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ATIVIDADES

1 – Leia o texto atenciosamente. Durante a leitura, grife no texto as principais ideias e informações
apresentadas pelo autor:

A crítica das nossas crenças*


Jerome Stolnitz

Se tivesse de escolher uma só palavra para descrever a função e "espírito" da filosofia, seria crítica. Mas o
significado desta palavra não deve ser mal entendido. Esta palavra tem geralmente um significado mais
limitado do que o que tenho em mente. Quando dizemos que "somos críticos em relação àquela pessoa",
queremos geralmente dizer que vemos seus defeitos. A filosofia não é "crítica" neste sentido. Não se trata
da procura mal humorada de defeitos; não é "colocar pra baixo", como as pessoas com mau temperamento
que todos conhecemos.
A filosofia é "crítica" num sentido mais amplo. Neste sentido, a filosofia examina algo para determinar os
seus pontos fortes e fracos. Neste sentido, a investigação crítica ocupa-se tanto das virtudes como dos
defeitos do que estuda. Ora, o que estuda a filosofia criticamente? Não é tão fácil responder a esta questão
como se poderia pensar. Pode dizer-se, contudo, que a filosofia critica algumas das crenças mais
importantes e comuns dos seres humanos. Um exemplo seria a crença de que há certos atos, como cumprir
promessas ou agir como um patriota, que temos o dever de executar, e outros, como mentir ou colar nos
exames, que são errados. Outro exemplo ainda é a crença em certos fins ou "valores" da existência humana
que devemos procurar atingir, por exemplo, ter tanto prazer quanto possível ou, no lado oposto, praticar o
amor cristão desprendido.
Descrevi as crenças que a filosofia critica dizendo que são "importantes e comuns". Será óbvio, a partir dos
exemplos, que tais crenças são realmente comuns. Virtualmente todos os seres humanos adultos, seja
qualquer for a cultura ou período histórico em que viveram, tiveram uma crença de um tipo ou outro sobre
cada uma destas questões. Se o estudante pensar durante uns momentos, descobrirá que isto é verdade
também em relação a si mesmo, por mais que as suas crenças sejam vagas ou inseguras.
Mas não podemos compreender a importância das crenças estudadas pela filosofia até considerarmos o
significado das crenças em geral. As crenças são muito importantes. Pois controlam e dirigem o curso das
nossas vidas. Estamos sempre a agir à luz das nossas crenças. O que acreditamos ser verdadeiro sobre o
mundo e sobre nós mesmos é central para a nossa decisão de agir de uma maneira e não de outra, para a
busca de um dado objetivo e não de outro. As suas crenças sobre si mesmo determinam a sua escolha de
uma determinada área de estudos; as suas crenças sobre os outros determinam a sua escolha da pessoa que
convida para sair.
Assim, muitas coisas dependem da solidez das nossas crenças. Uma ação geralmente não será
compensadora nem terá sucesso a não ser que se baseie em crenças sólidas. A ação que não se baseie na
lucidez da crença verdadeira está condenada a ser incerta e fútil. É o produto da superstição, do "palpite" ou
da inércia.
As crenças estudadas pela filosofia são as que comandam nosso comportamento em áreas centrais da
experiência humana. No caso da ética, a filosofia não se ocupa tanto de decisões específicas — deverei
dizer uma mentira para ganhar mais nesta venda? — mas dos princípios do certo e do errado nos quais a
decisão se baseia. Um homem cujos princípios morais não são sólidos irá agir de maneira mesquinha e
reprovável. A situação é semelhante na área de experiência da criação e apreciação artísticas. O prazer que
temos com a arte — se o temos — depende das nossas crenças sobre a sua natureza e valor. Também neste
caso, como veremos pormenorizadamente, as crenças falsas conduzem ao comportamento infrutífero. [...]
O que significa, especificamente, dizer que a filosofia faz a "crítica" das nossas crenças? Para começar,
admitamos que a maior parte das nossas crenças sobre questões importantes são claramente acríticas. Faça
uma vez mais uma pausa para avaliar as suas crenças sobre estas questões, perguntando-se por que razão
veio a ter as crenças que tem. Na maior parte dos casos irá descobrir que não "veio a ter" essas crenças como
resultado de uma reflexão prolongada e séria sobre elas. Pelo contrário, aceitou-as com base em alguma
autoridade, isto é, um indivíduo qualquer, ou instituição, que lhe transmitiu essas crenças. A autoridade pode
ser os seus pais, professores, igreja ou amigos. Muitas das nossas crenças são invadidas pelo que chamamos
vagamente "sociedade" ou "opinião pública". Estas autoridades, em geral, não lhe impõem as suas
convicções. Ao invés, o leitor absorveu essas crenças a partir do "ambiente de opinião" no qual se
desenvolveu. Assim, a maior parte das suas crenças sobre questões variadas são artigos de "segunda mão".
Mas isto não significa que essas crenças sejam necessariamente falsas ou que não sejam sólidas. Podem
perfeitamente ser sólidas. Os artigos de "segunda mão" às vezes são muito bons. O que está em questão,
contudo, é isto: uma crença não é verdadeira simplesmente porque uma autoridade qualquer diz que é.
Suponha que, perante uma certa crença, eu lhe perguntasse: "Como sabe que isso é verdade?" Certamente
não seria satisfatório responder "Porque os meus pais (professores, amigos, etc.) me disseram". Isto, em si,
não garante a verdade da crença, porque essas autoridades se enganaram muitas vezes. Verificou-se que
muitas das crenças sobre medicina dos nossos antepassados, que eles transmitiram às gerações posteriores,
eram falsas. E desde que se fundaram as primeiras escolas que os estudantes — graças aos céus —
encontraram erros no que os seus professores diziam e tentaram encontrar por si crenças mais sólidas. Por
outras palavras, a verdade de uma crença tem de depender dos seus próprios méritos. Se os seus pais lhe
ensinaram que faz mal abusar de chocolate, então a afirmação deles é verdadeira não porque eles o
disseram, mas porque certos fatos (muito desagradáveis) mostram que é verdadeira. Se o leitor aceitar uma
"lei" científica que leu num manual, essa lei deve ser aceite não porque está escrita num manual, mas
porque se baseia em provas experimentais e no raciocínio matemático. Estamos justificados em aceitar uma
crença apenas quando ela é sustentada por provas e lógica sólida.
Mas, como insisti, a maior parte de nós nunca testa as nossas crenças desse modo. É aqui que entra a
atividade "crítica" da filosofia. A filosofia recusa-se a aceitar qualquer crença que a prova e o raciocínio
não mostre que é verdadeira. Uma crença que não possa ser estabelecida por este meio não é digna da nossa
confiança e adesão e é habitualmente um guia incerto da ação. A filosofia dedica-se, portanto, ao exame
detalhado das crenças que aceitamos acriticamente de várias autoridades. Temos de nos libertar dos
preconceitos e emoções que muitas vezes obscurecem as nossas crenças. A filosofia não permitirá que
crença alguma passe no exame só porque tem sido mantida pela tradição ou porque as pessoas acham que é
emocionalmente compensador aceitar essa crença. A filosofia não aceitará uma crença só porque se pensa
que "todo mundo concorda" ou porque foi dita por homens sábios.
A filosofia tenta nada tomar como "garantido". Dedica-se à investigação persistente e de mente aberta, para
descobrir se as nossas crenças são justificadas, e até que ponto o são. Deste modo, a filosofia impede-nos de
nos afundarmos na preguiça mental e no dogmatismo em que todos os seres humanos têm tendência para
cair.

Fonte: STOLNITZ, Jerome. Aesthetics and philosophy of art criticism, 1960. Citado em ALMEIDA, Aires et al. A arte de pensar. Lisboa:
Didáctica Editora, 2007. p.27-28.

*Para contextualizar: Em filosofia, usa-se o termo crença (e às vezes opinião) de forma abrangente. Inclui
nãoapenas as crenças religiosas, mas tudo o que pensamos que é verdade, seja ou não verdade. Por exemplo,
todostemos a crença de que 2 é um número par, que a grama é verde ou que não há vida na Lua.
*
2 – Responda às seguintes questões:

a) Destaque no texto as palavras que você não conhece. Busque pelo significado em um dicionário.

b) Verificando a fonte: quem é o autor do texto? De onde ele foi retirado? Qual a data da publicação original? Qual o local e data
da publicação utilizada na atividade?

c) O que é uma crença acrítica?

d) Explique qual é, segundo o autor, a origem da maior parte das nossas crenças.

e) “Uma crença não é verdadeira simplesmente porque uma autoridade qualquer diz que o é”, afirma o autor. O que quer dizer
isso?

f) “A filosofia impede-nos de nos afundarmos na preguiça mental e no dogmatismo em que todos os seres humanos têm tendência
para cair”, afirma o autor. Como ele justifica essa afirmação?

g) “É preferível viver de acordo com as crenças que nos foram transmitidas por outros, em vez de avaliá-las criticamente”.
Concorda? Por quê?

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