a autora, a recomposição de um processo de financiamento
com o controle do processo inflacionário não é automático. É necessário que haja uma
reformulação da estrutura de financiamento.

Você também pode gostar