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CONSERVATÓRIO BRASILEIRO DE MÚSICA

CENTRO UNIVERSITÁRIO CBM-CeU


LICENCIATURA EM MÚSICA

ELIÉZER RODRIGUES DA SILVA

LUCAS DE ALMEIDA SILVA

OS CONSUMIDORES DA SOCIEDADE LÍQUIDO-MODERNA,


SEGUNDO ZYGMUNT BAUMAN

Rio de Janeiro
2019
ELIÉZER RODRIGUES DA SILVA

LUCAS DE ALMEIDA SILVA

OS CONSUMIDORES DA SOCIEDADE LÍQUIDO-MODERNA,


SEGUNDO ZYGMUNT BAUMAN

Trabalho apresentado ao CENTRO UNIVERSITÁRIO UNICBE,


como avaliação obrigatória da disciplina de Relações Sociais.

Orientador: Prof. Henrique

Rio de Janeiro
2019
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RESUMO

Os consumidores as sociedade líquido-moderna

“A sociedade de consumo tem por base a premissa de satisfazer os desejos


humanos de uma forma que nenhuma sociedade do passado pode realizar ou
sonhar. A promessa de satisfação, no entanto só permanecerá sedutora enquanto o
desejo continuar irrealizado” [p.106].

“A não-satisfação dos desejos e a crença firme e eterna de que cada ato


visando a satisfazê-los deixa muito a desejar e pode ser aperfeiçoado” [p.106].

“A sociedade de consumo consegue tornar permanente a insatisfação. Uma


forma de causar esse efeito é depreciar e desvalorizar os produtos de consumo logo
depois de terem sido alçados ao universo dos desejos do consumidor. Uma outra
forma, (...) o método de satisfazer toda necessidade/desejo/vontade de uma forma
que não pode deixar de provocar novas necessidades/desejos/vontades. O que
começa como necessidade deve terminar como compulsão ou vício” [p.106 – 107].

“Para que a busca de realização possa continuar e novas promessas


possam mostrar-se atraentes e cativantes, as promessas já feitas precisam ser
quebradas, e as esperanças de realizá-las, frustradas” [p.108].

“Toda promessa deve ser enganosa, ou pelo menos exagerada, para que a
busca continue. Sem a repetida frustração dos desejos, a demanda pelo consumo
se esvaziaria rapidamente, e a economia voltada para o consumidor perderia o gás”
[p.108].

“Por essa razão, o consumismo é uma economia do logro, do excesso e do


lixo; logro, excesso e lixo não sinalizam seu mau funcionamento, mas constituem
uma garantia de saúde e o único regime sob o qual uma sociedade de consumidores
pode assegurar sua sobrevivência” [p.108].

“Para que as expectativas se mantenham vivas e novas esperanças


preencham o vazio deixado por aquelas já desacreditadas e descartadas, o caminho
da loja à lata de lixo deve ser curto, e a passagem, rápida” [p.108].

Vida de consumo

“(...) É necessário focalizar a verdadeira novidade, que é a natureza


basicamente social, e apenas secundariamente psicológica ou comportamental: o
consumo individual conduzido no ambiente de uma sociedade de consumidores”
[p.109].
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“Uma ‘sociedade de consumidores’ não é apenas a soma total dos


consumidores, mas uma totalidade, como diria Durkheim, ‘maior do que a soma das
partes’. É uma sociedade que (...) ‘interpela’ seus membros basicamente, ou talvez
até exclusivamente, como consumidores; e uma sociedade que julga e avalia seus
membros principalmente por suas capacidades e sua conduta relacionadas ao
consumo” [p.109].

“A síndrome consumista consiste antes de tudo na negação enfática da


virtude da procrastinação, e da adequação e conveniência de retardar a satisfação –
os dois pilares axiológicos da sociedade de produtores governada pela síndrome
produtivista” [p.110].

“Na hierarquia herdada dos valores reconhecidos, a síndrome consumista


degradou a duração e promoveu a transitoriedade. Colocou o valor da novidade
acima do valor da permanência (...). Entre os objetos do desejo humano, colocou a
apropriação, rapidamente seguida pela remoção de desejos, no lugar de bens e
prazeres duradouros” [p.110].

“A ‘síndrome consumista’ é uma questão de velocidade, excesso e


desperdício. Os consumidores experientes não se incomodam em destinar as coisas
para o lixo (...). Os adeptos mais habilidosos e sagazes da arte consumista sabem
como se regozijar por se livrar de coisas que ultrapassam o tempo de uso (...). numa
sociedade de consumidores, a perfeição (...) só pode ser a qualidade coletiva da
massa, a multiplicidade dos objetos de desejo; qualquer estímulo prolongado à
perfeição agora exige menos aperfeiçoamento dos produtos do que da profusão”
[p.111].

“A vida dos consumidores é uma infinita sucessão de tentativas e erros (...).


Os caminhos que levam da base ao topo, e mais ainda os que conduzem do topo à
base, são abominavelmente curtos (...). A fama atinge rapidamente o ponto de
ebulição e logo começa a evaporar” [p.111 – 112].

“O volume de conhecimento exigido apenas para manter a posição é


desconcertante: a multiplicidade vertiginosa de nomes, marcas e logotipos
necessários para memorizar e estar pronto a esquecer, à medida que novas levas
de ídolos-celebridades, empresas de design, gurus e distribuidores de modas que
surgem do nada marcham com toques de trombeta e desaparecem” [p.113].

“O território da construção e reconstrução da identidade não é a única


conquista da síndrome do consumo, além do reino das ruas luxuosas e dos
shopping centers. De forma gradual mas incansável, toma conta das relações e dos
vínculos entre os seres humanos (...). Para funcionar propriamente fornecer a
satisfação prometida e esperada, os relacionamentos precisam de atenção
constante e manutenção dedicada. Quanto mais tempo duram, mais difícil torna-se
manter a atenção e o serviço de manutenção necessário ao dia-a-dia” [p.115].
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“Essa paciência cujo tempo de duração foi radicalmente reduzido conduz à


busca de fins rápidos e radicais para relacionamentos desagradáveis” [p.115].

“A difusão de padrões de consumo tão amplos a ponto de abraçar todos os


aspectos e atividades da vida pode ser um efeito colateral inesperado e não-
planejado da ubíqua e inoportuna ‘marketização’ dos processos da vida” [p.116].

“O mercado agora atua como intermediário nas cansativas atividades de


estabelecer e cortar relações interpessoais, aproximar e separar pessoas, conectá-
las e desconectá-las, data-las e deletá-las do diretório de texto (...). Narra o viver
como uma sucessão de problemas quase sempre ‘solucionáveis’, que no entanto
precisam e podem ser resolvidos somente por meios que estão disponíveis apenas
nas prateleiras das lojas (...). Incansavelmente, transmite aos lares a mensagem que
tudo é ou poderia ser uma mercadoria e como tal deve ser tratado. Isso implica que
as coisas deveriam ser ‘como mercadorias’, devendo ser encaradas com suspeita ou
melhor ainda, rejeitadas ou evitadas, caso se recusem a se enquadrar no padrão do
objeto de consumo” [p.116 – 117].

“O lixo é o produto final de toda ação de consumo. A percepção da ordem


das coisas na atual sociedade de consumo é diametricamente oposta à que era
característica da agora já ultrapassada sociedade de produtores” [p.117 – 118].

Corpo de consumo

“Devemos conceber o corpo como uma potencialidade elaborada pela


cultura e desenvolvida nas relações sociais” [p.118].

“Em nossa cultura e sociedade líquido-modernas, a ‘elaboração’ e o


‘desenvolvimento’ do ‘corpo como potencialidade’ assumiram, contudo, um novo
caráter (...). Esse resulta da convergência de duas tendências aparentemente
contraditórias: ‘Agora temos os meios de exercer sobre os corpos um grau de
controle sem precedentes, e no entanto também vivemos numa era que lançou
numa dúvida radical nosso conhecimento do que são os corpos e de como devemos
controlá-los” [p.119].

“Quase tudo que a sociedade dos produtores considerava uma virtude no


corpo de um produtor seria considerado pela sociedade dos consumidores
extremamente contraproducente e, portanto, deplorável, no corpo de um
consumidor, no corpo consumista” [p.120].

“O corpo do consumidor, portanto, tende a ser fonte particularmente prolífica


de uma ansiedade eterna, exacerbada pela ausência de escoadouros estabelecidos
e confiáveis para aliviá-la, que dirá para reduzi-la ou dispensá-la” [p.121].
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“A promessa de reduzir ou eliminar essa ansiedade é, entre as ofertas do


mercado de consumo, a mais sedutora, a mais amplamente procurada e mais
satisfatoriamente abraçada (...). Os mercados de consumo se alimentam da
ansiedade dos potenciais consumidores, que eles próprios estimulam e fazem o
possível para intensificar” [p.121].

“(...) o consumismo não se refere à satisfação dos desejos, sempre


renovados – preferencialmente do tipo que não se pode, em princípio, saciar”
[p.121].

“Em linguagem corriqueira, essa qualidade do corpo de produzir os prazeres


que ele poderá ser capaz de usufruir é classificada sob o título de ‘boa forma’. Mas o
problema é que, com demasiada frequência, colocar o corpo no estado de ‘boa
forma’ se choca com o propósito que esse estado deveria produzir...” [p.122 – 123].

“’Boa forma’ significa, para um consumidor na sociedade dos consumidores,


o que a ‘saúde’ queria dizer para o produtor na sociedade dos produtores. É um
certificado de ‘estar dentro’, de pertencer, de inclusão, de direito de residência”
[p.123].

“O ideal de ‘boa forma’ tenta captar as funções do corpo como, acima de


tudo, receptor e transmissor de sensações (...). A luta pela boa forma é uma
compulsão que logo se transforma em vício. Cada dose precisa ser seguida de outra
maior “ [p.123].

“Lutar pela boa forma significa estar nua guerra cuja última batalha não está
à vista, sem perspectiva de uma vitória final seguida de armistício, desmobilização e
‘dividendos da paz’” [p.124].

“O lema do nosso tempo é ‘flexibilidade’: todas as formas devem ser


maleáveis, todas as condições, temporárias, todos os formatos, passíveis de
remodelagem. Reformar, de modo obsessivo e devotado, é tanto um dever quanto
uma necessidade” [p.124].

“As aberturas que pontuam a interface entre o corpo e o resto do mundo


talvez possam ser estritamente observadas, fortificadas e protegidas – mas não
trancadas, muito menos hermeticamente seladas” [p.125].

“Mais do que praticamente qualquer outro fenômeno, a gordura concentra,


condensa e mistura os medos que emanam da ‘área de fronteira’ mal mapeada,
repleta de perigos atemorizantes e ao mesmo tempo de tentações irresistíveis que
se estendem entre o corpo do consumidor e o mundo externo” [p.126 – 127].

“Com efeito, a gordura corporal representa o pesadelo realizado. O ganho de


peso corporal e de centímetros na cintura é um alerta para o terrível fato de que
todas as laboriosas fortificações da fronteira/interface entre o mundo e o seu corpo
de nada valeram (...)” [p.127].
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“A gordura se tornou um dos grandes gritos de guerra e o casus belli na


‘guerra cultural do novo século’ – a guerra é simplesmente outra versão atualizada e
uma remontagem da eterna luta entre a liberdade e segurança, as duas qualidades
igualmente indispensáveis e cobiçadas, reconhecidamente difíceis de conciliar, de
qualquer vida humana suportável ou desejável” [p.129].

“Em suma, para afastar o espectro dos efeitos colaterais do ato de comer e
suas consequências desfavoráveis e imprevistas, é preciso comer mais (...). Se você
não consegue afastar essa desagradável ambivalência, aceite-a, reajustando seu
destino de acordo com seu plano de vida” [p.131].

Infância de consumo

“Ter filhos custa dinheiro – muito dinheiro. Ter um filho acarreta (ao menos
para a mãe) uma considerável perda de renda e simultaneamente um considerável
crescimento dos gastos familiares (diferentemente do que ocorria no passado, um
filho é pura e simplesmente um consumidor – não contribui para a renda familiar)”
[p.136].

“(...) a impossibilidade de trabalhar porque o custo da assistência à infância


continua muito distante do orçamento familiar está condenando centenas de
milhares de famílias grandes a uma vida de pobreza” [p.136].

“Em nossa sociedade regida pelo mercado, cada necessidade, desejo ou


vontade traz um preço afixado. Não se pode ter coisas a não ser comprando-as, e
compra-las significa que outras necessidades e desejos terão de esperar” [p.136].

“Algum tipo de sofrimento é efeito colateral da vida numa sociedade de


consumo. Numa sociedade assim, os caminhos são muito dispersos, mas todos eles
levam às lojas. Qualquer busca existencial, e principalmente a busca da dignidade,
da autoestima e da felicidade, exige a mediação do mercado. E o mundo em que
essas buscas se inscrevem é feito de mercadorias (...). Também se espera que
sejam fáceis de usar, que provoquem satisfação instantânea e que sejam amigáveis
ao usuário, exigindo pouco ou nenhum esforço, e decerto nenhum sacrifício, da
parte deste” [p.140].

“De uma forma ou de outra, o objeto que provocou desagrado (...) é


descartado” [p.140].

“Quando se trata de seres humanos, é difícil evitar o compromisso, mesmo


que não seja por escrito nem formalmente endossado. Os atos de consumo têm fins
claros, durando apenas até se concretizar e nem um minuto a mais, porém o mesmo
não pode ser dito das interações humanas, já que cada encontro deixa para trás um
sentimento de vínculo humano, e esse sentimento se torna mais espesso com o
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tempo, à medida que se enriquece com as memórias do convívio (...). a interação


não tem um ‘fim natural’” [p.140 – 141].

“Lawrence Grossberg explica a recente ‘rejeição da infância’ (...) pela


necessidade dos adultos de reduzir suas próprias responsabilidades. Como comenta
Henry A. Giroux, o soi-disant desencanto com a infância pode ser atribuído a
‘adultos trabalhando sob a lógica de um sistema de mercado supostamente puro
que, na realidade, só defende a liberdade individual da boca para fora, enquanto vai
minando os vínculos da vida social e das obrigações sociais’” [p.141].

“Num ambiente líquido, imprevisível e fluxo rápido, precisamos, mais do que


nunca, de laços firmes e seguros de amizade e confiança mútua (...). por outro lado,
porém, esse mesmo ambiente líquido e de fluxo rápido privilegia os que podem
viajar com velocidade; se as novas circunstâncias exigem movimento rápido e um
recomeço a partir do zero, os compromissos de longo prazo e quaisquer laços
difíceis de desatar podem revelar-se um fardo incômodo (...)” [p.142].

“(...) Nossos filhos são profundamente afetados pelo que veem e ouvem em
sua relação conosco. Diferentemente do que pensamos, eles não se ligam e
desligam quando estão conosco (...). Nossos filhos são profundamente afetados
pelo que nós, adultos, fazemos. Afinal, nós somos a autoridade. Nós representamos
o mundo” [p.142 – 143].

“Desde a descoberta, no início da idade moderna, da ‘infância’ como um


estágio da vida humana distinto e, de muitas maneiras, único, a sociedade louvava
as crianças por seu “espírito de cordialidade” e ‘brincadeira livre’, cuja falta era
dolorosamente sentida pelos membros adultos da sociedade, mesmo quando eles
ao mesmo tempo as viam, exatamente pela mesma razão, com profunda suspeita
(...). As crianças não mereciam confiança nem podiam ficar sem uma supervisão
vigilante. A ‘infância pura’ precisava ser reprocessada e assim ‘desintoxicada’ (...).
Na prática, se não na teoria, a infância não era tratada como um abrigo ou refúgio,
mas como um simulacro da vida adulta” [p.144 – 145].

“Por boa parte da história moderna (...), a sociedade moldou e preparou


seus membros para o trabalho industrial e o serviço militar (...). A sociedade dos
produtores e soldados concentrava seu ‘reprocessamento da infância’ na
administração dos corpos para adequá-los à condição de moradores de seu futuro
habitat natural: o recinto da fábrica e o campo de batalha” [p.145].

“(...) Vivemos agora num sociedade de consumidores. O habitat natural dos


consumidores é o mercado, lugar de comprar e vender. No caso dos futuros
consumidores, a resposta pronta e sincera ao fascínio das mercadorias e o impulso
compulsivo e vicioso de comprar são as principais virtudes a ser plantadas e
cultivadas” [p.145 – 146].
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“Assim sendo, para ajustar seus membros ao novo habitat natural (...), a
sociedade dos consumidores focaliza seu ‘reprocessamento da infância’ no
gerenciamento dos espíritos” [p.146].

“Considerada a necessidade mais imperativa e urente é a de consertar ou


esconder os defeitos faciais e corporais, sejam genuínos ou putativos, a fim de
valorizar os ativos pessoais vendáveis” [p.146].

“(...) Do modo como as coisas estão agora, as crianças de hoje são os


principais e mais importantes consumidores de amanhã: e não há motivo para
admirar-se, já que a força da nação é medida pelo PIB, o qual, por sua vez, é
avaliado pela quantidade de dinheiro que troca de mãos” [p.147].

“(...) As crianças realmente são vistas pelos pais como ‘selecionadores


conscientes’, donas de um conhecimento de que os pais lamentavelmente carecem,
qual seja o conhecimento do que é atualmente obrigatório e do que é ‘passé’ em
termos de moda. Por essa razão, as crianças são cada vez mais consultadas
quando os pais têm de tomar uma decisão a respeito de compras, vez que estes não
confiam mais em seu próprio julgamento sobre ‘o que é bom para o seu filho’ e,
assim, em suas próprias escolhas” [p.149].

“(...) As pressões financeiras de um mercado de consumo amplo e invasivo


tornaram um único salário insuficiente para sustentar uma família com filhos (...). Os
vínculos familiares se afrouxam num ‘dia normal de trabalho’. São ainda mais
minados e enfraquecidos pela inversão da autoridade e da estrutura de comando
resultante do fato de as crianças terem-se tornado especialistas em matéria de
compras e assumindo o direito de tomar decisões a esse respeito (...)” [p.150].

“A espiritualidade pode ser um dom de nascença da criança, mas foi


confiscada pelos mercados de consumo e reapresentada como um lubrificador das
rodas da economia de consumo. A infância, como sugere Kiku Adatto, se transforma
numa ‘preparação para a venda do ser’ à medida que as crianças são treinadas
‘para ver todos os relacionamentos em termos de mercado’ e encarar os outros
seres humanos (...) pelo prisma das percepções e avaliações geradas pelo
mercado” [p.151].
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CONSIDERAÇÕES

Zygmunt Bauman foi um filósofo e sociólogo polonês, defensor incansável da


ideia de que a fluidez dos vínculos, que marca a sociedade contemporânea,
encontra-se inevitavelmente inserida nas próprias características da pós-
modernidade. Faz uso da metáfora da "liquidez" para caracterizar o estado da
sociedade moderna contemporânea: como os líquidos, ela se traduz pela
incapacidade de manter a forma. Tal imagem se contrapõe à da sociedade moderna
anterior, a qual, por ser rija e inflexível, foi denominada pelo autor de "modernidade
sólida". Apesar da distinção, entre ambas há um elemento comum primordial: o fato
de serem “modernas”, isto é, de serem produtos do ato de pensar em si mesmas,
próprio da civilização.

Para Bauman, essa forma de agir gera um estado permanente de mudança,


através do qual estilos de vida, crenças e convicções mudam antes que tenham
tempo de se solidificar em costumes, hábitos e verdades "auto evidentes",
liquefazendo-se continuamente, não permitindo, assim, que padrões de conduta se
solidifiquem em rotinas e tradições. Dessa forma, se anteriormente, no estado
sólido, predominava um mal-estar decorrente da falta de liberdade individual na
busca da felicidade, no estado líquido, prevalece uma forma de pensar na qual essa
busca da felicidade é estritamente individual. Logo, essa busca só interessa ao
próprio indivíduo, apenas ele deve ser atendido, somente os seus anseios, que
mudam a todo instante, são importantes e só dele próprio depende alcançá-la.
Nesse contexto, a liberdade individual deixou de ser uma busca para se tornar uma
imposição, que deve ser usufruída sob todos os seus aspectos, consumida sem
trégua, pois somos, agora, uma sociedade de consumidores. Esta é a identidade do
humano contemporâneo, que o leva a olhar tudo como algo que pode ser adquirido
para o consumo, inclusive o outro, e, principalmente, ele próprio, o qual deve se
apresentar aos olhos de todos como algo que merece ser visto, adquirido e
consumido como qualquer outra mercadoria.

O ser humano, na vida em sociedade, interage com os outros e o seu


ambiente. Assim, é vital, para que ele sobreviva neste espaço, que seja reconhecido
como parte integrante desse meio social. Para Bauman, a sociedade de
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consumidores representa o tipo de sociedade que promove, encoraja ou reforça a


escolha de um estilo de vida e uma estratégia existencial consumistas, e rejeita
todas as opções culturais alternativas. Por isso, não há espaço para quem não
cumpre o seu papel social primordial, qual seja: ser um consumidor exemplar. Isso
ocorre porque na sociedade contemporânea seus membros são avaliados por sua
capacidade de consumir, sendo esta o termômetro que irá reconhecer – ou não – o
seu valor no interior desta escala social. Assim, seu lugar estará “garantido” somente
enquanto exerce sua competência de consumidor, que deve ser exercida sem
pausas, de forma voraz e contínua. Se assim não o for, imediatamente a sociedade
de consumidores exclui aqueles com defeito de fabricação, como, por exemplo, os
que logo se satisfazem com o que consomem e que não precisam sair a todo
instante em busca da novidade do momento.

Para eliminar qualquer risco de que existam membros defeituosos,


estabelece-se, na modernidade líquida, uma cultura consumista na qual o consumo
não só é uma vocação como também um direito e um dever humano universal. Nele
reside a felicidade, sendo, portanto, o bem maior desta sociedade, e é através dele
que se constrói a identidade de seus membros. Para isso, a sociedade de
consumidores cultiva em seus membros o hábito de consumir desde a infância,
direcionando grande parte de seus esforços publicitários às crianças. Estas são
bombardeadas de forma cruel, sem descanso, desde que começam a perceber o
mundo à sua volta e que passam a apontar aquilo que querem, para que seus pais,
muitas vezes orgulhosos e satisfeitos, realizem os mínimos desejos de sua prole.

Assim, a máquina de consumo conseguirá produzir consumidores ávidos,


habilitados e sem possibilidade de deserção. No entanto, com o passar do tempo,
essa identificação com o ato de consumir sem limites acaba criando nas pessoas
uma insatisfação permanente, pois as novidades não se esgotam: a todo instante
surgem inovações tecnológicas, lança-se a moda do momento, o best-seller é
lançado simultaneamente à sua versão cinematográfica, e todos precisam participar
de tudo, ninguém pode ficar de fora, pois todos têm, paradoxalmente, obrigação de
usufruir de seu direito à felicidade de consumir: sua identidade depende, agora, do
exercício desse direito.
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Outro aspecto da sociedade de consumidores apontado por Bauman é o fato


de que “não emergem vínculos duradouros” da atividade de consumo, já que esta
tem como finalidade atender a anseios pretensamente individuais, além de exigir do
consumidor muito tempo dedicado a escolher os produtos que serão comprados. E,
sendo um ato de certa forma solitário, acaba por facilitar a diluição dos vínculos
afetivos, passando estes a serem conduzidos e mediados pelo mercado.

Como a sociedade de consumidores estabelece padrões de consumo que


determinam a identidade de cada indivíduo, sendo este identificado pelo que
consome e pela sua capacidade de ser também consumido, aquele que não
consegue assumir plenamente este papel torna-se invisível socialmente. Essa
permanente ameaça de invisibilidade social instaura, como consequência, uma crise
de identidade típica da contemporaneidade líquida. Tal crise de identidade é
sintomática da fluidez da pós-modernidade, que transforma tudo, e todos, em
mercadoria. Uma sociedade em que relações são iniciadas para, numa velocidade
impressionante, serem pulverizadas — ainda que erguidas segundo preceitos
considerados conservadores, como o casamento. Mas este é também, atualmente,
apenas mais um evento, um espetáculo, montado para que as mercadorias do
momento sejam elevadas ao grau máximo de visibilidade: o altar, já que como
sujeito-consumidor e, ao mesmo tempo, objeto-para-consumo, preciso ser visto,
desejado, para ser amado, preciso, então, me destacar nas prateleiras, pois ser
invisível é morrer. Nesse contexto, as maiores vítimas dessa transformação das
pessoas em mercadoria são aqueles que o autor chama de baixas colaterais, isto é,
aqueles que não conseguem atender à condição primordial de indivíduo integrante
de uma sociedade de consumidores: consumir sem trégua, ainda que não tenha
condições para isso.
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REFERÊNCIAS BIBILIOGRÁFICAS

BAUMAN, Zygmund. Vida Líquida. Título original: Liquid Life. Tradução: Carlos
Alberto Medeiros. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2007.

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