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EDITOR GERAL PREFÁCIO DE

PHILIP KEMP CHRISTOPHER FRAYLING

TUDO SOBRE
SUMÁRIO

PREFÁCIO de Christopher Frayling 6

INTRODUÇÃO 8

1 | DE 1900 A 1929 14

2 | DE 1930 A 1939 86

3 | DE 1940 A 1959 160

4 | DE 1960 A 1969 256

5 | DE 1970 A 1989 314

6 | DE 1990 ATÉ HOJE 438

GLOSSÁRIO 564

COLABORADORES 565

CITAÇÕES 566

ÍNDICE 568

CRÉDITOS DE FOTOS E ILUSTRAÇÕES 575


PREFÁCIO

E
m 1950, durante minha infância no sul de Londres, havia uma enciclopédia
para crianças na estante da nossa casa com uma seção sobre “as sete artes”.
Não sobre as nove Musas, mas sobre as sete artes. Elas eram a Literatura, a
Música, a Ópera, a Dança, o Teatro, as Artes Plásticas e o Cinema, que era descrito
como “a” forma de arte do século XX. Apesar de suas origens como uma espécie de
entretenimento de baixo nível, havia tempos que o cinema, graças a uma mistura
de avanço tecnológico, popularização, industrialização e criatividade humana, tinha
amadurecido e se tornado a sétima arte. O enciclopedista anônimo previu que,
em breve, a história do cinema – como a história da arte – adentraria os portais
sagrados da alta cultura por meio de museus, exibições e publicações acadêmicas
baseadas em diversas fontes, com direito a toda a austeridade crítica que costumava
ser aplicada às outras seis artes. No começo da minha adolescência, fui um leitor
assíduo da revista Films and Filming, que me apresentou à crítica cinematográfica
séria e que, em seus números, afirmava basicamente o mesmo:
ela fazia parte de uma série de publicações dedicadas à sétima arte.
Meio século depois, nem todas essas previsões se cumpriram. Para o
establishment artístico, ainda existem “as artes” (as seis), alguns poucos filmes
realizados por artistas e, por fim, algo chamado cinema, filmes, ou películas –
ninguém sabe ao certo. Quando companhias de teatro estreiam montagens de
filmes famosos, a cultura popular se transforma misteriosamente em arte. Quando a
Tate Modern preparou uma exibição das obras do pintor Edward Hopper, as imagens
que ilustram sua influência inegável sobre o cinema foram colocadas fora da galeria
propriamente dita; do lado da cantina, na verdade. Em uma mostra posterior sobre
“Dalí e o Cinema”, que incluía material sobre Walt Disney (1901­-1966) e Alfred
Hitchcock (1899-1980), as palavras “e o Cinema” foram reduzidas no material
promocional, por medo de que elas afugentassem o público interessado em arte.
Os motivos para essa noção de hierarquia cultural são complexos, pois envolvem
– entre várias outras coisas – o fato de que os filmes não são “colecionáveis” no
sentido tradicional do termo. Eles não tratam de comunicação interpessoal ou de
criatividade artística individual, exceto em um nível metafórico. Podem ser tanto um
negócio quanto cultura – e muitas vezes são. O que você vê não é exatamente um
artefato, mas sim parte do que costumava ser chamado de cultura de massa, que,
desde os sociólogos e filósofos da Escola de Frankfurt do entreguerras, tende a ser
contrastada com a experiência individual autêntica. O cinema não possui séculos de
tradição. Não é experimentado “ao vivo”. E é democrático. O fato de quase tudo isso
poder ser aplicado a grande parte da arte contemporânea é tacitamente esquecido.
Esse tipo de hierarquização tem raízes profundas, sobretudo na cultura britânica.
O que é estranho, se pensarmos que as fronteiras tradicionais estão se diluindo em
quase tudo o mais que se possa imaginar. Mas, quando essa noção de hierarquia
se une à polêmica atual quanto aos estudos de mídia – que assumiram o papel da
sociologia de bode expiatório daqueles que gostam de lamentar a decadência da
educação superior –, ela começa a ficar séria.
Tudo isso talvez explique o tom defensivo de muitos dos estudos sobre cinema
já publicados: uma ânsia por exibir credenciais acadêmicas e ser levado a sério por
outras disciplinas mais bem estabelecidas, geralmente literatura e história, em vez de
história da arte e estudos visuais. Essa tônica defensiva coincidiu com novas correntes
teóricas vindas da Europa, que pareciam fornecer um curriculum vitae intelectual
instantâneo para os estudos de cinema. Essa fundamentação, no entanto, foi alvo de
grandes suspeitas por diversos motivos metodológicos relacionados aos seus arquivos,
dicionários, enciclopédias e textos. O resultado foi que os estudos de cinema herdaram
uma desconfiança quanto às suas bases teóricas antes mesmo de existirem.
A disseminação do entretenimento doméstico, aliada ao amadurecimento
dos estudos sobre cinema, criou uma demanda maciça por obras de referência

6 PREFÁCIO
confiáveis, escritas de forma clara e sem jargões, sobre a história do cinema, para
contra-atacar a insipidez da maioria dos making of de extras de DVD. Essas obras
vieram colocar os relatos sobre a experiência do espectador em uma espécie
de contexto cinematográfico e histórico mais amplo, além de fornecerem uma
alternativa bem embasada às resenhas francamente promocionais, às avaliações
feitas por estrelas e às fofocas sobre valores de produção e brigas em sets de
filmagem. E talvez, acima de tudo, lançar um olhar crítico sobre o cinema numa
época em que a distribuição, a exibição, as tecnologias e a apreciação dos filmes
se encontram em um momento de inflexão. A possibilidade de congelar a imagem
certamente levou a uma análise mais detida dos filmes, mais até do que os cineastas
gostariam em muitos casos. Mas essa análise em geral se limita a anacronismos e
erros de continuidade que fazem o cinéfilo se sentir superior: o assistente de terno
e gravata enquanto os persas atacam a Babilônia em Intolerância (1916); Ilsa usando
um terninho em vez de um vestido no flashback de Paris em Casablanca (1942); um
cego usando um relógio de pulso em Os dez mandamentos (1956) e vários soldados
com um deles em Spartacus (1960); marcas de pneu modernas em inúmeros
faroestes, inclusive em No tempo das diligências (1939). E você já viu o reflexo de
David Lean (1908-1991) e sua equipe em Doutor Jivago (1965)? Este livro faz algo bem
mais interessante com as imagens congeladas ao selecionar de modo criterioso as
“cenas marcantes” de cada filme e explicar a importância delas.
Tudo sobre cinema oferece um relato cronológico da história da sétima arte,
desde a primeira exibição pública dos filmes dos irmãos Lumière em 1895 até os
filmes americanos após o 11 de Setembro, as imagens geradas por computador e o
3-D, e o cinema europeu do novo milênio. Não se trata de uma lista de nomes
e datas sobre Hollywood – o que geralmente se vê por aí –, mas sim de
uma narrativa harmônica sobre o mundo do cinema, que enfatiza culturas
cinematográficas plurais, em vez de uma cultura cinematográfica única. Todo esse
rico material está organizado tematicamente por períodos, região ou gênero. O livro
conta ainda com introduções escritas por especialistas, que situam os filmes em
seu contexto histórico; artigos sobre filmes específicos; listagens cronológicas dos
principais acontecimentos; perfis de cineastas; e quadros sobre temas relevantes
(“Das páginas para as telas”, a relação dos filmes com os movimentos artísticos da
época, música, fotografia e assim por diante). Um dos diferenciais de Tudo sobre
cinema é a importância dada à maneira como cada geração de cineastas dialoga
com as anteriores, com textos que vão e voltam no tempo em suas análises. Outro
é a alta qualidade de suas ilustrações, algo comum em obras sobre história da arte,
mas recente em livros sobre história do cinema.
As famosas palavras de abertura de Ernst Gombrich em A história da arte são:
“Na verdade, a Arte não existe. Existem apenas artistas... A Arte, com A maiúsculo,
se tornou algo como um bicho-papão e um fetiche.” Da mesma maneira, este livro
não é sobre “Cinema” ou “Filmes” em abstrato. Ele é sobre cineastas e películas e sua
importância ainda subestimada na vida de todos nós. E isso envolveu uma seleção
muito criteriosa de estudos de caso, o que é sempre um ato de bravura...

PROFESSOR CHRISTOPHER FRAYLING


HISTORIADOR, CRÍTICO E RADIALISTA, LONDRES, REINO UNIDO

PREFÁCIO 7
INTRODUÇÃO

S
erá que alguma forma de arte se espalhou tão rapidamente ou de um modo
tão universal quanto o cinema? Embora o exato momento de sua gênese seja
discutível, a maioria dos estudiosos concorda que foi em 1895: o ano em que os
irmãos Louis (1864-1948) e Auguste (1862-1954) Lumière (à direita) projetaram A saída
dos operários das usinas Lumière para os integrantes da Société d’Encouragement
pour L’Industrie Nationale, em 22 de março, e depois, em 10 de junho, fizeram uma
demonstração particular de seus filmes no Congresso Fotográfico, em Lyon. Seis meses
depois, em 28 de dezembro, no Hotel Scribe, em Paris, organizaram a primeira exibição
de filmes de todos os tempos para um público pagante.
Em meros 20 anos desses esforços pioneiros – um piscar de olhos na história da
literatura ou da arte –, os filmes passaram a ser assistidos por grandes plateias em
todo o globo. A produção estava sendo implantada nos principais países da Europa,
nos Estados Unidos, no Canadá, na Índia, na China, na Turquia, no México, no Brasil,
na Argentina e na Austrália, já apoiada por uma indústria consistente em muitos
desses lugares. Tão imediato era o apelo do cinema que Charlie Chaplin (1889-1977,
abaixo) postou-se diante de uma câmera pela primeira vez em janeiro de 1914, como
um jovem artista inglês do teatro de variedades, e, ao final daquele ano já havia se
tornado a pessoa mais reconhecida no mundo inteiro.
De forma paradoxal, um dos principais fatores para a rápida universalização
do cinema era sua grande limitação: o silêncio. Filmes mudos eram facilmente
adaptáveis, a custos baixos: bastava colocar alguns intertítulos traduzidos e um
filme podia ser exibido para plateias de qualquer lugar. Mesmo os baixos níveis
de alfabetização raramente eram uma barreira. Os frequentadores do cinema
logo se acostumaram com o murmúrio de espectadores prestativos que liam os
intertítulos para vizinhos em dificuldades. (Os japoneses, idiossincráticos como
sempre, empregavam leitores oficiais conhecidos como benshi, cuja função era ficar
de pé ao lado da tela e recontar a trama para a plateia.) É possível especular que, se
o cinema tivesse nascido no modo falado, talvez houvesse levado mais tempo para
obter aceitação mundial. Do jeito que as coisas ocorreram, quando os filmes falados
entraram em cena o hábito de ir ao cinema já estava firmemente arraigado para ser
desencorajado por barreiras da linguagem.
Os principais gêneros cinematográficos também emergiram cedo. Meses
depois das projeções dos irmãos Lumière, o ex-ilusionista Georges Méliès
(1861-1938) criava filmes de fantasia, terror e ficção científica. O documentário,

Charlie Chaplin, figura central nos


primeiros tempos do cinema, em um
cenário no Keystone Studios em 1914.
O Vagabundo, seu personagem icônico das
telas, era imediatamente reconhecível por
causa do terno desajeitado, do chapéu-coco
e da bengala de bambu.

8 INTRODUÇÃO
Auguste e Louis Lumière em Lyon, França,
em 1892. Os irmãos desenvolveram uma
câmera para fazer filmes e se tornaram
pioneiros do cinema. O primeiro filme deles
(1895) mostrava os trabalhadores deixando
a fábrica Lumière.

naturalmente, existiu desde o começo, pois muitos dos primeiros cineastas


simplesmente apontavam as câmeras para o mundo que os cercava. A comédia
veio logo em seguida, junto com os dramas de época, romances, filmes de ação,
drama psicológico, filmes de guerra, farsa, épicos da antiguidade e até mesmo
pornografia. Não surpreende a abundância de prestigiosas adaptações literárias,
inspiradas tanto pelo palco quanto pela literatura. Os faroestes foram uma opção
natural para os cineastas americanos, especialmente depois que o setor transferiu
o centro de suas atividades para a Califórnia. A animação logo surgiu, com sua
primeira ocorrência creditada a J. Stuart Blackton (1875-1941) com Humorous Phases
of Funny Faces (Fases cheias de humor de caras engraçadas, 1906). Em 1910, quase
todos os gêneros que reconhecemos hoje já tinham se estabelecido, embora alguns
de forma primitiva.
O mesmo se pode dizer a respeito das principais técnicas cinematográficas.
Levou um tempo bem curto para que os cineastas descobrissem os variados truques
da câmera. Close-ups, tomadas panorâmicas, câmera lenta, velocidade acelerada,
tela dividida (split-screen), múltipla exposição, superimposição, stop-action, quadros
congelados, fusões, fade-ins e fade-outs foram usados pela primeira vez naquelas
décadas iniciais. Pode-se dizer que os principais desenvolvimentos técnicos – à
exceção do som, da cor e do 3-D – já haviam sido inventados até 1914. O mesmo vale
para as técnicas narrativas: flashbacks e flash-forwards, edição paralela (eventos
simultâneos apresentados de forma sequencial), tomadas subjetivas, sequências
de sonhos e outros recursos estavam presentes em forma embrionária. Todos os
desenvolvimentos desde então se deram em termos de uma sofisticação cada vez
maior e de agilidade técnica. Mais jovem e mais dinâmico entre as principais formas
de arte, o cinema viajou do primitivismo ao pós-modernismo em menos de um
século, ainda trazendo as marcas de suas origens.
A revolução que tomou conta do cinema em sua terceira década de existência
teve menos relação com a técnica do que com o domínio do mercado nacional.
Antes da Primeira Guerra Mundial, as indústrias cinematográficas europeias
dominavam o mercado internacional, com a França, a Itália e a Dinamarca entre os
principais produtores. Os Estados Unidos eram importadores: em 1907, dos 1.200
filmes lançados no país, apenas 400 foram feitos internamente. Tudo mudou com a
guerra. Com a redução das atividades dos cineastas europeus por causa do conflito,
a emergente indústria cinematográfica americana – com fundos exorbitantes e
recém-estabelecida na Costa Oeste – aproveitou a oportunidade. Nos anos 1920,
Hollywood, com recursos financeiros e técnicos inigualáveis, tinha assegurado
o papel principal no mundo do cinema e se tornado um ímã irresistível para os
talentos de além-mar – situação que permanece até os dias de hoje.

INTRODUÇÃO 9
Howard Hawks no estúdio durante as
filmagens de À beira do abismo (1946), com
Lauren Bacall e Humphrey Bogart. O diretor
geralmente produzia os próprios filmes e
fazia cenas de improviso, sem a aprovação
das autoridades da censura.

Praticamente desde o início, foi reconhecido que o cinema era único em seu
imediatismo e sua acessibilidade. Para alguns, era motivo de comemoração. “Esta é
a maravilha do cinema”, entusiasmou-se a American Magazine em 1913, “é uma arte
democrática, uma arte para todas as raças... Aqui as massas da humanidade entram
através do movimento vibrante na luz que voa e na beleza que invoca o espírito
da raça.” Porém, um meio tão amplamente disseminado e influente logo caiu sob
suspeita – de vulgarizar, de emburrecer, de praticar o sensacionalismo, a lubricidade,
a propaganda política, de encorajar o consumismo desenfreado e corromper a
mente e a moral dos jovens. (Muito do que foi dito, alguns séculos antes, sobre os
romances e o teatro, que agora são pilares da cultura de elite.)
Essas condenações foram extremamente amplas. Os filmes “[não dispõem] de
qualquer característica que os redima e justifique sua existência”, rosnou o jornal
Chicago Tribune em 1907. “Lixo pecaminoso e abominável” foi como o primeiro-
-ministro britânico Ramsay MacDonald qualificou a produção de Hollywood e, bem
mais tarde, em 1958, o influente Journal of Education descartou a arte do cinema
como sendo “efêmera” e “parasítica”. Dos políticos, pregadores e professores vieram
demandas por controle, por sistemas de censura, resultando com frequência na
montagem de sistemas de autorregulamentação para o setor. O mais famoso deles
foi o Motion Producers and Distributors of America, cuja lista de limitações ficou
conhecida como o Código Hays. Mesmo assim, longe de serem tolhidos por essas
determinações mesquinhas, muitos cineastas – como Ernst Lubitsch (1892-1947,
à direita, em cima) e Howard Hawks (1896-1977, acima) – se deliciavam em usar de
sutileza para se esquivarem delas.
Um obstáculo mais duradouro e em muitos aspectos mais restritivo para a
criatividade dos cineastas estava dentro da própria estrutura do setor. De certa
forma, a própria popularidade do meio o prejudicava. Assim que se tornou evidente
o potencial de lucro que podia ser gerado pelos filmes, o aspecto comercial buscou
um domínio sobre os elementos mais experimentais ou artísticos. Embora os
três principais ramos da produção, da distribuição e da exibição permanecessem
separados, havia espaço para manobras. Porém, à medida que o poder dos estúdios

10 INTRODUÇÃO
cresceu e a integração vertical se tornou comum, o escopo para a independência
diminuiu rapidamente. Quase desde os primeiros anos, a história do cinema
oferece exemplos frequentes demais de talentos originais que foram prejudicados,
paralisados ou obrigados a ingressar no mainstream populista e medíocre. Em
quase todas as décadas, em todos os países, a produção cinematográfica é uma
batalha renhida entre os investidores que querem maximizar seus lucros e os
criadores, que desejam fazer algo de que possam se orgulhar. Os homens do dinheiro
ficariam felizes de dispensar os artistas, se pudessem, mas poucos contadores
sabem como escrever um roteiro ou dirigir um filme. (Não que esta incapacidade
tenha impedido que eles tentassem fazê-lo em diversas ocasiões.)
Portanto, diz muito a respeito da pura vitalidade do meio o fato de que, dentro
e fora dos grandes estúdios, tenham sido realizados tantos filmes excepcionais e,
como deve ser acentuado, continuam sendo feitos ainda hoje. No cinema, como
em tantas outras atividades, o mito da “era de ouro” prossegue: aquela era lendária
quando clássicos e mais clássicos eram produzidos e os padrões criativos gerais eram
vertiginosamente elevados. Em geral, quando se examina de perto, constata-se que
o mito costuma ser produzido pela memória seletiva, como também é este caso.
Vejamos, por exemplo, a suposta era de ouro de Hollywood, no apogeu dos grandes
estúdios dos anos 1930: é verdade, produziu-se Scarface – A vergonha de uma nação
(1932) e A noiva de Frankenstein (1935), Rainha Christina (1933) e Levada da breca Ernst Lubitsch com Jeanette MacDonald
em 1932. O diretor nascido na Alemanha
(1938), bem como ...E o vento levou (abaixo) e O mágico de Oz (ambos de 1939), mas ganhou renome por suas refinadas
esses são filmes que conquistaram o direito de sobreviver. Junto deles havia uma comédias de costumes. Os temas picantes
grande massa de competência duvidosa, mediocridade e falta de qualidade que e os diálogos sugestivos e oblíquos de seus
ninguém pensaria em retomar nos dias de hoje. Em qualquer época, provavelmente filmes deixavam os censores perplexos.
não mais do que 5% da produção mundial merece uma atenção mais do que
passageira e talvez esse número esteja superestimado.
De qualquer forma, houve uma série de eras de ouro cinematográficas e
Tudo sobre cinema vai chamar atenção para algumas delas: aqueles períodos –
que raramente parecem durar mais do que uma década – em que a indústria
cinematográfica de determinado país é impulsionada por uma onda de
originalidade criativa, graças a uma mistura de fatores sociais, técnicos, históricos
e econômicos. Além de Hollywood nos anos 1930, podemos destacar a Alemanha e
a Rússia soviética na década de 1920; a França na década de 1930; a Grã-Bretanha e a
Itália do neorrealismo no fim dos anos 1940; o Japão dos anos 1950; novamente
a França com a nouvelle vague nos anos 1960; os filmes da Primavera de Praga em
meados dos anos 1960, na Tchecoslováquia; mais uma vez a Alemanha, com o Novo
Cinema Alemão nos anos 1970; a Hollywood dos “pirralhos do cinema” como Martin
Scorsese (n.1942, ver p. 13, embaixo) e Robert Altman (1925-2006) na mesma década

Clark Gable lendo o best-seller de


Margaret Mitchell, ...E o vento levou, em
1939. O filme em que ele interpretou Rhett
Butler ganhou o Oscar em 10 categorias
e continua sendo uma das obras mais
populares de Hollywood em todos os
tempos.

INTRODUÇÃO 11
Jean-Luc Godard (ao centro) com Eddie
Constantine e Anna Karina em 1965. Como
outros diretores da nouvelle vague francesa,
Godard desafiou o cinema tradicional,
inspirando cineastas como Wim Wenders
(n. 1945) e Quentin Tarantino (n.1963).

e a Quinta Geração do cinema chinês, nos anos 1980. Décadas mais recentes viram o
florescimento da produção cinematográfica no Irã, na Coreia do Sul, na Tailândia, na
América Latina e na Romênia.
Em outras ocasiões – nem sempre coincidindo com uma era de ouro específica –,
certos gêneros e estilos desfrutam de uma ascensão, geralmente em reação ao
clima nacional. Olhando para Hollywood, um historiador social poderia acompanhar
a forma com que o filme noir – aquela emanação sinistra da psique americana
– emergiu das sombras de um conflito mundial iminente no momento em que
a saliência espevitada da comédia amalucada dos anos 1930 chegava ao fim de
seu ciclo e prosseguiu durante os anos paranoicos da Guerra Fria, se sobrepondo a
gêneros mais otimistas como o musical e o faroeste. Da mesma forma, é possível
vincular o ciclo dos filmes de “terror-J” que começaram com O chamado (1998), de
Hideo Nakata (n.1961), com o aumento da incerteza nacional e da desilusão que se
seguiu à crise da economia japonesa.
O segundo século do cinema parece destinado a assistir a mudanças
revolucionárias nesta forma de arte e possivelmente sua metamorfose em algo
radicalmente diferente. Nas últimas três décadas, com o advento e a crescente
sofisticação das imagens geradas por computador (CGI), o cinema se tornou
cada vez mais conduzido pela tecnologia. É algo inédito, como se poderia dizer.
Os primeiros aprimoramentos importantes na tecnologia cinematográfica – som,
cor e widescreen (tela panorâmica) –, embora tivessem um impacto profundo,
permaneceram subordinados ao processo de produção cinematográfica. Mesmo
quando suas palavras podiam ser ouvidas e as ações vistas em Technicolor, em telas
imensas, os atores ainda atuavam diante de uma câmera em um estúdio ou locação,
como antes. Porém, os computadores revolucionaram o cinema de live-action talvez
mais do que a animação. Afinal de contas, os realizadores de Toy Story (1995) e seus
sucessores ainda estão pintando desenhos animados como fizeram os artistas da
Disney em Bambi (1942). Tudo o que mudou foram as ferramentas.
Nos filmes de live-action não são apenas enormes monstros e vastos exércitos
(como na Batalha do Abismo de Helm em O senhor dos anéis – As duas torres,
2002) que podem ser criados na tela, mas os atores podem aparecer em paisagens
complexas sem nunca as terem visto. Os próprios atores podem ser fabricados
por meio da captura de movimentos – basta assistir à atuação de Andy Serkis
como Gollum, no mesmo filme – e talvez até se tornem supérfluos à medida que
as técnicas de CGI e captura de movimento ficarem mais sofisticadas. Em pouco
tempo, poderemos ver o primeiro ator “humano” convincente inteiramente gerado
por computador e estrelas falecidas poderão ser ressuscitadas em novas atuações.
Marilyn Monroe ainda poderá estrelar um filme com Humphrey Bogart. Enquanto
isso, o cinema pode seguir o mesmo caminho do music hall: em 50 anos, os filmes
como os conhecemos e os experimentamos talvez se tornem antiquados.

12 INTRODUÇÃO
Neste ponto, porém, é possível acreditar que o século XXI seja uma espécie
de era de ouro para os cinéfilos. O desenvolvimento do vídeo, dos DVDs e dos
downloads permite que mais tesouros do cinema mundial do passado e do presente
estejam acessíveis do que em qualquer outro momento. Há pouco tempo, ter
contato com clássicos ou filmes de língua estrangeira significava necessariamente
viver nas imediações de um cinema de arte em uma grande cidade ou confiar
na casual exibição na televisão. Hoje, é provável que os leitores deste livro sejam
capazes de assistir ou rever todos os filmes apresentados nestas páginas, julgando
nossas inclusões e omissões, chegando às próprias conclusões sobre nossos
vereditos.
O propósito deste volume é proporcionar uma visão geral do cinema desde o
início até os dias atuais e dar uma ideia de seu escopo cada vez mais abrangente.
É, naturalmente, uma tarefa ambiciosa: o cinema é versátil e multifacetado demais
para caber em apenas um volume e excessivamente ambíguo para ser definido.
O cinema, como declarou Jean-Luc Godard (n.1930, à esquerda), é “a verdade a 24
quadros por segundo” – o que parece impressionante até que se considere, digamos,
obras como o antissemita Jud Süss (1940), de Veit Harlan (1899-1954). Sam Fuller
Sam Fuller nas filmagens de Agonia
(1912-1997, à direita) talvez tenha chegado mais perto ao descrever o cinema como
e glória (1980), sobre a Segunda Guerra
“um campo de batalha: amor, ódio, ação, morte. Em uma palavra: emoção”. Embora Mundial. Os filmes de Fuller, contundentes
isso mal se aplique às animações abstratas de Hans Richter (1919-2008) ou Oskar e de baixo orçamento, refletem sua carreira
Fischinger (1900-1967). anterior como jornalista em tabloides.
Em Tudo sobre cinema, optamos por uma série de tomadas de introdução,
cada uma apresentando uma fase significativa ou um elemento na história do
meio – uma década crucial, uma tendência, um gênero ou o ponto alto na produção
de um determinado país ou região –, antes de partir para os close-ups de filmes
marcantes do momento em questão. O critério deu preferência aos exemplares mais
representativos e esclarecedores, em vez daqueles que poderiam ser considerados
“os melhores”. Os leitores e os críticos não terão dificuldades em identificar lacunas:
em um livro desse tipo, decidir o que vai ficar de fora é um processo mais doloroso
do que decidir o que incluir. Os filmes despertam discussões das mais apaixonadas e
desavenças, como qualquer outra arte, ou talvez até mais do que as outras artes. Se
este livro provocar debates, sugestões ou furiosas objeções, se provocar reavaliações,
pró ou contra, se inspirar os leitores a buscarem obras, cineastas, gêneros ou
produções nacionais que teriam de outra forma ignorado – ele terá cumprido seu
objetivo. PK

Martin Scorsese (no meio) durante as


filmagens de Caminhos perigosos (1973)
com Robert De Niro e Harvey Keitel.
O cineasta escreveu o roteiro baseando-se
em acontecimentos reais que ele
testemunhou na adolescência passada
no bairro de Little Italy, em Nova York.

INTRODUÇÃO 13

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