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ÍNDIOS
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Mas qual terá sido o impacto prático do Renascimento para o homem comum?
O advento da imprensa – graças à invenção dos tipos móveis por Gutenberg na década de 1450 –
tornou‐se poderoso fator de transformação social, ao acelerar e expandir a circulação das ideias
para um público cada vez mais extenso, incentivando o desenvolvimento da cultura letrada,
ainda bastante limitada. Embora muitos fossem analfabetos, as informações eram repassadas
pelos que liam e repetidas oralmente aos demais, contribuindo para alargar a visão de mundo e
para reordenar os papéis a serem desempenhados pelos homens na sociedade.
O tempo passou a ser contado com maior exatidão do que antes, quando o máximo de que se
dispunha eram ampulhetas, quando não o badalar dos sinos das igrejas. O relógio mecânico,
composto por complexa engrenagem de rodas denteadas, molas e ponteiros, tornava precisa a
indicação de horas e minutos, aumentando o controle sobre as rotinas diárias. Tratados como
verdadeiros objetos de arte, ficavam muitas vezes expostos em edificações e praças públicas,
enfeitando a paisagem e ordenando os afazeres, fixando e disciplinando compromissos ou a
contagem das horas trabalhadas.
A aplicação dos símbolos matemáticos + e –, em vez de escritos por extenso, o uso de frações
decimais, a invenção da máquina de calcular por Blaise Pascal, em 1642, a padronização de
pesos, medidas e valores monetários garantiam contas mais rápidas e a exatidão de quantidades
e preços, auxiliando os registros comerciais de compra e venda de mercadorias.
O teatro, por sinal, mobilizava grandes públicos e era um veículo importante para disseminar as
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17/05/2016 A razão brilha para todos Revista de História
Embora os efeitos do Renascimento se fizessem sentir principalmente nas cidades, os locais mais
afastados também foram influenciados pelas transformações da época. A rotina dos camponeses
e das classes populares nunca mais seria a mesma: na forma de comer, no modo de trabalhar,
nas relações sociais, na crítica aos valores estabelecidos, na relação com Deus e com o clero. Um
mundo com maior presença da razão começava a ganhar força e a moldar as raízes do homem
contemporâneo.
Mas a soberania da razão não impede a renovação dos horrores humanos: guerras religiosas e
pela formação de Estados, a miséria e a fome que se alastravam pela Europa, armas de fogo
mais potentes, a violência da conquista de novas terras e povos, a escravização de africanos. Os
questionamentos à ordem estabelecida também geraram reações conservadoras, principalmente
da Igreja. A Inquisição foi intensificada, espalhando uma atmosfera de perseguição e medo nas
sociedades sob a alçada do Santo Ofício, como Portugal, Espanha e Itália. Perseguiam‐se bruxas,
hereges, protestantes, homossexuais, descendentes de judeus e mouros, proibiam‐se livros e a
divulgação de valores contrários à moral cristã. Indivíduos eram denunciados, presos, processados
e, no limite, condenados à morte. Não eram poucos os que continuavam a acreditar em
superstições, na influência do diabo e nos castigos divinos como explicação para os problemas do
dia a dia. Os pintores flamengos Hieronymus Bosch e Pieter Brueghel, em quadros como Juízo
Final e O triunfo da Morte, retrataram os terrores que alimentavam o imaginário popular,
recheado de monstros, doenças, demônios, fantasmas, vícios, seres híbridos, hermafroditas.
Se hoje as obras de arte renascentistas são conhecidas em todo o mundo, na época eram
financiadas por mecenas e costumavam ficar restritas a poucos, enfeitando palácios ou
residências burguesas. Foi em termos de impacto social e cultural que o Renascimento extrapolou
todos os limites. “Penso, logo existo”, filosofou Descartes. Quando o pensamento humano se
liberta, um novo mundo pode existir.
Angelo Adriano Faria Assisé professor da Universidade Federal de Viçosa e autor de João Nunes,
um rabi escatológico na Nova Lusitânia: sociedade colonial e inquisição no nordeste
quinhentista (Alameda, 2011), e de Macabeias da Colônia: Criptojudaísmo feminino na Bahia
(Alameda, 2012).
BURCKHARDT, Jacob. A cultura do Renascimento na Itália. São Paulo: Companhia das Letras,
1991.
BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna. Europa, 1500‐1800. 2. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989.
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