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All content following this page was uploaded by Bernardo Jefferson de Oliveira on 17 May 2020.
Introdução
Muito se tem falado da relevância dos mestrados profissionais, justamente
porque neles se poderia aliar a pesquisa e a produção de conhecimento com aplicação
prática, considerando a realidade educacional e os desafios da profissão. Os resultados,
com produção de recursos educacionais, retornariam à realidade que originou a questão
de estudo, reforçando a instituição educativa e implicando avanço e/ou superação
desafios da prática. Este delineamento aparece na Portaria Normativa do Ministério da
Educação (MEC) de 2009, como "empenho por uma formação de profissionais que
qualifique a prática profissional no compromisso com a apropriação e a aplicação de
conhecimentos por meio de rigor metodológico e científico (BRASIL, 2009, p. 2.) A
portaria assina ainda que "tal qualificação voltada às práticas docentes, já existentes, se
refere a articular experiências vividas nas escolas a estudos, investigação e pesquisa,
fazendo destes últimos instrumentos de mudança dessa realidade, quando dão vazão às
potencialidades, criatividades, possibilidades instrumentais, lutas diárias enfrentadas."
(BRASIL, 2009, p. 2.)
Entretanto, há diferentes entendimentos sobre qual ou quais deveriam ser as
ênfases dessa modalidade de pós-graduação: Formação continuada? Formação como
pesquisador (preparação para doutorado)? Produção de conhecimento aplicado? Em
nosso entendimento, estas ênfases não são excludentes e podem se combinar, sendo que
cada uma delas tem sua importância e suas justificativas. Todas elas convergem na idéia
do professor-pesquisador, que já se encontra bem estabelecida (Ludke, 2001), mas a
vinculação da docência com a pesquisa é vaga quanto ao tipo de pesquisa que deve ser
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desenvolvida no MP, sendo que cada um desses tipos de pesquisa visam objetivos
diferentes e demandam metodologias próprias.
Nosso foco aqui se situa nos desafios do MP como local de produção de
conhecimento aplicado, a partir de nossa experiência do Promestre, Mestrado
Profissional Educação e Docência, da Faculdade de Educação da UFMG. Esta ênfase
nos parece ser a que encontra maiores dificuldades e resistências. Procuraremos
evidenciar aqui algumas delas e ponderar sobre os desafios para sua superação. No
entanto, antes disso, para podermos estabelecer o contraponto que ajude a situar nossa
perspectiva, convém delinear essas três ênfases.
1
Os programas PROF-MAT, PROF-FIS, PROF-LETRAS, PROF-ARTES, PROF-HISTORIA, PROF-
BIO, e congêneres são mestrados profissionais à distância, articulados em rede pela Capes-MEC e
sociedades cientificas específicas de cada área, que oferecem em seus distintos polos centenas de vagas e
bolsas de estudo para os mestrandos.
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espaço educativo é visto também como espaço investigativo. Como nos mostram
Penteado e Garrido, esse tipo de pesquisa
é denominado “pesquisa-ensino”. Ela produz mudanças nos
alunos, qualificando seus processos de aprendizagem, e também
no docente pesquisador, em sua prática de ensino, tornando-o
mais autoconfiante, autônomo e compromissado com o que faz.
Produz, ainda, conhecimentos sobre a docência. (PENTEADO e
GARRIDO, 2010, p. 11/12)
Uma das razões para a escolha dessa ênfase é a importância da inserção dos
profissionais na prática da pesquisa científica (conhecimento operacional das bases de
dados, revisão bibliográfica, recorte do problema de pesquisa, rigor metodológico) e em
seus procedimentos de circulação (eventos, publicação). Mesmo quando é concreto o
problema abordado, objetiva-se averiguar hipóteses, rever teorias, de forma a poder
subsidiar novas abordagens no ensino ou em políticas educacionais num sentido amplo.
Ainda que não tenham aplicações ou desdobramentos concretos, são pesquisas
importantes na medida em que podem contribuir na compreensão de fenômenos
educacionais ou alguns de seus aspectos. Nesse sentido, boa parte das pesquisas em
educação podem ser consideradas como pesquisa básica, que há muito se encontra
legitimada, como alicerce do desenvolvimento social e econômico.
Também jovens educadores, ainda que com pouca experiência docente, têm suas
ideias, propostas ousadas e projetos inovadores que podem ser desenvolvidos, testados,
avaliados e aprimorados como objeto de pesquisa ao longo do mestrado profissional.
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“Do ‘saber-fazer’ não discursivo, essencialmente sem escritura (é o discurso do método que é ao mesmo
tempo escritura e ciência), qual será o estatuto? É feito de operatividades múltiplas, mas selvagens ... essa
proliferação não obedece à lei do discurso... Pede uma conquista, não como de práticas desprezíveis, mas,
ao contrário, de saberes, engenhos, complexos e operativos” (Certeau,1994, 136-7).
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Podem desenvolver projetos que não se baseiam em sua prática docente, mas em sua
vivência, seja como aluno ou como cidadão. Um bom exemplo é o da criação de jogos.
Há pessoas que adoram jogos e que sabem o que funciona para tornar um assunto
envolvente e o que poderia ter bom uso como situação de aprendizagem. O mestrado
profissional em educação pode ser o ambiente ideal para desenvolvimento e avaliação
de protótipos.
Ideias, experiência, inovações são bagagens que todos esses profissionais podem
sistematizar e transformar em contribuições concretas, que merecem ser lapidadas,
retrabalhadas, debatidas, desenvolvidas, criticadas, registradas e reajustadas ao longo do
mestrado. Essa é justamente a contribuição que a universidade pode propiciar para esse
tipo de produção de conhecimento. Situações de sistematização e socialização que a lida
na rotina da escola ou em outros espaço formativo não facilitam, e que podem ser
desenvolvidas nos mestrados profissionais. Como incubadoras de inovações, esses
programas de pós-graduação devem propiciar ambientes de discussão teórica e
metodológica, parcerias ou consultoria de design gráfico, engenharia de sistemas,
edição de imagens, desenvolvimentos de jogos e aplicativos, entre outros, visando a
elaboração e experimentação de produtos educacionais.
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natural é que se valorize o experiência e o potencial, como o domínio teórico do campo,
uma prévia iniciação científica e/ou participação equipe de pesquisa, tendo a
internacionalização no horizonte e, talvez, a atuação no ensino superior. Por fim, se a
ênfase for a inovação de processos/produtos educacionais, um critério suficiente para a
seleção seria apresentar uma ótima ideia de uma ação/material relevante e realizável.
Assim, de acordo com essa diferenciação, o currículo ou o memorial seriam o mais
importante para o processo seletivo do primeiro caso; uma prova escrita para verificar o
domínio teórico e capacidade de formulação de argumentos seriam o mais importante
para o segundo; e, para o terceiro, o mais importante seria o projeto de um produto a ser
elaborado e as condições do proponente em desenvolvê-lo, que poderia ser discutido em
uma entrevista.
Nos três casos, contudo, o aspecto formativo do pesquisador estará presente. Isto
porque, no convívio em ambiente acadêmicos de estudos e discussões, mesmo com
focos diferenciados, os processos podem proporcionar ampliação de conhecimentos e
desenvolvimento do pesquisador, seja pelo acesso a informações e ações culturais, pelo
compartilhamento de ideias, pelo estudo para desenvolvimento das etapas construção do
próprio produto educacional, pela reflexão de experiências e práticas, pela trabalho de
registro, elaboração e outras formas.
Cada uma das três ênfases se apóia em um tipo de relevância social, pois a
bandeira da “melhoria da educação” é muito ampla e cobre uma enorme gama de
perspectivas e alvos. O aprimoramento da prática profissional dos mestrandos, a
melhoria da compreensão dos problemas educacionais e a inovação de procedimentos
ou produtos educacionais são três estratégias diferentes que, embora convirjam na
mesma direção, mobilizam diferentes esforços e circunscrevem táticas concorrentes. A
indagação sobre o alcance, a escala ou o impacto efetivo ou potencial de cada uma
dessas estratégias é algo que estamos longe de conseguir avaliar, mas que não deveria
ser desconsiderado na discussão sobre as diferentes ênfases.
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10% de profissionais e técnicos com experiência em pesquisa aplicada ao
desenvolvimento e à inovação" e no item (c), que 20% dos docentes do corpo
permanente não precisaram ter produção bibliográfica, de pesquisa ou técnica,
diretamente relacionada com a área de Educação, bastando "comprovar produção
técnica especificamente relacionada com a área de atuação do MP proposto (...), de
modo a evidenciar inserção e domínio na temática do curso." (Capes, 2016,p.12).
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exigências da economia do saber” (LESSARD & CARPENTIER, 2016), levam à busca
de resultados pautados na eficiência e eficácia, com o ideal de competência o mais
perto possível do campo práticos, ou na qualidade dos serviços criados.
Essas resistências epistemológicas, institucionais e políticas se fazem presentes
como argumentos conjugados ou não. Seja como for, ainda quando aparecem
isoladamente, ou subliminarmente como hábitos acadêmicos, eles têm servido como
dificultadores para a ênfase na produção de conhecimento aplicado nos mestrados
profissionais em educação.
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conhecimentos, para avançar nas suas ações e reflexões. Ao longo do mestrado diversos
elementos formativos serão agregados ao processo, pois o profissional pesquisador,
diante da questão de pesquisa que apresenta, amplia sua reflexão, conhece outras
experiências, tem possibilidade de troca com colegas que também estão nesse processo,
estuda teorias que darão suporte a dissertação reflexiva que elaborará ao final e às
transformações de sua prática. Tudo isso proporciona a elaboração de materiais que
serão disponibilizados a outros profissionais como produto educacional.
Já quando a ênfase é na produção de conhecimento aplicado, a metodologia de
pesquisa se aproxima bastante da investigação em design, na qual se busca configurar
ideias, isto é, dar forma a uma concepção, uma estratégia, um dispositivo, um
procedimento ou solução concreta para um problema diagnosticado, ou a parte dele.
Constitui-se, portanto, numa investigação com características próprias e diferentes da
pesquisa acadêmica convencional. Em especial, no que se refere à sua forma concreta e
funcionalidade, é uma atividade multidisciplinar, pois interage com outras áreas do
conhecimento, é complexa, pois envolve aspectos funcionais, sociais, simbólicos,
econômicos, políticos e culturais. Por esta razão não pode ser vista como linha de
montagem, pois o desenvolvimento (inovação, aprimoramento, experimentação) de
processos, procedimentos, produtos, intervenções, é artesanal e não fabril. Nesse
sentido, se conjuga melhor com um atelier. É assim que procuramos encarar a
experiência que temos tido de mestrandos professores de todos os níveis da educação
básica, profissionais que atuam em diversos espaços sociais formativos (museus,
centros culturais, bibliotecas, etc.) assim como gestores e técnicos administrativos de
diversas instituições de ensino.
O Promestre, MP da Faculdade de Educação da UFMG, propõe a elaboração de
um produto educacional e uma dissertação, a serem aprendas ao final de vinte e quatro
meses. O produto, voltado para resolver/atuar na prática com problemas reais, inclui
uma enorme variedade de possibilidades: material didático (sequência de ensino, jogos,
recursos concretos diversos visando situações específicas de ensino e aprendizagem,
texto formativo, sugestões de atividades, kits, folheto, livro), tutorial, metodologias de
ensino, de gestão, de avaliação ou de intervenção, peça teatral, cartilhas, criação de
cursos, etc. Tudo isso em diversos formatos, adequados a públicos específicos. Aqui, a
forma (estilo, linguagem, veículo) interessa muito, pois pode fazer toda a diferença na
relevância do produto ou processo desenvolvido. Ou seja, a nosso ver, a consideração da
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relevância social não pode ser reduzida à temática ou ao problema, mas há que
abranger o alcance, a utilidade ou impacto da solução encontrada.
Quanto à dissertação, espera-se uma contextualização, descrição e análise do
processo, estado da arte das pesquisas no tema, pressupostos e discussões sobre
conceitos/categorias centrais, avaliação do produto, discussão sobre seus usos,
limitações e potencialidades. Tudo isso é organizado em formato acadêmico já
estabelecido pela ABNT, com linguagem para público leitor de trabalhos científicos em
educação. A dissertação deve cumprir requisitos de um trabalho acadêmico mas eximir-
se da necessidade de encontrar uma forma acessível a um público não acadêmico, e
utilizável por alunos, pais, professores ou gestores.
Isso não quer dizer que estes dois trabalhos - o produto educacional e a
dissertação - tratem de pesquisas diferentes, mas sim obras com formatos, objetivos e
exigências diferentes. Essa diferenciação tampouco implica em uma determinada ordem
cronológica. São elaborações paralelas. Uma distinção largamente adotada no âmbito da
epistemologia - entre contexto de descoberta e contexto de justificação - pode nos
ajudar a perceber suas particularidades, sobretudo se a ela acrescentamos como
contraponto o contexto da efetividade. Enquanto o contexto da descoberta se
relacionaria com fatores "não científicos", como os fatores psicológicos ou
socioculturais que podem ter influenciado na investigação, o contexto da justificação
relaciona-se com o a argumentação, isto é, com o exame dos dados, raciocínios e
enunciados apresentados.3 Vale aqui contrapor à reconstrução racional desenvolvida no
contexto de justificação o conjunto de suas implicações, que pode ser considerado
como contexto da efetividade: suas repercussões, acessíveis, alcançáveis,
compartilháveis, ou mesmo inspiradoras.
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estudo da dissertação já implica numa significativa inversão de nossa tradição
acadêmica na área de educação.
Considerações finais
Como anunciado no início, nossa intenção neste texto era apresentar uma defesa
da ênfase no mestrado profissional como local de produção de conhecimento aplicado.
Para tanto, procuramos contrastar essa ênfase com outras duas - aprimoramento
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profissional e formação para pesquisa - que têm predominado nos mestrados
profissionais na área de educação.
Conforme argumentamos, estas três ênfases não são excludentes e cada uma
delas tem sua relativa importância. Entretanto, as resistências e dificuldades para seu
desenvolvimento são bastante díspares. Em nossa tradição acadêmica predomina uma
perspectiva que vê o conhecimento aplicado e a busca de soluções práticas, expressos na
elaboração de produtos ou processos, como forma de conhecimento menos legítima,
porque menos amparada nos cânones da metodologia científica, mais simples ( como se
a transposição para a realidade concreta não fosse problemática)4, ou ainda como
politicamente questionável, conquanto descuidaria da formação reflexiva do
profissional e da transformação de sua prática docente e da realidade educacional do
país.
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Em O que conta como pesquisa Menga Ludke et alli (2009) explora essas indefinições da pesquisa de
professores da educação básica nos mecanismos de validação consolidados na academia, chamando
atenção para seus efeitos restritivos e simplificadores. "Na educação, como um campo de confluência de
varias disciplinas e de saberes de múltiplas naturezas, efetivados pela prática de um profissional que
reflete criticamente sobre seu trabalho, não poderia deixar de surgir um tipo de pesquisa complexo e
desafiador de classificações" (2009, p. 189).
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eles possam apreciá-las e incentivá-las. A questão assinalada acima não pode, a nosso
ver, ser eludida sob pena dos mestrado profissionais não alcançarem o devido
reconhecimento como local de produção de conhecimento relevante.
Referências:
COLLINS, Harry; PINCH, Trevor. O Golem à solta: o que você deveria saber sobre
tecnologia. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2010.
_______. et alli O que conta como pesquisa? São Paulo: Cortez Editora, 2009.
PRICE, D. S. & SPIEGEL, I. Science, technology and Society. London: Sage, 1977.
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REICHENBACH, Hans. Experience and Prediction: An analysis of the foundations and
the structure of knowledge. Chicago: The University of Chicago Press, 1970
Sobre os autores:
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