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A Educação Superior

e o resgate intelectual
O Relatório de Yale de 1828
A Educação Superior

e o resgate intelectual
O Relatório de Yale de 1828
A Educação Superior e o resgate intelectual – O Relatório de Yale de 1828
1ª edição – novembro de 2016 – CEDET.

Título original: The Yale Report of 1828.

Os direitos desta edição pertencem ao


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CEP: 13084-060 – Campinas, SP
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Editor:
Diogo Chiuso
Editor-assistente:
Thomaz Perroni
Tradução:
Giovanna Louise
Revisão ortográfica:
Andreia Medrado
Capa & Diagramação:
Laura Barreto

FICHA CATALOGRÁFICA
Yale, Universidade de
A Educação Superior e o resgate intelectual: o Relatório de Yale de 1828 /
Universidade de Yale; tradução de Giovanna Louise – Campinas, SP: Vide
Editorial, 2016.
ISBN: 978-85-95070-01-1
1. Educação 2. Educação Liberal. 3. Educação Superior / Universidade
I. Título II. Autor
CDD – 370
370.112
378
ÍNDICES PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO
1. Educação – 370
2. Educação Liberal – 370.112
3. Educação Superior / Universidade – 378

Conselho Editorial:
Adelice Godoy
César Kyn d’Ávila
Diogo Chiuso
Silvio Grimaldo de Camargo
Thomaz Perroni

VIDE Editorial – www.videeditorial.com.br

Reservados todos os direitos desta obra.


Proibida toda e qualquer reprodução desta edição por qualquer meio ou forma, seja ela
eletrônica ou mecânica, fotocópia, gravação ou qualquer outro meio de reprodução, sem
permissão expressa do editor.
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO . . . 9

PREFÁCIO
Educação Liberal e vida acadêmica . . . 19

RELATÓRIOS SOBRE O ENSINO NA


FACULDADE DE YALE por um comitê da
corporação e pelo corpo docente acadêmico . . . 23

RELATÓRIO DO CORPO DOCENTE

PARTE I
Apresenta uma visão concisa do programa
de ensino da faculdade . . . 29

PARTE II
Contém extratos daquela parte do
relatório do corpo docente em que a
resolução da corporação é mais
especificamente considerada . . . 99

RELATÓRIO DO COMITÊ DA CORPORAÇÃO


para a corporação da Faculdade de Yale . . . 153
APRESENTAÇÃO

“Foi preciso esperar até o começo do século XX


para que se presenciasse um espetáculo incrível:
o da peculiaríssima brutalidade e agressiva estupidez
com que se comporta um homem quando sabe muito
de uma coisa e ignora desde a base todas as demais”.

– Ortega y Gasset em A missão da universidade.

Este relatório da Universidade de Yale,


publicado em 1828, se não teve a inten-
ção de ser um alerta quanto aos pro-
blemas educacionais que desafiam hoje,
não só os Estados Unidos, mas o mundo
todo, com certeza poderia ter sido consi-
derado como tal.
No início do século XIX, a Revolução
Industrial chegava aos Estados Unidos,
embora não causando ainda o mesmo
impacto que causava na Europa. As uni-

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O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

versidades americanas não tinham, como


logo constatou-se, a tradição de formar
profissionais para atender a demandas in-
dustriais. Não se formavam médicos, en-
genheiros, advogados ou economistas. A
formação oferecida nessas universidades
era, por assim dizer, ampla: os currículos
incluíam o aprendizado do latim, do gre-
go, do hebraico, do siríaco, do caldaico;
da filosofia, da história, da retórica, da li-
teratura, da matemática etc.
Todas essas disciplinas eram ensinadas
sem que houvesse um objetivo prático
ou profissional; em vez disso, o objeti-
vo era a formação de pessoas melhores,
portadoras de um conhecimento vasto e
consistente – e mais: que fossem capazes
de transmitir tal conhecimento de forma
precisa e eficaz, a fim de favorecer o de-
senvolvimento da sociedade.
Mas foi o desenvolvimento da indústria
que logo passou a pressionar as universi-
dades para que oferecessem um currículo,
por assim dizer, mais prático – isto é, fo-
cado nas novas necessidades de mercado.

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A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

É dentro desse cenário que surge este


relatório, elaborado pela Universidade
de Yale para mostrar quão absurdo seria
transformar o ensino superior em uma
escola profissional.
O relatório demonstra que, se as uni-
versidades tivessem como objetivo prin-
cipal a formação de médicos, engenhei-
ros, e outros profissionais, a única coisa
a ser ensinada (e, portanto, a única que
seria aprendida) seria como trabalhar.
Mas seria essa a única missão do indi-
víduo na sociedade: atender ao merca-
do de trabalho? Não teriam as pessoas
obrigações com suas famílias, com a
sua comunidade local? O indivíduo não
teria nenhuma obrigação de compreen-
der questões políticas, econômicas e hu-
manas mais amplas? A única coisa ne-
cessária aos homens seria mesmo saber
como trabalhar?
Como diz o relatório, rebaixar o en-
sino superior a um mero instrumento de
formação profissional coloca em risco a
própria democracia:

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O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

Diminua-se o valor de uma educação aca-


dêmica, e a difusão de conhecimento entre
as pessoas cessaria, o nível geral de valor
intelectual e moral cairia, e nossa liberdade
civil e religiosa seria colocada em risco por
causa da desqualificação última de nossos
cidadãos para o exercício do direito e do
privilégio da democracia.

***

Primeiro, a formação das pessoas; de-


pois, a profissionalização.
Este pensamento foi mantido durante
bom tempo na América, mas no período
posterior à guerra civil, a pressão em fa-
vor do ensino superior profissionalizante
aumentou, e acabou prevalecendo.
Uma conseqüência incontornável des-
sa alteração de orientação é o embruteci-
mento do ser humano. Inicialmente, tem-
-se a impressão equivocada de uma subida
de nível na qualificação, pois a especiali-
zação profissional leva o recém-formado
a saber mais sobre a sua área justamente

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A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

por ele dispor mais do seu tempo para se


aprofundar nos detalhes relativos a ela.
Por isso, tem-se a impressão de uma me-
lhoria na formação. Mas, a longo prazo,
a situação se inverte. A amplitude da edu-
cação se torna fundamental para o avan-
ço do profissional em sua própria área e
os benefícios sociais são evidentes:

Quando um homem dá início à prática de


sua profissão, as energias de sua mente de-
vem ser dedicadas principalmente aos deve-
res próprios do ofício. Mas, se seus pensa-
mentos nunca exploram outros assuntos, se
ele jamais circula pelos vastos domínios da
literatura e da ciência, haverá certa estreiteza
em seus hábitos de pensamento, uma pecu-
liaridade de caráter que por certo o marcará
como um homem de opiniões e conheci-
mentos limitados. Caso se destaque em sua
profissão, sua ignorância de outros temas e
as imperfeições de sua educação estarão ain-
da mais expostas à observação pública. Por
outro lado, aquele que não só é eminente na
vida profissional, mas também possui uma

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O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

mente ricamente abastecida de conhecimen-


tos gerais, tem uma elevação e uma dignida-
de de caráter que lhe confere uma influência
poderosa na sociedade, e uma esfera muitís-
simo ampla de utilidade. Sua situação per-
mite-lhe difundir a luz da ciência em meio a
todas as classes da comunidade.

Nos dias de hoje, vive-se o fenômeno


do fácil acesso à – e do excesso de – in-
formação pela Internet. Uma quantidade
incomensurável de dados, textos, estatís-
ticas, análises etc., está à disposição. Po-
rém, o fenômeno da especialização obri-
ga a que o profissional foque-se cada vez
mais em um mesmo assunto ou atividade.
É inevitável que a maior parte do con-
teúdo produzido seja desprezado, que se-
quer se tome conhecimento da existência
de boa parte dos assuntos importantes
em discussão. Surge então uma situação
paradoxal em que uma pessoa é inteli-
gentíssima dentro de um campo limitado
do conhecimento, e um completo incapaz
quando se trata, inclusive, às vezes, de

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A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

coisas banais, que dizem respeito ao co-


tidiano comum.

***

Mas por que não alterar essa situação?


Existe algum impedimento para que se
volte a uma educação mais ampla?
O fato é que qualquer tentativa nesse
sentido se torna cada vez mais inviável
economicamente. A necessidade de au-
mentar a produtividade e gerar riquezas
exige cada vez mais especialização e mais
profissionalização. Até mesmo na questão
do aprendizado, criam-se métricas para
aumentar a “produtividade” (entenden-
do produtividade como a capacidade de
absorver mais informação voltada para a
formação profissional).
Está demonstrado que uma educação
personalizada faz um indivíduo aprender
duas vezes mais rápido. Tal educação per-
sonalizada é feita através de computado-
res; o objetivo é expandir o conhecimento

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O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

(técnico, é claro) da pessoa. Mas, é de se


perguntar: qual é o objetivo dessa expan-
são? Não é outro além de fazê-la, no fim
das contas, render mais no trabalho. Nin-
guém está preocupado em fazer uma “pes-
soa duas vezes melhor”, mas em fazer uma
pessoa duas vezes mais produtiva.

***

A educação superior foi hoje substituí-


da por uma “educação para o trabalho”.
E, o que é pior, iniciativas de mudança
tais como uma “educação para a cidada-
nia” ou uma “educação para dignidade”
levam apenas a caminhos tão deletérios
quanto o atual.
A libertação da educação só se dá
quando se a direciona, antes de tudo,
para o seu propósito real: uma edu-
cação que liberte o homem de sua ig-
norância. O relatório de Yale de 1828
é um documento valioso para que se
compreenda isto.

16
“O novo bárbaro, atrasado em sua época,
arcaico e primitivo em comparação com a
terrível atualidade dos seus problemas.
Esse novo bárbaro é principalmente o profissional,
mais sábio que nunca, porém mais inculto também
– o engenheiro, o médico, o advogado, o cientista”.
– Ortega y Gasset em A missão da universidade.
PREFÁCIO

Educação Liberal e vida acadêmica

Um dos documentos mais influentes


da história da educação superior nor-
te-americana foi “O Relatório de Yale
de 1828” [The Yale Report of 1828]. O
relatório era composto de duas partes:
uma discussão geral sobre a natureza
da educação liberal, e uma argumenta-
ção favorável à manutenção das litera-
turas grega e latina na grade curricular
da faculdade. Este traslado da primeira
parte do Relatório de Yale foi prepara-
do pelo website da Collegiate Way, por-
que um dos temas tratados no relatório
é a importância da vida acadêmica em
si para o desenvolvimento do aluno. A
segunda parte do relatório, referente às

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O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

línguas clássicas, tem enfoque mais li-


mitado, como também foi reproduzida
com vistas à inteireza do documento.
O contexto histórico em que o Rela-
tório de Yale foi escrito era complexo.
Ele abrangia a ascensão da democracia
jacksoniana nos Estados Unidos, o cres-
cente poder econômico da jovem repúbli-
ca norte-americana, o prestígio cada vez
maior das universidades da Alemanha e
a fundação da Universidade de Londres.
O relatório serviu tanto de material de
apoio para os críticos das faculdades
norte-americanas como proteção para os
defensores das instituições acadêmicas. O
livro The American College and Univer-
sity: A History [A Faculdade e a Universi-
dade Norte-Americanas: Uma História],
obra clássica de Frederick Rudolph, ana-
lisa detalhadamente a influência do Rela-
tório de Yale e é uma excelente fonte de
informações adicionais.
O que pode se perder em uma análise
isolada, porém, é em que medida o relató-
rio revela que a vida acadêmica atual – a

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A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

vida corporativa de pequenas sociedades


acadêmicas – não é assim tão diferente,
em muitos aspectos, daquela de 175 anos
atrás. Os tempos mudaram? É evidente
que sim – primeiro, porque os estudantes
modernos raramente vão para a univer-
sidade aos dezesseis anos de idade. No
entanto, quem quer que já tenha lecio-
nado para estudantes universitários de
hoje e tenha ouvido lamentos sobre como
é terrivelmente difícil para eles estuda-
rem uma matéria da qual não gostam,
tal como matemática (ou biologia, ou
filosofia, ou história, ou poesia, ou fran-
cês, ou química), sentir-se-á em casa em
meio ao corpo docente da Yale de 1828,
que estava “bastante convencido de que
nossos estudantes não são tão deficientes
intelectualmente como, por vezes, profes-
sam ser”. E, conquanto, por muitos anos,
tenha sido moda ridicularizar a doutrina
do in loco parentis [em lugar dos pais]
como obsoleta e opressiva, qualquer lei-
tura imparcial do Relatório de Yale mos-
trará que a atitude do corpo docente com

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O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

relação aos estudantes da época era afe-


tuosa, humana e prática. Embora os tem-
pos tenham mudado, muitos aspectos da
vida acadêmica permaneceram os mes-
mos. Membros residentes de faculdades
que estejam em busca de um documento
provocativo para ler em um grupo de dis-
cussões para estudantes ou como tutorial
para novatos, talvez encontre neste anti-
go relatório a escolha ideal.

R.J. O’Hara

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RELATÓRIOS SOBRE O ENSINO
NA FACULDADE DE YALE

Por um comitê da corporação,


e pelo corpo docente acadêmico1

1 New Haven: impresso por Hezekiah Howe, 1828.


E
m uma Reunião entre o Presiden-
te e os Membros do Colegiado da
Faculdade de Yale, realizada em
11 de setembro de 1827, aprovou-se a se-
guinte resolução:
Que Sua Excelência, o Diretor Tomlin-
son, o Reverendo e Presidente Day, o Re-
verendo Dr. Chapin, o Honorário Noyes
Darling, e o Reverendo Abel McEwen,
em comitê, analisem a conveniência de
alterar o ensino regular desta faculdade,
de modo a excluir de tal ensino o estudo
das línguas mortas, substituindo-o, por-
tanto, por outros estudos; bem como de
não mais exigir um conhecimento ade-
quado de tais línguas como condição de
admissão na faculdade e oferecer instru-
ção nas mesmas para aqueles que optem

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O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

por estudá-las após sua admissão; e que o


referido comitê seja instado a apresentar
suas conclusões na próxima reunião anu-
al desta corporação.
Este comitê, em sua primeira reunião,
no mês de abril de 1828, após ter ponde-
rado sobre a questão a ele submetida, so-
licitou que o Corpo Docente da faculda-
de expressasse seus pontos de vista com
relação ao tema da resolução.
A conveniência da manutenção das
línguas antigas como parte essencial de
nosso ensino está tão obviamente relacio-
nada ao objeto e ao programa de ensi-
no da faculdade que não se poderia fazer
justiça ao tema específico de que trata
a resolução sem uma sucinta exposição
sobre a natureza e a organização das di-
versas ramificações do sistema como um
todo. Desse modo, o relatório do cor-
po docente foi dividido em duas partes:
uma delas apresenta uma visão concisa
do programa de ensino da faculdade; e
a outra, uma análise da conveniência de
insistir no estudo das línguas antigas.

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A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

Tal relatório foi lido ao comitê, em sua


reunião no mês de agosto. O comitê sub-
meteu suas conclusões à corporação, em
sua sessão no mês de setembro, e esta vo-
tou pela aceitação do relatório, ordenan-
do que fosse impresso, juntamente com
os documentos lidos diante do comitê, ou
as partes deles que, a seu critério, o co-
mitê e o corpo docente julgassem conve-
niente publicar.

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RELATÓRIO DO CORPO DOCENTE

PARTE I

Apresenta uma visão concisa


do programa de ensino da faculdade
T
endo o comitê da corporação,
ao qual foi encaminhada a mo-
ção para análise da conveniência
de abandonar o estudo das línguas anti-
gas como parte do ensino regular desta
faculdade, solicitado a opinião do cor-
po docente a respeito do assunto, vimos
respeitosamente apresentar as seguintes
considerações.
Decididamente partilhamos da opinião
de que nosso atual programa de ensino
é passível de aperfeiçoamentos. Temos
consciência de que o sistema é imperfeito:
e acalentamos a esperança de que algu-
mas de suas falhas possam ser remedia-
das sem demora. Cremos que, de tempos
em tempos, mudanças podem ser feitas
com proveito, a fim de atender às diversas

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O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

demandas da comunidade, adequar o en-


sino ao rápido avanço do país no tocante
a população, refinamento e prosperidade.
Não temos dúvidas de que importantes
melhorias podem ser sugeridas pela ob-
servação atenta das instituições acadêmi-
cas da Europa e pelo sincero espírito de
pesquisa que hoje é tão predominante na
temática da educação.
Os guardiões da faculdade parecem
ter sempre agido segundo o princípio de
que ela não deve ser estacionária, mas
antes avançar continuamente. Assim,
algumas alterações vêm sendo propos-
tas, quase que todos os anos, a partir de
seu primeiro escalão. Portanto, é com
grande surpresa que ocasionalmen-
te ouvimos a insinuação de que nosso
sistema é inalterável; de que, em sua
origem, as faculdades foram planeja-
das nos dias da ignorância monástica; e
que, “estando atadas, imóveis, ao mes-
mo lugar, elas servem tão somente para
mensurar a rápida torrente de avanços
que passa por elas”.

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A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

Não poderia ser mais oposto a tudo


isso o real estado de coisas nesta e nas
demais instituições de ensino dos Esta-
dos Unidos. Nada é mais comum que
ouvir aqueles que tornam a visitar a fa-
culdade, após uns poucos anos de au-
sência, expressando sua surpresa diante
das mudanças que foram feitas desde
sua graduação. Não só a grade cur-
ricular e os métodos de ensino foram
bastante modificados como ciências in-
teiras foram introduzidas pela primei-
ra vez: química, mineralogia, geologia,
economia política, etc. Elevando-se o
nível das qualificações necessárias para
admissão, o nível de aprendizado tam-
bém foi elevado. Alterações tão abran-
gentes e freqüentes constituem prova
satisfatória de que, se aqueles a quem é
confiada a superintendência da institui-
ção ainda aderem firmemente a alguns
aspectos originais, isso se dá antes pela
observância de um princípio superior
que por oposição cega a reformas salu-
tares. Temos fé de que aperfeiçoamentos

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O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

continuarão a ser feitos, com a rapidez


possível, sem o risco de perder aquilo
que já foi conquistado.
Contudo, talvez tenha chegado o mo-
mento em que devemos parar e indagar
se promover mudanças graduais será su-
ficiente, como o foi até aqui, e se não é
preferível desmantelar todo o sistema e
substituí-lo, criando um sistema melhor
em seu lugar. De diversos lugares temos
ouvido a insinuação de que nossas fa-
culdades devem ser remodeladas; de que
não estão adaptadas ao espírito e às ne-
cessidades desta época; que logo serão
abandonadas, a menos que se ajustem ao
caráter empresarial da nação. Como este
argumento pode ser de grande relevância
para a questão ora submetida ao comi-
tê, gostaríamos de pedir sua indulgência
enquanto tentamos explicar, detalhada-
mente, a natureza e o objetivo do atual
programa de ensino da faculdade.
Em vão tentaremos decidir sobre a con-
veniência da manutenção de nossa atual
sistemática de ensino sem termos uma

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A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

compreensão clara do objetivo de uma


educação acadêmica. Um plano de estudo
pode ser muito útil para um propósito es-
pecífico, mas pode não ser adequado para
outros propósitos diferentes. Universida-
des, faculdades, instituições acadêmicas
e de formação profissional não se devem
constituir com base no mesmo modelo,
mas, antes, devem ser tão diversas quan-
to necessário para atingirem os fins que
respectivamente têm em vista.
Qual é, então, o objetivo adequado a
uma faculdade? Não é necessário identifi-
car aqui o que é que, em cada caso, confe-
re a uma instituição o status de faculdade.
Todavia, se não tivermos compreendido
muito mal o intento dos patronos e guar-
diões desta faculdade, seu objetivo é lan-
çar os alicerces de uma educação superior:
e isso deve ser feito em um período da vida
em que é necessário fornecer um substitu-
to da supervisão dos pais. A base de uma
educação meticulosa e completa deve ser
ampla, profunda e sólida. Para uma edu-
cação parcial ou superficial, o suporte

35
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

pode consistir de materiais menos rígidos,


e erigir-se de maneira mais apressada.
As duas grandes qualidades que se ad-
quirem com a cultura intelectual são a dis-
ciplina e o aparato da mente, expandindo
suas capacidades e cumulando-a de co-
nhecimento. A primeira delas é, talvez, a
mais importante das duas. Por conseguin-
te, deve ser objetivo peremptório de um
curso acadêmico convocar as capacidades
do estudante a um exercício vigoroso e
diário. Devem-se prescrever aquelas disci-
plinas e adotar aqueles métodos de ensino
que sejam mais aptos a ensinar a arte de
concentrar a atenção, direcionar a linha
de raciocínio, analisar um tema proposto
para investigação; de seguir, com discerni-
mento preciso, o desenvolvimento de uma
argumentação; de sopesar adequadamente
os indícios e provas apresentados à apre-
ciação; de despertar, elevar e controlar a
imaginação; de organizar com habilida-
de os tesouros que a memória ajunta; de
despertar e guiar os potenciais do talento.
Tudo isso não se alcançará com uma gra-

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A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

de curricular leve e apressada; com a lei-


tura de uns poucos livros, a participação
em umas poucas palestras, e uns poucos
meses de assiduidade a uma instituição
acadêmica. Os hábitos de pensamento de-
vem ser formados por dedicação prolon-
gada, contínua e minuciosa. As jazidas da
ciência precisam ser escavadas até muito
abaixo da superfície para que comecem a
revelar seus tesouros. Se, em muitas das
artes mecânicas, o desempenho habilidoso
das operações manuais requer um apren-
dizado de anos, com atenção diligente,
tanto mais o treinamento das capacidades
da mente exige um esforço vigoroso, cons-
tante e sistemático.
No lançamento das bases de uma edu-
cação meticulosa e completa é necessário
que todas as faculdades mentais mais im-
portantes sejam postas em exercício. Não
basta que uma ou duas sejam cultivadas,
enquanto outras são negligenciadas. Não
se deve deixar que um edifício suntuoso
repouse sobre uma única coluna. Quando
certos dotes mentais recebem uma cultu-

37
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

ra muito mais elevada que outros, ocorre


uma distorção do caráter intelectual. A
mente nunca atinge total perfeição a me-
nos que suas diversas capacidades sejam
treinadas de modo a alcançarem as justas
proporções que lhes designou a natureza.
Se o estudante exercita tão somente suas
habilidades de raciocínio, será carente de
imaginação e refinamento, de eloqüên-
cia ardente e fascinante. Se restingir sua
atenção a provas tangíveis, não estará
apto a decidir corretamente em casos de
probabilidade. Se contar, sobretudo, com
sua memória, suas habilidades inventi-
vas ficarão debilitadas pelo desuso. Na
sistemática de ensino desta faculdade,
um dos objetivos tem sido manter uma
proporção tal entre as diferentes discipli-
nas de literatura e ciência que promova
no estudante um adequado equilíbrio de
caráter. Da pura matemática ele aprende
a arte do raciocínio ilustrativo. Ao lidar
com as ciências físicas, ele se familiariza
com fatos, com o processo de indução e
com as variedades de indícios prováveis.

38
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

Na literatura antiga ele encontra alguns


dos modelos mais primorosos de requin-
te. Pela leitura do inglês ele descobre o
poder da língua em que deverá falar e es-
crever. Por meio da lógica e da filosofia
da mente, ele aprende a arte de pensar;
e com a retórica e a oratória, a arte de
falar. Pelo exercício freqüente da compo-
sição escrita, ele adquire riqueza e exa-
tidão de expressão. Graças à discussão
de improviso, ele se torna ágil, fluente
e dinâmico. É importantíssimo que elo-
qüência e aprendizado sólido caminhem
juntos; que aquele que tenha acumulado
os mais preciosos tesouros do pensamen-
to possua as mais elevadas habilidades de
oratória. De que vale um homem ter-se
feito profundamente versado se não tiver
capacidade alguma de comunicar seu co-
nhecimento? E qual é a utilidade de uma
demonstração de elegância retórica por
parte de alguém que saiba pouco ou nada
que valha a pena comunicar? Est enim
scientia comprehendenda rerum plurima-
rum, sine qua verborum volubilitas ina-

39
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

nis atque irridenda est. Cic. [Cícero, De


Oratore, Livro I: “Sem conhecimento de
muitas coisas, a abundância de palavras
é vazia e mesmo absurda”.] Nosso curso,
pois, tem por objetivo uma união entre
ciência e literatura, entre sólidos conheci-
mentos e habilidade na arte da persuasão.
Nenhum aspecto de um sistema de
educação intelectual tem maior impor-
tância que uma combinação de deveres e
motivos que efetivamente faça com que o
estudante lance mão dos recursos de sua
própria mente. Sem isso, todo o aparato
de bibliotecas, instrumentos, espécimes,
aulas expositivas e professores não bas-
tarão para assegurar exímia excelência.
O estudante deve formar a si mesmo, por
seus próprios esforços. As vantagens ofe-
recidas por uma residência na faculdade
pouco podem fazer além de incentivá-lo
e auxiliá-lo em seus esforços pessoais.
As habilidades criativas devem ser espe-
cialmente engajadas em vigoroso exer-
cício. E ainda que sejam abundantes os
conhecimentos de um estudante, se não

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A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

tiver talento para formar novas combi-


nações de pensamentos, ele será obtuso
e ineficiente. Os esforços mais sublimes
do gênio humano consistem nas criações
da imaginação, nas descobertas do inte-
lecto, nas conquistas pelas quais os do-
mínios da ciência se expandem. Porém,
o cultivo das faculdades criativas não é o
único objetivo de uma educação liberal.
A mais talentosa das inteligências não
pode promover grandes acréscimos à ci-
ência para a qual a sabedoria de eras tem
contribuído. Se fosse possível que um jo-
vem tivesse suas faculdades cultivadas ao
máximo, sem o conhecimento oriundo
de outras pessoas ele estaria pouco quali-
ficado para a vocação produtiva da vida.
À disciplina da mente, portanto, deve ser
associada a instrução. O método analíti-
co deve ser combinado com o sintético.
A análise é mais eficiente no direciona-
mento das capacidades de invenção; mas
é demasiado lenta em seu progresso para
ensinar, em um espaço de tempo razoá-
vel, o círculo das ciências.

41
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

Em nossa estrutura de transmissão de


conhecimento, bem como em disciplina
intelectual, tais disciplinas devem ser en-
sinadas de modo a produzir a adequada
simetria e equilíbrio de caráter. Duvida-
mos que as capacidades da mente possam
ser desenvolvidas, em suas mais justas
proporções, pelo estudo exclusivo de lín-
guas, ou de matemática, ou de ciência na-
tural ou política. Assim como a estrutura
corporal é levada a sua máxima perfei-
ção não por uma movimentação simples
e uniforme, mas por uma variedade de
exercícios, também as faculdades mentais
expandem-se, fortalecem-se e adaptam-se
umas às outras mediante a familiaridade
com diferentes divisões da ciência.
Um aspecto importantíssimo das fa-
culdades deste país é que os estudantes
geralmente se encontram em uma ida-
de que exige um substituto da super-
visão dos pais. Quando saem de casa e
são expostos às cenas de tentação nun-
ca dantes enfrentadas, é necessário que
um guardião confiável e afetuoso os leve

42
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

pela mão e guie-lhes os passos. Esse fator


determina a espécie de governança que
deve ser mantida em nossas faculdades.
Sendo um substituto das normas de uma
família, ela deve aproximar-se do cará-
ter de controle parental tanto quanto o
permitam as circunstâncias do caso. Ela
deve ser fundamentada em mútua afeição
e confiança. Deve buscar a realização de
seu propósito principalmente por influ-
ência gentil e persuasiva, não totalmente
ou, sobretudo, pela restrição e pelo terror.
Não obstante, por vezes, punições podem
ser necessárias. Pode haver membros per-
versos em uma faculdade, bem como em
uma família. Pode haver aqueles a quem
nada, senão o braço da lei pode alcançar.
O caráter parental da governança de
uma faculdade exige que os estudantes
sejam tão unidos entre si que constituam
uma única família; que o relacionamen-
to entre eles e seus instrutores [sic a todo
tempo] possa ser freqüente e familiar.
Isso torna necessário o fornecimento de
prédios adequados para a residência dos

43
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

estudantes: falamos agora de faculdades


no interior, cujos membros, em sua maio-
ria, vêm de longe. Em uma cidade gran-
de, onde os estudantes possam residir
com os pais, apenas dormitórios públi-
cos são necessários. Esse também pode
ser o caso em instituições de formação
profissional, nas quais os estudantes têm
idade mais avançada e, portanto, não
demandam supervisão minuciosa por
parte de seus instrutores.
Tendo assim declarado o que enten-
demos ser o objetivo característico da
educação nesta faculdade, a saber, lan-
çar um alicerce sólido em literatura e ci-
ência, pediríamos agora permissão para
acrescer umas poucas observações quan-
to aos meios que se empregam para rea-
lizar tal objetivo.
Ao se ministrar o ensino, pretende-se
seja observada uma proporção adequa-
da entre aulas expositivas e os exercícios
que são comumente chamados sabatina
oral; ou seja, exames do conhecimento
de um compêndio. A grande vantagem

44
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

das aulas expositivas é que, ao mesmo


tempo em que exigem os máximos es-
forços do expositor e aceleram seu pro-
gresso à eminência profissional, elas dão
ao tema aquela luz e aquele espírito que
faz despertar o interesse e o ardor do es-
tudante. Elas podem colocar diante dele
os princípios da ciência com a atraente
vestimenta da vívida eloqüência. Quan-
do se devem explicar instrumentos, rea-
lizar experimentos ou exibir espécimes,
elas constituem o método apropriado
de comunicação. Não obstante, estamos
longe de crer que todos os propósitos do
ensino possam ser atendidos da melhor
forma possível apenas por aulas exposi-
tivas. Elas nem sempre impõem ao estu-
dante uma tarefa premente e definida. Ele
pode permanecer em seu assento e pôr-se
a ouvir passivamente o expositor sem se-
quer colocar em exercício as habilidades
ativas de sua própria mente. Esforçamo-
-nos para remediar essa deficiência, em
parte, com freqüentes exames sobre os
temas das aulas expositivas. Além disso,

45
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

é importante que o estudante tenha opor-


tunidades de recolher-se consigo mesmo
e dar um direcionamento mais assertivo
a seus pensamentos do que quando está
ouvindo a instrução oral. Assegurar seus
esforços constantes e sinceros é o grande
objetivo dos exames ou sabatinas orais
diárias. Nesses exercícios, o guia é nor-
malmente um compêndio. Exige-se o es-
tudo de uma parcela específica dele para
cada encontro. Apenas dessa maneira a
tarefa pode ser suficientemente definida.
Se ela estiver distribuída entre diversos li-
vros sobre o mesmo assunto, a diversida-
de de afirmações neles dará ao estudante
uma desculpa para a inexatidão de suas
respostas. Ademais, não conhecemos mé-
todo mais eficaz de desorientar e confun-
dir o aluno, ao iniciar o estudo de uma
ciência nova, que lhe indicar meia dúzia
de autores diferentes, para serem lidos ao
mesmo tempo. Ele correrá o risco de não
aprender nada efetivamente. Quando vier
a ocupar-se do estudo de sua profissão,
poderá encontrar seu caminho em meio

46
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

ao labirinto e estabelecer com firmeza as


próprias opiniões, dedicando dias ou se-
manas ao exame de cada ponto distinto.
Desse modo, compêndios já não são tão
necessários nesse nível avançado da edu-
cação como o são durante a faculdade,
onde o tempo destinado a cada discipli-
na é, raras vezes, mais que suficiente para
que o estudante se familiarize com seus
princípios elementares. Estes, com poucas
exceções, não são pontos novos e contro-
versos, mas já há muito estabelecidos; e
são apresentados em seus aspectos mais
positivos no estilo consistente e peculiar
de um autor eminente.
Não obstante, a nossas turmas é dada
a oportunidade de uma completa inves-
tigação e discussão de temas específicos
nos debates por escrito e naqueles de
improviso, que constituem uma parte
importante de nosso programa de exer-
cícios. Na medida em que o estudante
tenha tempo para ampliar suas investi-
gações para além dos limites de seu com-
pêndio, já estudado com afinco, seu ins-

47
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

trutor poderá prestar-lhe grande auxílio


indicando os diversos autores que tratam
dos pontos mais importantes das lições e
propondo correções, exemplos e comen-
tários próprios. Dessa forma, grande par-
te de nossos exercícios diários tornam-se
aulas expositivas informais e de impro-
viso. No entanto, a atividade de explicar
e comentar excede-se sempre que subs-
titui a necessidade de esforço por parte
do aluno. Se não nos enganamos, certa
parcela da popularidade de uma instru-
ção oral demasiado copiosa deve ser atri-
buída à satisfação do estudante em esca-
par da exigência de esforço mental. É a
fim de assegurar o incessante e vigoroso
exercício das faculdades intelectuais que
se atribuem responsabilidades tão cons-
tantes e particulares ao estudante. Para
isso que foram criados nossos exames
semestrais. Estes, junto com os exames
dos alunos do último ano, ocupam de
doze a quatorze dias por ano. Cada tur-
ma é dividida em dois grupos, que são
avaliados em salas separadas, ao mesmo

48
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

tempo, por sete ou oito horas por dia.


Na ocasião, faz-se presente um comitê
composto por cavalheiros de erudição e
distinção, vindos de diferentes partes do
estado. O grau de correção com que cada
estudante responde às perguntas que lhe
são postas sobre as diversas disciplinas é
anotado ali mesmo, e depois lançado em
um registro permanente, mantido pelo
Corpo Docente. Aos instrutores, porém,
as avaliações diárias nas salas de saba-
tina oral são um teste menos falível de
aprendizado que esses exames públicos.
Os últimos servem ao propósito de satis-
fazer as indagações de estranhos.
Consideramos indispensável a um ade-
quado ajuste de nosso sistema acadêmi-
co que haja nele tanto Professores como
Tutores. Com isso busca-se, por um lado,
a experiência daqueles que há muito são
residentes na instituição e, por outro, as
informações ainda frescas e minuciosas
daqueles que, mais recentemente inseri-
dos no meio dos estudantes, têm a clara
lembrança de suas impressões, seus pre-

49
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

conceitos e seus hábitos de pensamento


peculiares. No comando de cada grande
divisão da ciência é necessário que es-
teja um Professor para supervisionar o
departamento, formular o plano de en-
sino, regular o método de conduzi-lo e
lecionar as partes mais importantes e di-
fíceis da matéria. Mas os estudantes de
uma faculdade que acabam de ingressar
no estudo dos primeiros elementos da
ciência, não têm por ocupação principal
os pontos mais obscuros e controversos
dela. Sua atenção não se deve voltar ex-
clusiva ou principalmente às mais recen-
tes descobertas. Primeiro, é preciso que
aprendam os princípios que estiveram
presentes no curso de investigações ao
longo de épocas sucessivas e, hoje, torna-
ram-se menos complicados e fixos. Antes
de chegar a regiões ainda inexploradas,
eles devem atravessar o campo cultivado
que as antecede. O Professor à frente do
departamento pode, assim, em algumas
partes do programa de ensino, receber o
auxílio daqueles que não são tão profun-

50
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

damente versados como ele em todas as


complexidades da ciência. Na verdade,
não cremos que os princípios elementa-
res sejam sempre ensinados com o máxi-
mo proveito por aqueles cujas pesquisas
já os levaram tão além dessas verdades
mais simples que, ao voltarem a elas, fa-
zem-no com relutância e desagrado. Teria
Sir Isaac Newton superado todos os seus
contemporâneos no ensino das regras co-
muns da aritmética? Em geral, os jovens
são dotados do maior ardor na transmis-
são de princípios familiares e na solução
daquelas dificuldades menores do aluno
que, há não longo tempo, pontuavam seu
próprio caminho.
Quanto à política interna da institui-
ção, como os estudantes reúnem-se em
uma única família, considera-se medida
essencial que alguns dos tutores consti-
tuam uma parcela dessa família, estando
sempre presentes junto aos estudantes,
não apenas em suas refeições e durante
as atividades do dia, mas nas horas des-
tinadas ao descanso. Assim, os prédios

51
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

de nossa faculdade foram projetados de


modo que não há dormitório ocupado
por estudantes que não fique próximo
aos aposentos de um dos tutores.
Mas o aspecto de nosso sistema que
torna indispensável um número conside-
rável de tutores é a subdivisão de nossas
turmas e a atribuição de cada parcela ao
encargo particular de um homem. Cada
uma das três turmas iniciais é divida em
dois ou três grupos, e cada grupo é con-
fiado à supervisão de um tutor. Embora
não esteja restrito à instrução apenas de
seu próprio grupo, mas possa fazer trocas
com outros tutores, de modo que cada um
tenha a oportunidade de ensinar sua dis-
ciplina favorita, o tutor, ao encontrar seus
alunos nas salas de sabatina oral duas ou
três vezes todos os dias e inspecionar sua
conduta em outras ocasiões, presta um
serviço à política da instituição, que não
poderia ser realizado de nenhuma outra
forma. Pretende-se que a governança te-
nha, tanto quanto possível, um caráter
parental, que seja uma governança de

52
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

influência amena e agradável. Contudo,


a base dela precisa ser a afeição mútua,
aquela que pode florescer tão somente a
partir de intimidade cotidiana e especial.
Se o mesmo professor leciona oito ou dez
grupos diferentes, em rápida sucessão,
será difícil para ele sentir que tem uma
relação próxima com todos os alunos. Se
o mesmo aluno assiste às aulas de uma
dúzia de instrutores diferentes, de forma
rotativa, pode ser que respeite a todos
eles; mas não se pode esperar que tenha
por eles particular afeição.
O tutor de um grupo tem a oportunida-
de, que nenhum outro servidor da facul-
dade usufrui, de conhecer intimamente o
caráter de seus alunos. É importantíssimo
que esse conhecimento esteja à disposi-
ção do Corpo Docente. Pela distribuição
de nossa família entre indivíduos dife-
rentes obtêm-se informações minuciosas,
que podem ser comunicadas à Diretoria
sempre que necessário. Ainda, com essa
estruturação, a responsabilidade dos di-
versos instrutores torna-se muito mais

53
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

definida que quando ela recai coletiva-


mente sobre o conjunto. Cada Professor
é responsável pela organização criteriosa
de seu próprio departamento, e pelo êxito
de sua condução, na medida em que isso
dependa de seus esforços e talentos pes-
soais. Cada tutor é responsável, em certa
medida, pelo progresso e comportamento
apropriado de seu grupo. Mas pouco se
sente a responsabilidade quando conside-
rada algo comum a muitos, sem uma cla-
ra distribuição entre os indivíduos. Com
uma proporção adequada de professores
e tutores, podemos unir as vantagens da
experiência com o fervor e a atividade;
da investigação profunda com a atenção
cuidadosa aos princípios elementares;
da afeição pessoal e da responsabilidade
individual com um arranjo tal das dife-
rentes partes do sistema que proporcione
unidade e simetria ao todo.
Esperamos que o ensino acadêmico,
de que acabamos de apresentar uma vi-
são sucinta, possa ser cuidadosamente
diferenciado de vários outros objetivos e

54
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

estruturas com os quais vem sendo con-


fundido com demasiada freqüência. Ele
está longe de abranger tudo quanto o es-
tudante terá oportunidade de aprender. O
objetivo não é completar sua educação e
dá-la por finda, mas lançar os alicerces e
avançar na construção da infraestrutura
tanto quanto o curto período de sua re-
sidência aqui o permitir. Se ele adquirir
aqui um conhecimento minucioso dos
princípios da ciência, poderá, então, em
grande medida, prosseguir sozinho em
sua educação. Ao menos, ele foi ensina-
do a aprender. Com o auxílio de livros
e meios de observação, ele pode avançar
constantemente em conhecimento. Aon-
de quer que ele vá, qualquer que seja a
companhia em que esteja, ele terá aquelas
visões gerais sobre qualquer tópico de in-
teresse, o que lhe permitirá compreender,
assimilar e formar uma opinião correta
acerca das afirmações e discussões que
ouvir. Existem muitas coisas importantes
que se deve conhecer e que não são ensi-
nadas nas faculdades porque podem ser

55
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

aprendidas em qualquer lugar. O conhe-


cimento, conquanto indispensável, che-
ga-nos tão livremente, através de nossas
atividades, como nossos necessários su-
primentos de luz, ar e água.
O ensino ministrado aos alunos de gra-
duação na faculdade não tem o intuito de
incluir estudos de formação profissional.
Nosso objetivo não é ensinar aquilo que é
específico a nenhuma das profissões, mas
lançar as bases que são comuns a todas
elas. Há escolas específicas para medici-
na, direito e teologia, vinculadas à facul-
dade, bem como em diversas partes do
país, as quais estão abertas a recepcionar
todos aqueles que estão preparados para
ingressar nos estudos adequados a suas
várias profissões. Nestas, o curso acadê-
mico não pretende interferir.
Mas por que, pode-se questionar, um
estudante deve desperdiçar seu tempo
com estudos que não têm conexão ime-
diata com sua futura profissão? Haverá a
química de capacitá-lo a pleitear na corte,
ou as cônicas de qualificá-lo a pregar, ou

56
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

a astronomia de ajudá-lo na prática da


medicina? Por que não deveria sua aten-
ção ater-se apenas ao assunto que ocupa-
rá os esforços de sua vida? Em resposta
a isso, pode-se observar que não há ci-
ência que não contribua com seu auxílio
à habilidade profissional. “Tudo lança
luz sobre tudo.” O grande objetivo de
uma educação acadêmica, preparatória
ao estudo de uma profissão, é promover
aquela expansão e aquele equilíbrio das
capacidades mentais, aquelas concepções
liberais e abrangentes, e aquelas primoro-
sas proporções de caráter que não se po-
dem encontrar naquele cujas idéias estão
sempre confinadas a um canal específico.
Quando um homem dá início à prática
de sua profissão, as energias de sua mente
devem ser dedicadas principalmente aos
deveres próprios do ofício. Mas, se seus
pensamentos nunca exploram outros as-
suntos, se ele jamais circula pelos vastos
domínios da literatura e da ciência, have-
rá certa estreiteza em seus hábitos de pen-
samento, uma peculiaridade de caráter

57
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

que por certo o marcarão como um ho-


mem de opiniões e conhecimentos limita-
dos. Caso se destaque em sua profissão,
sua ignorância de outros temas e as im-
perfeições de sua educação estarão ainda
mais expostas à observação pública. Por
outro lado, aquele que não só é eminente
na vida profissional, mas também possui
uma mente ricamente abastecida de co-
nhecimentos gerais, tem uma elevação e
uma dignidade de caráter que lhe confere
uma influência poderosa na sociedade, e
uma esfera muitíssimo ampla de utilida-
de. Sua situação permite-lhe difundir a
luz da ciência em meio a todas as classes
da comunidade. Um homem não deve ter
outro objetivo além de obter o sustento
mediante atividades profissionais? Não
tem ele deveres a cumprir para com sua
família, seus concidadãos, seu país; de-
veres que exigem um aparato intelectual
variado e extenso?
Estudos de formação profissional são
deliberadamente excluídos do ensino na
faculdade para deixar espaço para aque-

58
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

les conhecimentos literários e científicos


que, se não brotarem ali, na maioria dos
casos, jamais serão alcançados. Eles não
florescerão de maneira espontânea, em
meio à azáfama do trabalho. Não esta-
mos falando aqui daqueles intelectos ex-
traordinários que, por sua energia ineren-
te, superam as barreiras de uma educação
falha e abrem seu caminho ao renome.
Essas são ilustres exceções à regra geral,
não exemplos de imitação geral. Não se
encontram Franklins e Marshalls em nú-
mero suficiente para encher uma facul-
dade. E mesmo Franklin não teria sido o
que foi se não existissem faculdades no
país. Quando as mais importantes insti-
tuições acadêmicas mantêm um padrão
educacional elevado, homens de capaci-
dades superiores que não tiveram acesso
a elas são estimulados a buscar elevação
semelhante, por seus próprios esforços, e
com o auxílio da luz que, assim, resplan-
dece à sua volta.
Visto que nosso ensino não se propõe
a completar uma educação na ciência

59
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

teológica, na médica, nem na jurídica;


tampouco inclui todos os pequenos de-
talhes de atividades mercantis, mecâni-
cas ou agrícolas. Essas jamais podem
ser efetivamente aprendidas, exceto nas
condições mesmas em que devem ser pra-
ticadas. O jovem comerciante deve ser
treinado no escritório de contabilidade;
o mecânico, na oficina; o produtor rural,
no campo. Todavia, não temos, em nossas
dependências, nenhuma fazenda ou loja
experimental; nenhuma manufatura de
algodão ou ferro; nenhuma chapelaria,
nem estabelecimento de prateiro ou de
montador de coches. Então, perguntar-
-se-á, com que propósito rapazes destina-
dos a tais profissões são enviados a uma
faculdade? Eles não devem ser enviados,
em nossa opinião, com a expectativa de
concluir sua educação na faculdade, mas
com a perspectiva de construir um cuida-
doso alicerce no tocante aos princípios da
ciência, preparatórios ao estudo das ar-
tes práticas. Como não se pode aprender
tudo em quatro anos, a teoria ou a prática

60
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

deve ser, ao menos em certa medida, adia-


da a uma oportunidade futura. Porém,
se a teoria científica das artes tem de ser
adquirida em algum momento, ela é in-
questionavelmente a primeira, no que diz
respeito ao tempo. A pedra angular deve
ser colocada antes de se erigir a infraes-
trutura. Se se fizessem ajustes adequados,
os detalhes da educação mercantil, me-
cânica e agrícola poderiam ser ensinados
na faculdade, para graduados residentes.
Assim, a habilidade prática estaria funda-
mentada em informações científicas.
Pode-se indagar: Quando um rapaz
recebe seu diploma, para que ele está
preparado? Ele deixa a faculdade quali-
ficado para uma atividade profissional?
Nossa resposta é não – se ele parar por
aí. Sua educação teve início, mas não foi
concluída. A faculdade deve ser censura-
da por não realizar aquilo que nunca se
comprometeu a fazer? Reclamamos do
pedreiro que fez o alicerce de uma casa,
dizendo que ele não fez nada útil, que não
terminou a construção, que o produto de

61
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

seu trabalho não é habitável, e que, por-


tanto, não há nada de prático no que ele
fez? Dizemos do semeador, que cultivou e
colheu uma safra de algodão, que ele não
fez nada prático por não ter dado a seu
produto a forma de vestimenta?
Em educação, assim como em moral,
costumamos ouvir a insinuação de que
princípios não são essenciais, desde que
a prática esteja correja. Por que desper-
diçar com teorias o tempo necessário ao
aprendizado das artes práticas? Temos
consciência de que algumas operações
podem ser realizadas por aqueles que
têm pouco ou nenhum conhecimento dos
princípios de que elas dependem. O mari-
nheiro pode abrir suas velas ao vento sem
compreender as leis da decomposição de
forças; o carpinteiro pode dar ângulos
retos a suas armações de madeira sem
o conhecimento dos Elementos de Eu-
clides; o tintureiro pode fixar suas cores
sem ser versado nos princípios da quími-
ca. Contudo, os trabalhos de tal homem
estão restritos à estrada estreita que foi

62
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

demarcada por outros homens. Ele pre-


cisa da constante supervisão de homens
de conhecimentos mais amplos e científi-
cos. Caso se aventure para além dos pro-
cedimentos usuais que lhe são prescritos,
ele trabalha a esmo, sem a orientação de
princípios estabelecidos. Graças à prática
contínua e prolongada, ele pode ter al-
cançado um alto grau de destreza. Mas
a organização de planos de negócio, as
novas combinações de processos mecâ-
nicos, as descobertas e aperfeiçoamentos
nas artes devem, em regra, vir de mentes
que receberam uma educação mais ele-
vada e sistematizada. Há uma fertilidade
nos princípios científicos da qual o mero
artista não tem compreensão. Uma úni-
ca lei geral pode abranger mil ou dez mil
casos particulares, cada um dos quais tão
difícil de aprender ou lembrar como a lei
mesma que os explica a todos. Precisa-se
de homens de mero detalhe prático, em
números consideráveis, para preencher
as posições subordinadas nos estabeleci-
mentos em que se desenvolvem atividades

63
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

mecânicas; porém, os cargos superiores


exigem visões esclarecidas e abrangentes.
Estamos longe de acreditar que se deve
ensinar tão somente teoria em uma fa-
culdade. Ela não pode ser efetivamente
ensinada, salvo em conexão com exem-
plos práticos. Estes são necessários para
despertar o interesse pelas instruções te-
óricas, e particularmente importantes na
demonstração da aplicação de princípios.
Portanto, é nosso objetivo, enquanto en-
gajados em investigações científicas, mes-
clá-las, tanto quanto possível, com exem-
plos e experimentos práticos. De que
valem todas as sublimes descobertas que
imortalizaram os nomes de Newton, Ar-
quimedes, e outros, se os princípios que
eles descobriram nunca forem ensinados
àqueles que podem aplicá-los na prática?
Por que conferimos tantos elogios exalta-
dos ao talento criativo, se os resultados de
investigações originais ficarem restritos a
uns poucos cientistas, em vez de difundi-
dos entre aqueles que estão engajados nas
tarefas ativas da vida? Trazer os princí-

64
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

pios da ciência à aplicação prática pelas


classes laborais é a função dos homens de
educação superior. Foi a separação de te-
oria e prática que desmereceu a ambas.
Apenas sua união pode elevá-las a sua
verdadeira dignidade e valor. O homem
da ciência está normalmente disposto a
adotar um ar de superioridade quando
observa as opiniões limitadas e parciais
do simples artesão. Este último, por sua
vez, ri das asneiras práticas do primeiro.
As falhas na educação de ambas as clas-
ses seriam remediadas ofertando-lhes um
conhecimento de princípios científicos,
preparatório para a prática.
Sabemos que uma educação meticulo-
sa não está ao alcance de todos. Muitos,
por escassez de tempo ou de recursos pe-
cuniários, precisam contentar-se com um
ensino parcial. Uma educação imperfeita
é melhor que nenhuma educação. Se um
jovem tem condições de dedicar apenas
dois ou três anos a uma educação cientí-
fica e de formação profissional, ser-lhe-á
adequado selecionar umas poucas dentre

65
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

as disciplinas mais importantes e dedicar


sua atenção exclusivamente a elas. No en-
tanto, isso é uma imperfeição que emerge
da necessidade do caso. Um programa de
estudo parcial inevitavelmente ofertará
uma educação parcial.
Isso, estamos bem convencidos, é, de
longe, preferível a uma educação super-
ficial. Dentre todos os métodos de ensino
oferecidos ao público, esse, que se propõe
a ensinar quase tudo em pouco tempo, é
o mais absurdo. Dessa maneira, nada é
efetivamente ensinado. O aluno é condu-
zido com tamanha rapidez pela superfí-
cie que mal permanece algum vestígio de
seus passos, ao terminar o curso. O que
ele aprendeu, ou pensa que aprendeu, é
apenas suficiente para inflar sua vaidade,
expô-lo à observação pública e render-lhe
o escárnio de homens de bom senso e sa-
piência. Uma educação parcial costuma
ser conveniente; uma educação superficial
jamais o é. Qualquer coisa que um jovem
se comprometa a aprender, não impor-
ta quão pequena, ele deve aprendê-la de

66
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

modo tão efetivo que possa propiciar-lhe


algum uso prático dela. Se existe alguma
maneira de ensinar em quatro anos tudo
quanto valha a pena saber, sentimo-nos
livres para admitir que não estamos de
posse do segredo.
Mas, pergunta-se, por que se deve
exigir que todos os estudantes de uma
faculdade dêem os mesmos passos? Por
que não permitir que cada um deles es-
colha aquelas disciplinas que mais lhe
agradam, a que seus talentos inerentes
se mostrem mais adaptados, e que estão
mais intimamente relacionadas à pro-
fissão que pretende exercer? A isso res-
pondemos que o programa por nós es-
tabelecido contém tão somente aqueles
assuntos que devem ser compreendidos,
em nossa opinião, por todo aquele que
almeja uma educação minuciosa. Eles
não constituem as peculiaridades de ne-
nhuma profissão ou arte. Estas devem
ser aprendidas em escolas de formação
profissional e técnica. Não obstante, os
princípios da ciência são o fundamento

67
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

comum de todas as elevadas realizações


intelectuais. Assim como em nossas es-
colas primárias ensinam-se a leitura, a
escrita e a aritmética a todos os alunos,
por diferentes que sejam suas possibili-
dades, também na faculdade todos de-
vem ser instruídos naquelas disciplinas
que ninguém destinado a profissões mais
elevadas deve ignorar. Que disciplina que
atualmente se estuda aqui poderia ser
deixada de lado sem prejuízo evidente ao
sistema? Sem mencionar de forma espe-
cífica, neste momento, as línguas antigas,
quem é que, buscando uma educação su-
perior e equilibrada, poderá permanecer
ignorante dos elementos das diversas ra-
mificações da matemática, ou de história
e antiguidades, ou de retórica e oratória,
ou de filosofia natural, ou astronomia,
química, mineralogia, geologia, econo-
mia política, ou filosofia mental e moral?
Pensa-se, por vezes, que um aluno não
deve ser exortado ao estudo daquilo que
não lhe agrada ou para o qual não tem
capacidade. Mas, como ele poderá saber

68
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

se tem gosto por uma ciência, ou apti-


dão para ela, antes de ter sequer iniciado
o estudo de suas verdades elementares?
Se ele é realmente destituído do talento
suficiente para esses departamentos co-
muns da educação, então está destinado
a uma esfera de atuação limitada. No
entanto, estamos bastante convencidos
de que nossos estudantes não são tão
desprovidos de capacidades intelectuais
como por vezes professam ser, embora
sejam facilmente levados a crer que não
têm capacidade para o estudo daquilo
que se lhes dizem ser quase que total-
mente inútil.
Quando uma turma se familiarizou
com os elementos comuns das diversas
ciências, então é o momento apropria-
do para que se separem e se dediquem a
seus estudos prediletos. Assim, podem fa-
zer sua escolha a partir de um teste real.
Hoje, isso é feito aqui, em certa medida,
em nosso terceiro ano. A separação pode
ter início mais cedo e estender-se até mais
adiante, desde que as qualificações para

69
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

admissão na faculdade tenham sido leva-


das a um patamar mais elevado.
Se a opinião que expusemos até aqui
sobre a questão estiver correta, notar-se-á
que o objetivo do sistema de ensino nesta
faculdade não é oferecer uma educação
parcial, que consista de umas poucas dis-
ciplinas apenas; nem, por outro lado, dar
uma educação superficial, que propicie
um parco conhecimento de quase tudo;
tampouco é fornecer os detalhes que con-
cluem uma educação de formação profis-
sional ou prática; mas iniciar um curso
meticuloso de estudos e levá-lo adiante,
até onde permita o tempo de residência
aqui. Pretende-se ocupar, para o máximo
proveito, os quatro anos que precedem
imediatamente o estudo de uma profissão
ou das operações que são específicas às
instituições superiores de caráter mercan-
til, manufatureiro e agrícola.
Visto que o ensino é apenas preparató-
rio a uma profissão, a grade curricular so-
bre a qual é conduzido não é copiada de
escolas de formação profissional. Existem

70
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

diferenças importantes oriundas do cará-


ter diverso dos dois cursos e da diferen-
te faixa etária de ingresso do estudante.
Na instituição de formação profissional,
é adequado que se estudem assuntos em
vez de compêndios. Durante esse perío-
do, o estudante dedica-se não ao apren-
dizado de meros elementos de diversas
ciências, mas a conhecer completa e me-
ticulosamente um grande departamento
de conhecimento, a cujo estudo terá de
dedicar vários anos. Deve-se propiciar ao
estudante tempo para formar sua própria
opinião sobre cada ponto importante,
através do lento processo de comparar
e sopesar as várias e conflitantes opini-
ões de outros estudiosos. Nesse estágio
de educação, é admissível uma quantida-
de muito maior de aulas expositivas. O
profundo interesse despertado por uma
longa e contínua dedicação a um mesmo
campo de investigação substitui a neces-
sidade das tarefas detalhadas que se exi-
gem nos estudos elementares. A idade do
estudante, bem como a perspectiva de em

71
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

breve iniciar a prática profissional, em


regra será suficiente para assegurar sua
aplicação assídua, sem a influência coer-
citiva de leis e penalidades.
Embora as restrições em uma faculda-
de sejam maiores que em instituições de
formação profissional, elas são menores
que em academias comuns. Nas últimas,
o aluno realiza seus estudos na presença
do instrutor. Tendo ainda dez ou doze
anos de idade, ele precisa de assistência
e incentivo mais freqüentes, na forma de
conversas coloquiais, do que os membros
de uma faculdade, os quais, conquanto
jovens, não são crianças.
Nossa instituição não segue exatamen-
te os moldes do padrão das universida-
des européias. Circunstâncias diferentes
tornaram convenientes diferentes medi-
das de organização. A política da maio-
ria dos governos monárquicos tem sido
concentrar as vantagens de uma educa-
ção superior em uns poucos lugares pri-
vilegiados. Na Inglaterra, por exemplo,
cada uma das antigas universidades de

72
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

Oxford e Cambridge não é tanto uma


instituição única, mas um grande número
de faculdades distintas, ainda que contí-
guas. Todavia, neste país, nossos hábitos
e sentimentos republicanos jamais per-
mitirão um monopólio da literatura em
um único lugar. Deve haver, na união, ao
menos tantas faculdades quantos são os
estados. Tampouco acusaríamos este ar-
ranjo de inadequado, desde que a penúria
não seja a conseqüência de um apoio tão
infimamente repartido. Não antevemos
quaisquer resultados desastrosos da mul-
tiplicação de faculdades, se ao menos pu-
derem ser adequadamente providas de re-
cursos. Contudo, não nos falta o receio de
que um crescimento débil e minguado de
nossa literatura nacional seja justamente
a conseqüência da parca disponibilização
de recursos para a maioria de nossas es-
colas públicas de ensino superior.
As Universidades do continente euro-
peu, em especial da Alemanha, vêm ga-
nhando ultimamente a atenção e o respei-
to de eruditos deste país. Em uma escala

73
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

ampla e liberal, elas estão proporcionan-


do excelentes recursos e instalações para
uma educação completa. Mas não cremos
que sejam modelos a ser copiados, em
todas as suas características, por nossas
faculdades norte-americanas. Esperamos
que esta faculdade, ao menos, possa ser
poupada da mortificação de uma tentati-
va ridícula de imitá-las, já que não dispõe
dos recursos necessários para executar tal
propósito. A única instituição deste país
que, ao que nos consta, começou a desen-
volver o programa das universidades eu-
ropéias precisou despender, antes de dar
início às operações, mais de trezentos mil
dólares, montante muito maior do que
a Faculdade de Yale recebeu em cento e
vinte e cinco anos, pela generosidade de
pessoas e do estado. Os estudantes in-
gressam nas universidades da Alemanha
com idade mais avançada e conhecimen-
tos preparatórios superiores do que é o
caso neste país. O período de educação,
que lá é dividido apenas em duas par-
tes, uma das quais é passada no ginásio,

74
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

e a outra, na universidade, aqui é divido


em três: o período da escola elementar, o
da faculdade, e o da escola de formação
profissional. Os alunos, quando ingres-
sam na universidade, estão quase ou tão
avançados em literatura, quando não em
ciência, como nossos estudantes, quando
graduados. Na Alemanha, a instituição
que corresponde mais de perto a nossas
faculdades, na questão de conhecimentos
e na idade dos estudantes, é o ginásio. As
universidades ocupam-se principalmente
de estudos de formação profissional. Em
Halle, por exemplo, de mil e cem estudan-
tes, apenas sessenta não se dedicam ao
estudo de Teologia, Direito e Medicina.
Mas, nos Estados Unidos, as escolas de
formação profissional estão espalhadas
pelo país, e muitas delas ficam distantes
das faculdades. As diversas denominações
de cristãos têm seus próprios Seminários
Teológicos. Estudantes de Direito estão
distribuídos por vários estados a fim de
ajustar sua educação às peculiaridades da
prática judiciária em cada um deles. Se

75
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

ao Instituto Teológico, ao Instituto Mé-


dico e ao Instituto de Direito vinculados
à Faculdade de Yale se agregasse o que,
na Alemanha, recebe o nome de Escola
de Filosofia para as pesquisas superiores
de literatura e ciência, os quatro depar-
tamentos, juntos, constituiriam uma uni-
versidade no sentido europeu do termo.
O próprio departamento acadêmico teria
ainda seu distinto e adequado objetivo, o
de lecionar as disciplinas preparatórias a
todos os demais. Em nossa opinião, se-
ria infundado pensar em adotar, em uma
faculdade, os regimentos e a grade curri-
cular de uma universidade, a menos que
seus estudantes estivessem três ou quatro
anos mais adiantados que hoje, tanto em
idade como em conhecimentos adqui-
ridos. Os pais deste país concordariam
em enviar os filhos, aos dezesseis anos de
idade, a uma instituição em que não ha-
veria absolutamente nenhum esforço de
desenvolver a disciplina, além daquele de
preservar a ordem na sala de aula? Quan-
do esses alunos, após terem atravessado o

76
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

terreno penoso e lúgubre do aprendizado


elementar, e chegado ao campo aberto e
encantador (em que os grandes mestres
da ciência estão avançando de maneira
competitiva e estimulante), em vez de la-
butarem sobre uma página de latim ou
grego, com suas gramáticas, dicionários
e comentários, os estudantes lêem essas
línguas com facilidade e prazer? Quan-
do, após fazerem um levantamento geral
dos vastos e diversificados territórios da
literatura, eles tiverem escolhido para
cultivar aqueles pontos que mais se adap-
tam a seus talentos e gostos, sendo assim,
possível deixar que sigam, em segurança,
seu curso de estudos, sem o impulso das
injunções autoritárias, nem as regras de
estatutos e as punições? Mas duvidamos
que uma faculdade de universitários, des-
provida de qualquer substituto para o
controle parental, fosse patrocinada por
muito tempo neste país.
Embora não consideremos as institui-
ções acadêmicas da Europa como mo-
delos perfeitos a serem copiados com

77
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

exatidão por nossas faculdades norte-a-


mericanas, estamos longe de condenar
qualquer característica de sistemas de en-
sino que tiveram origem mais antiga que
nossas escolas superiores republicanas.
Não imaginamos que o mundo não te-
nha aprendido absolutamente nada com
a experiência das idades; nem que uma
disciplina, ou um método de ensino, deva
ser abandonado, precisamente porque
permaneceu firme após ser testado por
várias nações, e ao longo de sucessivos sé-
culos. Acreditamos que nossas faculdades
podem fazer aperfeiçoamentos importan-
tes inspirados nas universidades e escolas
da Europa, não adotando indiscrimina-
damente todas as suas medidas, mas in-
troduzindo, de maneira cautelosa e com
as devidas modificações, aqueles aspectos
de sua estrutura que sejam adequados a
nossa situação e a nosso caráter específi-
co. O primeiro e grande aperfeiçoamento
que desejamos ver feito é a elevação do
nível de conhecimentos para admissão.
Até que isso seja feito, haveremos apenas

78
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

de incorrer em inevitável fracasso e escár-


nio ao tentarmos fazer uma imitação ge-
ral de universidades estrangeiras.
Um dos argumentos freqüentemente
apresentados em favor de uma educação
parcial é a suposta falta de tempo para
um curso mais amplo. Bem sabemos,
como já observamos, que uma educação
meticulosa não pode ter início e fim em
quatro anos. No entanto, se os três anos
que precedem imediatamente a idade
de vinte e um anos forem dedicados ao
estudo de uma profissão, haverá muito
tempo, antes disso, para o aprendizado
de tudo quanto é hoje exigido para a ad-
missão em uma faculdade, além do curso
estabelecido para os não graduados. Em-
bora as leis determinem a idade mínima
de quatorze anos para admissão, com que
freqüência já fomos pressionados a igno-
rar a regra em benefício de algum jovem
que havia completado sua preparação
mais cedo e que, se compelido a esperar
até atingir o requisito da idade, “corre o
risco de arruinar-se por falta de ocupa-

79
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

ção”? Não podemos esperar que tal argu-


mento seja apresentado com fervor ainda
maior quando os atuais métodos melho-
rados de ensino nas escolas elementar e
preparatória estiverem acelerando cada
vez mais o progresso do aluno?
Porém, suponhamos que acontecesse
de o estudante, em conseqüência de co-
meçar seus estudos tardiamente, demo-
rasse um pouco mais para dar início ao
exercício dos deveres de sua profissão.
Seria esse um sacrifício digno de ser com-
parado com a imensa diferença entre o
valor de uma educação limitada e de uma
educação meticulosa? Empurrar um jo-
vem para a vida profissional é tão indis-
pensável para seu bem-estar futuro que,
em vez de adiá-la por um único ano, ele
deve abrir mão de todas as vantagens de
uma disciplina intelectual e conhecimen-
tos superiores?
Bem sabemos que a população inteira
do país nunca poderá gozar dos benefí-
cios de uma formação educacional minu-
ciosa. Uma grande parcela deve conten-

80
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

tar-se com a instrução bastante limitada


de nossas escolas de ensino fundamental.
Outros podem ter condições de acrescen-
tar a isso o privilégio de uns poucos me-
ses em uma academia. Outros ainda, com
objetivos mais elevados e recursos mais
abundantes, podem permitir-se dispor de
dois ou três anos para freqüentar um pro-
grama de estudos parcial, em alguma ins-
tituição que ofereça instrução em qual-
quer disciplina ou disciplinas escolhidas
pelo aluno ou por seus pais.
A questão que se apresenta então é se
a faculdade deve ter todas as variedades
de aulas e departamentos encontrados
nas academias, ou se deve restringir-se ao
único objetivo de um ensino equilibra-
do e minucioso. Fala-se que hoje o povo
demanda que as portas sejam abertas a
todos; que a educação deve ser modi-
ficada, e variada, de modo a adaptar-se
às exigências do país e às perspectivas de
indivíduos diferentes; que o ensino dado
àqueles que estão destinados a ser comer-
ciantes, ou manufatureiros, ou agriculto-

81
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

res deveria ter uma relação especial com


suas respectivas atividades profissionais.
Indubitavelmente, o povo tem razão
de exigir que haja cursos adequados de
formação educacional e acessíveis a todas
as classes de jovens. E alegramo-nos dian-
te da perspectiva de medidas amplas para
se atingir tal propósito, com a melhoria
de nossas academias e a criação de esco-
las secundárias de comércio, ginásios, li-
ceus, escolas agrícolas, etc. Mas, o povo
insiste que toda faculdade deva tornar-se
uma escola secundária, um ginásio, um li-
ceu, uma academia? Por que deveríamos
intrometer-nos com tais valiosas institui-
ções? Por que desejar tirar sua função de
suas mãos? A faculdade tem seu objetivo
adequado, e elas têm seus próprios objeti-
vos. Que vantagem se haveria de obter ao
tentar fundi-las todas em uma? Quando
em quase todas as nossas escolas, acade-
mias e escolas de formação profissional o
padrão de educação tem sido ampliado e
elevado, seria o momento de a faculdade
rebaixar seu padrão? Devemos recuar e

82
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

abandonar o campo que, pelos últimos


trinta anos, vimos lutando tanto para
conquistar? Aqueles que estão buscando
tão somente uma educação parcial devem
ser admitidos na faculdade, apenas com
o intuito de associar seu nome ao desta?
De levar consigo um diploma acadêmico
sem incorrer no pavoroso risco de serem
oprimidos pelos estudos? Por que o di-
ploma de uma faculdade é mais valori-
zado que o certificado de uma academia,
se o primeiro não é prova de uma educa-
ção superior? Quando o ensino em uma
é rebaixado ao nível do ensino na outra,
graduar-se em uma ou outra é igualmente
honroso. Qual é a principal diferença en-
tre uma faculdade e uma academia? Não
que a primeira ensine mais disciplinas que
a segunda. No país existem muitas acade-
mias cuja grade curricular, ao menos no
papel, é mais variada que aquela das fa-
culdades. Mas, enquanto uma academia
ensina um pouco de tudo, a faculdade, ao
dirigir seus esforços para um curso uni-
forme, intenta realizar seu trabalho com

83
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

maior precisão e economia de tempo,


assim como o comerciante que negocia
com uma única categoria de produtos, ou
o manufatureiro que produz apenas um
tipo de tecido, executa sua atividade com
maior perfeição que aquele cuja atenção
e técnica estão dividas entre uma multi-
dão de objetos.
Se nosso tesouro estivesse transbor-
dando, se tivéssemos fundos de sobra,
exigindo que procurássemos por um
novo objetivo em que gastá-lo, talvez não
houvesse mal algum em criar um depar-
tamento para um curso sucinto e rápi-
do, desde que vinculado à faculdade, de
modo a ficar sob a supervisão da mesma
diretoria. Mas ele deveria ser distinto das
quatro turmas de não graduados, como o
são a escola médica e a escola de direito.
Todos os recursos ora aplicados no pró-
prio departamento acadêmico mal são su-
ficientes, ou, antes, são insuficientes para
o objetivo em vista. Nenhuma parcela de
nossos recursos, nem de nosso pessoal ou
de nosso trabalho pode ser redirecionada

84
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

para outros propósitos sem prejudicar a


educação que estamos tentando propor-
cionar. Uma universidade londrina, que
começa com um capital de várias cente-
nas de milhares de dólares e busca ofe-
recer um sistema de ensino para a juven-
tude de uma cidade cuja população é de
mais de um milhão de pessoas, bem pode
criar seus cursos superiores e inferiores,
seus departamentos científicos e práticos,
seus institutos de formação profissional,
mercantis e mecânicos. Mas deve uma fa-
culdade, com uma renda de dois ou três
mil dólares por ano em fundos, fingir ser,
de repente, uma universidade londrina?
Se viéssemos a ser uma instituição tal,
nosso atual curso de graduação ainda de-
veria constituir uma ramificação distinta
do complicado sistema organizacional.
Todavia, ao tornar a faculdade mais
acessível a diferentes tipos de pessoas,
não poderíamos aumentar nossos núme-
ros e, dessa forma, expandir nossa renda?
A medida talvez funcionasse dessa manei-
ra por um período muito curto, enquan-

85
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

to um diploma da faculdade conservasse


seu atual valor perante a opinião pública,
um valor que depende inteiramente do
caráter da educação que oferecemos. Po-
rém, no instante em que se perceber que
a instituição caiu a um nível inferior de
mérito, sua reputação despencará a um
nível equivalente. Depois de nos termos
tornado uma faculdade apenas no nome,
sendo, em realidade, nada mais que uma
academia; ou meio faculdade e meio aca-
demia, então, o que induzirá os pais de
diversas partes distantes do país a enviar-
-nos seus filhos, quando dispõem de aca-
demias suficientes em sua própria vizi-
nhança? Não há influência mágica em um
ato de incorporação que dê celebridade
a uma instituição acadêmica que, por si
mesma, não inspire respeito pelo elevado
grau de sua educação. Quando a facul-
dade tiver perdido a confiança do povo
por rebaixar seus padrões de mérito, por
substituir uma educação meticulosa por
uma educação parcial, podemos esperar
que ela seja abandonada por aquela clas-

86
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

se de pessoas que, até hoje, foram atraí-


das para cá com grandes expectativas e
metas. Ainda que não venhamos a sofrer
de imediato no tocante aos números, ha-
veremos de trocar a melhor parcela de
nossos alunos por outros que tenham ob-
jetivos e méritos inferiores.
Enquanto pudermos manter uma re-
putação elevada, não precisamos ficar
apreensivos com relação aos números.
Sem reputação, será inútil pensar em
mantê-los. É um experimento temerário
agir segundo a estratégia de primeiro an-
gariar números para depois estabelecer
uma boa reputação.
Estamos cientes de que há uma gran-
de imperfeição na realização do propó-
sito de oferecer um ensino meticuloso.
As observações que fizemos sobre este
tema referem-se antes ao que desejarí-
amos ver levado a efeito do que aquilo
que declaramos ter sido de fato realiza-
do. Numerosas e alarmantes dificuldades
serão eternamente encontradas. Uma das
principais dentre elas é reivindicação que

87
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

tão freqüentemente se apresenta a nós de


admitir que alunos com preparação de-
ficiente ingressem na faculdade. Os pais
pouco sabem a quem constrangimentos
e ultrajes estão submetendo os filhos ao
impeli-los a uma situação para a qual
não estão devidamente qualificados. Den-
tre aqueles que quase são reprovados na
admissão, de quando em quando, um ou
outro é desligado da turma. Aqui e ali,
após avançar pelos quatro anos com mui-
ta dificuldade e humilhação, algum deles
apenas obtém enfim um diploma, que é
praticamente todo o benefício que leva
de sua residência aqui. Ao passo que, se
tivesse vindo a nós bem preparado, talvez
tivesse alcançado uma posição respeitá-
vel em sua turma e adquirido uma educa-
ção substancial.
Outra séria dificuldade com que temos
de lidar é a impressão que se incute na
mente de uma parte de nossos estudan-
tes, vindos de todas as partes do país, de
que o estudo de qualquer coisa que não
apreciem instintivamente, ou que deman-

88
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

de um esforço vigoroso e constante, ou


ainda que não esteja diretamente relacio-
nada às atividades profissionais que pre-
tendem seguir, não tem utilidade prática
alguma. Eles, é claro, permanecem igno-
rantes daquilo que pensam não valer a
pena aprender. E causa-nos preocupação
perceber que, não apenas os estudantes,
mas seus pais também parecem, em regra,
mais interessados no título de uma edu-
cação que na substância.
Receamos que as dificuldades que ora
enfrentamentos venham a ser intensifica-
das, em vez de reduzidas, com uma ten-
tativa de unificar diferentes sistemas de
educação. Está longe de ser nosso intento
ditar a outras faculdades um sistema que
devam adotar. Pode haver boas razões em
número suficiente para que algumas delas
adotem um curso de ensino parcial. Não
estamos certos de que a demanda por
educação esmerada seja, atualmente, bas-
tante para preencher todas as faculdades
dos Estados Unidos com estudantes que
ficarão satisfeitos com nada menos que a

89
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

aquisição de conhecimentos sólidos e ele-


vados. Mas deve-se esperar que, em um
futuro não muito distante, elas consigam
subir a este patamar elevado e deixar a
atividade da educação de segunda linha
para as escolas inferiores.
A competição entre faculdades pode
promover os interesses da literatura: se
essa for uma competição antes por ex-
celência que por números; se cada uma
delas buscar sobrepujar as outras não em
ostentação imponente, mas no valor subs-
tancial de sua educação. Quando a rivali-
dade se transforma em mera disputa por
números, um hábil programa de medidas
para recrutar mais alunos que as demais,
o padrão de mérito cairá cada vez mais,
até que as faculdades desçam ao nível de
academias comuns. É apropriado aos pa-
tronos e guardiões do aprendizado sólido
ceder a essa influência triste e decadente?
Nosso país tem recursos bastantes para
proporcionar a grandes números de pes-
soas os meios de acesso a uma educação
meticulosa. Ao mesmo tempo, tentações

90
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

específicas são aqui apresentadas a nossos


jovens, para induzi-los a contentar-se com
um programa de estudos parcial e super-
ficial. Na Europa, a competição entre ho-
mens letrados é tão ferrenha que aqueles
de conhecimentos moderados têm poucas
perspectivas de sucesso. Mas, neste país,
o campo de atividades empreendedoras é
tão vasto, a demanda até pelo aprendiza-
do comum é tão urgente, e as profissões
que rendem um sustento adequado são
tão numerosas e acessíveis que um jovem
com um grau de instrução bastante limi-
tado, se tiver uma boa dose de autocon-
fiança e espírito empreendedor e dinâmi-
co, pode destacar-se e encontrar emprego.
Ele pode inclusive galgar os degraus que
levam a posições de destaque ou cargos
públicos, e, assim, ao aplauso popular.
Se ele não tiver condições de esclarecer
seus compatriotas com sua superioridade
intelectual, poderá ao menos lhes atrair
a atenção pelo brocatel2 de seus enfei-
tes acadêmicos. Este é o fascínio de uma
2 Brilho falso - NR.

91
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

educação apressada e superficial. Temos


reservas abundantes dessa vegetação de
choupos-pretos, delgados, frágeis e macu-
lados. Gostaríamos de ver mais do olmo
majestoso, de raízes profundas, erguendo
a copa lentamente rumo aos céus, esten-
dendo sua ampla sombra agradável e tor-
nando-se cada vez mais venerável com os
anos. Existem poucos exemplos de maior
desperdício imprevidente de tempo e di-
nheiro do que aqueles que são gastos em
uma educação superficial. O pai geral-
mente trabalha duro para proporcionar
ao filho os meios de obter aquilo que não
tem valor substancial quando, com um
pouco mais de tempo e pequenas despe-
sas adicionais, seria possível lançar efeti-
vamente os alicerces da elevada excelên-
cia acadêmica e da distinção profissional.
Nosso dever para com nosso país exige
de nós um esforço de oferecer as possibi-
lidades de uma educação meticulosa. Tal-
vez não haja outra nação cujos interesses
fossem mais profundamente afetados pela
substituição de um aprendizado sólido

92
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

por outro, superficial. A difusão universal


das áreas comuns do conhecimento exige
que os aspirantes à eminência acadêmica
ascendam a um patamar muito elevado.
Eles devem assumir seu lugar em um pico
que se ergue acima da altura das cordi-
lheiras que o cercam. Em meio a uma po-
pulação tão esclarecida, pode destacar-se
aquele cuja educação não ofereceu visões
mais amplas que aquelas que ele poderia
adquirir com colóquios em carruagens e
barcos a vapor, ou com a leitura de jor-
nais e de um ou dois volumes de excertos
elegantes?
A multiplicação sem precedentes de es-
colas e academias neste país exige que as
faculdades tenham por objetivo um pa-
drão elevado de excelência acadêmica. É
quase universal a convicção de que as pri-
meiras, assim como as últimas, admitem
grandes aperfeiçoamentos. Mas quem
deverá promover tais aperfeiçoamentos e
dar o caráter e o tom de nossos sistemas
educacionais se há poucos homens de
instrução meticulosa no país? Aquele que

93
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

haverá de providenciar um plano abran-


gente de medidas deve, ele mesmo, estar
em um patamar elevado, do qual possa
ter uma visão de todo o campo de ope-
rações. Um aprendizado superficial em
nossas escolas superiores inevitavelmente
estenderá sua influência às escolas infe-
riores. Se as nascentes são rasas e turvas,
as correntes não podem ser abundantes
e límpidas. Escolas e faculdades não são
instituições rivais. O sucesso de cada uma
delas é essencial à prosperidade da outra.
Nosso sistema republicano de governo
faz com que seja de extrema importância
que um grande número de pessoas des-
frute das vantagens de uma educação me-
ticulosa. No continente oriental, os pou-
cos que estão destinados a áreas específi-
cas da vida política podem ser educados
para tal propósito enquanto a maioria do
povo é deixada em relativa ignorância.
Todavia, neste país em que cargos e po-
sições são acessíveis a todos aqueles que
estejam qualificados para exercê-los, co-
nhecimentos intelectuais superiores não

94
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

devem ser restringidos a nenhuma classe


de pessoas. Comerciantes, manufaturei-
ros e agricultores, bem como cavalhei-
ros profissionalizados, ocupam lugares
em nossos conselhos públicos. Portanto,
deve-se estender uma educação meticulo-
sa a todas essas classes. Não basta que
sejam homens de bom senso, capazes de
decidir de maneira correta e dar um voto
silencioso em grandes questões nacionais.
Sua influência sobre as opiniões de outras
pessoas faz-se necessária: uma influência
que deve emergir de vastos conhecimen-
tos e da força da eloqüência. O discurso
em nossas assembléias deliberativas deve
restringir-se a uma única profissão? Se é
o conhecimento que nos propicia o co-
mando de agentes e instrumentos físicos,
tanto mais é ele que nos torna capazes de
controlar as combinações do maquinário
moral e político.
Os jovens destinados a ocupações de
caráter mais físico não deveriam ser ex-
cluídos das faculdades com base no sim-
ples argumento de que a grade curricular

95
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

não é especificamente adaptada a suas


atividades. Tal princípio excluiria tam-
bém aqueles que estão destinados às pro-
fissões. Em qualquer dos casos, o objetivo
do curso de graduação não é concluir a
preparação para a atividade profissional,
mas para transmitir aqueles conhecimen-
tos gerais e variados que aperfeiçoarão,
elevarão e engrandecerão qualquer ati-
vidade. Comerciantes, manufatureiros e
agricultores não podem extrair benefícios
de uma elevada cultura intelectual? Eles
constituem exatamente as classes que, a
partir de sua situação e de sua atividade
econômica, têm as melhores oportunida-
des de dar aplicações práticas aos princí-
pios da ciência. As grandes propriedades
que a maré de prosperidade de nosso país
está agregando com tamanha rapidez
acabarão, sobretudo, em suas mãos. Não
é desejável que eles devam ser homens de
educação superior, de visão ampla e libe-
ral, com aqueles conhecimentos sólidos
e elegantes que os elevarão a um maior
renome que a mera posse de propriedade;

96
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

que não permitirão que eles acumulem e


escondam seus tesouros, ou os dilapidem
com extravagâncias absurdas; que lhes
darão condições de adornar a sociedade
com sua erudição, de andar pelos círculos
de maior inteligência com dignidade, e de
aplicar sua riqueza da maneira que lhes
seja mais honrosa possível, e mais benéfi-
ca a seu país?
O caráter dinâmico e empreendedor
de nossa população faz com que seja da
maior importância que essa atividade e
essa energia sejam guiadas por inteligên-
cias sensatas, fruto do pensamento pro-
fundo e da disciplina precoce. Quanto
maior o impulso para a ação, tanto maior
é a necessidade de orientação prudente e
hábil. Quando praticamente toda a tri-
pulação do navio está aos mastros, des-
fraldando as velas de gávea e apanhando
a brisa, é necessário que haja uma mão
firme no leme. Um ensino leve e modera-
do é simplesmente inadequado para diri-
gir as energias de uma nação tão vasta,
tão inteligente, tão poderosa em recursos,

97
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

e que avança tão depressa em popula-


ção, poderio e prosperidade. Onde um
governo livre dá plena liberdade para o
intelecto humano expandir-se e atuar, a
educação deve ser proporcionalmente li-
beral e ampla. Quando até mesmo nossas
montanhas, rios e lagos são de escala tal
que parecem indicar estarmos destinados
a ser uma nação grandiosa e poderosa,
deve nosso aprendizado ser débil, parco
e superficial?

98
PARTE II

Contém extratos daquela parte do


relatório do corpo docente em que
a resolução da corporação é mais
especificamente considerada
A
credita-se que uma educação li-
beral tenha sido geralmente com-
preendida como um programa de
disciplinas das artes e ciências que, pelas
melhores estimativas, fortalece e amplia
as faculdades da mente ao mesmo tem-
po em que a familiariza com os principais
princípios dos grandes objetos da investi-
gação e do conhecimento humano. Uma
educação liberal é obviamente diferente
de uma educação de formação profissio-
nal. A primeira é especializada naqueles
tópicos com os quais é necessário ou
conveniente ter alguma familiaridade em
qualquer situação da vida; a última, na-
queles que qualificam o indivíduo para
um determinado posto, negócio ou em-
prego. A primeira é antecedente no tem-

101
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

po; a última depende da primeira como


seu alicerce mais adequado. Uma educa-
ção liberal presta-se a ocupar a mente, na
medida em que tem o poder de abrir e
alargar; uma educação de formação pro-
fissional exige um entendimento já culti-
vado pelo estudo e preparado pela prática
para esforços metódicos e perseverantes.
Essas parecem ser as noções sobre as
quais o sistema de educação acadêmica
está fundamentado. Acredita-se que exis-
tam certas disciplinas comuns nas quais
deveriam ser instruídos todos os homens
de educação mais esmerada, que são
preparados para misturar-se da maneira
mais favorável com pessoas de diferentes
gostos, idades e atividades, e para ini-
ciar-se, com as melhores perspectivas de
sucesso, nos detalhes do estudo e da prá-
tica profissional. Como essa educação,
que é chamada liberal, era originalmente
fundamentada nos objetos da época que
eram de interesse e atividade acadêmica,
ela sempre esteve associada a tais objetos
e alterou-se de acordo com os variáveis

102
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

estágios do conhecimento. Assim, o que,


em dada época, era objeto de pouca es-
tima, e dificilmente encontrava lugar em
um programa de ensino liberal, passava,
em outras circunstâncias, a ser bem-vis-
to e recebia uma parcela equivalente de
atenção. Não cabe neste momento inda-
gar se as mudanças realizadas no ensino
acadêmico foram suficientemente abran-
gentes e freqüentes; basta, para o propó-
sito em pauta, afirmar a realidade de tais
mudanças e admitir sua conveniência.
Destarte, para ser liberal, uma educa-
ção deveria dizer respeito às principais
áreas do conhecimento e, como o conhe-
cimento é variável, a educação deveria
modificar-se com ele.
O tema ora submetido à discussão é se
o plano de ensino adotado pela Faculda-
de de Yale está suficientemente ajustado
ao atual estado da literatura e da ciência
e, em especial, se se exige uma mudança
tal que excluísse desse plano o estudo dos
clássicos gregos e romanos e tornasse o
conhecimento da literatura antiga desne-

103
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

cessário à obtenção de um diploma nas ar-


tes liberais. Antes de examinar este tópico
diretamente, pode ser útil postular como
premissas uns poucos comentários sobre
outro ramo da educação liberal, a fim de
expor com maior clareza a sorte de ob-
jeções que são geralmente apresentadas,
algumas contra um aspecto, e algumas
contra outro, do programa de ensino aca-
dêmico como um todo; e deixar um pou-
co mais explícitas as opiniões limitadas e
inadequadas daqueles que as exortam.
A utilidade do aprendizado da mate-
mática é amplamente reconhecida, e são
poucas as pessoas, nenhuma talvez, que
considerariam como educação liberal um
curso do qual a matemática fosse total-
mente excluída. Ao menos, confere-se um
lugar proeminente ao estudo da matemá-
tica naquelas instituições que professam
ter por objetivo aquilo a que se chama
uma educação prática, e nas quais as lín-
guas antigas são em parte ou totalmente
excluídas, com a justificativa de serem de
pouca ou nenhuma utilidade prática. Se

104
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

se perguntar em quais razões se funda-


mentam as pretensões do aprendizado de
matemática, a resposta está à mão. O es-
tudo da matemática, como concordam os
homens mais proficientes que são versa-
dos na atividade da educação, é especial-
mente adequado para aguçar o intelecto,
fortalecer a faculdade da razão, e induzir
um hábito geral de pensamento favorável
à descoberta da verdade e à detecção de
erros. Ademais, a ciência matemática en-
contra-se na base da maioria das ciências
práticas, ou presta valioso auxílio na ilus-
tração de seus princípios e em sua aplica-
ção aos propósitos da vida. Ele constitui
a melhor preparação para quem queira
aplicar-se ao estudo da física em todas as
suas vertentes, e não deixa de ter seu uso,
ao menos quanto a sua influência indi-
reta, na maior parte de nosso raciocínio
sobre outros assuntos.
Mas a isso por vezes objeta-se que, em-
bora grande parte do que se disse possa
ser verdadeiro, ainda assim, para a maio-
ria dos estudantes, o conhecimento mate-

105
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

mático é de pouco uso prático. Afirma-se


que as simples regras da aritmética são
tudo o que a maior parte dos homens terá
ensejo de aplicar e, se a tais regras acres-
centar-se algum conhecimento de escritu-
ração contábil, poucos, de fato, sentem
falta de conhecimentos mais abrangentes
nessa disciplina. Por que, pergunta-se,
deve um estudante ser compelido a devo-
tar anos à aquisição de uma espécie de
conhecimento que é útil tão somente na
medida em que lhe permite desenvolver o
estudo da navegação, da agrimensura, da
astronomia e de outras ciências nas quais
os princípios matemáticos têm ampla
participação, quando ele não tem desejo
nem expectativa de dedicar-se, na prática,
a nenhuma daquelas ciências e, por sua
aversão ao assunto como um todo, pro-
vavelmente esquecerá em poucos anos o
que aprendeu com tanto esforço? Se um
homem que se ocupa da teologia, da lei
ou da medicina deseja conhecer algum
princípio de navegação, deixe que ele o
indague, diz o autor da objeção, de al-

106
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

guém cuja atividade econômica seja com-


preender tal ciência. Se ele quer que uma
substância seja analisada, deixe-o solici-
tá-lo ao químico profissional; se deseja
saber o nome de um mineral, suas pro-
priedades ou seu uso, deixe que pergun-
te a um mineralogista, que, pelo amor
que tem por essa ciência, familiarizou-se
com os inúmeros fatos e detalhes que ela
abrange, e que, pelo conhecimento mui-
to superior que tem de sua profissão, en-
contra real emprego em seus recintos. Se
for importante que ele saiba os horários
do nascer e do pôr-do-sol e da lua, o ho-
rário, a magnitude ou a duração de um
eclipse, deixe que compre um almanaque,
que é um caminho muito mais curto de
chegar a todo esse conhecimento do que
determinar até mesmo um único dentre
aqueles pormenores por seus próprios
cálculos. Deixe que estudem as ciências
aqueles, e somente aqueles, que têm uma
predileção por elas e que esperam de-
dicar-se ao menos a uma ciência como
meio de subsistência. Se o conhecimen-

107
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

to de qualquer ciência é útil, a demanda


por tal conhecimento assegurará não só
sua existência como sua difusão na exata
medida necessária, e tudo quanto estiver
além é não só supérfluo como prejudicial.
Aqueles que produzem para o mercado
um artigo invendável agem em oposição
aos princípios mais básicos de economia
política. Se não há necessidade de merca-
dorias, quem não percebe que haverá um
excesso delas? E o fabricante que persistir
no fornecimento delas promoverá a pró-
pria ruína; ou seja, instituições em que se
ensina matemática para além de sua real
aplicação prática serão necessariamente
abandonadas pelo público.
Contudo, apesar de todas essas difi-
culdades e objeções, o conhecimento em
questão ainda é prático, não na visão li-
mitada que dele tem aquele que apresen-
ta a objeção, mas em um sentido maior e
mais amplo, o qual pode ser útil explicar
de forma sucinta. O estudante que acu-
mule uma quantidade de conhecimento
matemático e estenda suas investigações

108
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

àquelas ciências que dependem de prin-


cípios matemáticos, embora ele mesmo
não esteja engajado na aplicação prática
de nenhuma ciência, é ainda assim leva-
do a estabelecer uma importante relação
com aquelas pessoas que nela estão en-
gajadas, e recebe, através de tal relação,
os mais importantes benefícios. Ele tem
condições de avaliar as atividades de ou-
tras pessoas, de estimar o valor de tais
atividades, de compreender o progresso
da ciência e ter interesse pelas profissões
de uma larga porção da humanidade.
Quer seja seu cargo público ou privado,
quer ele se dedique a uma carreira profis-
sional, ou precise desempenhar as obriga-
ções de um magistrado, as ocasiões para
o emprego de seus conhecimentos são
inumeráveis. Admitindo-se que lhe es-
capem da memória muitos ou a maioria
dos detalhes das ciências, ele ainda sabe
onde buscar informação e como direcio-
nar suas investigações, e é capaz de julgar
corretamente os talentos e as pretensões
daqueles que se destacam em qualquer

109
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

departamento e a quem ele possa querer


empregar na realização de atividades prá-
ticas. Ele está familiarizado com a região
em que se encontra, age com mais enten-
dimento naquilo que se propõe a fazer, e
percebe-se que, em conseqüência de seus
conhecimentos, ele é, em todas as suas
transações, um homem mais prático. O
estudante, do mesmo modo, ao familia-
rizar-se com os princípios gerais das ciên-
cias, prepara-se para seguir, até onde lhe
aprouver, qualquer disciplina para a qual
considere ter talento e inclinação. Educa-
do dessa maneira, além das vantagens da
disciplina mental que já foram menciona-
das, ele amplia o círculo de seus pensa-
mentos, encontra em seus conhecimentos
superiores novos meios de beneficiar ou
influenciar outras pessoas, e sua mente é,
assim, muito mais moldada pelo conheci-
mento liberal.
É por essa mesma razão geral que se
pode defender o uso e a necessidade da
literatura clássica em uma educação li-
beral. Não se negará que tal estudo ocu-

110
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

pa, na atualidade, um papel importante


em meio às atividades acadêmicas, tanto
na Europa como na América. Nas Ilhas
Britânicas, na França, na Alemanha, na
Itália e, de fato, em todo país da Europa
em que a literatura tenha alcançado dis-
tinção e importância, os clássicos gregos
e romanos constituem parte essencial de
uma educação liberal. Em alguns países,
os estudos clássicos estão reemergindo de
uma depressão temporária; em outros,
onde não ocorreu tal depressão, eles são
empreendidos com ainda mais fervor; e
em nenhum deles há indícios de que es-
tejam caindo no conceito do povo. Pode
haver maior variedade de opiniões que
antigamente no tocante ao uso do apren-
dizado clássico em certas áreas da vida;
mas a convicção de sua necessidade na
educação superior, naquela que reivindi-
que ou pretenda ser chamada liberal, não
parece ter sofrido qualquer mudança con-
siderável. A formação literária de todos
os países da Europa baseia-se, mais ou
menos, na literatura clássica, e extrai de

111
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

tal fonte seus mais importantes exemplos.


Isso se mostra evidente não só a partir de
obras tais que há muito surgiram e que
compõem a literatura-padrão dos tempos
modernos, mas a partir daquelas publica-
das mais recentemente, e até mesmo dos
periódicos atuais. O aprendizado clássico
está entremeado com qualquer discussão
de caráter literário. Estamos aqui ape-
nas insistindo no fato, e isso é inegável.
Portanto, quem quer que, sem um prepa-
ro em literatura clássica, se envolva em
qualquer investigação literária, ou tente
discutir qualquer tópico literário, ou pas-
se a integrar aqueles círculos de homens
que, em qualquer país da Europa, ou nes-
te país, são reconhecidos como homens
de conhecimentos liberais, imediatamen-
te sente uma deficiência na própria edu-
cação e convence-se de que lhe falta uma
parte importante do aprendizado prático.
Se os estudantes devem ser preparados a
agir no mundo literário tal como de fato
ele é, a literatura clássica, a partir de uma
perspectiva puramente prática deverá

112
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

constituir uma parte importante dos seus


estudos desde o início.
No entanto, as alegações em favor
do aprendizado clássico não se limitam
a esse único ponto de vista. Ele pode ser
defendido não só como disciplina neces-
sária da educação, na atual configuração
mundial, mas em razão de seus óbvios
méritos próprios. A familiaridade com
os escritores gregos e romanos é especial-
mente adequada para formar o refina-
mento e disciplinar a mente, tanto com
relação ao pensamento como ao estilo
da linguagem, para a apreciação do que
é elevado, austero e simples. As obras que
tais escritores nos deixaram, em prosa e
em verso, quer consideradas em relação
a sua estrutura, seu estilo, seus métodos
de exemplificação, ou sua execução em
geral, aproximam-se mais que quaisquer
outras do que a mente humana, quando
dotada de disciplina e conhecimentos
meticulosos, certamente aprova, e cons-
tituem o que é muitíssimo desejável pos-
suir: um padrão para a determinação do

113
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

mérito literário. De fato, duvida-se ou ne-


ga-se essa excelência dos antigos autores
clássicos; e, portanto, torna-se necessário
citar provas disso na medida em que o
assunto o admita.
A questão que ora se considera não
está desacompanhada de analogias. No
âmbito do aprimoramento humano, há
outros fatos intimamente associados, tan-
to em seu caráter como no tocante a suas
circunstâncias, ao que ora se afirma, os
quais lhe propiciam vigoroso suporte. A
arquitetura e a escultura, em suas formas
mais aplaudidas, não só tiveram origem
como alcançaram sua perfeição na Gré-
cia. Em certos aspectos, tais artes podem
ter sido modificadas com o passar do tem-
po, mudanças que talvez tenham sido in-
troduzidas a fim de adequar suas obras às
necessidades e aos estilos de uma época
posterior. Não obstante, as obras origi-
nais do gênio grego antigo são os modelos
de que os artistas, até mesmo da atualida-
de, usam para orientar seus labores, e o
padrão pelo qual, em grande medida, seus

114
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

méritos são determinados. É inútil fingir


que isso é resultado de preconceito, de um
viés de impressões antigas e de uma vene-
ração indevida da antiguidade. O escultor,
ao cinzelar uma cabeça ou um braço, tem
sempre a natureza em vista; apesar disso,
ele recorre aos remanescentes da antiga
arte grega como seus melhores guias, os
intérpretes mais confiáveis da própria na-
tureza. Sua obra não é uma imitação: é
uma semelhança mais próxima à perfeição
graças às técnicas oriundas da contempla-
ção e do estudo de excelência superior.
Em arquitetura, o olhar daquele que está
pouco familiarizado com a antiguidade
fica impressionado com a simplicidade e
as exatas proporções dos modelos da Gré-
cia antiga; e tais primeiras impressões são
reforçadas pela observação e a reflexão.
O tempo, que traz à luz tantos defeitos
na maioria das descobertas do homem e
sugere tantos aperfeiçoamentos a elas, ou-
torgou sua sanção à perfeição que acom-
panhou os esforços dos primeiros cultores
da ciência arquitetônica.

115
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

Se, então, a escultura e a arquitetura,


após a revolução de tantos séculos, ainda
se socorrem dos remanescentes da antiga
técnica, não deve ser motivo de surpresa
que, em outros departamentos do refina-
mento, a antiguidade ostente a mesma
excelência; não nos precisamos espantar
que, em poesia e eloqüência, ela tenha
igualmente deixado amostras dignas de se
tornarem padrões para as eras posterio-
res. Que essa superioridade é encontrada
na literatura antiga prova-se pelo único
testemunho adequado: a voz dos homens
das letras de todo país em que os clássi-
cos são estudados e onde prevaleceu um
refinamento correto. É desnecessário citar
autoridades aqui. A literatura da Europa
atesta o fato. Dificilmente pode-se encon-
trar uma questão em que a decisão prática
da humanidade seja mais absoluta.
Mas o estudo dos clássicos é útil não
só na medida em que lança os alicerces de
um refinamento correto e proporciona ao
estudante aquelas idéias elementares que
são encontradas na literatura da moder-

116
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

nidade, as quais em nenhum outro lugar


ele aprende tão bem como em suas fontes
iniciais; mas também porque esse estudo
em si cria a mais efetiva disciplina das
faculdades mentais. Esse é um tema em
que se insiste tanto que pouco precisa ser
dito a seu respeito aqui. Deve ser evidente
até ao observador mais superficial que os
clássicos oferecem material para exercitar
talentos de todos os níveis, desde a inau-
guração do intelecto jovem até o período
de sua máxima maturidade. A esfera dos
estudos clássicos estende-se desde os ele-
mentos da linguagem até as mais difíceis
questões que emergem da pesquisa e da
crítica literária. Todas as faculdades da
mente são empregadas: não só as capaci-
dades de memória, julgamento e raciocí-
nio como também o refinamento e a ima-
ginação ocupam-se e são aprimorados.
Do mesmo modo, a disciplina clássi-
ca promove a melhor preparação para o
estudo de formação profissional. A inter-
pretação da linguagem e seu uso correto
em nenhum outro lugar são mais impor-

117
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

tantes que nas profissões da teologia e do


direito. Todavia, em um curso de educa-
ção clássica, cada estágio instrui a mente
na estrutura da língua e no significado das
palavras e frases. Em pesquisas de caráter
histórico, e muitas delas são realizadas no
âmbito das profissões, certo conhecimen-
to, em especial da língua latina, costuma
ser indispensável. Ninguém negará a uti-
lidade de um conhecimento minucioso
do grego ao teólogo. Reconhece-se que se
podem encontrar exemplos de êxito ím-
par nessas profissões por parte de pesso-
as que não desfrutaram das vantagens de
uma educação clássica. No entanto, êxi-
tos desse tipo provam tão somente que,
por vezes, talentos podem abrir à força
seu caminho à excelência, vencendo gran-
des obstáculos. Ao se estabelecer um pla-
no educativo, dever-se-ia investigar não
aquilo que alguns homens de talentos in-
comuns fizeram, mas o que a maioria dos
homens considera necessário. Mesmo em
casos de extraordinário êxito, tais como
aqueles a que se fez alusão ainda agora,

118
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

a falta de um conhecimento clássico em


geral se fez sentir e foi lastimada.
Na profissão da medicina, o conheci-
mento das línguas grega e latina é menos
necessário hoje do que o foi no passado,
mas, mesmo na atualidade, pode-se du-
vidar que as facilidades propiciadas por
um aprendizado clássico para a compre-
ensão e a familiaridade com os termos da
ciência não compensam, com vantagem,
o tempo e o trabalho que a obtenção des-
se aprendizado demanda. Além disso, um
médico que queira investigar meticulosa-
mente a história de sua profissão percebe-
rá que o conhecimento das línguas anti-
gas é essencial a seu objetivo. Da mesma
forma, em todas as profissões, um conhe-
cimento da literatura geral é de grande
importância como qualificação para um
amplo intercâmbio com a humanidade.
Sempre se ressalta o rigor do caráter pro-
fissional, em que a atividade da leitura e
da reflexão se limita a um único canal.
O mero teólogo, o mero advogado ou o
mero médico, por maior conhecedor que

119
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

seja de sua profissão, tem menores chan-


ces de sucesso que se sua educação de
base tivesse tido um caráter mais liberal.
A essas vantagens tão óbvias que ora
acompanham o estudo da literatura clás-
sica na faculdade, a grade curricular que,
ao que consta, seria proposta em subs-
tituição promete apenas poucos equiva-
lentes parciais. Em vez dos poemas de
Homero, que tiveram influência tão am-
pla e substancial na poesia heróica de to-
das as épocas subseqüentes, e aos quais,
não se pode negar, recorre-se constante-
mente para o estabelecimento de muitos
dos mais importantes cânones da crítica,
oferecem-nos, em alguns novos cursos,
La Henriade, de Voltaire, e História de
Charles XII, do mesmo autor, em lugar
dos escritos históricos de Lívio e Tácito.
Essa é uma amostra das melhorias edu-
cacionais que dão ensejo a tanta jactân-
cia, um exemplo de uma mudança para
tornar o conhecimento mais prático e
popular. Mas, em que sentido, no tocante
à familiaridade com as regras do requin-

120
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

te e a intimidade com aqueles princípios


gerais pelos quais se julga o mérito lite-
rário, o conhecimento de La Henriade é
mais prático que o conhecimento da Ilía-
da? De que maneira a primeira qualifica
aquele que a conhece a atuar no mundo
literário de um modo mais vantajoso que
a última? Acreditamos que os críticos
eminentes atribuam a Voltaire, enquanto
poeta, um lugar mais elevado que a Ho-
mero, ou que eles o julgam um modelo
a ser mais cuidadosamente estudado e
imitado? Ou, para tornar a questão mais
geral, a fim de compreender o verdadeiro
espírito e gênio da literatura inglesa, o
que tem maior uso prático: a literatura
da França, ou a literatura da Grécia e de
Roma? O conhecimento mais superficial
dos principais autores de nossa língua é
suficiente para despertar espanto diante
do fato de que tais perguntas sejam se-
riamente propostas.
Se o novo programa proposto, con-
siderado enquanto introdução a um co-
nhecimento de literatura geral, é abso-

121
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

lutamente inferior ao antigo, e de cará-


ter muito menos prático, perceber-se-á
que ele não é menos deficiente para os
propósitos da disciplina mental. Adqui-
rir o conhecimento de qualquer dentre
as línguas modernas da Europa é, so-
bretudo, um esforço de memória. A es-
trutura geral dessas línguas é muito se-
melhante à de nossa própria. As poucas
diferenças idiomáticas podem se apre-
endidas com pouco esforço, e não existe
a mesma necessidade de comparação e
diferenciação precisas, como no estudo
dos escritores clássicos da Grécia e de
Roma. Para que se reconheça tal verda-
de, compare-se uma página de Voltaire
a uma página de Tácito.
Tampouco esse programa educacio-
nal que exclui a literatura antiga é menos
inadmissível enquanto alicerce para o es-
tudo de uma profissão. A preparação do
estudante que se tenha limitado ao fran-
cês, ao italiano e ao espanhol é muito im-
perfeita para que ele dê início a um cur-
so de teologia ou direito. Ele sabe menos

122
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

sobre a literatura de seu próprio país do


que se tivesse sido educado pelo método
antigo, as faculdades de sua mente foram
submetidas a exercícios menos vigorosos,
e as fontes do conhecimento que ele deve
agora adquirir mostram-se menos acessí-
veis. Se se disser que o programa de lite-
ratura exclusivamente moderna é destina-
do àqueles que não estão talhados à vida
profissional, a resposta é que o número
de pessoas que obtêm uma educação li-
beral sem, a princípio, decidir se seguirão
ou não uma profissão está longe de ser in-
significante. Muitos dos que inicialmente
supõem ter a opinião formada sobre essa
questão alteram suas escolhas diante de
circunstâncias que não poderiam prever.
Adote-se o programa proposto, e muitos
ingressariam no curso simplesmente pela
novidade, ou mais por uma convicção
de que ele poderia ser feito com menos
esforço; e a conseqüência seria que a fa-
culdade, na medida em que operasse tal
causa, constituiria um instrumento para
reduzir a qualidade profissional de nosso

123
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

país. Mas, aqui, perguntar-se-ia: a litera-


tura das nações modernas da Europa não
faria parte de um curso de educação libe-
ral? A literatura moderna não é um tema
de discussão tanto quanto a antiga? Sim,
indubitavelmente, e nossas instituições
públicas deveriam oferecer meios que fa-
cilitassem o aprendizado das línguas mais
populares da Europa. As reivindicações
com relação às línguas modernas são
questionadas tão somente quando são
propostas como substitutas das antigas,
não quando são recomendadas por seus
próprios méritos. Se a literatura moderna
é importante, ela deve ser estudada pelo
método que leva mais diretamente a uma
compreensão plena e meticulosa dela, e
tal método é através da literatura dos an-
tigos. Se a língua e a literatura da Itália,
de França e da Espanha, para além daqui-
lo que é meramente superficial, são um
objetivo do estudante, elas deveriam ser
aprendidas por meio do latim. Também
não há motivos para duvidar, na medida
em que a experiência permite avaliar, que

124
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

esse seja o modo mais rápido de familia-


rizar-se com as línguas em questão. Co-
meçar com as línguas modernas em um
programa de ensino é inverter a ordem
da natureza.
As línguas modernas, no tocante à
maioria de nossos alunos, são estudadas
e continuarão a sê-lo como uma habili-
dade adicional em vez de um aprendiza-
do necessário. Do mesmo modo, aqueles
que despendem tempo aprendendo a fa-
lar as línguas modernas logo perdem tal
conhecimento, a menos que vivam onde
tais línguas estão em uso constante. Tam-
bém não pode haver dúvidas de que os
estudantes de fato negligenciam seu fran-
cês, seu italiano e seu espanhol, depois
de formados, exceto quando tais línguas
são conservadas pelo uso cotidiano, tanto
quanto negligenciam seu latim e seu gre-
go. Isso é especialmente verdadeiro com
relação à vida profissional, em que a exi-
gência de um conhecimento das línguas
modernas, em comparação com as anti-
gas, é totalmente insignificante. Supor que

125
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

as línguas modernas sejam mais práticas


que as antigas para a grande maioria de
nossos alunos apenas porque as primeiras
são atualmente faladas em algumas par-
tes do mundo é uma evidente falácia. A
questão adequada é: que grade curricular
proporciona a melhor cultura intelectual,
leva ao conhecimento mais minucioso de
nossa própria literatura, e lança as bases
mais sólidas para o estudo de uma pro-
fissão. As línguas antigas têm nisso uma
inegável vantagem. Se os elementos das
línguas modernas forem aprendidos por
nossos alunos juntamente com o curso
acadêmico estabelecido, e abundantes
meios que facilitam tal propósito são há
muito fornecidos, a aquisição de outros
conhecimentos acontecerá mais facilmen-
te, sempre que as circunstâncias os façam
importantes e úteis. Por vezes ouvem-se
queixas dos graduados desta faculdade
que visitaram a Europa, no sentido de
que seus conhecimentos clássicos eram
parcos para a literatura do velho mundo;
mas não se recorda de nenhum que te-

126
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

nha lamentado o fato de ter cultivado o


aprendizado antigo enquanto esteve aqui,
não importa quanto tempo possa ter de-
dicado ao assunto. Ao contrário, aqueles
que se destacaram em literatura clássica
e, da mesma forma, adquiriram um co-
nhecimento adequado de alguma das lín-
guas européias modernas além do inglês,
perceberam-se os mais qualificados para
fazer pleno uso de suas novas vantagens.
Deficiências em literatura moderna são
supridas com facilidade e rapidez nos ca-
sos em que a mente recebeu uma disci-
plina adequada; deficiências em literatu-
ra antiga são supridas tardiamente e, na
maioria dos casos, de maneira imperfeita.
É verdade que alguns propuseram uma
espécie de curso intermediário, no qual,
para serem admitidos na faculdade, exi-
ge-se que os estudantes tenham alguns
conhecimentos rudimentares de latim e
grego, mas, uma vez admitidos, as línguas
antigas são deixadas de lado, e apenas as
línguas modernas são estudadas. Ou que,
por ocasião de sua admissão na faculda-

127
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

de, os estudantes tenham a oportunidade


de optar entre seguir o novo programa ou
aquele já estabelecido há muito tempo.
Alega-se que, neste caso, ambos os gru-
pos começam do mesmo ponto e, como
viajantes rumo à capital da União, tomam
estradas diferentes, mas, por fim, ou seja,
quando chegam à graduação, todos se re-
únem novamente antes de sua separação
final para as diversas ocupações da vida.
Esse projeto, porém, é passível da ob-
jeção de que estudantes que viessem a
interromper os estudos de latim e grego
depois de admitidos na faculdade teriam
dessas línguas apenas conhecimento su-
ficiente para menosprezá-las e odiá-las.
Eles seriam as pessoas a proclamar, em
todos os lugares, a inutilidade da litera-
tura antiga, que aprenderam as línguas
latina e grega e não angariaram nenhum
benefício delas, que até se esqueceram de
tudo quanto sabiam. Tudo isso, com ex-
ceção da idéia exagerada que faziam de
seu conhecimento anterior, seria, com re-
lação a eles, a mais pura verdade. Além

128
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

disso, tais pessoas, assim educadas para


os propósitos da vida real, em muitas si-
tuações após a graduação, acreditariam
ser de conveniência prática atuar como
instrutores dessas línguas inúteis. Com
poucas qualificações, ou nenhuma, para
o ofício que exerceriam, o propósito da
instrução necessariamente sofreria em
suas mãos. Se o ensino das antiguidades
for preservado como parte de sua gra-
de curricular, a faculdade, como precisa
contar com seus graduados para instruir
nas escolas preparatórias, seria a primei-
ra a sofrer com esse sistema aperfeiçoa-
do, e, assim, seria levada a promover a
própria destruição.
Ademais, é questão que desperta certa
curiosidade saber o que se pretende com a
união final dos estudantes que trilham esses
caminhos diferentes. Que eles percebessem,
ao final do curso, que todos receberam a
mesma educação certamente não é o inten-
to, já que isso contradiz a hipótese original.
A única união óbvia é esta: que todos fa-
riam jus a um título acadêmico. Eles have-

129
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

riam de unir-se para receber seus diplomas.


Se alcançar as honras da faculdade, como
são chamadas, fosse o principal objetivo
da educação, esse aprimoramento no velho
curso acadêmico poderia ser considerado
real. Mas, se se busca a substância em vez
da sombra, a coisa significada, e não o sig-
no apenas, ainda resta a seguinte questão a
ser analisada: essas estradas diferentes não
levariam a regiões completamente diferen-
tes aqueles que as percorrem?
Embora seja evidente a falácia de subs-
tituir uma educação por um diploma, não
é improvável que esse esquema seja apro-
vado por uma parcela da comunidade,
e uma popularidade temporária se siga
à mudança. Tampouco existem motivos
para crer que tal seja o limite dos aperfei-
çoamentos nos antigos métodos de for-
mação acadêmica.

*****

Sendo tal, pois, o valor da literatura


antiga, tanto com relação ao apreço geral

130
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

em que é tida no mundo literário como


por seus méritos inerentes, se a faculdade
viesse a conferir títulos de graduação a
estudantes por seus conhecimentos de li-
teratura moderna apenas, isso equivaleria
a declarar ser essa uma educação liberal,
coisa que o mundo não reconhecerá como
merecedora do nome, e que aqueles que
receberão diplomas nesses moldes logo
perceberão não ser aquilo que é intitula-
da. Uma educação liberal, qualquer que
seja a grade curricular a ser adotada pela
faculdade, deveria sem dúvida continuar
a ser o que tem sido já há muito. A litera-
tura antiga está demasiado enraizada no
sistema integral da literatura moderna da
Europa para ser tão facilmente posta de
lado. A faculdade não deve abusar de sua
influência nem se impor, de qualquer ma-
neira, como um ditador. Se ela deve seguir
um programa muito diferente daquele
que o estado atual da literatura exige; se
ela deve conferir suas honras de acordo
com uma regra que não é aprovada por
homens eruditos, o corpo docente não vê

131
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

nenhuma perspectiva que o faça posicio-


nar-se a favor de tais inovações, exceto
que seus integrantes serão considerados
visionários da educação, ignorantes de
seu intento e objetivos, e inadequados
para ocupar seus cargos. A conseqüência
última não é difícil de prever. A faculdade
seria desacreditada pelo povo, e perderia
irremediavelmente sua reputação.
Outro plano para o aperfeiçoamento
do sistema acadêmico é conferir títulos
de graduação tão somente àqueles que
tenham concluído o programa atualmen-
te estabelecido, mas permitir que outros
estudantes que não estejam em busca das
honras da faculdade sejam instruídos nas
disciplinas que escolherem. Supõe-se que
tal esquema apresente uma evidente su-
perioridade com relação a todos os de-
mais: satisfará os desejos daqueles que
estão contentes com o antigo sistema e
disponibilizará as vantagens da faculda-
de àqueles que, pelas circunstâncias por
suas condições, desejam uma educação
parcial. Que a educação possa ser par-

132
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

cial e, ainda assim, útil, não se nega. Uma


educação tal deve, afinal, ser aquela que é
adquirida pela grande maioria da comu-
nidade. Que os meios de alcançar tal edu-
cação deveriam ser abundantes, que seu
incentivo deveria ser adequado a seu ob-
jetivo, todos reconhecem. A única ques-
tão é se dois modelos de educação tão di-
versos podem ser adequadamente unidos
em uma mesma escola. As objeções a uma
união desse tipo nesta faculdade são ób-
vias e numerosas.

******

Em faculdades com estrutura diferente


da nossa, tal união poderia ser aceitável.
Aqui, certamente, ambos os tipos de alunos
fariam apenas prejudicar uns aos outros.

******

Não obstante, com relação a todas


as propostas dessa natureza, a indaga-

133
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

ção deveria ser se há uma reivindicação


tal dessas mudanças por parte do povo
ao ponto de tornar imperativo que a fa-
culdade as adote em qualquer uma das
formas pelas quais foram apresentadas.
Reconhece-se que existem reclamações
sobre o antigo sistema de educação aca-
dêmica em alguns periódicos de caráter
público, que indivíduos vociferam sobre
o assunto e consideram tudo o que seja
antigo certamente errado, e tudo quanto
seja novo, certamente correto. Mas pa-
rece não haver motivos para crer que a
maioria dos defensores desta faculdade,
aqueles a quem se deve recorrer em busca
de apoio e patrocínio, integrem as fileiras
desses inovadores. Perseverando na trilha
de conferir títulos de graduação tão so-
mente àqueles que foram meticulosamen-
te disciplinados no aprendizado antigo
e moderno, a faculdade tem muito que
esperar, e nada que temer; mas, abando-
nando a estrada certa que vem trilhando
há tanto tempo, e vagueando por vielas e
desvios, ela seria leviana com sua prospe-

134
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

ridade e colocaria em risco os meios mes-


mos de seu sustento e sua existência.
Após esses comentários gerais a res-
peito da questão postergada, não se pode
pensar ser irrelevante ao assunto tocar
de forma sucinta em um tópico que, ul-
timamente, é quase que invariavelmente
trazido à baila sempre que se discute o
estado atual de nossas faculdades. Faz-se
alusão aqui à acusação reiterada, que se
faz em tantas formas, de que faculdades,
mesmo neste país, são lugares em que se
acalentam abusos, em que noções e há-
bitos antiquados são preservados muito
depois de serem descartados pelo mundo
inteiro, e que, além disso, e especialmen-
te, nelas se faz oposição a todo e qual-
quer aperfeiçoamento, excluindo-o tanto
quanto possível.
Certo autor, que se pode pensar falar
com autoridade sobre esse ponto, diz:
“o sistema público de ensino permanece,
após decorridos dois séculos, praticamen-
te o mesmo”. “O sistema europeu de edu-
cação foi transferido, com poucas altera-

135
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

ções, para nossas faculdades norte-ame-


ricanas. E, qualquer que seja o estado de
coisas lá, não hesito em dizer que, neste
país, são necessários importantes aperfei-
çoamentos.” Outro autor, depois de afir-
mar que nossos sistemas de educação fo-
ram herdados das instituições européias e
que, desde o início, foram mal adaptados
ao caráter peculiar deste país, prossegue
dizendo que: “Os mesmos sistemas, po-
rém, com ínfimas alterações, foram man-
tidos até os dias atuais e, agora, reinam
em nossos colégios públicos, ainda que
as circunstâncias gerais do país tenham
mudado completamente”. E novamente:
“É sensato tentar qualificar uma juventu-
de para o exercício do trabalho útil nos
Estados Unidos por métodos concebidos
para formar eclesiásticos submetidos às
monarquias do velho mundo?”
A partir de censuras como essas, incu-
te-se na mente de muitos a impressão de
que nossas faculdades são, em todos os
seus aspectos mais importantes, aquilo
que eram quando foram originalmente

136
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

instituídas; que as últimas pessoas a pro-


mover aperfeiçoamentos na educação são
aquelas para as quais a educação é um
negócio; e, em especial, que aqueles que
lecionam em faculdades superam todos
os demais em estupidez e estão satisfei-
tos por continuar eternamente labutando
na mesma moenda, com os olhos fixos
no caminho em que estão sempre moven-
do a mesma roda. É desnecessário aqui
dar início a uma defesa geral de nossas
faculdades: umas poucas declarações a
respeito desta faculdade serão suficientes.
O que era a Faculdade de Yale em seus
primórdios nos é contado, em parte, na
obra de Chandler, Life of Dr. Johnson [A
Vida do Dr. Johnson], o primeiro Presi-
dente da Faculdade King’s College, em
Nova Iorque. O Dr. Johnson formou-se
em 1714, e seu biógrafo provavelmente
extraiu suas informações a respeito da
faculdade, como era à época, do próprio
Dr. Johnson. “Por muitos anos,” diz o
Dr. Chandler, “o máximo que se tenta-
va geralmente alcançar na faculdade, em

137
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

aprendizado clássico, era analisar a sin-


taxe e interpretar cinco ou seis orações
de Cícero, a mesma quantidade de livros
de Virgílio, e apenas parte do Testamento
em grego, com alguns capítulos do Salté-
rio hebraico. A aritmética comum e um
pouco de agrimensura eram o limite má-
ximo dos conhecimentos matemáticos. A
lógica, a metafísica e a ética ensinadas à
época estavam emaranhadas nas teias de
aranha escolásticas de uns poucos siste-
mas simplórios, e hoje seriam reservadas
como alimento apropriado para vermes.
De fato, na época em que o Sr. Johnson
recebeu seu diploma de Bacharel, os alu-
nos tinham ouvido falar de certa nova e
estranha filosofia que estava em voga na
Inglaterra, e os nomes Descartes, Boyle,
Locke e Newton haviam chegado a seus
ouvidos, mas eles não tinham permissão
de pensar que se devessem esperar quais-
quer aprimoramentos de inovações filo-
sóficas, etc.”
Diante dos preconceitos próprios desse
autor, alguns de seus argumentos devem

138
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

ser aceitos com deduções significativas,


mas que está substancialmente correto
seu relato da faculdade à época em que
o Dr. Johnson a cursava, no que tange à
extensão da grade curricular, parece algo
de todo independente de outras provas.
No ano de 1784, o Dr. Benjamin Lord, de
Norwich, neste estado, então aos noven-
ta anos de idade, escreveu ao Presidente
Stiles um relato de como era a faculdade
em seu tempo de estudante. O Dr. Lord
concluiu sua graduação no mesmo ano
que o Dr. Johnson, ou seja, em 1714. Em
sua carta, ele diz: “Os livros das línguas e
ciências estudadas para as sabatinas orais
em meu tempo eram os de Cícero e Virgí-
lio, a Lógica de Burgersdijk e de Ramus,
o Manuscrito de Física de Pierson, etc.
Nós recitávamos o Testamento em grego,
não conhecíamos Homero e outros, e re-
citávamos os Salmos em hebraico. Reci-
távamos a Medula de Ames aos sábados
e, às vezes, também seus casos de Cons-
ciência. Quanto à matemática, estudáva-
mos e recitávamos pouco mais que rudi-

139
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

mentos, algumas das coisas mais simples;


nossas vantagens, naquela época, eram
demasiado pequenas para que qualquer
um se destacasse em algum ramo da li-
teratura,” etc. Certamente ninguém com
o mais parco conhecimento do assunto,
e que não tenha qualquer objetivo sinis-
tro em mente, afirmará que, de 1714 até
1828, foram feitas tão somente “ínfimas
alterações” no sistema de ensino desta fa-
culdade. Isso está tão distante da verdade
que novos departamentos foram criados,
e os cursos de línguas, matemática, física
e, de fato, todas as disciplinas foram bas-
tante ampliados. Hoje é impossível deter-
minar com exatidão as mudanças sucessi-
vas que ocorreram. Está obviamente im-
plícito na linguagem do Dr. Chandler, que
se formou, ele mesmo, na faculdade, que
grandes aperfeiçoamentos haviam sido
feitos já em sua época. É bem sabido que
os estudos de Matemática e de Filosofia
Natural progrediram bastante durante a
Presidência do Presidente Clap. Aumen-
tou-se muito a atenção dada à redação e à

140
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

oratória em inglês por volta do ano 1770


e nos anos subseqüentes. As mudanças
que foram introduzidas nos últimos trin-
ta anos, tanto na grade curricular como
no método de ensino, estão gravadas na
lembrança de membros do corpo docente
e da corporação. Pelo que parece ser uma
cláusula sensata em nossas leis, a seleção
de compêndios, o método de ensino, a se-
qüência de exames, e muitos dos detalhes
mais importantes nas questões de ordem
prática da faculdade são deixados ao jul-
gamento e à discricionariedade do corpo
docente, tendo a corporação o direito de
revisá-los a qualquer tempo. Nenhum
tema tem ocupado mais constantemente
a atenção do corpo docente que o modo
como o ensino na faculdade poderia ser
aprimorado e tornado de utilidade mais
prática. As comunicações sempre foram
livres e constantes entre o corpo docen-
te e a corporação no tocante a assuntos
relacionados com o ensino na faculdade.
Quando se julga necessário o auxílio da
corporação, este tem sido solicitado, de

141
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

modo que, por tal procedimento, os inte-


resses da instituição vêm sendo regular-
mente promovidos. O comentário mais
freqüente por parte daqueles que visitam
a faculdade depois de alguns anos de au-
sência é que se fizeram mudanças para
melhor, e aqueles que fazem uma inves-
tigação completa são os mais dispostos
a aprovar o que encontram. Portanto, as
acusações de que a faculdade é estacioná-
ria, de que nenhum esforço é feito para
adequá-la às necessidades da época, que
tudo o que se faz é com o propósito de
perpetuar abusos, e que a faculdade con-
tinua praticamente igual ao que era ao
tempo de sua fundação são totalmente
injustificadas. As mudanças pelas quais
o país passou ao longo do último século
não são maiores que as mudanças feitas
na faculdade. Estes comentários foram li-
mitados à Faculdade de Yale, já que sua
história é aqui conhecida com mais exati-
dão. Sem dúvida, outras faculdades a que
se fez alusão nas passagens anteriores po-
dem defender-se com igual sucesso.

142
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

******

Em um relatório em que tantos interes-


ses da faculdade são trazidos à luz, e no
qual se considera apropriado reafirmar
e defender alguns de seus regulamentos
internos, o comitê pode legitimamente es-
perar que se deva dar alguma atenção a
certas declarações a respeito de todas as
nossas faculdades, declarações feitas re-
centemente por um autor que, a partir de
sua situação, se poderia acreditar grande
conhecedor do real estado das coisas, e
tivesse sopesado com cuidado o significa-
do de suas asserções. Equívocos ou inver-
dades comuns deveriam passar desperce-
bidas, mas, neste caso, o silêncio poderia
ser interpretado como uma admissão de
que acusações muito graves foram acer-
tadamente apresentadas. Esta é a justifi-
cativa, caso alguma seja necessária, para
que se teçam comentários acerca de duas
de tais acusações.
De acordo com dito autor, “os exames
públicos na maioria de nossos centros

143
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

de ensino, à exceção de West Point, são


tristes farsas, que não foram impostas a
ninguém, nem sequer aos estudantes sub-
metidos a elas”. “É insensato”, diz ele,
“pensar em realizar às pressas, em um
único dia, a avaliação de sessenta rapazes
com relação aos estudos de um ano”, etc.
Embora os cavalheiros do comitê possam
saber como é despropositada tal censura
aos exames desta faculdade, talvez não
seja inapropriado dizer, com alguns deta-
lhes, como tais exames são de fato con-
duzidos. Se são realmente farsas, está na
hora de uma reforma começar. Cada uma
de nossas turmas é avaliada duas vezes
ao ano. Por ocasião do encerramento do
ano, as turmas do primeiro, do segundo e
do terceiro ano são avaliadas nos estudos
do ano, cada qual em dois grupos. Pouco
mais de um dia é reservado para cada tur-
ma e, como cada uma delas é examinada
em dois grupos, o tempo é equivalente a
mais ou menos dois dias e meio, se cada
classe fosse examinada como um único
corpo. Ao final do mês de abril de cada

144
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

ano, essas três turmas são avaliadas em


todos os estudos realizados desde a data
de sua admissão na faculdade. O tempo é
estendido; em outros aspectos, os exames
são iguais aos anteriores. Em abril, a tur-
ma do quarto ano é avaliada nos estudos
do último ano até aquele momento, e o
método de avaliação é o mesmo usado
com as outras turmas. Em julho, os For-
mandos são examinados para a obtenção
do diploma. Eles são avaliados em dois
grupos, e o conteúdo é o do curso inteiro
da faculdade. Já há vários anos, essa ava-
liação estende-se por não menos que três
dias, e, por vezes, três dias e meio, geral-
mente com duração de oito horas diárias.
Como a turma é dividida em dois grupos,
isso equivale a uma avaliação de seis ou
sete dias para a turma inteira. Todos os
exames de línguas são ad aperturam li-
bri3 e não existe qualquer acordo, em
nenhuma disciplina, entre examinador
e examinado quanto ao caminho que a

3 “Ao abrir o livro”, ou seja, sem estudo prévio, à primeira


leitura - NT.

145
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

avaliação deve seguir. É muito raro que


algum estudante se ausente por ocasião
da avaliação de sua turma, e isso nunca
ocorre senão por motivos muito urgen-
tes, em especial nos exames para obten-
ção do diploma. Sempre que indivíduos
se ausentem, eles são examinados pos-
teriormente, e de forma mais detalhada
do que poderiam ter sido na data regular.
Portanto, não há nenhum incentivo à au-
sência. Deve-se acrescentar que, durante
os exames de conclusão de curso, não se
interrompe o ensino normal na faculdade
e, durante os outros exames, a interrup-
ção é apenas parcial. Se tudo isso é uma
triste farsa, seria interessante saber o que
seria realidade. Se isso é de fato uma far-
sa, dela não suspeitaram nem aqueles que
examinam nem aqueles que são examina-
dos, ou eles não compreenderam corre-
tamente o significado do termo. Não se
finge que tais exames não admitem aper-
feiçoamento. Quaisquer sugestões do co-
mitê ou da corporação a respeito desse
tema serão recebidas com toda a atenção

146
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

possível. Deve-se, porém, afirmar clara-


mente que, na opinião do corpo docente,
os exames das turmas, como ora realiza-
dos, são um grande incentivo ao estudo e
propiciam os meios, em especial associa-
dos com outras oportunidades, de formar
uma opinião satisfatória quanto aos co-
nhecimentos adquiridos pelos estudantes,
individualmente.
A outra acusação que, neste momen-
to, parece exigir atenção é que nenhuma
de nossas faculdades oferece um ensino
meticuloso por parte dos professores. “O
máximo que um instrutor se compromete
a fazer atualmente”, diz esse autor, “em
nossas faculdades é averiguar, dia após
dia, se os jovens que estão reunidos em
sua presença provavelmente estudaram a
lição que lhes foi dada. Sua obrigação ter-
mina aí”. E ainda: “Nenhuma de nossas
faculdades é um lugar de ensino meticu-
loso por parte dos professores, e nenhu-
ma dentre aquelas de melhor classe faz
metade do que poderia fazer no sentido
de levar a mente de seus instrutores a agir

147
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

de maneira direta e vigorosa sobre a men-


te de seus alunos, e assim incentivá-los,
capacitá-los e compeli-los a aprender o
que deveriam aprender, e o que poderiam
aprender com facilidade”. O corpo do-
cente desta faculdade não dirá que se lan-
ça sempre ao uso dos melhores métodos
de ensino, ou que, em todas as circuns-
tâncias, faz o máximo que está ao seu al-
cance fazer; mas, à alegação de que tudo
o que se comprometem a fazer “é averi-
guar, dia após dia, se os jovens que estão
reunidos em sua presença provavelmente
estudaram a lição que lhes foi dada”, a
ela contestaria com uma negativa irrestri-
ta. Dispensam-se os mais pródigos cuida-
dos e esforços para explicar e reforçar os
princípios de toda disciplina a que os es-
tudantes devem dedicar-se, não só quan-
do estão reunidos nas aulas, mas freqüen-
temente, por necessitarem de auxílio, de
modo individual. Se é que o corpo docen-
te sabe o que se pretende dizer com “le-
var a mente de seus instrutores a agir de
maneira direta e vigorosa sobre a mente

148
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

de seus alunos”, seus membros crêem que


fracassariam em seu dever para consigo
mesmos e para com a instituição se não
assegurassem ao comitê que, em sua opi-
nião, algo muito semelhante existe aqui.
O autor prossegue, e indaga: “Quem,
neste país, pelos meios que aqui lhe fo-
ram oferecidos, conseguiu transformar-se
em um bom especialista em grego? Quem
foi cuidadosamente ensinado a ler, escre-
ver e falar em latim? Mais ainda, quem
aprendeu qualquer coisa em nossas facul-
dades com a minúcia que o permitiria se-
guir em segurança e diretamente rumo ao
renome no departamento em que assim
ingressou, sem ter de voltar e refazer os
alicerces para seu êxito?” Não se afirma
que os estudantes desta faculdade apren-
dam absolutamente tudo o que é dese-
jável saber nas diversas disciplinas aqui
ensinadas. Seus instrutores estão muito
longe de reivindicar, eles mesmos, tais co-
nhecimentos, e também não sabem nem
tiveram notícia de nenhum grupo de ins-
trutores, quer neste país, quer no exterior,

149
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

cujas justas pretensões se elevem a tais


alturas. Não se nega que, em literatura
clássica particularmente, não se aprende
tudo o que, em outras circunstâncias, tal-
vez se pudesse esperar. Acreditamos que
esta disciplina do curso acadêmico se está
aperfeiçoando gradativamente em meio a
todo o desencorajamento sob o qual luta
– desencorajamento oriundo, sobretudo,
de fora; que muitos estudiosos deixam a
faculdade, a cada ano, versados o bastante
nos clássicos gregos e romanos para per-
ceber e apreciar suas belezas, bem como
com condições e disposição para fazer
avanços futuros no mesmo departamen-
to; e que todos aqueles que se formam
extraem de seus conhecimentos clássicos
um importante auxílio em seus estudos
de formação profissional, bem como em
outras atividades. De que, em todos os
departamentos, nossos estudantes são en-
sinados com aquela meticulosidade que
os permite, com esforços próprios (con-
dição que, pelo que sabemos, é requisito
em todos os países), “seguir em segurança

150
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

e diretamente rumo ao renome no depar-


tamento em que assim ingressou, sem ter
voltar e refazer os alicerces de seu êxito”,
não há prova maior que a notoriedade
geral, e é a isso que apelamos.

*****

[Como as duas partes deste relatório


foram escritas separadamente, com peças
independentes uma da outra, alguns tópi-
cos foram abordados em ambas. Tais tópi-
cos foram conservados na segunda parte
apenas na medida em que se apresenta-
vam em associações um pouco diferentes.]

151
RELATÓRIO DO COMITÊ
DA CORPORAÇÃO

Para a corporação da
Faculdade de Yale
O
comitê designado para analisar a
conveniência de se alterar o ensino
regular desta faculdade, retirando
deste curso o estudo das línguas mortas,
e de substituí-lo, portanto, por outros es-
tudos; bem como da exigência de um co-
nhecimento adequado de tais línguas como
condição de admissão na faculdade, e so-
bre a possibilidade de oferecer o curso de
línguas mortas para os alunos que assim
desejarem, após serem admitidos nesta fa-
culdade, respeitosamente informa que:
Que, ciente da magnitude da tarefa
que lhe foi apresentada, bem como de
sua relevância direta para os interesses e
a reputação da faculdade, considerando,
como o faz, uma mudança em sua orga-
nização e suas leis, a qual envolve um

155
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

desvio radical do objetivo original deste


estabelecimento, o comitê julgou acon-
selhável remeter o assunto ao corpo do-
cente da faculdade, com a solicitação de
que suas opiniões com relação à questão,
resultado da longa experiência e da cui-
dadosa observação na atividade do ensi-
no, pudessem ser plenamente explicadas,
e que suas objeções à inovação proposta
fossem apresentadas e discutidas.
O comitê está muito satisfeito de que
o corpo docente, no documento ora apre-
sentado, tenha feito um apanhado abran-
gente de todo o ensino aqui ministrado, e
desvelado os elementos de uma educação
liberal e os princípios pelos quais ela deve
ser regulada e administrada, demonstran-
do claramente a íntima relação que a lite-
ratura clássica guarda com outros apren-
dizados e com as ciências, e as vantagens
conferidas por seu estudo preliminar na
aquisição daqueles conhecimentos.
A habilidade com que o assunto foi
discutido pelo corpo docente exime o co-
mitê de uma enorme responsabilidade.

156
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

Tendo o presente documento apre-


sentado de forma exaustiva e competen-
te as considerações que devem ser sope-
sadas e contempladas para se chegar a
uma decisão quanto à medida analisa-
da, pode-se julgar que, com sua apresen-
tação, o comitê tenha cumprido o encar-
go que lhe foi confiado. Não obstante,
espera-se que a importância da medida
seja considerada uma justificativa su-
ficiente para um sucinto detalhamento
dos motivos de sua oposição a um pla-
no de ação avaliado, em seu julgamento,
como algo que afetará negativamente a
prosperidade da faculdade.
Nas universidades da Europa, pa-
rece que um conhecimento minucioso
das línguas antigas é universalmente
considerado importante pré-requisito
para que se alcance sucesso e reputação
bastante significativos em quaisquer
das profissões nelas ensinadas, ao passo
que a ignorância de tais línguas consti-
tui obstáculo à distinção acadêmica, o
qual é raramente superado.

157
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

O mundo erudito há muito resolveu


esta questão, e eventos e experiências
posteriores confirmaram sua decisão. Po-
de-se satisfatoriamente verificar o avanço
de qualquer comunidade em civilização
e conhecimento geral pelo respeito que
ela tem pela literatura clássica. Quanto a
este assunto, na Europa parece prevalecer
uma opinião e uma prática idênticas en-
tre homens de destacada erudição, ou de
eminência profissional ou política; e em
nosso país, presume-se, a opinião não é
muito diversa em meio à mesma classe.
Deve-se reconhecer, de fato, que, na
França, imediatamente antes e durante a
revolução, as línguas eruditas foram ne-
gligenciadas.
No entanto, tal exemplo não pode rei-
vindicar nossa imitação, tanto por seus re-
sultados de erudição como pelos morais.
Quais foram os efeitos de tal negligência
na literatura daquele país? Não obstante
se tenham feito progressos e descobertas
importantíssimas em algumas áreas das
ciências e das artes, os reinos mineral e

158
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

geológico tenham sido penetrados e ex-


plorados com incansável zelo e inigua-
lável habilidade; e as artes da guerra te-
nham contribuído para maior perfeição,
sua fama literária está diminuída. Na lite-
ratura, a Alemanha deixou-a muito atrás,
e já se percebe o efeito disso sobre as pro-
fissões versadas e os estadistas da França.
Se, tendo diante de nós as opiniões
esclarecidas e a prática estabelecida em
uma parte da Europa, e a desastrosa ex-
periência da outra, relegarmos a litera-
tura clássica a um lugar secundário ou a
uma posição inferior no ensino, e mesmo
admitíssemos e formássemos estudantes,
como é a proposta, sem o mais ínfimo
conhecimento das línguas antigas, não
poderíamos esperar que a elevada reputa-
ção de erudição que esta instituição tem
mantido até agora seja necessariamente
prejudicada? De fato, em futuro não dis-
tante, esta faculdade provavelmente cai-
ria ao nível de uma mera academia, en-
quanto seus diplomas, já não sendo pro-
va de grandes conhecimentos literários e

159
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

científicos, perderiam seu valor. O padrão


de erudição não só cairia aqui como nos
haveríamos de tornar diretamente cúm-
plices da derrocada do atual caráter eru-
dito de nosso país.
Ao contrário, somos o povo cujo go-
verno e instituições têm aquele espírito
que, mais especial e imperiosamente que
qualquer outro, exige seja o campo do
aprendizado clássico explorado e cultiva-
do de forma diligente e meticulosa, e que
sua mais rica safra seja colhida. Os mo-
delos da literatura antiga que são colo-
cados nas mãos do jovem estudante cer-
tamente conseguirão imbuir sua mente
dos princípios de liberdade, inspirar-lhe
o mais vívido patriotismo e estimular as
ações nobres e generosas, sendo, portan-
to, particularmente adequados à juven-
tude norte-americana. Para apreciar de-
vidamente o caráter dos antigos, o meti-
culoso estudo e o conhecimento acurado
de seus clássicos, na língua dos originais,
são indispensáveis, já que a simplicidade,
a energia e as impressionantes peculiari-

160
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

dades de tais exemplos imaculados de li-


berdade que são claramente apresentados
de forma tão bela em seus modelos de li-
teratura clássica são tão difíceis de desco-
brir em traduções comuns, ou mesmo nas
mais fiéis, como a intensidade, o vigor e
a luminosidade intelectual do ser vívido,
ativo e inteligente da imitação esculpida
nas estátuas.
Enquanto a literatura clássica é estuda-
da em outros países civilizados e cristãos
com avidez cada vez maior, toda medida
tendente a depreciar o valor e a importân-
cia da busca pelos conhecimentos clássi-
cos, bem como que a tente desencorajar,
em nosso país, deve encontrar resistência,
e nenhum esforço razoável deve ser omi-
tido na tentativa de aumentar o respeito
que a maior parte da comunidade deve
ter pela educação.
Diminua-se o valor de uma educação
acadêmica, e a difusão de conhecimento
entre as pessoas cessaria, o nível geral de
valor intelectual e moral cairia, e nossa
liberdade civil e religiosa seria colocada

161
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

em risco por causa da desqualificação úl-


tima de nossos cidadãos para o exercício
do direito e do privilégio da democracia.
Portanto, a medida em consideração é,
com a estrutura das nossas valiosíssimas
instituições, colocar em risco a sua dura-
bilidade; e tender a desencorajar, como
o faz, subestimando o que até agora tem
sido considerado um importante ramo de
aprendizado, e causando um abandono
dos conceitos e práticas, já há muito es-
tabelecidos, de aprendizado e sabedoria.
Baseado somente nessa razão, o comitê já
poderia dizer que a adoção dessa exigência
seria um experimento altamente perigoso.
Todavia, o comitê não fundamenta
sua oposição ao plano proposto tão so-
mente nas considerações já apresentadas.
Ele está plenamente convencido de que o
minucioso estudo das línguas antigas, em
especial do latim e do grego, não só antes
como após a admissão na faculdade, é,
em muitos aspectos, decididamente e po-
sitivamente útil ao aluno. No disciplina-
mento intelectual dos jovens, a importân-

162
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

cia do estudo dessas línguas, na opinião


do comitê, não pode ser razoavelmente
negada, e dificilmente será questionada
por muitos daqueles cujos julgamentos
são pautados pela luz da experiência. Tal
estudo leva o jovem estudante de volta à
era inicial da história dos esforços inte-
lectuais, revela as operações mais simples
e primordiais da mente, e o familiariza
com suas obras brilhantes e ímpares. Ele
estimula a diligência e a dedicação rigo-
rosa e responsável ao provar ao estudan-
te que as jazidas do aprendizado podem
ser penetradas tão somente pelo esforço
incessante, ao mesmo tempo em que o
adverte da inutilidade e do destino do ta-
lento quando não assistido por pesquisas
profundas e laboriosas. A memória do
estudante torna-se assim retentiva; sua
recordação das coisas, rápida; e sua ca-
pacidade de discernimento crítico, mais
acurada. Começando a estudar a língua
em sua simplicidade primitiva e acompa-
nhando seu progresso até o estágio atual,
o estudante por certo acaba por aperfei-

163
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

çoar seu refinamento e ampliar sua ca-


pacidade de pensar e de comunicar seu
pensamento.
A familiaridade com os elementos da
língua e a mitologia, bem como com a
cronologia e a geografia dos antigos, que
o estudante adquire por intermédio dos
clássicos, naturalmente instiga em sua
mente um desejo ardente de conhecimen-
to, enquanto sua imaginação é inspirada
pela poesia e eloqüência de tais obras. Os
feitos heróicos que os antigos celebram
podem, de fato, despertar a ambição do
aluno, mas a sabedoria de seus preceitos
haverá de lhe iluminar e guiar o julgamen-
to, e abrandar seu fervor, conduzindo-o
aos campos da ciência com a esperança
de alcançar troféus valiosos, mas sem der-
ramamento de sangue, nos conflitos da
mente. Tendo acesso aos repositórios dos
mais antigos e mais esplêndidos resulta-
dos dos esforços da mente, ele se apodera
dos requintados tesouros da antiguidade
e, acompanhando os processos dos inte-
lectos talentosos posteriores, sua mente

164
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

torna-se rica em conhecimento, e ele fica


apto não só a interagir com as pessoas
versadas do mundo como, como a desen-
volver atividades práticas em geral.
Insiste-se que as línguas mortas não são
necessárias nem úteis às interações e ati-
vidades da vida nem mesmo do erudito, e
que, para todos os fins práticos, é perdido
o tempo despendido no aprendizado delas.
No entanto, para o comitê, tal objeção não
é bem fundamentada. Quem concordaria
em abrir mão da disciplina mental que o
estudo da álgebra impõe, ou em orientar
o estudante a pôr Euclides de lado, por-
que a perfeita organização dos signos de
uma, ou os problemas e demonstrações do
outro, talvez não sejam diretamente úteis
à prática dos homens de negócios? Tais
exercícios dão vigor à mente, produzem
um hábito de pensamento cuidadoso e co-
nexo, e preparam o estudante para o uso
bem-sucedido dos materiais que ele pode
ter extraído da miscelânea de seu apren-
dizado. Contudo, as razões para abolir o
estudo da literatura clássica não são mais

165
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

convincentes ao fundamentar-se, como o


fazer, no postulado inadmissível de que
o estudante deveria restringir-se ao mero
aprendizado prático.
O estudo do grego como disciplina da
educação elementar não só revela o grau
de perfeição a que a língua foi levada no
passado e a precisão quase matemática a
que está sujeita, como instrumento de co-
municação, mas, ao mesmo tempo, leva
o estudante à contemplação e ao pro-
fundo conhecimento de um povo extra-
ordinário e incomparável, cuja história
intelectual demonstra êxito ímpar, e que
deve continuar sendo objeto de interesse
cada vez maior com o passar do tempo.
E se por nenhuma outra razão, ao menos
como meio de cultivar um conhecimento
da filosofia e dos poderes da linguagem, e
de aprimorar o refinamento e o estilo, as
línguas antigas devem ser estudadas des-
de cedo, com cuidado e dedicação.
A utilidade da literatura clássica às
profissões que exigem formação, porém,
oferece mais um motivo, e forte, na opi-

166
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

nião do comitê, para que seja mantida em


um lugar proeminente na grade curricu-
lar da faculdade. Pode-se de fato alcançar
grande respeitabilidade sem seu auxílio,
como aconteceu com advogados de ex-
traordinários dons intelectuais, mas pre-
sume-se que tais pessoas em geral acabem
por lamentar sua incapacidade de utilizar
as ricas ilustrações e embelezamentos que
o erudito copiosamente extrai do apren-
dizado clássico. Também o profundo e ex-
tenso conhecimento da natureza humana,
tão essencial ao advogado e ao estadista,
pode ser adquirido com maior efetivida-
de investigando-se e desenvolvendo-se
as origens da ação humana, em todas as
idades. Pelas diversas comparações assim
instituídas, a indispensável qualificação
de um advogado, de um estadista ou de
um juiz, qual seja, sensatez e discernimen-
to em seu julgamento, pode ser aperfei-
çoada, quando não realmente desenvol-
vida. Essa característica inestimável de
sabedoria não é construída por opiniões
casuais e superficiais sobre homens e coi-

167
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

sas. Tais opiniões devem ser estudadas,


investigadas e analisadas com diligência,
profundidade, cuidado e minúcia através
de todos os importantes acontecimentos
da história até os clássicos antigos, em
sua língua original, por aquele que deseja
destacar-se como jurista ou estadista.
Para grandes conhecimentos e ampla
atuação na medicina e na cirurgia, a im-
portância de um conhecimento das lín-
guas latina e grega dificilmente será ne-
gada, quando se recorda que uma grande
parcela da linguagem de tais artes, mes-
mo em seu atual estágio avançado, tem
origem clássica.
Sem a literatura clássica, o teólogo ex-
perimentará sérios constrangimentos em
uma profissão de tremenda responsabili-
dade e imensurável importância. Tendo
sido as línguas antigas transformadas
nos meios de comunicação da religião
revelada ao homem, os originais devem
ser considerados o padrão de exatidão e
veracidade, e, assim, o único recurso se-
guro para explicar e afastar dificuldades

168
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

e dúvidas tão constantemente criadas por


traduções involuntariamente ou delibera-
damente errôneas.
Em uma matéria de tão profundo in-
teresse, que professor estará disposto a
abrir mão de quaisquer meios disponí-
veis de apurar a verdade? Como contro-
vérsias envolvendo interesses eternos são
geralmente resolvidas por comentários de
interpretação bíblica, a lealdade à alma
dos homens impõe uma obrigação impe-
rativa de ler e conhecer as Escrituras em
sua simplicidade e pureza originais.
De fato, é provável que não seja ne-
cessário discorrer sobre tal ponto, já que
a ignorância do conhecimento clássico
e dos meios mais seguros de explicar os
oráculos da verdade deve ser, nessa pro-
fissão, largamente condenada. Se, então,
desejamos, de acordo com o exemplo e
as intenções dos Pais e Patronos daquela
Instituição, saber e comunicar a verdade
em sua simplicidade, beleza e força, as lín-
guas antigas tornar-se-ão aqui objetos de
mais intenso interesse e maior patrocínio.

169
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

A simples consideração de que a verda-


de divina foi comunicada ao homem nas
línguas antigas deve resolver tal questão,
e conferir-lhes perpetuidade. Além disso,
enquanto abre as mais copiosas fontes
de ilustração e explanação, a literatura
clássica possibilita àquele que se fez pro-
ficiente nela enfatizar, com maior efeito, o
desempenho dos deveres.
Insiste-se que, se o estudo das línguas
antigas já não fosse exigido como requisi-
to de admissão na faculdade ou como par-
te de sua grade curricular, o tempo do es-
tudante poderia ser empregado de forma
útil no aprendizado de sua própria língua
e de outras línguas modernas. Porém, o in-
glês está tão vinculado às línguas antigas,
descende tão diretamente delas, tem tanto
delas em sua composição e base que, para
conhecê-lo de maneira meticulosa, o estu-
do daquelas línguas é indispensável. De
fato, elas podem ser consideradas a base
da maioria das línguas modernas.
O comitê de bom grado reconhece que
tanto os estudantes que esperam ser cha-

170
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

mados ao exterior, quer em virtude de


negócios, quer para atividades científicas,
como aqueles que buscam destacar-se
em erudição devem aprender as línguas
modernas mais largamente faladas. No
entanto, o caminho mais rápido para o
aprendizado das línguas modernas em
uso geral é tornar-se bom conhecedor das
antigas, das quais as modernas derivam.
Admite-se amplamente que, com uma
compreensão adequada do latim, facili-
ta-se muito o progresso do estudante em
francês. Portanto, é motivo de satisfação
para o comitê que, nos períodos mais
avançados da vida acadêmica, quando o
estudante já tiver progredido o suficiente
nos clássicos antigos, o francês possa ser
estudado sem qualquer perturbação do
sistema estabelecido e com grande vanta-
gem enquanto curso paralelo. No entan-
to, mesmo o francês, no julgamento do
comitê, não deve substituir os clássicos,
seja como condição de admissão, seja no
curso regular ou como teste de conhe-
cimento. O comitê não o considera um

171
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

curso equivalente. O espanhol e o italia-


no são aprendidos com tanta facilidade
por alguém que seja versado em latim
que bem podem ser considerados apên-
dices dele, e não precisam, na opinião do
comitê, ser incluídos na grade curricular
sistemática da faculdade em que aquela
língua seja ensinada; menos ainda têm
elas direito de precedência. O comitê con-
sidera prudente e adequada a regra atual
que permite que alunos estudem francês
e espanhol à sua escolha, e é da opinião
de que, a todos que possam demonstrar
seu desejo de estudar tais línguas, quando
adequadamente avançados nas línguas
antigas, devem ser mantidas as instala-
ções e os meios adequados.
As considerações especificadas de
forma sucinta no exame necessariamen-
te rápido que fez do assunto que lhe foi
encaminhado levaram o comitê à con-
clusão de que é desaconselhável alterar
o ensino regular nesta faculdade, de
modo a excluir do mesmo o estudo das
línguas antigas.

172
A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O RESGATE INTELECTUAL

Plenamente convencidos da importân-


cia do estudo meticuloso e de um conhe-
cimento acurado das línguas antigas, e
acreditando que concepção tão errônea
a respeito de sua utilidade se origine do
fato de que elas têm sido apenas parcial-
mente estudadas e aprendidas, o comitê
tem visto, com aprovação, que, nos últi-
mos vinte e cinco anos, tais línguas têm
recebido aqui atenção crescente, e que
aumentou consideravelmente o rol dos
conhecimentos clássicos e outros, exigi-
dos como qualificação para admissão na
faculdade. O efeito desse aumento foi cla-
ramente o de elevar a fama da instituição
e o nível do aprendizado. Prolongado o
período de preparação acadêmica e, em
conseqüência, adiada a idade em que os
estudantes normalmente solicitam admis-
são, eles são mais efetivamente capacita-
dos a dedicar-se aos estudos que exigem
maturidade de intelecto e, mais tarde, a
progredir em erudição e ciência.
Aprovando com veemência as ativi-
dades que têm sido desenvolvidas até

173
O RELATÓRIO DE YALE DE 1828

aqui, o comitê mantém a opinião de que


as condições de admissão podem, muito
adequadamente, ser elevadas de forma
gradativa até tornar enfim necessários,
como condição de admissão, conheci-
mentos muito mais extensos, em especial
dos clássicos, do que as leis da faculdade
estabelecem atualmente. No entanto, o
comitê não considera aconselhável que a
corporação tome qualquer medida a esse
respeito até que ele possa valer-se das
informações e da experiência do Corpo
Docente, recebendo deste uma recomen-
dação específica.

Faculdade de Yale, 9 de setembro de 1828.

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Este livro foi impresso pela Gráfica Daikoku.
O miolo foi feito com papel chambrill avena
80g, e a capa com cartão triplex 250g.

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