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Tribunal de Justiça da Paraíba

PJe - Processo Judicial Eletrônico

28/05/2019

Número: 0810720-74.2015.8.15.0001
Classe: AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Órgão julgador: 3ª Vara de Fazenda Pública de Campina Grande
Última distribuição : 06/11/2015
Valor da causa: R$ 1.000.000,00
Assuntos: DANO AMBIENTAL
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? SIM
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM
Partes Procurador/Terceiro vinculado
INST DO PATRIMONIO HIST E ARTISTICO DO ESTADO DA SANDRA SUELEN FRANCA DE OLIVEIRA MACEDO
PARAIBA - IPHAEP (AUTOR) (ADVOGADO)
MUNICIPIO DE CAMPINA GRANDE (RÉU)
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA PARAÍBA - PGJ
(MINISTÉRIO PÚBLICO)
Documentos
Id. Data da Documento Tipo
Assinatura
21392 23/05/2019 13:14 Sentença Sentença
173
Poder Judiciário da Paraíba
Terceira Vara de Fazenda Pública de Campina Grande

AÇÃO CIVIL PÚBLICA (65) 0810720-74.2015.8.15.0001


[DANO AMBIENTAL]
AUTOR: INST DO PATRIMONIO HIST E ARTISTICO DO ESTADO DA PARAIBA - IPHAEP

RÉU: MUNICÍPIO DE CAMPINA GRANDE

SENTENÇA

Ementa: AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Pretensão de obrigar o ente público de apresentar projeto de
revitalização do antigo “Cine Theatro Capitólio” de acordo com as regras técnicas vigentes – Pleito de
estabelecimento de cronograma de execução das obras – Tutela indeferida – Contestação – Preliminar de
ilegitimidade ativa – Rejeição – Não reconhecimentode litigância de má-fé – Imóvel tombado como
patrimônio histórico em razão do valor cultural da memória coletiva da população campinense – Prédio
que não apresenta estruturas arquitetônicas originais – Existência de estrutura física com risco de iminente
de desabamento – Apresentação de anteprojeto que não foi aprovado em razão de tecnicismos
exacerbados – Regulamentos que esbarram nos princípios que regem à Administração Pública – Ameaça
a integridade física dos transeuntes e imóveis vizinhos – Inexistência de ilegalidade perpetrada pela
edilidade – Não configuração de dano moral coletivo a ser reparado - Improcedência da ação.

1. Oprédio do “Cine - Theatro Capitólio” em nada se assemelha com àquele suntuoso imóvel edificado no
centro da cidade Campina Grande, que originalmente possuía traços da arquitetura art-decó, inclusive não
existe nos autos nenhum documento que demonstre que no interior do imóvel exista qualquer estrutura,
seja de natureza de engenharia, arquitetura, ou artística que possa ser restaurado ao status quo da época da
sua inauguração, muito menos a importância disso para a sociedade paraibana, sendo absolutamente
impossível que a edilidade atenda as exigências dos conselheiros que rejeitaram o projeto apresentado.

2. Apretensão exordial não merece respaldo, considerando que restou incontroverso nos autos que a
edilidade campinense apresentou, desde o ano de 2010, alguns anteprojetos para revitalização do antigo “
Cine - Theatro Capitólio”, que inclusive foram apresentados para análise técnica do IPHAEP-PB, ora

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autor, no entanto, foram indeferidos sob o plasma do tecnicismo exacerbado contido nos regulamentos
vigentes a serem seguidos para a preservação do patrimônio histórico-cultural, que não guardam nenhuma
coerência com a situação concreta do prédio em questão, sendo algumas regras constantes da decisão que
indeferiu o projeto apresentado absolutamente impossíveis de cumprimento, como, por exemplo, a
exigência de preservação das coberturas originais, quando se sabe que o prédio não tem mais teto,
restando apenas as paredes laterais prestes a ruir e causar um desastre sem precedentes nesta cidade.

Vistos etc.

INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DO ESTADO DA


PARAÍBA, órgão de Regime Especial Vinculado à Secretaria de Estado da Cultura da
Paraíba, pessoa jurídica de público, através de advogado constituído, propôs a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA c. Pedido deANTECIPAÇÃO DE TUTELA, em face do
MUNICÍPIO DE CAMPINA GRANDE, pessoa jurídica de direito público, devidamente
qualificado, alegando, em síntese, que em 25 de novembro de 2010, a Secretaria de
Planejamento Municipal protocolou no IPHAEP, uma solicitação de análise de anteprojeto
de Revitalização do Cine Capitólio, sob o n° 0412/2010, que se trata de imóvel tombado
como patrimônio histórico, cujo projeto teria sido analisado pela Coordenadoria de
Arquitetura e Ecologia – CAE/IPHAEP, submetido à apreciação do Conselho de Proteção
dos Bens Históricos Culturais – CONPEC, que aprovou em 15 de dezembro 2010, parecer
do relator, representante da FAMUP no Conselho, sugerindo a reapresentação do projeto
que atendesse às recomendações contidas no Parecer da CAE, elencando os pontos que
fundamentaram o indeferimento, na qual a edilidade demandada, foi cientificada da
referida deliberação nº 0038/2010, no mês de janeiro de 2011.

Arguiu que depois de quatro anos da referida deliberação, a edilidade ré submeteu nova
proposta concreta para a análise do IPHAEP, e durante todo o ano de 2014, ocorreram
audiências na Promotoria de Defesa do Meio Ambiente e Patrimônio Social da Comarca
de Campina Grande e reuniões com integrantes da administração municipal, sendo que em
agosto de 2014, foi organizada uma visita ao prédio objurgado, na qual o IPHAEP,
acompanhado de integrantes da administração municipal, CREA, Corpo de Bombeiros,
Defesa Civil, dentre outros, afirmando que o único objetivo da referida visita foi tentar
convencer o órgão autor, sobre a necessidade de sua demolição, cuja proposta não foi
aceita.

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Afirmou que no ano de 2015, foram realizadas duas sessões realizadas na Secretaria de
Cultura de Campina Grande, entre os meses de fevereiro e abril, com o intuito de rediscutir
a revitalização do Cine Capitólio, na qual a Diretora Executiva do IPHAEP defendeu a
utilização do prédio para a implantação de um espaço multicutural, sendo apresentada
proposta junto ao Secretário Municipal de Planejamento, que teria informado que o projeto
deveria ser realizado através de uma Parceria Público-Privada (PPP), enquanto que no mês
de agosto foi realizada nova audiência na Promotoria de Defesa do Meio Ambiente, na
qual ficou estabelecido que no mês de setembro a edilidade deveria apresentar novo
projeto, no entanto, não foi apresentado no período aprazado, tal como foi estipulado.

Explanou sobre a importância histórica, cultural e afetiva do “Cine Capitólio” para a


sociedade campinense, bem como descrevendo as dimensões e localização topográfica do
imóvel, além de tratar sobre questões técnicas da proposta apresentada pela edilidade ré,
que expõe os aspectos de engenharia, topografia e arquitetura, afirmando que a proposta
apresentada pela edilidade ré, não poderia ser aceita e, buscando a melhor solução para o
binômio preservação e programa pretendido, a edilidade arguiu ter procedido com todas as
simulações possíveis, o que teria gerado grande impasse, pois não apresentou novos
estudos para avaliar outras situações, que novamente foi indeferido o anteprojeto
apresentado pela edilidade ré.

Assim, após minuciosa narrativa fática/técnica, entende que a edilidade incorreu na prática
de tipos penais, além da suposta prática que ocasionou dano moral coletivo, pugnando pela
concessão de tutela para obrigar a edilidade a apresentar projeto de revitalização do antigo
Cine Capitólio, contemplando sua total preservação, atendendo as diretrizes da legislação
patrimonial, sem qualquer redução na sua volumetria e, posteriormente ser encaminhado
para apreciação do IPHAEP e, após aprovação, que seja executado em prazo não superior
a 12 meses, sob pena de multa diária e, quanto ao mérito, pugna pela confirmação da
tutela, bem como a condenação da edilidade ao pagamento de indenização por danos
morais coletivos, em valores de hoje, não inferiores a R$ 1.000,000,00 (um milhão de
reais) e, demais pedidos de costume, juntando documentos eletrônicos.

Determinada a notificação preliminar da edilidade ré, para que se pronunciasse sobre a


tutela provisória pretendida, foi apresentada manifestação de ID 6476579, que pugnou pelo
indeferimento do pedido de antecipação de tutela, colacionando documentos referentes ao
anteprojeto objurgado, bem como atas das reuniões realizadas.

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Tutela indeferida no ID 8012751, determinando-se a citação da edilidade campinense.

Devidamente citada, a edilidade ré, através da sua Procuradoria, apresentou defesa de ID


8877778, arguindo a preliminar de ilegitimidade ativa, tendo em vista que o autor trata-se
de órgão de Regime Especial Vinculado à Secretaria de Estado da Cultura, disciplinado
pela Lei 9.040/2009, não possuindo personalidade jurídica para ingressar com a presente
lide, levantando ainda, a litigância de má-fé.

Quanto ao mérito, rebateu as arguições exordiais de que não deixou de cumprir com suas
obrigações quanto ao “Projeto de revitalização do Cine Capitólio”, no entanto, a execução
do aduzido projeto até agora não se deu por causa da demandante, em razão de rigor
desarrazoado, indeferido o projeto no tocante “ao aumento de gabarito da edificação”, não
havendo motivo para apresentação de um novo projeto, que foi aprovado por unanimidade
na reunião do Conselho Municipal de Patrimônio – CONPAC.

Afirma ainda, que o prédio poderá desabar a qualquer momento, pugnando para que a
execução do projeto se dê conforme as possibilidades expostas pelo anteprojeto
apresentado, pugnando, ao final, pelo julgamento improcedente da lide e demais pedidos
de costume.

Sem impugnação da contestação.

Documentos apresentados pelo IPHAEP a partir do ID 15845114 e seguintes.

Pedido de aditamento da exordial de ID 15875210.

Audiência de conciliação designada e realizada, conforme se observou no termo de


audiência colacionada no ID 20466812, onde foi ouvida a explanação de especialista sobre

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o projeto objurgado, além da oitiva das partes interessadas e do representante do Parquet,
e, não se logrando êxito na conciliação, foi concedido prazo para a apresentação das
alegações finais pelas partes, que foram apresentadas por ambas as partes, vindo os
presentes autos conclusos para análise de mérito.

Relatados, decido.

PRELIMINARMENTE.

Da ilegitimidade ativa.

Observa-se que a edilidade ré, em sua peça de bloqueio, levantou a prejudicial de


ilegitimidade ativa, por entender que a parte autora se trata de Órgão de Regime Especial,
vinculado à Secretaria de Estado da Cultura, e em razão de tal característica, não possuiria
personalidade jurídica, para figurar no polo ativo da presente lide, pugnando pela extinção
do feito sem resolução do mérito.

Da análise da Lei Estadual n° 9.040 de 30 de dezembro de 2009, que dispôs sobre a


criação e objetivos do Instituto do Patrimônio Histórico do Estado da Paraíba, percebe-se
que a parte autora, conforme foi exposto pela edilidade, tratar-se de órgão de regime
especial, vinculado a Secretaria de Educação e Cultura, sendo responsável pela
preservação, promoção, fiscalização e proteção dos bens culturais, artísticos, históricos e
ecológicos do Estado da Paraíba.

Destarte, não restou claro na referida legislação, a natureza jurídica do referido órgão, no
que pertine a legitimidade ativa ou passiva para figurar nos polos ativo e passivo de ações
judiciais que tramitam sob a égide do rito ordinário. No entanto, no caso dos autos, que se
trata de Ação Civil Pública, disciplinada pela Lei Federal n° 7.347 de 24 de julho de 1985,
o art. 5°, inciso V, alínea b, dispôs sobre as entidades que possuem legitimidade ativa para
propositura de ação principal e cautelar, incluindo-se neste rol, àquelas cuja finalidade

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institucional, seja a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao
consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais,
étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Assim sendo, considerando que o IPHAEP – PB se tratar de entidade responsável pela


preservação, promoção, fiscalização e proteção dos bens culturais, artísticos, históricos e
ecológicos do Estado da Paraíba, poderá ser enquadrada como uma das entidades que
possuem legitimidade ativa para propor Ação Civil Pública com a finalidade de preservar o
patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Deste modo, realizando-se uma interpretação sistemática das legislações acima


mencionadas, possibilitada pela hermenêutica jurídica clássica, reconheço a legitimidade
ativa do IPHAEP – PB para propositura da presente Ação Civil Pública e,
consequentemente, rejeito a preliminar de ilegitimidade ativa levantada pela edilidade ré
na peça contestatória.

Da litigância de má-fé.

Com relação a alegação da edilidade ré, quanto a possível litigância de má-fé por parte do
IPHAEP - PB, tenho que o pedido também não merece prosperar. É que reputa-se litigante
de má fé aquele que formula pretensão embasada em razões de fato e de direito que sabe
não guardar correspondência com a verdade, afirmando fato inexistente, negando fato
existente ou atribuindo versão mentirosa a fato verdadeiro.

Neste sentido:

"conclui-se que pode ser considerado litigante de má fé aquele que formula pretensão
embasada em razões de fato que sabe não guardarem correspondência com a verdade, para
obter decisão favorável. Ainda, constata-se que a condenação da parte nessa penalidade
pressupõe a existência de prejuízo sofrido pela parte adversa em virtude da atitude
maliciosa. E tal prejuízo, ressalte-se, não deve apenas existir, mas, também, ser

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comprovado, sob pena de restar impossibilitada a incidência da cominação legal sob
exame" (APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.05.692820-3/001, 14ª Câmara Cível, Rel. Des.
Renato Martins Jacob, 18/08/2006).

"Na litigância temerária, a má fé não se presume, mas exige prova satisfatória, não só de
sua existência, mas da caracterização do dano processual a que a condenação cominada na
lei visa a compensar.”(STJ, 1ª Turma, REsp. 76.234 - RS, Relator Min. Demócrito
Reinaldo).

Assim, para que haja a condenação ao pagamento de multa e indenização previstas no art.
81 do CPC, deve ser levada em conta a presunção juris tantumde boa fé, a qual apenas
pode ser elidida quando demonstrado ter a parte agido com dolo ao praticar alguma das
condutas descritas no art. 80 do CPC, comprovando, ainda, a existência do prejuízo sofrido
pela parte contrária em razão do ato malicioso, o que, a meu sentir, não ocorreu no
presente caso, não havendo elementos concretos que justifiquem o reconhecimento de
litigância de má-fé e uma possível aplicação depena.

MÉRITO.

Verifica-se que o INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DO


ESTADO DA PARAÍBA – IPHAEP – PB, no exercício das atribuições de defesa,
preservação, promoção, fiscalização e proteção dos bens culturais, artísticos, históricos,
pretende com a presente demanda, que o Município de CAMPINA GRANDE, pessoa
jurídica de direito público interno, proprietário do prédio público na qual funcionava o
antigo “Cine Capitólio”, cujo título de propriedade é decorrente de decreto de
desapropriação de utilidade pública e, consequentemente, responsável pela preservação e
restauração do aduzido prédio, apresente projeto de revitalização do referido imóvel que
abranja sua total preservação, atendendo as diretrizes da legislação patrimonial, sem
qualquer redução na sua volumetria.

Requer ainda, que o projeto aduzido seja encaminhado ao setor competente do IPHAEP –
PB para apreciação e, caso aprovado, que seja determinada a execução do projeto em

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prazo não superior a 12 meses, além da condenação da edilidade ao pagamento de
indenização por danos morais coletivos.

É notória a importância histórica, cultural e artística que o “Cine - Theatro Capitólio”


possui para o Município de Campina Grande, bem como para o Estado da Paraíba,
conforme foi bem esclarecido pelo IPHAN-PB na peça inaugural, tendo sido palco de
grandes eventos teatrais, festas sociais, políticas e culturais da sociedade campinense, bem
como a exibição de programação cinematográfica, entre as décadas de 30 e final da década
de 90.

Em razão de tais eventos memoráveis para a sociedade campinense, ocorreu o tombamento


do prédio pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba, através
do Decreto Estadual n° 20.905 de 11 de fevereiro de 2000, encontrando-se também
inserido na Área de Preservação Rigorosa – APR do Centro Histórico de Campina Grande,
delimitado pelo Decreto Estadual n° 25.139/04, cujo Grau de Preservação é enquadrado
como sendo de Conservação Parcial – CP, onde qualquer intervenção no referido prédio
deverá seguir as orientações normativas em vigor, regulamentadas pelo Decreto Estadual
n° 33.816/2013.

Verifica-se que o que ensejou o tombamento do aduzido imóvel, não foi a arquitetura do
prédio que não tem nenhuma relevância artística representativa da época, mas em
decorrência de seu valor cultural conferido ao “Cine - Theatro Capitólio”, ante o seu
significado para a memória coletiva da população campinense, ou seja, não foi tombado
por ter uma relevância ou influência estética para o acervo arquitetônico do Município de
Campina Grande.

Se faz importante mencionar que consta em diversos registros históricos e fotográficos,


que o projeto arquitetônico original possuía características da arquitetura art-déco, tendo sido
alvo de sucessivas reformas nas décadas de 50 e 60, no que diz respeito a implantação de ambientes como a
sala de espera, a saída e a entrada, além implantação do sistema de ar-condicionado, cujas intervenções
descaracterizaram por completo seus espaços internos e sua fachada originais1.

Inclusive existem registros documentais da fachada original do “Cine - Theatro Capitólio”,


na página 218 do trabalho acadêmico intitulado “Quem te vê não te conhece mais:

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Arquitetura e Cidade de Campina Grande em transformação (1930-1950)”, de autoria de
Marcus Vinícius Dantas de Queiroz, apresentado como dissertação de mestrado ao Programa de
Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São
Paulo (USP)2
.

Pois bem. Da análise dos documentos colacionados na presente demanda, em específico do


farto acervo fotográfico, que dá conta do estado atual em que se encontra o prédio do
“Cine - Theatro Capitólio”, verifica-se que o referido imóvel se encontra em ruínas,
existindo tão somente, paredes escoradas por madeira, ante o iminente risco de
desabamento, enquanto que o passeio público ao redor do prédio se encontra interditado,
prejudicando drasticamente o trânsito de pessoas e veículos nas proximidades, além de
ocasionar imenso perigo à integridade física das pessoas que ali trafegam ocasionalmente,
e aos imóveis que o avizinham.

Destarte, o prédio do “Cine - Theatro Capitólio” em nada se assemelha com àquele


suntuoso imóvel edificado no centro da cidade Campina Grande, que originalmente
possuía traços da arquitetura art-decó, inclusive não existe nos autos nenhum documento
que demonstre que no interior do imóvel exista qualquer estrutura, seja de natureza de
engenharia, arquitetura, ou artística que possa ser restaurado ao status quo da época da sua
inauguração, muito menos a importância disso para a sociedade paraibana, sendo
absolutamente impossível que a edilidade atenda as exigências dos conselheiros que
rejeitaram o projeto apresentado.

Assim sendo, é incontroverso que atualmente existe apenas um imóvel em ruínas, sem
nenhuma relevância arquitetônica, que ocasiona imenso risco à integridade física das
pessoas que trafegam pelo centro da cidade, e aos imóveis que o avizinham, inclusive
atualmente se mostra como uma estrutura física de aparência extremamente desagradável
no centro da cidade, cuja preservação do prédio objurgado, se assenta apenas na memória
afetiva da população campinense, e na contextualização histórica, artística e política em
que é inserida para a cidade de Campina Grande.

Portanto, a pretensão exordial de que a edilidade ré apresente um projeto de revitalização


que atenda a totalidade das desarrazoadas exigências técnicas impostas pelo IPHAEP –
PB, esbarra nos princípios constitucionais da legalidade, quando exige do ente público
municipal, a apresentação de projeto que observe minunciosamente regulamentações

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técnicas/burocráticas que extrapolaram o poder de regulamentação, pois não atendem ao
caso concreto e a realidade fática e orçamentária dos entes públicos responsáveis pela
preservação de patrimônio histórico-cultural.

Destarte, a exigência na aplicação de regulamentos estritamente técnicos em “anteprojeto”


anteriormente apresentado pela edilidade ré, pode-se dizer que são hierarquicamente
inferiores às normas que regem à Administração Pública, e, no caso dos autos, não
possuem aplicabilidade concreta, sendo algumas exigências totalmente descabidas diante
do estado de ruína que se encontra o prédio, e acabaram por ocasionar embaraço na
implementação de projeto arquitetônico, que atrelado ao viés cultural, tinha como objetivo
maior, beneficiar a população campinense como um todo, no que envolve a preservação da
memória coletiva e afetiva do antigo “Cine - Theatro Capitólio”, pois afrontaram à
discricionariedade da Administração Municipal, que deve observar o orçamento
disponível, bem como atender ao Princípio da Conveniência e da Oportunidade da
Administração Pública.

Como seja, os atos administrativos podem sofrer controle judicial, contudo o mesmo é
restrito à verificação da legalidade do ato, estando vedada a análise do mérito da gestão
administrativo, sob pena de violar-se o Princípio da Separação de Poderes. Destarte, o
controle judicial de políticas públicas possui caráter excepcional, cabendo ao Poder
Judiciário somente a verificação da legalidade e coibir abusos, não podendo adentrar no
mérito da gestão administrativa. Neste sentido traz-se à colação a jurisprudência correlata:

“ADMINISTRATIVO - MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO - OBRIGAÇÃO DE FAZER


- OBRA PÚBLICA - SANEAMENTO BÁSICO E ASFALTAMENTO - MÉRITO
ADMINISTRATIVO - PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL E DA SEPARAÇÃO
DOS PODERES - DANO MORAL - INEXISTÊNCIA. Ação de Responsabilidade Civil
cumulada com Obrigação de Fazer, objetivando os Autores que os Municípios Réus façam
obras para instalação do manilhamento da rede de esgotamento sanitário, bem como a
implementação da rede de escoamento de águas pluviais, além da pavimentação da rua em
que residem, devendo, ainda, serem indenizados pelos danos morais suportados. Rejeição
do Agravo Retido. Princípio da Separação de Poderes. Controle judicial de políticas
públicas que possui caráter excepcional, cabendo ao Poder Judiciário somente a
verificação da legalidade, não podendo adentrar no mérito do ato administrativo. Mérito
administrativo. Princípio da Conveniência e da Oportunidade. Princípio da Reserva do
Possível. Ente público que deve escolher de acordo com as limitações orçamentárias as
obras que devem ser priorizadas. Procedência do pedido que poderia acarretar

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desequilíbrio orçamentário, além de se posicionar em detrimento da coletividade em prol
de interesse individual. Dano moral inexistente. Sentencia de improcedência que deve ser
mantida. Recurso a que se nega provimento. (Apelação nº 0385970-09.2008.8.19.0001, 7ª
Câmara Cível do TJRJ, Rel. Caetano Ernesto da Fonseca Costa. j. 15.06.2016, Publ.
24.06.2016).”

Portanto, a pretensão exordial não merece respaldo, considerando que restou incontroverso
nos autos que a edilidade campinense apresentou, desde o ano de 2010, alguns anteprojetos
para revitalização do antigo “Cine - Theatro Capitólio”, que inclusive foram apresentados
para análise técnica do IPHAEP-PB, ora autor, no entanto, foram indeferidos sob o plasma
do tecnicismo exacerbado contido nos regulamentos vigentes a serem seguidos para a
preservação do patrimônio histórico-cultural, que não guardam nenhuma coerência com a
situação concreta do prédio em questão, sendo algumas regras constantes da decisão que
indeferiu o projeto apresentado absolutamente impossíveis de cumprimento, como, por
exemplo, a exigência de preservação das coberturas originais, quando se sabe que o prédio
não tem mais teto, restando apenas as paredes laterais prestes a ruir e causar um desastre
sem precedentes nesta cidade.

Destarte, tal celeuma criada pelo IPHAEP-PB, que questiona minúcias técnicas no
anteprojeto apresentado pela edilidade ré, tal como o material e telhas a serem utilizadas na
obra, apresentam-se como melindres injustificáveis que acabaram por atrasar ainda mais a
implementação de interessante projeto arquitetônico-cultural, que beneficiará a urbe
campinense como um todo, tanto sob um aspecto pragmático e de utilidade de espaços
públicos, quanto de aformoseamento físico do centro do Município de Campina Grande.

Permissa venia, a parte autora deveria, no caso concreto, se desapegar das regras
estritamente técnicas, que criaram o inútil binômio “preservação x programa pretendido”,
que acabou por contribuir para maior tempo na deterioração do prédio público, e enveredar
pela seara de implementação de políticas públicas concretas para o financiamento da
revitalização de imóveis na mesma situação, ou auxílio financeiro preventivo para que
outros proprietários de prédios tombados, possam preservar a integralidade da estrutura
arquitetônica do “patrimônio histórico-cultural” do Estado da Paraíba.

Além do mais, saliento que não vislumbro qualquer ilegalidade perpetrada pelo Município
de Campina Grande e, em razão disso, não há como se reconhecer a ocorrência de

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qualquer dano moral coletivo a ser reparado, impondo-se, destarte, a improcedência total
da ação.

E, sem embargos da conotação política que alguns veem no agir do instituto autor, como
levantado nas alegações finais, no presente caso concreto, em observância das regras
constitucionais que tratam sobre estrutura organizacional e competência do Poder
Judiciário, não vislumbro nenhuma prática de crime como apontado na exordial,
supostamente praticado por algum agente público em nome do Município de Campina
Grande, havendo, na verdade, um grande risco de desabamento do prédio, devido o estado
de ruína de seu interior, o que pode vir a causar uma tragédia de enormes proporções nesta
cidade, principalmente se alguma parede cair durante o dia, com o trânsito de veículos e
pessoas ao redor, o que seria também de responsabilidade do autor que tem obstado a
implantação do projeto de construção do novo cine capitólio, o qual atende as exigências
legais diante da situação concreta e não poderia ser simplesmente indeferido com os
argumentos que embasaram a rejeição, não existindo justificativa para acolhimento da
pretensão exordial, pelo contrário, seria arriscar ou esperar acontecer uma tragédia e
depois se procurar os culpados.

Ante o exposto, do mais que dos autos consta e princípios de direito concebíveis na
espécie, nos termos do art. 487, I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTE A AÇÃO
proposta pelo INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DO
ESTADO DA PARAÍBA, em face do MUNICÍPIO DE CAMPINA GRANDE, que
pode implantar o projeto apresentado independente dos entraves advindos o
IPHAEP.

Sem custas.

P. R. I.

Campina Grande, 23 de maio de 2019.

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Juiz Ruy Jander Teixeira da Rocha.

1<http://www.paraibacriativa.com.br/artista/cine-capitolio/> Acesso no dia 21 de maio de


2019.

2
</Users/05252424497/Downloads/QUEIROZ_MVD_ArquiteturaCidadeCampinaGrande1930_1950_Mestrad
Acesso no dia 21 de maio de 2019.

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