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Natureza, trabalho e tecnociência

Maíra Baumgarten

1. Natureza, trabalho e conhecimento são conceitos essenciais para


pensar o ser humano. Como ser vivente o homem integra a natureza
possuindo com ela uma relação de parte com o todo. Ser humano é fazer
parte da natureza. Por outro lado, o homem, como ser vivo consciente de si
e de seu entorno, como ser social exerce sobre a natureza uma ação
deliberada visando satisfazer suas necessidades. Nessa ação (o ser humano)
emprega suas qualidades naturais (força vital) opondo-se à matéria da
natureza, modificando-a. Poder-se-ia, assim, definir o trabalho humano
como a ação do homem (parte) sobre a natureza (todo), que tem como
pressuposto a consciência (conhecimento). Todo trabalho é ação consciente,
parte de um objetivo - satisfação de carências - e evolui de acordo com um
plano.
A história das carências humanas e das trocas que as mesmas
originam entre o homem e seu meio natural e social é o eixo em torno do
qual gira o processo de conhecimento humano, cuja expressão atual vem
sendo denominada tecnociência.
Nessa perspectiva, as relações entre natureza, sociedade, ciência e
técnica são permanentemente construídas. No desenvolvimento histórico -
processo geral de naturalização/humanização (hibridação) - forças
simultaneamente naturais e sociais conformam o conhecimento do humano,
que é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto na busca pela compreensão da
natureza e da sociedade as quais integra.
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2. A ciência e sua história encontram-se profundamente imbricadas com


a perspectiva humana sobre a natureza e com as formas assumidas pelas
relações entre os homens e desses com a natureza na produção de sua vida.
Uma nova relação com a natureza acompanha o declínio das
sociedades tradicionais predominantemente agrárias e a estruturação de um
modo de produção social cuja base é constituída pelo comércio e pela
indústria. A natureza deixa de ser reconhecida como uma potência por si,
como ordem de todas as coisas, passando a ser percebida como algo
exterior ao humano, algo que deve (e pode) ser submetido e utilizado seja
como objeto de consumo, seja como meio de produção.
O princípio de Vico (1988) pelo qual ...só conhecemos as razões
daquilo que podemos construir com as mãos ou com o intelecto... orienta a
ciência baconiana. que percebe a natureza como uma selva, um labirinto
para o qual o método fornece o fio de Ariadne, necessário para o
desvelamento de seus segredos e, com isso, a apropriação de suas
virtualidades de poder.
O critério de verdade que se impõe, então, é o da efetividade e
eficiência. Conhecer como fazer é o que importa, estabelecendo-se a
identidade entre conhecer e construir ou reconstruir. As causas últimas da
natureza são reservadas ao artífice do mundo (Deus) e, portanto, realidade
não cognoscível. Conhecer a natureza, nesse contexto, significa perceber
como funciona a máquina do mundo. Os engenhos e as máquinas
construídas pelos homens constituem modelos para a compreensão da
natureza.
A partir da revolução industrial, os modos de apreensão e
conhecimento dos fenômenos naturais e sociais que se estruturam
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conjuntamente com as novas formas materiais de produção da vida


assumem uma perspectiva de futuro articulada à idéia de progresso visto,
este, como processo dinâmico, contínuo e irreversível de mudança
tecnológica. A premissa aqui envolvida é a de uma base técnica em
mutação evolutiva. Toda perspectiva de futuro nos séculos XIX e XX tem
por base os avanços científicos e tecnológicos (Marinho & Quirino, 1995).
A racionalidade instrumental que orienta o chamado paradigma da
ciência moderna articula-se à racionalidade utilitária característica da
cultura industrial ocidental. Em linhas gerais a ciência moderna tem sido
definida como um instrumento na busca do conhecimento, visando à
dominação e ao controle da natureza e, eventualmente, à planificação da
sociedade. O paradigma da ciência moderna apresenta-se, em geral, como
prática neutra (não social) e estabelece uma cisão e um distanciamento
radicais com seu objeto - a natureza - visto como exterior, inanimado e
passivo.
Como sistema universal de exploração das propriedades naturais e
humanas a civilização capitalista industrial aciona um processo de
dessacralização da natureza na forma de desencantamento do mundo. O
capital cria, sob as formas ainda religiosas do fetichismo, as pré-condições
de uma secularização da existência humana liberada de seus pesadelos
místicos. A partir desse impulso passa-se diretamente da desmistificação da
natureza à sua "apropriação universal”. A natureza por muito tempo
suportada como um poder tirânico passa a ser vista como um mero objeto
para o homem, como algo útil (Bensaïd, 1999).
Esse modelo de racionalidade científica construiu-se em oposição a
outros modelos de conhecimento concorrentes, consolidando-se pela
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identidade com as formas materiais de produção características da


sociedade capitalista sendo, ele próprio, instrumento de legitimação e força
produtiva fundamental do capitalismo.
A constituição da natureza como objeto (separado e estranho ao
sujeito) está na base da revolução tecnológica que se respalda em uma razão
instrumental cujo objetivo é a manipulação dos fenômenos naturais. A
tecnologia, resultado desse processo, gradativamente se autonomiza da
sociedade como esfera autodiretiva. A ambigüidade tecnológica
contemporânea em que técnica e ciência são vistas, ao mesmo tempo, como
perigo e como elemento de salvação da humanidade, decorre,
fundamentalmente, dessas características históricas de seu desenvolvimento
(Moraes, 1997).
A crescente inter-relação, no século XX, entre ciência, tecnologia e
produção de bens e serviços, transforma o modo de produção do
conhecimento que, principalmente a partir da Segunda Guerra Mundial,
passa a ser objeto de planejamento e de políticas governamentais. Na era da
big science, atividades de pesquisa cada vez mais complexas e dispendiosas
exigem sofisticados aparatos instrumentais e institucionais, ocupando lugar
destacado no próprio centro do sistema produtivo.
Ciência e tecnologia que, em estreita vinculação, já desempenhavam
papel estratégico como força produtiva, dão lugar à tecnociência que é,
conforme Echeverría (2003), um sistema de ações eficientes, baseadas em
conhecimento científico. Essas ações se orientam tanto para a natureza
quanto para a sociedade, visando transformar o mundo, para além de
descrever, predizer, explicar, compreender. A tecnociência implica a
empresarialização da atividade científica e, sendo um fator relevante de
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inovação e de desenvolvimento econômico, passa a ser também um poder


dominante na sociedade, tendendo, sua prática, ao segredo e à privatização.
Objeto de apropriação privada, a técnica incorpora a ciência,
convertendo-se em tecnociência (Oliveira, 2003; Baumgarten, 2005) que se
transmuta em mercadoria de alto valor, progressivamente inserida no
cotidiano das sociedades, em sua estrutura de poder e em suas matrizes
simbólicas e culturais (Albagli, 1999).
3. A hegemonia desse paradigma da ciência (até o final da década de
70) não impediu o surgimento e a coexistência de perspectivas alternativas
à racionalidade instrumental (em termos de método e de visão de mundo).
Um exemplo de alternativa teórica ao paradigma clássico é a obra
resultante da crítica efetuada por Marx e Engels à Economia Política e à
concepção mecanicista da natureza transposta para a análise da sociedade
(Marx, 1962, 1974; Engels, 1968; Marx & Engels, 1968). Encontram-se ali
os alicerces de uma tradição de conhecimento que, ao reintegrar sociedade e
natureza, fundamenta boa parte do debate contemporâneo sobre as relações
entre natureza e sociedade, mediadas pelo conhecimento.
Tributário de seu tempo, Marx assume a idéia de futuro na qual o
progresso técnico é potencialmente instrumento de emancipação social,
entretanto sua visão de progresso não é determinista e unívoca como o
demonstram as noções de desenvolvimento desigual (entre esferas
diferentes da vida social) e de história como um devir incerto, condicionado
tanto pela luta quanto pela necessidade, encontradas em seus escritos. Nessa
perspectiva, a correspondência entre infra e super-estrutura não significa
adequação, apenas delimita um feixe de possibilidades
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Em sua obra a organização conceitual do tempo como relação social


que contempla ciclos e rotações, ritmos e crises, tempos e contra-tempos
estratégicos, aponta para a idéia que não há um liame, uma identidade
demonstrável entre a análise do conflito social e a compreensão do devir
histórico. A noção abstrata de progresso é posta em xeque pela idéia de
necessidade histórica como lei tendencial (Bensaïd, 1999).
Ao empreender a crítica do capital Marx revoluciona a perspectiva
científica reducionista e positivista de sua época. Retomando de Spinosa o
conceito de natureza e de homem como ser natural concreto e corrigindo
Spinosa com Hegel e reciprocamente, Marx faz do trabalho a relação com a
natureza pela qual ...o homem contempla a si mesmo num mundo de sua
criação... De acordo com Bensaïd (1999, p. 295), ao contrário do
naturalismo inconseqüente que subordina as ciências humanas a uma meta
ciência natural, a estratégia cognitiva encontrada em Marx é fazer da
natureza socializada o verdadeiro objeto do conhecimento. Tal estratégia,
já se encontra esboçada nos Manuscritos de 44, em que se encontra
assinalado o caminho de um desenvolvimento recíproco das diferentes
ciências, no qual as ciências da natureza compreendem a ciência do homem
que as engloba.
Influenciado pela tradição alemã que vê a natureza como um grande
processo de transformação e de troca, Marx afirma que o nó estratégico do
ser social é a troca orgânica entre o homem e a natureza, mediada pelo
fogo vivo do trabalho. O trabalho é a mediação natural externa necessária
entre homem e natureza. Para o autor, a dominação e a apropriação da
natureza (fonte primária de todos os meios e materiais de trabalho)
permitem à Economia Política ver o trabalho humano (ele próprio expressão
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de uma força natural - vital) como fonte de valores de uso e, portanto, de


riqueza. É importante ressaltar que o trabalho, como criador de valores de
uso, é condição de existência do homem, independente das formas sociais
de reprodução (Bensaïd, 1999, pp 447 - 450).
A perspectiva marxiana enseja a análise crítica do paradigma da
ciência moderna em sua intrínseca relação com a ordem capitalista,
possibilitando vislumbrar a pluralidade de desenvolvimentos possíveis que
a presente crise socio-econômica e paradigmática oferece.
As últimas décadas do século XX caracterizaram-se por mudanças
significativas nas formas de produção e acumulação capitalista. A resposta
à crise sistêmica dos anos 70 ocorreu basicamente em duas frentes: a) a
expansão do sistema; e b) a produção de bens de tipo radicalmente novo
(Jameson, 1999, p. 187).
A primeira frente diz respeito à chamada globalização, que pode ser
traduzida por financeirização acelerada e crescente da economia mundial. A
globalização opera de forma desigual para os diferentes atores: o capital
move-se livremente em busca de espaços de valorização, pressionando pela
abertura das fronteiras nacionais e pela desregulamentação do trabalho. Os
trabalhadores, entretanto, são limitados às fronteiras nacionais. A expansão
das esferas financeira e técnico-produtiva se faz acompanhar pela
aceleração dos processos de deslocalização e segmentação econômica e
social. O Estado, por sua vez, assume nova forma e outros papéis. Sua
intervenção se dá no sentido de baixar os custos de produção (legislação
trabalhista modificada), garantir a estabilidade da moeda (câmbio), a
institucionalização dos ajustes macroeconômicos necessários à livre
expansão do capital e impulsionar a revolução tecno-científica e gerencial,
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cujos objetivos indissociáveis são: mudar o perfil da composição do mundo


do trabalho e aumentar a produtividade do trabalho (Vilas, 1999; Roio,
1999).
A segunda estratégia de resposta à crise - a produção de tipos
radicalmente novos de bens - apoia-se no recurso a inovações e
"revoluções" na tecnologia (Jameson, 1999, p. 188). Uma maior intensidade
no uso de informação e de conhecimento nos processos de produção, de
comercialização e consumo de bens e serviços, assim como na cooperação e
competição entre agentes e na circulação e valorização do capital leva a
novas práticas nesses processos. As tecnologias de informação e de
comunicação têm sido vistas como centrais na nova dinâmica técnico-
econômica. Novos saberes e competências, aparatos e instrumentos
tecnológicos, produzem tipos novos de bens, viabilizando a abertura de
espaços de atuação e mercados, encolhendo o globo e reorganizando o
capitalismo em uma escala diferente e ampliada (Lastres & Albagli, 1999).
Na sociedade contemporânea, mudanças profundas podem ser
identificadas na forma e no conteúdo do trabalho, que assume um caráter
crescentemente "informacional". Essas modificações provocam impactos
significativos no perfil do emprego, nas relações entre trabalho morto e
trabalho vivo, entre trabalho manual e intelectual e na agregação de valor e
valorização do capital (Lastres & Albagli, 1999, p. 9).
Controvérsias teóricas importantes têm se estabelecido em torno dos
nexos entre as temáticas da informação/conhecimento, da globalização e do
trabalho. O debate sobre a centralidade do trabalho como categoria para
pensar a sociedade é um exemplo: de um lado situam-se aqueles que
afirmam que o trabalho teria deixado de constituir-se em recurso produtivo
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fundamental, apresentando a tendência a ser deslocado ou eliminado em


decorrência da automação crescente e das atuais características assumidas
pela sociedade capitalista em que o paradigma da comunicação estaria
substituindo o paradigma do trabalho (Offe, 1989 a, b ; Habermas, 1997).
De outro lado, na contracorrente dessas teses estão aqueles que
argumentam que o trabalho (vivo) investe-se de uma centralidade
ascendente na dinâmica e nas estratégias de acumulação contemporâneas ao
passarem a informação e o conhecimento a atuar como força produtiva
determinante. Apontam, também, uma diferente proporção na utilização da
matéria, com maior intensidade no uso da informação no processo
produtivo. As mudanças nas relações espaço-temporal e a desmaterialização
crescente do trabalho na produção high-tech são vista como elementos
centrais na relação e na hierarquia entre trabalho manual e intelectual, bem
como na tendência à diluição ou velamento de fronteiras entre trabalho e
lazer, produção e circulação, comunicação e consumo (Lastres e Albagli,
1999; Dantas, 1999; Marques, 1999; Cocco, 1999).

4. A financeirização da economia, o fortalecimento dos mercados,


frente aos estados, como instâncias reguladoras e a utilização intensiva de
conhecimento e informação alteram radicalmente as condições de existência
de parcelas significativas de populações tanto nos centros capitalistas do
Norte, quanto nos países periféricos do Sul.
Pode-se afirmar que deparamo-nos, atualmente, com uma
globalização planetária do processo racional de “perseguição de lucro
máximo” que integra a civilização capitalista.
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A racionalidade instrumental característica do capitalismo traz em si


duas tendências: a) a do desencaixe entre sociedade, política e economia,
onde a economia de mercado é um sistema auto-regulado, não encaixado na
sociedade, escapando aos controles sociais, morais e políticos; e b) a
quantificação crescente, ou seja, o predomínio do espírito de cálculo
racional, com a monetarização das relações sociais (Löwy, 1999, pp.91-92).
A concepção de mundo hegemônica da sociedade contemporânea
resulta do enfrentamento entre valores em um campo de conflitos no qual
aqueles critérios ligados à dignidade humana e à preservação da natureza
vêm sendo rejeitados, vistos como freios ao progresso, dada a sua
incompatibilidade com a busca do lucro máximo.
As conseqüências de uma visão de futuro alicerçada no credo
produtivista e na racionalidade instrumental, característica do paradigma
científico e tecnológico da civilização industrial moderna, se fazem sentir
tanto na cultura e nas relações sociais, quanto nos efeitos causados nas
condições de manutenção da vida do próprio planeta. Dentre os perigos que
ameaçam o planeta em decorrência do atual modo de produção e de
consumo pode-se citar: o crescimento exponencial da poluição do ar, do
solo, da água, a eliminação maciça de espécies vivas, a acumulação de
dejetos nucleares incontroláveis.
A crise da ciência - que se expressa tanto pelo questionamento de
suas aplicações como pela crítica de seus pressupostos, objeto e métodos -
encontra-se relacionada à percepção dos limites e, mesmo, dos riscos de um
conhecimento gestado para a dominação, controle (da natureza) e
domesticação (da sociedade).
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Como empreendimento coletivo, as ciências as técnicas e suas


instituições, seguem a racionalidade que circula no conjunto das relações
humanas. Os fatos científicos e os objetos técnicos são, em verdade,
concretização de redes de relações que ligam seres humanos e coisas
(naturais ou artificiais) e, como tal, também são humanos e incluem
interesses políticos, econômicos e valores sociais e morais (Araújo, 1998, p.
13). A tecnociência - pressuposto e resultado da estruturação social e
econômica contemporânea - deve ser objeto de permanente discussão e
avaliação dada a sua influência na vida cotidiana e nas estratégias em escala
mundial.
Alguns exemplos da problemática relativa a tecnociência, sua lógica
e seus usos são: a definição de agendas de pesquisa a partir de interesses de
criação de novos mercados, os perigos envolvidos nas manipulações
genéticas atuais que podem ocasionar dramáticas conseqüências para a
biodiversidade. A apropriação privada de organismos vivos que pode
resultar no controle do mercado mundial de exportações agrícolas. A
capacidade potencial de clonagem de seres humanos, que desperta
infindáveis debates sobre ética e viabiliza assustadoras possibilidades
apontadas pela literatura e pelo cinema.
Há inúmeros exemplos de antecipações ficcionais em torno dos temas
aqui tratados, dentre eles pode-se citar: O admirável mundo novo de Aldous
Huxley (1974), 1984 de George Orwel (1973); e, mais recentemente, os
filmes Blade Runner, de Ridley Scott (1981), Matrix, dos Wachowski
Brothers (1999); e Gattaca, a experiência genética, de Andrew Niccol
(1997).
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Enfim, coletivizar o saber científico e tecnológico contemporâneo é


uma necessidade concreta, sob pena de realizarem-se, no futuro, riscos
sociais envolvidos em tecnologias de uso cotidiano em nossa sociedade.
Esboçadas no horizonte de um futuro próximo podem ser antevistas
possibilidades de totalitarismo associadas à globalização midiatiática (que
escapa ao controle democrático) e às novas técnicas de teleação e
teledetecção, que eliminam as distâncias físicas, anulam os tempos locais
(Araújo, 1999; Virilio, 1999) e que possibilitam um maior controle social.

5. Uma crítica conseqüente das atuais relações entre os seres humanos,


seu ambiente (natural e artificial) e o saber que se constrói nessas relações e
que, reciprocamente, as informa passa pela crítica às formas fetichizadas de
produção da vida através das quais natureza e sociedade transmutaram-se
em mercadorias. Não há possibilidade de um desenvolvimento econômico e
social sustentado que repouse sobre uma base de exploração depredadora do
ambiente e dos seres que o constituem, bem como, no sistemático
desperdício de recursos e desrespeito pela natureza tanto humana quanto
não humana.
Alguns dos argumentos que vem sendo utilizados nessa crítica são:
1) a extensão ao conjunto do planeta do modo de produção e de consumo
atual dos países de capitalismo avançado ocasionaria danos ecológicos
insustentáveis ao planeta (lógica da acumulação ilimitada, de
desperdício de recursos, consumo ostensivo, destruição acelerada do
ambiente). A globalização é, portanto, necessariamente fundada na
manutenção e no agravamento da desigualdade cada vez maior entre o
Norte e o Sul;
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2) a continuação do “progresso” capitalista e da expansão da civilização


baseada na economia de mercado, ameaça a curto ou médio prazo a
própria sobrevivência da espécie humana. Sendo assim, a salvaguarda do
meio natural é um imperativo da dignidade humana;
3) As diferenças entre os ciclos naturais que são de uma temporalidade
longa (macrorracionalidade social ecológica); e os ciclos curtos,
baseados na micro-racionalidade do lucro, tornam problemáticos o
planejamento a a atuação com base no cálculo de perdas e lucros do
mercado. Faz-se necessária uma reorientação tecnológica que considere
os ciclos naturais, bem como a substituição das fontes atuais de energia
por novas fontes, não poluentes e renováveis;
4) é premente uma reorganização do conjunto do modo de produção e de
consumo, baseada em critérios exteriores ao mercado capitalista
(necessidades reais da população e salvaguardas ao ambiente); frente ao
fetichismo da mercadoria e à autonomização reificada da economia pelo
neoliberalismo, o grande desafio é a aplicação uma política econômica
baseada em critérios não monetários e extra-econômicos que possibilite
uma outra vinculação do econômico ao meio natural e social (Löwy,
1999; Bensaïd, 1999; Wood & Foster, 1999).
Natureza, trabalho e conhecimento são conceitos centrais para, a
partir do feixe de possíveis que a realidade atual nos apresenta, pensar uma
utopia que supere as conquistas da modernidade e incorpore o domínio
coletivo e consciente das ciências, das técnicas, das escolhas de produção,
de distribuição e de consumo de bens materiais e não materiais.
Uma nova e equilibrada relação entre o ser humano e o mundo
natural é o pressuposto dessa utopia, que contrapõe ao progresso sem
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sujeito de um mundo mercadorizado, o progresso humano, no qual


produção e distribuição de valores de uso sejam tomadas pelo que
realmente são: produto social da interação entre seres humanos e a natureza
da qual fazem parte e que, como tal, necessitam preservar. Nesse futuro o
conhecimento será consciência coletiva.

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