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Considerações práticas sobre o teste de DQO

Nota Técnica

Considerações práticas sobre o teste de demanda


química de oxigênio (dqo) aplicado a análise de
efluentes anaeróbios

Practical aspects of the chemical oxygen demand (COD) test


applied to the analysis of anaerobic effluents
Sérgio F. de Aquino
Bacharel e Licenciado em Química (UFV). Mestre em Hidráulica e Saneamento (USP-São Carlos). Ph.D. em
Engenharia Química (Imperial College London). Professor Adjunto do Departamento de Química da UFOP

Silvana de Queiroz Silva


Bacharel em Ciências Biológicas (UFSCAR). Mestre em Hidráulica e Saneamento (USP-São Carlos). Ph.D. em
Microbiologia Ambiental (University of Essex). Pós-Doutoranda do Departamento de Engenharia Sanitária
em Ambiental da UFMG

Carlos A. L.Chernicharo
Engenheiro Civil (UFMG). Mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos (UFMG). Ph.D. em
Engenharia Ambiental (University of Newcastle Upon Tyne). Professor Adjunto do Departamento de Engenharia
Sanitária e Ambiental da UFMG

Recebido: 12/04/06 Aceito: 18/07/06


Resumo Abstract
Este artigo apresenta resultados de testes laboratoriais que This paper presents practical results on the influence of chloride,
investigaram a influência dos íons cloreto, amonium, ferro amonium, sulphide and iron on the chemical oxygen demand
e sulfeto no teste de demanda química de oxigênio (DQO), (COD) test, as well as experimental values of stoichiometric
bem como valores dos coeficientes de conversão da matéria coefficients to convert the specific organic matter (protein,
orgânica específica (proteínas, carboidratos e lipídeos) deter- carbohydrate and lipid) into COD. The paper also presents
minados empiricamente. O artigo apresenta, ainda, resultados results that compare the titrimetric and colorimetric methods
da comparação dos métodos colorimétrico e titulométrico used to measure the COD and makes a critical analysis of the
de determinação da DQO e faz uma discussão crítica do uso use of COD test as a tool to monitor the efficiency of anaerobic
do teste de DQO como parâmetro de monitoramento da treatment systems.
eficiência de sistemas de tratamento anaeróbio.

Palavras-chave: Demanda Química de Oxigênio Keywords: Chemical Oxygen Demand (COD), wastewater
(DQO), tatamento de águas residuárias, sulfeto, ions amônia, treatment, anaerobic treatment, sulphide, amonium, chloride,
cloreto, ferro. iron.
INTRODUÇÃO A DQO de amostras de águas Por sua vez, a grande restrição ao
residuárias pode ser determinada pelos método colorimétrico reside no fato de
A demanda química de oxigênio métodos titulométrico e colorimétri- ele só poder ser usado em amostras que
(DQO) é um parâmetro global utiliza- co. A principal vantagem do método não exibem turbidez ou cor (principal-
do como indicador do conteúdo orgâ- titulométrico é a possibilidade de sua mente com absorção máxima em torno
nico de águas residuárias e superficiais, utilização em amostras de elevada turbi- de 600 nm) persistentes após a digestão
e bastante utilizado no monitoramento dez e cor residuais após a digestão com da amostra. Vale ressaltar que no proce-
de estações de tratamento de efluen- dicromato. Suas desvantagens incluem dimento colorimétrico é essencial que a
tes líquidos. Embora a resolução o consumo e preparo de agente titulante cubeta ou tubo de vidro utilizados para
CONAMA 357/05 não faça referência e indicador, o uso de vidraria adicional leitura da absorção não estejam avaria-
ao parâmetro DQO na classificação (erlemeyers e aparato de titulação), e a dos, e que os recipientes utilizados na
dos corpos d’água e nos padrões de potencial relativização do ponto final leitura das amostras sejam os mesmos
lançamento de efluentes líquidos, da titulação, ou seja, cada analista pode utilizados para a construção da curva
algumas legislações ambientais esta- ter uma percepção diferente do ponto de calibração. Desta forma, é desacon-
duais estabelecem limites máximos de mudança de cor que determina o selhável a utilização do próprio tubo
para este parâmetro em seus padrões término da titulação com o sulfato de reação para a leitura da absorção em
de lançamento. ferroso amoniacal (FAS). aparelhos do tipo DR2000, devendo-se,

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nesses casos, transferir as amostras dige- DQO, Vogel et al (2000) propuseram de Fe (II), Mn (II), sulfeto, íons amônia
ridas do tubo de reação para um tubo o uso do conceito do número médio e cloretos, além da concentração de
de leitura isento de ranhuras e de uso de oxidação do carbono (MOC – mean dicromato e tempo de reação, no valor
exclusivo no espectrofotômetro. oxidation number of carbon), i.e. a re- experimental da DQO de lixiviados
A DQO mede, indiretamente, lação COT/DQO (carbono orgânico de aterro sanitário. Os pesquisadores
os equivalentes redutores (elementos total dividido pela demanda química mostraram que aproximadamente um
com baixo número de oxidação, ou de oxigênio) para avaliar com mais terço da DQO dos lixiviados estudados
seja, reduzidos) presentes na amostra precisão a remoção de matéria orgânica eram devido a substâncias inorgânicas
em questão. Dessa forma, causará em sistemas de tratamento. Geralmente, presentes, e concluíram que a DQO
DQO a amostra que contiver subs- uma baixa relação COT/DQO indica não pode ser utilizada como único parâ-
tâncias orgânicas e/ou inorgânicas baixo conteúdo de carbono e/ou baixo metro de medida do conteúdo orgânico
passíveis de oxidação pelo dicromato número médio de oxidação do carbono de lixiviados uma vez que substâncias
de potássio (K2Cr2O7) em meio ácido. (MOC). Como mostra a Figura 1, a inorgânicas, bem como suas interações,
Em se tratando de esgotos tipicamente presença de heteroátomos (elementos podem interferir no resultado da DQO.
domésticos, a fração orgânica, em diferentes do carbono e hidrogênio: Vogel et al (2000) classificaram as subs-
geral, supera a fração inorgânica redu- N, S, O, P) tende a aumentar a polari- tâncias que interferem no teste de DQO
zida, e a DQO pode ser utilizada, sem dade dos compostos orgânicos e levar em: completamente; parcialmente; e
maiores problemas, para quantificar ao aumento do número de oxidação dificilmente oxidáveis. Segundo esses
diretamente a matéria orgânica oxidável médio do carbono, aumentando, con- pesquisadores, os íons sulfeto, nitrito,
presente. Entretanto, alguns efluentes sequentemente, a relação COT/DQO. cloreto e Fe (II) seriam completamente
industriais podem conter significativas Como regra geral, quanto maior o nú- oxidáveis, enquanto o íon amônio seria
concentrações de substâncias inorgâni- mero de insaturações e/ou a presença de dificilmente oxidável.
cas reduzidas, que podem ser oxidadas heteroátomos mais eletronegativos que Com base no exposto, o objetivo
pelo dicromato e causar DQO. Além do o carbono, maior será o número de oxi- desse artigo é apresentar resultados ex-
mais, uma expressiva contribuição das dação médio do carbono, o que tenderia perimentais do efeito dos íons cloreto,
substâncias inorgânicas para a DQO a abaixar o valor da DQO, resultando, amonium, ferro e sulfeto no teste de
pode resultar em uma baixa relação consequentemente, em maior relação demanda química de oxigênio (DQO),
DBO/DQO e à errônea conclusão COT/DQO. Pode-se afirmar, ainda, que e discutir suas implicações. Ademais,
de que o tratamento biológico não é quanto menor a relação entre o número este artigo apresenta valores experimen-
susceptível, a despeito de a fração or- de carbono e de heteroátomos em uma tais de coeficientes para conversão da
gânica poder ser facilmente degradável. molécula (C/heteroátomo), maior é a matéria orgânica específica (proteínas,
Como exemplo, o monitoramento de polaridade da molécula e mais hidrofílica carboidratos e lipídeos) em DQO.
um sistema de tratamento que recebe ela deveria ser.
contribuição significativa de substâncias Se a análise da eficiência de um MATERIAIS E MÉTODOS
inorgânicas oxidáveis, ou que resulta na sistema de tratamento na remoção de
produção de substâncias reduzidas (Ex. matéria orgânica for feita apenas com Análise da DQO
sulfetos durante o tratamento anaeró- base na DQO, deve-se ter em mente
bio) pode subestimar a capacidade do que compostos inorgânicos reduzidos, O método padrão para determina-
sistema na remoção de matéria orgânica tanto na forma dissolvida quanto par- ção da DQO utiliza dicromato de po-
afluente. ticulada, podem contribuir significa- tássio (K2Cr2O7) como agente oxidante.
Para evitar problemas de interpre- tivamente para a DQO. Kylefors et al Embora haja dois métodos distintos
tação associados ao uso do parâmetro (2003) estudaram os efeitos da presença para a quantificação do dicromato não

n-butano Ácido butírico Fenil alanina


Oxigênio: Relação C/O: 2 Oxigênio: 2
Nitrogênio: 0 Nitrogênio: 0 Relação C/N: 9
MOC: -2.5 MOC: -1 MOC: -0.4

COT/DQO

0.2 0.3 0.4 0.5

Triptofano
Oxigênio: 2 Histidina
Ácido succínico Oxigênio: 2
Relação C/N: 5.5 Nitrogênio: 0 Relação C/N: 2
MOC: -0.3 Relação C/O: 1 MOC: +0.5
MOC: +0.5

Figura 1 – Variação do número médio de oxidação do carbono (MOC) em


função da relação COT/DQO calculada

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oxidado, a saber métodos titulométrico de óleo de soja (solução de lipídeo), consumo excessivo do agente titulante.
e colorimétrico, o procedimento de 2 g/L de glicose (solução de carboidra- Entretanto, esse procedimento restrin-
preparo e digestão das amostras é o to), 1 g/L de hidrogênio fitalato de po- ge a faixa de análise da DQO, uma
mesmo para ambos. tássio (solução padrão de DQO), 0,2 g/L vez que a curva de calibração é linear
Nos experimentos apresentados de NH4OH (solução de íons amônia), somente até 400 mg/L (dados não apre-
nesse artigo a DQO foi determina- 2 g/L de NaCl (solução de cloreto), sentados). No método colorimétrico
da partindo-se de 2 mL de amostra 0,2 g/l de Na2S.9H2O (solução de sulfe- utiliza-se uma sollução de dicromato
bruta ou diluída que foi transferida to), 0,35 g/L de FeCl2 (solução de ferro mais concentrada (0,0347 M) e nesse
para frascos de reação (tipo Hach), II), 0,35 g/L de FeSO4.7H2O (solução caso a curva obtida passa a ser linear até
aos quais foram adicionados 2 mL de de ferro III). Todas as soluções foram aproximadamente 1000 mg/L (dados
solução de dicromato de potássio e preparadas com reagentes de padrão não apresentados), o que permite o seu
3,5 mL de ácido sulfúrico concentrado analítico em água destilada e diluídas uso com amostras concentradas sem
contendo o catalisador sulfato de prata apropriadamente nos tubos de DQO para necessidade de diluição.
(5,5 gAg2SO4/kgH2SO4). Duas soluções alcançar as concentrações desejadas. A Figura 2 (A e B) apresenta
de dicromato de potássio foram utiliza- No primeiro experimento para resultados da comparação do método
das, uma para o método titulométrico determinação da DQO da matéria colorimétrico e titulométrico quando
(0,0167 M) e outra para o método orgânica específica, a caseína e o óleo aplicado à amostras do padrão KHP e
colorimétrico (0,0347 M), mas am- de soja foram solubilizados por hidró- percebe-se que os resultados experimen-
bas continham o sulfato de mercúrio lise alcalina usando-se NaOH 0,1 M, tais obtidos foram bem próximos ao
(HgSO4 0,1125 M ou 33,3 g/L) para enquanto que no segundo experimento valor teórico. A Figura 2 (C e D) mostra
minimizar a interferência causada pelos o óleo de soja foi solubilizado por ainda resultados da comparação dos
cloretos. Admitindo uma relação ideal hidrólise ácida usando H2SO4 (50% métodos colorimétrico e titulométrico
Hg2+:Cl- de 10:1 (APHA, 1998), o mer- massa/massa). Como as hidrólises não aplicados à amostras de esgoto sanitário
cúrio adicionado poderia complexar até resultam em mudança no número bruto (P19 e P20) e de efluentes de dois
3.330 mg/L de cloretos, quase o dobro médio de oxidação do carbono, tais reatores UASB (P21 e P22) em escala
da concentração máxima de cloretos procedimentos não deveriam alterar a de demonstração. Percebe-se que para
utilizada em alguns testes apresentados DQO dos hidrolisados. a maioria das amostras coletadas em
nesse artigo. Após a adição dos reagentes duas campanhas distintas, os valores de
os tubos de reação eram tampados e Amostras de esgoto DQO obtidos com a metodologia colo-
levados para a digestão, por duas ho- sanitário e efluentes rimétrica não foram significativamente
ras, em termoreator (Hach) mantido a anaeróbios diferentes quando comparados com os
150 oC. Após a digestão as amostras valores obtidos com o método titulo-
eram resfriadas e a quantidade de A comparação dos métodos titu- métrico. Na maioria das amostras, a
dicromato não reduzido (Cr2O72-) era lométrico e colorimétrico empregou, diferença observada encontra-se dentro
avaliada pelo método titulométrico, ao além da solução padrão de KHP, amos- da faixa de variação do método, e além
passo que pelo método colorimétrico tras brutas e filtradas (por membranas disso não foi observado nenhum padrão
avaliava-se a quantidade de cromo re- com diâmetro de poro de 1,2 μm) de ou regularidade nas diferenças, ou seja,
duzido (Cr III), conforme descrito no esgoto sanitário e de efluente de reator não pode-se dizer que a DQO obtida
Standard Methods (APHA, 1998). UASB. As amostras foram coletadas em pelo método titulométrico é sempre
No m é t o d o c o l o r i m é t r i c o duas campanhas distintas em reatores maior que àquela obtida pelo método
a leitura da absorbância foi feita a anaeróbios operados em escala de de- colorimétrico ou vice-versa.
600 nm, sendo as amostras transferidas monstração na estação emperimental
do frasco de reação para um tubo de do DESA-UFMG junto à ETE-Arrudas DQO de solução de íons
leitura de uso exclusivo no espectro- (Belo Horizonte, MG). amônia e proteínas
fotômetro DR2010. A concentração
de DQO foi calculada a partir de RESULTADOS E De acordo com o Standard Methods
curva de calibração feita utilizando-se DISCUSSÃO (APHA, 1998) a oxidação da maioria
KHP – hidrogenoftalato de po- dos compostos durante o teste de DQO
tássio (C 8 H 5 O 4 K) como padrão. Comparação dos métodos é de 95 a 100% do valor teórico, e
Através da equação da oxidação titulométrico e colorimétrico embora o teste de DQO seja frequente-
do KHP deduz-se que 1 mg/L de mente utilizado como indicação do teor
KHP exerce uma DQO teórica de A primeira parte desse artigo de matéria orgânica reduzida presente
1,176 mgO2/L. Essa relação é então objetiva comparar resultados de DQO em uma amostra, algumas substâncias
usada para preparação de diferentes so- obtidos com os métodos colorimétrico e reduzidas não são oxidadas pelo dicro-
luções de padrão de DQO conhecida. titulométrico, e fazer uma análise crítica mato. Uma determinada substância
em relação ao uso de ambas. Embora pode não causar DQO por três razões
Soluções utilizadas nos procedimento de digestão seja o mesmo principais: elevada volatilidade; ele-
diferentes ensaios nas duas metodologias, a concentração vado estado de oxidação; e resistência
da solução de dicromato é diferente. à oxidação. Substâncias voláteis (ex.
As seguintes soluções estoques Durante o método titulométrico usa- tolueno) quando aquecidas durante o
foram utilizadas nos ensaios: 1 g/L de se uma solução de dicromato mais teste deixam o meio reacional contendo
caseína (solução de proteína), 20 g/L fraca (0,0167 M) de forma a evitar o o dicromato para permanecerem no

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600 600

Titulométrico DQOtit = 1,1116*DQOreal + 10,723


500 500
DQO medida (mg/L) 2
Colorimétrico R = 0,9883
400

DQO tit (mg/L)


400

300 300

200 200

100 100
0
0
50 200 500
0 50 100 150 200 250 300 350 400 450 500

A DQO do KHP (mg/L) B DQO KHP (mg/L)

1a Campanha 2a Campanha
700 700

600 Colorimétrico 600 Colorimétrico


D Q O (m g /L )

DQ O (m g /L )
500 Titulométrico 500 Titulométrico
400 400

300 300

200 200

100 100

0 0
P19 P19F P20 P20F P21 P21F P22 P22F P19 P19F P20 P20F P21 P21F P22 P22F

C Ponto coleta D Ponto de coleta

Figura 2 - Comparação dos métodos colorimétrico e titulométrico na determinação de DQO de


solução padrão e de amostras brutas e filtradas (F) de afluente (P19 e P20)
e efluente (P21 e P22) de reatores UASB

headspace do frasco de reação, enquanto decorrentes da disposição final do resí- e nitrogênio molecular (N2), consu-
que elementos no mais elevado estado duo da DQO, o sulfato de mercúrio é mindo dessa forma dicromato e exer-
de oxidação não podem ser oxidados. adicionado à solução reagente usada na cendo DQO. Por sua vez, se o nitrogê-
Algumas substâncias são naturalmente maioria dos laboratórios que realizam o nio estiver presente como grupo amino
resistentes à oxidação pelo dicromato, teste de DQO. (-NH2) como no caso das proteínas, ele
como é o caso da piridina (composto No teste de DQO, o principal será, durante o teste de DQO, apenas
aromático com um anel de 5 carbonos e agente redutor é o carbono orgânico, hidrolizado a íons amônia (NH 4+).
1 nitrogênio) e do ácido trifluoroacético i.e., ligado covalentemente a si próprio Como não há, nesse caso, alteração
(Vogel et al, 2000). ou outros elementos. Nesse caso o car- no número de oxidação do nitrogênio
De acordo com o Standard Methods, bono reduzido é oxidado a CO2 con- (-3), não há consumo de dicromato
alguns compostos podem ser oxidados de sumindo equivalentes de dicromato. nem demanda de DQO. Embora o
forma mais efetiva quando o catalisador Se outros elementos constituintes da Standard Methods saliente que os íons
sulfato de prata (Ag2SO4) é adicionado matéria orgânica estiverem em estado amônia não podem ser oxidados pelo
ao meio reacional. Como a prata reage reduzido, eles também podem causar dicromato, há controvérsia a respeito
com haletos (Cl-, Br-, I-) para formar DQO, a depender do elemento e do da sua oxidação, principalmente na
precipitados, a presença desses sais pode seu estado de oxidação. Sendo assim, presença de íons cloretos, e os expe-
interferir negativamente no teste por durante o teste de DQO, o nitrogênio rimentos que se seguem objetivaram
reduzir a quantidade efetiva de catali- orgânico pode ser convertido a íon investigar a concentração mínima de
sador em solução. Por outro lado, o íon amônium (NH4+), a nitrato (NO3-) ou cloretos necessária para causar a oxida-
cloreto pode ser oxidado a cloro (Cl2) a nitrogênio gasoso (N2), a depender ção dos íons amônia.
durante o teste, exercendo DQO. De do estado de oxidação do nitrogênio Uma simulação de oxidação
acordo com o Standard Methods a in- no composto nitrogenado (Sawyer & do íon NH 4+ a NO 3- pelo Cr 2O 72-
terferência causada pelos cloretos pode Mccarty, 1985). Segundo Vogel et al, (reduzido a Cr3+ durante o teste), foi
ser minimizada pela adição de sulfato (2000), se o nitrogênio estiver presente realizada para demonstrar o que ocorre
de mercúrio (HgSO4) para formar o em um composto nas formas nitro na etapa de digestão durante a análise
precipitado HgCl2; e a despeito dos (-NO2), ou azo (-N=N-) ele será res- de DQO. A reação de oxi-redução é
problemas ambientais e/ou gerenciais pectivamente oxidado a nitrato (NO3-) representada pela Equação 1.

1 8 NH4+ + 3 8 H2O " 1 8 NO3- + 5 4 H+ + e- (semi-reação doação e-)


1 6 Cr2O72 - + e- + 7 3 H+ " 1 3 Cr3 + + 7 6 H2O (semi-reação aceitação e-) (1)
2 _ 3
1 8 NH4+ + 1 6 Cr2O7 - + 13 12 H+ " 1 8 NO3 + 1 3 Cr + + 19 24 H2O DGc =- 43, 3 kJ/mol

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Embora a Equação 1 seja espon-
tânea ( D Go < 0) nas condições padrão 0
0 20 40 60 80 100 120
(T = 273 K, p = 1 atm), é possível que -10
a reação não seja espontânea nas con- Conversao 99,99%
dições de digestão empregadas no teste -20
Conversao 90%
de DQO. A Figura 3 apresenta uma

DG (kJ/mol)
-30 Conversao 50%
simulação da variação do D G, corrigido Conversao 1%
para as condições do teste conforme a -40

equação 2, em função da concentração -50


inicial de íons amônia e do grau de
oxidação durante o teste. Para efetuar -60
a correção é necessário conhecer a
-70
temperatura (150 oC) e as concentra-
ções iniciais de reagentes (Cr2O72- = Conc. NH4+ (mg/L)
9,5×10-3 mol.L-1, H+ = 10-1 mol.L-1 e
NH4+ variou de 0 a 6,7×10-3 mol/L) Figura 3 – Simulação da variação de energia livre durante o
bem como calcular a concentração de teste de DQO para diferentes concentrações de íons amônio
equilíbrio dos produtos, o que foi feito
a partir das relações estequiométricas e maiores que 117 mg/L (dentro do frasco tando em um coeficiente estequiométrico
do grau de conversão adotado. de DQO), o reagente dicromato passa médio de 1,27 mgDQO/mgCaseína.
a ser o reagente limitante. Dessa forma, O valor determinado experimental-
8 NO- 8 7 3 +A 3
3 B : Cr
1 1
: 7 H2OA24
19
qualquer íon amônia em excesso não mente aproxima-se do valor obtido
DG = DG0 + R.T. ln deveria ser oxidado pura e simplesmente teoricamente quando se considera a
8 NH+4 B8 : 8Cr2O27 -B 6 : 7 H+A12
1 1 13

devido a falta de agente oxidante. DQO teórica resultante da oxidação


(2) Embora o estudo teórico tenha mos- de uma proteína de fórmula genérica
trado que o íon amônia pode ser oxidado C16H24O5N4.
A Figura 3 mostra que, para a durante o teste, os resultados experimen- Na Equação 3 considerou-se a con-
faixa de concentração de 1 a 120 mg/L tais mostram o contrário. A Figura 4 versão do nitrogênio orgânico em NH4+,
de NH4+, a oxidação dos íons amônia apresenta resultados de um experimento e dessa forma o consumo de oxigênio
é termodinamicamente favorável para realizado para se determinar a DQO de é devido apenas à oxidação da parte
diferentes graus de oxidação (de 1 a solução padrão de íons amonium (NH4+) carbonácea constituinte das proteínas.
99,99%). Percebe-se que a medida que e de proteínas. Ambos ensaios foram A Equação 3 mostra que 1/66 mol de
a concentração de íons amônia aumenta, realizados pelo método colorimétrico e C16H24O5N4 consome ¼ mol de O2, ou
há uma diminuição do valor (em mó- cada ponto na curva representa a média seja, 1 mg de proteína consumiria teo-
dulo) de D G da reação. É possível que de triplicatas analisadas. ricamente 1,5 mg de DQO. Pela Equa-
a reação passe a ser não espontânea com A Figura 4 mostra que a DQO exer- ção 4 percebe-se que se o íon amônia
valores elevados de íons amônia, entre- cida pela proteína caseína foi diretamente fosse oxidado durante o teste de DQO,
tanto para concentrações de íons amônia proporcional a sua concentração, resul- 1/8 mol de NH4+ consumiria ¼ mol de

1 66 C16H24O5N4 + 31 66 H2O " 12 66 CO2 + 4 66 NH+4 + 4 66 HCO-3 + H+ + e- (semi-reação doação e-)


1
4 O2 + e- + H+ " 1 2 H2O (semi-reação aceitação e-)
1 66 C16H24O5N4 + 1 4 O2 " 2 66 H2 12 66 CO2 + 4 66 NH+4 + 4 66 HCO-3 (Reação global) (3)

1 8 NH+4 + 3 8 H2O " 1 8 NO-3 + 5 4 H+ + e- (semi-reação doação e-)


1 O2 + e- + H+ " 1 2 H2O
4
(semi-reação aceitação e-)
+ - +
1 8 NH4 + 4 O2 " 1 8 H2O + 1 8 NO3 + 4 H (Reação global)
1 1
(4)

800 50
DQO = 1,2499*Proteína + 5,5462
40
600 R2 = 0,9932
Conc DQO (mg/L)

30
DQO (mg/L)

400
20

200
10

0 0
0 200 400 600 0 25 50 75 100
A B
Conc. Caseína (mg/L) Conc. NH4+ (mg/L)

Figura 4 – Determinação colorimétrica da DQO de solução de íons amônia e caseína

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O2, ou seja, 1 mg de íon amônio consu- rimentalmente (89 mgO2/L) mostra à formação de cloro, mas pode por ou-
miria teoricamente 3,55 mgO2. que a presença de sulfato de mercúrio tro precipitar com o catalisador e formar
A Figura 4 mostra que os íons minimizou a DQO devido a cloretos, AgCl, diminuindo assim a capacidade
amônia não exerceram significativa mas não a eliminou. Quando a con- de oxidação durante o teste. De fato
DQO mesmo quando presentes na centração de cloretos foi reduzida para mais precipitado branco foi observado no
concentração de 100 mg/L, o que re- 750 mg/L a DQO exercida pelos clore- fundo do tubo-teste de DQO no segundo
presentaria, de acordo com a equação tos deveria ser, proporcionalmente, de experimento em que cloretos foram adi-
1 uma DQO teórica de 355 mg O2/L. 66,7 mg/L. Entretanto o valor medi- cionados em concentração maior. A Figu-
De acordo com o Standard Methods, do foi de 90 mg/L, sugerindo que a ra 6A mostra que na presença de apenas
os íons amônia, presentes no esgoto oxidação de íons amônia, presentes na 50 mg/L de íons amônia a DQO medi-
ou liberados durante a oxidação de concentração de 50 mg/L, foi respon- da foi em média 8 mg/L, ao passo que
proteínas, só são oxidados na presença sável pela diferença de DQO observada 50 mg/L de íons amônia na presença
de íons cloretos. Embora o Standard (Figura 5A). Em outras palavras, a presen- de 50 mg/L de cloretos resultou em
Methods não explique o porque desse ça de 50 mg/L de íons amônia teria exer- uma DQO média de 40 mg/L. O au-
fato, a presença de cloretos pode fa- cido uma DQO de aproximadamente mento na concentração de cloretos para
cilitar indiretamente a oxidação dos 23,2 mg/L, na presença de 750 mg/L 1000 mg/L causou um aumento consi-
íons amônia devido à formação de de cloretos. derável na DQO da solução de 50 mg/L
cloraminas durante o teste. Cloretos O experimento foi repetido (Figu- de íons amônia, uma vez que a DQO
são oxidados a cloro molecular (Cl2) ra 5B) aumentando-se as concentrações média aumentou para 105 mg/L. Como
durante o teste se a solução de digestão de cloretos e íons amônia, e embora a DQO na presença de apenas cloretos
não contém quantidades estequiomé- os valores de DQO obtidos tenham na concentração de 1000 mg/L foi de
tricas de sulfato de mercúrio, conforme sido menores, observou-se a mesma 60 mg/L, esses resultados indicam que os
discutido anteriormente. A formação tendência do primeiro experimento. 50 mg/L de íons amônia causaram DQO
de cloro durante o teste e a presença de Na presença de 2000 mg/L de cloretos, somente quando grande quantidade
íons amônia podem levar à formação a DQO exercida foi de apenas 51 mg/L de cloretos estava presente, nesse caso
de cloraminas, que poderiam então ser (Figura 5B), enquanto que no primeiro 1000 mgCl-/L.
oxidadas pelo dicromato. Sendo assim, teste (Figura 5A) a presença de 1000 mg/L Kim (1989) observou que os íons
outro experimento foi feito para se resultou em uma DQO de 89 mg/L. amônia não foram oxidados na presença
verificar a influência da concentração Para tentar dirimir as dúvidas levanta- de cloretos (500 mg/L) utilizando-se
de cloretos na DQO de íons amônia. das nos experimentos anteriores, um uma solução de dicromato de potássio
Foi usado o método colorimétrico com outro experimento foi realizado. 0,025 N. Entretanto o aumento da
solução de dicromato concentrada, A Figura 6A mostra o resultado concentração de dicromato para 0,25
e os resultados são apresentados na de DQOs de soluções contendo íons N resultou em oxidação significativa dos
Figura 5. amônia e cloretos em diferentes combi- íons amônia, indicando que a concen-
Observa-se que a DQO medida nações. Na ausência de cloretos e íons tração da solução de dicromato é o fator
é de fato maior quando há uma maior amônia, a DQO medida foi menor mais importante na oxidação dos íons
presença de cloretos (Figura 5A e 5B). que 10 mg/L e esse cenário representa o amônia na presença de cloretos. O autor
Na ausência de íons amônia e presença ‘branco’. A Figura 6A mostra 1000 mg/L mostrou ainda que a despeito da adição
de 1000 mg/L de cloretos a DQO me- de cloretos resultaram em uma DQO de mercúrio na proporção ideal (10:1),
dida foi de aproximadamente 89 mg/L média de 60 mg/L, enquanto que houve aumento significativo da DQO da
(Figura 5A), indicando a demanda cau- 50 mg/L de cloretos a DQO medida solução de cloretos e amônia, sugerindo
sada exclusivamente pelos íons cloretos foi em média 40 mg/L. Esses resultados que a complexação dos cloretos não
(100 mg Cl- = 8,9 mg DQO). A DQO parecem indicar o efeito dúbio causado previniu a oxidação da amônia.
teórica de 1000 mg/L de cloretos é pelos cloretos. O excesso de cloretos Como a concentração de cloretos
225 mg O2/L e o valor obtido expe- pode por um lado exercer DQO devido no esgoto sanitário encontra-se na faixa

1200 140 2500 70


Conc.Amônia
Conc.Amônia 60
1000 120
C o n c . D Q O (m g /L )
C o n c. D Q O (m g /L )

Conc. Cloretos 2000 Conc. Cloretos


50
C o n c . (m g /L )
C o n c. (m g / L )

DQO 100
800 DQO
40
80 1500
600 30
60 1000
20
400
40
10
500
200
20 0

0 0 0 -10
1 2 3 4 5 1 2 3 4 5
A B

Figura 5 – Influência de cloretos (0 a 2000 mg/L) na DQO do íon amônio (0 a 50 mg/L)

Eng. sanit. ambient. 300 Vol.11 - Nº 4 - out/dez 2006, 295-304


Considerações práticas sobre o teste de DQO

Nota Técnica
150 Conc NH4+ constante = 23,1 mg/L
1000 1000 60
Amônia
125 50
Cloretos
C o n c . (m g / L )

D Q O (m g /L )
100 40
DQO
30
75
20
50 DQO = 0,2439*Cloretos + 22,549
10
R2 = 0,947
25
0
0 25 50 75 100
0
1 2 3 4 5 6

A B Conc. Cloretos (mg/L)

Figura 6 – DQO de soluções contendo cloreto e íons amônia em diferentes concentrações

de 30 a 100 mg/L (Metcalf & Eddy, dos íons amônia, o sulfeto foi exten- trações estequiométricas de Fe3+ causou
1991), outro experimento foi realiza- sivamente oxidado durante o teste de a precipitação instantânea de Fe2S3 e
do fixando-se a concentração de íons DQO. Embora o aumento da DQO resultou na redução do coeficiente es-
amônia em 23,1 mg/L e variando-se tenha sido linear com o aumento da tequiométrico de 1,2 gDQO/gSulfeto
a concentração de cloretos dentro da concentração de sulfeto, os coeficientes para 0,98 gDQO/gSulfeto. Esses
faixa típica observada em cidades não estequiométricos obtidos experimen- resultados sugerem que muito embora
litorâneas. Os resultados, apresentados talmente (1,1 e 1,2 gDQO/gSulfeto) o precipitado Fe2S3 seja solubilizado
na Figura 6B, mostram que houve diferem significativamente do valor devido às condições de baixo pH impos-
pouco aumento no valor da DQO da teórico, haja vista que a oxidação tas durante o teste de DQO, a presença
solução de íons amônia à medida que completa do sulfeto a sulfato resulta de Fe3+ reduziu em 18%, em média, a
a concentração de cloretos aumentou em coeficiente estequiométrico de DQO causada pelos íons sulfeto.
de 30 para 85 mg/L. Como discutido 2 gDQO/gSulfeto. A Figura 8B e a Tabela 1 mos-
anteriormente, é provável que o pequeno Uma possível explicação para a tram que a DQO experimental de
aumento de DQO observado tenha sido discrepante observação experimental uma solução contendo 6,25 mM de
mais relacionado à oxidação dos cloretos reside no fato de que durante o teste Fe2+ (350 mg/L) foi apenas 46% do
do que à oxidação dos íons amônia. de DQO o pH é reduzido para valores valor teórico. Embora não se saiba ao
próximos a 1 com a adição de ácido sul- certo porque os íons ferroso não foram
Influência da presença de fúrico concentrado. O baixo pH pode oxidados pelo dicromato, sabe-se que
sulfetos e ferro no teste de resultar na perda de parte do sulfeto pre- o Fe II em ambientes naturais ácidos
DQO sente antes do início do teste, e resultar é quimicamente estável e não pode ser
ainda no seu desprendimento, durante extensivamente oxidado pelo oxigênio
Como discutido anteriormente, o aquecimento, para o headspace do molecular (Schippers et al, 1996).
todas substâncias passíveis de oxidação frasco de reação, o que diminuiria o seu Talvez esta estabilidade do Fe II em
pelo dicromato, orgânicas e inorgâni- contato com a solução de dicromato, baixo pH seja a explicação para sua
cas, contribuirão para a DQO de uma reduzindo consequentemente o valor menor oxidação pelo dicromato. De
amostra. Substâncias inorgânicas como da DQO medida. forma similar, a DQO experimental
sulfeto, nitrito, tiosulfato, Fe2+, Mn2+, Segundo Kylefors et al (2003) a de uma solução contendo 6,25 mM
Cu+, Ni2+, Co2+ e cloretos podem ser propensão de substâncias orgânicas à de sulfeto (200 mg/L) foi bem menor
oxidados pelo dicromato, contribuindo oxidação pode mudar em função da que o valor teórico, e a Tabela 1 mostra
assim para a DQO nas amostras anali- especiação química da substância em que na presença de quantidades este-
sadas. Dessa forma, o uso do parâmetro questão. Em sistemas anaeróbios a quiométricas de Fe2+ a DQO medida
DQO para monitoramento da efici- maior parte dos sulfetos está presente foi em média apenas 27% do valor
ência de um sistema de tratamento na na forma de sais metálicos de baixíssima teórico.
remoção de matéria orgânica poluente solubilidade, e os resultados apresenta- Para um esgoto doméstico que
só pode ser feito levando-se em conta dos na Figura 8 foram obtidos de expe- contenha de 20 a 50 mg/L de sulfato
os efeitos causados pelos compostos rimentos que simularam a presença de (SO 42-) (Metcalf & Eddy, 1991), a
inorgânicos reduzidos presentes. sulfetos precipitado pelos íons ferroso redução total dos sulfatos durante o
Nesse artigo a quantificação da (Fe2+) e férrico (Fe3+). tratamento anaeróbio, produziria de 7
influência da presença de sulfetos na A Figura 8A mostra que na ausên- a 17 mg/L de sulfeto (S2-). No pH igual
DQO foi verificada em dois experi- cia de Fe3+ a DQO de uma solução a 7, aproximadamente 50% do sulfeto
mentos (Figura 7A e 7B) utilizando-se contendo 200 mg/L de sulfeto foi de encontra-se na forma iônica (HS-),
o método colorimétrico descrito ante- 238 mg/L, resultando em um coefi- enquanto os outros 50% encontram-
riormente. O sulfeto é uma substância ciente estequiométrico semelhante ao se na forma H2S(aq) passíveis de serem
reduzida, e os resultados apresentados obtido anteriormente (Figura 7). A liberados para a fase gasosa. Portanto, as-
na Figura 7 mostram que, ao contrário adição, à solução de sulfeto, de concen- sumindo-se que apenas 50% do sulfeto

Eng. sanit. ambient. 301 Vol.11 - Nº 4 - out/dez 2006, 295-304


Aquino, S. F.; Silva, S. Q.; Chernicharo, C. A. L.

Nota Técnica

300 300
DQO medida = 1,0871*Conc.Sulfeto + 15,428 DQO medida = 1,1783*Conc.Sulfeto + 2,9875
250 R2 = 0,9958 250 R2 = 0,9822
200 200
DQO (mg/L)

DQO (mg/L)
150 150

100 100

50 50

0 0
0 50 100 150 200 0 50 100 150 200

A B
Conc. Sulfeto (mg/L) Conc. Sulfeto (mg/L)

Figura 7 – DQO de solução padrão de sulfeto de sódio

400 400
350 350
Sulfeto Sulfeto
300 300
Fe2+
Conc. (mg/L)

Fe3+
250 250

C onc. (mg/L)
200 DQO 200 DQO

150 150
100 100
50 50
0 0
A -50 1 2 3 4 5 6 B -50 1 2 3 4 5 6

Figura 8 – Efeito da presença de Fe2+ e Fe3+ na DQO do sulfeto

Tabela 1 – DQO teórica e medida de soluções contendo sulfeto e Fe2+


Frasco Fe II Sulfeto DQO teórica DQO medida
(mM) (mM) (mgO2/L)1 (mgO2/L)
1 0 0 0 0±4
2 6,25 0 49 23 ± 5
3 0,78 0,78 56 16 ± 4
4 1,56 1,56 112 21 ± 1
5 3,12 3,12 224 60 ± 7
6 0 6,25 400 114 ± 6
1
Considerou-se os coeficientes estequiométricos teóricos 0,14 gDQO/gFe e 2 gDQO/gS . 2+ 2

formado causaria DQO na fase líquida, empregam sulfonação de óleos, a análise lidade desses gases na água. Embora
e assumindo ainda o coeficiente de con- da eficiência de um sistema anaérobio uma maior concentração de metano e
versão determinado experimentalmente não pode ser feita com base na DQO hidrogênio na fase líquida seja possível
(1,2 gDQO/gSulfeto), a formação de sem se levar em conta a produção de sul- dentro de reatores pressurizados, a saída
sulfetos em sistemas anaeróbios ali- fetos durante o tratamento. A presença, do efluente do reator resultaria em des-
mentados com esgoto doméstico con- no efluente do sistema de tratamento prendimento desses gases da fase líquida
tribuiria de 5 a 11% da DQO filtrada anaeróbio, de sulfetos e outros compos- devido à diminuição da pressão.
efluente, assumindo-se que a DQO total tos inorgânicos reduzidos, pode resultar
do efluente anaeróbio seja de 150 mg/L em reduzida eficiência de remoção de Comparação da DQO
e que a fração dissolvida corresponde a DQO ainda que a matéria orgânica teórica e experimental da
60% da DQO total. afluente tenha sido eficientemente matéria orgânica específica
Desta forma, em efluentes in- convertida durante o tratamento.
dustriais que contém matéria orgânica A presença de outros gases reduzi- A determinação de coeficientes
oxidável e elevadas concentrações de dos em sistemas anaeróbios (CH4 e H2) de conversão da matéria orgânica es-
sulfato, como é o caso de efluentes de não deveria causar significativa DQO pecífica em DQO é importante para
curtume e de indústrias químicas que no efluente devido à pequena solubi- se determinar a contribuição relativa

Eng. sanit. ambient. 302 Vol.11 - Nº 4 - out/dez 2006, 295-304


Considerações práticas sobre o teste de DQO

Nota Técnica
desses compostos para o valor DQO 250
determinada em amostras ambientais.
A regressão linear dos resultados obtidos 200 DQO = 1,01*Glicose - 5,48
e apresentados na Figura 9 mostram 150
R2 = 0,9767

D Q O (m g /L )
uma boa correlação entre o aumento na
concentração de proteínas, carboidratos 100

e lipídeos, e o aumento de DQO. 50


Os coeficientes estequiométricos
determinados experimentalmente para 0

carboidratos (1,01 gDQO/gGlicose) e -50 0 50 100 150 200


proteínas (1,59 gDQO/gCaseína), são
Conc. Glicose (mg/L)
bastante próximos aos valores teóricos.
Da equação 5 deduz-se que 7,5 g de
400
carboidratos (C6H12O6) consomem 8 g
de O2, o que resulta em um coeficiente DQO = 1,59*Caseína + 4,12
300
de conversão de 1,07 gDQO/gGlicose, R2 = 0,9908

D Q O (m g /L )
e da equação 3 deduz-se que 5,33 g de 200
proteínas (C16H24O5N4) consomem 8 g
de O2, o que resulta em um coeficiente 100
de conversão de 1,5 gDQO/gProteína.
Já o valor do coeficiente determina- 0
do experimentalmente para lipídeos 0 50 100 150 200

(1,55 gDQO/gÓleo) difere conside-


ravelmente do valor teórico deduzido Conc. Caseína (mg/L)
a partir da equação 6, que considera o
400
triglicerídeo1 do ácido graxo palmítico
(C16H32O2) um representante típico 300
DQO = 1,56*Óleo - 7,05
dos lipídeos. R2 = 0,9982
De acordo com a equação 6 uma
D Q O (m g /L )

200
massa de 2,69 g de lipídeos (C51H98O6)
consumiria 8 g de O2, o que resultaria 100

em um coeficiente de conversão de
0
2,97 gDQO/gLipídeo. Miron et al
(2000) de fato utilizaram um coeficien- -100 0 50 100 150 200
te de conversão igual a 2,9 para lipídeos,
valor semelhante ao coeficiente teórico Conc. Óleo Soja (mg/L)
obtido a partir da equação 6.
Baker et al (1999) salientam que 3

compostos hidrofóbicos tendem a apre- 2,5 Valor teórico


sentar DQO muito menor do que o
Valor medido
valor teórico em função da sua adsorção 2
g D QO/g

nas paredes de recipientes, pipetas, pon-


1,5
teiras, etc. Embora a solução de lipídeos
tenha sido preparada em meio ácido 1
ou básico para favorecer sua hidrólise e
consequente dissolução, é possível que 0,5

parte do óleo não tenha sido emulsio- 0


nado, explicando assim a discrepância Proteína Carboidrato Lipídeo
observada entre os resultados práticos
e o valor teórico. No primeiro experi- Figura 9 – Determinação experimental dos coeficientes de
mento para determinação da DQO da conversão de proteínas, carboidratos e lipídeos em DQO

1 24 C6H12O6 + 1 4 H2O " 1 4 CO2 + H+ + e- (semi-reação doação e-)


1 - + 1
4 O2 + e + H " 2 H2O (semi-reação aceitação e-)
1 24 C6H12O6 + 1 4 O2 " 1 4 H2O + 1 4 CO2 (Reação global) (5)
1 290 C51H98O6 + 96 290 H2O " 51 290 CO2 + H+ + e- (semi-reação doação e-)
1
4O2 + e- + H+ " 1 2 H2O (semi-reação aceitação e-)
1 290 C51H98O6 + 1 4 O2 " 49 290 H2O + 51 290 CO2 (Reação global) (6)
O CH3
Representação química do triglicerídeo de ácido linoléico:
1 O
O CH3
O
O CH3
O

Eng. sanit. ambient. 303 Vol.11 - Nº 4 - out/dez 2006, 295-304


Aquino, S. F.; Silva, S. Q.; Chernicharo, C. A. L.

Nota Técnica
solução de óleo de soja, utilizou-se uma O resultados desse trabalho mos-
solução de NaOH 0,1M para solubilizar tram que algumas substâncias reduzidas
Endereço para correspondência:
o triglicerídeo, e como a hidrólise não (lipídeos, sulfetos, íons amônia) não
altera o número médio de oxidação do foram totalmente oxidadas durante
Sérgio F. de Aquino
carbono do triglicerídeo, essa estratégia o teste de DQO, fazendo a relação
Departamento de Química
de solubilização não deveria influenciar DQO medida/DQO teórica se afastar da
Instituto de Ciências Exatas e
na DQO resultante. Como o valor do unidade. No caso de lançamento dessas
Biológicas
coeficiente estequiométrico obtido no substâncias no corpo receptor o im-
Universidade Federal de Ouro
experimento com lipídeos foi muito pacto pode ser maior do que o previsto
Preto - UFOP
inferior ao valor teórico, o ensaio foi apenas pelo parâmetro DQO, uma
35400-000 Ouro Preto - MG -
repetido, utilizando-se desta vez H2SO4 vez que compostos não oxidados pelo
Brasil
(50%) para solubilizar o óleo. Essa dicromato durante o teste podem ser
Tel.: (31) 3559-1837
estratégia de solubilização também não oxidados biologicamente (caso dos íons
Fax: (31) 3559-1636
deveria afetar a DQO resultante uma amônia e lipídeos) ou abioticamente
Email: sergio@iceb.ufop.br
vez que a hidrólise ácida do triglicerídeo (caso do sulfeto) pelo oxigênio dissol-
não muda o número médio de oxidação vido presente no corpo receptor.
do carbono da molécula. A partir dos
resultados do segundo experimento aGRADECIMENTOS
(dados não apresentados) obteve-se
um coeficiente estequiométrico de SFA e SQS gostariam de agrade-
1,6 gDQO/gÓleo com elevado grau de cer ao CNPq a concessão das bolsas
ajuste (R2 = 0,9991). Esses resultados de Pós-Doc (Processos 15004/2004 e
confirmam que o coeficiente estequio- 150011/2004) para o desenvolvimento
métrico experimental é em média 53% de atividades de pesquisa junto ao De-
do valor calculado, e embora não se pos- partamento de Engenharia Sanitária e
sa afirmar de forma categórica as razões Ambiental (DESA) da UFMG.
para tal discrepância, o valor experi-
mental deve ser preferido para converter REFERÊNCIAS
o teor de lipídeos em DQO.
APHA, AWW, WEF. Standard methods for
the examination of water and wastewater. 19th.
CONCLUSÃO Edition. Amercian Pub;ic Health Association,
Washingtion, DC., 1995.
Os resultados apresentados mos-
BAKER, J.R.; MILKE, M.W.; MIHELCIC, J.R.
traram não haver diferenças significa- Relationship between chemical and theoretical oxy-
tivas na determinação da DQO pelos gen demand for specific classes of organic chemicals.
métodos colorimétrico e titulométri- Water Research, v. 33, p. 327-334, 1999.
co, e que embora a oxidação do íon Kim, B. R. Effect of ammonia on COD analysis.
amonium seja termodinamicamente Journal Water Pollution Control Federation
favorável nas condições do teste, os (WPCF), v. 61, n. 5, p. 614- 617, 1989.
íons amônia de fato não exerceram KYLEFORS, K.; ECKE, H.; LAGERKVIST,
DQO. Os íons amônia só causaram A. Accuracy of COD test for landfill leachates.
significativa DQO na presença de Water, Air and Soil Pollution, v. 146, p. 153-
169, 2003.
elevada concentração de cloretos
(~1000 mg/L), e uma hipótese levantada METCALF & EDDY, INC. Wastewater En-
para explicar tal fato se baseia na forma- gineering: treatment, disposal and reuse. 3rd Ed.
Singapore, McGraw-Hill, 1991.
ção de cloraminas durante o teste.
Os coeficientes de conversão da MIRON, Y. et al. The role of sludge retention time
in the hydrolysis and acidification of lipids, carbo-
matéria orgânica específica em DQO, hydrates and proteins during digestion of primary
determinados experimentalmente, sludge in CSTR systems. Water Research, v. 34,
foram de 1,01 gDQO/gGlicose para p. 1705-1713, 2000.
os carboidratos; 1,59 gDQO/gCaseína SAWYER, C. N. e McCARTY, P. L. Chemistry
para as proteínas e 1,55 gDQO/gÓleo for Environmental Engineering. 3rd Ed. McGraw-
Soja para os lipídeos. Hill, 1985.
O artigo mostrou ainda que a DQO SCHIPPERS, A.; JOZSA, P-G.; SAND, W.
devido aos sulfetos (1,1 gDQO/gSulfeto) Sulfur chemistry in bacterial leaching of pyrite.
foi em média 60% do valor teórico. A Applied and Environmental Microbiology, v. 62,
p. 3424-3431, 1996.
presença de sulfeto combinado com
Fe III (Fe2S3) reduziu em 18% a DQO VOGEL, F.et al. The mean oxidation number of
causada pelos sulfetos, enquanto que o carbon (MOC) – usefull concept for describing
oxidation processes. Water Research, v. 34, p.
sulfeto combinado com o Fe II (FeS) re- 2689-2702, 2000.
sultou em valores de DQO que foram,
em média, 56% do valor teórico.

Eng. sanit. ambient. 304 Vol.11 - Nº 4 - out/dez 2006, 295-304

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