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DO Suplemento

Editorial
A República
Nós,doRN...
Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Norte Ano I - Nº 07- Junho de 2005

Q A R NHOS Arte e Literatura em


U D I histórias desenhadas
2 nós, do RN Suplemento Natal - Junho de 2005

Apresentação
Cultura, uma prioridade do Governo Estado do Rio Grande do Norte
Assessoria de Comunicação Social
Rubens Lemos Filho Wilma Maria de Faria

N
Governadora do Estado:
ascido há sete meses, este suple- tendo e aprimorando a qualidade dos Carlos Alberto de Faria
mento cultural do Diário Oficial primeiros dias pioneiros. Por sua vez, os Gabinete Civil do Governo do Estado
do Estado do Rio Grande do chargistas potiguares, principalmente na Rubens Manoel Lemos Filho
Assessoria de Comunicação Social
Norte vai buscando na distância dos tem- charge política, cumprem um papel rele-
pos novas memórias do povo norte- vante do traço, da abordagem inteligente e
riograndense, como faz nesta edição de da presença cotidiana na imprensa esta-
"nós, do RN", revelando os caminhos dual. D.E. I.
percorridos pelos desenhistas conterrâ- O incentivo ora dado aos desenhistas e Rubens Manoel Lemos Filho
Diretor Geral em exercício
neos, seja na charge, seja nas Histórias em roteiristas das historinhas animadas pela
Quadrinhos. Imprensa Oficial, reflete a intenção dos Henrique Miranda Sá Neto
Coordenador de Administração
Esta é, sem dúvida, o melhor exemplo órgãos de Estado de alavancar a produção e Editoração
de como se levar à prática a orientação cultural, incentivando novos projetos, em Juracir Batista de Oliveira
dada pela Exma. Sra. Governadora Wilma parceria com a intelectualidade. Subcoordenador de Finanças

Maria de Faria, cuja política cultural é uma Com mais esta edição de "nós, do Eduardo de Souza Pinto Freire
Subcoordenador de Informática
das prioridades do seu Governo. RN" fica perfeitamente demonstrado
As Histórias em Quadrinhos represen- perante os seus leitores que os planos da nós, do RN
tam um segmento importante da expressão governadora Wilma de Faria para a cul- editor-geral
intelectual do Rio Grande do Norte, man- tura, tornam-se uma realidade palpável. Miranda Sá

chefe de redação
Editorial Moura Neto

equipe redacional

Tarefa histórica da Imprensa Oficial


Paulo Dumaresq - reportagem
Anchieta Fernandes - pesquisa
João Maria Alves - fotografia

Miranda Sá diagramação e arte final


Edenildo Simões

P
Alexandro Tavares de Melo
ara orgulho dos que cionados das "tirinhas" que, do suplemento cultural do Diário
coordenam a Imprensa infelizmente, têm rareado Programação Visual
Oficial, a coordenação editorial do Emanoel Amaral
Oficial do Rio Grande nos jornais locais. Departamento Estadual de Alexandro Tavares de Melo
do Norte,esta edição de "nós, Quanto aos chargistas, Imprensa - DEI, cumpre a tarefa Capa
Emanoel Amaral
do RN" garimpou um dos originários de antiqüíssima histórica de fortalecer os char-
filões mais ricos da cultura tradição na imprensa brasileira, colaboradores
gistas e quadrinistas conterrâ- Carlos Morais
potiguar, as Charges e as vêm representados por valorosos Rubens Lemos Filho
neos e registrar o reconheci- Edson Benigno
Histórias em Quadrinhos representantes potiguares, que Carlos de Souza
mento público à sua produção. João Ricardo Correia
de criação artística e intelec- valorizam os jornais em circu-
É igualmente gratificante
tual dos norte-riogran- lação aqui e em outros esta- apoio gráfico
mostrarmos aos leitores de Willams Laurentino
denses. dos da Federação, com Valmir Araújo
Procuramos mostrar que destaque para os que aqui se "nós, do RN" os três efes
o zelo e determinação dos formaram e hoje animam a das noites juninas, as festas,
desenhistas de HQ no cena brasileira, na política, fogos e fogueiras que home-
Estado entusiasmam pela nos esportes e nas artes nageiam os santos padroeiros DEPARTAMENTO ESTADUAL DE IMPRENSA
qualidade do trabalho e a teatrais e cinematográficas. honoris causa do Nordeste Av. Câmara Cascudo, 355 - Ribeira - Natal/RN
Cep.: 59025-280 - Tel.: (084) 3232-6793
calorosa recepção dos afic- Com mais esta apresentação Brasileiro. Site: www.dei.rn.gov.br - e-mail: dei@rn.gov.br
Natal - Junho de 2005 Suplemento nós, do RN 3

Exposição consolida quadrinhos no RN


Anchieta Fernandes

A
ntes de 15 de maio de 1971, quando foi inau- Rio de Janeiro, onde trabalhara como desenhista na foi de autoria de Moacy Cirne. Dizia o seguinte:
gurada a I Exposição Norte-Rio-Grandense editora de quadrinhos Rio Gráfica. "Mais uma vez Natal se insere dentro das coorde-
de Histórias em Quadrinhos, na Biblioteca Ocupando todo o salão de mostras da biblioteca, a nadas operacionais da arte contemporânea. Do
Pública Câmara Cascudo, em Natal, os militantes exposição dividia-se em duas seções: Estórias em poema/processo aos quadrinhos, o nosso trajeto
desta arte já desfrutavam de espaço nos jornais locais Quadrinhos propriamente ditas e Poema/Processo - a criativo se reveste da grande importância que ali-
para divulgarem seus trabalhos. Em junho de 1957, última, por sinal, apresentando poemas menta estruturalmente os modelos ideológi-
seis anos depois de ser realizada, em São Paulo, a I com a linguagem dos quadrinhos dis- cos da historicidade. E os quadrinhos
Exposição Internacional de Histórias em Quadrinhos, posta em posição dinâmica, desta- despontam, do final do século passa-
o jornal "A República" publicou a biografia em cando a espacialidade: uma das do aos dias atuais, com a força
quadrinhos do Almirante Byrd, o conquistador do faces do poema colada ao instauradora das grandes criações
continente antártico, com desenhos e textos do artista suporte do stand, a outra solta humanas. Contra os acadêmicos
e escritor Verus. ao sabor do vento e da e os parasitas da sociedade.
A partir de 1959, o "Diário de Natal" começou manipulação do público. Todavia, existem quadrinhos e
a publicar, às terças-feiras, uma página semanal de Da seção de quadrinhos quadrinhos. Aqueles que
diversões, dedicada às crianças, com contos infantis, participaram, com originais, informam (sob o signo do
passatempos, poesias, curiosidades e até uma o próprio Emanoel Amaral, novo) e aqueles que alienam
"Enciclopédia Mirim". O título desta página era Evaldo (norte-rio-grandense, (sob o signo do velho): é pre-
"Recreio", organizada por Serquiz Farkatt com mas na época trabalhando na ciso rejeitar os últimos. É pre-
ilustrações de Poti. E foi nela que o mesmo Poti Rio Gráfica, do RJ), Ademar ciso rejeitar o reacionarismo de
desenhou a primeira estória em quadrinhos feita (RN), Falves (RN), Reinaldo (RN), Super-Homem e Batman, o capita-
pela prata da casa: "O Fogo Através dos Tempos", Lindberg (RN), Walmir (RJ), Dorival lismo de Tio Patinhas, o formalismo
narrando em episódios (tiras) a história da conquista (RJ), M.Sardella (RJ), Primaggio (RJ), do Príncipe Valente. Esta exposição, certa-
do fogo pelo homem. Vanderlei Pinto (SP), Gomes (SP) e a dupla Fabiano & mente modesta, certamente incompleta, poderá
Os quadrinhos norte-rio-grandenses, porém, Crispim (SP). A outra seção continha poemas/proces- ser a abertura para as possibilidades dos
começaram a ter projeção, de fato, a partir da exposição so, na linguagem de quadrinhos, de Bosco Lopes quadrinnhos brasileiros. Não como importação
idealizada e organizada por Emanoel Amaral, na (RN), Dailor Varela (RN), Falves Silva (RN), Álvaro de modelos estrangeiros, mas como criação de
Biblioteca Pública Câmara Cascudo. Na época, este de Sá (RJ) e Hugo Mund (SP). um mundo a partir de nossa realidade nacional.
artista natalense voltava a morar na cidade, vindo do O texto de apresentação do evento, no catálogo, Isto é, social."
Arquivo

Até um frade fazia quadrinhos


As palavras de Moacy Cirne tiveram o dom de ecoar
como uma convocação, uma verdadeira "chamada geral"
no espírito jovem de alguns natalenses interessados na
arte de Ziraldo. Com a presença de um vastíssimo públi-
co, de todas as classes e de todas as idades, na noite de
abertura, os autores natalenses puderam se revelar, não
somente mostrando seus desenhos, mas também pela
oportunidade de debaterem e explicarem a validade da
chamada Oitava Arte. O papo naquela noite reuniu
todos os criadores, estudiosos e aficionados e foi ocasião
do primeiro contato com Dom Lucas Brasil
Frade da ordem beneditina, tendo idéias das mais
sintonizadas com a linha da igreja pós-conciliar, Dom
Lucas apareceu vestindo roupa esporte (atitude desusada
na época) e foi logo discutindo as conotações estéticas no
traço de cada expositor, e as possíveis falhas. Incentivou-
os então a continuarem as pesquisas, desenharem as suas
estórias, criarem seus próprios personagens sem procurar
copiar desenhistas americanos.
Contou que já fizera palestras sobre quadrinhos nos
colégios natalenses onde ensinava, palestras ilustradas
com desenhos dele próprio. Terminou por revelar um
segredo, que foi a grande notícia do primeiro dia da
exposição: ele, Dom Lucas, preparava uma revistinha de
quadrinhos, com notícias, artigos, fichários informa-
tivos, e até mesmo a possível publicação de estórias com
originais da prata da casa.
Lindberg, Emanoel Amaral, Reinaldo, Luis Pinherio e Anchieta Fernandes: na exposição de 1971
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Movimento se expande com o GRUPEHQ


A
I Exposição Norte-Rio- Cupim", de Emanoel Amaral (humor); Everaldo Lopes. Edmar foi,
Grandense de Histórias em "Dom Inácio, Bispo de Taipu", de assim, o pioneiro na publicação
Quadrinhos se estendeu até o Lindberg Revoredo (humor), "Tenente de charge diária na imprensa
dia 22 de maio, quando então foi fun- Wilson", de Luis Pinheiro (ficção cien- nata-lense.
dado o GRUPEHQ - Grupo de tífica); "Família Bonney", de Reinaldo Depois da pioneira "Gibi-
Pesquisas e Estudos de Histórias em Azevedo (faroeste). Notícias" (revista idealizada e
Quadrinhos. Em agosto Concomitantemente com a publi- fundada por Dom Lucas Brasil,
d e cação das estórias destes personagens com a cooperação do grupo, em
na revista e no suplemento, os 1971), foram surgindo outras,
desenhistas do grupo pu- merecendo destaque:
blicaram cadernos especiais "Cabramacho", pelo desenhista
comemorativos em quadrinhos, Lindberg Revoredo, em 1974
como por exemplo, o de 30 de (ano em que também passaram a
setembro de 1973, no jornal ser publicadas tiras grupe-
"Diário de Natal", contando a hquianas no suplemento "TN-
história da abolição da escravatura Revista", do jornal natalense
em Mossoró. "Tribuna do Norte"; a esta altura,
Com a divulgação grupe- produções dos desenhistas nata-
hquiana contribuindo para
valorizar a linguagem das
estórias em quadrinhos
(inclusive, a existência do "Maturi", pequenininha, que circulou
GRUPEHQ foi registrada durante vários anos, e onde até o
em noticiário da BBC de desenhista famoso Henfil, criador
Londres), as empresas e enti- d'"Os Fradinhos", colaborou, mandan-
dades culturais do Rio do tiras em quadrinhos especialmente
1971, o grupo Grande do Norte para a revista.
lançou a revista "Gibi-Notícias" e o começaram a priorizar a Escola - A "Maturi" foi uma ver-
suplemento "Quadrinhos" em "O edição de revistas e folhetos dadeira escola, revelando novos
Poti". Nesta primeira fase dos quadri- quadrinizados. nomes, abrigando diversos gêneros
nhos do pessoal do GRUPEHQ, se Em 1973, começou esta (do humorístico à ficção científica e ao
destacaram os personagens fase de profissionalização, terror, e tornando o nosso quadrinho
" S u p e r - com a revista "Estamos Aqui conhecido e divulgado Brasil a fora).
Por Vocação", patrocinada Em 1986, a Associação Brasileira de
pelo governo estadual e Desenhistas de Manga e Ilustradores,
pelas indústrias de con- de São Paulo, adquiriu 100 exemplares
fecções de roupas do RN, da "Maturi", enviando dois exemplares
onde se contou a história para o Museu da Saúde, em Tóquio,
das indústrias têxteis no no Japão, onde foram microfilmados e
Estado. A revista em quadrinhos, lenses passaram a ser presença no ficaram no acervo da entidade para
produzida por Anchieta famoso jornal carioca de humor "O pesquisa das gerações futuras.
Fernandes e Emanoel Amaral, foi Pasquim"). Enquanto isso, no interior do
distribuída na 16ª FENIT - Feira Em 1975, foi produzida e publicada Estado surgiram as seguintes revis-
Nacional da Indústria Têxtil, em a biografia em quadrinhos de Câmara tas de quadrinhos: em Mossoró,
São Paulo, e encartada na Cascudo, roteiro e texto de Anchieta "Tabefe" (1983) e "Acunha" (1986);
revista "Veja". Fernandes e desenhos de João Antonio em Assu, "Cafuné" (l984); em
Foi também em 1973 que e Aucides Sales. Em março de 1976, Parnamirim, "O Jornalheto" (1984); e
Edmar Viana começou suas Enoch Domingos, Aucides Sales e o revista "Tapuru" (1986), com dis-
charges no "Cartão editor Francisco Alves da Costa tribuição simultânea em duas cidades
Amarelo", até então uma co- Sobrinho lançaram o primeiro grande - São Gonçalo do Amarante e Santo
luna de comentários esportivos de marco dos quadrinhos no RN, a revista Antonio. (A.F.)
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Explosão criativa do cineminha de papel


Paulo Jorge Dumaresq

U
m olhar crítico. É isso o que diferencia o duzido pelos quadrinistas e pesquisadores do grupo organizado: "avalio o movimento positiva-
escritor, poeta e estudioso das Histórias grupo. "Fiquei muito contente", relata, "sobretu- mente".
em Quadrinhos Moacy Cirne dos leigos do pela proposta gráfica e temática de Emanoel Ainda em 1971, Moacy Cirne ingressa na
em semiologia das tiras. O devotamento é de Amaral". O personagem Super-Cupim, espécie Universidade Federal Fluminense (UFF), em
tal ordem que dos 26 livros publicados, sete de anti-super-herói, cai na graça de Niterói-RJ, mais precisamente no Departamento
são dedicados ao tema. Nascido em Jardim Moacy Cirne. de Comunicação Social. Em 1972, consegue a
do Seridó há 62 anos, o interesse pelos aprovação de ementa criando a disciplina
quadrinhos e pela Sétima Arte teve início Introdução às Histórias em Quadrinhos.
na infância vivida em Caicó. "Nunca tive dificuldade de
Revela que aprendeu a ler pelas páginas defender os quadrinhos na
da centenária revista Tico-Tico. Ainda na academia", anota o professor
infância, cultua Tarzã, Ferdinando, Durango aposentado.
Kid, Mandrake, Capitão Marvel e Super- Aos poucos, os quadrinhos
Homem. Em 1957, vem com a família foram tomando o seu lugar de
morar em Natal, deixando para trás a direito no meio acadêmico, claro,
coleção de revistas. Neste período, com alguma resistência. Conforme
desponta a paixão pela lite-ratura. o autor de Para Ler os Quadrinhos
Os quadrinhos voltam à cena, dez (Vozes, 1972), neste livro ele tentou
anos depois, em 1966, agora vistos dar roupagem mais acadêmica às
por outra perspectiva. Em 1970, já HQs, fazendo estudo comparativo
morando no Rio de Janeiro, publica entre cinema e quadrinhos e uti-
pela Editora Vozes o primeiro livro lizando metodologia crítica própria
sobre HQs no Brasil, intitulado A da academia na época, "justamente
Explosão Criativa dos Quadrinhos, para mostrar que o quadrinho pode-
somando cinco edições. Em seguida, Moac ria ser objeto de estudos mais
y Cirne
em 1971, lança A Linguagem dos : Autor avançados".
do prim
Quadrinhos. eiro liv Moacy Cirne estava no caminho
ro sob
É quando vem à luz o movimento de quadrinhos re HQs certo. Prova disso é o interesse da
no Bra
em Natal. Assina o texto do catálogo de apresentação Louva também sil Intercom, a principal sociedade de
da I Exposição Norte-Rio-Grandense de Histórias o personagem real criado por estudos de comunicação no país, que
em Quadrinhos, realizada de 15 a 22 de maio de 1971, Lindberg Revorêdo, batizado “Dom Inácio, Bispo há dez anos criou grupo de pesquisa
na Biblioteca Pública Câmara Cascudo. Mesmo dis- de Taipu”, baseado na figura do escritor Inácio em Histórias em Quadrinhos, reunindo anual-
tante acompanha o surgimento do Gibi-Notícias e Magalhães de Sena. "Era um quadrinho muito mente em encontro nacional os principais estu-
do GRUPEHQ, nome sugerido pelo pesquisador nosso", admite. O estudioso acredita que o GRU- dos e pesquisas em HQs e em outras áreas da
Anchieta Fernandes, recebendo o material pro- PEHQ possa ter sido pioneiro no Nordeste como comunicação.

Tradição de quadrinho caricatural


No entendimento do ganhador do "Esse tipo de quadrinho é uma marca Fortuna, Millôr Fernandes, Nico Rosso,
prêmio La Palma Real (Cuba, 1992), brasileira", ressalta. Jayme Cortez, Julio Shimamoto, Luiz
pela obra História e Crítica dos Inquirido a respeito dos grandes re- Gê, Laerte Coutinho, Angeli, Lourenço
Quadrinhos Brasileiros (Funarte, 1990), presentantes das HQs no país, Moacy Murtarelli e Marcatti. "Tem também a
o Brasil tem tradição de quadrinho cari- Cirne não titubeia e menciona Ângelo figura de Maurício de Souza, que corre
catural, que data do século XIX. Cita Agostini, J. Carlos e Luiz Sá, como os por fora, como o cara que conseguiu se
Henfil como um dos principais repre- grandes baluartes na primeira metade do impor editorialmente", destaca. Na
sentantes contemporâneos dessa ver- Século XX, ressalvando que os dois aldeia de Poty, grifa os nomes de
tente de quadrinistas que exploram o primeiros eram mais cartunistas do que Emanoel Amaral e de Márcio Coelho
humor gráfico com base cartunística ou quadrinistas. Na segunda metade do como legítimos representantes da velha
caricatural, dependendo do enfoque. século passado, sublinha Henfil, Ziraldo, e da nova geração, respectivamente.
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Os Guerreiros das Dunas


uma versão em quadrinhos que a História Oficial não conta
Moura Neto

J
ornalista por profissão, Emanoel co da literatura em quadrinhos". realidade atual das nações indígenas. car o ponto de vista dos perdedores,
Amaral, 53 anos, dedicou-se com O mérito pela qualidade da revista, Além da pesquisa apurada, a fim de capítulo geralmente preterido pela his-
entusiasmo e inspiração a todas porém, deve ser dividido com os retratar com o máximo de fidelidade os toriografia oficial. "Pesquisamos docu-
as possibilidades que o traço criativo desenhistas Watson Portela, Gilvan costumes e cenários da época, com a mentos e nos valemos de autores para
pode exaltar. Pintura, charge e, Lira e Márcio Coelho, responsáveis beleza plástica inerente à arte dos validar uma versão que não está pre-
claro, quadrinho. Foi um dos fun- pela parte artística do empreendi- quadrinhos, o trabalho dos artistas sente nos livros de História", assinala
dadores do Grupo de Pesquisas e mento. Emanoel pesquisou o tema e norte-rio-grandenses tem a particu- Amaral, dando ênfase aos mas-
Estudos de Histórias em Quadrinhos elaborou o roteiro, tendo inclusive se laridade de enfo- sacres que vitimaram os indígenas.
(GRUPEHQ), há de 34 anos, movimen- iniciado no estudo da língua tupi para Para estudar e se afeiçoar
to que de certa forma agora é coroado melhor desenvolver seu traba- aos costumes indígenas,
com a publicação do primeiro vo- lho. A criação dos desenhos Emanoel Amaral passou uma
lume da revista "Os Guerreiro das começou a ser feita pelo artista temporada com os remanes-
Dunas". Lançada este mês, durante pernambucano Watson Portela, centes dos índios potiguares
a 3ª Feira do Livro de Natal, a obra que depois foi substituído por que vivem na Baia da
narra, em quadrinhos, a história da dois dos melhores expoentes desta Traição, litoral paraibano,
colonização do Rio Grande do arte no Rio Grande do Norte - oportunidade em que se
Norte sob a ótica dos vencidos, ou Gilvan Lira e Márcio Coelho. aprofundou no aprendiza-
seja, dos índios potiguares. "Trabalhamos num roteiro em do da linguagem nativa dos
A preocupação em aliar sua arte ao que, através de uma ficção histórica, primeiros habitantes desta
estudo e divulgação de fatos históricos, abordamos os costumes sócio-cul- terra. Dedicação ainda
de caráter educativo, o levou a se turais e a luta de resistência dos maior daquela que reser-
tornar sócio efetivo do Instituto potiguares, a partir de 1597, diante vou para compor outras
Histórico e Geográfico do Rio do invasor português", explica obras de cunho históri-
Grande do Norte. O pesquisador Amaral. "Escolhemos a linguagem co, como as que versam,
Olavo de Medeiros Filho, também dos quadrinhos por se tratar de um por exemplo, sobre o
membro desta vetusta instituição e meio de comunicação acessível ao ataque de Lampião a
autor de livros sobre a fundação da público infanto-juvenil", acrescenta. Mossoró, a biografia
Cidade de Natal, saudou o trabalho rea- Os próximos três volumes da de Jesuíno Brilhante, a
lizado pelo confrade de academia com revista, que deverão ser publicados a r a l invenção de Santos
el Am
inequívoco louvor: "Os Guerreiros das um por ano, irão abordar a ocupação Emano Dumont e a visita do
Dunas certamente se tornará um clássi- do invasor, o período holandês e a Papa João Paulo II a Natal.

Artistas de primeira grandeza


Os desenhistas selecionados por GRUPEHQ. do com produções estrangeiras. Mesmo sobreviver. Seus desenhos ilustraram
Emanoel Amaral para compor o pro- Natural de São Rafael, Gilvan Lira com toda esta estrada percorrida, ele revistas editadas pela Editora Press
jeto de edição da série Os Guerreiros vive da arte que produz. Residiu sete sente que o atual momento é especial. Editorial sobre ficção científica e o
das Dunas são, como ele mesmo anos em São Paulo, no final dos anos 80, "Trabalhar em Os Guerreiros das cantor pop John Lennon, com texto
reconhece, dos melhores que o Rio trabalhando em editoras que publi- Dunas representou uma emoção difer- de Júlio Emílio Braz. Também
Grande do Norte produziu. Gilvan cavam quadrinhos. No início do ano ente; pela importância histórica e pela demonstra satisfação com o resultado
Lira, 42 anos, e Márcio Coelho, 40, 2000 colaborou como ilustrador nos pesquisa que tivemos de desenvolver". de sua última obra. "Esta revista tem
são artistas experientes e com traba- cadernos especiais editados pelo Diário Márcio Coelho, natural de Natal, um estilo semelhante ao que é pro-
lhos reconhecidos na aldeia de Poty e de Natal. Neste mesmo jornal, durante trabalha profissionalmente desde duzido na Europa, onde os quadrin-
fora dela. Ambos são valores que algum tempo, publicou tiras de quadrin- 1985 com arte. Mas precisa prestar istas, por serem valorizados, são for-
qualificam a trajetória realizada pelo hos no espaço tradicionalmente utiliza- expediente no serviço público para mados em escolas de arte".
Natal - Junho de 2005 Suplemento nós, do RN 7

To d a s a s it ras de Evaldo
C
om quantas tiras se constrói José Evaldo de Oliveira, importa ofício. Dá forma a Flecha Ligeira e
uma carreira de quadrinista? dizer que com todas as tiras do Recruta Zero. Ainda na Rio Gráfica,
A julgar pelas mais de cinco mundo. Mundo esse que amplia colabora nas revistas Querida e
mil Histórias em Quadrinhos dese- quando parte de Natal para o Rio de Contos de Amor. Deixa a sua marca
nhadas pelo nata- Janeiro, em 1960, depois de pedir também em Os Trapalhões (Editora
lense baixa do Exército, com a idéia fixa Bloch), Gugu Liberato, Pato Donald e
de desenhar, garantir emprego e ser O Hermitão, estes três últimos na
(re)conhecido pelo trabalho. Editora Abril. Somem-se a essas
O interesse pelo desenho HQs, os gibis do Lobisomem,
começa aos quatro anos, mas só Frankenstein, Fantasma, Mandrake e
aos catorze é arrebatado pelos do Cavaleiro Negro.
quadrinhos de terror, especial- Quando os quadrinhos eclo-
mente Drácula, de Miguel dem em Natal como movimento
Penteado, influência que o leva articulado e organizado, em
a desenhar o personagem de maio de 1971, Evaldo é convi-
1969 a 1974. "Natal não tinha dado pelo colega de profissão
campo para quadrinho", afir- Emanoel Amaral para colabo-
ma com todas as letras. rar na exposição de lançamento do avalia.
Uma vez na metrópole, Grupeq, na Biblioteca Pública Diz que morando no
consegue emprego na Rio Câmara Cascudo, com o perso- Rio não tinha como participar integral-
Gráfica, hoje Editora Globo, nagem Dioguinho. "Foi um achado, mente do movimento. O jeito foi dar a
passando a desenvolver o seu mas não teve repercussão nacional", sua contribuição à distância.

Recruta Zero, o personagem


mundo afora, bara-teando o preço do
gibi ao consumidor interno. "Nós
temos qualidade, mas, devido a isso,
morremos no nascedouro", admite o
veterano das HQs.
O Recruta Zero foi Gráfica", acrescenta.
a HQ que Evaldo dedi- A vivência no merca- Panorama
cou mais tempo. Com do editorial das HQs o Calejado no ofício de quadrinista,
regularidade de fez refletir sobre o Evaldo admira o trabalho dos pio-
metrônomo, desenhou quadrinho brasileiro. Na sua neiros Getúlio Delfim, Walmir
as figuras da turma do concepção, os quadrinistas Amaral e Colonesse, como também
Zero por 20 anos, con- nacionais receberam bas- aplaude o humor da turma da revista
sórcio esse que só foi tante influência do exterior, Chiclete com Banana, reconhecendo
desfeito na década de embora reconheça que o naquele grupo o divisor de águas
80. Ele conta que talento tupiniquim já con- entre o quadrinho clássico e o mo-
começou a desenhar a seguiu, de certa forma, derno. Em nível local, aponta
criação de Mort Walker superar essa invasão, contra- Emanoel Amaral como o responsá-
em 1967, porque o atacando com a exportação vel pelo lançamento da pedra basilar
material que vinha de de profissionais para a dos quadrinhos em Natal, embora
fora começou a escassear. "Faço o América do Norte, como é o caso do veja também qualidade no trabalho
Recruta Zero de olhos fechados", paraibano Deodato, radicado nos Estados desenvolvido por Márcio Coelho. Evaldo Oliveira: veterano nas HQs
garante o quadrinista. O texto dos Unidos. A sensação de trabalhar duro e
balões também saia/sai da cabeça de Mesmo assim, a invasão dos não ver os resultados surgirem como Não importa se quadrinho ou
Evaldo, que além de quadrinista é quadrinhos estrangeiros é motivo de desejara fez com que passasse a charge, o relevante para Evaldo nestes
chargista, artista plástico, músico e ex- preocupação. Debulhando palavras, desenhar charges nos últimos sete 43 anos de profissão é a possibilidade
ator de teatro, tendo atuado no Teatro afirma que até hoje existe truste, anos no vespertino O Jornal de Hoje. de se debruçar sobre a condição
Experimental de Amadores, dirigido porquanto o quadrinho gringo conti- Pretende publicar as melhores em humana, a cultura brasileira e poder
por Adalberto Rodrigues. "Eu não fui nua sendo vendido a preços insignifi- livro, dependendo da aprovação de vivenciar o ato da criação em si. "Todo
reduzido a Zero. Paralelamente, cantes, relegando o desenhista brasileiro projeto em lei de incentivo à cultura desenhista, ao dar forma a um perso-
colaborava nas revistas Querida e a segundo plano. Isto ocorre devido à e da captação de recursos junto ao nagem, tem por base o seu próprio
Contos de Amor, ambas da Rio distribuição das tiras estrangeiras pelo empresariado local. rosto", conclui. (PJD)
8 nós, do RN Suplemento Natal - Junho de 2005

QUADRINHOS POTIGUARES - PEQUEN


Super Cupim - Emanoel Amaral Trombstone City - Aucides Sales

Gereba e o prefessor - Laércio Pivete - Edmar Viana

A mosca Zezé - Ivan Cabral Tapioca - Cláudio Oliveira


Natal - Junho de 2005 Suplemento nós, do RN 9
NA ANTOLOGIA DE TIRAS (1971 A 2000)
Zé do Mouse - Gilvan Lira

As velhinhas - Márcio José

Ariane - Hamilton Rangel


10 nós, do RN Suplemento Natal - Junho de 2005

Char gistas potiguar es


Carlos de Souza

V
ocê já parou para pensar na diferença entre Amaral gostava de Henfil, Ziraldo, Fortuna, entre ou-
charge e cartum? O desenhista, chargista e car- tros, mas sempre procurou se pautar pela intuição. "Eu
tunista Emanoel Amaral tem uma explicação tinha muito medo de influência, então comecei a fazer
simples para essa questão singela. A charge é aquele as charges da minha cabeça mesmo, sem seguir estilo
desenho factual, direto, local. Aquele que se confunde nenhum e terminou virando um estilo". Aí nasceu seu
com a notícia do dia. Ele é temporal e geralmente se personagem "Supercumpim" que fez a cabeça de toda
apóia na caricatura. O cartum é mais distante, não se uma geração de desenhistas potiguares. Com essa
identifica com a notícia local, nem sempre precisa da bagagem, participou da Primeira Exposição Norte-rio-
caricatura e é universal e atemporal. Entendeu? grandense de História em Quadrinhos, realizada em
Emanoel Amaral, dentro desta definição, é de fato o Natal, em 1971. Em 1982 participou da Primeira
primeiro chargista potiguar. Antes dele se fez muito Exposição Norte de História em Quadrinhos, no Acre.
desenho de humor, mas sem as tais características que Publicou um livro de charges, em parceria com Edmar
definem a charge. Vianna, Ivan Cabral e Cláudio Oliveira, intitulado “Já
Foi nos idos de 1971 que Amaral começou a exercitar era Collor”.
a charge de caráter político, de costumes, de olhar a É importante lembrar que, a partir do sucesso que
sociedade com um riso no canto dos lábios no Diário de esses chargistas passaram a mostrar em seu trabalho
Natal e assim lançou as bases para a existência desses diário, um grupo de jovens chargistas começou a Edmar Viana: crítica e humor na charge
profissionais na imprensa potiguar e ensinou alguns deles. despontar em Natal. O primeiro deles é Ivan Cabral,
Edmar Vianna, chargista da Tribuna do Norte foi que tem há já algum tempo um espaço privilegiado de sobre humor olímpico no site italiano Fano Funny
um deles; Cláudio Oliveira, tam- charges no Diário de Natal. Ivan Cabral tem uma (www.fanofunny.com). Em 2004 realizou uma
bém, foi outro e opinião bem interessante sobre sua profissão: "Creio exposição temática sobre leitura e educação na Galeria
que o chargista é um repórter do traço. Ele exerce o do NAC-UFRN. "Até hoje só publiquei o livro Já Era
mesmo papel da imprensa ao informar, avaliar, denun- Collor (1991) em parceria com Edmar, Claudio e
ciar fatos políticos, econômicos e sociais. A diferença é Emanoel. Quanto a quadrinhos, além da participação
que ele usa o recurso do humor”. Entre suas influên- na Maturi, tive a experiência de publicar durante quase
cias estão chargistas que marcaram toda uma geração um ano e meio uma tira diária do meu personagem
(Ivan Cabral nasceu em 1963). "Os profissionais de Mosca Zezé no DN. Existe em andamento um projeto
minha geração não podem ignorar a importância do de publicação de novas histórias pra Maturi. Uma coisa
Pasquim e seus artistas na formação do estilo chargísti-
que não aparece muito é a charge animada (a gripe do
co. Mas, gosto muito de salientar os valores da terrinha.
momento) que produzo há quase dois anos na TVU".
Nomes como Edmar Viana, Emanoel Amaral, Aucides
Jovem Talento - Entre os mais jovens chargistas
Sales evidentemente foram de grande influência. Em
potiguares figura também Gilvan Lira. Para ele, a função
particular, ressalto o Cláudio Oliveira pelo convívio
da charge é satirizar, criticar, gerar reflexão. "Sou mais
que tivemos no Diário de Natal, onde pude aprender
desenhista de HQ e ilustrador, do que chargista e mi-
com ele alguns "macetes" através do comparti-
nhas influências nessa área são as mais variadas. Joe
lhamento de seu processo criativo. Um colega da ter- Kubert, Burne Hogart, Harold Foster, Segrelles, San
rinha que tem um humor gráfico muito apurado é o Julian, Loisel, Mozart Couto, Caravagio, Frans Halls, só
Solino. No cenário nacional, sou fã incondicional para citar algumas". Gilvan Lira iniciou sua vida profis-
do Laerte, Angeli, Jean, Fernandes e Fernando sional em 1982, ilustrando livros didáticos para a
Gonsales". Secretaria de Educação do RN. Em 1985 começou a
Suas primeiras experiências foram a publi- produzir histórias em quadrinhos para as editoras
cação de desenhos na Maturi e produzindo PRESS e Maciota, de São Paulo. No final de 1987 se
charges esporádicas para o antigo jornal Dois mudou para São Paulo e produziu quadrinhos para
Pontos. Antes de assumir definitavamente a colu- várias outras editoras pequenas. "Publiquei quadrinhos,
traço” na de charges do DN em 1988, substituiu Edmar
ter do fiz capas para livros, ilustrações para jornais e produzi a
“Repór em 1983 por 3 meses e tirou as férias de Cláudio
Ivan Cabral: hoje tra- tira Zé do Mouse, que foi publicada no Diário de
balha no jornal Agora São Oliveira, na Tribuna do Norte em 1987. Natal, durante um ano e meio. Participei do I Salão de
Paulo. Hoje, cada chargista já seguiu seu Ivan Cabral já participou de vários salões em que foi Humor de Natal, onde me classifiquei em 3° lugar, na
próprio caminho e imprimiu seu próprio estilo. Para premiado. Por exemplo, foi o 1º lugar no Salão de categoria Quadrinhos".
Emanoel Amaral, a função da charge é principalmente Humor da unacon (Brasília-DF) (1997) e teve voto Edmar Vianna é um dos mais importantes chargis-
divertir. Ela é lúdica. É claro se usa ela para criticar, mas popular no mesmo salão. Tirou o 1º lugar no Salão de tas em atividade em Natal. Para ele, "a charge é um ele-
sempre com o intuito de fazer rir. Mesmo fazendo crítica, Humor de Volta Redonda (RJ) (1997); 1º lugar no Salão mento gráfico satírico de uma situação real e atual, que
ela tem que fazer rir, ela tem que zombar. A charge tem de Humor de Volta Redonda (RJ) (1998) ; 2º lugar no retrata o momento político, social ou esportivo,
valor até de um editorial. É como se fosse uma matéria Salão de Humor de Natal(RN) (1999) ; Menções hon- através da crítica, com muito bom humor. A charge
engraçada, ultra-reduzida". rosas nos salões da Unacon (DF), Caratinga(MG), para ser engraçada e percebida pelo leitor, tem que
Como a maioria dos chargistas brasileiros, Emanoel Santo André (SP). Participou de um galeria virtual retratar os assuntos em estejam em evidência e que
Natal - Junho de 2005 Suplemento nós, do RN 11

Entrevista
seja de conhecimento de parte do público, sempre
com muita graça".
A princípio, ainda criança sofreu forte influência do
pai, Edgard Viana, que além de outras atividades com
agente do IBGE, também escrevia e desenhava, Cláudio Oliveira - Chargista
seguindo uma linha de personagens dos cawboys do
cinema americano, década de 50 e 60. "Depois vieram Qual a função da charge para você? mes-ma empresa, e que, em 1999, foi substituída pelo
as influências dos traços inconfundíveis e manuscritos A função da charge é despertar no leitor a reflexão Agora São Paulo, jornal onde publico atualmente.
de Henfil, do clássico Ziraldo, e do cartunista e char- sobre os aconte-cimentos. Para isto, ela se utiliza do
gista esportivo (na época) Otávio", diz Edmar. "Hoje a humor, juntando comicidade e criticidade, oferecendo Já participou de exposições, salões? Quais?
admiração fica por conta das charges de Chico Caruzo, ao leitor ele-mentos para a formação de um juízo críti- Participei de várias exposições e salões de humor, no
de Angeli, Gláuco e Laerte. Estes três últimos, além das co. Não se trata de "fazer a cabeça" do leitor, o que seria Brasil e no exterior. Alguns foram muito importantes
charges, o excelente desempenho na criação de per- não só uma atitude autoritária, como também uma para mim. Em fins dos anos 70, no início de carreira,
sonagens e HQs, em particular Angeli. Em Natal, os bobagem. Mas, de dar uma opinião para o leitor formar mandei meus trabalhos para salões de humor na
ensinamentos de Emanoel Amaral, desenhista de a sua própria opinião. Não é incomum o leitor discor- Bulgária, Iugoslávia e Bélgica e fiquei contente quando
primeira linha, seja clássico ou humoristas e do pessoal dar da interpretação do chargista. Resumindo, a charge recebi os catálogos das exposições com meus desenhos
do Grupehq, desde 1975. Na sequência, fico feliz em não deve ser apenas uma piada que provoque o riso, ao lado de artistas do mundo inteiro. Em 1982, fui pre-
saber que também influenciei outros chargistas mais mas uma análise da notícia. O chargista deve ter uma miado em primeiro lugar no I Salão de Humor do Piauí
novos, excentes chargistas de uma boa safra de Natal". boa capacidade de análise e isto requer bastante leitura e em 1985 fui convidado para ser membro da sua comis-
e reflexão. Ao contrário do historiador que tem muito são julgadora, ao lado de Millor Fernandes, Chico Caruso
tempo para elaborar uma interpretação dos fatos, o e Lailson de Holanda, este último então chargista do
Cartão Amarelo
chargista precisa se posicionar instantaneamente, em Diário de Pernambuco. Em 1991, expus na cidade de
E como foi que tudo isso começou? Aos 16 anos
cima dos acontecimentos. Ostrava, República Theca. Fiquei muito feliz com uma
vindo de Nova Cruz, Edmar Viana continuou ainda
ex-posição em Natal, na Capitania das Artes, em 1996, à
fazendo desenhos para trabalhos escolares e pequenas Quais são suas principais influências? época dirigida pela jornalista Rejane Cardoso. O ano pas-
encomendas. Desenhou algumas HQs eróticas, edição Sou filhote da turma do Pasquim, o semanário que sado expus e dei uma ofici-na de caricaturas em Recife,
única, tamanho minúsculo. Era uma festa entre os marcou a imprensa de humor nos anos 70 e 80. Millôr no Festival Internacional de
amigos, até a mãe um dia descobrir uma das "revisti- Fernandes, Ziraldo, Jaguar e Henfil me influ- Humor e Quadrinhos de
nhas" no bolso da camisa. Vergonha geral, dois meses enciaram bastante, Pernambuco.
sem conseguir olhar para a cara da mãe, e a "promes- sobretudo Henfil, que
sa" de nunca mais desenhar erótico. mo-rou em Natal e com Já editou livros, histórias
Em 1973 Edmar Viana começou a fazer charges quem tive o prazer de em quadrinhos?
para o Diário de Natal, na coluna Cartão Amarelo em uma pequena convivên- Minha primeira publi-
parceria com Everaldo Lopes. Edmar Viana tem uma cia. Mas, antes disso, na cação foi uma revistinha
trajetória, ao mesmo tempo simples e vitoriosa: infância, o cara que me de quadrinhos "Ju-ca, o
Começou a trabalhar no Diário de Natal em agosto "ensinou" a desenhar foi vagalume", em 1980, pela
1973, ilustrando a coluna "Cartâo Amarelo", em Carl Barks, um desenhista editora da UFRN, cujo
parceria com Everaldo Lopes. Em 1988 foi para a da Disney, através das diretor na épo-ca era
Tribuna do Norte, onde além do Cartão Amarelo, faz revistinhas de quadrinhos. Chico Alves. Meu
charges políticas para o espaço Opinião e ilustrações Também aprendi com os primeiro livro foi "O que
diversas. Em 1975 ingressou em um movimento de desenhistas potiguares vier eu traço", de 1988,
quadrinhos Grupehq, onde publicou diversas tiras e Emanoel Amaral, Aucides editado pela Clima, de
HQ nas revistas IGAPÓ, Maturi, Revista do Grupeq, Sales, Lindeberg Revoredo Carlos Lima, que se
entre outras. Neste período criou o personagem O e Edmnar Viana. Poste- definia para mim como
Gatuno, de vida curta. Em 1980 criou e publicou a riormente, fiquei muito um "comunista avulso". Em 1992, juntamos toda a
revista O Pivete. Entre 1988 a 1991 publicou diaria- bem impressionado com o trabalho de três grandes patota aí de Natal, eu, Emanoel Amaral, Edmar Viana,
mente o Pivete na Tribuna do Norte. chargistas brasileiros do início do século 20, J. Carlos, Everaldo Lopes e Ivan Cabral e lançamos "Já era
Algumas de suas charges do Cartão Amarelo servi- Belmonte e Nássara. Ao longo do tempo, fui pegando Collor", que teve a primeira edição esgotada em 15
ram de tema para questões do vestibular da UFRN e tra- influências diversas, nacionais e estrangeiras, proces- dias e foi tirada uma segunda edicão. Lancei em 1998
balhos escolares. Edmar Viana também participou da sando no meu liquidificador, o que resultou no traba- o "Pittadas de Maluf", pela editora Boitempo e que foi
Amostra de Charges e Cartuns da Revista Nacional e lho que faço hoje. E espero que não pare de receber premiado pelo troféu HQ Mix, da Associação
Salão Henfil do RN, além de muitas exposições em novas informações e que o meu trabalho continue em Brasileira de Cartunistas, como o melhor liuvro de
Natal e no interior do Estado, além de publicações even- transformação. charges do ano, e teve edicão esgotada. Em 2003, foi
tuais em revistas e jornais do Brasil. Em parceria com a vez de "Lula, ano um", pela editora Escala. Estes
Manoel Vaz, Solino e Cláudio Oliveira lançou o jornal de Como você se profissionalizou? foram os que publiquei. Há os que organizei e ficaram
charges, cartuns e crônicas satíricas O Chafurdo, em Comecei a fazer charges diárias em 1976, na Tribuna inéditos, como "FHC na Real", de 2002, e "Malufadas
quatro edições. Com os chargistas Claudio Oliveira, do Norte. Vou completar no ano que vem 30 anos de de Marta", do ano passado. Não consegui publicá-los
Emanoel Amaral e Ivan Cabral publicou o livro Já Era carreira. Mas só passei a viver exclusivamente dos e terminei jogando no meu blog. O endereço é
Collor, coletânea de charges publicadas durante o gover- meus desenhos em 1993, quando vim para São Paulo, (http://chargistaclaudio.zip.net). Mas as duas princi-
no de Fernado Collor, logo após o Impeachement. Em e passei a publicar inicialmente nos cadernos regio- pais obras de minha autoria são Luís e Laura, o
2003 lançou o livro Cartão Amarelo 30 anos, de Edmar nais da Folha de S. Paulo, que circulavam no interior primeiro com 7 anos e a segunda com 4 anos. Pai
Viana e Everaldo Lopes, com o patrocínio da Cosern. do estado, e, posteriormente, na Folha da Tarde, da coruja é fogo!
12 nós, do RN Suplemento Natal - Junho de 2005

Guerra
O pai das histórias em quadrinhos do Brasil alinhou-se na tropa de frente da propaganda no esforço bélico durante as manobras
na Guerra do Paraguai, ajudado pelos melhores humorista do Rio de Janeiro e pela corte do Imperador Dom Pedro II
Carlos Morais

O
cartunista luso-brasileiro co e sanguinário para quem a der-
Angelo Agostini, consi- rota militar não seria castigo sufi-
derado o patriarca das ciente - seus crimes só poderiam
histórias de quadrinhos brasileiras, ser resgatados com a morte.
foi um dos militantes da linha de Sete em cada dez charges sobre a
frente na guerra de propaganda con- Guerra do Paraguai estampam a
tra o Paraguai, ajudando a criar um figura de Solano López. O
clima psicológico favorável à mobi- repertório de adjetivos que as
lização das tropas do Brasil contra o acompanha varia de patife, louco e
inimigo. O humorismo político, de- canibal a expressões bombásticas,
sencadeado neste conflito, o mais como o Nero do século XIX. A ani-
longo da História da América Latina malização do chefe inimigo é uma
(1864-1870), em que morreram, constante. Quase a metade(43%)
aproximadamente, meio milhão de das caricaturas de López o apresen-
pessoas, lançou na memória coletiva tam em forma zoológicas - abutre,
dos brasileiros uma imagem desde- cavalo, pato e cão, entre outros
nhosa e difamatória do Paraguai, bichos. Os soldados paraguaios são
demonizando a figura do caudilho mostrados como criaturas mal-
Solano López, caricatura entranhada trapilhas e esquálidas, cachorros ou
até os tempos atuais. ratos espavoridos em retirada -
O humorismo caricatural da mesmo quando, no início da guerra,
época era representado pelas revis- era o Paraguai que detinha a inicia-
tas ilustradas Semana Ilustrada, tiva militar.
Vida Fluminense e O Mosquito,
publicações de prestigiosa influên- Os negros, o peso desagradável
cia na corte de dom Pedro II, entre A pena dos melhores chargistas
os 15% de brasileiros alfabetiza- do Rio de Janeiro retratam o Brasil,
dos. O humorista, que também não por sua vez, na condição de arauto
poupou farpas aos desmandos de uma sublime tarefa, a desar-
imperiais, destacou-se na produção raigar a barbárie e transplantar a
humorista anti-paraguaia com cen- civilização ao solo guarani, escra-
tenas de desenhos. vizado por um déspota cruel. É
Sobressai, entre eles, a figura de interessante que a face não é per-
Francisco Solano López, o caudi- sonalizada na figura do imperador
lho paraguaio, retratado, inva- Dom Pedro II. Emoldurava-se o
riavelmente, como a encarnação Brasil representado como uma enti-
do mal a ser extirpado, tirano sádi- dade desapartada do governo, ao
Natal - Junho de 2005 Suplemento nós, do RN 13

de Papel
passo que o feroz López encarnava
o maléfico regime a ser crucificado.
mínio do Camboja, em pleno sécu-
lo 20, Agostini publicou na Vida
começou a se estender ao longo
dos anos, com um custo altíssimo Paraguai retrata
Os caricaturistas adotaram a Fluminense um sinistro projeto de vidas e dinheiro.
figura romântica de um índio, sím- de monumento dos paraguaios, no
o Brasil "negro"
bolo do nacionalismo, no final do qual Solano López aparece com Desaparecem as charges,
século XIX, para símbolo do uma cabeça na mão, plantado Os documentos do período
ficam os preconceitos
nacionalismo brasileiro. Mas não sobre uma montanha de sinistras O humorismo da corte só reen- exibem poucas charges produzidas
eram os índios, como o Peri idea- caveiras. contra sua veia crítica quando o pela imprensa paraguaia. Situação
lizado na pena de José de Alencar, A realidade histórica não com- inimigo se encontra praticamente explicável em razão do baixo grau
que, no cenário da vida real, supor- pactua com a distorção historiável esmagado. Agostini publica, na de sofisticação dos periódicos do
tavam o peso mais desagradável da e despacha o preconceito. O edição de 11 junho de 1870, da país de Solano López. A título de
campanha brasileira contra o Paraguai, de antes da guerra, dis- Semana Ilustrada, uma charge
Paraguai. Esse sufoco ficou sobre- tanciava-se bem longe daquele curiosidade histórico-documental,
arrebatadora: o amargo regresso
carregado aos negros escravos, grotão miserável pintado pela para evidenciar a existência, tam-
do voluntariado negro da pátria,
arregimentados à força ou seduzi- imprensa brasileira. Exibia, con- condecorado no Paraguai e que se bém, do preconceito presente nas
dos pela promessa de alforria, ao trariamente, uma economia mais encoleriza com a visão da mãe fileiras inimigas: os poucos traba-
final da guerra. avançada que a de seus vizinhos acorrentada. lhos dos desenhistas paraguaios
Passou ilesa, pela pena dos cari- sul-americanos. Pouca gente sabe: O polivalente Agostini, defen- mostram uma sintomática predis-
caturistas, essa contradição incon- apresentou-se como o primeiro
sor da abolição da escravatura e posição em retratar todos os solda-
testável, de um regime escravocrata país da região a dispor de ferrovias,
futuro crítico da República, é autor dos brasileiros na condição de
guerreando em nome da liberdade telégrafo, estaleiros e até uma
ainda de trabalhos denunciando os
e da civilização. O humorismo, afi- fundição de ferro. Um pais que, escravos africanos.
lucros embolsados pelos fornece-
nal, estava em sintonia absoluta praticamente, desconhecia o anal- Uma caracterização que, além
dores do Exército imperial. Sobre
com o discurso oficial da ação fabetismo. E é verdadeira a simpa- de não corresponder à verdade
o Paraguai devastado, nada se
armada. Essa adesão é ainda mais tia popular dos paraguaios pelo seu histórica dos fatos, reflete uma ati-
notável quando se levam em conta ditador, assim como seu talento, falou. A idéia deformada do
a irreverência e a agressividade que comprovado pela sua condição de Paraguai, difamado como uma tude racista, ainda hoje remanes-
o humor político havia atingido no estadista e chefe militar. terra de ninguém, implodiu, cente e, às vezes, desfechada e
Brasil daquela época. O engaja- Solano López foi morto pelas esfacelado pelos atropelos da guer- ressurgida na imagem do Brasil
mento dos humoristas no esforço tropas brasileiras, mas lutou,valen- ra, por corresponder à realidade. entre os vizinhos sul-americanos
de guerra fluía em consonância à temente, até o fim, ao contrário do O fim do caudilho paraguaio re-
(lembra do recente caso de Grafite
atitude geral da intelectualidade que profetizavam os chargista do presentou, ao mesmo o início de
um período imolado pela indife- com os argentinos?).
brasileira diante do conflito. Não é império, que, em mais de uma
rença com o destino do país Um desenho do jornal Cabichuí,
de estranhar, assim, que Angelo ocasião, o retrataram com as malas
Agostini, um chargista notabiliza- cheias de dinheiro, preparando-se guarani. de Assunção, um boletim oficial
do tanto pelo talento artístico, para fugir para a Europa, em com- Desapareceram o noticiário e as resenhado para elevar o moral das
quanto pelo engajamento político, panhia de sua mulher, a irlandesa charges, ficaram os preconceitos. tropas paraguaias, é destacadamente
tenha desempenhado um papel de Elisa Lynch. Os chargistas, que A imagem da selvageria paraguaia, revelador. Nele, o marquês e futuro
destaque na antropoformização do haviam compartilhado da previsão forjada pela imprensa imperial, duque de Caxias, patrono do
inimigo paraguaio. triunfalista do governo - de uma sedimenta-se no imaginário social
Exército brasileiro, é retratado com
Num de seus trabalhos mais campanha breve e fulminante, aban- da época, fincando raízes - de
os traços estereotipados de um
impactantes, que mais parece uma donaram a cobertura da Guerra do forma a manter-se viva pelos sécu-
profecia sobre os campos de exter- Paraguai, tão logo o conflito los seguintes. negro.
14 nós, do RN Suplemento Natal - Junho de 2005

Fogueiras,
fogos e
festas
juninas
Emanoel Amaral

O
ciclo de festas juninas come- de acender fogueiras no mente rural até o iní- Casamento Matuto
mora no Brasil os dias con- dia do santo. cio do século No início da nossa colonização, os
sagrados aos santos mais ven- Na América XX, a tradição colonos viviam espalhados em sítios ou
erados da tradição católica portuguesa. do Sul, os cos- de comemo- fazendas distantes umas das outras.
Começa homenageando Santo Antônio tumes antigos rar o ciclo Encontravam-se apenas nas festas que
no dia 13, tem seu ponto alto na noite eram seme- junino unissem interesses econômicos e reli-
lhantes aos vem de giosos na mesma oportunidade. A religião
que antecede o dia 24, dedicado a São
m u i t o oficial e obrigatória, tanto na metrópole
João, e termina no dia 29, destinado a do Velho
longe. portuguesa quanto nas colônias, era a
São Pedro. Estas festas eram comemo- Mundo. A católica romana. Faltavam, porém, padres
radas na Europa, antes do descobrimen- maior festa F r e i
para zelar por todo este rebanho.
to do Brasil, no período da colheita do do império Vicente do
Os fazendeiros construíam suas
trigo, por ocasião do solstício de verão, inca, a Inti S a l v a d o r, próprias capelas, muitas vezes para pagar
com muita fogueira, comilança e danças Raimi, ou n o s s o promessas, e em torno delas o povo se
coletivas. Festa do Sol, primeiro his- reunia pelo menos duas vezes por ano:
comemorado até toriador, afir- nas festas de fim de ano e nas festas ju-
Estudos históricos e antropológicos,
ma que já em ninas. Nessas ocasiões, montavam arraial,
no entanto, afirmam que estes festejos já os dias de hoje na
1627 os folguedos de com muitas barracas, cobertas por folhas
existiam bem antes do advento do catoli- cidade de Cuszo, no Peru,
São João atraíam muitos de palmeiras ou de coqueiro, para receber
cismo na Europa. Eram realizados pelos também era iluminada por a visita de algum padre ou missionário
índios aos povoados.
antigos povos iberos, cestas e godos, fogueiras. Nessas ocasiões, os incas que celebrasse missa ou batizasse os
Aliás, a culinária típica das festas
entre outros, durante a colheita de pro- comemoravam a colheita do milho e pagãos ou outras cerimônias como a
juninas vem dos próprios índios: canji-
dutos agrícolas, que prestavam homena- rendiam homenagens ao deus Sol, primeira comunhão e casamento.
responsável, segundo eles, pela fertili- ca, pamonha de milho verde, milho O povo aproveitava para vender ou
gens aos deuses do fogo e da fertilidade,
promovendo acasalamentos em meio a dade da terra. Além de acender cozido ou assado, comidas derivadas da trocar produtos agrícolas. Quanto maior a
danças em volta das fogueiras. fogueiras, promoviam banquetes e macaxeira e mandioca, batata doce, fartura, maior a festa, com muita comida,
folguedos populares, com a realização etc... Até mesmo o quentão parece ter bebida e dança. Fogueiras, balões e fogos
Os padres católicos apropriaram-se
sua origem no caium, bebida consumi- de artifícios. Esta foi a origem de muitas
dessas tradições bárbaras, adaptando-as de cerimônias coletivas de casamento.
da morna pelos índios em suas festas vilas e cidades do interior do Brasil. O
e incluindo-as no calendário católico Tudo isso, por incrível que pareça, acon- ponto alto destas festas, porém, eram os
romano. Acredita-se que Isabel teria tecia (e ainda acontece) exatamente no tradicionais. São João, no Brasil, marca
casamentos, que na maioria das vezes
acendido uma fogueira para avisar sua dia 24 de junho, data do solstício de o início do calendário agrícola. Daí os acontecia no Dia de Santo Antônio. Com
prima Maria do nascimento do seu filho inverno e de São João - normalmente a pedidos que se fazem ao santo de boas o tempo, esta cerimônia ganhou sua ver-
João, que se tornaria São João Batista. noite mais longa e fria do ano. colheitas e progresso material, além de são matuta teatralizada, animando ainda
Para os católicos, advém daí a tradição No caso do Brasil, país basica- superstições e crenças advinhatórias. mais as quadrilhas juninas.
Natal - Junho de 2005 Suplemento nós, do RN 15

D
e origem européia, os registros mais anti-
gos relacionam as quadrilhas com velhas

Quadrilha, dança de origem européia danças rurais de tradições pagãs da


Normandia e da Inglaterra. Como todas as danças
palacianas e aristocráticas que se espalharam pela
Europa, esta modalidade chegou ao Brasil com os
portugueses, com o nome de "pas de dance". O
vocábulo quadrilha, porém, vem do francês
"quadrille" e origina-se do italiano "squadro" que,
por sua vez, significa companhia de soldados dis-
postos em quadrado.
Consta que os maestros responsáveis pela intro-
dução da quadrilha no Brasil foram Milliet e
Cavalier, que encantaram, com essa modalidade de
dança, os salões da corte. Depois, ela se espalhou
pelas províncias e se fixou na região rural. Sabe-se
que os portugueses introduziram os festejos juni-
nos inicialmente pelo interior paulista.
A quadrilha tem como música original a polca,
que é uma valsa ligeira, sendo substituída, posteri-
ormente, pelos ritmos nordestinos - xote, xaxado,
baião, ciranda, marcha. Desta mistura surgiu o que
ficou conhecido como forró. Fixando-se na zona
rural, passou a ser dançada inclusive nos festejos
de casamento, quando o cortejo desfilava pelas
ruas após a celebração da cerimônia.
No entanto, a quadrilha acabou retornando aos
meios urbanos, reproduzindo as vestimentas e os
trejeitos do homem rural, uma imitação que se
transformou em caricatura, assumindo traços,
segundo Câmara Cascudo, até carnavalescos. Os
instrumentos utilizados - zabumba, triângulo e
sanfona - foram substituídos por som eletrônico e
os requebros ficaram mais dengosos e sensuais. A
quadrilha firma-se no Nordeste como ponto alto
do ciclo junino.

Tradicional e estilizada, eis a polêmica


Mais recentemente, as quadrilhas juninas ganharam
contornos de espetáculos estilizados. Em Natal e em
Mossoró, a exemplo do que ocorre em várias outras
cidades do Nordeste, grupos urbanos de jovens
concorrem a prêmios se apresentando para públicos
cada vez maiores. As mudanças nas quadrilhas, que
para alguns críticos passaram a ser apenas danças
juninas, podem ser observadas na coreografia,
figurino e na música, especialmente quando
representam bairros periféricos das cidades.
Estudiosos da cultura popular lembram, contu-
do, que a quadrilha dançada nas cidades não deno-
ta a inexistência da dança considerada tradicional
em áreas do interior. Mas é certo que o festival de
quadrilhas estilizadas realizado nos centros
urbanos passou a ter mais visibilidade para a mídia,
ganhando inclusive patrocínio de instituições
públicas. Apresenta-se como veículo para a circu-
lação de renda, favorecendo costureiras, aderecis-
tas, figurinistas, coreógrafos e trabalhadores
autônomos. Pode-se dizer que as manifestações
culturais nordestinas, com esta diversificação,
ficaram mais ricas.
Suplemento Natal - Junho de 2005
16 ..................................................................................................................................................................................

Chuva de Bala no País de Mossoró


Um espetáculo que vem ganhando proporção e mossoroenses", revela João Marcelino.
grandeza a cada ano. É o mínimo que se pode dizer O papel de Lampião foi incorporado pelo ator
da representação da peça Chuva de Bala no País de Dionísio Cosme Neto. O de Jararaca, um dos
Mossoró, encenada naquela cidade, mais cangaceiros mortos na troca de tiros com a população,
precisamente no adro da Capela de São Vicente, ficou com Kleber Pinheiro. A atriz Tony Silva, que vinha
durante os festejos do maior São João do Rio Grande se revelando como Jararaca, agora tem a função de
do Norte. Com a direção do teatrólogo João narrar as cenas. Destaque maior foi dado ao papel do
Marcelino, o texto do jornalista e escritor Tarcísio prefeito Rodolfo Fernandes, que liderou a resistência
Gurgel sobre a brava resistência do povo cívica ao bando de cangaceiros, recusando-se a pagar
mossoroense ao ataque de Lampião e seus a quantia que Lampião exigiu para não invadir a cidade.
cangaceiros à cidade, ocorrido em 27 de junho de O ator Cícero Dias interpreta o prefeito de Mossoró.
1927, ganhou um sabor especial. O espetáculo é enriquecido com imagens do
A quinta edição do espetáculo trouxe novidades. cangaço projetadas na parede da igreja, que ainda hoje
Mudanças no cenário, figurino e na adaptação do guarda furos das balas trocadas no tiroteio. Chuva de
texto do autor, que é representado, no palco, por 51 Bala no País de Mossoró, pode se dizer, é um dos
atores de Mossoró e da região. Cerca de 150 pessoas pontos altos da elástica programação junina realizada
Foto: Ângelo Gurgel

participam da produção que envolve teatro, dança e naquela cidade. Firmou-se no calendário desta festa da
música. São figurinistas, coreógrafos, bailarinos, além mesma forma como na programação natalina da capital
de atores, que contribuem para dar brilho aos 50 tem lugar de destaque o espetáculo Um Presente de
minutos de espetáculo. "Fiz várias pesquisas que vão Natal, promovido pelo Governo do Estado. São 14
deixar o público bem situado naquela época; quero apresentações, sempre nos fins de semana, com
que todos saiam com orgulho de serem encerramento previsto para o dia 26.

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