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KANT: O QUE IMPORTA É O MOTIVO

Ao contrário do Libertarianismo que defende a ideia de que somos donos de nós


mesmos, proprietários de nosso corpo, Immanuel Kant defende uma proposta alternativa e
também alternativa a ideia de que nossos direitos vêm de Deus. Kant parte da ideia de que
somos seres racionais, e que merecemos dignidade e respeito.
Kant era um crítico ferrenho do utilitarismo e até mesmo escreveu um livro chamado
“Fundamentação”, lançado 5 anos depois que Bentham (criador do utilitarismo) publicou sua
obra defendendo o princípio da máxima felicidade. A principal crítica de Kant ao utilitarismo
surge do argumento que a moral não diz respeito ao aumento da felicidade, ou da utilidade das
coisas (utilidade no sentido de “proporciona prazer, e não dor”), a moral é fundamentada no
respeito às pessoas como fins em si mesmas.
Kant repudia o utilitarismo tanto quanto repudia a teoria de Justiça de Aristóteles, que
valorizava as virtudes (“Justiça é dar a cada um o que lhe é devido”). De acordo com Kant,
estas visões não respeitam a liberdade humana.

O PROBLEMA COM O UTILITARISMO DE ACORDO COM KANT


Para Kant, é um terrível equívoco basear direitos em um “cálculo” ou uma “pesagem”
sobre o que é BOM ou RUIM para a maior quantidade de pessoas, pois isto torna os direitos
coisas vulneráveis, relativas, sendo o bom e o mau coisas relativas. Kant lutou contra o
relativismo durante toda sua vida; um racionalista dissertando sobre filosofia moral, e portanto,
para Kant, o certo é SEMPRE certo, e o errado SEMPRE errado.
Só porque uma coisa proporciona prazer a muitas pessoas, não significa que possa ser
considerada correta. Temos que ter em mente que de acordo com Kant, o CORRETO tem
primazia sobre o BOM. O simples fato de uma maioria, por maior que seja, concordar com
algo, com uma lei, com uma regra, com uma atitude, de forma alguma significa que seja algo
necessariamente justo.
Kant afirma que a moralidade não deve ser baseada em coisas empíricas, no mundo sensível,
como vontades, desejos, interesses, preferências etc, pois estes fatores são variáveis e subjetivos
e dificilmente poderão servir como base para princípios morais universais.
No entanto, o principal argumento de Kant contra aqueles que dizem que a moralidade
deve ser baseada em um desejo (mesmo que seja o desejo, por exemplo, de que haja paz, ou
felicidade geral) é que estes entenderam ERRADO o que é a moralidade. Fazer uma pessoa
feliz, ou várias pessoas felizes, não quer dizer que os tornou BONS, VIRTUOSOS ou JUSTOS.
Porém, se nossas vontades e desejos não são fatores válidos para definirmos uma
moralidade, o que seria?

COMO ATINGIR O PRINCÍPIO SUPREMO DA MORALIDADE?


A posição de Kant a respeito disso indica que podemos atingir tal princípio através da
racionalidade.
Kant diz que somos merecedores de respeito e dignidade, não porque somos donos de
nós mesmos, ou porque “merecemos ser felizes”, ou por merecermos prazer e pouca dor (“vida
boa”), mas por sermos seres racionais, capazes de pensar, de possuir consciência, além de
sermos os únicos seres AUTÔNOMOS, capazes de agir e escolher livremente.
Respondemos aos nossos sentidos, aos nossos sentimentos, sentimos prazer e dor, mas
possuímos capacidade de raciocínio e podemos ser livres.
Bentham e seu utilitarismo estavam certos apenas em parte: gostamos do prazer e não gostamos
da dor, no entanto estas sensações não são nossos guias supremos. Quando a razão comanda
nossa vontade e nossas ações, agimos sem somente buscar prazer e evitar dor.

LIBERDADE EM KANT
O conceito de liberdade para Kant é diferente do que geralmente ouvimos e entendemos
por aí. A definição de Kant é mais rigorosa que a maioria das definições que conhecemos acerca
do assunto: Quando buscamos prazer e tentamos evitar a dor, não estamos sendo livres, não
estamos agindo livremente, pois apenas estamos sendo escravos de nossos apetites e desejos.
Nessa situação, estamos sempre obedecendo a incessante busca de satisfação dos nossos
desejos, tudo o que fazemos é voltado para uma finalidade além de nós. Fazemos sexo para
saciar o desejo sexual, nos alimentamos para saciar a fome, bebemos para saciar a sede...
Mesmo quando estou para escolher entre uma roupa azul ou preta, não estamos agindo
livremente, de acordo com Kant, pelo fato de somente estarmos tentando escolher a opção que
mais irá nos satisfazer, com base nas nossas preferências. Kant não considera errado agir para
satisfazer desejos/preferências, mas alerta que quando fazemos isto, não estamos agindo de
forma livre de verdade, pois estamos dependendo de uma determinação exterior.
Para agir de forma verdadeiramente livre, Kant diz que precisamos agir com AUTONOMIA, e
agir com autonomia é agir de acordo com a lei que imponho a mim mesmo – e não de acordo
com o que a natureza “diz” ou as convenções sociais determinam.
O oposto da AUTONOMIA, é a HETERONOMIA, que é quando agimos justamente
pelo desejo, pela preferência, pela vontade, pela natureza, pelas convenções sociais,
determinações exteriores.
Com isso, podemos esclarecer um pouco mais a concepção Kantiana da moral, ao relacionar
liberdade e autonomia. Agir de forma livre não é escolher as melhores maneiras de atingir
determinado fim, mas escolher o fim em si.

COMO SABER O QUE É MORAL, E O QUE NÃO É?


Fazer uma coisa por causa de outra, por causa de outra, por causa de outra, por causa de
outra, e assim por diante... Isto, para Kant, é agir de forma heteronômica, estamos agindo em
função das finalidades externas, consequências, de forma que nos tornamos instrumentos dos
objetivos que tentamos alcançar, e não autores.
A autonomia é exatamente o contrário disso. Agir com autonomia é agir de acordo com
uma lei que impomos a nós mesmos, estamos fazendo algo por fazer algo, como uma finalidade
em si mesma, ao mesmo tempo que deixamos de agir em função de desígnios externos. Essa
capacidade de agir com autonomia é o que dá aos humanos sua dignidade especial e estabelece
a diferença entre pessoas e coisas.
O respeito à dignidade, segundo Kant, exige que tratemos as pessoas como fins em si
mesmas, e não como meios ou instrumentos. Desta forma, fica ainda mais clara a crítica de
Kant para com o utilitarismo: é objetivamente ERRADO usar algumas pessoas em prol do bem-
estar geral, pois quando isto é feito, estamos utilizando as pessoas como meios, instrumentos,
ferramentas para um fim diferente delas mesmas.
Assim, Kant começa a expor a resposta para a pergunta deste tópico, um rigoroso
conceito de liberdade e um rigoroso conceito de moralidade.
O valor moral de uma ação não consiste nas consequências que ela trará, da mesma
forma que não consiste no fato de trazer benefícios ou não para as pessoas, seja apenas uma, ou
milhões. O que realmente dá valor moral a uma ação é o MOTIVO, é a INTENÇÃO. O que
importa é fazer a coisa certa POR SER A COISA CERTA, e não por algum motivo exterior a
ela.
Segundo Kant, “uma boa ação não é boa devido ao que dela resulta ou por aquilo que
ela realiza”, ela é boa por si mesma, prevalecendo ou não, sendo bem-sucedida ou não,
“funcionando” ou não. Para uma ação ser moralmente boa, ela não tem de ser feita AJUSTADA
à lei moral, mas EM PROL da lei moral. O que confere o valor moral a uma ação é o dever, o
que para Kant é fazer a coisa certa pelo motivo certo, e o motivo certo é o dever per si. Quando
avaliamos o valor moral de uma ação, devemos avaliar pela sua intenção, pelo motivo que é
praticada, e não pelas consequências. No momento que agimos por qualquer outro motivo que
não seja o dever por si mesmo, um fim em si mesmo, nossa ação não possui valor moral algum.
Kant chama as ações praticadas por determinações externas como “motivos de
inclinação”, que bate de frente com a “motivação pelo dever”. Somente as ações motivadas pelo
dever têm valor moral. Um lojista que desiste de lograr um cliente inexperiente por conta do
medo de manchar sua reputação, pratica a atitude correta, mas pelo motivo errado, por exemplo,
e, portanto, não possui valor moral.

QUAL É O PRINCÍPIO MORAL SUPREMO?


A resposta para esta pergunta, de acordo com Kant, é revelada quando relacionamos três
conceitos: liberdade, moralidade e razão.
Geralmente relacionamos o conceito de liberdade com a capacidade de fazermos aquilo
que quisermos, realizar nossos desejos, sem impedimentos. No entanto, não seria então tudo
que nós fazemos motivado por algum desejo ou inclinação determinado por influências
externas?
Kant percebe que tudo na natureza funciona de acordo com leis, inclusive nós mesmos
e nossas ações, pois somos seres naturais, e então obedecemos algumas determinações externas,
como as leis da física. No entanto, se somos capazes de sermos realmente livres, autônomos,
então podemos agir de acordo com outro tipo de lei, leis que não sejam as da natureza, da física.
Se nossas ações fossem governadas somente de acordo com as leis da física, seríamos apenas
objetos, coisas, e não humanos conscientes. Desta forma, se podemos ser livres, então podemos
também agir de acordo com uma lei que determinamos a nós mesmos, esta lei, segundo Kant,
vem da razão.
Somos capazes de pensar, e não apenas de sentir dor ou prazer. Não possuímos apenas
os 5 sentidos, mas também possuímos a racionalidade. Se a razão determina minha vontade,
então a vontade torna-se o poder de escolher independente dos ditames da natureza ou da
inclinação (nem sempre agimos com a razão, e Kant admitia isso, porém, defendia que na
medida que somos capazes de agirmos livremente, a razão pode governar minha vontade).
O conceito que Kant atribuía para a razão prática (a que tem a ver com a moralidade) é
de “uma razão prática pura, que cria suas leis a priori, à parte de qualquer objetivo empírico”.
IMPERATIVO HIPOTÉTICO VS IMPERATIVO CATEGÓRICO
Para a razão fazer tudo isso, existem, segundo Kant, duas maneiras que é possível
comandar a vontade, dois tipos diferentes de imperativo.
O imperativo hipotético é o mais comum em nossas ações. O imperativo hipotético é
aquele muitas vezes apresentado como um condicional, que usam a razão como um
instrumento, e não como um fim: se X, então Y.
O imperativo categórico é incondicional, não depende de X ou Y, mas sim de si mesmo
como um fim. É o “dever pelo dever” que Kant tanto defendia. Ação boa por si, de acordo com
a razão e autonomia, independente de consequência.
O Imperativo categórico, de acordo com Kant, “não está relacionado com o objetivo da
ação e seus supostos resultados, e sim com sua forma e com o princípio do qual ele partiu”, é
incondicional, como já citado antes, e não depende de nenhum outro propósito a não ser o dever
pelo dever.
Este é o imperativo da moralidade, é o princípio supremo da moralidade. Para ser livre,
agir de acordo com a razão, de forma autônoma e moral, não devo agir a partir de um imperativo
hipotético, mas sim de um categórico, sendo este último regido por duas premissas:
Universalize sua máxima (aja de forma que possa ser universalizada sem entrar em contradição)
e trate as pessoas como fins em si mesmas.

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