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O Mosteiro de Santa Maria da Vitória, também designado Mosteiro da Batalha

é, indiscutivelmente, uma das mais belas obras da arquitetura portuguesa e


europeia.
Este excecional conjunto arquitetónico resultou do cumprimento de uma
promessa feita pelo rei D. João I, em agradecimento pela vitória em Aljubarrota,
batalha travada em 14 de agosto de 1385, que lhe assegurou o trono e garantiu
a independência de Portugal.
As obras prolongaram-se por mais de 150 anos, através de várias fases de
construção. Esta duração justifica a existência, nas suas propostas artísticas,
de soluções góticas (predominantes) manuelinas e um breve apontamento
renascentista. Vários acrescentos foram introduzidos no projeto inicial,
resultando um vasto conjunto monástico que atualmente apresenta uma igreja,
dois claustros com dependências anexas e dois panteões reais, a Capela do
Fundador e as Capelas Imperfeitas.
D. João I doou-o à ordem de S. Domingos, doação a que não foram alheios os
bons ofícios do Doutor João das Regras, chanceler do reino, e de Frei
Lourenço Lampreia, confessor do monarca.
Na posse dos dominicanos até à extinção das ordens religiosas em 1834, o
monumento foi depois incorporado na Fazenda Pública, estando hoje na
dependência da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), assumindo-se
como um espaço cultural, turístico e devocional.
Monumento nacional, integra a Lista do Património da Humanidade definida
pela UNESCO, desde 1983.
Espaço e Tempo
Nascido da fé de D. João I, o Mosteiro de Santa Maria da Vitória, vulgarmente
conhecido pelo nome de Mosteiro da Batalha, dinamizou a constituição e a
transformação sucessiva do território, ao longo de mais de seis séculos. O
núcleo inicial desse território foi a Quinta do Pinhal, comprada pelo rei a Egas
Coelho e Maria Fernandes de Meira, mãe deste, pouco após o triunfo de
Aljubarrota (1385), para a construção do mosteiro. Como primeiras instalações
conventuais, dispôs a comunidade dominicana, a quem o rei doou o mosteiro
em 1388, da igreja que ficaria conhecida pelo nome de Santa Maria-a-Velha e
seus anexos. Estes edifícios podem ter resultado da adaptação de outros que
já existissem no lugar.
Uma particularidade do mosteiro dominicano da Batalha consistiu na
capacidade de constituir território próprio, através da doação, compra e troca
de propriedades, excecionalmente autorizada a esta comunidade mendicante
por bula papal de Bonifácio IX, logo em 1391.
O compromisso da dinastia de Avis para com o Mosteiro da Batalha adquire
uma nova dimensão, a partir do momento em D. João I decide aí fundar o seu
próprio panteão, ato em que foi secundado pelo sucessor, D. Duarte. Neste
contexto, os reis portugueses até D. João III, à exceção de D. João II,
continuarão a apoiar o engrandecimento da Batalha. É certo, porém, que tanto
D. Manuel I como D. João III, revelam preocupações relacionadas, de
preferência, com a conclusão do sistema hidráulico e do panteão eduardino,
bem como do encerramento de vãos com vitrais ou da sua transformação
através de elaboradas bandeiras. Durante o reinado de D. Afonso V, ocorrera a
primeira ampliação do convento, com a construção de um claustro de dois
andares: o piso térreo albergava provavelmente, já nessa altura, dependências
destinadas ao armazenamento de provisões; o piso de sobrado destinava-se
às celas dos frades, nele se encontrando certamente também a livraria, o
cartório, a botica e a enfermaria.
Ao longo do século XV, outros terrenos se vêm juntar às parcelas iniciais da
Quinta do Pinhal, tanto por doação piedosa como por compra. No século XVI,
prossegue a política do mosteiro de unificar o seu território, desta vez através
da permuta de propriedades.
A partir de 1551, o Mosteiro da Batalha sofre uma profunda reconfiguração,
devido à reforma geral da Igreja Católica e ao incremento dos estudos
teológicos no próprio mosteiro, acrescentando-se dois novos claustros e
dependências respetivas aos edifícios góticos. Os Frades Pregadores passam
a estar sujeitos à clausura rigorosa, equilibrada pela contemplação da Natureza
e pelo recreio ao ar livre. Ao mesmo tempo, o Studium da Batalha é promovido
à categoria de generale, isto é, universitário. Os claustros quinhentistas e os
seus anexos viriam a ser demolidos durante as obras de restauro do
monumento, no século XIX.
Em 1514, a Quinta do Pinhal foi rigorosamente delimitada em relação às
propriedades circunvizinhas, preparando-se, assim, o respetivo encerramento
por um muro, durante os anos 40 do século XVI, que dá origem à chamada
cerca conventual. Este novo conceito integra o espaço da paisagem rural na
clausura monástica e dá expressão a uma relação entre o edificado e o espaço
natural que atravessará incólume quase quatro séculos e meio de história da
paisagem.
O mosteiro condicionou a formação da vila da Batalha, cujo gérmen se situa
nas imediações da desaparecida igreja de Santa Maria-a-Velha. Aí existiu a
mais antiga praça da vila, profundamente reconfigurada com a ampliação
quinhentista do mosteiro, que lhe conferiu uma monumentalidade sem
precedentes, ao erguer uma longa fachada ritmada por janelas, em que se
inscrevia uma portaria notável. Aí passavam também algumas das mais antigas
artérias da localidade: a Rua Velha para o Convento e a Rua de Nossa
Senhora do Caminho, ainda hoje existente. Ambas convergiam para a saída da
Batalha, em direção à Golpilheira e a Leiria. À beira desta estrada, uma capela
da invocação de Nossa Senhora do Caminho, encastrada na cerca conventual,
oferecia proteção para a viagem. A estrada atravessava depois o rio por uma
ponte. Ladeava-a, à esquerda, o muro da cerca, que, alguns metros adiante,
infletia para norte, marcando serventias dos campos adjacentes.
A história do convento dominicano da Batalha, desde meados do século XVI
até 1834, data da sua extinção, é menos bem conhecida do que a dos períodos
de labor do estaleiro gótico. No entanto, além do que atrás se referiu, existe
ideia clara de alguns momentos dramáticos na vida da comunidade monástica,
durante este período: o terramoto de 1755, a Terceira Invasão Francesa (1810)
e a extinção do convento, em 1834.
O longo crepúsculo que foi esta época fascinou alguns estrangeiros que, por
fortuna ou curiosidade, então visitaram a Batalha. Foram recebidos pelos
Frades Pregadores que os acolheram na medida das suas escassas
possibilidades. Todos destacam as dificuldades, o esforço, a dignidade e o
caráter, a um tempo austero e amável, dos conventuais. Estes visitantes eram
maioritariamente súbditos da Coroa britânica, bem relacionados com a Casa
Real portuguesa ou, pelo menos, bem recomendados à comunidade de
comerciantes ingleses estabelecida entre nós. Por via de tais relações
chegaram ao Mosteiro. Em Portugal encontraram um mundo havia muito
extinto na sua pátria devido ao avanço industrial, agrícola e científico. Esse
mundo encontrava-se ameaçado pelas revoluções liberais que se sucederiam
em cadeia pela Europa e na América do Norte. A primeira foi a Revolução
Francesa, em 1789, ano em que Murphy veio para a Batalha.
O testemunho que nos é deixado, em particular por James Murphy e William
Beckford, parece ser um daqueles acasos da História em que se conjugam
circunstâncias de tal maneira extremas que daí resulta um canto sobre a
beleza de um tempo sem retorno, porém pouco diferente, na sua essência
humana, do fim de tantos outros tempos.
A propriedade dominicana da Batalha não se limitava à cerca conventual.
Negligenciando as propriedades foreiras, não pode esquecer-se a vizinha
Quinta da Várzea, explorada diretamente pela comunidade e lugar de desafogo
para os frades de clausura, pelo menos a partir do século XVII.
Após a extinção do convento, em 1834, edifícios conventuais e cerca
conhecem sortes distintas: os edifícios ficam na posse do Estado mas a quinta
é vendida a um particular, José Maria Crespo, vindo a ser desarticulada do
mosteiro e, por consequência, reconfigurada a respetiva cerca. Nesta última
fase da sua existência, a antiga quinta conventual ficará conhecida pelo nome
de Quinta da Cerca. O mosteiro teria que esperar até ao final de 1840 para
começar a receber a atenção do Governo que, sensibilizado pelo rei consorte
D. Fernando II, o dotou de orçamento anual para restauro.
Com o restauro do Mosteiro da Batalha, inicia-se uma nova época na vida dos
antigos edifícios conventuais, que é ainda aquela que vivemos. Passam a ser
olhados exclusivamente como memorial e monumento, destituídos, no
essencial, de valores de uso religiosos, cabendo ao Estado zelar pelos novos
valores assumidos. De um modo geral, foram apagados os vestígios de vida
conventual, especialmente aqueles que diziam respeito à reforma do século
XVI e que eram representados por dois claustros maneiristas e suas
dependências. Estas circunstâncias resultam de um ambiente geral de
anticlericalismo e do gosto oitocentista pelos estilos medievais em detrimento
da arquitetura de outras épocas. O uso da igreja e da sacristia pela paróquia da
Batalha manterá uma ténue chama de vida religiosa até ao presente.
A função memorial da Batalha, recuperada, em parte, com o interesse do rei D.
Carlos I pela renovação dos túmulos de D. Afonso V, D. João II e do príncipe D.
Afonso, viria a ser ampliada através da escolha deste monumento para
receber, a partir de 1921, o principal testemunho de homenagem a todos os
Portugueses que haviam perdido a vida na I Grande Guerra Mundial – o túmulo
do Soldado Desconhecido.
Durante o período da ditadura do Estado Novo, o Mosteiro da Batalha assumir-
se-á, da forma mais visível, como símbolo pátrio, após um longo período de
preparação, que remonta ao restauro dos próprios edifícios, aos escritos
nacionalistas de Alexandre Herculano e, naturalmente, à sua escolha, durante
a Primeira República, para receber o túmulo do Soldado Desconhecido. É
também nesta época, em particular a partir da década de 40 do século XX, que
se decide tratar a zona envolvente do monumento da forma que se entendeu
condigna, propondo a abertura de frentes de grande profundidade em torno do
edifício. O projeto dessa época só viria a ser implementado em articulação com
a construção de uma variante à estrada nacional nº 1, atual IC2, em 1964, que
implicou a demolição de uma boa parte da antiga vila da Batalha, bem como a
significativa alteração da sua topografia no lado poente.
Deixada em herança por José Maria Crespo à sua filha, Júlia Charters Crespo,
a Quinta da Cerca viria a ser doada pela mesma ao Seminário Diocesano de
Leiria, que a explorou até aos anos 70 do século XX. Acabou por ser vendida,
na sua maior parte, a particulares e adquirida depois por várias pessoas,
privadas e públicas, nomeadamente para a construção do último núcleo
previsto no anteplano de urbanização do arquiteto Inácio Peres Fernandes, de
1959 – a Célula C.
Conjunto Monumental
O Convento de Santa Maria da Vitória, hoje conhecido por Mosteiro da Batalha
é a materialização da promessa feita no campo de batalha pelo rei D. João I à
Virgem Maria, perante a dimensão de tudo o que estava em jogo, prometendo-
lhe a edificação de um mosteiro caso saísse vencedor daquele embate
histórico, tal como pode ler-se no seu testamento redigido por Lopo Afonso em
1426, “no dia da batalha que ouuemos com elrey de Castela, de que Nosso
Senhor nos deu vitoria, de mandarmos fazer aa homra da dita nossa Senhora
Santa Maria (...) ally açerqua domde ella foy hûu moesteiro”.
O significado da construção do mosteiro não se esgotou, porém no
cumprimento honesto daquele voto; corporizou também, desde o início, a
consagração de D. João I como rei de Portugal, assumindo-se desta forma
como sinal visível e símbolo da nova dinastia, assim expressa e definitivamente
legitimada pela vontade divina.
Embora não haja certezas sobre a data exata de início das obras do Mosteiro
de Santa Maria da Vitória, tudo leva a crer que a formação do grande estaleiro,
adequado à grandiosidade do projeto desejado por D. João I, ter-se-á iniciado
um ano ou dois após a Batalha de Aljubarrota travada em Agosto de 1385.
O primeiro arquiteto foi Afonso Domingues, ativo desde o início da construção
até 1402. A ele se deve a conceção e a traça geral do complexo monástico,
constituído pela igreja, com a sacristia, e pelo claustro, com a casa do capítulo,
o dormitório, a cozinha e o refeitório. Cerca de catorze anos passados na
direção das obras permitiram-lhe erguer grande parte da igreja, a sacristia e
duas alas do claustro, tendo ainda iniciado a casa do capítulo.
Em 1402, sucedeu-lhe Huguet um mestre estrangeiro, muito provavelmente
catalão, que já se encontrava a trabalhar no estaleiro batalhino. Durante os
longos trinta e seis anos em que esteve à frente das obras, coube-lhe finalizar
o trabalho iniciado pelo seu antecessor. Ao intervir na obra iniciada por Afonso
Domingues, Huguet fê-lo introduzindo formulações arquitetónicas e decorativas
inovadoras, sendo a arrojada abóbada que cobre, num só voo, a casa do
capítulo, a demonstração mais evidente desta profunda mudança.
A mestre Huguet se deve ainda a planificação de raiz de duas capelas, ambas
de planta centralizada, que não estavam previstas no plano inicial do mosteiro:
a Capela do Fundador, para panteão de D. João I e as Capelas Imperfeitas,
estas encomendadas por D. Duarte, com idêntica finalidade de panteão
familiar.
A Fernão de Évora coube a direção das obras do claustro de D. Afonso V, um
dos primeiros com dois andares a ser edificado em Portugal e cuja construção
obedeceu a critérios de maior simplicidade estrutural e acentuada austeridade
decorativa.
De um rol mais alargado de mestres deste conjunto monumental importa
salientar a importância do trabalho de Mateus Fernandes, ativo entre 1490 e
1555. Deve-se-lhe o segundo momento construtivo das Capelas Imperfeitas
tendo deixado bem expressa a sua marca pessoal no majestoso portal de
entrada, uma das primeiras e mais originais manifestações da arte manuelina,
que nem o sobreposto balcão renascentista, provavelmente de Miguel de
Arruda, consegue esbater o seu encanto.
Do conjunto monástico fazia ainda parte um terceiro claustro construído no
reinado de D. João III ligado, no lado este, ao claustro de D. Afonso V e que era
um vasto conjunto de dependências, reclamadas pelos frades. Incendiado
pelas tropas francesas em 1810, acabou por ser completamente demolido no
século XIX, nas campanhas de restauro do monumento, tendo muita da sua
pedra sido utilizada na construção da Ponte da Boutaca, obra de arte neo-
gótica, localizada a poente do Mosteiro.
Espaço e Organização
Os primeiros edifícios conventuais da Batalha não são os mais antigos que
hoje aí se podem ver. Considerando que o principal edifício monástico – a
igreja – levou mais de cinquenta anos a construir, facilmente se conclui que
teve de haver outras instalações para a comunidade dominicana a quem o
mosteiro foi entregue, em 1388. Sabe-se da existência de um primeiro templo,
acabado de demolir nos anos 60 do século XX, conhecido pelo nome de Santa
Maria-a-Velha. Foi essa a primeira igreja conventual, a ela se tendo certamente
agregado os cómodos necessários aos frades. Situava-se a nordeste do núcleo
monástico em construção.
Do projeto inicial não faziam parte os panteões, mas apenas a igreja, a
sacristia, o claustro real e as suas dependências: casa capitular, dormitório,
refeitório e cozinha. A fachada norte deste conjunto inicial foi, de facto, pensada
como uma fachada exterior. No entanto, várias questões continuam a aguardar
resposta: onde se guardavam as provisões e a lenha? Onde ficavam a livraria,
a botica e a enfermaria? Porque se insiste em identificar o dormitório com o
amplo espaço que foi utilizado como adega ao longo de vários séculos?
Sabemos que, nesta época, os dormitórios comuns não eram habituais entre
as comunidades de Pregadores.
A primeira ampliação da parte conventual deu-se com a construção do Claustro
de D. Afonso V, no terceiro quartel do século XV, e veio certamente satisfazer
as necessidades de armazenamento e de latrinas, no piso térreo, e de celas,
livraria e demais dependências, no piso superior.

A segunda e última ampliação teve lugar um século mais tarde, com a


construção de um claustro para a portaria e de outro para dependências do
porteiro, cocheira e sala de arreios e estábulos, no piso térreo, e do dormitório
e capela dos professos, da livraria e da hospedaria, no piso superior. Este
desenvolvimento da componente conventual relacionou-se com a aquisição de
estatuto universitário pelos estudos da Batalha, num ambiente de Contra-
reforma católica, com a preocupação vincada de especializar e separar
funções, em regime de clausura rigorosa. O piso superior do Claustro de D.
Afonso V passou a albergar, a norte, as celas dos conversos e, a poente, a
casa de noviços com a sua capela própria. Talvez tenham desaparecido, nesta
época, as primeiras dependências conventuais agregadas a Santa Maria-a-
Velha, que continuou em funções até aos últimos dias da comunidade
dominicana da Batalha. A igreja ficou então ligada, por um lado, aos novos
edifícios e, por outro lado, à cerca. A portaria dispunha de uma entrada lateral,
no interior de uma estrutura porticada, que dava para uma sala de receção e
eventual distribuição de pessoas para diferentes partes do convento: a
contígua sala de aula destinada à população local, a capela dos professos e as
dependências do prior, a hospedaria.
Portal Principal
O pórtico de entrada do Mosteiro obra de Huguet, único na história da arte
portuguesa, ostenta um complexo programa iconográfico. De cada lado da
entrada, debaixo de baldaquinos de lavor requintado, perfilam-se os Apóstolos,
seis de cada lado, dispostos sobre bases que assentam em mísulas
historiadas. Por cima dos Apóstolos, dispõe-se um conjunto de personagens
definidor do mundo celeste: nas duas primeiras arquivoltas, virgens, mártires e
confessoras; papas, bispos, diáconos, monges e mártires com a sua palma,
como que convidando os que entram no templo a imitarem as suas virtudes.
Nas duas arquivoltas seguintes estão os reis de Judá, antepassados de Maria
e em cuja linhagem entroncava o próprio Cristo, e os profetas e patriarcas cujo
ministério da palavra ou testemunho de vida anuncia o Novo Testamento.
As duas arquivoltas mais interiores, estão ocupadas por figuras angélicas: as
primeiras, sentadas, são anjos músicos; as segundas, de pé, representam
serafins, com três pares de asas. Se aqueles anunciam a aproximação ao trono
de Deus, apelando para a música suavíssima que é apanágio da felicidade do
Paraíso, estes são, na hierarquia dos anjos os que mais próximos estão da
divindade.
É no tímpano que a figura de Deus domina, literal e simbolicamente, todo esta
majestosa composição. Ao centro, sentado sobre um trono e coberto por um
baldaquino, Deus é retratado na figura de um ancião, revestido de uma imagem
imperatorial que se afirma pelo gesto de poder da mão direita erguida e pelo
globo do mundo sobre o qual repousa a mão esquerda. A ladeá-lo, os quatro
evangelistas sentados, a ler ou anotar os livros, acompanhados dos seus
animais simbólicos: S. João com a águia, S. Marcos com o leão, o boi com S.
Lucas e S. Mateus com o anjo.
Este grandioso conjunto escultórico remata-se com a cena da Coroação da
Virgem.

Capela do Fundador
Encostada à direita da fachada principal ergue-se a Capela do Fundador. Não
estando prevista no plano inicial do Mosteiro, deve-se à decisão de D. João I
de fazer um panteão familiar, tendo cabido a mestre Huguet a responsabilidade
do seu planeamento e construção, concluída por volta de 1433/34. É um
espaço cheio de significado histórico e artístico. Com ele surge, pela primeira
vez em Portugal um local próprio exclusivamente destinado a panteão régio.
São importantes as suas propostas, arquitetónicas e escultóricas. De planta
quadrangular, transmuta-se ao centro num octógono coberto com uma
complexa abóbada estrelada que se transforma em autêntico dossel
glorificador do rei D. João I e da rainha D. Filipa de Lencastre, inumados em
grandiosa arca tumular.
Sobre a tampa desta que é a maior arca gótica quatrocentista em Portugal
estão esculpidos os jacentes emparelhados do casal régio, mão dada, cobertos
por baldaquinos com os seus escudos de armas; no rebordo, por entre ramos e
folhas, as suas divisas “Y me plet” e “por bem”; nas faces duas longas
inscrições em latim resumem os seus méritos e ações; na cabeceira a cruz da
Ordem da Jarreteira (que D. João recebeu) com a inscrição “hinny soit qui mal
y pense”.
Na parede de fundo, no lado sul, estão os túmulos, do 2º quartel do século XV,
dos filhos destes reis, a “ínclita geração” como lhes chamou Camões. Da direita
para a esquerda: túmulo do Infante e Regente D. Pedro e sua mulher Isabel de
Urgel, duquesa de Coimbra; de D. Henrique, o Navegador e Mestre da Ordem
de Cristo (com estátua jacente); do Infante D. João, mestre da Ordem de
Santiago e sua esposa D. Isabel; de D. Fernando, mestre da Ordem de Avis,
que morreu com fama de santo, no cativeiro de Fez.
De princípios do século XX são as três arcas funerárias, mandadas fazer pelo
Rei D. Carlos I, que se encontram no lado poente da Capela. Aqui estão
sepultados, da esquerda para a direita: O rei D. Afonso V, neto de D. João I, o
rei D. João II, filho de D: Afonso V; e, finalmente, o príncipe herdeiro D. Afonso,
filho de D: João II, morto precocemente, em 1491, num acidente a cavalo na
região de Santarém.
Igreja
Quando se entra na Igreja de Santa Maria da Vitória pela sua porta principal,
dificilmente se consegue iludir a forte impressão de majestade e grandeza que
a visão do seu interior origina. Esta grandiosidade (mais de 80 metros de
comprimento, por 22 metros de largura e 32,5 de altura) compreende-se por
realizar ambicioso projeto de D. João I: programa monumental que expressava
muito mais a afirmação do seu poder, e o sentido do Mosteiro como panteão
real do que uma vocação conventual, até porque a comunidade dominicana
nunca foi em número que justificasse tal dimensão.
Organiza-se em três naves, as duas laterais mais estreitas e mais baixas que a
central. As naves conduzem ao transepto, onde ao centro do cruzeiro
encontramos um moderno altar-mor que antecede a cabeceira. Esta é
constituída por cinco capelas poligonais, antecedidas de tramos retos, sendo a
central mais alta e profunda do que as quatro laterais. A elevação da Capela-
mor em dois andares, com frestas de iluminação preenchidas com vitrais,
datando os mais antigos dos primeiros anos do século XVI, constitui uma
inovação na arquitetura gótica portuguesa, circunstância que, aliada à grande
altura a que se ergue, igual à da nave do meio, contribui para acentuar a
profundidade desta última, de que se assume como remate luminoso e
transparente.
As abóbadas tanto da nave central quanto das colaterais são nervuradas com
ogivas e cadeias, tendo ao centro largas chaves ornamentais com temas
vegetalistas de acentuado naturalismo, aspetos que permitem pensar ter sido
mestre Huguet o responsável pela finalização desta cobertura.
A porta lateral, de quatro arquivoltas de arco quebrado, deve-se a Afonso
Domingues, que aqui utiliza uma linguagem ainda arcaizante nos elementos
decorativos das arquivoltas e na definição do gablete pontiagudo. A novidade
maior desta porta tem a ver com a aposição, sobre o campo definido pelo
gablete, dos brasões dos fundadores do mosteiro, em trabalho escultórico de
belo efeito.
Vitrais
O programa de vitrais para o Mosteiro de Santa Maria da Vitória - que foi, tanto
quanto é possível apurar, o primeiro edifício português a receber a distinção de
semelhante solução artística - começou a materializar-se provavelmente à volta
de finais dos anos 30 ou do começo dos anos 40 do século XV. Entre o que
desses vitrais resta, encontramos fragmentos de composições figurativas, de
ornato vegetalista e de composições geométricas, sem esquecer um bom
número de painéis heráldicos. Pela descrição que Fr. Luís de Sousa faz do
monumento, cerca de 1623, ficamos a saber que todas as aberturas da igreja e
da Capela do Fundador ainda conservavam os seus vitrais nessa data.
Mouzinho de Albuquerque, primeiro responsável pelo restauro do monumento,
a partir do final de 1840, descreve o estado de avançada degradação em que
encontrou aqueles vitrais e as soluções que escolheu para resolver os
problemas de um sistema de iluminação em grande parte já perdido. Nas
janelas das naves encontravam-se restos dos antigos vitrais, que foram
apeados, desmontados e voltados a montar em novas calhas de chumbo,
formando pequenos painéis, os quais, por vezes, reuniam peças procedentes
de partes indiscriminadas dos vitrais originais. Os painéis assim formados
destinavam-se a ser colocados a meia altura de grandes caixilhos de madeira
com vidros coloridos, que, na falta de um programa de vitral propriamente dito,
se pretendia que evocassem uma atmosfera perdida.
Os fragmentos que Mouzinho tinha colocado nos grandes caixilhos de madeira
nas janelas das naves laterais foram retirados e tratados entre 1996 e 2005.
Por se encontrarem num estado muito avançado de degradação, não voltaram
para as janelas onde se encontravam. No entanto, esses são os mais antigos
testemunhos da existência de vitrais no Mosteiro da Batalha e em Portugal.
Tecnicamente, um vitral é um conjunto de vidros, normalmente corados na
massa ou incolores, frequentes vezes pintados, montados numa estrutura de
calhas de chumbo.
O primeiro vitralista da Batalha de quem temos conhecimento chamava-se Luís
Alemão e veio trabalhar para o mosteiro no final dos anos 30 ou no início dos
anos 40 do séc. XV. As características dos vitrais mais antigos aproximam-nos
de obras da Francónia e de Nuremberga, no sul da Alemanha, de onde Luís
Alemão era certamente oriundo. Os fragmentos que dessas obras nos
chegaram mostram profetas com rolos fechados ou abertos, bem como
patriarcas, santos e anjos mensageiros. Outros apresentam cenas da vida de
Cristo ou relacionadas com a Sua morte e ressurreição.
Alguns dos vitrais do século XV exibem um estilo de base idêntico aos
anteriores mas as suas figuras, pintadas com superior refinamento em grandes
superfícies de vidro incolor, são mais elegantes. A grande afinidade destas
obras com vitrais que se conservam, uma vez mais, em Nuremberga, faz
pensar que, por meados do século XV, terá ingressado na oficina da Batalha
algum novo artista, compatriota de Luís Alemão.
No final do século XV, aparecem os primeiros sinais de mudança para uma arte
com preocupações realistas. Porém, só no decurso da primeira década do
século XVI, irão aquelas preocupações realistas ser acompanhadas de
profundas transformações na maneira de pintar, com mestre João, um artista
de provável origem flamenga.
Na segunda década do século XVI, D. Manuel encomendou conjuntos
completos de vitrais para as janelas da capela-mor da igreja e para as da sala
do capítulo, onde se encontra refletido o poder da família real, através dos seus
retratos e das suas armas, bem como o dos Dominicanos, associados àqueles.
Os vitrais foram concebidos e os seu vidros pintados por artistas que eram
praticantes de pintura de cavalete, entre eles o pintor da corte de D. Manuel,
Francisco Henriques.
Os vitrais da sala do capítulo, datados de 1514, foram provavelmente
concebidos por aquele pintor, ainda que pintados por outro artista, cuja
identidade se desconhece. Tal como os vitrais da capela-mor da igreja, o
conjunto da sala do capítulo é entendido como um grande retábulo, neste caso
um tríptico, pelo qual se distribuem cenas da Paixão.
O mosteiro da Batalha foi o centro português de criação de vitral, nos séculos
XV e XVI, onde se instalou a maior parte dos praticantes daquela arte, que
daqui se deslocou a outros pontos do País para satisfazer diversas
encomendas, muitas delas do próprio rei, como no caso da Batalha.
Sabe-se que, até ao final do século XVII, foram contratados vitralistas, sem
interrupção, para a manutenção das obras dos séculos anteriores. Durante a
centúria que se seguiu, o estado dos vitrais agravou-se substancialmente
devido não apenas á falta de cuidados mas também ao terramoto de 1755. As
perdas acentuaram-se até ao início das obras de restauro, no final de 1840.
A partir de cerca de 1870, voltaram-se a produzir vitrais na Batalha, desta vez
pela oficina de restauro do monumento. Iniciou-se então a substituição de
caixilhos de madeira com vidros de cores por verdadeiros vitrais.
A substituição dos caixilhos de madeira foi retomada, no início dos anos 30 do
século XX, em algumas das janelas da nave central da igreja, pela Direcção
Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, que para esse efeito contratou a
oficina lisboeta de Ricardo Leone. Estas operações foram interrompidas em
1931, data em que se iniciou o restauro dos vitrais da sala do capítulo. Seguiu-
se o dos da capela-mor, até 1940. A substituição dos caixilhos de madeira por
vitrais não voltou a ser empreendida.
Casa do Capítulo
A meio da galeria nascente do claustro real, rasga-se a porta de entrada para a
casa do capítulo, um vasto espaço quadrangular de 19 metros de lado, coberto
com uma impressionante e arrojada abóbada estrelada de oito pontas sem
qualquer apoio central. Depois da igreja, esta era a dependência de maior
relevo na vivência diária dos frades dominicanos, que aqui se reuniam para
escutar e refletir os diversos capítulos da regra monástica por que se regiam e
para discutir assuntos relevantes do seu quotidiano.
A porta de acesso a este espaço, com um grande arco ogival, encontra-se
ladeada de amplos janelões geminados, encimados por espelhos vazados.
Realce para a já referida abóbada, cuja novidade estrutural é bem
demonstrativa das capacidades de mestre Huguet. Pode inclusivamente
pensar-se que terá sido a novidade e o arrojo desta realização que terão
convencido o rei D. João I a entregar-lhe o projecto da Capela do Fundador.
No interior da casa do capítulo, em uma das mísulas dos ângulos, está
representada a figura de um mestre pedreiro: acocorado para melhor se
adaptar ao suporte e tendo nas mãos a régua identificadora da profissão, veste
única cintada e chapéu de turbante traçado com pano pendente, segundo
moda do século XV.
No muro nascente rasga-se uma grandiosa janela de três lumes e alta bandeira
preenchida por uma delicada composição flamejante. Os vitrais que a
preenchem, datados de 1514 e restaurados em grande parte, representam,
como num tríptico, três momentos da crucificação de Cristo.
As dimensões grandiosas desta casa do capítulo, associadas a uma penumbra
contida em que esta casa está sempre mergulhada, adensando-se a sua
grandeza e solenidade com o colorido dos vitrais e da temática neles exposta
terão sido razões suficientes para que fosse este o espaço escolhido para a
nação portuguesa homenagear os seus militares mortos em combate
trasladando para aqui, em 9 de abril de 1921, os restos mortais de dois
soldados desconhecidos da Grande Guerra, que aqui repousam, tendo bem
junto o lampadário monumental, onde arde permanentemente a “Chama da
Pátria”.
Capelas Imperfeitas
Por detrás da cabeceira da Igreja, no alinhamento da capela-mor, situa-se o
Panteão de D. Duarte, usualmente conhecido por Capelas Imperfeitas, no
sentido de inacabadas, estrutura-se segundo um desenvolvido octógono com a
entrada a eixo e sete capelas radiantes separadas por pequenos corpos
triangulares.
A construção desta capela, devida à iniciativa do rei D. Duarte, ter-se-á iniciado
por volta de 1434, quando decorria ainda o primeiro ano do seu reinado.
O arquiteto responsável foi Huguet que, na plena posse dos seus recursos
técnicos e artísticos, amadurecidos nos muitos anos `frente do estaleiro
batalhino, levou às últimas consequências, depurando-a, a proposta que,
apenas esboçada na ousada abóbada da casa do capítulo, sistematizara logo
de seguida na singular Capela do Fundador.
A morte do rei D. Duarte em 1437 e, no ano seguinte, a do próprio mestre
Huguet inviabilizaram a conclusão da nova capela funerária, a cuja construção
presidiu uma atitude coerente de afirmação pessoal e familiar por parte do rei
D. Duarte.
No reinado de D. Manuel, com vista à conclusão do panteão foi alterado o
projeto inicial, conferindo-se-lhe maior monumentalidade. É deste período o
sumptuoso portal, totalmente esculpido, concebido e executado sob a direção
de Mateus Fernandes, um dos grandes mestres manuelinos, tendo sido
concluído nos primeiros anos do século XVI. As sete capelas funerárias
também foram concluídas na época de D. Manuel e têm nas suas abóbadas
chaves esculpidas com escudos de armas e emblemas que identificam o seu
destinatário. Reinando já D. João III foi ainda levantada, sobre o portal, a
varanda renascença, datada 1533, com estrutura e decoração de raiz italiana,
atribuída a Miguel de Arruda que, seguramente, a concluiu.
Panteão duartino, só nos anos quarenta do século XX foi, por fim, aqui
depositado na capela axial, o túmulo duplo do rei D. Duarte e da rainha D.
Leonor, num reencontro talvez definitivo com a História.
Modelos
Do ponto de vista da disposição relativa das dependências conventuais, o
projeto inicial do Mosteiro da Batalha conforma-se ao que era habitual nos
mosteiros medievais, desde a mais remota tradição beneditina. Tal como tanto
outros mosteiros, em particular os que foram de patrocínio régio, foi sofrendo
ampliações, materializadas pela justaposição tanto de grandes capelas
funerárias como de novos claustros com as suas dependências periféricas. Os
panteões de D. João I e de seu filho D. Duarte foram as primeiras capelas
funerárias régias portuguesas a ser concebidas como edifícios autónomos.
Desde finais do século XIV até os primeiros anos do século XVI, o Mosteiro da
Batalha foi o maior e mais avançado estaleiro do País. Aqui se projetaram e
executaram as soluções arquitetónicas e construtivas mais arrojadas, a partir
da tradição existente, através da vinda de artistas e artífices de outros reinos
ou do génio de artistas nacionais. A Batalha foi, ao longo de mais de um século,
centro de receção e difusão de correntes artísticas, funcionando, do mesmo
modo que os estaleiros das catedrais europeias, como escola para os mais
diversos profissionais de arquitetura e construção.
Os primeiros edifícios, projetados e executados sob a direção de Mestre Afonso
Domingues, bebem na tradição gótica radiante consolidada em Portugal. O que
é excecional nestas obras é a sua escala e o facto de serem completamente
abobadadas. A espacialidade da igreja, que se adivinha na sua fachada
principal, com a nave central proeminente em relação às laterais, é, porém, a
das igrejas mendicantes que se conhecem em Portugal desde meados do
século XIII. Os arrojados sistemas de cobertura, por seu lado, refletem a
experiência amadurecida nos estaleiros do deambulatório da Sé de Lisboa e no
coro alto de S. Francisco de Santarém. Também o claustro, projetado e
parcialmente construído pelo mestre português, tem antecedentes nacionais,
nomeadamente no claustro da Sé do Porto. O portal do transepto encontra a
sua origem em vários portais góticos portugueses anteriores.
Na conclusão da igreja e do Claustro Real, a intervenção de Mestre Huguet foi
naturalmente condicionada pela preexistência: por um lado, os suportes já
construídos para as abóbadas não permitiram particulares inovações nestas;
por outro lado, parece ter existido, por parte do novo arquiteto, uma
preocupação com a uniformidade do edificado, como é bem visível nas novas
naves do claustro que construiu. Nestes edifícios, a inovação não ultrapassou a
mudança das formas das nervuras e chaves de abóbadas, e, no caso exclusivo
do claustro, das colunas dos pilares.
Apesar de tudo, a igreja ainda pôde oferecer oportunidades de reformulação do
que teria sido o projeto inicial. São certamente de Huguet os grandes janelões
laterais da capela-mor que vieram modificar completamente o que estava
consignado para a iluminação do coro das igrejas de tradição mendicante.
Seus são também os terraços e telhados de perfil baixo, os coroamentos
flamejantes de pináculos e platibandas, as bandeiras de um bom número de
janelas, e, por fim, mas não menos importante, o portal principal. Todas estas
obras acusam uma linguagem arquitetónica que é própria do gótico
internacional e que, portanto, apenas poderia resultar da vinda para a Batalha
de um mestre instruído no estrangeiro.
A pátria de Huguet não é conhecida através de qualquer referência explícita.
No entanto, os terraços e telhados de perfil baixo, que lembram os da Catedral
de Palma de Maiorca, a semelhança do portal com o do projeto de Mestre Carlí
para a Catedral de Barcelona ou das suas esculturas com as do portal de
Santa Maria de Ampúrias, bem como as abóbadas estreladas que aparecerão
na Capela do Fundador, na casa capitular e a que estava prevista para as
Capelas Imperfeitas remetem para um horizonte geográfico que é o da antiga
Coroa de Aragão, coincidente, em parte, com a Catalunha, mas que se
estendia até ao Reino de Nápoles, passando pelas Ilhas Baleares. No portal
estão patentes, é certo, fontes mais antigas, nomeadamente vários portais
trecentistas da Normandia. No entanto, a chegada tardia dos respetivos
modelos a Portugal só pode ser explicada pelo longo caminho que até aqui
tiveram que fazer. Em todo o caso, o portal da Batalha ficou como uma
exceção no panorama da arquitetura nacional.
A inovação de Huguet não se limitou ao que lhe foi dado concluir na igreja. Na
verdade, teve ocasião de projetar e acompanhar a construção da capela
funerária de D. João I, mais conhecida pela designação de Capela do
Fundador, onde fez prova, da maneira mais clara e eloquente, do domínio de
todos os recursos de uma arquitetura até então desconhecida em Portugal:
abóbadas de traçado complexo e perfil baixo, cobrindo amplos espaços;
suportes adelgaçados e de traçado mais desenvolvido; amplas janelas com
seus complicados preenchimentos, que iluminam o interior generosamente. A
Capela do Fundador parece corresponder à reinterpretação de uma velha
tradição de edifícios funerários de planta centrada que será retomada no
projeto do panteão de D. Duarte (Capelas Imperfeitas) e inaugurará uma série
de panteões congéneres na Península Ibérica, de que são exemplo a Capela
do Condestável, na Catedral de Burgos, e a Capela de D. Álvaro de Luna, na
Catedral de Toledo.

Os ensinamentos de Huguet perduraram no seu discípulo Martim Vasques,


que, após a morte do mestre, deu início ao projeto do panteão eduardino e
certamente concluiu ou até reconstruiu a ousada abóbada da casa capitular.
Durante o curto reinado de D Duarte, a regência de D. Pedro e o reinado de D.
Afonso V, algumas dependências do Mosteiro, além do panteão já referido,
foram realizadas. Entre elas se contam a Adega dos Frades, o refeitório e a
cozinha. Todas se caracterizam por uma simplicidade que faz lembrar edifícios
mais antigos, nomeadamente cistercienses, não explicável apenas pelo facto
de se tratar de dependências de uso doméstico.
A simplificação e o despojamento em termos idênticos consuma-se no Claustro
de D. Afonso V, que, a par de outras construções áulicas do tempo, se afirma
como emblema de um gosto austero, lembrando vários edifícios
quatrocentistas da Catalunha, aonde pode remontar a inspiração
correspondente. É conhecida a influência de Cister em toda arquitetura
medieval catalã.
Simbólica
Relativamente à arquitetura, inscreve-se a simbólica no campo mais vasto da
iconologia, isto é, no estudo do significado cultural das imagens, com a
particularidade de que aquilo que é simbólico tem um sentido metafórico,
diferente do seu sentido literal. É simbólico, por exemplo, o facto de se
reconhecer na representação de uma alcachofra, a renovação da vida, a
ressurreição de Jesus ou a perenidade de um rei. Não é simbólica, por
exemplo, a representação de figuras do Antigo e do Novo Testamento, que se
reconhecem como aquilo que são.
A composição do portal principal da igreja é simbólica, na medida em que
existe uma relação deliberada entre as figuras para significar a Igreja e a sua
história. Uma hierarquia celestial, que desce dos serafins e anjos músicos até
aos santos e mártires cristãos, passando por reis e profetas do Antigo
Testamento, organizada nas arquivoltas que abraçam o tímpano, deixa de fora
o testemunho da vinda de Cristo – os Evangelhos –, que aparecem justamente
neste mesmo tímpano, com os seus autores, em torno de Deus Pai. Abaixo,
nos pés-direitos do portal, veem-se os Apóstolos, que difundiram depois o
testemunho pelos quatro cantos do mundo. É concedido, pois, um lugar de
destaque à Nova Aliança. Deus Pai volta a aparecer no topo do portal,
coroando a Virgem.
Tanto nas mísulas que sustentam os apóstolos situados junto ao vão como no
enquadramento retangular do arco da fachada, encontramos os escudos de D.
João I e de D. Filipa de Lencastre, que, como símbolos de poder, tinham
recebido já um tratamento desenvolvido no portal lateral. Neste caso, aparece
o brasão completo com o grifo, o elmo e o escudo. Os escudos régios e
principescos vão repetir-se ao longo de todo o conjunto monástico, em túmulos,
chaves de abóbada, bandeiras de janelas, paredes, no púlpito do refeitório, em
vitrais e pinturas murais.
Os túmulos quatrocentistas que se encontram na Capela do Fundador
obedecem a um código simbólico preciso, que, além das armas pessoais,
integra dignidades militares e a divisa de cada tumulado, uma prática que se
consagrou na dinastia de Avis. A divisa é constituída por uma legenda (alma,
mote ou lema da divisa) e uma imagem (corpo da divisa). Assim, por exemplo,
D. João I tem por mote “Por bem” e por corpo da divisa o pilriteiro.
O corpo das divisas tem, em si mesmo, um significado metafórico. Por
exemplo, a hera, adotada por D. Duarte, representou, durante o período
medieval, a amizade cavaleiresca e a fidelidade até à morte, e a balança do
infante D. Pedro relaciona-se com o Arcanjo S. Miguel, seu protector.
Foi no reinado de D. Manuel I que as imagens simbólicas passaram a ocupar
um lugar sem precedentes na arquitetura, o que se conjugou com a evolução
formal desta. Semelhante dispositivo imagético fazia parte de um vasto
programa de afirmação do poder régio, que se pretende mais sacralizado e
centralizado que nunca. Na Batalha, não existe um edifício completo que
testemunhe esta realidade, contrariamente ao que sucede, por exemplo, em
Tomar. No entanto, é claramente patente a intenção de dar corpo a um tal
programa, através quer dos vitrais da capela-mor e da casa capitular, quer das
bandeiras e do lavabo do Claustro Real, quer ainda e sobretudo do portal das
Capelas Imperfeitas, que deveria ter tido como sequência lógica a conclusão
do edifício, dentro do mesmo espírito. Na capela-mor, acrescenta-se à
heráldica régia, tal como na fachada ocidental da igreja do Convento de Cristo,
a representação à esquerda e à direita, respetivamente, da cavalaria espiritual
e da cavalaria temporal, através de duas figuras porta-estandarte. As relações
de poder entre a Coroa e os Dominicanos são explicitadas pela substituição
dos santos protetores do casal régio, ali retratado, por dois frades pregadores.
Nos vitrais da casa capitular, associam-se às cenas da Paixão representadas
nas lancetas, a heráldica régia, a dominicana e instrumentos da Paixão. A Cruz
de Cristo e a esfera armilar aparecerão de novo, ainda que discretamente, nas
bandeiras de pedra das grandes janelas do Claustro Real. O portal das
Capelas Imperfeitas é o aparato simbólico mais impressionante de todos os
edifícios monásticos pela proliferação, a toda a altura dos pés-direitos voltados
a poente, da empresa de D. Duarte, despontando, aqui e além, alcachofras e
desfilando caracóis, na base. À alcachofra está associado o mistério da
Ressurreição; o caracol é símbolo de regeneração periódica, morte e
renascimento. O lado nascente do portal mostra, ainda que comedidamente, a
heráldica de D. Manuel. A mesma se repete em todas as capelas do panteão
eduardino, à exceção de duas, de se que distingue a de D. João II, em cujos
fechos de abóbada se destacam o pelicano, corpo da divisa do rei, e o
camaroeiro, corpo da divisa de rainha D. Leonor.
Um lugar especial ocupam as gárgulas, dotadas de sentido simbólico ora
difuso, ora indecifrável. São maioritariamente monstros compostos de partes de
vários animais, ou mesmo seres fantásticos dotados, por vezes, de um sentido
particular de absurdo ou obscenidade. Por este motivo, têm sido interpretadas
das mais diversas maneiras: seres protetores, reflexo de uma visão
carnavalesca do mundo, espaço marginal de liberdade criativa para os
escultores, etc. O seu maior mérito parece residir na riqueza de interpretações
que sugerem e no estímulo que representam para a imaginação de todos. Em
todo o caso, na Batalha, muitas gárgulas foram substituídas ou simplesmente
refeitas durante os restauros oitocentistas, o que dificulta a abordagem a um
eventual programa iconográfico medieval.
Além do sentido metafórico do que é figurado ou escrito, está presente no
Mosteiro da Batalha uma outra dimensão simbólica, mais abstrata. Sabe-se
que a conceção de edifícios religiosos, na Idade Média, obedecia a preceitos
simbólicos, no que se refere tanto à respetiva geometria, nomeadamente em
planta, como às relações numéricas de elementos construtivos e dimensionais.
A segunda ocorrência requer mais interpretação, a partir do sistema de
medidas utilizado (pé romano, pé de rei ou sistema craveiro); de outra forma,
não é possível chegar às relações numéricas originais, que se baseiam sempre
nas unidades de medida, seus múltiplos e submúltiplos. Quanto à geometria
dos edifícios, reconhecem-se aspetos simbólicos com alguma facilidade. Além
da mais evidente cruz latina da planta da igreja, a que parece associar-se o
número oito (número da Ressurreição) com certa insistência, em elementos
construtivos e vãos, é notório o simbolismo dos panteões. Em planimetria, a
Capela do Fundador é constituída por um octógono inscrito num quadrado. A
escolha da planta centrada para um edifício funerário é, já de si, sintomática,
na medida em que recua ao modelo do Santo Sepulcro, como acontecera já,
no passado, com outras construções portuguesas, sendo a mais famosa de
todas a Charola templária de Tomar. Porém, o que é curioso na Capela do
Fundador é o facto de existir uma base quadrangular que tende para o círculo
através da forma de transição que é o octógono. Na teologia medieval, o
quadrado é uma forma associada ao que é terreno e imperfeito e o círculo, ao
que é celestial e perfeito. Torna-se fácil de compreender, neste contexto, o
caráter propiciador e simbólico do plano. O octógono foi retomado pelo mesmo
arquiteto, Huguet, no projeto das Capelas Imperfeitas.
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O Mosteiro da Batalha ou Mosteiro de Santa Maria da Vitória, é desde 2007


classificado pela UNESCO como Património da Humanidade e a 7 de Julho de
2007 foi eleito como uma das 7 maravilhas de Portugal.

Situa-se na Batalha, e foi mandado edificar por D. João I – Mestre de Avis,


servindo este de agradecimento à Virgem Maria pela vitória na Batalha de
Aljubarrota e de panteão régio.

O Mosteiro de Santa Maria da Vitória é considerado uma jóia arquitectónica


Portuguesa, assim como também o símbolo da Dinastia de Avis.
Os trabalhos de construção do mosteiro dominicano iniciaram-se em 1388 pela
mão do mestre Afonso Domingues, sendo que duraram ao longo de dois
séculos, até 1517, e passaram pelo reinado de 7 reis de Portugal.

O mesmo é um exemplo da arquitectura gótica tardia portuguesa, ou como


outros lhe chamam, estilo manuelino.

História do Mosteiro da Batalha

No início das obras do Mosteiro da Batalha foi construído apenas um pequeno


templo, Santa Maria-a-Velha ou Igreja Velha, era uma obra pobre construída
com pouquíssimos recursos.

É então que em 1402 surge a influência Gótica Flamejante, pela mão do


Mestre Huguet, o qual fica encarregue das obras de construção do Mosteiro.
Ao projecto inicial correspondem as várias dependências monásticas como a
Sala do Capítulo, o Refeitório, a Sacristia, a Igreja e o Claustro, assemelhando-
se ao “vizinho” Mosteiro de Alcobaça.

A capela do Fundador foi acrescentada ao projecto inicial pelo rei D. João I, o


mesmo se sucedeu com a rotunda funerária conhecida por Capelas
Inacabadas, da iniciativa do rei D. Duarte.

Passados alguns anos, foi construído o Claustro de D. Afonso V e foram


fechadas das galerias do claustro.

Foi então que as obras do Mosteiro da Batalha foram terminadas


abruptamente, provavelmente pela construção de outros importantes
monumentos, sendo que, só por volta de 1840 foi dada a atenção à
necessidade de restauro, reiniciando-se várias obras de conservação e
restauro.
Portal das Capelas Imperfeitas (Autor: Manuel Parada López de Corselas)

A cargo destas novas obras esteve Luís Mouzinho de Albuquerque, os quais


destruíram dois claustros e foram marcados pela remoção total dos símbolos
religiosos, de modo a tornar o Mosteiro de Santa Maria da Vitória um símbolo
glorioso da Dinastia de Avis.

De destacar, igualmente, que no Mosteiro da Batalha se encontra o mais


importante núcleo de Vitrais Medievais Portugueses, visíveis na Capela-Mor e
na Sala do Capítulo, albergando ainda o importante arquivo e o espólio da
oficina de Ricardo Leone.

Caracterização Arquitectónica do Mosteiro da Batalha

Planta do Mosteiro da Batalha

Em forma de cruz latina, a igreja revela o apego à tradição do gótico português.


Trata-se de um templo de 3 naves, com transepto pronunciado e cinco capelas
na cabeceira, sendo as laterais de igual profundidade.

Dimensões do Mosteiro da Batalha

A igreja tem 80 metros de comprimento e 22 metros de largura, para um vão


máximo na flecha de 32,5 metros, numas proporções bastante simples.

Áreas do Mosteiro da Batalha

Portal do Mosteiro da Batalha

Concebido por mestre Huguet, a sua riqueza iconográfica só tem paralelo com
programas idênticos das grandes catedrais góticas europeias: nas ombreiras
os Apóstolos conduzem a Cristo, rodeado dos 4 Evangelistas, enquanto nas
arquivoltas se dispõem virgens, mártires, papas, bispos, reis de Judá, profetas,
anjos músicos, segundo uma prefiguração da hierarquia celestial.

Igreja ou Capela-Mor

A nave central da igreja da batalha, uma das maiores igrejas portuguesas de


sempre, eleva-se a cerca de 32,5 metros, sendo a elevação ampliada pelas
colunas muito densas, 8 de cada lado que, formando um muro visual contínuo,
acentuam o sentido ascensional do espaço. A abóbada de nervuras, com
grandes chaves decoradas, deve-se a mestre Huguet.

Sala do Capítulo

Local e referência da vida monástica, foi começado por Afonso Domingues e


concluída por Huguet, que alterou o projecto inicial, lançando uma única
abóbada, sem suporte central, que constitui um impressionante desafio técnico.
Numa das mísulas de ângulo, a figura de um arquitecto, talvez Huguet, parece
querer, ainda hoje, receber dos visitantes o tributo à sua ousadia construtiva.

Capela do Fundador

Pensada por D. João I para panteão da sua linhagem, foi construída por
Huguet a partir de 1426. A planta quadrada dá lugar, ao centro, um octógono
que se eleva a grande altura, constituindo um dossel ou baldaquino glorificador
do túmulo conjugal de D. João I e D. Filipa de Lencastre. É, por várias razões,
um dos espaços mágicos da arquitectura portuguesa.

Panteão de D. Duarte ou Capelas Inacabadas

Pensadas por D. Duarte para panteão da sua família foram começadas por
Huguet, que desenhou uma grande rotunda de oito lados, com sete capelas. A
morte prematura do rei e, de seguida, do próprio arquitecto, para além de
outras vicissitudes impediu que a obra se concluísse. Numa das capelas
repousam, desde os princípios do século XX, os restos mortais do rei D. Duarte
e da sua mulher.
Mosteiro da Batalha (Autor: Georges Jansoone)

De qualquer modo, a decoração deste trecho atinge proporções


verdadeiramente assombrosas, sendo um exemplo único no gótico português.

Refeitório do Mosteiro da Batalha

O refeitório primitivo, ocupado desde 1924 pelo Museu da Liga dos


Combatentes, é um espaço vasto mas muito austero. Destaca-se, nessa
simplicidade, o púlpito do leitor, ostentando os brasões do rei D. Duarte e de
sua mulher, a rainha D. Leonor de Aragão.

Cozinha do Mosteiro da Batalha

Adoçada ao refeitório com a qual tinha ligações foi este espaço profundamente
modificado observando-se, apenas, relacionado com a sua primitiva função
vestígios da grandiosa chaminé e algumas coberturas onde se recolhiam
utensílios e condimentos. Hoje, neste espaço, funciona a loja de vendas do
IGESPAR.

Dormitório do Mosteiro da Batalha

Dormitório primitivo dos frades, é uma vasta sala coberta de berço quebrado,
ritmada por poderosos arcos torais que lhe acentuam o ar grave. A designação
de Adega dos Frades explica-se por ser a última utilização que aquele espaço
teve enquanto casa dominicana.

Claustro D. Afonso V
Construído no reinado de D. Afonso V, sob a direcção do mestre Fernão Évora,
é o primeiro claustro a ser erguido em dois andares. Destinado à vida diária
dos frades dominicanos, a sua simplicidade ainda hoje permite aos visitantes
atentos apreenderem algum do misticismo que emana destes espaços
cluastrais.

Claustro de D. João I

Começado por Afonso Domingues e concluído por Huguet é um dos claustros


mais conseguidos de toda a arquitectura portuguesa, pela harmonia das
proporções e pela grande elegância do seu trabalho.

As bandeiras das arcadas, mais tardias, denunciam, nos motivos e na


exuberância, a época manuelina em que foram criadas

Largo Infante D. Henrique I

Grande parte deste espaço foi ocupado até meados do século XIX como o
Claustro de D. João III, incendiado aquando das Invasões Francesas.

Devido ao seu estado de conservação e por apresentar já um “estilo bastardo”


não mereceu, por parte do arquitecto Luís Mouzinho de Albuquerque, a devida
atenção para que pudesse ser restaurado.

A meio deste largo pode ser apreciada uma lápide onde estão reproduzidas
várias siglas de canteiros e que assinala onde esteve construída a Igreja de
Santa Maria-a-Velha, o primeiro tempo que serviu para que os construtores do
Mosteiro pudessem participar nos actos litúrgicos.

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