Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Zizek Slavoj O Grande Outro Nao Existe PDF
Zizek Slavoj O Grande Outro Nao Existe PDF
TRADUÇÃO DO INGLÊS:
SILVIA PIMENTA VELLOSO ROCHA
E-mail: silviapimenta@superig.com.br.
REVISÃO TÉCNICA:
NORMAN MADARASZ
E-mail: Norman@ugf.br.
RESUMO
O artigo explora dois sentidos diferentes da formulação “o grande outro não
existe”: o primeiro, formulado por Lacan, atesta a inexistência real do grande
Outro e seu caráter estritamente simbólico; o segundo, característico da
postura cínica, resulta do descrédito diante da ordem simbólica e aponta
para o ressurgimento da figura do grande Outro no Real. A crença no grande
Outro que existe no Real é a mais sucinta definição de paranóia: o sujeito
contemporâneo, ao mesmo tempo em que demonstra um descrédito cínico
diante de toda ideologia pública, entrega-se a fantasias paranóicas sobre
conspirações, ameaças e formas excessivas de gozo do Outro. A descrença
no grande Outro (a ordem das ficções simbólicas), a recusa do sujeito de
“levar a sério”, repousa sobre a crença de um “Outro do Outro,” um agente
invisível, secreto, onipotente, que efetivamente “puxa os cordões” por trás
do poder público visível.
PALAVRAS-CHAVE: grande Outro; Real; paranóia; Deus; Lacan; Freud.
ABSTRACT
The aim of this article is to explore two different senses of the statement:
“The big Other doesn’t exist”. The first sense, formulated by Lacan, shows
the real inexistence of the big Other and its strictly symbolic character. The
second sense, characteristic of a cynical stance, is the outcome of discrediting
1
Artigo publicado no European Journal of Psychoanalysis, 5, Spring-Fall 1997,
páginação html: << http://www.psychomedia.it/jep/number5/zizek.htm >>.
Tradução e publicação autorizadas pelo autor em 10 de setembro de 2009.
2
Slavoj Zizek é pesquisador titular no Instituto de Sociologia, na Universidade de
Ljubljana, Slovenia e professor convidado em Filosofia e Psicanálise em várias
Universidades Internacionais.
113
ETHICA | RIO DE JANEIRO, V.16, N.2, P.113-131, 2009
the symbolic order. It points to the resurgence of the figure of the big Other
in the Real. Now, belief in a big Other that exists, as it were, in the Real, is
one of the most succinct definitions of paranoia. The contemporary subject
surrenders to paranoid fantasies about conspiracies, threats and excessive
forms of the Other’s jouissance precisely when it cynically discredits all
public ideologies. Disbelief in the big Other (the order of symbolic fictions),
that is, the subject’s refusal to “take things seriously”, rests on the belief of
an “Other of the Other”: an invisible, secret and omnipotent agent “pulling
the strings” behind the visible side of public power.
KEYWORDS: Big Other; Real; paranoia; God; Lacan; Freud.
-1-
3
S. Freud (1913) Totem e Tabu. In: Obras psicológicas completas: Edição Standard
Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. XIII, pp. 11-191.
114
RIO DE JANEIRO, V.16, N.2, P.113-131, 2009 | ETHICA
115
ETHICA | RIO DE JANEIRO, V.16, N.2, P.113-131, 2009
4
S. Freud, Moisés e o monoteísmo. In: Edição Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976. v. XXIII.
5
Para uma descrição concisa desses deslocamentos, veja Michel Lapeyre, Au-delà
du complexe d’Oedipe (Paris: Anthropos-Economica 1997).
6
Em frase no otiginal. A frase remete ao título do Capítulo IX do Seminário XVII de
Jacques Lacan, O avesso da psicanálise (Paris: Editions du Seuil 1991).
116
RIO DE JANEIRO, V.16, N.2, P.113-131, 2009 | ETHICA
recuso a saber, não quero ouvir nada sobre seus sujos e secretos modos
de gozo”; é um Deus que exclui o universo da sabedoria tradicional
sexualizada, um universo em que ainda havia a aparência de uma
harmonia fundamental entre o grande Outro (a ordem simbólica) e o
gozo, e a noção de um macrocosmo regulado por uma tensão sexual
subjacente entre os “princípios” masculino e feminino (yin e yang,
Luz e Escuridão, Terra e Céu...). Este é o Deus proto-existencialista
cuja existência, para aplicar de modo anacrônico a definição sartreana
do homem, não apenas coincide com sua essência (como ocorre com
o Deus medieval de S. Tomás de Aquino), mas a precede. Deste modo,
ele fala por tautologias não apenas no que diz respeito à sua própria
quididade (“Eu sou aquele que é”), mas também e sobretudo no que
concerne ao logos, às razões para o que faz, ou, mais precisamente,
para suas injunções (aquilo que Ele nos pede ou proíbe fazer); suas
ordens inexoráveis estão em última instância fundadas em “É assim
PORQUE EU DIGO QUE É ASSIM!”. Em resumo, este é o Deus da
pura Vontade, do abismo arbitrário que se situa para além de toda
ordem racional e global do logos, um Deus que não precisa prestar
contas de nada do que faz.7
Esse é o Deus que fala a seus seguidores/filhos, a seu “povo”.
A intervenção da voz é crucial aqui. Como afirma Lacan em seu
Seminário sobre a Angústia (de 1962-63) 8, a voz (o efetivo “ato de
discurso”) realiza a passage à l’acte da rede significante, sua “eficácia
7
Na história da filosofia, essa falha no edifício racional global do macrocosmo - em
que a Vontade Divina aparece - foi inicialmente inaugurada por Duns Scotus; mas
devemos a F.W.J. Schelling as descrições mais penetrantes desse assustador abismo
da Vontade. Schelling opunha a Vontade ao “princípio de razão suficiente”: o puro
querer é sempre auto-idêntico e repousa apenas sobre seu próprio ato – “quero
porque quero!”. Em suas descrições de assustadora beleza poética, Schelling enfatiza
de que modo as pessoas comuns ficam horrorizadas quando encontram alguém
cujo comportamento demonstra tal Vontade incondicional: há nisso algo de
fascinante, de realmente hipnótico, e fica-se como que enfeitiçado por essa visão...
A ênfase de Schelling no abismo da pura Vontade, é claro, visa o suposto
“panlogismo” de Hegel: Schelling quer provar que o sistema lógico universal
hegeliano é em si mesmo stricto sensu impotente: trata-se de um sistema de puras
potencialidades, e como tal necessita do suplemento de um ato “irracional” de pura
Vontade para se atualizar.
8
O texto em questão é o Seminário X, L’angoisse (promovido na verdade em 1962-
1963), e foi publicado em 2004 pelas Editions du Seuil, Paris. No Brasil, foi
publicado em 2005 pela Zahar, com o título Seminário X: A Angústia. (N.T.)
117
ETHICA | RIO DE JANEIRO, V.16, N.2, P.113-131, 2009
9
Para uma abordagem mais detalhada dessa distinção, cf. capítulo 2 de Slavoj Zizek,
The Indivisible Remainder (London: Verso, 1996).
118
RIO DE JANEIRO, V.16, N.2, P.113-131, 2009 | ETHICA
-2-
10
Um indício de que nem mesmo a Igreja resiste a essa mudança de atitude
fundamental são as recentes pressões de base sobre o Papa [João Paulo II] para
elevar Maria ao status de co-redentora: espera-se que o Papa torne a Igreja Católica
viável para o terceiro milênio pós-paterno proclamando um dogma segundo o qual
o único modo para nós, pecadores mortais, recebermos a graça divina é suplicando
pela mediação de Maria: se nós a convencermos, ela falará a nosso favor com
Cristo, seu filho.
119
ETHICA | RIO DE JANEIRO, V.16, N.2, P.113-131, 2009
120
RIO DE JANEIRO, V.16, N.2, P.113-131, 2009 | ETHICA
121
ETHICA | RIO DE JANEIRO, V.16, N.2, P.113-131, 2009
122
RIO DE JANEIRO, V.16, N.2, P.113-131, 2009 | ETHICA
11
No original: Illumination against Enlightenment. (N.T.)
123
ETHICA | RIO DE JANEIRO, V.16, N.2, P.113-131, 2009
-3-
12
Tradução portuguesa de The Holy Blood and the Holy Grail - De autoria de Michael
Baigent , Richard Leigh e Henry Lincoln, Secker and Warburg, 2005 (Editora
Livros do Brasil. Lisboa, 2003.) (NT)
13
Richard Andrews / Paul Schellenberger
14
Richard Andrews and Paul Schellenberger, The Tomb of Deus (London: Warner
Books 1997), p. 433.
15
Op.cit., p. 428.
124
RIO DE JANEIRO, V.16, N.2, P.113-131, 2009 | ETHICA
125
ETHICA | RIO DE JANEIRO, V.16, N.2, P.113-131, 2009
126
RIO DE JANEIRO, V.16, N.2, P.113-131, 2009 | ETHICA
127
ETHICA | RIO DE JANEIRO, V.16, N.2, P.113-131, 2009
16
Gilles Deleuze, Sacher-Masoch: O Frio e o cruel. Tradução de Jorge Bastos, Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009. (N.T.)
128
RIO DE JANEIRO, V.16, N.2, P.113-131, 2009 | ETHICA
129
ETHICA | RIO DE JANEIRO, V.16, N.2, P.113-131, 2009
130
RIO DE JANEIRO, V.16, N.2, P.113-131, 2009 | ETHICA
131