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| E-ISSN 1808-2599 |
1 Preliminares 1/33
Resumo
O texto toma como eixo a questão prática de como Este estudo foi inicialmente escrito como base
fornecer, na realidade atual dos programas de
para participação em mesa redonda, no V
pós-graduação em Comunicação, apoio para o
encaminhamento metodológico adequado de teses e Seminário Interprogramas da Compós1. A tônica
Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós, Brasília, v.14, n.1, jan./abr. 2011.
dissertações. Assume que pesquisas empíricas são
um processo formativo essencial para mestrandos e do Seminário, mais que buscar uma acuidade
doutorandos. Considerando a ineficácia da adoção de
conceitual abstrata sobre os temas previstos,
regras metodológicas apriorísticas e rígidas e a grande
variedade de ângulos teóricos e de tipos de objeto na voltava-se para alguns desafios concretos que
área, propõe perspectivas básicas e transversais para
cuidados metodológicos, adequados à diversidade de podem afligir o desempenho formador dos cursos
pesquisas qualitativas. Observa que o abandono das de mestrado e doutorado no país. As outras
regras apriorísticas torna a tomada refletida de decisões
um elemento central do encaminhamento metodológico. duas mesas de debates trataram da seleção de
O artigo oferece reflexões sobre três elementos da
estudantes e das atividades de orientação.
pesquisa: problematização, fundamentação teórica e
observação empírica. Trata finalmente das objeções
como processo central no avanço do conhecimento. Para nosso tema – metodologias de pesquisa – é
Palavras-chave menos evidente, em si, a notação prática, pois
Pesquisa em Comunicação. Metodologias.
Currículo. Fundamentação teórica. Observação
comporta certamente uma apropriação conceitual
Sistemática. Objeções. e abstrata. Mas, considerando que os contextos
devem sempre ser significativos, assumimos
que o tema desdobra-se na seguinte pergunta:
como fornecer, na realidade atual de nossos
programas de pós-graduação em Comunicação,
apoio aos estudantes para o bom desempenho
de suas investigações, de modo a que suas teses
José Luiz Braga | jbraga@unisinos.br
Doutor em Comunicação pelo Institut Français de Presse (IFP). Professor e dissertações alcancem resultados relevantes,
Titular no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade
do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). com encaminhamentos metodológicos adequados?
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E, particularmente: de modo a que essa obra própria formação do pesquisador. Nessa formação,
seja o principal indicador da boa formação do o desenvolvimento de competências metodológicas
pesquisador que a produziu. e de formulação teórica é o núcleo organizador.
Essas questões dirigem seu desafio a todo Sabemos que toda discussão teórica,
o conjunto de atividades formativas em um epistemológica e metodológica é importante para
programa de mestrado ou doutorado – todas as a formação de uma “cultura de pesquisa”; e que
previsões curriculares recebem a incidência da a obtenção de um bom manejo de perspectivas,
questão. Uma parte das respostas relaciona-se às conceitos e abordagens diversificados nesse
tarefas da orientação; outra parte, a disciplinas âmbito é parte importante do programa pessoal
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oferecidas em curso – sejam abrangentemente de formação continuada de todo pesquisador. Mas
voltadas para metodologia e pesquisa, sejam aqui se trata de outra coisa, mais próxima, mais
especificadas por algum ângulo teórico, temático urgente e mais concreta – que é a oportunidade
ou de encaminhamento. As demais previsões de usar a própria pesquisa de dissertação ou
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curriculares (seminários, publicação de textos, de tese como campo de prática, de formação
reuniões de grupos de estudo e pesquisa) recebem de experiência sobre modos de encaminhar a
também a incidência da questão metodológica. pesquisa e para aprender com seus desafios.
Nessa perspectiva, a questão das metodologias Três preliminares devem ser levadas em conta, neste
de investigação desdobra-se na questão dos ponto. A primeira, de ordem teórico-metodológica, e
procedimentos pertinentes para oferecer apoio – o pertinente à história do conhecimento nas Ciências
que é um problema de metodologia pedagógica. Humanas e Sociais (CHS), é o forte consenso
Uma formação metodológica, em mestrado ou atual de que não é possível assumir abstratamente
doutorado, não pode se restringir a informações abordagens prévias e “fechadas”, a serem aplicadas
sobre teorias e métodos. Deve-se fazer os a uma diversidade de pesquisas. Assim, diferentes
estudantes refletirem sobre o enfrentamento pesquisas solicitam diferentes aproximações,
da pesquisa, estimulando o desenvolvimento de conforme suas perguntas e objetos; e mesmo táticas
abordagens metodológicas como práticas sobre metodológicas comprovadas e pertinentes devem ser
seus próprios problemas de investigação. ajustadas a características concretas do objeto e ao
desenho específico da investigação. Mas isso não
Um dos objetivos centrais do trabalho de produção
deve ser pretexto para “vale tudo”. Ao contrário, as
da tese ou dissertação, mais que os resultados de
exigências se ampliam.
conhecimento produzidos sobre seus objetos, é a
1 V Seminário Interprogramas, dia 28 de outubro de 2008, realizado no PPG em Comunicação da PUC/SP. O texto sofreu revisões
posteriores, tanto para levar em conta questões surgidas no debate, como para incluir aspectos não tratados na versão preliminar.
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fazer quanto a este conceito). No espaço de um
que esteja minimamente dentro de nossas
mestrado, não fazemos jornalismo, literatura,
competências de docentes que, evidentemente,
arte, militância. Temos o objetivo de produzir
não podem abranger a formidável diversidade do
conhecimento, embora esse fazer científico, hoje,
que é teórica e metodologicamente disponível.
no espaço das ciências humanas, não se pretenda
puro, nem objetivo, nem neutro. Ainda que seja Diante de tal questão, uma terceira preliminar
possível e desejável desenvolver interações deve ser a de evitar meramente inculcar
instigantes com os fazeres acima referidos, o em nossos estudantes as nossas próprias
que especifica nosso trabalho é a produção de preferências teórico-metodológicas – o
conhecimento acadêmico. que corresponderia a ficar indiferente às
necessidades específicas, certamente
A segunda preliminar, de ordem histórico-
diferenciadas, de um grande número de
contextual, referida especialmente à pesquisa
mestrandos e doutorandos. Certamente as
no Campo da Comunicação, é a extraordinária
preferências teórico-metodológicas do professor
diversidade de temas, objetos, questões, ângulos,
− e sobretudo da linha de pesquisa − têm
conceitos, paradigmas e teorias que hoje são
um papel a cumprir. A terceira preliminar
acionados, conforme as escolas, as áreas de
assinalada apenas alerta que tais preferências
interesse e as linhas de pesquisa. A solicitação
não devem “se abater” sobre os estudantes, nem
de transferência do que seja aprendido, de uma
de modo autoritário nem em desconsideração
questão para outra, é mais ampla, talvez, do que
de necessidades específicas de sua pesquisa.
em outras disciplinas humanas e sociais.
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ponto de serem aplicáveis a qualquer situação
As três preliminares apontadas correspondem formadora, em apoio a qualquer tipo de pesquisa
a outros tantos desafios para o trabalho dos comunicacional. Mas estou convencido de que,
professores e dos estudantes nos PPGs. trabalhadas reflexivamente por colegas, em função
dos desafios pedagógicos e metodológicos em sua
Malgrado a superação de abordagens fechadas a
orientação e seu ensino, poderão estimular táticas
priori, apesar da diversidade de objetos e teorias
– por transferência, reajuste ou substituição –
e das preferências teórico-metodológicas variadas,
pertinentes para seu trabalho docente.
queremos abordar aqui a questão das necessidades
gerais, abrangentes e transversais de uma formação Essas pretensões distinguem-se, entretanto,
metodológica básica. O que se deve prever, nessa de uma “tática de manual de pesquisa”. Na
perspectiva, que corresponda a algo de produtivo perspectiva de manual, os autores oferecem
para toda uma diversidade de pesquisas? informações básicas para uma espécie de
“desenho médio” de uma pesquisa padrão. Minha
Deve-se tratar naturalmente de aproximações
preocupação, bem diferente, é a de oferecer
tão básicas que possam ser ajustadas a temas
ângulos a serem refletidos e cuidados pelos
e teorias bem diversos. Percebo que, às vezes,
professores e pelos pesquisadores-estudantes
aproximações muito sofisticadas e pertinentes
como pistas para seus próprios encaminhamentos,
aos objetos de pesquisa dos estudantes deixam de
diferenciados em função de seu objeto e de seus
render seus melhores resultados de investigação
fundamentos teóricos.
– justamente na falta de decisões e procedimentos
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em uma pesquisa: problematização e hipóteses;
irrelevantes, no quadro abrangente de produção
fundamentação e tensionamento; o
da pesquisa em uma área de conhecimento.
trabalho de observação;
Mas apenas que os mestrados – e muitas vezes
– espaços mais habituais de risco em uma também os doutorados – não são o melhor
pesquisa de pós-graduação; momento para tal exercício exclusivo. Ao
contrário, processos exclusivamente centrados
– o trabalho de objeção como
no estudo de autores, para gerar dedutivamente
componente metodológico.
ainda outras ideias, parecem solicitar uma
com uma realidade que resiste, que apresenta sistemática, de questionamentos, de articulação
fatos incontornáveis, que não se resolve apenas adequada entre os fundamentos teóricos acionados
com base em argumentação e especulação e as dúvidas postas pela construção do objeto.
abstratas. Em última análise, queremos “falar Fala-se às vezes em “originalidade” (sobretudo para
sobre o mundo” – mesmo quando se faz a filosofia a tese de Doutorado). Mas esta é relativamente rara
mais abstrata e sofisticada. Se o estudante tiver e depende de condições muitas vezes externas ao
a pretensão de entrar diretamente nesse mundo esforço investigativo. Mais importante é um esforço
rarefeito da especulação, que contato terá tido sistemático para a descoberta – o que é outra coisa.
com a resistência das coisas?
Note-se que defender a pesquisa empírica não
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Outro ângulo é o da importância da descoberta corresponde a uma visão empiricista desta –
como elemento relevante – tanto da contribuição que leve a proposições meramente descritivas,
para o conhecimento como do estímulo para limitando a investigação a uma factualidade
o árduo trabalho da pesquisa. Falo aqui das superficial ou “mecanicista”. Ao contrário. Não
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descobertas efetivas sobre características se trata de eliminar ângulos interpretativos, de
intrigantes do mundo real. O trabalho de elaborar descartar insights ou de fugir da construção
formulações teóricas sobre tais descobertas é uma conceitual ou da fundamentação que orienta o
experiência necessária para o bom pesquisador. Se olhar sobre o objeto. Uma boa pesquisa elabora
todo o trabalho de pesquisa corresponder apenas estas e outras démarches mais abstratas,
a elaborações dedutivas e ensaísticas – mesmo alimentadas pelo conhecimento teórico. Apenas,
sofisticadas – a partir do que outros autores aciona estes elementos menos materiais
escreveram, faltará esse aspecto fundamental à submetendo-os ao crivo do enfrentamento das
experiência de nossos mestrandos e doutorandos. coisas. Não podem ser desenvolvidos e elaborados
apenas com base em uma sabedoria verbal,
Não é preciso que as descobertas realizadas
argumentativa, especulativa e abstrata.
nas pesquisas empíricas se caracterizem como
a vanguarda do conhecimento na área – nossas O trabalho metodológico corresponde, na pesquisa
descobertas raramente o são. Trata-se mesmo empírica, a pôr tais elementos abstratos a serviço
de enfrentar a resistência da realidade, cercá- de um problema-eixo, voltado para efetivas
la com nossa problematização e ser capaz de descobertas. Essa experiência só ocorrerá através
perceber alguma coisa ali que, por mais modesta do desenvolvimento de pesquisas empíricas no
e singular, antes não era claramente percebida, mestrado e no doutorado.
agora encontra um esclarecimento produzido
A pesquisa empírica, que não elimina – ao
por nosso trabalho investigativo, de observação
contrário, solicita – a boa reflexão teórica,
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os encaminhamentos da reflexão teórica.
aprofundar em formulações teórico-especulativas.
para processar neutramente a investigação, singulares, que não serão “explicadas” em termos
poderia levar o estudante à perspectiva de de causa e efeito, mas sim “compreendidas” em
que a aproximação do objeto pode ser menos seu devir? Incluímos na busca de descobertas
rigorosa. Ao contrário – o abandono da injunção também uma angulação praxiológica? A visada
determinante do “a fazer” impõe maior atenção será positivista ou fenomenológica?
e cuidados quanto ao “em fazendo”. Nessa
As decisões tomadas sobre questões deste
perspectiva, a metodologia é uma sabedoria na
tipo devem ser coerentes com as visadas mais
tomada de decisões em que o pesquisador se vê
específicas da pesquisa e, ao mesmo tempo,
constantemente envolvido.
repercutem direcionamentos sobre todos os
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No campo de estudos em Comunicação, tais outros processos da investigação.
cuidados são particularmente relevantes,
Este é apenas o nível mais geral e abrangente
uma vez que importamos teorias, conceitos e
das questões metodológicas. Encontramos
metodologias de múltiplos horizontes – que pedem
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em seguida as questões de fundamentação
transferências e harmonizações complexas para
teórico-metodológica. As teorias que adotamos,
funcionarem juntos.
normalmente, não apenas envolvem explicações
* * * da realidade, mas também fornecem os objetos-
tipo que em seu âmbito são constituídos e
O mestrando e o doutorando devem ser
alguma ordem de questões que lhes são dirigidas.
estimulados a perceber que a noção de
Costumo me referir a estas como “questões de
“metodologia” se relaciona a toda uma diversidade
horizonte”, pois ao trabalhar com uma teoria
de ações de encaminhamento, assim como a
assumimos como horizonte de reflexão a ordem
uma variedade de instâncias de reflexão; e que
de questionamento diante da qual construímos
as tomadas de decisão, passo a passo, implicam
nossas perguntas específicas de investigação.
a necessidade de fazer distinções entre níveis e
dentro de cada nível de elaboração. Aparece, portanto, já aí, um conjunto de questões
metodológicas, correspondente à escolha das teorias
No nível mais abrangente, encontramos questões
adequadas. Ou, alternativamente, diante de uma
de método na escolha de paradigmas e modelos
escolha já feita de autores (por serem os de nossa
epistemológicos. Vamos fazer uma pesquisa
preferência), devemos fazer opções pertinentes
nomotética, em busca de regularidades no âmbito
para a construção do objeto de pesquisa. Junto
em estudo? Ou vamos fazer uma busca indiciária?
com isso, naturalmente, vêm os conceitos a adotar
O objeto é suscetível de abordagem histórica,
e desenvolver, as premissas e, eventualmente, um
solicitando a apreensão de estruturas complexas e
âmbito de produção de hipóteses.
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conjunto específico e concreto a ser observado do processo de encaminhamento de decisões –
(“recorte”, corpus, amostra, grupo, documentos, parte sendo conhecimento estabelecido, a que
situações, pessoas etc.). devemos recorrer com pertinência; parte, prática
incorporada, a ser desenvolvida durante toda a
E aí aparecem as questões de abordagem –
carreira do pesquisador; e parte invenção, a ser
metáfora que expressa bem a necessidade de
testada por sua coerência e seus resultados, no
enfrentamento muito concreto de realidades ora
próprio exercício da pesquisa.
esquivas ora “impenetráveis”. Manifesta-se a
necessidade de decisões referentes ao “olhar”, Não existindo receituário rigoroso e sintético,
aos critérios de seleção, às ponderações entre que possa ser usado como um check-list dos
diferentes indícios ou dados, às articulações pontos a serem cuidados, as dificuldades podem
entre componentes dispersos, aos procedimentos parecer insuperáveis. Entretanto, se levarmos
de interpretação, ao escopo e extensão das em conta aquela perspectiva de metodologia
inferências. Depois das seleções e organização como o acompanhamento refletido daquilo que
de dados e indícios, temos ainda decisões se está fazendo, podemos encontrar no próprio
interpretativas; e finalmente, o retorno dos desenvolvimento da pesquisa as pistas para seu
resultados ao âmbito da reflexão teórica, o que controle metodológico.
pede ainda novas decisões.
Costumo dizer a meus estudantes que a essência da
Embora apresentadas em uma espécie de reflexão metodológica se encontra na competência
sequência, acima, na verdade não há um ponto humana de, ao fazer qualquer coisa, termos a
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em andamento oferece toda uma variedade de e a não fazer”. Podemos complementá-lo – e
testes e critérios. A cada decisão tomada, a cada tensioná-lo produtivamente – pelo esforço de
encaminhamento previsto, podemos sempre manter articulações dinâmicas entre os diferentes
observar sua incidência sobre os demais pontos componentes de nossa pesquisa. E isso pode ser
da construção em processo. Como a escolha feito simplesmente relendo com frequência os
do problema repercute sobre a seleção dos textos parciais já escritos, refletindo criticamente
observáveis? Como o modo de observar tensiona sobre os passos já dados e revendo em continuidade
o modelo epistemológico preferido? Como as nossas decisões, controlando cada uma das partes
teorias adotadas pré-conformam o objeto? Como da pesquisa por sua articulação com as demais.
a observação prevista pede redirecionamentos do
É isso que caracterizo como uma aproximação
problema? E assim sucessivamente.
metodológica do “em fazendo”, por contraste
Como uma pesquisa é sempre um percurso com uma previsão rígida e prévia do caminho “a
iterativo entre suas partes, podemos “voltar atrás” fazer”. É claro que estar atento aos componentes
e rever as decisões anteriores. No momento da básicos de uma pesquisa – que são atravessados
observação podemos perceber que as perguntas da continuamente por aqueles níveis de tomada
pesquisa ainda não tinham desprendido todo seu de decisão – ajuda o pesquisador mestrando ou
potencial de descoberta – e uma revisão dessas doutorando a desenvolver acuidade para a revisão
perguntas pode permitir um desenvolvimento crítica daquilo que desenvolve.
qualitativo da investigação.
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Construir e problematizar um objeto de pesquisa se apresenta apenas como uma relação entre a
genéricas, buscadas no âmbito teórico. Bem diretamente voltadas para a realidade, devem
mais que isso, envolve todo um enfrentamento, igualmente se articular com as “questões de
inicial sobre as coisas, são já elementos do para concretizá-las e/ou para tensioná-las.
processo construtivo – que, em certo sentido, A elaboração de perguntas pede também um 11/33
pede “invenção”. Mas essa invenção tem que enfrentamento exploratório prévio dos materiais –
sobreviver aos rigores da formulação conceitual e para preparar a “construção” – seleções, decisões
do enfrentamento da realidade. sobre o que deve ser “objeto” e o que deve ser
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“contexto”, sobre os ângulos mais promissores
Se construímos um bom problema de pesquisa, as para sua aproximação.
demais atividades da pesquisa articulam-se com
facilidade em torno. Mas isso não significa que se A explicitação dos objetivos da pesquisa
um problema e que este, uma vez “pronto”, passe a problema. É claro que o estudante e o orientador
do problema solicita de tal modo incursões nos problema e os objetivos – estes repercutem aquele
outros dois elementos processuais da pesquisa, na forma seguinte: dadas tais questões, estes
que deve ser frequentemente revista em função são os objetivos a que a pesquisa se propõe. O
destes. É sob esta condição que o problema se inverso seria válido, também: se estes são os meus
caracteriza como verdadeiro eixo da investigação.2 objetivos, o que devo perguntar ao objeto?
Nessa concepção dinâmica, o “problema da Não é raro encontrar uma disjunção entre os
pesquisa” não se esgota na “pergunta de partida”. dois componentes – o que evidencia uma reflexão
2 A metáfora do “eixo” me parece mais produtiva que a do “recorte”. Essa última parece isolar o objeto, enquanto que o eixo
justifica todas as relações necessárias, inclusive contextuais, de materiais e de conceitos que, percebidos relevantes, podem ser
postos em rotação em torno e a serviço do problema
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um excesso de objetivos resultaria no atendimento
tê-las; mais difícil ainda seria se livrar das que
apenas parcial da lista; ou em diluição resultante
nos surgem tão logo começamos a prefigurar um
de um tratamento superficial de todos.
projeto de pesquisa. As hipóteses nos surgem
Quanto às justificativas, frequentemente na forma de insights sobre o objeto, na forma
encontramos, em projetos, em teses e de visadas teóricas já presentes no acervo de
dissertações, justificativas que enfatizam a nosso conhecimento pessoal ou que aparecem
relevância do tema ou a importância social de nas leituras acionadas para desenvolver o
que tais e tais questões sejam pesquisadas. projeto, ou ainda através das relações que vamos
Sem desprezar tal informação, as justificativas desenvolvendo entre a abstração teórica e a
básicas de uma pesquisa devem corresponder aspereza das coisas.
à validade de seu problema específico e à boa
Nada contra essa “hipotetização espontânea”.
fundamentação dos encaminhamentos propostos
Nem seria possível investigar um segmento da
– e não ao interesse genérico de seu assunto. É
realidade de modo “neutro e indiferente”. Se não
nesse sentido que “justificativas” fazem parte da
tivéssemos ideias a respeito das coisas, nem sequer
construção do problema.
pensaríamos em investigá-las. O próprio formato
No artigo Para começar um projeto de pesquisa, de nossas dúvidas já é um começo de hipotetização
desenvolvi mais longamente a questão central sobre como devemos construir a curiosidade.
da construção do problema, em termos de
A questão, assim, é sobre o que fazer com tais
aproximação prática, sugerindo táticas para seu
percepções preliminares. O primeiro passo, é claro,
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Uma parte dessas hipóteses prévias será dirigida Isso leva, às vezes equivocadamente, a se dizer
à definição das premissas. Estas, como premissas, que a pesquisa pretende verificar ou confirmar
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já não serão mais hipóteses, mas sim ponto as hipóteses. Efetivamente, as pesquisas
de partida assumido, para todos os efeitos da nomotéticas, que procuram leis e regularidades,
pesquisa. Assim, não serão investigadas, pois querem isso mesmo: verificar. São em geral
foram adotadas (é claro que devemos ter boas pesquisas quantitativas e/ou laboratoriais
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razões para isso). Outras ainda, serão “hipóteses que, por isso mesmo podem ser chamadas de
de trabalho” – proposições, ainda tentativas, que “verificacionistas”. Estas pretendem confirmar
direcionam nossa investigação. São igualmente ou infirmar uma proposição rigorosa e específica
prévias e, embora possam ser modificadas em inicial. Não sabemos, entretanto, no início da
curso, não devem ser confundidas com “aspectos pesquisa, se essa proposição efetivamente
do problema”: são antes processos metodológicos, corresponde a “relações necessárias que decorrem
de direcionamento para a busca de resposta. da natureza das coisas”.4 Tais hipóteses trabalham
sobre poucas variáveis, controladas, e são
Mas finalmente, algumas daquelas “ideias”
apreensíveis em formulação binária, por exemplo
iniciais sobre o objeto vão resistir e se
– “fumar provoca câncer (sim ou não)”. Quando
caracterizar, propriamente, como “hipóteses
o pesquisador não consegue, após tentativas
de pesquisa” – ou seja, apresentam-se como
controladas com esse fim, demonstrar a “hipótese
“proposições em dúvida” e que deveriam ser
zero”, contrária a sua “hipótese do pesquisador”,
esclarecidas através de investigação.
pode então considerar esta última “verificada” (em
Como se articulam essas proposições com as tais e tais condições).
perguntas de pesquisa? O que solicitam do
Entretanto, as hipóteses-insight que dão base a
trabalho de investigação propriamente dito que é a
pesquisa qualitativa dificilmente se comportam
observação sistemática?
assim. As variáveis são em maior número, menos
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pelo insight, trabalharemos tendencialmente irrelevante apenas confirmar.
para “provar” essa ideia – gerando uma cegueira
Isso significa que aquelas ideias prévias devem ser
involuntária para todos os dados que a contrariem.
tensionadas pela reflexão teórica e pelo trabalho
Segundo, porque provavelmente uma ideia gerada
de investigação – não com a perspectiva de
por forte envolvimento com a coisa é mesmo
infirmar, mas de superar: de tornar as hipóteses
“verdadeira” (isto é – válida para o espaço e
mais complexas, mais abrangentes, mais finas,
conjuntura em que foi proposta) – e se sustenta
melhor formuladas; ou de encontrar outras
pela própria constatação “ao vivo”, sem precisar de
hipóteses derivadas que substituirão as anteriores
pesquisa para demonstrá-lo. O senso comum basta
com vantagens. Ou ainda, de obter maior precisão
para sustentá-la.
sobre o âmbito de sua validade, em formulação
O que podemos pretender, então? rigorosa. Isso pede resistir a uma valoração
universalizante de sua validade; e o desenho das
A démarche básica corresponderia a assumir que
condições em que a proposição é pertinente – com
as percepções “de partida” são excessivamente
explicitação dos limites dessa pertinência e das
simples ou relativamente equivocadas, em
cautelas no manejo da afirmação.
todo caso incompletas. O trabalho de pesquisa
envolve (em perspectiva oposta à nomotética), Simplesmente “confirmar uma hipótese
desenvolver, tornar mais complexas, aprofundar, de partida”, em uma pesquisa qualitativa,
ajustar ou mesmo substituir radicalmente corresponderia a um relativo fracasso, pois a
as hipóteses de partida por outras, mais rigor já pudemos chegar à proposição com base
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os usos da teoria
competência para efetivamente estabelecer
relevância de indícios e para articular esses É importante considerar as relações entre
Podemos dizer que se trata de uma boa resposta se na pesquisa, e o trabalho propriamente
falseabilidade decorrente de objeções. Não se Uma visão empiricista que pretenda extrair
tal ou tal teoria estabelecida – uma vez que o situação observada, a “olhos nus”, não iria muito
desacordo seria mútuo, entre o modelo singular além de descrições superficiais, de senso comum
visão teórica pré-adotada é capaz de explicar assumindo que os conceitos têm o poder de moldar
totalmente o caso singular selecionado. Nesse a realidade – e só veremos o que já foi visto antes,
caso, a pesquisa se limitaria a ilustrar a teoria pelos autores das teorias e conceitos adotados.
com mais um caso. Nem se desenvolve a teoria,
O resultado, aqui, seria o de meramente usar a
nem se amplia o conhecimento do objeto em
teoria para explicar, sem restos, o objeto específico
sua especificidade – o resultado do estudo seria
de nossa pesquisa, assim como o faz em modo
apenas uma descrição do objeto “nos termos da
abrangente para a classe geral de objetos em que
teoria tal” ou sua categorização em um sistema
inscrevemos o nosso.
classificatório apriorístico.
A ideia de “fundamentação teórica” é tradicional e 16/33
O trabalho de relacionar conceitos e teorias,
rica – não deve ser abandonada. Devemos é evitar
de um lado, e questões concretas pertinentes
a impressão de que esses “fundamentos” podem
a uma investigação, de outro, não se faz sem
sustentar sozinhos (só-teoria, só-abstração)
dificuldades. Adoto a noção de “tensionamento”
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o trabalho de enfrentamento da investigação
como preferencial para esse trabalho.
no mundo empírico. A teoria é com certeza um
Outras palavras são corriqueiras, nesse âmbito: dos fundamentos básicos da pesquisa – pois
“aplicar” (perspectivas, conceitos e teorias à não pesquisamos a partir do zero e sim do
pesquisa); desenvolver a “fundamentação teórica” conhecimento estabelecido pertinente. Mas se
ou teórico-metodológica da pesquisa. Certamente não misturarmos, na massa de que se farão os
são válidas. Mas outros ângulos importantes alicerces da pesquisa, as questões e a espessura
do trabalho de articulação teoria/pesquisa não própria da realidade empírica, eles não terão
podem ser deixados na obscuridade, ou ser resistência e estrutura para sustentar o edifício5.
interpretados restritivamente.
Sem esse cuidado, poderíamos estar apenas
Se entendêssemos em modo restrito a palavra falando sobre o objeto no jargão teórico
“aplicar”, arriscaríamos pensar o trabalho adotado ou usando características do objeto
conceitual para a investigação como uma coisa para “ilustrar a teoria”. Como pesquisamos
meio mecânica, de adoção de teorias e conceitos para descobrir coisas a respeito do objeto em
diretivos, conformando o trabalho de investigação investigação (problematizado, portanto), tais
como uma técnica de “aplicação de regras e descobertas, mesmo singelas, por definição não
receitas”. “Aplicar”, portanto, deve ser visto em existiam, antes, no corpo conceitual adotado.
sentido mais sutil que o literal. Senão, estaríamos Devem ser feitas caber, depois, no corpo teórico
5 Apenas estendo, aqui, a metáfora evidente da palavra “fundamentos”, de notação arquitetônica, aliás frequente em pesquisa e
teoria do conhecimento, através do articulador “construção”.
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em que inscrevemos nossa pesquisa. Esse Decorre daí que nem toda teoria, nem toda oferta
esforço corresponde a um tensionamento entre bibliográfica se presta igualmente a esse exercício
objeto e teoria. de articulação central.
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conceitos e abordagem implica negociações entre confortar doutrinas – por mais relevantes que nos
o abstrato e a ação de investigação. Uma parte pareçam. A teoria não pode, portanto, estacionar
dessa negociação (e talvez redirecionamentos) nesse nível de fundamentação.
se fará na prática da observação e da coleta
Em âmbito teórico próximo a este, encontramos
de dados. Quanto mais conscientemente o
a teoria como conhecimento já constituído sobre
pesquisador enfrente essas disjunções e expresse
aspectos de nosso objeto e seu contexto. Não
suas decisões a respeito, mais contribuirá para o
precisamos “pesquisar tudo” a respeito do objeto de
conhecimento em sua área.
nosso interesse – o que obrigaria a refazer, no âmbito
Outra parte do trabalho de articulação/ da pesquisa, todo o caminho do conhecimento
tensionamento deve, inevitavelmente, ser sobre o objeto.6 Deixaremos de problematizar
feita ainda nas fases preliminares – de diversos aspectos do objeto que, para os efeitos
problematização, de planejamento da pesquisa: da pesquisa, serão considerados secundários em
com aquelas teorias que, mais de perto, oferecem relação ao que questionamos. Para aqueles ângulos
estímulos à construção do problema, que “complementares”, usaremos normalmente o
fornecem premissas instigantes, em cujo âmbito conhecimento estabelecido – uma parte do qual
se põem conceitos a serem usados para construir nos vem de revisões bibliográficas e da pesquisa
o objeto e sugerir indicadores ou tratamento. Tais recente sobre objetos similares. Por definição, não
conceitos podem ser “testados” pelas resistências cabe problematizar nem tensionar tais proposições –
encontradas na pesquisa, em sua especificidade. assumimos, simplesmente, que “informam” o objeto.
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categorização, interna ou entre similares, com lograssem “explicar” completamente, isto é, à
base em um sistema classificatório estabelecido nossa satisfação, os objetos que nos interessam,
(démarches certamente válidas, mas parciais), não haveria razão para pesquisá-los. É assim que
temos também a expectativa de encontrar “restos”: o objeto pode sempre, de algum modo, tensionar
ângulos ainda não plenamente esclarecidos, as teorias adotadas. Não no sentido de negá-las,
espaços não totalmente cobertos pelas teorias mas de complementar com ângulos específicos; de
solicitadas. Esse tipo de esforço reflexivo é que observar diferenças na semelhança (realizações
pode ser caracterizado como de tensionamento singulares ainda não percebidas na proposição
mútuo entre teoria e objeto, potencializado pelo geral), ultrapassando o nível “geral” da proposição
modo como problematizamos o caso. abstrata e buscando perceber “variações internas”
desta; ou de observar semelhanças para além
Mais do que “aplicar” teorias e conceitos
das especificidades de cada variação. Tais
para apreender, categorizar ou “explicar”
tensionamentos permitem outras proposições
completamente um objeto ou situação empírica,
gerais hipotéticas para apreensão do objeto – que
trata-se de problematizar o objeto em estudo
não negam necessariamente a proposição geral de
6 Outra metáfora recorrente em pesquisa, a partir da própria etimologia da palavra “método” – caminho para uma meta a atingir.
Que, aliás, é informada por sua experiência e por suas leituras.
7 As hipóteses heurísticas correspondem a inferências abdutivas elaboradas a partir de dados parciais disponíveis, e que são
então assumidas – provisoriamente – como possíveis. Acionadas, para todos os efeitos de uma pesquisa, pode-se então perceber
o retorno obtido da realidade observada quando o fazemos na ótica dessa hipótese. Note-se que não se trata de uma “hipótese de
pesquisa”, mas de um instrumento de questionamento e de observação para gerar descoberta.
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Teoria como visão de base (fundamentos) a perceber relações entre as coisas (e entre as
19/33
coisas e os conceitos) e portanto a problematizar
Teoria como proposições abstratas a respeito
o objeto segundo essas relações;
de determinados tipos de objeto, de questões
de conhecimento: é o espaço de nossas crenças - teoria como conjunto de conceitos que dá apoio ao
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fundamentais sobre o conhecimento e suas trabalho de observar sistematicamente um objeto,
possibilidades. Nesse nível, com relação à de direcionar as perspectivas para interrogá-lo.
pesquisa, a teoria precede o objeto – funciona
Nesse âmbito, não basta apenas “conhecer a
como “fundamento”. O gesto de acionamento é o
teoria” – é preciso acioná-la a serviço de nossa
da adoção.
pesquisa. O que podemos chamar de “construção
de aparato metodológico” de uma pesquisa é esse
Teoria como conhecimento estabelecido
trabalho sobre a teoria, fazendo-a dialogar com
Para além dos fundamentos propriamente
nosso objeto e nosso problema, para fornecer
ditos, utilizamos teorias pelo que elas explicam
encaminhamentos à pesquisa.
sobre nosso objeto e seu contexto. O fato de
dispor de tais conhecimentos já elaborados Nesse aspecto, as teorias, certamente poucas
diversificado e abrangente de busca, permitindo e tensionadas pelo objeto. Elas não devem
a concentração do pesquisador nos aspectos explicar sem restos – pois se assim fosse, a
organizá-las com pertinência, como suporte de teorias para perguntar, para planejar a
Trata-se da teoria como diálogo produzido entre os terceiro, as teorias tensionadoras do objeto e
resultados de uma pesquisa específica e as teorias tensionadas pelas questões “em elaboração” – ao
estabelecidas (desde ângulos complementares, até mesmo tempo fornecendo bases para interrogar
conhecimentos obtidos estão, é claro, ou outra posição. Tudo depende de nosso objeto,
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relacionados com as teorias de partida e da problematização relacionada, dos objetivos da
as complementam. Essa produção pode pesquisa e do que foi assumido como eixo. Somos
ser definida como “a teoria específica do levados assim fazer distinções entre diferentes
objeto pesquisado”. Esta pode ter a forma de possibilidades do acionamento teórico e a tomar
proposições nomotéticas – se a pesquisa suporta decisões sobre o que faremos cada aporte teórico
Observamos, então, quatro níveis diferentes de Mas não basta, para “ir a campo”8, contar com um
materiais e/ou situações a serem investigadas. disponível pelo estudante. Uma previsão excessiva
Que conjunto específico de coisas, documentos, de materiais, ou uma diversidade de situações,
processos, situações e/ou pessoas deve ser que não conseguirão ser examinadas com a
observado? Tal decisão deve ser cuidadosamente acuidade requerida na duração do mestrado ou
elaborada, com previsão do que vai ser do doutorado, leva ao risco de uma observação
examinado, em que quantidades, variedade e superficial e impressionística; ou, pior ainda,
especificidade. Que critérios e características a uma amputação improvisada de parte das
agregam e dão consistência ao observável? Além observações previstas, quando o momento
desses critérios e características, que outras imperativo da conclusão cai repentinamente
decisões devem ser tomadas, quanto a dimensão, sobre o pesquisador. 21/33
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estabelecida em função do problema – prometendo em Comunicação são geralmente complexos
viabilizar as elucidações que este busca. Deve e abrangentes. Quando não trabalhamos com
ser também coerente com as premissas e com os poucas variáveis, extraídas de seu contexto e
fundamentos teóricos assumidos. controladas, nos defrontamos com uma grande
diversidade interna do objeto; e com relações
Como se caracteriza o material, em função das
contextuais múltiplas – e esse é geralmente
observações pretendidas? É relevante decidir se
o caso, nos estudos qualitativos. É claro que
o mais promissor para nossas dúvidas é o exame
a problematização elaborada, os objetivos da
acurado de um caso singular, se precisamos
pesquisa, as hipóteses norteadoras, servem
da representatividade de uma “população”
de critério para as decisões sobre os ângulos
(cuja amostra receberá, nesse caso, tratamento
preferenciais dos objetos e sobre os contextos
estatístico), se queremos observar uma
pertinentes – é relevante refletir sobre
diversidade de objetos pertencentes a uma mesma
essas articulações.
classe, se uma comparação entre duas situações
promete desprender as informações requeridas Mas, além disso, devemos pensar sobre as
para a descoberta. “perguntas” que faremos ao objeto. Estas
dependem das perguntas de pesquisa, mas não
Além da pertinência do observável, é claro que
se confundem com elas. Como ilustração dessa
sua constituição deve levar em conta o tempo
8 “Ir a campo”, em nossa área, pode ser uma metáfora. Se vamos investigar programas de televisão, o “campo” pode se encontrar
na sala do pesquisador.
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distinção, podemos assinalar o equívoco que seria, pensar antecipadamente na forma de coleta,
em uma pesquisa sobre recepção, por exemplo, sistematização e formulação dos dados
levar aos entrevistados, diretamente, nossas (informações, pistas etc.), de modo a ser possível,
perguntas de pesquisa. O que obteríamos aí não em continuidade, trabalhar interpretativamente
seriam indicações sobre como as pessoas veem e sobre estes.
interpretam tais e tais produtos midiáticos – e sim
Diferente de uma reportagem, não vamos ao
uma opinião a respeito dos ângulos hipotéticos
objeto apenas para alinhar e descrever fatos “que
que constituem nossa formulação. Se vamos
apareçam”, objetivamente. É preciso ainda, sobre
observar documentos, não vamos “forçá-los”
a observação – cujo modo adotado já deve ser
superficialmente na forma de nossas perguntas 22/33
uma decisão pertinente – relacionar, interpretar,
– devemos buscar sua lógica própria, tipicamente
inferir. Tal trabalho não pode ser nem improvisado
implícita, para então perceber as relações que vão
nem impressionístico: decorre diretamente
dessa lógica às nossas perguntas de pesquisa.
das provisões estabelecidas no problema e nos
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A observação material da situação procura as fundamentos. Assim, o planejamento sobre a
pistas, busca constituir “dados” – elementos coleta, a sistematização e a formulação dos dados,
factuais que nos ofereçam informações básicas a deve ser previsto para viabilizar e favorecer o
serem interpretadas para atender às perguntas da trabalho interpretativo.
problematização. “Perguntar ao objeto”, decidir
Um equívoco que às vezes ocorre é o de um
como organizar e sistematizar a observação
levantamento muito abrangente e diversificado de
corresponde a decidir que fatos, pistas,
dados mal sistematizados – sobre os quais não se
indicadores, dados, queremos fazer sobressair,
sabe, depois, como trabalhar interpretativamente
com a expectativa de que estes respondam às
ou como gerar ordem no caos informativo, para
perguntas da pesquisa.
poder desenvolver inferências.
Definidos esses “objetivos de levantamento de
Um último e importante ângulo sobre a questão é o
dados”, é importante prever o acesso ao segmento
trabalho de pré-observação.
de realidade pretendido – em dois aspectos: o
acesso prático (obter contato com as coisas e/ou Uma das dificuldades do planejamento – não só
pessoas); e o acesso informacional (obter/extrair, o plano de observação, mas todo o desenho da
do conjunto a ser observado, as informações pesquisa, com seu problema e sua fundamentação
específicas que interessam à pesquisa). teórica – é um eventual distanciamento da
realidade das coisas. No nível da reflexão prévia, é
Correlato a esse processo – que leva ao trabalho
relativamente fácil harmonizar todos os ângulos
sistemático da observação – é relevante
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e gerar um projeto de pesquisa bem torneado. que nos ocupa neste item, esse trabalho
Mas não é infrequente, quando se “vai a exploratório prévio parece ser uma condição
campo” para o trabalho prático da investigação, básica para o planejamento de uma observação
descobrir aspectos não previstos, que interferem sistematizada, um bom desenho da abordagem
em nosso planejamento. Não se trata apenas metodológica do objeto em seus aspectos mais
das dificuldades práticas: constatamos que a materiais.
realidade é renitente e não se comporta como
Um bom relatório de pré-observação não fala apenas
prevíamos. Se formos diretamente para o
sobre o encontro do pesquisador com a realidade –
trabalho de investigação da realidade, com o
elabora, a partir desse encontro, as injunções que a
projeto teoricamente estruturado, mas sem um 23/33
situação dirige a quem pretenda elucidá-la.
contato prévio com a situação ou os materiais
a serem investigados, podemos descobrir que * * *
algumas previsões não eram adequadas – em um
Nesse ponto, as articulações entre “problema”,
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momento no qual, diante de uma situação que
“teoria” e “observações” podem ser estudadas
“não obedece” ao desenho da pesquisa, já não se
como um teste do projeto.
possam mais fazer as correções exigidas.
A escolha dos observáveis e os protocolos para
Um dos passos iniciais da pesquisa, por isso
o que vai aí ser especificamente observado
mesmo, deve ser um trabalho de pré-observação
são coerentes com as teorias acionadas? São
que, mesmo sem seguir delineamentos muito
pertinentes para o problema da pesquisa,
rigorosos – o planejamento geral ainda não
prometendo dados e indícios favorecedores da
terá sido completado – faça o mestrando ou
descoberta segundo as perguntas feitas?
doutorando interagir com o espaço em que
futuramente vai pesquisar. Isso inclui pressentir As teorias acionadas dão suporte ao problema,
não domados pela teoria, a indefinição dos Oferecem um horizonte adequado para a
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ausência de percepção da diferença entre
a necessidade de reajustes homeostáticos em um
estudar teoria e utilizar teorias a serviço de
ou outro aspecto da pesquisa.
uma pesquisa.
Na conjugação desses três elementos – problema, objeto empírico, seja porque a teoria é
três elementos principais na articulação de uma ocorrer que o trabalho de observar o objeto
contrário do risco anterior, aparece aqui uma de vista sobre esse objeto “corresponde à
prevalência empiricista do objeto. Esse terceiro verdade”. A diferença do anterior seria apenas
desvio tende a coexistir com aquele apresentado de que, lá, trata-se de uma hipótese defendida;
no item “b”. e aqui, de uma “posição”, de uma “política” a
respeito da realidade social.
e. Exposição de um problema excessivamente
amplo, abrangente, não relacionado a um Observo que assinalar esse risco não
enfoque específico que possa ser diretamente corresponde a pretender que o pesquisador
investigado. Se o problema é tratado apenas deva trabalhar sem pontos de vista sobre
no nível abstrato, geral, arrisca direcionar a a sociedade, que o conduzem em sua
25/33
um ensaio, e não a uma investigação. Nesse investigação. A diferença é que, no trabalho
caso, o material empírico abordado não é adequado, usam-se os pontos de vista
efetivamente investigado, mas apenas tratado como guia para investigar o objeto e para
tematicamente, como mera “referência descobrir características suas (que podem
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empírica” de uma argumentação que se tanto confortar as posições como sugerir
desenvolve no abstrato. complementações e redirecionamentos). O
equívoco seria o de só enxergar no objeto
f. Elaboração argumentativa em defesa de insights
aquilo que confirma os pontos de vista
e posições prévias, uso de premissas como se
de partida, levando a um processo não de
fossem hipóteses – em vez de efetiva busca
descoberta, mas de argumentação para
de conhecimento – e resultando que o fim da
confirmar aquilo em que já se acreditava.
pesquisa, como consequência, apenas reafirma
o ponto de partida. O pesquisador passaria, h. Apagamento de uma efetiva abordagem
então a alegar “confirmação” das hipóteses metodológica em pesquisa, apenas
de partida, quando as teria apenas reiterado, imitada pela adoção de um jargão teórico-
tautologicamente. Devendo-se lembrar, ainda, metodológico estabelecido – sem que essa
que em pesquisa qualitativa dificilmente nosso alegação abstrata produza encaminhamentos
objetivo seria o de “confirmar hipóteses”. práticos de investigação.
escolados, não são conhecedores da de cuidado com relação a pontos como estes, a
questão específica – e em função dos quais, probabilidade de que a pesquisa corra tais riscos
justamente, como gesto de compartilhamento, torna-se certamente reduzida.
se expõem os resultados de uma pesquisa.
8 Objeções
j. Pesquisa desenvolvida fora de enfoque
No item sobre “metodologias”, acima, assinalei os
comunicacional, inteiramente absorvida
cotejos internos ao próprio trabalho de pesquisa
por angulações teóricas, metodológicas ou
que oferecem base para revisões contínuas das
temáticas que, embora pertinentes como
articulações entre componentes – possibilitando,
aporte ou espaço de interface, terminam por
26/33
assim, assegurar um aperfeiçoamento da
desviar o estudo – levando a consequências
investigação pela construção de coerência interna
diversas, como o desencontro com as
entre os diversos processos.
possibilidades de interlocução oferecidas pelo
Programa de Pós-Graduação, a ausência do Outra linha de ação metodológica deve ser
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rigor específico da área vizinha mimetizada, a ativada, ao lado desta – a partir de um olhar
não-contribuição para o desenvolvimento do externo. Trata-se da submissão do trabalho (por
campo de estudos em Comunicação. seus produtos, mas também ainda na fase “em
processo”) à objeção dos pares e docentes.
Alguns desses riscos são mais frequentes, outros
menos. Alguns se articulam em círculo vicioso, Uma das características essenciais do trabalho
outros aparecem pontualmente. Normalmente, acadêmico é a de estar constantemente sujeito à
uma tese ou dissertação não se apresenta como crítica da comunidade de reflexão e investigação.
totalmente tomada pela presença deste ou daquele Quando um trabalho científico é publicado, está
desvio. Os debates de orientação, as apresentações sendo, com sua própria divulgação, submetido
preliminares e parciais de textos referentes à ao olhar perscrutador dos demais pesquisadores,
pesquisa em curso, do estudante, tendem a trazer que poderão não só examinar sua coerência
à luz aspectos menos claros, que podem assim ser interna, como também sua inserção no âmbito
facilmente corrigidos. mais vasto da área de conhecimento em que se
propõe inscrito. Pode aí ser cotejado com outras
Não pensamos essa “indicação de riscos” como se
perspectivas, outras teorias, outros modos de
fosse um check-list para análise de uma dissertação
aproximação – que assim apresentam suas
ou tese prontas – não creio que tivesse grande
interpretações, apropriações e críticas. Submete-
utilidade para isso. Penso, diversamente, no
se igualmente à crítica do acionamento que faz
próprio processo de produção. Na medida em que
do conhecimento estabelecido, ao exame sobre
o estudante e seu orientador adotem uma atitude
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o uso adequado ou não das teorias acionadas. cada área são o lugar principal de exposição da
Enfrenta a reflexão sobre a qualidade e os bons produção ao olhar crítico.
fundamentos dos resultados apresentados.
Outro âmbito relevante são os congressos e
É nesse processo que o empreendimento seminários de cada disciplina ou campo de
científico se justifica e legitima: pelo conhecimento. O objetivo de viabilizar a objeção
enfrentamento constante de todo e qualquer é aí tanto melhor servido quando a apresentação
argumento, demonstração ou exposição de textos ultrapassa o nível de mera exposição
factual que possa contestá-lo. As proposições e estes são submetidos ao crivo do debate. Uma
novas, as contribuições ao conhecimento, pesquisa em andamento oferece a possibilidade
27/33
para serem acolhidas, devem sobreviver a de elaboração de artigos que expressam estágios
esse exame rigoroso. Uma proposição aceita parciais do trabalho em curso. A simples
e acolhida permanece sempre diante do risco apresentação – e com maioria de razão, o debate
da falseabilidade, na ocorrência de novas sobre tais textos – viabiliza a percepção, pelo
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perspectivas que a superem. próprio pesquisador, desse olhar externo que
pode solicitar reformulações e contribui para a
Em síntese: faz parte intrínseca do processo
qualidade da pesquisa.
e dos resultados da pesquisa, assim como da
produção teórica, estarmos abertos à objeção. No espaço da Compós, acredito que nossas
Esse processo é também um aliado inestimável pesquisas em geral têm sido beneficiadas direta e
no próprio desenvolvimento da pesquisa, pois indiretamente pelos debates de que participamos.
as objeções feitas, longe de terem um cunho No trabalho de nossos mestrandos e doutorandos,
destrutivo, são um estímulo permanente ao é para obter tal tipo de enfrentamento que,
aperfeiçoamento. Certamente, todos os que crescentemente, estimulamos a submissão de
trabalham no campo acadêmico assumem tais trabalhos a seminários e congressos. Estes
perspectivas como estruturais, para a produção correspondem a uma ampliação necessária do
de conhecimento. Mas é preciso também realizar âmbito de objeções para fora do circuito interno
concretamente essa percepção no dia a dia da de cada PPG.
pesquisa e da formação de pesquisadores.
Mas dentro dos PPGs, também, as oportunidades
Para isso mesmo, o campo da formação de acolhimento do olhar externo ao trabalho
acadêmica inclui previsões para que o exercício devem ser intencionalmente elaboradas. É com
da objeção se realize e seja produtivo. Uma dessas essa preocupação que devemos organizar todos
previsões é justamente a injunção aos mestrandos os espaços que permitam ao estudante expor o
e doutorandos para publicarem – os periódicos de estado em que se encontra sua pesquisa – seja pela
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com esse fim, na estrutura curricular, diferentes
objeções sobre a qualidade da pesquisa em curso,
disciplinas, em diferentes formatos, costumam
interessa também (e talvez mais ainda, pois trata-
abrir a possibilidade de apresentação, no todo
se aqui do processo de formação do pesquisador)
ou em parte, de propostas e perspectivas dos
a aprendizagem das competências do estudante
estudantes sobre sua própria pesquisa. Nessas
para desenvolver o sentido das objeções que
ocasiões, submetê-las ao esquadrinhamento da
encontra; para saber triar aquelas que possam
análise crítica é uma contribuição relevante para a
efetivamente contribuir para seu trabalho; para
qualidade do trabalho.
realizar teórico-reflexiva no objetivo de enfrentar
Os exames de qualificação e/ou defesas de projeto, aquelas que não o convençam, pois não basta
que a maioria dos programas inclui como requisito recusá-las in limine.
de formação, têm igualmente esse objetivo de
Para além dessas aprendizagens, a serem
aquilatar o grau de avanço na competência dos
desenvolvidas no processo prático de enfrentamento,
estudantes pesquisadores para enfrentar objeções
o estudante deve sobretudo desenvolver sua
e para, depois, fazer um bom proveito das críticas
capacidade para prever objeções. Isso decorrerá,
e recomendações recebidas.
naturalmente, da prática de encontrar objeções ao
Nossa experiência no PPG em Comunicação que elabora, de compreender os âmbitos de reflexão
da Unisinos tem demonstrado que o exame e modos de investigar nos quais o seu trabalho de
de qualificação, realizado relativamente cedo pesquisa vai circular – em síntese, da capacidade de
no decurso da formação, repercute muito se inscrever no campo de estudos em Comunicação
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percebendo suas tendências e solicitações, assim O apoio a ser dado ao orientando, com o melhor
como as possibilidades de contribuição específica sentido metodológico, seria este, de prepará-lo e
para o desenvolvimento desse campo. a sua pesquisa, para as objeções que fazem parte
estrutural do processo de conhecimento. Como
Prever objeções é então uma capacidade
em toda formação prática, aprende-se a fazer
relevante para o pesquisador – que pode
fazendo. A formação do pesquisador através da
assim de antemão se organizar para aproveitar
elaboração de uma pesquisa é o exemplo mesmo
os aportes dessa previsão e para elaborar
desse tipo de formação. Aprende-se, portanto, a
argumentos e investigação um passo adiante, em
trabalhar com objeções enfrentando-as. Um dos
aperfeiçoamento prévio. É nesse espaço, creio,
principais papéis do orientador, mais significativo 29/33
que se evidencia com maior clareza a lógica
que a indicação de teorias e de caminhos, é a de
do processo de arguição de tese e dissertação.
oferecer uma atenção constante e uma disposição
Nesse evento, o estudante deve demonstrar,
permanente para, apreendendo o que o estudante
diante de uma diversidade de “leituras” de sua
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está elaborando, oferecer objeções instigantes.
obra de formação, certo grau de competência
para enfrentar objeções – que serão tanto
9 Conclusão
melhor trabalhadas quando, com bom domínio
As proposições apresentadas acima decorrem de
daquilo que ele próprio elaborou, pode prever os
situações concretas, trabalhadas em sala de aula
diálogos a que seus processos e resultados serão
ou em relações de orientação. Nas condições de
solicitados a participar.
origem, portanto, estiveram associadas a alguma
Correlatamente, a melhor arguição não é a que dificuldade concreta e específica, a alguma
se dispõe como avaliação escolar da qualidade percepção de efetivas relações entre questões de
do trabalho realizado, ou que opõe alternativas investigação e problemas teórico-metodológicos,
de investigação para o objeto; e sim a que a dúvidas sobre encaminhamentos práticos e
busca dialogar criticamente com aquilo que a justificativas para decisões a serem tomadas
foi efetivamente feito, percebendo as lógicas pelos estudantes.
internas do trabalho, para aí encontrar objeções e
No processo de sistematização para gerar
comentários voltados para sua superação.
alguma consistência e para manter uma
É a defesa da dissertação ou da tese que expressa dimensão aceitável de páginas, abstraímos
o grau de prontidão em que o estudante deve as circunstâncias concretas. Com isso, as
se encontrar ao final da formação. Representa, proposições ganham em generalidade – mas
também, por isso mesmo, o modelo que devemos ampliam seu distanciamento das questões
ter no trabalho de orientação. específicas que lhes davam substrato.
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Ao mesmo tempo, o endereçamento das Ao lado dessa vantagem com que o texto conta em
proposições se modifica. Na origem, foram seu endereçamento – o de ser desenvolvido pelos
esparsamente elaboradas nas situações próprios leitores – deve-se reconhecer que se põe
enfrentadas – gerando falas de sala de aula, também como sujeito a objeções. A experiência
pequenos textos repassados aos estudantes, vivida dos leitores pode sugerir, em suas situações
anotações diversas e debates com orientandos concretas e específicas, diferentes percepções,
sobre seus problemas de pesquisa, comentários no outros encaminhamentos. Pode sugerir ainda, à
contexto de arguições em bancas. leitura, uma interpretação diversa e inferências
variadas. Mas acredito, justamente, que esse
No presente texto, além de reunidas de
tensionamento, entre o que proponho e o que 30/33
modo mais ou menos sistemático, são
caracteriza a experiência e as preferências do
dirigidas aos colegas preocupados com o
pesquisador, é que deve ser propriamente produtivo.
trabalho de investigação de seus estudantes
– principalmente na pós-graduação em Minhas proposições podem, em um ponto ou
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Comunicação, mas possivelmente também nos outro, contrastar com perspectivas do leitor e com
trabalhos de conclusão de cursos de graduação; sua experiência diferenciada. Essa diversidade
e a pesquisadores em formação, no seu será produtiva tanto pela complementação mútua;
enfrentamento pessoal com os desafios diversos como pelas objeções que sejam apresentadas
de suas pesquisas. a este texto. Caso os leitores, sob o estímulo
desse tensionamento, queiram compartilhar
Posso contar, então, com a experiência do leitor
suas objeções, seus comentários, assim como
na própria atividade de ensino e orientação de
perspectivas complementares, agradeço o envio
pesquisa, ou de investigações em curso. No caso
destas. Serão bem acolhidas, como parte de um
de mestrandos e doutorandos, é o interesse
debate relevante em nosso trabalho comum de
específico de suas pesquisas que deve completar
desenvolvimento da pesquisa e da formação pós-
uma lógica de leitura. Tais experiências, de
graduada na área da Comunicação.
orientação ou de enfrentamento da pesquisa,
é que lhes permitirá acrescentar substância
Referências
material sobre o que aqui aparece em forma
O presente artigo não é uma reflexão desenvolvida
abstrata. O trabalho de concretização ajudará
a partir de material bibliográfico. Como expresso
a recolocar a visada de processos práticos que
no texto, as proposições apresentadas decorrem
deve estar associada a tais reflexões. O que
sobretudo da experiência prática do autor no
deve completar esse texto é o processo de sua
enfrentamento de questões que se põem em
reinscrição na prática.
disciplinas de metodologia de pesquisa em
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Por outro lado, somos certamente devedores, nas Eco, Umberto. Como se faz uma tese. São Paulo:
reflexões, de leituras que serviram para dar sentido Editora Perspectiva, 2007.
àquela experiência e para evitar descaminhos.
Ginzburg, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma
Incluímos assim, por reconhecimento de tal dívida,
indiciário. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e
as indicações a seguir. Estas servem também como
história. São Paulo: Companhia da Letras, 1989.
sugestão de leitura, em complemento às que os
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eventuais interessados já acionam em seu trabalho Goldmann, Lucien. O Conceito de Estrutura
de pesquisadores. Significativa na História da Cultura. Dialética e
Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970.
Becker, Howard S. Métodos de pesquisa em
Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós, Brasília, v.14, n.1, jan./abr. 2011.
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à antropologia social. Rio de Janeiro: Rocco, 1987. métodos. Porto Alegre: Artmed, 2005.
www.e-compos.org.br
| E-ISSN 1808-2599 |
The text has in its core the practical question of El texto tiene como eje la cuestión práctica de
how to provide, according to the current reality of cómo proporcionar, en la realidad actual de los
support for the referral of appropriate methodological para el encauzamiento metodológico adecuado de
theses and dissertations. It assumes that empirical tesis y disertaciones. Supone que la investigación
research is a formative process, which is essential empírica es un proceso formativo esencial para los
for master’s and doctoral students. Considering estudiantes de maestría y doctorado. Considerando 32/33
the ineffectiveness of the adoption of strict and a la ineficacia en la adopción de reglas metodológicas
priori methodological rules and also the variety of apriorísticas y rígidas y la gran variedad de
theoretical angles and object types in Communication ángulos teóricos y de tipos de objeto en el área,
Studies, it proposes perspectives for basic and cross- propone perspectivas básicas y transversales para
Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós, Brasília, v.14, n.1, jan./abr. 2011.
qualitative research. The absence of a priori rules de investigaciones cualitativas. Observa que el
makes the reflexive decision-making a central element abandono de las reglas apriorísticas torna la toma
three elements of the research: research problems, de la conducción metodológica. El artículo ofrece
theoretical foundations and empirical observation. It reflexiones sobre tres elementos de la investigación:
deals, finally, with the objections as a central process problematización, fundamentación teórica y
A revista E-Compós é a publicação científica em formato eletrônico da Revista da Associação Nacional dos Programas
Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação de Pós-Graduação em Comunicação.
(Compós). Lançada em 2004, tem como principal finalidade difundir a Brasília, v.14, n.1, jan/abr. 2011
produção acadêmica de pesquisadores da área de Comunicação, A identificação das edições, a partir de 2008,
inseridos em instituições do Brasil e do exterior. passa a ser volume anual com três números.
Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós, Brasília, v.14, n.1, jan./abr. 2011.
César Geraldo Guimarães, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Maria Immacolata Vassallo de Lopes, Universidade de São Paulo, Brasil
Cristiane Freitas Gutfreind, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil Maria Luiza Martins de Mendonça, Universidade Federal de Goiás, Brasil
Denilson Lopes, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Mauro de Souza Ventura, Universidade Estadual Paulista, Brasil
Denize Correa Araujo, Universidade Tuiuti do Paraná, Brasil Mauro Pereira Porto, Tulane University, Estados Unidos
Edilson Cazeloto, Universidade Paulista , Brasil Nilda Aparecida Jacks, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Eduardo Peñuela Cañizal, Universidade Paulista, Brasil Paulo Roberto Gibaldi Vaz, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Eduardo Vicente, Universidade de São Paulo, Brasil Potiguara Mendes Silveira Jr, Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil
Eneus Trindade, Universidade de São Paulo, Brasil Renato Cordeiro Gomes, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil
Erick Felinto de Oliveira, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil Robert K Logan, University of Toronto, Canadá
Florence Dravet, Universidade Católica de Brasília, Brasil Ronaldo George Helal, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Francisco Eduardo Menezes Martins, Universidade Tuiuti do Paraná, Brasil Rosana de Lima Soares, Universidade de São Paulo, Brasil
Gelson Santana, Universidade Anhembi/Morumbi, Brasil Rose Melo Rocha, Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil
Gilson Vieira Monteiro, Universidade Federal do Amazonas, Brasil Rossana Reguillo, Instituto de Estudos Superiores do Ocidente, Mexico
Gislene da Silva, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Rousiley Celi Moreira Maia, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Guillermo Orozco Gómez, Universidad de Guadalajara Sebastião Carlos de Morais Squirra, Universidade Metodista de São Paulo, Brasil
Gustavo Daudt Fischer, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil Sebastião Guilherme Albano da Costa, Universidade Federal do Rio Grande
Hector Ospina, Universidad de Manizales, Colômbia do Norte, Brasil
Herom Vargas, Universidade Municipal de São Caetano do Sul, Brasil Simone Maria Andrade Pereira de Sá, Universidade Federal Fluminense, Brasil
Ieda Tucherman, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Tiago Quiroga Fausto Neto, Universidade de Brasília, Brasil
Inês Vitorino, Universidade Federal do Ceará, Brasil Suzete Venturelli, Universidade de Brasília, Brasil
Janice Caiafa, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Valério Cruz Brittos, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil
Jay David Bolter, Georgia Institute of Technology Valerio Fuenzalida Fernández, Puc-Chile, Chile
Jeder Silveira Janotti Junior, Universidade Federal de Pernambuco, Brasil Veneza Mayora Ronsini, Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
João Freire Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Vera Regina Veiga França, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil