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Marlucia Santos de Souza Dissertação UFF 2002
Marlucia Santos de Souza Dissertação UFF 2002
UFF - NITERÓI
2002
2
ÍNDICE
Introdução
A produção sobre a Baixada Fluminense
A produção sobre a História do Município de Duque de Caxias
Capítulo III. O tenorismo por meio da Luta Democrática e as disputas pelo poder
político local e regional
III.1 Tenório na corte da rainha UDN
III.2 As três faces da Luta Democrática
III.2.1 A face udenista
III.2.2 A face trabalhista
III.2.3 A terceira face: o retorno conservador e o silêncio
Conclusão
Anexos
Bibliografia
AGRADECIMENTOS
INTRODUÇÃO
1
GEIGER, P. Pinchas e SANTOS, Ruth Lyra. Notas sobre a evolução da ocupação humana da Baixada
Fluminense. Rio de Janeiro: IBGE, 1955, pp. 292-293.
2
SOARES, M. T. S. “Nova Iguaçu. Absorção de uma Célula Urbana pelo Grande Rio”, Revista
Brasileira de Geografia, n° 2, ano XVII, Rio de Janeiro: IBGE, 1955.
6
3
GRYNSPAN, Mário. “Mobilização Camponesa e Competição Política no Estado do Rio de Janeiro
(1950-1964)”. Rio de Janeiro, 1987, pp. 17-20. Dissertação de Mestrado pelo Museu Nacional.
7
4
Censo de 2000 (IBGE). In: MARTINS, Alex e SOARES, Sergio. “Cidades Lotadas. IBGE Divulga os
Primeiros Números do Censo de 2000. Baixada Fluminense é a Região que mais Cresceu”. Jornal O Dia,
Rio de Janeiro, 20 de maio de 2001.
8
5
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional.
6
Para saber mais, ver ALVES, José Cláudio Souza. Baixada Fluminense: a violência na construção de
uma periferia. São Paulo: USP, 1998.
7
Os dados foram obtidos por Alexandre Medeiros. Ele comparou os dados fornecidos pelo relatório Who
Nato Killed, divulgado pelo Ministério da Informação da Sérvia, com os dados obtidos nos livros de
ocorrências dos Institutos Médico-Legais dos municípios da Baixada Fluminense.
9
a conjuntura fluminense, com índices de pobreza e violência tão altos. Todavia, o que
temos é o retrato de uma periferia, não uma periferia qualquer, mas de uma periferia do
principal porto de escoamento de ouro do planalto mineiro do século XVIII, do centro
político do Império e da República até os anos 60. Atualmente, periferia de uma
importante metrópole brasileira, o que já indica a relevância da pesquisa no campo da
historiografia.
A opção pela análise do processo histórico da produção dessa periferia se deu
também por conta de minha atuação nos movimentos sociais, no Sindicato dos
Profissionais da Educação (SEPE), no Centro de Memória da História da Baixada
Fluminense e na Associação de Professores Pesquisadores de História (APPH-Clio).8
A militância política possibilitou-me o acesso a dados e discussões acerca da
realidade social do município. Já a atuação no Centro de Memória e na Associação de
Professores permitiu o contato com produções historiográficas acerca da Baixada
Fluminense. A preocupação com a memória local, a necessidade de compreender a
História da região e a inquietação frente ao esquecimento e ao silêncio dessa História
nos bancos escolares me levaram a participar de múltiplas experiências de divulgação
dos trabalhos existentes e a produzir material que facilitasse o acesso a eles. Ao mesmo
tempo, fez surgir a necessidade de um estudo dinâmico de uma História da produção
dessa periferia, vista aqui não como exceção, mas como produto e meio de produção e
reprodução da vida social.
Caxias não é visto aqui como um lugar esterilizado, desprovido de História, e
sim como um lugar modelado pelas condições materiais e naturais herdadas, bem como
pela ação contínua dos diferentes sujeitos históricos. Milton Santos aponta a
necessidade de pensarmos o território como espaço usado, carregado de heranças
culturais e materiais do passado e do tempo presente. No esforço de compreender o
território e seu uso, faz-se necessário incluir os diferentes atores sociais e o diálogo
estabelecido com o lugar.9
O processo de ocupação do território da Baixada Fluminense, particularmente de
Duque de Caxias, foi desenhado a partir dos interesses dos grupos dominantes locais
subordinados aos núcleos centrais de poder e dos interesses dos grupos que detinham o
controle do aparelho burocrático e político do poder central. Ao mesmo tempo, foi
8
A Associação foi criada por um grupo de professores de História preocupados com a produção
acadêmica da História da Baixada Fluminense.
9
“Território e Sociedade”. Entrevista com Milton Santos. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000.
10
10
DAVIS, Mike. Cidade de Quartzo. São Paulo: Página Aberta, 1993.
11
ABREU, Maurício. Evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPLANRIO, 1997, p. 11.
11
Francisco de Oliveira nos alerta ainda, em seu ensaio “Crítica à Razão Dualista”,
para a simbiose, a organicidade, a unidade entre um setor “atrasado” e um setor
“moderno”, ou seja, o moderno se alimenta do atrasado. Em Caxias, o que se verifica
em todo o seu processo de modernização é a sua imbricação com o arcaico, isto é, com
a violência, o autoritarismo, o clientelismo, o paternalismo e o assistencialismo. Mesmo
no caso dos projetos getulistas que se apresentavam como modernizadores, encontra-se
a permanência de práticas políticas e alianças que poderiam ser classificadas de
atrasadas.
Nesse sentido, analisar o processo histórico de produção e controle dessa
periferia implica: problematizar as condições de sua construção, considerar a simbiose
existente entre o moderno e o arcaico, mapear as diferentes forças políticas, identificar
as relações estabelecidas entre o centro e a periferia, e entre os vários grupos de poder
que se articulam ou que disputam o controle do poder local.
15
SILVA, Moacir M. F. “Geografia dos Transportes no Brasil”. Revista Brasileira de Geografia, Rio de
Janeiro, ano II, n° 2, abril de 1940.
16
Caxias se emancipou em 1943; São João e Nilópolis, em 1947.
17
LUSTOSA, José. Cidade de Duque de Caxias: desenvolvimento histórico do município - dados gerais.
Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do IBGE, 1958; MEDEIROS, Arlindo. Memória histórica de São João
de Meriti. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 1958, e Reportagens fluminenses. São João de Meriti: Edição
do Autor, 1929; VELHO, Laís Costa Velho. Caxias ponto a ponto (1953-57). Duque de Caxias: Agora,
1965; LAZARONI, Dalva. Esboço histórico-geográfico do município de Caxias. Duque de Caxias:
Arsgráfica, 1978.
18
GEIGER e SANTOS, 1955; GEIGER e MESQUITA, 1956; SOARES, 1962; LAMEGO, 1945, 1963 e
1964; GEIGER, 1978.
14
19
LAMEGO, Alberto Ribeiro. O homem e o brejo. Rio de Janeiro: Geográfica Brasileira, 1945; O homem
e a serra. Rio de Janeiro: IBGE-CNG, 1963; O homem e a Guanabara. Rio de Janeiro: IBGE, 1964.
20
AZEVEDO PONDÉ, F. de P. “O Porto Estrela”, Revista do IHBG, v. 293, Rio de Janeiro:
Departamento de Imprensa Nacional, 1972; FRÓES, Vânia. Município de Estrela (1846-1892). Rio de
Janeiro, 1974. Dissertação de Mestrado pela UFF.
15
21
Os principais nomes desse grupo eram Rui Afrânio Peixoto, Waldick Pereira e Ney Alberto.
16
22
PEIXOTO, Ruy Afrânio. Imagens iguaçuanas. Nova Iguaçu: Tip. do Colégio Afrânio Peixoto, 1968.
23
PEREIRA, 1977, p. 6.
17
24
Os planos diretores dos municípios de Duque de Caxias, Nova Iguaçu, São João de Meriti e Nilópolis
formavam o conjunto do documento Planejamento Urbano-Baixada Fluminense.
18
A concepção teórica que se tornou central para este conjunto de análises foi a
que interpreta a Região Metropolitana a partir da relação núcleo-periferia. Dessa
forma, a Baixada deixa de ser a área incorporada dos geógrafos, tornando-se a
periferia urbana dos urbanistas. Suas deficiências de infra-estrutura, suas
populações carentes e o abandono do poder público receberam uma
interpretação relacionada com o núcleo privilegiado, formado pelo Centro e
pela Zona Sul da cidade carioca.25
26
ABREU, Maurício. A evolução urbana do Rio de Janeiro. 3 ed. Rio de Janeiro: IPLANRIO, 1997, p.
11, e Natureza e sociedade no Rio de Janeiro (org.). Rio de Janeiro: PCR/SMCTE/DGDIC/DE, 1992.
27
O Observatório representou um instrumento sistemático de estudo, pesquisa, organização e difusão
sobre, de um lado, os novos padrões de desigualdades e exclusão social surgidos nas cidades com a crise
de reestruturação econômica, e de outro, os novos modelos de políticas urbanas e gestão local.
28
O seminário foi realizado no período de 2 a 6 de outubro, no Centro de Formação de Líderes de Nova
Iguaçu.
29
A Fase publicou, ainda em 1995, uma obra organizada por Jorge Florêncio, intitulada Saneamento
ambiental na Baixada: cidadania e gestão democrática.
20
30
Respectivamente: BERNARDES, Júlia Adão. “Espaço e Movimentos Reivindicatórios: O Caso de
Nova Iguaçu”. Rio de Janeiro, 1983. Dissertação de Mestrado pela UFRJ; BELOCH, Israel. Capa preta e
Lurdinha: Tenório Cavalcanti e o povo da Baixada Fluminense. Rio de Janeiro: Record, 1986; VIANNA
JR, Hermano Paes. “O Baile Funk Carioca: Festas e Estilos de Vida Metropolitanos”. Rio de Janeiro,
1987. Dissertação de Mestrado pelo Museu Nacional; GRYNSZPAN, Mário. Mobilização camponesa e
competição política no estado do Rio de Janeiro (1950-1964). Rio de Janeiro: Museu Nacional, 1987;
RAMALHO, José Ricardo. Estado patrão e luta operária. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989; LIMA,
Ulisses. Luta armada na Baixada Fluminense. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 1991; ALVES, J.
Cláudio. “Igreja Católica: Opção pelos Pobres, Política e Poder: O Caso da Paróquia do Pilar”. Rio de
Janeiro, 1991. Dissertação pela PUC/RJ; SOUZA, Sonali Maria de. “Da Laranja ao Lote: Transformações
Sociais em Nova Iguaçu”. Rio de Janeiro, 1992. Dissertação de Mestrado pelo Museu Nacional; GOMES,
Flavio dos Santos. “Histórias de Quilombolas: Mocambos e Comunidades de Senzalas no Rio de Janeiro.
Séc. XIX. Cap. I”. São Paulo, 1992. Dissertação de Mestrado/UNICAMP; ALVES, J. Cláudio. “Baixada
Fluminense: A Violência da Construção de uma Periferia”. São Paulo, 1998. Tese de Doutorado pela
USP; BURDICK, John. Procurando Deus no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1998; MIGNOT, Ana C. V.
“Baú de Memórias, Bastidores de Histórias. O Legado Pioneiro de Armanda Álvaro Alberto”. Rio de
Janeiro, 1997. Tese de Doutorado pela PUC; MACEDO, Elza D. V. “Ordem na Casa e Vamos à Luta.
Movimento de Mulheres no Rio de Janeiro: 1945-1964. Lydia da Cunha: Uma Militante”. Niterói, 2001.
Tese de Doutorado pela UFF.
31
Entre as trajetórias, podemos destacar: SILVA, Arlindo. Memória de Tenório Cavalcanti segundo a
narrativa a Arlindo Silva. Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, 1954; PUREZA, José. Memória
camponesa. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1982; CAVALCANTI, Sandra Tenório. Tenório, meu pai. Rio
de Janeiro: Global, 1986; FORTES, Maria do Carmo. Tenório, o homem e mito. Rio de Janeiro: Record,
1986; GHELLER, Elza M. (org.) Josefa, a resistência de uma camponesa brasileira. São Paulo: Paulinas,
1996.
21
32
LEMOS, Santos. Sangue no 311. Rio de Janeiro: Reper, 1967; O negro Sabará. Rio de Janeiro:
Destaque, 1977; Os donos da cidade. Rio de Janeiro: Caxias Recortes, 1980; MOREIRA, Tânia Maria
Salles. Chacinas e falcatruas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999.
22
33
O grupo era composto por Barbosa Leite, Newton Menezes, Guilherme Perez, Rogério Torres,
Armando Valente, Solano Trindade e outros. Barbosa Leite publicou poemas, produziu pinturas e artigos
nos jornais locais, incentivou o teatro. Guilherme Perez e Valente organizaram uma exposição de fotos na
FUNARTE, denominada “Caxias, uma Cidade”. Rogério Peres produziu pinturas, artigos para a imprensa
local e militou no Partido Comunista juntamente com Newton Menezes, um dos fundadores do Sindicato
dos Petroleiros. Newton e Rogério Torres produziram posteriormente o livro Sonegação, fome e saque,
obra importantíssima para a compreensão da História da Baixada nos anos 60. Solano Trindade era
comunista, publicou poemas, escreveu artigos para a imprensa local e atuou em diversos eventos culturais
da cidade.
23
rankeano, pela vinculação dos autores com o aparato burocrático municipal e com os
grupos dominantes locais. O lugar social dos autores, revelado por suas origens, ofício,
formação e compromissos políticos, explica o silêncio existente acerca das lutas
camponesas em Xerém, do movimento operário na FNM/FIAT, do processo de
urbanização da cidade e das disputas violentas pelo controle do poder político local.
O trabalho aqui apresentado se propõe, em primeiro lugar, a consolidar uma
História que, por meio de sua primeira síntese, possa fugir dos limites temporais até
então impostos pela maioria das obras acadêmicas, embora sejam elas as que mais
contribuíram para esta pesquisa. O caminho escolhido apresenta limites e indica
pesquisas que ainda carecem de realização para uma melhor compreensão da História da
cidade. Entretanto, possibilita-nos também um olhar de longa duração para o conjunto
da vida social de uma periferia muito próxima da cidade carioca.
Em segundo lugar, visa estabelecer uma crítica a esse modelo predominante de
historiografia sobre a cidade de Duque de Caxias, escavando, assim, seu passado e
revelando os meandros das disputas políticas e dos projetos de poder que nela existiram.
Este livro organizou-se da seguinte maneira:
O Capítulo I é constituído de um antecedente histórico em que realizamos o
estudo do passado agrário e escravista da região. Por meio dele, ser-nos-á possível
descrever o processo de ocupação, dos ordenamentos e deslocamentos tecidos no
tabuleiro político e econômico da Baixada Fluminense, bem como identificar as
transformações que ocorreram no campo administrativo e político durante o século XIX.
Essa compreensão se faz necessária à elaboração da análise da produção da região
moderna no decorrer da primeira metade do século XX, sobre a qual se detém o
segundo capítulo. Desse modo, no primeiro capítulo foi utilizado um corpus documental
variado: inventários, censos oficiais, ordenamentos de compromissos das irmandades
religiosas, assentos de batismo, de matrimônio e de óbitos, processos criminais,
documentos do Exército, relatos de viajantes, obras de memorialistas, dissertações e
teses.
O Capítulo II apresenta uma abordagem do processo formador de Caxias em
uma região moderna, ou seja, urbana industrial. Nesse capítulo, traçamos o perfil dos
diferentes projetos e as disputas pelo controle do poder político local, assim como
identificamos os vários agentes modeladores desse espaço e construtores do conjunto da
vida social. As fontes para a construção desse capítulo foram as obras bibliográficas de
Tenório Cavalcanti, os documentos oficiais, as dissertações e teses, as narrativas de
25
CAPÍTULO I
ANTECEDENTES HISTÓRICOS: O PASSADO ESCRAVISTA DE IGUAÇU
E ESTRELA
Nas margens dos rios Iguaçu e Meriti, habitavam os índios Jacutingas,35 que
chamavam essa região de Trairaponga.36 Seu principal rio, o Iguaçu, foi utilizado como
entrada para a ocupação colonizadora do recôncavo e seu nome foi emprestado a uma
das sesmarias, criada posteriormente pelos portugueses.
No relatório do Marquês do Lavradio ao Vice-Rei de Vasconcelos,37 consta que,
em 1503, Gonçalves Coelho e o navegador Américo Vespúcio levaram para Portugal
quarenta escravos indígenas, em que mais da metade eram mulheres seqüestradas da
aldeia Jacutinga. Portanto, a história dos primeiros habitantes das terras iguaçuanas não
difere do que ocorreu em quase toda a colônia: extração de madeira, escambo,
escravidão, doenças bacteriológicas e aproveitamento das dissensões internas entre
nações indígenas, a fim de que o europeu pudesse impor seu domínio.
Houve uma ocupação mais permanente com a presença francesa no Rio de
38
Janeiro. Eles se instalaram no “Fundo do Rio”, implementando um trabalho
missionário e estabelecendo uma relação de escambo com os Jacutingas. Em troca de
madeira e alimentos, os Tupinambás recebiam dos franceses produtos manufaturados.
Segundo as cartas do padre José de Anchieta de 1584,39 havia cerca de sete a
oito beneditinos franceses, que vestiam os meninos gentios com seus hábitos brancos,
realizando um trabalho de catequização e de plantio nas margens do rio Iguaçu. Porém,
a atuação francesa foi interrompida em 1564, durante a guerra contra os portugueses.
35
Os Tupinambás eram chamados de Jacutingas por utilizarem as penas da jacutinga para se enfeitar. As
jacutingas são conhecidas como aves cantadoras por emitirem um som que vem de suas asas quando se
deslocam ou se acasalam.
36
Anteriormente à presença dos Jacutingas, há vestígios da presença de sambaquieiros na região.
Entretanto, sabemos muito pouco sobre eles. Recentemente, foi criado um Laboratório de Arqueologia na
FEUDUC e este grupo vem realizando pesquisas arqueológicas na Baixada Fluminense, em parceria com
o Museu Nacional.
37
O relatório está datado de 1769-1779. Ver MAIA FORTE, José Mattoso. Memória da fundação de
Iguassú. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do Commercio & Companhia, 1933.
38
NIGRA, D. Clemente M. da Silva. “A Antiga Fazenda de São Bento de Iguaçu”, Revista do SPHAN, n°
7, 1943, pp. 257-258.
39
Cartas Jesuíticas III. Cartas de Joseph de Anchieta S. J. Publicação da Academia Brasileira, p. 313.
[Coleção Afrânio Peixoto].
27
40
RIBEIRO, Darcy. A formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1992, p. 33.
41
A fazenda de Iguaçu é conhecida atualmente por São Bento. No final do século XVI, ela foi doada aos
beneditinos, isto é, os religiosos membros da Ordem de São Bento. Somente no século XVII foi
construído o Mosteiro de São Bento.
42
A Sesmaria atingia parte do atual centro de Duque de Caxias, São João de Meriti até a Estrada de
Santos. (Livro de Tombo 63, PI. Registro de Monsenhor Pizarro. Revista do Instituto Histórico. Apud:
MAIA FORTE, 1933, pp. 8-9.)
43
SILVEIRA, J. L. R. da. “Transformações na Estrutura Fundiária do Município de Nova Iguaçu durante
a Crise do Escravismo Fluminense”. Niterói, 1988, pp. 123-131. Dissertação de Mestrado pela UFF.
28
44
Era comum chamar o escravo analfabeto e sem especialização de boçal. Já o que possuía certa
especialização era chamado de ladino e era mais valorizado no mercado.
45
Inventário de Bento Domingos Vianna. Comarca de Iguassu, 1º Ofício. Estado do Rio de Janeiro,
República dos Estados Unidos do Brasil. Tombo nº 196, Maço nº 7, 1869.
29
46
FRAGOSO, José L. “A Espera das Frotas: Hierarquia Social e Formas de Acumulação no Rio de
Janeiro Séc. XVII”, Cadernos de Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa em História Social. Rio de
Janeiro: IFCS/UFRJ, 1995, pp. 53-62.
47
AMADOR, Elmo da Silva. “Baía de Guanabara: Um Balanço Histórico”. In: ABREU, Maurício de
Almeida (org.). Natureza e sociedade no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: PCR/SMCTE/DGDI/DE, 1992,
p. 216.
30
encomendado pelo amor de Deus e sepultado no adro desta matriz de que fiz
este assento. Pároco João Furtado Salvador de Mendonça”.48
[...] não seria de todo absurdo postular que o porto carioca tenha absorvido, no
mínimo, a metade do total de exportação de africanos para o Brasil durante o
século XVIII, ou seja, mais ou menos 650.000 indivíduos.49
48
Livro de Assentos de Óbitos da Freguezia de Nossa Senhora da Piedade de Aguassú, de 1761-1766.
49
FRAGOSO, J. L. e FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto. Rio de Janeiro: Sete Letras,
1996, p. 35.
50
Os dados do Rio foram extraídos do texto já citado de Amador Elmo da Silva, 1992, p. 229. O referente
a Salvador foi encontrado na obra SCWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na
sociedade colonial. Cia das Letras, 1988, pp. 77-94.
51
SILVEIRA, 1988, p. 124.
31
Nas margens dos principais rios, foram instalados portos e capelas. Construídas
de pau a pique, freqüentemente novas capelas substituíam as anteriores, o que explica
datas diferentes para a construção de uma mesma capela. Com o crescimento do arraial,
as capelas construídas nos engenhos, juntamente com uma matriz, passavam a formar
uma paróquia. A matriz erguida tornava-se instrumento de organização de seus
fregueses, registrando nascimentos, casamentos, óbitos e outros acontecimentos nos
Livros de Tomo.
Os livros de assentos de batismo, matrimônio e óbitos são valiosas fontes de
investigação do passado escravista da região. Os assentos das Freguesias do Pilar, de
Inhomirim, de Suruí, de Guia de Pocabaíba e das demais freguesias que compõem
atualmente o Município de Magé podem ser encontrados no Arquivo do Bispado de
Petrópolis. A partilha dessa documentação se deu a partir da criação da Diocese de
Petrópolis, em 1946 (ver Anexo). O território de abrangência da diocese era constituído
pela área de serra e pela área do Recôncavo da Guanabara, onde atualmente situam-se
os municípios de Magé, Duque de Caxias e parte de São João de Meriti.
Os assentos de Jacutinga, Marapicu, Piedade de Iguaçu e de Meriti podem ser
encontrados no Arquivo do Bispado da Diocese de Nova Iguaçu, criada em 1960.
Apesar de a Paróquia de Meriti fazer parte da Diocese de Petrópolis, a Freguesia de
Meriti abarcava parte do atual território de Nilópolis e de áreas que passaram a compor
o território de abrangência da Diocese de Nova Iguaçu, o que explica o fato de os livros
de assento de Meriti estarem no Arquivo do Bispado dessa diocese.
A matriz paroquial estabelecia uma sede religiosa territorial, na qual seus
fregueses se relacionavam por meio de quermesses e cultos. A partir do século XVII, a
organização paroquial estabeleceu as bases para a estrutura administrativa e a criação
das freguesias. Durante os séculos XVII e XVIII, seis freguesias foram organizadas na
região de Iguaçu e Estrela: N. Senhora do Pilar do Aguassu (1612), N. S. da Piedade de
Aguassu (1619), São João Batista do Trairaponga (1644) – que depois passou a ser São
João Batista de Meriti –, N. S. da Piedade de Anhum-mirim (1677), Santo Antônio de
Jacutinga (1657) e N. Senhora da Conceição de Marapicu (1737).52 Elas funcionavam
52
As datas apresentadas são das primeiras igrejas das freguesias. As datas da fundação das freguesias são:
Pilar (1637), Jacutinga (1657), Piedade de Iguaçu (1719), Meriti (1747) e Marapicu (1759), Anhum-
Mirim (1677).
32
53
Observe que, estrategicamente, os portugueses nomearam os arraiais com os nomes dos padroeiros de
suas igrejas matrizes e incorporaram como segundo nome referências indígenas como: Meriti, Iguaçu.
Jacutinga, Anhum-mirim etc.
54
SCHWARTZ, 1988, p. 9.
55
A Freguesia de Meriti possuía 14 portos; a de Jacutinga, 9; a do Pilar, 9; a de Piedade de Iguaçu, 2; e a
de Estrela, 2.
33
principais era feito no lombo de burros, o que favoreceu a criação de animais tanto para
garantir o fornecimento de carne como para realizar o transporte.
Os principais portos localizavam-se nas margens dos rios Iguaçu, Pilar, Meriti,
Estrela e Sarapuí.56 O primeiro foi o principal escoadouro colonial da Baixada
Fluminense durante o século XVI. Por ele, chegava-se às águas da Baía da Guanabara
em direção ao porto do Rio de Janeiro, para embarcar a produção agroexportadora com
destino à Europa ou para a comercialização no mercado interno.
A dificuldade existente para analisar a economia agrária da Baixada Fluminense
está relacionada à escassez de dados sobre os séculos XVI e XVII. Para esse período, as
informações obtidas limitam-se às Cartas de Doação de Sesmaria, aos registros de
Monsenhor Pizarro em suas “Memórias Históricas do Rio de Janeiro”, aos Inventários
de Transmissão de Abadia da primeira e mais importante fazenda da Baixada: a de
Iguaçu, pertencente aos beneditinos. A fazenda de Monteiro foi instalada no atual bairro
de São Bento, em Duque de Caxias. Em 1591, com a morte do proprietário, suas terras
foram repassadas para a Ordem de São Bento. 57 Em 1645, foi construída a capela de N.
S. das Candeias, que, no século seguinte, recebeu nova denominação: N. S. do Rosário
de Iguaçu.
A partir do século XVII, os beneditinos ampliaram seus limites e sua produção
açucareira. Construíram o sobrado58 nas proximidades da capela, a fim de impedir que
esta desmoronasse, ergueram uma olaria, um engenho de farinha, aumentaram a criação
de gado e de aves. Segundo o documento de transmissão da abadia de Frei Francisco
das Chagas para o Frei Rosendo do Rosário, constava no inventário de 1685 um total de
48 escravos, 780 arrobas de açúcar, 5 pipas de aguardente, 113 cabeças de gado etc.
Ainda no século XVII, foi registrada na fazenda a presença de 25 escravos trabalhando
diariamente nos três fornos de sua olaria.59
56
Principais portos localizados nas atuais fronteiras do município de Duque de Caxias: Porto Estrela (na
divisa com Magé, perto da Fazenda Fragoso; atendia a ela e à carga que vinha de Magé nos lombos de
burros); Porto da Chacrinha (área próxima ao atual centro de Duque de Caxias, conhecida como
povoamento de Trairaponga); Porto de Pau Ferro (margens da Baía da Guanabara, entrando pelo Rio
Meriti até os Portos da Pedra, do Bento e do Pico); e Porto Pilar e Anhangá (cortava o litoral da fazenda
Iguaçu, desaguava no Rio Iguaçu, defrontava-se com os Portos Retiro e Piaba). Ver PEIXOTO, Rui
Afrânio. Imagens iguaçuanas. Nova Iguaçu: Edição do Autor, 1968.
57
A escritura foi assinada em 1596.
58
O sobrado de estilo barroco foi construído de 1754 a 1757. Na parte de cima, foram instalados os
quartos dos beneditinos e um varandão; embaixo, uma oficina, a cozinha com fogão e forno à lenha, o
refeitório e um depósito de mantimentos.
59
PEREIRA, Waldick. Cana, café e laranja: história econômica de Nova Iguaçu. Rio de Janeiro:
FGV/SEEC do Rio de Janeiro, 1977, p. 20.
34
62
ARAÚJO, J. de S. Pizarro E. Memórias históricas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1945, vv. 1, 2 e 3, p. 227.
63
PEREIRA, 1977, p. 25.
36
indica uma lógica econômica interna que coabitava com as determinações externas da
metrópole portuguesa.
Os dados da estatística revelam ainda que a principal área produtora de açúcar,
assim como de outros alimentos destinados ao mercado do Rio e da Europa, era a
Freguesia de Jacutinga, da qual a fazenda dos beneditinos fazia parte. Essa área
localizava-se entre os Rios Iguaçu e Sarapuí, nas proximidades das margens da Baía da
Guanabara, seguindo em direção a Maxambomba. Em seguida, temos a Freguesia do
Pilar destacando-se na produção de farinha e a da Piedade de Iguaçu, na de arroz. As
duas Freguesias eram as mais populosas e estavam localizadas nas margens do Rio
Iguaçu, sendo que a do Pilar estava mais próxima das águas da baía, além de ser
também local de passagem do ouro mineiro.
64
SILVEIRA, 1998, p. 64.
37
Durante todo esse período, o cenário fluminense foi movimentado a partir dos
interesses econômicos locais e metropolitanos. De um lado, a região se integrou à lógica
externa determinada pela metrópole portuguesa, produzindo a principal mercadoria de
exportação e servindo de ligação com o novo centro da economia colonial: o planalto
mineiro. De outro, os proprietários de terras e de escravos procuraram desenvolver uma
produção agrária articulada com as demandas internas, tornando-a uma região produtora
para o consumo regional, fornecendo alimentos, madeira, tijolos e carvão. Dessa forma,
era possível estabelecer uma pequena margem de autonomia econômica para suportar as
flutuações do mercado externo e assegurar uma acumulação, mesmo que pequena.
I.2 Os caminhos da fé
Toda essa lógica colonial construída na região foi legitimada pela Igreja
Católica. Ela desempenhou um papel relevante na estruturação e no controle da ordem
colonial estabelecida. Ao mesmo tempo, legitimou o poder político local, exaltando ou
afirmando o domínio dos proprietários de terra e da igreja. Apesar disso, é possível
perceber que o controle exercido pela Igreja esteve marcado pela tensão entre os
interesses da metrópole portuguesa e os interesses locais.
Para melhor compreendermos os caminhos da fé em Iguaçu, utilizamos os
inventários de 1794, elaborados pelo Monsenhor Pizarro durante sua visita à região. Os
inventários das Igrejas Matrizes do Recôncavo apresentam uma lista do patrimônio
paroquial em pratas, imagens e móveis, assim como os valores fixados pelo trabalho do
pároco, diácono e do sacristão; por missa, festividade, encomendação, batizado e
casamento (distinguindo o valor para o branco e para o escravo); por certidões; por
visitações; e pelos sepultamentos e tudo o que era necessário à sua realização: côas,
opas,65 cruz, roupas, adornos, velas, grades etc. O sepultamento (e tudo aquilo que o
envolvia) era feito pela Fábrica controlada por uma irmandade religiosa. A Fábrica
possuía um fabriqueiro nomeado pelo pároco.
Em cada matriz, podemos identificar cerca de três a quatro irmandades
religiosas.66 As irmandades eram espaços de sociabilidade dos leigos e de demarcação
65
Côas e opas são tipos de indumentárias e adereços das irmandades e confrarias.
66
Segundo Monsenhor Pizarro e os ordenamentos analisados na Freguesia de N. S. do Pilar, existiam as
seguintes irmandades: Santíssimo, anexada à N. S. do Pilar (1745); N. S. do Rosário, anexada à Confraria
de S. Benedito (1728); S. Miguel e Almas (1730); e N. S. da Conceição (1730). Na Freguesia de Piedade
de Aguassu, existiam as irmandades: Santíssimo, anexada à N. S. da Piedade (1751); S. Miguel (1757);
38
das diferenças étnicas e econômicas. Foi possível identificar que as irmandades dos
padroeiros, juntamente com a do Santíssimo, ocupavam o altar-mor, eram as
irmandades dos brancos proprietários, portanto eram as mais ricas. A irmandade de N.
Senhora da Conceição era a irmandade dos pardos, dos mestiços, a de São Miguel e das
Almas era dos artesãos e taberneiros, a do Rosário e a Confraria de S. Benedito eram as
dos homens de cor.
A disposição dos altares de cada irmandade dentro da igreja obedecia a uma
hierarquia entre as irmandades. A matriz do Pilar, por exemplo, possuía quatro
irmandades: a primeira, do Santíssimo, criada em 1745; a segunda, N. S. do Pilar, criada
em 1735; a terceira, a de N. S. do Rosário, em 1728 e; a quarta, a de São Miguel e das
Almas.67A Irmandade do Pilar era a mais importante dessa freguesia, e seu altar era o de
maior destaque. Possuía um livro de registro da entrada dos irmãos, do registro de seus
deveres e fazeres anuais e esmolas; um segundo para registro das dívidas, despesas e
quitações; e um terceiro para alegações da fábrica e termos. No caso específico da
irmandade do Pilar, localizamos no Arquivo do Bispado de Petrópolis um livro
específico para o registro de dívidas e quitações de arrendamentos anuais das terras
pertencentes à irmandade.
Segundo os inventários, o papel das irmandades iguaçuanas era: manter cruz,
castiçais, adornos e toalhas asseadas; preservar a pintura e a imagem do altar daquela
irmandade; promover uma maior devoção, veneração e exaltação ao Santíssimo e ao
santo da irmandade por meio de procissões, festividades e cultos; cobrar a omissão dos
fiéis; e organizar os sepultamentos. As finanças da fábrica eram de responsabilidade das
irmandades, e estas, em conjunto com o pároco, deveriam manter a matriz em bom
estado de conservação.
No arquivo do bispado de Petrópolis, localizamos os Livros de Compromisso
das Irmandades do Glorioso Arcanjo São Miguel e Almas, de 1730 e o de Nossa
Senhora do Rozário, de 1728, ambas pertencentes à Freguesia de Nossa Senhora do
Pillar do Aguassú.
Capítulo 13. Haverá nesta irmandade um juiz que será obrigado a dar de esmola
nove mil réis, um escrivão que será obrigado a dar de esmola dez mil réis e doze
irmãos de mesa que darão no mínimo dois mil e quinhentos e quarenta réis.
Haverá também um procurador e um tesoureiro, os quais pelo trabalho que tem
não ficarão obrigados a dar esmolas por este compromisso, mas se quiser por
serviço de Deus, bem das almas e aumento desta irmandade, contribua com o
que puder.71
68
No Capítulo 11 do ordenamento de compromisso, consta que irmandade deveria ter três livros, um para
registrar os deveres e fazeres anuais e das esmolas, o segundo para registrar as dívidas, despesas e
quitações e o terceiro para alegações da fábrica e termos.
69
Caixão.
70
Capa sem mangas com aberturas por onde se enfiam os braços. São adornos feitos com as cores e os
símbolos das confrarias e irmandades religiosas.
71
Compromisso da Irmandade do Glorioso Arcanjo São Miguel e Almas pertencente à Freguesia de N.
Senhora do Pillar do Aguassu no ano de 1730.
72
Freguesia de N. S. do Pilar. Orago do Iguassú, retirado do Livro das Visitas feitas pelo Monsenhor
Pizarro no ano de 1794, fls. 86 a 91.
40
73
Freguesia de Santo Antônio. Orago de Jacutinga. Livro das Visitas Pastorais do Monsenhor Pizarro em
1794, fls. 78 a 85.
41
74
Idem.
75
Freguesia Nossa Senhora do Pilar. Orago do Iguassu. Livro das Visitas Pastorais do Monsenhor Pizarro
no ano de 1794, fls. 86 a 91.
76
Freguesia de São João Batista. Orago de Meriti. Livro das Visitas Pastorais do Monsenhor Pizarro no
ano de 1794, fls. 18 a 24.
42
salvação, isso quando não visavam à elevação religiosa dos seus próprios nomes
[...].77
77
ALVES, J. Cláudio. “Baixada Fluminense: A Violência na Construção de uma Periferia”. São Paulo,
1998. Tese de Doutorado pela USP.
78
O Caminho dos Guaianazes atravessava a Serra do Mar e os campos de Cunha, pondo Piratininga ao
alcance de Parati, na costa fluminense, de onde, por mar, se atingia o Rio de Janeiro. O Caminho dos
Goitacazes era uma bifurcação do Caminho dos Guaianazes, em Guaratinguetá, e que demandava Minas
Gerais, atravessando a Serra da Mantiqueira pela garganta do Embaú. Ver SILVA, Moacir M. F.
“Geografia dos Transportes no Brasil”, Revista Brasileira de Geografia, ano II, n° 2, Rio de Janeiro, abril
de 1940.
79
Lugar de descanso, armazenamento e trocas comerciais.
80
MAIA, Thereza e Tom. Paraty: histórias, festas, folclore e monumentos. Rio de Janeiro: Expressão e
Cultura, 1991, p. 16.
43
81
A família Werneck era residente do Pilar e foi uma das fundadoras de Paty de Alferes, instalando no
local uma fazenda de pouso.
44
iniciaram o plantio de café, principalmente nas áreas de serra, porém, a maior parte da
região era muito baixa, o que inviabilizava a concorrência com a produtividade do Vale.
Segundo Waldick Pereira, em 1848, havia apenas 16 fazendas de café em Iguaçu e com
baixa produtividade, destinada principalmente ao abastecimento interno.82 Em Anhum-
mirim, Monsenhor Pizarro também identificou a produção cafeeira no pé da serra e o
artista inglês J. J. Steinmann pintou duas fazendas de café nas margens do caminho do
Proença, entre Magé e Serra dos Órgãos.83
Com o café se espalhando pelos planaltos fluminense e mineiro, nas margens do
Rio Paraíba, mais uma vez a Baixada exercia o papel de integração do porto carioca
com a serra. Em 1811, os comerciantes iguaçuanos, organizados na Junta Real do
Comércio, iniciaram a construção da Estrada do Comércio, que foi inaugurada em 1822.
Pelo caminho, passavam boiadas e varas de porcos, transportavam-se madeiras, couros,
farinha de mandioca, feijão, milho e ouro oriundos de Minas Gerais com destino ao Rio
de Janeiro.84
A Estrada do Comércio beneficiou a Freguesia de Piedade de Iguaçu,
transformando os portos de Iguaçu e de Cava em centros de trocas comerciais. Dessa
forma, a imbricação dos interesses da metrópole portuguesa com os dos grandes
proprietários movimentou o “tabuleiro” econômico e político de Iguaçu, alterando os
lugares sociais definidos anteriormente. A região agroexportadora e produtora de
alimentos para o abastecimento do porto carioca foi transformada também em território
de ligação do porto com as áreas cafeicultoras, isto é, lugar de passagem, de
armazenamento e de trocas comerciais.
No mesmo período da abertura da Estrada do Comércio, também foi aberta a
Estrada da Polícia, que integrava Cava ao atual centro de Vassouras. Famílias do Pilar e
de Iguaçu, assim como famílias das áreas mineradoras com capital disponível,
instalaram-se nas serras, investindo no café e na circulação de mercadorias.85
As áreas de Estrela, Pilar e Cava permaneceram como entrepostos comerciais e
locais de passagem de um grande contingente de escravos africanos que seguiam em
direção ao Vale do Paraíba. Por outro lado, as propriedades agrárias mais distantes dos
82
PEREIRA, 1977, p. 72; LEVY, Carlos Roberto Maciel et al. Iconografia e paisagem. Rio de Janeiro:
Edições Pinakotheke, 1994, pp. 25-27. [Coleção Cultura Inglesa].
83
ARAÚJO, J. de S. Pizarro E. Memórias históricas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1945, v. 3, pp. 226-227.
84
PEREIRA, Waldick. A mudança da Vila. Nova Iguaçu: Arsgráfica, 1970, p. 42.
85
Para exemplificar, podemos citar o caso do Barão do Tinguá, importante proprietário e homem de
negócios em Iguaçu e Vassouras.
45
principais portos mantinham parte do abastecimento dos produtos agrícolas para Minas
Gerais, Rio de Janeiro e para o comércio intercolonial.
Novamente, a hidrografia e os caminhos pesavam sobre Iguaçu. A produção do
café do Vale do Paraíba era escoada pelos Portos de Estrela e do Pilar, pelas Estradas do
Comércio e da Polícia, que desembocavam em Cava (Iguaçu Velho). Estrela e Cava
foram transformadas em vilas-entrepostos, onde as pessoas que animavam suas vidas
eram os elementos em trânsito, como afirma Soares.
Pilar não chegou a se constituir como vila, mas, segundo o viajante francês Saint
Hilaire, em 1818, a região era linda, com uma só rua, da qual se via a matriz. O casarão
era aparatoso e com muitas lojas de fazendas. A região possuía três mil habitantes que
lavravam cana, arroz, milho, feijão e café, cujos gêneros levavam com facilidade para o
Rio de Janeiro, sendo que todos os ribeirões e rios vizinhos eram navegáveis. 87 Foi
somente com a expansão do café em direção a Vassouras e Três Rios que a circulação
do Porto do Pilar cresceu.
Quando um arraial tornava-se uma região economicamente importante ou era
considerado como local estratégico por razões de segurança, poderia ser elevado à
categoria de vila. A transformação poderia ser feita por solicitação de proprietários com
prestígio ou pelo poder central. As condições prévias eram a construção dos prédios da
igreja matriz, da Câmara, da cadeia e um pelourinho.
A importância dos três centros de circulação de mercadorias e de pessoas
contribuiu para que Magepe, Iguaçu e Estrela fossem elevadas à categoria de vila, ou
seja, de município. Em 1789, foi fundada a Vila de Magepe, formada pelas Freguesias
de Piedade de Magepe, de N. S. da Ajuda de Aguapemirim, S. Nicolau do Suruí, N. S.
Guia de Pacobaíba e as ilhas do arquipélago de Paquetá. Em 1833, Iguaçu foi elevada à
condição de vila, sendo composta pelas Freguesias de Piedade do Iguaçu, Pilar, Meriti,
86
SOARES, M. T. Segadas. “Nova Iguaçu. Absorção de uma Célula Urbana pelo Grande Rio”, Revista
Brasileira de Geografia, n° 2, ano XVII, abr/jun, Rio de Janeiro: IBGE, 1955, pp. 163-165.
87
SAINT- HILAIRE, Augusto de. Segunda Viagem do Rio de Janeiro a Minas Geraes e a São Paulo
(1822). Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1932, pp. 19-30. [Biblioteca Pedagógica Brasileira,
Série V, v. V.]
46
Marapicu e Santo Antônio de Jacutinga. O local escolhido para ser a sede da Vila foi
Cava. As funções religiosas, administrativas e judiciárias davam à aglomeração um
esboço de função regional.
Em 1835, a vila de Iguaçu foi extinta por três fatores. O primeiro está
relacionado com os conflitos provocados pela interferência da Câmara sobre o porto de
um proprietário e a utilização de uma casa para alojar a comissão sanitarista sem a
autorização do dono. O segundo, pelas divergências estabelecidas entre a Câmara e o
Juiz de Paz. O terceiro, pelas tensões existentes entre os proprietários de terra de
Inhomirim e Iguaçu, já que os primeiros não viram com bons olhos sua anexação a uma
localidade distante de seus interesses.88 O prestígio dos barões89 da região iguaçuana
garantiu que, no ano seguinte, a vila fosse restaurada.90
Na região de Anhum-mirim e Estrela, a movimentação foi ampliada após a
chegada da família real ao Rio de Janeiro, em 1808, e, conseqüentemente, com o fim do
monopólio colonial. Com a abertura dos portos, as possibilidades de investimentos
privados na produção e nos serviços se efetivaram. O crescimento do Porto Estrela, sua
posição estratégica no combate às rebeliões do planalto e a existência de fazendas
protegidas pela serra e pela mata, nas margens do caminho do ouro, tornaram-se
argumentos importantes para a transferência da fábrica de pólvora instalada na Lagoa
Rodrigues de Freitas para Raiz da Serra.
Um outro aspecto a ser considerado era que a fábrica de pólvora tornara-se
perigosa para a população da corte, em face dos acidentes ocorridos durante o fabrico.
Além disso, já havia um armazém de pólvora nas margens do Rio Estrela. Após a
desapropriação das Fazendas da Cordoaria e da Mandioca, esta última de propriedade
do Barão de Langsdorff, em 1826, foi instalada em Raiz da Serra de Estrela a Fábrica de
Pólvora Estrela.91 A fábrica passou a abrigar um contingente significativo de escravos
88
A subordinação de Inhomirim a uma Câmara distante de seu cotidiano e de seus interesses provocou a
insatisfação dos proprietários. A decisão da Assembléia Legislativa da Província do Rio foi a extinção da
Vila de Iguaçu e a anexação provisória das Freguesias de Piedade, Marapicu, Jacutinga e Pilar a Niterói.
Inhomirim foi anexada à Vila de Magé e, mais tarde, com a criação da Vila de Estrela, passou a fazer
parte desta. A Freguesia criada recentemente sob a denominação de Sant‟Anna de Palmeiras (Tinguá) foi
anexada a Vassouras (Ver MAIA FORTE, 1933, pp. 13-16).
89
Nobiliarquias iguaçuanas: Marquês de Itanhaém (tutor de D. Pedro), Barão do Pilar, Barão de
Palmeiras, Barão de Guandu, Conde de Iguaçu (casado com a filha nascida de D. Pedro I com a Marquesa
de Santos), Barão de Mesquita, Barão do Bonfim, Barão de Tinguá, Marquês de São João Marcos,
Visconde de Gericinó, Conde de Sarapuí, Barão de Ubá, Conde de Aljezur etc. (Ver PEIXOTO, 1968).
90
MAIA FORTE, 1933, p. 58.
91
Segundo Livro de Registros da Fábrica no Século XIX: pp. 169 e 170. O livro se encontra nas
dependências da fábrica hoje denominada IMBEL, pertencente ao Exército brasileiro.
47
92
Falua era uma espécie de bote com velas pesando vinte a quarenta toneladas. Era manejada por um
patrão e seus remadores negros.
93
Apud AZEVEDO PONDÉ, Francisco de Paula. “O Porto Estrela”, Revista do IHBG, v. 293, Rio de
Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1972, pp. 49 e 50.
48
[...] o capitão Bento Luiz da Oliveira Braga, que, em 1800, comprou em Iguaçú
uma fazenda de uma légua de terras em quadra, com uma engenhoca completa,
uma casa de farinha, um alambique, 44 cativos, 17 bois, 18 bestas, cavalos,
casas de vivenda coberta de telhas, senzalas, arvoredos e plantações – tudo isto
por 9: 000$000 réis. No mesmo ano, entretanto, Bernardo Manoel da Silva
Guimarães adquiriu uma loja de fazendas na rua do Ouvidor por 12: 000$000
réis.95
94
Os dados do Rio foram extraídos do texto já citado de Amador Elmo da Silva, 1992, p. 229. Os
referentes a Salvador foram encontrados na obra de SCWARTZ, 1988, pp. 77-94.
95
FRAGOSO, 1996, p. 68.
49
96
SILVEIRA, 1998, pp. 203-204.
97
Idem, 89.
98
Idem, p. 203.
50
99
Ver MATTOS, Ilmar Rohloff. O tempo de Saquarema. Rio de Janeiro: Acces, 1994; CARVALHO,
José Murilo de. A construção da ordem. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ/Relume Dumará, 1996.
100
PEIXOTO, 1968, p. 26.
52
coletes e grossas correntes. Essa política era conhecida na época pela frase: “Pena para
os infratores: grades, pão e água”.101
O segundo elemento da desordem era a rebeldia negra, expressa na formação dos
quilombos iguaçuanos, nas fugas e nos assassinatos de senhores. Ao analisar a
experiência escrava fluminense, Flávio Gomes 102 contabilizou a composição étnica dos
escravos capturados em Iguaçu. Ele identificou que, dos 83 escravos capturados entre
1816 e 1817, 45 eram naturais da África, 26 eram brasileiros e 4 não foram
identificados. Entre os africanos, havia uma presença maior de Cabindas, de Cassanges,
de Benguelas, do Congo e de Moçambique.
Os dados possibilitam a compreensão da composição étnica dos revoltosos
presos no período mencionado; contudo, não são suficientes para identificar a
composição étnica da população escrava da região. Além disso, os documentos indicam
que, entre os quilombos iguaçuanos, estavam presentes escravos de diferentes
localidades fluminenses: de Guandu, Macacu, Macaé, Vassouras e da Corte.
No esforço de mapear a origem étnica dos escravos da região de Iguaçu e de
Estrela, analisamos 641 assentos de batismo da Freguesia do Pilar, no período de 1791-
1809. O quadro apresentado não representa a totalidade das freguesias e muito menos os
percentuais exatos quanto à composição étnica dos escravos da Baixada; porém, os
dados são exemplares no sentido de possibilitar a identificação das regiões de origem
das escravas no período mencionado, na Freguesia do Pilar. Dos 641 assentos, 38% das
mães dos batizados eram de origem africana e 39%, nascidas no Brasil, o que significa
praticamente a mesma quantidade de escravos africanos e brasileiros. Um quantitativo
de aproximadamente 23% não pôde ser identificado, quer seja pelo silêncio existente no
documento acerca da origem étnica, quer pelo fato de o assento encontrar-se ilegível ou
danificado.
101
PEIXOTO, 1968, p. 27.
102
GOMES, Flávio dos Santos. “Histórias de Quilombolas: Mocambos e Comunidades de Senzalas no
Rio de Janeiro – Séc. XIX”. São Paulo, 1992. Dissertação de Mestrado pela UNICAMP.
53
Não Total %
Identifica 147 23
dos
* Observação: Segundo Mariza de Carvalho Soares, usualmente o termo possui dois sistemas de
classificação não-rigorosos: 1) aquele que nomeia os povos gentios a serem catequizados; e 2)
aqueles que nomeia as diferentes nações com as quais os portugueses se relacionaram no
processo de expansão colonial.103
Como podemos observar na tabela acima, a maioria das escravas africanas tem
as seguintes procedências: Angola, Benguela, Congo e as de nação. Apesar do esforço
da demonstração, reconhecemos o limite do trabalho realizado e a importância de um
trabalho de investigação de maior fôlego, no qual fosse possível computar os dados da
composição étnica dos livros de assentos das várias freguesias por período, a fim de que
pudéssemos identificar as flutuações, as permanências e as descontinuidades presentes.
Já no que se refere à resistência escrava, Flávio Gomes seguiu as trilhas dos processos
criminais e das correspondências policiais.
As primeiras informações sobre a existência de quilombos em Iguaçu são
referentes ao ano de 1808 e foram fornecidas por cartas e ofícios emitidos/recebidos por
Presidentes da Província do Rio de Janeiro, Ministros da Justiça, Secretários de Polícia,
pelo Imperador e por militares do Exército.
O Ministro da Justiça Gama Cerqueira, em 1878, chamava os quilombos de
Iguaçu de “Hidra Iguaçuana”. Na mitologia grega, a monstruosa Hidra era uma espécie
103
Ver SOARES, Mariza de Carvalho. Devotos da cor. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, p.
103.
54
de dragão com várias cabeças e parecia indestrutível. Vivia no rio de Lerna, que era
pantanoso e lodoso, localizado na região do Peloponeso. A exemplo da Hidra de Lerna,
os quilombos iguaçuanos eram muitos, estavam localizados nas margens dos rios
Iguaçu, Estrela, Pilar, Sarapuí, Suruí e nas áreas de manguezais, possuíam até cem
pessoas e eram tidos como indestrutíveis (ver Anexo 7).104
[...] soube que o famoso quilombola Nicolau, e a única preta que havia no
quilombo, estavam se arranchando em um morro, não muito distante dali.
Quintella veio me dar-me parte do lugar do Xerém.107
106
Ofício enviado ao Presidente da Província pelo substituto do Secretário de Polícia Mathias Mor de
Barros, datado de 16 de novembro de 1859.
107
Ofício do Secretário de Polícia para o Presidente da Província, datado de 30 de dezembro de 1860.
108
Claudinei Moraes foi aluno do curso de Pós-graduação em História Social do Brasil pela FEUDUC e é
colaborador do Centro de Memória da Instituição. Podemos localizar o documento citado no Centro de
Memória da FEUDUC.
56
Polícia109 que executasse as instruções. Elas foram redigidas em dez artigos pelo
Quartel da Glória, em 27 de abril de 1825, e assinadas pelo coronel Miguel Antônio
Flangini.110
Nas instruções, havia a descrição detalhada do plano de emboscada da
diligência: três escolares (embarcações a remo) iriam entrar no Rio Sarapuí, quatro
iriam bloquear a costa do Sarapuí e do Iguaçu, três iriam entrar no Iguaçu para atacar o
quilombo e duas iriam para o Rio Estrela, na altura da Ilha do Governador, para cercar
um bergantim raso que estava no prolongamento da Barra do Iguaçu, com a seguinte
tarefa:
[...] navegarão para elle, e segurando as canôas que acharem ao cortado, ou nas
suas immediações, passarão a bordo e aprehenderão os negros ou os pardos que
ahi acharem, fazendo todo o empenho por tomar hum preto que chamão de Rey
do Quilombo, e que dizem vai ali todos os dias depois das 5 ou 6 da tarde, e lá
se demora até as 11 da noite.111
Além das investidas pelos rios, haveria ainda o cerco por terra. No relatório final
da diligência, o coronel Flangini descreveu em detalhes a execução. No dia 29 de abril,
ele marchou de seu quartel com 15 homens e, durante a madrugada, reuniu-se ao
Destacamento do Batalhão de São Paulo, composto de 160 praças, às ordens do capitão
João Fernandes Gaviso.
Essas informações nos remetem a duas questões. A primeira refere-se à
importância dada à destruição do quilombo iguaçuano, que mobilizou 180 militares,
sem contar com os homens cedidos por proprietários locais, o que representava para a
época uma investida significativa. A segunda está relacionada à presença do Batalhão
de São Paulo. Não haveria militares suficientes na Corte para a realização da
emboscada? O que teria levado o coronel Flangini a sair de seu quartel com um número
reduzido de homens? As respostas a tais indagações poderiam estar relacionadas à
necessidade de sigilo da operação. Outras diligências foram realizadas e fracassaram,
109
Segundo Claudinei Moraes da Silva, a Divisão Militar da Guarda Real da Polícia foi criada em 1809.
A divisão era constituída por praças de Exército (primeira linha) e por oficiais ou de milícias. A DMGR
deu origem posteriormente à PM do Estado do Rio de Janeiro. Ver: SILVA, Claudinei Moraes da.
“Baixada Fluminense: A Guerra aos Quilombos”. Rio de Janeiro, 2000. Comunicação apresentada no I
Congresso de História da Baixada Fluminense/FEUDUC.
110
Ordens enviadas para o Intendente-Geral da Polícia. Livro de Ordens da Corte, 28 de setembro de
1824 a 22 de outubro de 1825, n° 162. Arquivo Histórico do Exército.
111
Instruçoens que deve executar o Snr. Tenente Francisco Miguel de Abreo, artigo 4. 27 de abril de
1825. Livro de Ordens da Corte, 28 de setembro de 1824 a 22 de outubro de 1825, n° 162. Arquivo
Histórico do Exército.
57
não apenas pelo desconhecimento da geografia da região, mas, sobretudo, por terem
sido delatadas aos quilombolas. Como confiar na milícia local? O que fazer para que os
taberneiros locais e negros de ganho da cidade carioca não percebessem a
movimentação das tropas? A meu ver, os órgãos de repressão do Estado imperial
acreditaram que a intervenção da milícia paulista garantiria a surpresa da emboscada.
Como já dito, a rede de proteção existente entre quilombolas, taberneiros,
escravos de São Bento, comerciantes e negros de ganho da cidade carioca possuía nas
terras iguaçuanas uma forte oposição dos proprietários de terras. A ajuda local recebida
está impressa no relatório final da diligência. O fornecimento de alimentos para as
tropas e de guarnições dos escolares foi feito na casa do Sr. Bento Antônio Vahia, perto
da Barra do Sarapuí. Há ainda elogios e agradecimentos para o senhor do engenho e da
olaria da Vassoura, o capitão reformado, Francisco Garcia do Amaral:
[...] he digno de toda a contemplação pela boa vontade e promptidão com que
me prestou quantos auxílios delle requeri e outros que de sua deliberação
ofereceu, sem exceptuar o de seu trabalho pessoal, tendo fornecido
gratuitamente raçoens de aguardente para as tropas, escravos e utencilios para
serviço dellas, carros para carregar e descarregar mantimentos e embarcaçoens,
tanto para passagem dos Destacamentos no Sarapuhi, como para condução
delles desde o rio até o Saco do Alferes.112
112
Relatório assinado pelo coronel Miguel Antônio Flangini e enviado ao Ilmo. e Exmo. Sr. João Vieira
de Carvalho em 2 de maio de 1825. Livro de Ordens da Corte, 28 de setembro de 1824 a 22 de outubro de
1825, n° 162. Arquivo Histórico do Exército.
58
113
GOMES, 1992.
114
Casa de quitanda, de angu, de festas. Casa de sociabilidade de negros, onde estes realizavam seus
cultos religiosos, festejavam, dançavam e se alimentavam.
115
SOARES, C. E. Líbano. Zungú: rumor de muitas vozes. Rio de Janeiro: Arquivo Público do Estado do
Rio de Janeiro, 1998, pp. 15-17.
116
Ver SOUZA, Jorge Prata de (org.). Escravidão: ofícios e liberdade. Rio de Janeiro: Arquivo Público
do Estado do Rio de Janeiro/APERJ, 1998.
59
de fuga e dois foram aprisionados. Na outra, havia dois negros que, após o tiroteio,
lançaram-se ao mar. Todavia, esses negros não eram quilombolas de Iguaçu. Alguns
deles pertenciam ao senhor Sebastião Machado, da Ilha de Paquetá, e outros provinham
das imediações de Macacu.
A geografia, a circulação escrava e a proximidade com a corte constituíram-se
ingredientes fundamentais para a organização e a sobrevivência quilombola na região.
Essa presença do escravo que transitava na região pode ser sentida também nos assentos
de batismo dos escravos da Igreja de N. Senhora do Pilar. Encontramos com freqüência
a presença de padrinhos que não são da mesma fazenda da mãe do batizado ou que
pertencem a proprietários diferentes, assim como o registro de padrinhos forros.
Aos vinte e cinco dias do mês de fevereiro de mil setecentos e noventa e oito
anos, nesta freguesia de Nossa Senhora do Pilar de Aguassú, batizei e pus os
santos óleos a Antônia inocente, filha natural de Rosa de Angola e escrava de
José de Souza Coelho, foram padrinhos João Benguela e sua mulher Angélica,
também Benguela, e escravos de Manuel.117
117
Livro de Batismo de Escravos de 1782-1793. Igreja Nossa Senhora do Pillar do Aguassú. O livro pode
ser encontrado no Arquivo do Bispado de Petrópolis.
60
No artigo 70, está cristalizada a preocupação com o porte de armas, sendo este
prerrogativa dos proprietários de terras e de seus feitores, ou ainda dos que
apresentarem carta de um fiador. Apesar de toda a preocupação, a presença dos
quilombolas só se findou com a abolição da escravidão.
Em 1870, os beneditinos aboliram a escravidão na fazenda de São Bento. As
campanhas e os apelos abolicionistas da época, o fim do tráfico externo, as fugas e,
principalmente, a obrigatoriedade de enviar voluntários para a Guerra do Paraguai
118
Construída no mesmo período da construção da Estrada do Comércio, começava na Pavuna,
estendendo-se a 120km até o Rio Preto, atravessava a Vila de Iguaçu em direção a Vassouras e Valença.
Ver PINTO, Alfredo Moreira. Novo Dicionário Geográfico do Brazil. Rio de Janeiro: IHGB, 1899.
119
Uma cópia do Código de Postura de Estrela pode ser encontrada no acervo do CEMPEDOCH/BF.
61
fizeram com que os beneditinos não conseguissem manter a produção da fazenda por
falta de mão-de-obra. Por outro lado, as péssimas condições ambientais provocadas pelo
abandono e pelo assoreamento dos rios, pelos aterros e desmatamentos transformaram
as áreas portuárias da Baixada em áreas de risco.
A circulação de pessoas contaminadas, além da ausência de investimento em
saneamento, eram fatores agravantes para as localidades mais próximas da Baía da
Guanabara. As condições ambientais, as condições de trabalho e os maus-tratos
convertiam os escravos nas principais vítimas das epidemias de cólera e malária. Na
década de 70, a redução da população escrava de Iguaçu chegou a quase 30%. Em 1840,
a população escrava totalizava 62% dos habitantes da região e, em 1872, representava
apenas 32,5%.120 Apesar da diminuição, a presença escrava no período ainda era
representativa para a conjuntura fluminense. As notícias de quilombolas na região ainda
se fizeram presentes na década de 70.
120
GOMES, 1992, p. 57.
121
Monitor Campista, 24 de março de 1880. Apud: GOMES, Flávio dos Santos. Histórias de
quilombolas. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995, p. 139.
62
122
Para mais informações, ver GOMES, Flávio dos Santos. Histórias de quilombolas. Rio de Janeiro:
Arquivo Nacional, 1995, pp. 43-178.
63
123
FRÓES, Vânia. “Município de Estrela – 1846-1892”. Rio de Janeiro, 1974, p. 31. Dissertação de
Mestrado em História pela UFF.
124
O primeiro trecho da Estrada de Ferro Pedro II foi inaugurado em 1858.
64
125
SILVEIRA, 1998, p. 146.
126
Valorização de áreas anteriormente desvalorizadas e ocupadas por populações pobres. A valorização
expulsa os setores populares para novas áreas periféricas.
65
127
CHALHOUB, Sidney. Cidade febril. Cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Cia. das
Letras, 1996.
66
CAPÍTULO II
ENTRE O RURAL E O URBANO-INDUSTRIAL:
A PRODUÇÃO DE UMA REGIÃO MODERNA E AS DISPUTAS POLÍTICAS LOCAIS
empresas loteadoras para o seu entorno. Por meio dos projetos implementados, o
getulismo e o amaralismo alargaram sua área de influência, fizeram-se presentes nas
disputas e no domínio do poder político local.
Para melhor compreendermos as transformações produzidas em Caxias,
consideramos relevante a apresentação do quadro das reformas administrativas que
ocorreram em Iguaçu durante a primeira metade do século XX. Em 1916, através da Lei
n° 1.331, o nome da sede do município perde a denominação de Maxambomba para
Nova Iguaçu, e a Lei n° 1.932 criou o Distrito de São Matheus (estação de Engenheiro
Neiva), que passou a se chamar Nilópolis, em 1921. Em 1931, foi criado o Distrito de
Estrela e o de Duque de Caxias, tendo o segundo como sede a Estação de Meriti.
Até a década de 1940, o município de Nova Iguaçu estava dividido
administrativamente em nove distritos: Nova Iguaçu (centro de Nova Iguaçu, Mesquita,
Morro Agudo, Andrade Araújo, Prata, Ambahi, Santa Rita, Ahiva, Amaral, Carlos
Sampaio, parte de Belford Roxo, Heliópolis e Itaipu); Queimados (Queimados e
Austin); José Bulhões (José Bulhões, Retiro, São Bernardino, Iguaçu Velho, Barreira,
Tinguá, Paineiras, Rio D‟Ouro, Santo Antônio e São Pedro); São João de Meriti (São
João de Meriti, parte de Belford Roxo, São Matheus, Thomazinho, Itinga, Rocha
Sobrinho, Vila Rosaly, Coqueiros e Coelho da Rocha; Bonfim (Bonfim e Santa
Branca); Xerém (Xerém, Pilar, Actura e Rosário); Nilópolis (Nilópolis); Caxias (Centro
de Caxias e Sarapuí); e Estrela (Imbariê, Santa Lúcia, Parada Angélica e Estação de
Estrela).
A partir de 1943, iniciou-se o processo de fragmentação de Nova Iguaçu, com o
surgimento de novos municípios: Duque de Caxias (1943), São João de Meriti e
Nilópolis (1947), Queimados e Belford Roxo (1990), Japeri (1991) e Mesquita (1999).
As peças do “tabuleiro” econômico e político de Nova Iguaçu também se
movimentavam de variadas formas nessa primeira metade do século XX. No Oeste, a
fruticultura reanimou a produção agrícola, principalmente após o beneficiamento da
laranja, durante o governo de Nilo Peçanha.
128
PEREIRA, 1977, pp. VIII-IX.
69
129
CARVALHO, Iracema Baroni. Laranjas brasileiras. Nova Iguaçu: SMCEL, 1999.
130
SOUZA, Sonali Maria de. Da laranja ao lote. Transformações sociais em Nova Iguaçu. Rio de
Janeiro: PPGAS/UFRJ, 1992.
131
CARVALHO, 1999, p. 17.
70
II.1 A expansão urbana em Caxias e o poder político local nas primeiras décadas
do século XX
132
Para analisar o processo de urbanização das áreas que compunham os laranjais, ver a obra de Sonali
Souza.
71
Meriti gozava de má fama não só pela febre palustre, como pelas arruaças
constantes provocadas pelos maus elementos [...] Existia um carro de aves na
estação servindo de cadeia e uma tina de água salgada fora. Depois da clássica
surra, eram os marginais banhados na tina [...] Pouco a pouco Meriti ia
melhorando. Depois da água que Nilo Peçanha deu e de algum saneamento,
Meriti já não era mais Meriti do pavor [...] O sentimento era de renovação.136
Observe-se que, no relato mitológico sobre o passado de Meriti, Nilo Peçanha é visto como o
redentor e o renovador de uma região marcada pelo atraso e pela ausência de lei. Apesar disso, segundo o
mesmo relato, o saneamento realizado apenas amenizou o impacto alarmante das condições ambientais,
sendo qualificado como “algum saneamento”. A água “dada” era simplesmente uma bica de água
instalada na atual Praça do Pacificador, ao lado da estação de Meriti. Contudo, as iniciativas foram
133
LAMEGO, Alberto Ribeiro. O homem e a Guanabara. Rio de Janeiro: IBGE, 1964, p. 227.
134
Com base no financiamento da laranja e nos investimentos em saneamento, as terras iguaçuanas a
Oeste foram revalorizadas e parte da economia agrária da região foi recuperada. Já na área do atual
município de Duque de Caxias, a produção agrícola existente na época permaneceu a mesma: cereais,
banana, mandioca, cana, criação de gado, produção de carvão, de tijolos e cerâmicas nas olarias.
135
Ver FERREIRA, Marieta de Moraes. Em busca da Idade do Ouro: as elites políticas fluminenses na
Primeira República (1889-1930). Rio de Janeiro: UFRJ, 1994.
136
Jornal Tópico, 25/08/58, p. 8.
72
consideradas como sinal de superação do pavor, já que garantiram condições de permanência no local.
Em 1872, a população local era de 10.542 habitantes e, em 1900, ficou reduzida a 800.137 Em dez anos
(1910-1920), houve uma retomada do crescimento populacional de 800 para 2.920 habitantes. 138
O crescimento aqui apontado não se dá ainda com base na expansão urbana da cidade carioca,
construção simultânea de uma linguagem recorrente da catástrofe que se abateu sobre a região era feita
Segundo José Luís Machado,139 em 1918 surgiram os primeiros loteamentos, que foram feitos
pelo engenheiro Abel Furquim Mendes. Ele dividiu a área ao longo da via férrea e colocou os lotes à
venda por 50 mil réis cada. A iniciativa foi considerada um fracasso por Machado, já que Furquim não
Poderíamos citar alguns fatores que contribuíram para esse fracasso. Um primeiro aspecto a
considerar é a constatação de que os investimentos na desobstrução dos rios para facilitar a passagem das
águas deformaram os rios ondulados, transformando-os em valas retas e rasas, o que agravou as
condições ambientais. 140 As áreas encharcadas ainda eram um empecilho para a ocupação urbana e as
doenças eram uma ameaça constante, principalmente nos períodos de muita chuva.
das terras nos anos 20, favorecendo o abandono ou a manutenção da propriedade por meio do controle
recuperação do solo e no plantio somavam-se à insegurança de tal investimento, já que este não era o
proprietário. Era mais fácil assegurar a posse da propriedade utilizando-se do gado, que exigia um número
menor de trabalhadores.
137
LUSTOSA, José. Cidade de Duque de Caxias: desenvolvimento histórico do município de Duque de
Caxias: dados gerais. Rio de Janeiro: Gráfica do IBGE, 1958.
138
BELOCH, Israel. Capa Preta e Lurdinha. Tenório Cavalcanti e o povo da Baixada. Rio de Janeiro:
Record, 1986, p. 22.
139
O Jornal Tópico, de 25 de agosto de 1958, apresentou José Luís Machado como o primeiro corretor de
imóveis de Caxias, animador de programas de alto-falantes, pintor de letras, publicitário, orador oficial
das solenidades públicas e privadas, como a inauguração da bica d‟água por Nilo Peçanha e da
inauguração da Estrada Rio-Petrópolis, com a presença de Washington Luís. Ele chegou a Caxias no
início do século XX. Residia inicialmente em Bonsucesso e seus familiares eram proprietários de terras
em Caxias, desde 1891. Seu pai, o Comendador Bento Antônio Machado, chegou a Caxias em 1900. Foi
também Machadinho que mudou a denominação da placa da estação de Meriti para Duque de Caxias,
escoltado por quatro homens que impediam qualquer reação à sua iniciativa. Em 1931, o deputado
Manoel Reis propôs a criação do Distrito de Duque de Caxias.
140
ABREU, 1992, p. 229.
73
O terceiro está relacionado com a ausência de financiamentos de longo prazo na compra dos
lotes, aos parcos recursos financeiros dos novos moradores e à inexistência de uma estrutura urbana como
iluminação, ruas pavimentadas, água tratada, escolas e assistência médica. Tudo isso dificultava o acesso
e a permanência no local. Além disso, os trabalhadores e a população que chegava do interior para a
cidade do Rio de Janeiro estavam ocupando os arredores das estações da Estrada de Ferro Leopoldina, ou
seja, a periferia da cidade do Rio de Janeiro, e somente a partir dos anos 20 é que Meriti torna-se a
Machado afirma ainda que, durante esse período, o domínio do poder político local estava
Além da propriedade da terra, algumas dessas famílias controlavam as atividades comerciais nos
Nova Iguaçu, dominando-o. Situação exemplar era a do chefe político local mais importante, João Telles
de Bittencourt. Sua família possuía uma longa tradição na região, sendo proprietária de terras em Estrela,
Sarapuí e nos arredores de Meriti, além de ter uma longa trajetória de atuação nas Guardas Nacional e
Municipal. João Telles era proprietário do Engenho do Porto, produzia cerâmicas em suas olarias e era
comerciante local. Foi delegado de polícia em Meriti, tornou-se prefeito do município de Nova Iguaçu no
A irmã de João Telles casou-se com Isaías Lomba, um imigrante espanhol que trabalhava na
olaria dos Telles. Manoel Isaías Lomba tornou-se um dos mais abastados comerciantes locais. Era na casa
141
Jornal Tópico, 25/08/58, p. 3.
142
LAZARONI, Dalva. Esboço histórico-geográfico do município de Duque de Caxias. Rio de Janeiro:
Arsgráfica, 1978, pp. 81-84.
74
da família Lomba que grandes autoridades hospedavam-se quando visitavam a região, como aconteceu
O poder político local era, dessa forma, controlado por uns poucos proprietários e pelos mais
importantes comerciantes locais. Eles possuíam propriedades, atuavam no comércio, nos aparelhos de
controle, como as delegacias, e no aparato burocrático da administração local. O comércio local era
controlado também por imigrantes portugueses, espanhóis, sírios e árabes. Muitos desses imigrantes
abandonaram a Europa durante a guerra de 1914. Seguiam o curso das estações, compravam uma pequena
área e instalavam seu comércio (secos e molhados, açougue, armarinho e botecos) ou simplesmente
permitiu a compra de grandes fazendas por preços baixos. Nas mãos de poucos indivíduos ou empresas
A venda de lotes sem a menor infra-estrutura aos trabalhadores pobres reduzia a necessidade de
investimentos, rendendo lucros atraentes. Guilherme Fuchs era filho de um casal alemão que veio para o
Brasil a fim de fugir da crise que a Alemanha sofria, durante e após a Primeira Grande Guerra. Em suas
memórias, ele diz que, no início do século XX, seus pais instalaram-se na Vila do Centenário (bairro de
Caxias) e lá ele nasceu. Seu pai era marceneiro e, após concluir a montagem da primeira escada caracol
143
FORTES, M. do Carmo Cavalcanti. Tenório, o homem e o mito. Rio de Janeiro: Record, 1986.
144
SOARES, 1962, p. 233.
75
do Rio de Janeiro, economizou alguns mil-réis para adquirir três lotes no primeiro loteamento da antiga
Meriti. 145 Guilherme descreve a situação do Centenário e de Meriti no início da década de 1920:
dependente dos centros urbanos, onde os moradores de Meriti e de seus arredores recorriam a outros
Armanda Álvaro Alberto, uma professora pioneira da Escola Nova, em 1921 instalou uma escola
em Meriti, chamada Escola Proletária de Meriti. 147 Armanda afirmava em seus relatórios que as
dificuldades encontradas por ela para manter o aluno na escola eram muitas. A presença do aluno
constantemente era ameaçada por epidemias e febres, pela necessidade de os filhos maiores cuidarem dos
menores para que seus pais pudessem trabalhar e pelas péssimas condições de acesso à escola,
O quadro crítico do lugar, apresentado nos relatos, não impediu o retalhamento e a venda dos
lotes. O baixo preço dos terrenos e o transporte ferroviário, ligando Meriti à cidade do Rio Janeiro,
pelo Estado. Durante o governo de Epitácio Pessoa, um Decreto Federal estabeleceu um contrato com a
145
FUCHS, Guilherme. Depoimentos e reflexões de um teuto brasileiro: uma crônica. Rio de Janeiro:
Edição do Autor, 1988.
146
FUCHS, 1988, pp. 13 e 14.
147
Armanda era moradora do Rio de Janeiro. Seu irmão possuía uma fábrica nos arredores de Meriti.
Durante as visitas ao local, decidiu instalar uma escola proletária. Com a ajuda do irmão, fundou a Escola
Proletária, que, posteriormente, recebeu o nome de Escola Regional de Meriti. A escola tornou-se
pioneira no Brasil, inaugurando, em sua perspectiva pedagógica, a Escola Nova e o método
montessoriano. Ver Jornal Tópico, 23/08/1958, p. 12.
148
ÁLBERTO, Armanda Álvaro. A escola de Meriti: documentário de 1921-1964. Rio de Janeiro: MEC-
INEP/ CBPE, 1968.
76
1922, essa empresa desapropriou as terras da fazenda do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, da
Congregação Beneditina do Brasil, a mais antiga e uma das mais extensas de toda a Baixada. Localizada
próximo à ferrovia que ligava o Sarapuí a Iguaçu, portanto entre os principais rios da região.
grupos especuladores intensificassem o retalhamento e a venda dos lotes. Novos loteamentos surgiram
Em 1929, havia 3.302 lotes aprovados no território do atual município de Duque de Caxias. Na
década seguinte, o número de lotes aprovados quase triplicou, chegando a 9.169.151 Logo, é possível
identificar que até os anos 30 a região ainda não havia sido incorporada como área de transbordo da
cidade carioca. Entretanto, a partir de fins dos anos 20 e nos anos 30, crescentemente tornou-se célula
urbana incorporada.
O acesso à cidade do Rio de Janeiro, facilitado pelas estações ferroviárias de Meriti, Gramacho,
Actura (atual Campos Elíseos) e Rosário (atual Saracuruna), pela instalação da energia elétrica nos
arredores de Meriti, em 1924, e pela construção da Estrada Rio-Petrópolis, em 1928, ampliou o fluxo de
lugar como área de passagem e de pouso para os que seguiam em direção à Serra de Petrópolis.
149
Várias famílias alemãs obtiveram lotes e se instalaram na Vila do Centenário.
150
Jornal Tópico, 25/08/1958, p. 3.
151
FUNDREM, 1978.
77
Ainda foi possível identificar a instalação de uma rede de prostituição integrada a alguns dos
pobres, oriundos do interior do estado do Rio de Janeiro, de Minas Gerais, do Espírito Santo e do
Nordeste brasileiro, em busca de emprego e de uma vida melhor. Somem-se a isso as disputas pelas terras
vazias que intensificaram a grilagem e a criação de novos loteamentos nos arredores da Rio-Petrópolis,
reanimando a ocupação de áreas decadentes como a do Pilar e o aumento do desmatamento, das áreas de
cresceu de forma significativa na década de 1920: de 2.920 habitantes para 28.756, em 1930.152
A corrida para o Oeste da cidade do Rio de Janeiro em busca de emprego, moradia e terra para
lavrar revelava-se penosa para os trabalhadores que tinham de enfrentar a violência, a malária, os
conflitos de terras entre grileiros e lavradores, o trabalho duro e os baixíssimos salários. Para os
O que podemos identificar no processo aqui apontado é que, até 1930, a região era
essencialmente rural, embora não contasse com grandes produtos de exportação ou grande procura. Além
disso, de forma tradicional, a região é território de passagem obrigatória, cortada por estradas cujo
ribeirinho.
As frações da classe dominante local parecem constituir-se de: grandes proprietários fundiários,
dos quais uma parte não reside no local, deixando as terras aos cuidados de administradores que,
paulatinamente, adquirem poder local, tanto pela violência quanto pela intermediação de favores, e,
posteriormente, pela ocupação e pelo retalhamento de parte dessas terras; comerciantes locais residentes,
interessados na região e que, crescentemente, detêm o controle do poder político local, em função do
absenteísmo dos proprietários originais; aventureiros e/ou apadrinhados menores dos poderes centrais,
por proprietários, reforçando o movimento de especulação e uma crescente promiscuidade dos poderes
152
BELOCH, 1986, p. 22.
78
locais (baseados no uso da violência e na subalternidade), e as ações de poder central, cuja finalidade de
cunho nacional não responde a interesses diretos da Baixada, mas fornece meios para o enriquecimento
Quanto à ocupação de terras pelos setores populares, duas frentes simultâneas são percebidas: a
presença de uma pequena produção de subsistência, com alguma venda para o mercado, e a constituição
É na conjuntura apresentada que Natalício Tenório Cavalcanti chega a Caxias. Sua trajetória está
rodovia Rio-Petrópolis. Pelo uso da violência e de suas funções, tornou-se proprietário e comerciante,
incorporando-se a uma das famílias tradicionais do lugar. Compreender sua trajetória implica conhecer o
O pai de Tenório Cavalcanti era um pequeno proprietário de terras e cabo eleitoral do empresário
e deputado federal nordestino Natalício Camboim de Vasconcelos. Com a morte do pai, a família decidiu
que Tenório deveria vir para o Rio de Janeiro, a fim de fugir da vingança e da possibilidade de ser morto.
O apadrinhamento lhe assegurou emprego e acesso a uma rede de relações de favorecimento que o
Porto, Rios e Canais e, por intermédio dele, Tenório tornou-se controlador de ponto nas obras da Estrada
Rio-São Paulo. Edgar de Pinho era um engenheiro baiano com situação privilegiada no Rio. Era cunhado
Não foi possível encontrar registros quanto ao processo que transformou Edgar de Pinho em um
dos mais importantes proprietários de terras da região. Evidentemente, o fato de residir no Rio de Janeiro
153
Hildebrando era baiano, formado em engenharia e filho de um funcionário da Prefeitura do Rio de
Janeiro, o engenheiro Coriolano Góes. Em 1927, ele era diretor do Departamento de Portos Rios e Canais.
Hidelbrando era influente no Governo de Washington Luís, indicando Tenório para as obras da Estrada
Rio-São Paulo e Rio-Petrópolis. Durante o Governo de Vargas, dirigiu as obras de saneamento da
Baixada Fluminense.
79
e de possuir relações de parentescos com políticos importantes da esfera federal contribuiu para a sua
trajetória.
Não é muito difícil compreender o interesse de Edgar em obter terras nas proximidades da
Estrada Rio-Petrópolis, que viria a ser construída. Por outro lado, não seria também difícil perceber o
quanto ele foi beneficiado pelo fato de a nova estrada cortar sua propriedade. Edgar adquiriu duas
fazendas em Caxias: a Santa Cruz (atual bairro Santa Cruz e Barro Branco) e a Santo Antônio (Xerém).
fronteiras de suas propriedades por meio da ação de administradores. Aliás, o próprio Tenório mencionou
o nome de outros importantes administradores que provocavam pavor pela imensa lista de crimes
cometidos. Entre eles, é citado o nome do negro José Francisco, que trabalhava para o Sr. Walter Smith,
na fazenda do Km 37 da Rio-Petrópolis.
José Francisco era freqüentador dos candomblés, carregava amuletos protetores que teriam o
poder de desviar as balas disparadas contra ele. Possuía prestígio com os homens da política dominante e
possuía fama de matador profissional. Também ele possuía um bando de homens sob o seu comando. Um
outro administrador muito temido era o da fazenda Capim Melado, de propriedade de Joaquim Pacheco
Rocha. Seu nome era João de Souza, e também possuía seu bando, sendo temido por sua prática
violenta. 155
Como se pode ver, Tenório não era um caso à parte, e sim mais um dos muitos que atuavam na
defesa dos interesses dos que pagassem por seus serviços. O alagoano tornou-se o administrador de Edgar
154
SILVA, 1954, p. 21.
155
SILVA, 1954, p. 23.
80
de Pinho, substituindo o antigo, que fora assassinado nas disputas de terra e conflitos com posseiros. 156
Tenório receberia um bom ordenado, uma participação nos lucros da lavoura e na extração de
lenha, um revólver e o direito de residir com sua esposa e mãe na casa grande da fazenda Santo Antônio.
Teria como função, além da administração e da segurança da fazenda, o acompanhamento das obras da
Estrada Rio-Petrópolis, a seleção e a direção dos operários que trabalhavam na construção da rodovia,158 e
Para Tenório, Edgar de Pinho era o proprietário da maior extensão de terras da região. Ele
arrendou as matas de sua propriedade a uma empresa alemã. Operando na extração de lenha e madeira e
na fabricação de carvão, rapidamente os lotes de terra foram desmatados por seiscentos homens
contratados pela firma. Armazéns, depósitos e barracões foram instalados na fazenda. 160
Para impor o controle sobre as propriedades, Tenório organizou um grupo de homens armados
que atuavam na segurança e na realização das tarefas indicadas por ele. Seu bando era composto por
homens nordestinos fiéis que sabiam pegar no gatilho. Logo, Tenório tornou-se conhecido e temido na
importante coronel iguaçuano, Getúlio de Moura, ampliando, assim, sua rede de apadrinhamento político.
Getúlio de Moura nasceu em 1903, em Itaguaí. Em 1924, passou a trabalhar como funcionário da
Estrada de Ferro Central do Brasil. Em Nova Iguaçu, tornou-se um dos mais importantes coronéis da
região, tendo ele também seu grupo armado e certo domínio da polícia local. Cursou o internato do
Colégio Pedro II e, em 1931, bacharelou-se pela Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro,
156
FORTES, 1986, p. 47.
157
FORTES, 1986, pp. 47-48.
158
A rodovia cortava as propriedades de Edgar de Pinho.
159
FORTES, 1986, p. 57.
160
SILVA, 1954, p. 33.
81
especializando-se em Direito criminal.161 Moura poderia ser visto por Tenório como uma figura política
paralisadas e as tensões foram acirradas: desemprego, roubos de animais e saques nas lavouras, tornando,
assim, a atuação dos administradores de fazendas ainda mais violenta. Tenório relatou em suas memórias
Nossa Senhora da Penha, Barro Branco, Santo Antônio, Jaguaré, Estrela e São Bento. Sem emprego,
renda ou alimentação, constantemente a localidade era obrigada a conviver com assaltos, mendicância,
Na fazenda Santo Antônio, os conflitos foram ainda maiores. A crise pós-30 provocou um
recesso no mercado, e o carvão produzido ficou empilhado. Outra conseqüência da crise foi que, em
1932, os salários deixaram de ser pagos pela firma alemã. Ela enviou um representante para negociar e,
após algumas promessas não-cumpridas, estourou a greve. Uma das mais importantes lideranças grevistas
Natalício, que estava fora, retornou e organizou uma emboscada, assustou e expulsou os
161
. Dicionário histórico-bibliográfico brasileiro – DHBB (1930-1983). 1 ed. Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas: CPDOC, 1984, v. 3, p. 2.309.
162
O que Tenório chama aqui de revolucionários foram os que apoiaram a Revolução de 30.
163
SILVA, Ar1indo Medeiros. Memórias de Tenório Cavalcanti segundo a narrativa de Arlindo Silva.
Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, 1954, p. 32.
164
SILVA, 1954, p. 34.
82
propriedade. Logo a seguir, cem policiais invadiram a fazenda de Santo Antônio para libertar Osvaldo;
Posteriormente, Tenório esteve envolvido em outro conflito. Dessa vez com policiais que
invadiram a fazenda à procura de alguns de seus homens. Houve um tiroteio violento e, segundo ele, os
policiais saquearam a fazenda, levando mercadorias e dinheiro. Incendiaram casas, mataram alguns de
impraticável. Natalício mudou-se com sua esposa e mãe para o centro de Caxias. A fazenda foi
novamente saqueada e Tenório foi preso pelos danos provocados e pelo enfrentamento com a polícia.
Edgar de Pinho interveio, libertou Tenório, rompeu o arrendamento e entrou na justiça para que a firma
Apesar da perda do trabalho, Tenório encontrava-se em situação estável. Sua atuação na fazenda
e a grilagem lhe asseguraram a aquisição de lotes que se valorizavam. Assim, de administrador, ele se
Tenório havia se casado com uma das filhas do comerciante Lomba, em 31 de outubro de 1931.
Poderíamos estranhar que a filha de um comerciante abastado e sobrinha-neta do chefe político João
Telles de Bittencourt se casasse com um capataz envolvido em confrontos com mortes, um homem
chamado por muitos de “bandoleiro”. Porém, vários fatores contribuíram para isso: a) a família
Bittencourt possuía uma longa tradição nos mecanismos de controle social e de defesa da propriedade
privada, como a Guarda Nacional e as delegacias policiais. A proximidade com a violência, portanto, não
era uma novidade na família; b) segundo os relatos de Tenório, a família Lomba sofria uma crise
financeira que se acentuara nos anos 30, diminuindo, assim, as possibilidades de exigência de um
casamento melhor para a filha. Tenório, por sua vez, dizia-se sócio de Edgar de Pinho, e possuía outras
165
BELOCH, 1986, p. 87.
83
propriedades e boas relações políticas. Ao se casar com Walquíria Santos Lomba, foi incorporado a uma
romper com o padrinho e recebendo uma boa indenização, Tenório comprou uma residência no centro de
Caxias, próximo à casa do sogro, e tornou-se comerciante ao abrir uma casa de material de construção e
de madeira.
A loja possibilitava-lhe o acesso a uma grande clientela e a prática de prestação de favores a uma
população que crescia e que era responsável pela autoconstrução de suas moradias. A incorporação a uma
família tradicional e proprietária favoreceu-lhe uma maior proximidade com o coronel Getúlio de Moura,
uma das mais expressivas figuras políticas da região. Posteriormente, o próprio Getúlio o encaminharia
Está nesse conjunto de fatores a grande diferença entre Tenório e os demais administradores de
seu tempo: ter um apadrinhamento importante; ser administrador de uma extensa área de terra pertencente
a um proprietário com boas relações com a esfera federal; receber parte dos lucros, principalmente o da
produção e venda de carvão; obter terras para especular; tornar-se comerciante de uma loja de material de
construção em uma região que apresentava um rápido crescimento populacional; aliar-se com uma família
tradicional do lugar; entrar para a vida pública e cursar Direito, o que diminuía a força da imagem de
“bandoleiro” e afirmava sua atuação no universo da legalidade e da política. Dessa forma, terra, grilagem,
propriedade, violência, comércio e poder são palavras-chave nesse quadro político que se desenhava em
Meriti.
processo acelerado de crescimento de sua população. Transformou-se de área rural para a de periferia
urbana industrial. Analisar esse processo, identificar os novos deslocamentos realizados no local e mapear
novos projetos em curso. Nesse sentido, consideramos relevante, em primeiro lugar, apontar as mudanças
84
conjunturais do pós-30. A partir da apresentação das redefinições das forças políticas e das disputas pelo
poder local, regional e nacional, busca-se compreender os projetos de colonização implantados pelo
governo Vargas e perceber os impactos provocados pelas políticas públicas nesse espaço vivido.
Após o golpe de 1930, houve uma alteração no jogo político nacional e regional. As antigas
forças hegemônicas foram substituídas por outras. Com o exílio do ex-ministro Mangabeira e tendo Edgar
de Pinho perdido parte de seu prestígio político, Tenório Cavalcanti e Getúlio de Moura enfrentaram
dificuldades.
A prefeitura de Nova Iguaçu passou a ser governada por interventores, apesar da resistência do
chefe político local, Getúlio de Moura, que a ocupou à força, fato conhecido no local como “Revolução
Iguaçuana”.166 Em dezembro do mesmo ano do golpe, Getúlio de Moura foi afastado do cargo, após a
ocupação da cidade pelas tropas do Exército. Posteriormente, foi processado por ter acusado o Governo
Tenório Cavalcanti manteve-se articulado a seus antigos aliados políticos, compondo, assim, as
forças de oposição ao Governo Provisório. Sua posição política definiu a manifestação de apoio à
campos opostos esses chefes. O bloco da UPF era liderado pelo general Cristóvão
Barcelos e por José Eduardo Prado Kelly, incorporando setores aliados de Washington
Luís. O PRP era liderado por Raul Fernandes, João Guimarães e José Eduardo Macedo,
adeptos do getulismo na região fluminense. Ari Parreiras, interventor federal no estado
do Rio de Janeiro, negou-se a apoiar qualquer dos partidos nas eleições de 1933. O PRP
elegeu a maior bancada do estado, com dez representantes, enquanto a UPF elegeu
apenas três, demonstrando sua força política.168
Na Baixada Fluminense, Getúlio de Moura entrou para a UPF. Lançado como
candidato a deputado constituinte, elegeu-se como suplente, não chegando a assumir
uma cadeira no Legislativo federal. A força de maior sustentação do governo federal
estava organizada no PRP, tendo Manoel Reis como sua principal liderança em Nova
Iguaçu.
Manoel Reis nasceu em Nova Iguaçu, em 1876. Era proprietário de terras e
bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais. No período de 1910 a 1912, durante o
governo de Hermes da Fonseca, foi Secretário do Ministro da Aviação. Foi eleito
deputado federal, ocupando uma cadeira na Câmara de 1912-1914. Foi deputado
estadual e vereador da Câmara Municipal de Nova Iguaçu, que presidiu de 1916 até
dezembro de 1923. Nas eleições para a Assembléia Nacional Constituinte, foi eleito
suplente e assumiu a cadeira em julho de 1934. Durante os primeiros cinco anos do
Governo Vargas, Manoel Reis atuou articulando seus interesses regionais com os do
getulismo. Sua residência era conhecida como o local em que o Presidente Getúlio
Vargas descansava, e ele era visto como o homem do presidente na Baixada
Fluminense. Em 1935, faleceu.169
Nas eleições para deputados federais e estaduais, realizadas em 1934, a UPF
elegeu oito deputados federais e 19 estaduais, enquanto o PRP, cinco federais e 18
estaduais. Apesar da vitória da UPF, as alianças políticas estabelecidas na Assembléia
Estadual garantiram ao PRP uma bancada composta por 23 parlamentares, enquanto seu
opositor possuía 22, o que garantia ainda a hegemonia regional.
Nas eleições para o governo do estado de 1935, Tenório e Moura trabalharam na
candidatura da UPF e saíram derrotados. O candidato da UPF, Cristóvão Barcelos,
168
ABREU, Alzira Alves de (org.). Dicionário histórico-bibliográfico brasileiro (DHBB). Pós 30. 2 ed.
revista e atualizada. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas: CPDOC, 2001, v. IV, pp. 4.345-46, e v. V,
pp. 5.852-53.
169
Manoel Reis foi um dos mais importantes aliados de Vargas em Nova Iguaçu. Durante as visitas do
presidente a Nova Iguaçu, era na propriedade dele que Vargas descansava.
86
assim como o Movimento Autonomista, recém-criado, e os órgãos legislativos do país foram suprimidos.
O chefe político iguaçuano, Getúlio de Moura, perdeu o domínio da polícia local, que foi substituída por
170
Uma das principais lideranças da conspiração contra o presidente Arthur Bernardes. Ele esteve preso
na Fortaleza de Santa Cruz, onde recebeu a visita de Ernani do Amaral Peixoto, membro da Escola Naval
do Rio de Janeiro e irmão de uma das lideranças do Levante de 1924, em apoio aos revoltosos de 5 de
julho de 1922. Protógenes apoiou o golpe de 1930 e tornou-se Ministro da Marinha no Governo
Provisório. Em 1933, Protógenes indicou Amaral Peixoto para o cargo de ajudante-de-ordem do
Presidente, para substituir Celso Pestana, morto em um acidente com o carro em que viajava Getúlio
Vargas de Petrópolis para o Distrito Federal. Em 1935, foi eleito governador do estado do Rio de Janeiro.
Ver: DHBB, 1984, v. III, pp. 2.448/49.
171
DHBB Pós-30, 2001, v. V, p. 5852.
172
Ricardo Xavier da Silveira era filho de Joaquim Xavier da Silveira, prefeito do Rio de Janeiro em 1901
e 1902. Lançou-se candidato a prefeito pelo UPF.
87
investigadores da Polícia Federal e, posteriormente, por delegados indicados por Agenor Barcelos Feio, 173
Secretário de Segurança do governo estadual. A indicação de delegados pela esfera estadual e federal foi
uma medida centralizadora que quebrou os círculos tradicionais de reciprocidade, gerando tensões e
realinhamentos políticos.
Acabaram, então, as concessões para assegurar o acesso aos cargos públicos e aos benefícios.
Tenório e Moura teriam de se posicionar frente ao Governo Vargas e amaralista. O governador Amaral
Peixoto manteve Ricardo Xavier da Silveira na prefeitura de Nova Iguaçu até 1943, marcando a posição
política de aliança de Xavier da Silveira com o getulismo. Em 1945, Moura rendeu-se aos projetos
amaralistas, tornou-se interventor na prefeitura de Nova Iguaçu, indicou o prefeito que o substituiu,
Manoel Augusto da Silva, e lançou-se candidato a deputado federal, compondo, assim, as forças do PSD
(Partido Social Democrático) na região. Em 1945, Getúlio de Moura foi eleito deputado federal pelo PSD,
ordinário.
Tenório Cavalcanti, por sua vez, perdeu o mandato de vereador e manteve-se alinhado a Edgar
de Pinho e à oposição, sem romper com seus padrinhos políticos iguaçuanos. Uma situação exemplar
acerca da manutenção da aliança política entre Tenório e as lideranças iguaçuanas, Moura e Xavier, é
narrada por uma das filhas de Tenório, Do Carmo Cavalcanti Fortes, em seu livro Tenório, o homem e o
mito. Segundo ela, Joaquim Peçanha havia se candidatado nas eleições de 1936 para o Legislativo
municipal. Como não obteve sucesso no pleito, foi nomeado delegado de Caxias em 1937, tornando-se o
maior inimigo de Tenório de Cavalcanti. Ele efetuou a prisão de Tenório por duas vezes – a primeira por
porte de armas e a segunda pela acusação de conspiração contra os governos estadual e federal.
Segundo o próprio Tenório, Peçanha era simpatizante do integralismo, e essa agremiação possuía
movimento em maio de 1938, investindo contra o Palácio da Guanabara. Tenório foi acionado pelo
delegado de Nova Iguaçu,174 para que impedisse a investida dos irmãos Dantas, as principais lideranças
integralistas de Caxias.
173
O Coronel Agenor Barcelos Feio veio do Rio Grande do Sul após prestar serviços à ditadura varguista.
Atuou na deposição do General Flores, que pretendia resistir ao golpe de 1937. Como prêmio, recebeu o
cargo de chefe da Polícia do Estado do Rio de Janeiro e o de orientador político.
174
Não podemos esquecer que, nesse período, o prefeito de Nova Iguaçu era Ricardo Xavier. Tenório
atendeu a uma solicitação de seus aliados iguaçuanos.
88
O delegado de Nova Iguaçu, amigo meu, telefonou-me pedindo ajuda. Dizia que
não deveria permitir que os integralistas atravessassem a fronteira para o Rio,
pois as passagens viáveis para o estado vizinho estavam bloqueadas e as de
Caxias não, dependia de um pequeno reforço. Concordei, não era favorável às
atitudes agressivas em relação ao presidente [...] Consegui, com a ajuda dos
meus homens, prender os integralistas e entreguei-os à Delegacia de Nova
Iguaçu.175
A prisão dos integralistas e a tortura que sofreram na delegacia geraram um clima de tensão entre
Tenório, Peçanha e os integralistas. Tempos depois, mais um tiroteio ocorreu, dessa vez envolvendo
Tenório e os integralistas José e Manoel Dantas, Américo Soares, Joaquim Peçanha e um de seus homens
mais temidos, Homero de Carvalho. Natalício chamava esse homem forte de Peçanha de pistoleiro frio,
calculista e traiçoeiro, “um leopardo na traição e um lobo faminto na agressividade”. O confronto foi
violento, porém não houve mortes. Moura, que estava em companhia de Tenório durante o tiroteio,
acionou Ricardo Xavier e, juntos, seguiram para Niterói. Natalício ficou detido em Niterói por pouco
Quando Joaquim Peçanha assumiu a Delegacia de Caxias, os conflitos com Tenório foram
tornando-se ainda mais violentos. Os tiroteios, as emboscadas e as mortes eram parte do cenário da
Em suas memórias, Natalício narra com detalhes a prisão que realizou de Manoel Ferreira,
acusado por ele de matar um de seus correligionários, o fiscal da prefeitura Pereira Lima. Após interrogá-
lo “à moda de Felinto Muller, com socos, pontapés, tapas na cara do miserável”, Tenório o entregou à
família de Pereira Lima, para que esta escolhesse o destino dele. Esses homens, chamados por muitos de
Entretanto, os que deveriam representar a lei e a justiça também atuavam como “inquisidores”,
determinando a prisão e o castigo a ser dado. Peçanha era acusado de reunir um grupo de criminosos a
seu serviço e de realizar as maiores atrocidades contra prisioneiros e opositores de Vargas. O “Homem da
175
CAVALCANTI, Sandra Maria. Tenório, meu pai. Rio de Janeiro: Global, 1986, p. 96.
89
Era arrojado como um leão, malandro como uma raposa e, às vezes, perverso
como uma hiena. Mente fecunda para conceber tocaias e eliminar opositores do
governo [...] as diferenças eram decididas à bala no meio da rua. Era uma musa
do crime, porque se deixara apaixonar irremediavelmente pelas lutas políticas
[...] Caxias era sua. Ele era o feitor da senzala.176
Evidentemente, essas práticas violentas não eram prerrogativas exclusivas de Caxias. No Norte
fluminense, havia uma organização chamada de “Bando da Morte” que eliminava pessoas por dinheiro.
Em outras áreas da Região Fluminense, a violência era o instrumento utilizado para solucionar os
conflitos e as disputas políticas. Talvez a proximidade de Caxias com o grande centro carioca e seu rápido
crescimento populacional ampliassem as tensões internas e a violência. Tais tensões eram provocadas
pela grande concentração de trabalhadores pobres sem acesso às mínimas condições de vida, pela intensa
Uma outra marca da região era a presença de grupos armados, liderados por políticos com
projeção. Apesar de Tenório ter obtido maior destaque na mídia, ele afirmava que Getúlio de Moura
sempre teve uma participação direta ou indireta em todos os grandes episódios que o envolveram. Moura
era visto como um grande coronel de Nova Iguaçu e também possuía seu bando de homens armados.
Contudo, ele conseguia manter a aparência de homem pacífico, principalmente quando se tornou o
representante do PSD na Baixada Fluminense. 177 Talvez esse fato justifique a afirmação recorrente no
período de que Tenório seria apenas um “testa-de-ferro” de Moura. Logo, adquiriu importância política,
Em mais um conflito armado entre Natalício e Manuel Costa, um forasteiro que vivia em
companhia de Homero de Carvalho, Tenório foi baleado e ficou em estado grave, enquanto Manuel Costa
faleceu no confronto. Natalício ficou internado durante seis meses e acusou o delegado Peçanha de ser o
mandante da tocaia. Durante esse período, recebeu assistência e apoio de seu padrinho de casamento,
Edgar de Pinho e dos chefes políticos iguaçuanos, Xavier da Silveira e da Silveira e Getúlio de Moura.
Posteriormente, Peçanha foi esfaqueado e morto dentro do trem que o trazia diariamente a Caxias.
Tenório foi o acusado do crime e detido por quarenta dias em Niterói, apesar de alegar inocência e
insinuar que a morte do delegado estava relacionada às divergências existentes entre Peçanha e Moura. A
falta de provas contra Tenório e a proteção de seus padrinhos políticos asseguram-lhe a liberdade, sob a
176
SILVA, 1954, p. 71.
177
SILVA, 1954, p. 85.
90
condição de se afastar do Rio de Janeiro. Ele e sua família foram para Alagoas, retornando para o Rio de
Janeiro sete meses depois.178 Segundo Sandra Cavalcanti, a quarta filha de Tenório, a permanência da
família em Alagoas tornou-se difícil, devido à impossibilidade de manutenção do padrão de vida anterior
quarenta dias em Niterói, apesar de alegar inocência e insinuar que a morte do delegado estava
relacionada às divergências existentes entre Peçanha e Moura. A falta de provas contra Tenório e a
proteção de seus padrinhos políticos asseguram-lhe a liberdade, sob a condição de se afastar do Rio de
Janeiro. Ele e sua família foram para Alagoas, retornando para o Rio de Janeiro sete meses depois. 178
Segundo Sandra Cavalcanti, a quarta filha de Tenório, a permanência da família em Alagoas tornou-se
difícil, devido à impossibilidade de manutenção do padrão de vida anterior e das dificuldades enfrentadas
Após o retorno ao Rio, Tenório foi convidado por Xavier da Silveira para
assumir o cargo de agente fiscal da Agência de Caxias, em 1940. Responsável pelo
controle da arrecadação de impostos, retomou antigos negócios e seguiu os passos de
Moura, cursando a Faculdade de Direito, formando-se em 1944. Durante esse período,
Tenório e sua família passaram a residir em Nova Iguaçu, participando ativamente da
vida social e política da “Califórnia Brasileira”.
O cargo de agente fiscal possibilitou-lhe o retorno ao jogo político e o
estabelecimento de alianças com comerciantes locais, por meio de reduções de impostos
e de troca de favores. A atuação de Tenório como advogado lhe proporcionava também
o acesso a uma clientela popular que recorria a seus serviços, ampliando sua
popularidade. Após a morte da esposa, o Sr. Lomba refugiou-se em Friburgo e Tenório
comprou a parte da casa que cabia aos herdeiros, reformou-a e mudou-se para ela.180
Em Caxias, apesar da boa relação que Tenório mantinha com os políticos
iguaçuanos e de sua retomada à vida política, o clima de tensões e rivalidades
permanecia. A conjuntura de ditadura, da forte presença dos projetos de colonização do
estadonovista, da fundação do município de Caxias e da instalação da Delegacia 311
favoreceu a presença de prefeitos e delegados interventores. Eles eram chamados por
178
SILVA, 1954, p. 80.
179
CAVALCANTI, 1986, pp. 111-117.
178
SILVA, 1954, p. 80.
179
CAVALCANTI, 1986, pp. 111-117.
180
FORTES, Maria do Carmo Cavalcanti. Tenório: o homem e o mito. Rio de Janeiro: Record, 1986, pp.
80-97.
91
revela-se fundamental para compreendermos sua relação com a constituição de formas de poder marcadas
pela violência. Apesar de sua importância, em nenhuma das obras produzidas sobre a Baixada até o
presente momento, esses fatores foram tratados em conjunto. No que se refere aos núcleos coloniais e à
Cidade dos Meninos, não foi possível localizar, até o momento, obras historiográficas que nos ajudassem
empreendido pode apontar questões importantes a serem aprofundadas. Simultaneamente, pode indicar
e de serviços, o Distrito Federal tornou-se uma alternativa para aqueles que sofriam com a concentração
de terras e com a expulsão do campo. Todos os dias, chegavam de outras regiões do país pessoas em
espacial e econômica. As áreas periféricas que margeavam as estações da Leopoldina passaram a abrigar
essa população, que, quanto mais pobre, mais distante da cidade se alojava.
181
GRYNSPAN, Mario. “Os Idiomas da Patronagem: Um Estudo da Trajetória de Tenório Cavalcanti”,
Revista Brasileira de Ciências Sociais, n° 14, ano 5, São Paulo: ANPOCS, outubro de 1990, pp. 73-90.
182
Apesar do esforço pioneiro, ressentimo-nos pela ausência de uma pesquisa que aprofundasse as
experiências dos núcleos agrícolas na Baixada e da Cidade dos Meninos, principalmente relativa ao
período de seu funcionamento.
92
de abrigo dos trabalhadores empobrecidos. Caxias foi transformada em uma área de transbordo dessa
população, cumprindo o papel de periferia da periferia da cidade do Rio de Janeiro. Um outro aspecto
importante a ser considerado era a emergência de recuperar a economia agrária, com vistas a equilibrar a
Em 1933, foi criada a Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense, tendo como objetivos a
redução das áreas pantanosas e das doenças, e o estabelecimento de um programa técnico que
beneficiasse as terras da Baixada. O saneamento realizado pela Comissão consistiu: na drenagem dos rios
Meriti, Sarapuí, Iguaçu e Estrela; na instalação de bicas de água tratada; na aplicação de inseticidas; e na
O saneamento realizado pela Comissão garantiu as condições mínimas para atender aos
interesses de frações da classe dominantes locais e regionais, além de integrar a Baixada Fluminense ao
projeto nacional de colonização e modernização inaugurado pelo governo Vargas, principalmente durante
o Estado Novo. É possível identificar, nesse projeto, algumas características: a redescoberta e a ocupação
dos espaços vazios, principalmente de áreas desvalorizadas, por meio da redução das áreas pantanosas, do
controle das doenças e do aumento da produção agrícola; o desenvolvimento industrial a partir da forte
progresso agrário e industrial. Esse projeto deixou marcas em Duque de Caxias e foi efetivado por meio
da forte intervenção do poder público, expresso na instalação do Núcleo Agrícola de São Bento, da
183
NIGRA, Clemente da Silva. “Núcleo Colonial de São Bento”, Revista do Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, n° 7, p. 24, Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 31 de
agosto de 1940.
93
Uma das grandes preocupações do Estado era impedir a apropriação indevida de terras públicas
na região. Nesse sentido, o investimento em saneamento básico deveria ser acompanhado de um projeto
de colonização. Logo, os núcleos agrícolas foram implementados como instrumentos de ocupação das
terras da União e de áreas vazias, como recurso para frear o movimento migratório urbano, visto como
ameaçador à segurança do Distrito Federal e como meio de assegurar o abastecimento de alimento para a
capital federal.
fornecer educação e orientação técnica capazes de assegurar uma maior racionalidade e produtividade
abastecimento urbano.184
Os primeiros núcleos fundados na Região Fluminense foram o de Santa Cruz (1930), o de São
Bento (1932), o de Tinguá (1938) e o de Duque de Caxias (1941).185 Os últimos três estavam localizados
na Baixada Fluminense. Os mais antigos, São Bento e Tinguá, possuíam 4.596 e 3.105 hectares,
quiabo, berinjela, abóbora e aipim) e fruticulturas (bananais e laranjais predominavam nos núcleos); havia
também a exploração de madeira extraída das florestas e da lenha, o que incentivou o plantio de
O Núcleo Colonial São Bento foi instalado nos limites do atual município de Caxias pelo
Decreto n° 22.226, de 14 de dezembro de 1932. As terras dos beneditinos, que denominamos de Fazenda
de São Bento, e as terras da Fazenda Aurora haviam sido desapropriadas pelo Estado, em 1921, pelo
Decreto n° 15.036 e ocupada pela empresa responsável pelo saneamento da Baixada. Em 1931, o contrato
existente entre o Estado e a Empresa de Melhoramentos foi rescindido pelo Ministério da Agricultura, e
as terras hipotecadas tornaram-se da União. Portanto, esse território era um espaço disponível para o
184
ALVES, J.C.S et al. “Memória da Rural”, Revista Universidade Rural, v. 18, n°s 1-2, dezembro de
1996, pp. 63-71.
185
Ocupava parte do território de Duque de Caxias e parte do território de Magé.
186
GEIGER, Pedro Pichas e MESQUITA, Myrian. Estudos rurais na Baixada Fluminense (1951-1953).
Rio de Janeiro: IBGE, 1956, pp. 153-163; e GRYNSZPAN, Mario. Mobilização camponesa e competição
política no estado do Rio de Janeiro (1950-1964). Rio de Janeiro, 1987, p. 46. Dissertação de Mestrado
em Antropologia Social pelo Museu Nacional.
94
Frazão.187
Segundo o documento do INCRA, o Núcleo Colonial São Bento possuía uma área de 102
quilômetros quadrados dividida em duas partes. A primeira era denominada de sede, com lotes urbanos,
isto é, com setenta residências construídas inicialmente entre 1939 e 1940, além das adaptadas de paióis,
administrador, tulha, telégrafo, escola, clube de esportes, posto médico, farmácia etc. A outra era
constituída por lotes rurais, compondo sete glebas: 1) a atual entrada do Parque Fluminense; 2) o atual
bairro do Wona; 3) a atual Cidade dos Meninos; 4) o lado direito de São Bento até o atual Lote XV; 5) o
atual bairro do Baby, pertencente hoje a Belford Roxo; 6) o atual bairro do Amapá; 7) a Fábrica de
Pólvora, atual Vale do Ipê. Posteriormente, mais duas escolas foram instaladas nas glebas, a do Amapá e
O Estado desempenharia as tarefas de: retalhar a terra e distribuir os lotes; 189 construir moradias
para os colonos;190 financiar a venda em pequenas prestações; orientar quanto à exploração da terra
(preparo do terreno, indicação da cultura mais adequada, assistência técnica); assegurar assistência
médica ao colono e à sua família; fornecer, durante algum tempo, máquinas necessárias e sementes;191
favorecido o acesso de pequenos lavradores à terra,192 as críticas a ele podem revelar algumas das causas
187
A área compreendia o atual bairro de São Bento, Cidade dos Meninos, até o fundo da baía, onde hoje
funciona o Aterro Metropolitano do Jardim Gramacho. Ver: Extinto Núcleo Colonial de São Bento. Rio
de Janeiro: INCRA, 1975.
188
Cada residência possuía uma área de 39 metros quadrados, com dois quartos, banheiro, cozinha e
varanda sem ladrilho e forro de madeira, sem muros. As ruas não tinham calçamento nem meio-fio. Havia
ainda algumas residências que foram adaptadas de cocheiras, galpões, depósitos, paióis etc. Ver: Extinto
Núcleo Colonial de São Bento. Rio de Janeiro: INCRA, 1975, pp. 5-6.
189
Os pagamentos dos lotes e da construção deveriam ser efetuados a longo prazo pelo colono, a partir do
terceiro ano de sua instalação no núcleo.
190
As moradias deveriam obedecer a uma estrutura padronizada, com garantia de higiene.
191
A Universidade Federal Rural, transferida de Niterói para Itaguaí durante o Estado Novo, teria o papel
de assegurar assistência técnica capaz de dar condições de permanência do homem no campo e de
desenvolver a economia agrária fluminense. Ver ALVES, 1996, p. 65.
192
Na década de 1950, novos núcleos foram criados: o de Papucaia (Estrada de Friburgo, no município de
Macacu) e o de Santa Alice (entre Itaguaí e Piraí), fazendo surgir inúmeros requerimentos de lotes no
Ministério da Agricultura.
95
dificuldades em desenvolver as atividades agrícolas, já que boa parte das terras adquiridas necessitava de
investimentos em saneamento. De outro, havia os parcos financiamentos aos lavradores, que, por serem
pobres, não conseguiam investir na produção e garantir sua sobrevivência. Sem auxílio, arrendavam parte
de sua propriedade ou ainda instalavam uma vendinha nos limites dela. Havia ainda os conflitos
estabelecidos: pelas orientações dos técnicos, incompatíveis muitas vezes com a experiência do lavrador
ou inviabilizadas pela ausência de recursos; pela impossibilidade da produção nos lotes empobrecidos;
pelas dificuldades na venda e no transporte das mercadorias (quase toda dirigida para o Distrito Federal);
e pela ineficiência das cooperativas – por causa das desconfianças que os lavradores tinham em relação a
Em Caxias, além dos empecilhos citados, o Núcleo Colonial São Bento enfrentou a dificuldade
de estar situado em uma área de expansão urbana da metrópole carioca. As obras de saneamento e a
implantação do núcleo e de uma estrutura administrativa mantida pelo Estado contribuíram inicialmente
Ainda hoje, na memória de antigos moradores do núcleo, podemos identificar uma memória
assegurava todas as necessidades do núcleo, desde a produção e venda até a organização dos espaços e
momentos de sociabilidades entre eles, embora também controlassem o tempo, inclusive impedindo a
entrada de pessoas sem autorização. A porteira vigiada transformava o espaço sede em espaço controlado,
vigiado.
transporte para escoar a produção contribuíram para que o lavrador se transformasse em sitiante, com
uma produção apenas de subsistência. Conseqüentemente, muitas áreas reservadas ao plantio foram
transformadas em lotes urbanos. Por um outro lado, os investimentos públicos na região beneficiaram as
193
GEIGER e MESQUITA, 1956, pp. 153-163.
96
conviver com a ausência de iluminação, de área de lazer, de esgotamento sanitário, de assistência médica,
ameaças constantes de enchentes. Apesar disso, a população de Caxias triplicou em apenas uma década.
Em 1930, a população era de 28.756 e, em 1940, já atingia os 99.987 habitantes.195 A aglomeração urbana
Em meados dos anos 30, a primeira-dama, Sra. Darcy Vargas, e um grupo de amigas iniciaram
um levantamento de fundos para erguer um núcleo de abrigo, de educação e de treinamento para meninas.
Para isso, em 1939, criaram a Fundação Darcy Vargas. Em 1941, Walt Disney esteve no Brasil lançando
o espetáculo Fantasia, para promover seus filmes e personagens. Toda a arrecadação do espetáculo foi
doada à Cidade das Meninas. No ano seguinte, pelo Decreto n° 34.675, o Estado desmembrou uma área
de 19 milhões de metros quadrados, pertencente ao Núcleo Colonial São Bento, e, em 1943, transferiu-a
Nessa área, teve início a instalação da Cidade das Meninas, tendo como objetivo inicial receber
meninas abandonadas ou de famílias empobrecidas, para que recebessem preparo físico, moral,
educacional e religioso. Em 1942, a Sra. Darcy Vargas patrocinou a publicação da obra Cidade das
Meninas, contendo estudos preliminares e sugestões de Rubens Porto para o projeto. A cidade-jardim foi
idealizada pelo autor a partir de uma solicitação da primeira-dama. Rubens Porto diz que participara da
elaboração do projeto da Casa do Pequeno Jornaleiro e que contara com a ajuda de Melle Germaine
194
NIGRA, 1940, p. 27.
195
BELOCH, 1986.
196
Dossiê 08100 do processo da Procuradoria-Geral da República. Ver também: “Atuação do Ministério
da Saúde no Caso de Contaminação Ambiental por Pesticidas Organoclorados na Cidade dos Meninos,
Município de Duque de Caxias, RJ”. Brasília: Ministério da Saúde, 2002.
97
A Cidade das Meninas foi idealizada juntamente com outros projetos voltados à moralização, à
contenção das situações de violência urbana promovida por desabrigados e populações empobrecidas, ao
Casa do Pequeno Jornaleiro, a Escola de Pesca de Marambaia e a Escola Agrícola de Paty de Alferes.
Rubens Porto diz que a Cidade das Meninas viria, entre vários fatores, a atender a uma orientação do
A cidade idealizada previa a construção inicial de duzentos ou trezentos lares habitados por um
grupo de vinte ou trinta meninas e de moças acompanhadas por responsáveis adultos. As moças atuariam
na ajuda com os pequenos. Como futuras mães, as meninas seriam preparadas para o casamento, para
elevar a moral das famílias empobrecidas e, ainda, estariam aptas para o trabalho doméstico, para a
economia do lar e para o mundo do trabalho quando fosse necessário à família e à sua própria
subsistência. Assim, elas cumpririam “a primeira e principal função social da mulher que reside no lar,
assegurando a existência e a educação dos filhos, a felicidade dos seus”. Porto utiliza-se de um
dispositivo elaborado pelo Conselho Profissional da Fundação Abrigo Redentor para legitimar ainda mais
seu projeto: “É preciso voltar-se para a assistência às meninas abandonadas, livrando-as da prostituição, e
Para tal, era necessária uma educação que assegurasse o preparo físico, intelectual, moral e
religioso. A ginástica, o trabalho doméstico, a produção agrícola, a floricultura, as aulas de forno e fogão,
de higiene, de costura, reparo e bordado eram ingredientes essenciais à formação familiar e profissional
da mulher do meio popular. A formação moral e religiosa levaria as moças e futuras mães a aprenderem o
197
PORTO, Rubens. Cidade das meninas. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1942, p. 61.
198
PORTO, 1942, p. 57.
98
O ensino das meninas estaria dividido em: 1) estudos primários para elevar o lado intelectual
com as seguintes disciplinas: português, história, geografia, aritmética, contabilidade familiar, religião,
noções de ciências físicas e naturais, canto e desenho; 2) ensino profissional com especialização em
profissões agrícolas (leitaria, criação de aves, criação de coelhos, jardinagem e floricultura) e profissões
profissões diversas (corte, costura e remendo, moda, bordado, renda, crochets artísticos, cabeleireira,
formação familiar consistiria em prepará-las a partir de ocupações que permitiriam a criação de hábitos e
disciplina de trabalho (alimentação, corte, costura, reparação, remendos, reforma, conserto, limpeza de
próprio enxoval, encaminhar para um emprego que lhe garantisse a sobrevivência até que o casamento
estivesse à vista. Para administrar a cidade, Porto aconselhava que fosse entregue as Franciscanas
caracterizavam.200
Após o fim do Estado Novo, em 1946, o patrimônio da Fundação Darcy Vargas foi transferido
para a Fundação Abrigo Cristo Redentor201 e, um ano depois, a cidade deixou de ser das meninas, e sim
dos meninos, tornando-se uma escola agrícola. A administração da cidade foi entregue ao Sr. Levy
Miranda. Somente posteriormente é que a cidade passou a receber meninas. Elas foram incorporadas à
A Fundação Abrigo Cristo Redentor tinha o papel de receber menores carentes, frutos da
estrutura social vigente, e levá-los a adquirir técnicas agrícolas e a produzir uma agricultura de
subsistência, objetivando a redução dos custos com a manutenção da cidade. Houve também uma redução
da quantidade de pavilhões previstos para a construção. O projeto inicial previa a construção de oitenta
199
Para Rubens Porto, a formação profissional corresponde a todas as especializações necessárias a uma
jovem, seja para aguardar o momento de fundar seu lar, seja para que possa fazê-lo com mais liberdade,
sem ser constrangida pelas obrigações materiais, ou ainda para prepará-la para o trabalho profissional, a
fim de completar a renda familiar nos momentos difíceis. Ver PORTO, 1942, pp. 35-57.
200
PORTO, 1942, p. 65.
201
Em 1923, foi criada a Associação Civil Cristo Redentor para assistir mendigos e menores
desamparados no Rio de Janeiro. Em 1943, ela se tornou uma fundação pública.
202
Relatório do projeto: “Estudos de processos de transportes orgânicos, solos e águas subterrâneas para o
estabelecimento de legislação ambiental e de medidas de remediações adequadas”. Rio de Janeiro:
Serviço Social da PUC/RJ, 1996.
99
pavilhões com capacidade de abrigar cinqüenta crianças cada, mas apenas quarenta foram levantados. Os
agora dos Meninos, tinha o objetivo de preparar para o trabalho, principalmente para atividades agrícolas
que exigissem recursos menores. Querendo ou não, o menino seria lavrador (sem terra, é claro) ou
marceneiro, isto é, um trabalhador simples. Apesar disso, o discurso reinante era de que os menores
pobres e abandonados teriam um internato ou um semi-internato privilegiado pelas suas belezas naturais,
pelo contato direto com a terra, pelo ambiente saudável, tranqüilo, com ar puro e boas instalações, dando
a aparência de um verdadeiro ato de caridade. Reunir mais de dois mil menores nesse espaço vigiado
parecia solução para os meninos de rua, que tanto incômodo provocavam na cidade do Rio de Janeiro e
no centro de Caxias.204
Como havia espaço ocioso na Cidade dos Meninos, devido aos parcos recursos investidos, em
1947, o Ministério da Saúde ocupou como empréstimo cerca de oito pavilhões, para que fosse instalado o
Instituto de Malariologia. Até aquele momento, o Serviço de Malária da Baixada Fluminense (SMBF),
instalado em São Bento em 1938, combatia a malária por meio do ataque ao transmissor na fase larvária,
nos criadouros. Em 1941, foi criado o Serviço Nacional de Malária, que incorporou o SMBF, e, em 1947,
o combate passou a ser feito na fase alada (adulta), por intermédio da dedetização domiciliar.
Nesse período, iniciou-se uma campanha de erradicação da malária em que o D.D.T. passou a ser
utilizado em larga escala no estado do Rio de Janeiro e em todo o país, reduzindo drasticamente o número
de casos positivos, algo que estimulou o consumo do pesticida. Para atender a essa necessidade, o
também conhecido como BHC). A fábrica foi inaugurada em 1950, na Cidade dos Meninos, e foi
construída com recursos do Serviço Nacional de Malária, do Serviço Nacional de Febre Amarela e do
também se fez presente na inauguração, já que fornecia recursos e conhecimento em projetos de saúde
pública no Brasil.205
203
Idem.
204
Idem.
205
“Atuação do Ministério da Saúde no Caso de Contaminação Ambiental por Pesticidas Organoclorados,
na Cidade dos Meninos, Município de Duque de Caxias, RJ”. Brasília, Ministério da Saúde, 2002, pp. 14-
15.
100
Segundo o relatório elaborado pela PUC/RJ em 1996, três fatores foram determinantes para a
da febre amarela no país. O segundo, ao uso comercial do BHC no país e nos Estados Unidos como
possibilidade de o país tornar-se auto-suficiente frente ao mercado internacional, evitando, dessa forma, a
dependência externa e os riscos com os prazos de entrega muito longos. Além disso, as necessidades
internas de regular a produção, fabricar e baixar os custos do produto, visto como “a grande revolução
técnica de combate às pragas”, também influenciaram na decisão de sua implantação. A fábrica era
composta por: Fábrica (produção, processamento químico); Biotério (ala das cobaias); Entomologia (casa
A face perversa dessa política consiste no fato de ter associado menores a pesticidas e de ter
inaugurado a fábrica em 1950, quando a utilização do BHC estava sendo contestada por diversos países,
por ser cancerígeno. A curiosidade é que, apesar de os Estados Unidos e a Inglaterra proibirem a
funcionários públicos.
Em 1952, a Cidade dos Meninos foi atingida por uma explosão, e um incêndio na fábrica de gelo
atingiu cinco tambores de DDT e HCH, vitimando sete funcionários. A Fundação Abrigo Cristo Redentor
protestou e exigiu que a fábrica desocupasse a cidade. Some-se a isso a suspensão do fornecimento de
cloro por uma empresa fluminense, o que obrigaria a fábrica a comprar o produto em lugares mais
desativação foi iniciado. Em 1955, foi suspensa a produção de HCH, tendo continuidade apenas a
manipulação do D.D.T. Algumas unidades do Instituto de Malariologia foram transferidas para São
206
Relatório do projeto: “Estudos de processos de transportes orgânicos, solos e águas subterrâneas para o
estabelecimento de legislação ambiental e de medidas de remediações adequadas”. Rio de Janeiro:
Serviço Social da PUC/RJ, 1996.
207
“Atuação do Ministério da Saúde no Caso de Contaminação Ambiental por Pesticidas Organoclorados,
na Cidade dos Meninos, Município de Duque de Caxias, RJ”. Brasília: Ministério da Saúde, 2002, p. 15.
101
Apesar do pouco tempo de funcionamento, a fábrica produzia BHC para atender ao mercado
interno, ou seja, uma quantidade nada desprezível. Cerca de quatrocentas toneladas do produto foram
abandonadas no local, e o Instituto de Malariologia foi transferido para Minas Gerais. O pó existente se
espalhou pelo local, contaminando rios, solo e a população residente. A ação criminosa do Ministério da
Saúde, consistente em instalar na Cidade dos Meninos a fábrica de BHC e, posteriormente a seu
fechamento, não ter assegurado o transporte do produto químico, é apenas uma das faces do descaso para
contribuiu para a instalação de um quadro de funcionários públicos federais nas imediações da cidade,
com a finalidade de atender os menores e atuar na fábrica. Já a produção do pesticida foi largamente
utilizada nas lavouras e no combate à malária. Em 1947, havia 7.044 casos positivos de malária em
Caxias. Em 1949, 323 casos e, em 1955, apenas quatro casos.208 A erradicação da malária poderia ser
comemorada com sucesso se o preço pago não tivesse sido a contaminação do solo, dos rios, da produção
208
VELHO, 1965, p. 61.
102
Tinha a carpintaria da fábrica, que fazia uns cinco ou seis caixões por dia [...] e
morria era gente de malária.209
Nós viemos para a fábrica pela mata virgem, de menor e com fome [...] Só tinha
um pavilhão e mais nada. Na época trabalhavam mais ou menos seis mil
pessoas e, para virmos para a fábrica, viemos pela serra. Descemos a serra
abaixo pelo meio do mato, não tinha a estrada de Santa Rosa, não tinha estrada
nenhuma. Entrava por Santa Cruz, que era mata virgem [...] Pra baixo de
Xerém, tudo era mato, só tinha a estação que era de tábua, não tinha tijolo.210
209
SILVA, Andréa Manes e Outros. A história da evolução urbana dos bairros de Duque de Caxias:
bairro de Xerém. Duque de Caxias: FEUDUC, 1998, p. 12.
210
Entrevista feita por Márcia Neumeyer Benfeita a Benedito Agostinho Alves em 2000. Benedito Alves
foi operário da FNM no período da primeira fase, ou seja, da militarização. A entrevista pode ser
encontrada no Banco de Memória do Centro de Memória da História da Baixada Fluminense/FEUDUC.
103
O trem vinha de Francisco de Sá com aquelas peças que eram necessárias para a
fábrica. Peças pesadas de máquinas chegavam na Mantiquira. O trem vinha lá
de baixo do Rio, passava em Belford Roxo e descarregava aqui.211
211
Idem.
212
A Estrada de Ferro Rio D‟Ouro foi construída na segunda metade do século XIX, com o objetivo de
garantir o transporte de água das reservas da Serra do Tinguá para a cidade do Rio de Janeiro.
213
RAMALHO, J. Ricardo. Estado patrão e luta operária: o caso FNM. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1989.
104
214
Parte das terras da fábrica foi transformada em área de produção agrícola, de criação de gado, de porco
e de aves, visando ao abastecimento do refeitório da fábrica. Lavradores foram trazidos pelo Brigadeiro e
instalados em propriedades da fábrica, recebendo ajuda para construir suas casas. O lavrador assumia o
compromisso de exclusividade, vendendo sua produção para a fábrica. Somente o excedente poderia ser
comercializado no local ou em feiras vizinhas
105
215
RAMALHO, 1989.
216
Era chamado de “arigó” o trabalhador sem qualificação que realizava todo o trabalho pesado, inclusive
o de desbravar o pantanal num ritmo acelerado, trabalhando dia e noite. O arigó não ficava sempre no
mesmo lugar, pois acompanhava a obra e alojava-se em acampamentos provisórios. Ver RAMALHO,
1989, p. 61.
106
E não buscava mesmo. Agora, não pode fugir. Ele trabalhava, compreendeu?
Recebia o dinheiro dele e não tinha problema.217
Eu passei trabalhando três dias ajudando a fazer aquela estrada que vai para
Mantiquira. Eu era de menor, sem britadeira, não tinha máquina. Seis homens
colocando pedra, aquilo virando carrinho e fizemos aquela estrada. Eu ajudei a
fazer. Eu passei três dias com febre, mas não era de malária, era sarampo. Eu
não queria me entregar [...] Quando chegou no outro dia amanheci, passei a mão
só tinha caroço e fui para o isolamento, passei lá oito dias.218
217
Entrevista com Benedito Agostinho Alves.
218
Idem.
107
[...] Não tinha tijolo, não tinha nada. Fincavam os paus. Às vezes de noite
vinham dez ou quinze homens. De manhã cedo, amanhecia cinco ou seis casas,
tudo barreada direitinho. Barreava, cimentava, pintava, então o nome dela era
Vila do Sopapo.219
219
Idem.
108
experiências comuns na fábrica, pela vida social local, em que todos, lavradores ou
operários, técnicos ou arigós, eram identificados como trabalhadores da fábrica. O lugar
que ocupavam lhes oferecia experiências e identidade de classe essenciais para a
organização do movimento operário pós-ditadura.
Com o término da guerra e do Estado Novo, o projeto inicial se alterou. A
fábrica passou por um processo de desmilitarização e alteração do produto elaborado
por ela. Ainda sob o comando do Brigadeiro, a fábrica passou a desenvolver um
programa de flexibilização de sua produtividade. Saíram da linha de produção tratores,
fusos filatórios, bicicletas, geladeiras e, finalmente, motores de caminhão. A FNM foi
transformada na principal indústria de montagem de veículos pesados do país.
Nos relatos dos mais velhos, a fase da Sociedade Anônima (1947/1968) é vista
como o início da entrega da fábrica ao capital internacional. Apesar de a fábrica ser uma
estatal e manter-se como de interesse nacional e de utilidade pública, a presença do
capital privado, por meio da compra de ações e da presença de técnicos italianos no
local, expressava o interesse do capital multinacional em dominar a fábrica.
220
Entrevista com Benedito Agostinho Alves.
109
Madrasta, que de todos recebendo, a alguns tudo dando, a outros menos que
merecem e aos últimos nada fornecendo, ou melhor ou pior, tudo lhes
negando.221
Esse discurso nos permite perceber dois aspectos: o primeiro está relacionado à
política clientelística do governo municipal de Nova Iguaçu, que não estava sendo
cumprida, ou pelo menos não de forma satisfatória aos olhos de parte do núcleo de
poder político de Caxias. O segundo diz respeito à necessidade de criação de espaços de
maior autonomia e de acesso a um aparato burocrático novo, já que o anterior não era
mais eficiente.
Em 1937, comerciantes e membros da UPC fundaram a Associação Comercial
de Caxias, fortalecendo e consolidando um núcleo de poder local com maior capacidade
de interferência. Em 1940, foi entregue a Amaral Peixoto um Manifesto Pró-
emancipação, mas a reação do governo foi dura, e os manifestantes foram presos. Na
lista dos manifestantes, não constava a assinatura de Tenório. Sua ausência no
movimento pode ser creditada ao fato de que o prefeito de Nova Iguaçu não via com
bons olhos a possibilidade de perda de parte do território iguaçuano, principalmente
tratando-se de Caxias, que, em 1942, era a cidade que mais arrecadava imposto na
Baixada. Somente após a prisão das lideranças do manifesto, Tenório Cavalcanti e o
Juiz Pinaud atuaram na defesa dos prisioneiros, obtendo a liberdade deles.
221
Apud SILVA, 1995, p. 12.
111
Dentro dessa lógica, a cidade passava a ser vista como célula fundada no
nacionalismo e com pouquíssimas possibilidades de autonomia. Logo, a fundação do
município esteve imbricada a um projeto de identidade nacional com base no discurso
de integração da cidade de Duque de Caxias ao mundo do trabalho.
Na letra do Hino “Exaltação à Cidade de Duque de Caxias”, produzido por
Barbosa Leite, o autor nos permite perceber a construção feita naquele momento: “Toda
a cidade é uma orquestra de metais em inesperada atividade”. Uma orquestra, portanto,
ordenada, hierárquica e harmoniosa, “construindo riqueza, inspirando belezas que ao
222
SILVA, 1995.
223
Decreto-Lei n° 1.055, de 31/12/43.
224
Decreto-Lei n° 1.056, de 31/12/43.
225
SILVA, 1995, p. 10.
112
Brasil oferece”. As belezas produzidas pelo trabalho deveriam ser controladas pelo
Estado ou pelo capital privado nacional.
O lugar da cidade de Caxias está dado: “És do trabalho a namorada e sua
população, quando mal adormeces, já está levantando”. Assim, a cidade dos que apenas
dormem nela, chamada por muitos de dormitório, atingiria a modernidade numa visão
bem positivista, em que o progresso chegaria pela sua vocação: o trabalho. A restrição
do espaço da cidade a um lugar onde dormem os trabalhadores demonstra o projeto
autoritário implantado pelo Estado Novo. A participação política, o direito de eleger o
Executivo municipal e o de definir as políticas públicas eram desejos silenciados.
Trabalho, ordem e progresso são palavras-chave que produzem uma memória da cidade
ordeira, integrada ao capitalismo e com poder centralizado.
A emancipação do município, portanto, não garantiu a construção de um aparato
burocrático local com autonomia, mas transformou a cidade em uma extensão do
domínio amaralista e getulista, sendo governada por interventores indicados por Niterói.
A visão que Tenório teceu acerca dos interventores deixa clara sua insatisfação
com a presença dos chamados “estrangeiros”. Para ele, era uma invasão de seu
território, com o objetivo de disputar voto, prestígio político, cargo público, controle do
aparato burocrático e acumulação econômica.
113
O curioso é que essa fala trata de corrupção, jogo e lenocínio como situações
estranhas à cidade. Na verdade, algumas alterações foram de fato implementadas.
Quando Heitor Gurgel assumiu a prefeitura de Caxias, a roleta e as jogatinas não foram
impedidas de funcionar. Conseqüentemente, o fechamento dos cassinos da cidade
carioca, associado à ausência de controle em Caxias, favoreceram a abertura de cassinos
no lugar. Os jogos passaram a ser mais sofisticados e a movimentar grande soma de
dinheiro, o que levou João “Bicheiro” a investir no setor. O rei do jogo mandou
construir um prédio para um luxuoso cassino, situado na Rua Coronel Manoel Telles,
investiu recursos na abertura de um pequeno canal para escoar as águas das chuvas e
pavimentou parte da rua, a fim de favorecer o acesso dos carros que chegavam do Rio
de Janeiro.
Segundo Santos Lemos, apesar de o cassino ter sido construído próximo ao
Mangue, um lugar de pobres e bandidos, não era incomodado. Segundo ele, todos
ganhavam com a jogatina: os funcionários, o comércio, a construção civil e a polícia,
que recebia pelo silêncio e pela proteção. Ainda afirmava que era preciso considerar o
cassino sempre como um espaço de espetáculo para os moradores do Mangue:
[...] atraídos pelas grandes luzes, pelos carros vistosos e pelas madames de
vestidos lindos. E estas famílias ficavam nas portas dos barracos, apreciando de
longe o movimento do carnaval [...] comentavam os carros, os vestidos, os
ordenados dos empregados rezando para que os filhos se tornassem crupiers
também.228
226
FORTES, 1986, pp. 98-99.
227
CAVALCANTI, 1954, p. 99.
228
LEMOS, Silbert dos Santos. Os donos da cidade. Duque de Caxias: Gráfica Editora Corcovado, 1980,
p. 70.
114
229
Censo de 1950, IBGE.
230
Segundo o censo do IBGE, de 1950, havia em Caxias trinta metalúrgicas, sete fábricas de cimento
armado, vinte de artefato de madeira, sete de bebidas, 18 de cerâmicas, 14 de produtos químicos, sete de
torrefação de café, 15 têxteis.
231
Jornal Tópico, 25/08/58, p. 5.
115
232
O projeto inicial era implantar o Conjunto Petroquímico Presidente Vargas. Entretanto, só foi possível
implantar a fábrica de borracha como unidade da REDUC. Atualmente a antiga FABOR é conhecida
como Petroflex.
233
Censo demográfico do estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IBGE, 1955, p. 101, v. XXIII, tomo I.
[Série Regional.]
116
Somente em 1956, a primeira turma de normalistas da Escola Santo Antônio colou grau.
O Jornal Tópico afirmava que as professoras com qualificação preferiam lecionar no
Distrito Federal, já que lá as condições de trabalho e de salário eram melhores. 234
Na saúde, a situação era ainda pior. Havia apenas o Posto Médico do Sandu e os
consultórios médicos particulares. A única alternativa era o Distrito Federal. A água
continuava a ser um grande problema. Havia apenas bicas e carros-pipa. Segundo
Santos Lemos, a água era insalubre, imprestável para beber, obrigando que fosse
apanhada em locais privilegiados, e, na maioria das vezes, distante das residências.
Outra possibilidade era a compra nos carros-pipa, o que, segundo ele, era uma fonte de
renda para os funcionários da prefeitura.
A falta de água potável deu uma boa fonte de renda para os funcionários da
prefeitura, que ganhavam gordas propinas com o carro-pipa, vendê-las às
pessoas com recursos, quando, a bem da verdade, a idéia da distribuição surgiu
no sentido de amenizar as dificuldades das famílias menos favorecidas pela
sorte [...] Na Praça do Pacificador, havia uma bica pública, com guarda
municipal vigilante, não para que respeitassem a fila, mas sim para achacar
donas-de-casa e negrinhos. Tinham que dar uns trocados para ter o direito de
matar a sede.235
exercício do Judiciário. Ele registrou uma conversa que teve com o juiz Hélio Albenaz
Alves. O magistrado havia tentado fechar os 22 hotéis de luxo que abrigavam a rede de
prostituição da cidade.
239
FUCHS, 1988, p. 25.
119
CAPÍTULO III
AS AMBIGÜIDADES DO TENORISMO POR MEIO DA LUTA DEMOCRÁTICA E AS
DISPUTAS PELO PODER POLÍTICO LOCAL E REGIONAL
Com o fim do Estado Novo, em 1945, foram sendo constituídos os partidos de cunho nacional.
Enquanto alguns políticos locais se alinharam ao bloco getulista representado principalmente pelo PSD
(Partido Social Democrático) e pelo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), Tenório manteve-se aliado a
Ele justificava sua decisão de se filiar à UDN pela necessidade de uma base sólida que o
apoiasse e pelo fato de que suas exigências para compor o quadro do PSD não haviam sido atendidas por
Amaral Peixoto. Ele condicionou sua adesão, entre outras coisas, à substituição do interventor municipal,
Heitor Gurgel, primo e secretário de Amaral, e à demissão de toda a polícia da Delegacia 311.240 O cacife
político de Tenório nos dois últimos anos do Estado Novo não foi suficiente para que Amaral Peixoto
aceitasse suas exigências. Além disso, os conflitos anteriores pesavam nessa relação.
A filiação de Tenório à UDN tem gerado muitas controversas. O jornalista da Revista Manchete,
Ele tinha tudo para ser o maior populista do Brasil: verborragia, noções gerais
de todos os assuntos, valentia pessoal, mística, folclore específico de machão,
logotipo vendável e de boa feitura visual, garra para vencer, estômago para
resistir aos bródios das campanhas. Apesar disso, ele se filiou à UDN, partido
de bacharéis, de casuísticos, homens sem talento e formosura ilibada, cuja única
concessão ao gosto popular era acenar de lenços brancos, que nada traduzia.241
Sem entrar no mérito dos requisitos apontados pelo jornalista como necessários a um populista,
Cony apresenta Tenório como um homem popular que se distanciaria do perfil dos udenistas. Certamente,
240
Ver GRYNSZPAN, 1990, p. 82.
241
CONY, Carlos Heitor. “Dom Tenório de Caxias. O Cavaleiro da Exótica Figura”. Revista Manchete,
novembro de 1974.
123
o que favoreceu a entrada dele na UDN foi a relação mantida com a fração de classe da qual Edgar de
Pinho fazia parte, sua oposição ao Estado Novo, seu conservadorismo e a aceitação de seu nome entre os
udenistas, por conta de sua expressiva votação na Baixada Fluminense. A UDN precisava de
representação na periferia, e Tenório, de um partido de projeção nacional que lhe possibilitasse acesso às
242
CAVALCANTI, 1954, pp. 155-156.
124
Adelson Ramos. O domínio do amaralismo foi fortalecido com a vitória de Gastão Reis,
entretanto não podemos deixar de considerar as relações políticas existentes entre o
“homem de Amaral na Baixada, Getúlio de Moura” e Tenório Cavalcanti. A meu ver,
este fato justifica o depoimento de uma das lideranças petebistas de Caxias, o
comerciante e advogado Newley Lopes Martins. Forte opositor de Tenório, não via com
bons olhos as concessões que o governo municipal fazia ao deputado udenista.
Getúlio de Moura era o homem do Amaral na Baixada, era ele que indicava os
cargos em Caxias [...]. Apesar de derrotado em Caxias, Gastão Reis concede a
Tenório tudo o que ele queria.245
Já nas eleições de 1950, o candidato do PTB, Braulino Matos Reis, foi eleito. Os
conflitos políticos locais e as suspeitas de fraudes impediram que Braulino assumisse a
prefeitura de imediato, sendo, portanto, ocupada pelo presidente da Câmara, Adolfo
Davi. Somente depois de dois anos após as eleições é que Braulino assumiu a prefeitura.
Segundo Newley, o PSD não deixou Braulino assumir o governo, inventando
uma eleição suplementar. Contudo, sua vitória foi confirmada, já que a maioria dos
vereadores eleitos era do PTB. Além disso, Braulino ainda pôde contar com o apoio do
PR (Partido Rural), comandado pelo Padre Lins e pelo deputado Valdir de Souza
Medeiros. Newley afirmava que o governo de Braulino havia representado para Caxias
algo como Juscelino e seus “50 anos em 5” para o Brasil:
Braulino conseguiu fazer seu sucessor. Nas eleições de 1954, o PTB permaneceu
no poder ao eleger Francisco Correa. Durante o mandato do petebista, Tenório
implementou uma oposição acirrada na Câmara Municipal contra o governo. Em 1958,
em pleno processo eleitoral, o quadro ficou ainda mais conflitante após a emissão de um
mandato de segurança, impetrado pela Câmara contra o prefeito, pelo descumprimento
de uma legislação municipal que proibia a permanência de casas de fogos no centro da
cidade. O atraso do pagamento dos professores, a ausência de habilidade política do
245
Entrevista realizada em 1995. Parte dela foi publicada pelo Jornal Tiro de Letra. A entrevista integral
foi cedida para a pesquisa pelo jornal. Newley faleceu em 1996.
126
prefeito, a crise dos cofres públicos municipais e a campanha oposicionista da UDN não
garantiram ao PTB a continuidade.
Nesse pleito de 1958, a forte presença de João Goulart e do candidato ao
governo do estado, Roberto da Silveira, em Caxias, não impediu a derrota do candidato
do PTB, Braulino de Mattos, que havia concorrido mais uma vez ao cargo. Talvez seja
possível acrescentar que a candidatura de Nelson Cintra, do PSB (Partido Socialista
Brasileiro), dividiu em parte a votação trabalhista. Nelson Cintra apresentava-se no
Jornal Tópico como o grande desbravador. Comprou a fazenda do espanhol Constantino
Regis, quando este resolveu abandonar o local após o assassinato do filho. Nessa
fazenda, ele idealizou um bairro com escola, cinema, clube, cisterna d‟água, igreja e
praças, nomeado de Jardim Primavera, fundado em 23 de setembro de 1946.246
Entretanto, o homem ideal para ocupar o loteamento que Cintra planejou deveria ser de
origem européia. Alguns europeus (italianos, alemães, tchecos, ucranianos etc.) que
fugiram da Segunda Grande Guerra foram atraídos e se instalaram no bairro,
transformando-o em refúgio.
O sonho de Cintra, porém, não se realizou. Poucos foram os europeus que
vieram. Logo, o loteador resolveu vender os lotes para brasileiros. Em uma entrevista
concedida por um dos moradores mais antigos do lugar, fica claro que somente as
famílias brancas e com uma renda familiar estável conseguiam comprar os lotes de
Cintra. Como o entrevistado era campista, pobre e biscateiro, tinha de se contentar com
o loteamento S‟antana do Pilar, localizado no interior do bairro, próximo à estação de
trem. Esse loteamento pertencia à Diocese de Petrópolis e o preço era parcelado em
longas prestações.
Durante todo o processo eleitoral, Cintra apresentava seu projeto de “florescer”
Caxias, assim como havia feito com Jardim Primavera: planejando-a e organizando-a. O
chamado professor apresentava-se como um verdadeiro administrador que não
precisava do dinheiro público. Ele era um homem de recursos que mantinha quinhentas
crianças pobres em escolas e prometia que os impostos passariam a ser pagos nos
bancos, que faria a pavimentação de ruas e que construiria escolas para todas as
crianças.247 Essa estratégia acabou lhe assegurando uma presença política nas disputas
eleitorais seguintes.
246
Tópico, 10 de maio de 1958.
247
Tópico, 7 de junho de 1958 e 26 de julho de 1958.
127
Um outro fator fundamental para o seu crescimento foi a fundação de seu jornal,
Luta Democrática, com tiragem diária significativa (quinhentos mil exemplares nos
248
BENEVIDES, Maria Victória de Mesquita. A UDN e o Udenismo: ambigüidades do liberalismo
brasileiro (1945-1965). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981, p. 224.
249
BELOCH, 1986, pp. 49-54.
250
GRYNSZPAN, 1990, pp. 84-88.
251
Idem, p. 84.
129
bons dias). O jornal era seu instrumento de campanha, de defesa de seu posicionamento
político, sendo apresentado como “chicote do povo contra os poderosos”.
Sua projeção nacional e importância política operavam como facilitadores na
escolha a ser feita frente à conjuntura interna da UDN, durante as eleições de 1958. A
UDN se coligou com o PTB, lançando o nome de Roberto Silveira 252 para a candidatura
ao governo do estado. Uma facção udenista dissidente, insatisfeita com o fato de a UDN
não ter lançado candidatura própria para o Executivo estadual e para o Senado, apoiou o
candidatos do PSD.253
Tenório apoiou o candidato a governador do estado do Rio de Janeiro do PSD,
Getúlio de Moura, seu amigo particular e aliado político iguaçuano. Fez campanha
também para o candidato a vice-governador, o presidente da UDN, Dr. Paulo Araújo.
Para o Senado, apoiou inicialmente Miguel Couto e, posteriormente, assegurou espaço
em seu jornal para Afonso Arinos, cultuando sua formação acadêmica e sua carreira
política, pedindo votos para ele em sua coluna “Escreve Tenório”, de 19 de setembro de
1958.
Para justificar sua escolha perante o eleitorado fluminense, dizia em sua coluna
que se manteria fiel à UDN, caso o partido tivesse lançado candidatura própria. Que a
salvação da coletividade estava fora da demagogia do trabalhismo, do culto asfixiante
da personalidade, da embriaguez do messianismo. A salvação estaria na democracia
liberal. Logo, o nome de Moura expressaria o ideal liberal e conservador.
As relações pessoais e políticas travadas no passado e a forte presença do chefe
político local – expressa na votação da Baixada Fluminense que o reelegeu como
deputado federal pelo PSD em 1950 e também em 1954 – mantinham Getúlio de Moura
como um nome expressivo. Moura ocupou ainda a vice-presidência e a presidência da
Rede Ferroviária Federal (1956/61) durante o governo de Juscelino. Controlava também
252
Roberto Silveira nasceu em Bom Jesus de Itabapoana (RJ), em 11 de junho de 1923. No início dos
anos 40 entrou para a Faculdade de Direito (RJ), participou do movimento estudantil, sendo eleito
presidente do Centro Universitário do Rio de Janeiro, atuando no apoio à guerra contra os nazistas. Em
1942, entrou para o jornalismo atuando no DIP e no Diário da Manhã. Com o término do Estado Novo,
filiou-se ao PTB e foi nomeado oficial de gabinete do interventor federal, Lúcio Meira (1946). Em 1947,
foi eleito deputado estadual pelo PTB e formou-se em Direito. Foi reeleito para a Assembléia Legislativa
Estadual em 1950 e, em 1951, foi nomeado Secretário do Interior e Justiça do Governo de Amaral
Peixoto. Em 1954, foi eleito vice-governador pela coligação PSD/PTB, tendo maior votação que o
candidato a governador, Miguel Couto Filho. Tornou-se presidente do PTB fluminense. Em 1958, foi
eleito ao governo do Estado pela coligação PTB/UDN/ PSB e PDC (Partido Democrático Cristão). Seu
vice era Paulo Bruno Brito, da UDN. Em 1961, foi vitimado pela queda de seu helicóptero, vindo a
falecer em 1962. Em 1963, seu irmão, Badger Silveira, elegeu-se para o governo do estado do Rio. Ver:
Dicionário Histórico Bibliográfico Brasileiro, 1984, v. IV, pp. 3194-3195.
253
O candidato ao Governo do Estado do PSD era Getúlio de Moura e seu vice, Celso Peçanha.
130
Quem diria que o Sr. Roberto Silveira, que chegou um dia no palácio do Ingá
pleiteando um lugar no DIP... crescesse tanto. Roberto Silveira é um rapaz
moço e inteligente a quem a idéia do poder deve empolgar como a menina moça
a idéia de casamento... Não demoliu, nem construiu. Acompanha o Sr. João
Goulart nas assembléias operárias, distribuiu alguns empregos e discursou em
inaugurações de melhoramentos rotineiros realizados pelo Estado. 255
Roberto Silveira, porém, não era uma figura política inexpressiva. Havia sido
eleito deputado estadual em 1947, reeleito em 1950. Em 1954, foi eleito vice-
governador, tendo recebido mais votos que o candidato a governador. Durante a
campanha eleitoral, Roberto Silveira investiu com prioridade na Baixada Fluminense,
fazendo-se presente no cotidiano de Caxias e Nova Iguaçu. Entretanto, Cavalcanti
creditava o crescimento de Roberto Silveira a Amaral Peixoto, que o projetou durante a
ditadura varguista, e ao PTB, do Sr. João Goulart. Por sua vez, afirmava que Goulart
representava a proximidade do trabalhismo com o comunismo, expresso em seu
comparecimento aos comícios juntamente com Luís Carlos Prestes. Logo, Roberto
Silveira seria a expressão do avanço do PTB aliado ao comunismo.
Para Tenório, na medida em que o PCB ainda sofria com a ilegalidade, sua única
alternativa era a aliança com outros partidos. Ao mesmo tempo, o PTB necessitava do
apoio comunista para se manter no poder. Nesse sentido, tanto o PTB quanto PCB
atuavam como oportunistas. Ainda dizia que Prestes, no ardor da mocidade, poderia ter
sido um filósofo, um idealista. Todavia, na década de 50, tornou-se um casuísta.
Seu nacionalismo hipócrita o põe a salvo do cárcere e do exílio por ele outrora
experimentado [...] Hoje é um indivíduo „Kar‟, barbeado à francesa... mostrando
a unha polida quando leva à boca o copo de uísque... Os seus correligionários já
não querem enforcar o último burguês... Já não cospem para o lado quando
254
DHBB, 1984, v. III, p. 2309.
255
Luta Democrática, 04/02/1958, p. 5. “Coluna Escreve Tenório”, 11/09/1958.
131
Somos católicos... Nascemos beijando a cruz que a Igreja nos apresenta como
instrumento de redenção universal... Abominamos as idéias que primam em
riscar Deus das consciências... Colocamo-nos contra as ideologias subversivas.
Conhecemos o evangelho que manda dar a César o que é de César e a Deus o
que é de Deus. Mas nós, cristãos, que vivemos na democracia, temos o direito
de escolher o César, a quem teremos que confiar nossos bens, nossa
tranqüilidade e nossa liberdade.260
Lutando pelos que não podem ou não sabem lutar, amparando os fracos e os
pequenos nas suas amarguras e nos seus sofrimentos, compensada é pelos
aplausos que chegam diariamente e pelo fato de ser proclamada reduto e
baluarte de todos quantos têm sede de justiça [...].264
263
Dicionário Histórico-Bibliográfico Brasileiro 1930-1983. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas:
CPDOC, 1984, v. III: 1958.
264
Luta Democrática, 4 de fevereiro de 1958, p. 3.
134
Caxias”, reporta-se a um período visto como de diminuição das tensões na cidade. Ele
recorda os momentos de confrontos passados dizendo que Tenório sempre foi acusado
de causar revoluções em Caxias, que era tido como um homem feroz, cercado de
bandoleiros, inimigo mais perigoso de Amaral Peixoto e de seu antigo Secretário de
Segurança Pública, Agenor Barcelos Feio.
O próprio Tenório comentou o caso dizendo que, antes, ele vivia em sua casa cercado de, no
mínimo, cinqüenta “cabras” armados. Ele dizia que seu “exército” tinha ordem para atirar em quem
pisasse em sua calçada. Justificava essa atitude dizendo que, naquela época, a voz geral era de que a
polícia queria matá-lo.266 A paz reinava no momento, segundo Tenório, porque o atual delegado, Amyl
Ney Rechaid, era um “inimigo íntimo” e sua delegacia não servia de instrumento a políticos.
O delegado afirmava que um não temia o outro. Ele relatou ainda que deixou Tenório trabalhar
nas últimas eleições livremente, apesar de ele ser amaralista. Quando Amaral Peixoto marcou de ir a
Caxias, durante a campanha eleitoral anterior, o delegado pediu a Tenório que saísse da cidade, a fim de
evitar conflitos, e o deputado foi passar o dia no Quitandinha. Essa cordialidade, ou códigos de
convivência política entre “inimigos íntimos”, era no mínimo novidade. Estaria mudando a política em
A resposta veio logo em seguida. O jornalista afirmou ter procurado saber quem
era o delegado e o apresentou como um homem rico, solteiro, grande industrial que
gostava da vida policial. Trabalhou em vários municípios, desvendou vários crimes,
construiu a delegacia de Nova Iguaçu e, então, com seus próprios recursos (dois
milhões), estava construindo a de Caxias. A reputação do delegado na cidade era a de
um homem durão, que, em vez de prender, matava e que, desde a sua chegada, haviam
sido mortos mais de cem bandidos. O delegado dizia que era invenção do povo, mas
consentia que, dentro de pouco tempo, “esses tipos” desapareceriam da cidade. O
jornalista ainda comentava:
265
HOLANDA, 1956, pp. 6-9.
266
Idem.
135
Segundo o jornalista, apesar disso, o delegado era um bon-vivant, calmo e alegre. Ele morava em
prática. “Mata, mas é legal” e o “Mata, mas faz” tornam-se visíveis. Está explícita a banalização da
morte, bem como o papel de “inquisidor” que o delegado assume para si, definindo quem vive e quem
morre. Logo, a paz aparente ou temporária não representou um período de calmaria; o extermínio e as
disputas políticas continuavam fazendo parte do cotidiano da cidade. Outras reflexões podem surgir da
leitura do documento. Qual é a origem da fortuna do delegado? Teria ele a obtido com o trabalho que
realizava? Segundo alguns entrevistados, Rechard não era um homem de posses antes de se tornar
delegado, tendo acumulado o que possuía com seu trabalho. Ficamos a imaginar o valor do salário de um
delegado na época.
Uma outra questão a perguntar: Teria Tenório encontrado um adversário capaz de concorrer com
ele no mercado da violência, intimidando-o? Três fatores aparecem conjugados e são inerentes a essa paz
O primeiro está relacionado com a atuação de Tenório na política nacional e sua ambição em
concorrer a cargos mais expressivos, como o de governador do estado, o que exigia uma postura política
que o desvinculasse da violência e do crime. Exemplo disso era a afirmação de Tenório de que não
possuía mais a quantidade de homens que tinha anteriormente para a sua segurança.
O segundo tem a ver com a presença de um representante da esfera estadual de peso, com
experiência e fama na Baixada. Havia ele sido delegado em Nova Iguaçu, fazia parte das forças
267
Idem.
136
amaralistas, juntamente com Moura. Logo, se Tenório em 1958 estava apoiando o candidato ao governo
do estado pelo PSD, a relação entre ele e o delegado não teria como ser de confronto. Creio ser
interessante registrar que, posteriormente, nas eleições de 1962, Rechaid foi eleito deputado estadual pelo
PSD, com 3.800 votos.268 Portanto, um “inimigo íntimo”, cujo confronto poderia ser desastroso.
Em terceiro lugar, o delegado procurou estabelecer alguns códigos de boa vizinhança para evitar
confrontos. Segundo o próprio Tenório, ele havia sido consultado quanto à escolha do delegado, tendo
Sua casa será toda guarnecida por imensas chapas de aço, de grande espessura,
fabricadas especialmente em Volta Redonda. Terá três imensos abrigos
subterrâneos, à prova de qualquer espécie de bombardeio. Nesses subterrâneos,
há várias entradas secretas, por labirintos misteriosos, inclusive para
automóveis. Neles poderão se abrigar mais de duzentas pessoas e dez carros.
Todas as dependências da casa têm alçapões que, rapidamente, se transformam
em elevadores e vão cair nos subterrâneos. Na cozinha, que fica nos fundos, há
uma saída falsa, também por baixo da terra, que vem bater na frente da casa. A
escada principal do prédio terá um dispositivo especial que fará com que ela se
suspenda, sozinha, como escada de navio, e desapareça. Haverá, em toda a casa,
além de campainhas de alarme e sistemas especiais de comunicações secretas,
uma rede telefônica interna e uma organização de ditafones para qualquer de
suas dependências. Tenório está construindo uma imensa câmara de oxigênio, a
única no Brasil, do tamanho da outra, só existente na Alemanha. Além disso,
todas as portas de aço terão segredos de cofres, sendo que há as que abrem,
automaticamente para o acesso de automóveis.269
268
TRE.
269
Idem.
137
a) Política econômica de JK
270
BELOCH, 1986, pp. 47-48.
271
Luta Democrática, 09/01/58, p. 3.
138
Assim como Ícaro, Juscelino havia lançado o país no vôo suicida de seus
delírios. Para ele, o vôo suicida de JK consistia na façanha de “construir uma capital nos
cafundós de Goiana, transportando todo o material pelos ares e em suas fantasmagóricas
metas administrativas”. A exemplo de Ícaro, sua aventura pela construção de Brasília e
a ânsia pelo progresso de seu qüinqüênio levariam Juscelino a uma queda fatal.
Compara ainda JK com Rodrigues Alves. Segundo ele, o reurbanizador da
capital era o gigante empreendedor que teve a seu favor a expansão das forças
produtivas, a confiança pública, o crédito no exterior, a estabilidade monetária e uma
equipe de técnicos competentes. Já Juscelino cercou-se de auxiliares incompetentes,
implementou uma política econômica que alimentou a inflação, anulou o crédito
externo, desequilibrou o orçamento, acelerou a desvalorização da moeda nacional,
sobrecarregou de impostos as exportações e fez despesas suntuosas para atingir as
“miragens do turista desenhista de Brasília”. 272
Para Tenório, os principais problemas da economia nacional eram: 1) o da
navegação marítima e fluvial; 2) o da ampliação de aço; e 3) o do trigo. A evasão de
divisas com fretes pesava sobre as exportações e importações. As perdas de divisas
anuais com as aquisições de aço e de trigo impediam o crescimento econômico. 273
Tenório propõe soluções para a crise: 1) substituir os burocratas por técnicos; 2)
obter empréstimos no exterior para investir na marinha mercante, na produção de trigo e
de aço; 3) aproveitar ao máximo as matérias-primas nacionais, para manter o equilíbrio
da balança comercial; 4) fomentar continuamente as produções agrícolas e a pecuária,
promover as industriais extrativas de matéria-prima, para que os excedentes exportados
garantissem uma constância na formação de saldos disponíveis. 274
Na fala de Tenório, há inclusive uma crítica ao que ele chama de artificialismo
industrial de base protecionista exagerada, que pesa sobre as demais fontes de produção.
Baseado no discurso da classe dominante rural, ele afirmava que a lavoura, a pecuária e
as indústrias extrativistas estariam abandonadas à própria sorte. A superação do
subdesenvolvimento estaria no desenvolvimento técnico da economia agrária, no fim do
protecionismo aos produtos nacionais, no combate à carestia, que provocava majoração
dos salários do proletariado e dos vencimentos do funcionalismo civil e militar, no fim
272
Coluna “Escreve Tenório”. Luta Democrática, 02/07/58.
273
Idem, 06/07/58.
274
Idem, 06 e 09/07/58.
139
275
Idem, 12/07/58.
276
Idem, 10/08/58.
277
Idem, 19 e 26/11/58.
278
Idem, 03/01/58.
140
a menor questão de dar visibilidade a JK; o esquecimento era uma estratégia política
para manter o empreendimento fora do debate.
b) Relações internacionais
279
Idem, 27/07/58.
280
Idem, 01/08/58.
141
Dizia ainda que os acordos firmados, desde a nossa independência brasileira, com os
Estados Unidos obedeceram sempre a uma política elevada e que só trouxeram
benefícios. Todo o passado construtivo havia sido renegado por JK. 281
Uma aproximação maior com os americanos seria a saída para a crise econômica
brasileira. Impediria o avanço comunista e evitaria que o Brasil viesse a se tornar uma
das muitas Repúblicas Populares satélites da URSS.282
O discurso de Tenório explicita a posição da parcela da classe dominante
brasileira mais conservadora. Uma fala transvertida de um conteúdo anticomunista e da
concepção dos norte-americanos defensores da liberdade e da soberania americana.
Assumia, dessa forma, o discurso capitalista, tão presente no período da Guerra Fria.
c) Código eleitoral
Tenório criticava o Código Eleitoral por não garantir a formação partidária com
convicção ideológica. Conseqüentemente, segundo ele, não havia estabilidade política,
já que as conveniências políticas é que determinavam as fusões. Aliados no âmbito
estadual tornavam-se antagônicos no Legislativo federal ou em outros estados. O que se
via era a impossibilidade de qualquer partido contar com a maioria na Câmara dos
Deputados, no Senado e nas Assembléias Legislativas. Não havia observância dos
programas partidários.
Para ele, os modelos a serem seguidos seriam o inglês e o norte-americano, em
que não havia tamanha pluralidade. Já no Brasil, a exigência de um número de eleitores
inexpressivo para a obtenção de um registro partidário (cinqüenta mil em qualquer parte
do país) produziu 14 partidos, dizia ele, e propunha: 1) unidade dos partidos que
possuíssem similitude de idéias e programas em blocos definitivos; 2) para se ter um
partido nacional, exigência de um mínimo de dois milhões de eleitores.283
Dentro dessa perspectiva, somente os grandes partidos existiriam. Talvez ele
estivesse pensando na possibilidade de unificação da UDN com o PSD, mediante a
preocupação do domínio do PTB. “No pé em que as coisas andam, o PSD mais do que
nunca obediente ao governo, corre o risco de ser dominado pelas autarquias do PTB.” 284
281
Idem, 28/09/58.
282
Idem, 21/09/58.
283
Idem, 16/07/58.
284
Idem, 06/11/58.
142
Tenório apontou, em várias de suas falas, que Juscelino, apesar de ser do PSD,
abriu mão de suas atribuições para outorgar a João Goulart a escolha dos Ministérios do
Trabalho, da Agricultura, da Presidência e da Previdência Social, esquecendo que JK foi
eleito pela coligação PSD/PTB.285
As temáticas apresentadas indicam vários aspectos relevantes. A preocupação
com o avanço do PTB é visível no discurso tenorista. No esforço de se manter
considerado no campo conservador, alia-se ao PSD, todavia, critica JK pelo domínio
petebista.
Tenório se percebe como subalterno defensor dos pobres. No entanto, atua na
defesa dos grandes proprietários rurais em nível nacional. Seus textos nada têm a ver
com a situação da Baixada, e ele, paradoxalmente, é uma figura específica da Baixada.
Ele não tem maior projeção em nível nacional, mas, por se sentir
subalternizado, torna-se uma espécie de defensor da fração da classe dominante mais
tradicional, na qual os grandes proprietários não têm expressão significativa. Enquanto a
Baixada é crescentemente um local de dependência direta das formas de
desenvolvimento industrial, Tenório se alia no plano nacional com as forças distantes da
realidade local. O silêncio com relação à Refinaria demonstra a complexidade da
posição do personagem: atado a forças mais conservadoras, sequer se dá conta de que a
Baixada tornava-se continuamente lugar de industrialização acelerada e subalternizada,
tal como ele próprio.
Sua sobrevivência política depende cada vez mais do voto popular e, embora
tente se manter com estrutura própria, cada vez mais se torna dependente das
concessões políticas que o favoreçam. Quando se refere a Caxias, seu discurso é um
apelo de investimentos públicos ou promessa salvadora.
As falas acerca da cidade estão carregadas de relatos de suas condições. Segundo
Cavalcanti, a precariedade das estradas de acesso ao município mantinha a cidade de
certa forma isolada. A ausência de distribuição de água potável e de higiene, a fome e a
miséria transformaram a cidade em foco de doenças. Estatísticas registraram mais de
cem óbitos infantis em Caxias, no ano de 1957, dizia Tenório. A tuberculose e a
poliomielite espalhavam-se velozmente pela cidade.286 Como defensor dos injustiçados,
sua casa tornou-se um refúgio para nordestinos e desamparados.
285
Idem, 18/07/58.
286
Idem, 15/11/58.
143
Minha casa, que deveria ser um oásis de paz para o repouso, após o sol a pino
das refregas, é, ao mesmo tempo quartel-general das minhas lutas, a cruz
vermelha dos feridos da alma e do corpo, sem distinção partidária, o
confessionário dos que têm alguma coisa a revelar, o pretório dos que reclamam
justiça.287
287
Idem, 12/08/58.
288
Idem, 16/08/58.
289
Idem, 27/12/58.
290
Ibidem.
144
São José, deslocar os moradores do Lixão para lá e estruturar a Fundação da Vila São
José. Em 1959, além da Vila e da Fundação, ele construiu o Educandário Maria
Tenório. Logo, ampliou sua clientela, tendo facilitado o contato permanente e direto
com ela. Até os dias atuais, a vila é conhecida como “Vila do Tenório”, como se ela
tivesse sido financiada e construída por ele. Essa pequena aproximação de Tenório com
o Presidente contribuiu, de certa forma, para amenizar os ataques feitos ao governo
federal.
Ainda no esforço de sobreviver no campo conservador, manteve-se, durante o
ano 1959, na oposição ao governador eleito, Roberto Silveira. Enfrentou o crescimento
de sua popularidade em Caxias, principalmente após a implantação de uma rede de
abastecimento de água para as casas do centro da cidade, da campanha salvacionista da
Educação, em que todos eram convocados ao trabalho voluntário na montagem de uma
sala de aula e na tarefa de ensinar. Discordou do apoio da UDN à candidatura de Jânio
Quadros, apresentando-se como concorrente. Superestimou sua força política, não
conseguindo indicação.
Já seu antigo aliado, Getúlio de Moura, após a derrota eleitoral, foi
recompensado com a nomeação, em 1959, de embaixador extraordinário do Brasil em
Honduras. Posteriormente, viajou para o exterior, com o objetivo de analisar outras
experiências ferroviárias, a serviço do governo federal, e participou da delegação
brasileira na ONU. De certa forma, durante o período de 1959 a 1961, Moura esteve
pouco presente em Nova Iguaçu, por conta das viagens e do domínio do PTB no
governo do estado. Em 1961, após a morte de Roberto da Silveira, Celso Peçanha
assumiu o governo do estado e nomeou Moura Secretário Estadual de Obras Públicas.
O retorno ao aparelho burocrático estadual durante o período 61/62 possibilitou-
lhe uma retomada das disputas regionais e, em seguida, lançou-se candidato a deputado
federal pelo PSD. Em contrapartida, Tenório Cavalcanti não pôde se beneficiar com o
curto espaço de domínio dos conservadores mais tradicionais no estado, por compor
agora as forças trabalhistas. É essa virada que veremos a seguir, por meio da Luta de
perfil trabalhista.
apoio do PSP (Partido Social Progressista). Alcançou o terceiro lugar, com 220 mil
votos, o que favoreceu a vitória do udenista Carlos Lacerda.
Essa virada de posição, do udenismo para o trabalhismo, têm tido duas leituras.
A primeira refere-se à necessidade de procurar outras legendas, em que ele pudesse
lançar-se candidato a cargos mais importantes e, ao mesmo tempo, favorecer-se da
votação fluminense, que era cada vez mais trabalhista. A segunda, de que essa virada
não passava de uma estratégia udenista para fragilizar a candidatura do PTB e das
esquerdas. Entretanto, essas duas leituras não são contraditórias e combinam estratégias
partidárias e pessoais de Tenório Cavalcanti.
A forte presença do trabalhismo na votação fluminense, principalmente em
Caxias, não poderia ser desprezada. De um lado, a popularidade do governador Roberto
da Silveira, principalmente em Caxias, onde este se fazia presente com freqüência. Essa
popularidade foi ainda ampliada após a sua trágica morte, expressa pela instalação de
importantes lugares de memória na cidade: a Praça Roberto Silveira, localizada à frente
da sede da prefeitura, com uma estátua do governador, e o Instituto de Educação, que
recebeu também o seu nome. De outro, a forte presença do getulismo e de seus
herdeiros no governo federal. Não podemos esquecer que Caxias ficou marcada pelos
investimentos do estado: na instalação da FNM, da REDUC e, posteriormente, da
FABOR; na instalação do Núcleo Agrícola São Bento; na fundação da Cidade dos
Meninos; e na abertura da Av. Brasil e em sua ligação com a Rodovia Washington Luís.
Veja na tabela a seguir que os candidatos do PTB e do PSD foram os que
obtiveram as maiores votações nas eleições presidenciais de 1960. Observe que os mais
votados foram os candidatos do PTB, com destaque para a votação de João Goulart.
291
ALVES, 1998, p. 92.
147
Caxias e no Estado do Rio. O registro das tensões e dos confrontos entre polícia e
camponeses, entre grileiros e a Associação dos Lavradores Fluminenses, foi bem visível
na Luta. Tenório era apresentado como mediador e defensor das causas camponesas. As
cenas de violência nas áreas conflagradas, com resistência armada por parte dos
camponeses, ganharam destaque também em vários jornais da época, ao longo dos anos
50 até o período do golpe militar.292
Também é possível identificar nesta segunda fase a presença de propaganda,
convites e textos dos centros de umbanda e de candomblé, o que nos leva a supor que os
terreiros passaram a ser mais considerados no processo de disputa eleitoral.
No sentido de pontuar algumas das marcas dessa nova fase da Luta
Democrática, optamos por analisar o jornal durante todo o ano de 1962. A escolha do
referido ano se deveu ao fato de ser o ano eleitoral em que Tenório Cavalcanti foi
candidato ao governo do estado do Rio de Janeiro por um Partido Trabalhista, sendo
apoiado por vários setores dos movimentos sociais e pelo PCB.
Entre os que assinam o manifesto de apoio a Tenório, podemos destacar:
ferroviários da Leopoldina, trabalhadores da Orla Marítima, rodoviários de Niterói,
servidores da Marinha de Guerra e do Departamento de Correios e Telégrafos,
trabalhadores em empresas ferroviárias da Zona Central do Brasil, lideranças das
Associações de Lavradores (Rio das Ostras, Pedra Lisa, Paracambi, Duque de Caxias
etc.), o presidente da União das Ligas Camponesas do estado do Rio de Janeiro,
trabalhadores de Barra do Piraí, trabalhadores das indústrias do açúcar, doces e
conservas, trabalhadores da construção civil, têxteis, vidreiros, metalúrgicos, vestuários
e sapateiros, parlamentares dos partidos coligados, lideranças de esquerda como
Francisco Julião e Luís Carlos Prestes e os candidatos comunistas. 293
Impedidos de lançar candidatura própria, os comunistas se definem pelo apoio à
candidatura de Tenório Cavalcanti. No manifesto publicado na Luta, em 22 de maio de
1962, eles apresentam as justificativas dessa decisão: a atuação favorável de Tenório ao
Movimento da Legalidade, em agosto de 1961; o fortalecimento de candidaturas
comunistas e de esquerda em nível estadual, para ajudar a construir a Frente de
Libertação Nacional; e favorecer o debate público em torno dos grandes problemas
nacionais: imperialismo, latifúndio e as limitações da democracia representativa que
292
Ver GRYNSZPAN, 1987.
293
GRYNSZPAN, Mário. Lavradores e grileiros na Luta Democrática. Rio de Janeiro: Museu Nacional,
1982.
148
a) Relações internacionais
294
Cartilha para esclarecimento do povo brasileiro. “Como se Esmaga uma Nação sem Sangue. O que é
Aliança para o Progresso”. Luta Democrática, 01 e 02/04/1962.
149
O jornal O Globo, do Sr. Roberto Marinho, quase branco, que o Sr. Otávio
Malta chama de “The Globe”, está a serviço de seus patrões americanos e dos
295
Idem.
150
b) Desenvolvimento
296
Coluna “Escreve Tenório”. Luta Democrática, 03/04/1962.
297
Coluna “Escreve Tenório”. Luta Democrática, 07/04/1962, p. 3.
151
c) Reforma agrária
Apesar de Tenório ter sido derrotado pelo irmão do falecido Roberto Silveira,
Badger da Silveira, sua votação foi expressiva, chegando em segundo lugar. Além disso,
a derrota nas eleições do Executivo estadual não deixou Natalício fora do jogo político.
Nesse mesmo pleito, ele havia lançado sua candidatura a deputado federal, sendo eleito
para a Câmara Federal com 21.629 votos. A baixa votação obtida nas eleições para
deputado federal, se comparada com a expressiva votação alcançada como candidato a
governador do estado do Rio de Janeiro, revela a força política da coligação com os
partidos de esquerda que apoiaram outras candidaturas mais próximas a seus projetos de
sociedade.
A projeção alcançada com o resultado eleitoral, ao lado da manutenção das
forças trabalhistas, o colocavam, pela primeira vez, ao lado daqueles que, em 1963,
assumiram a presidência da República com João Goulart. Portanto, no período de 1962
até o golpe de 1964, o jornal Luta Democrática manteve sua face populista, apoiou as
reformas de base, o presidencialismo, combateu o capital estrangeiro, a sonegação de
alimentos, tornou-se um espaço de divulgação de campanhas populares, das lutas dos
movimentos sociais, além de atacar violentamente o Instituto Brasileiro de Ação
Democrática (IBAD) e expressar sua ostensiva oposição a Jango.
Após a deposição de João Goulart, pelo Golpe de 64, a Luta Democrática perdeu
as características anteriores. Constituiu-se, assim, sua terceira fase: a fase do silêncio.
154
CAPÍTULO IV
CAXIAS: LUGAR DO TRABALHADOR E DA DESORDEM
298
O DOPS foi criado em 1938, para assegurar a fiscalização, o controle e efetivar a repressão política.
299
Relatório da Secretaria de Segurança Pública. Departamento de Ordem Política e Social de1946.
Estado, Pasta 20. Arquivo Público do Rio de Janeiro.
158
301
GRYNSZPAN, Mário. Mobilização camponesa e competição política no estado do Rio de Janeiro
(1950-1960). Rio de Janeiro, 1987, p. 37. Dissertação de Mestrado pelo Museu Nacional.
302
PUREZA, José. Memória camponesa. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1982, pp. 17-22.
162
era expulso; um grileiro era desbancado por outro grileiro e este resolvia expulsar os
lavradores que ocupavam a área, desmontando, assim, os acordos feitos anteriormente.
A resistência camponesa era mais comum quando o lavrador arrendava uma
terra e estabelecia uma parceria com outros lavradores, configurando uma posse coletiva
ou quando terras públicas arrendadas ou ocupadas por camponeses tornavam-se áreas de
conflito mediante a solicitação de reintegração de posse ou ainda pela ação direta do
Exército nos casos de ocupação.
As estratégias de proprietários e grileiros para desocupar a área eram a ação
judicial (reintegração de posse e ordem de despejo), invasão das terras camponesas com
o auxílio da polícia, Exército ou homens armados e pagos, roubo e/ou destruição de
plantação e criação, incêndio de cabanas, prisões de lavradores, tocaias e assassinatos.
Por sua vez, a necessidade de defender a posse da terra e de evitar os despejos fez com
que os lavradores organizassem uma associação de lavradores. Em fins dos anos 40, os
camponeses de Xerém criaram a primeira organização camponesa fluminense.
A presença de lideranças comunistas e a assessoria jurídica fornecida pelos
advogados ligados ao PCB foram decisivas para a organização camponesa e para a
composição legal da associação. Pureza participou em 1949 da formação da Comissão
de Lavradores, que tinha como objetivos defender os interesses dos camponeses e
protegê-los da ação dos grileiros e das ameaças de despejo. Em 1952, foi criada a
Associação dos Lavradores Fluminenses, tornando-se uma instituição legal. No interior
da associação, existiam várias comissões de trabalho, como a de finanças, de mulheres
etc.
Durante esse período, os conflitos entre os camponeses e os grileiros tornaram-
se violentos, obrigando os lavradores a fugirem das tocaiais e a se armarem com suas
espingardas. Os trabalhadores rurais constantemente eram presos, e essas prisões
sempre aconteciam nos momentos de conflitos. Entre os principais conflitos ocorridos
em Caxias durante as décadas de 1940 e 1950, podemos destacar os seguintes:
303
GRYNSZPAN, Mário. Fazendeiros e grileiros na Luta Democrática. Rio de Janeiro: Museu Nacional,
1982, pp. 59-60.
164
304
O INIC foi criado em 1954. Ver: DHBB Pós-30, 2001, v. III, p. 2.798.
305
O SSR foi criado em 1955, tendo como finalidade promover o aperfeiçoamento técnico do meio rural,
fomentar a economia das pequenas propriedades e atividades domésticas, incentivar a criação de
cooperativas ou associações. Ver DHBB Pós-30, 2001, v III, p. 5.370.
166
308
Idem.
309
RAMALHO, 1989, pp. 158-159.
169
310
RAMALHO, 1989, p. 87.
170
Naquela época tinha mais união, tinha delegado dentro da fábrica [...] Eu, quase
todo dia, podia tirar duas horas de almoço, e nessa hora tinha aquele bate-papo
no Bafo da Onça. Lá, a gente começava a falar, ninguém saía, aquilo ficava
cheio de gente. Eu gostava daquilo. Bafo da Onça é o lugar de bate-papo, fica
perto do rancho, tem um pé de árvore onde o delegado ou outro cara subia e
metia o sarrafo lá de cima.311
311
Depoimento de um peão. Ver: “Uma Greve Pelo Direito ao Trabalho: FIAT 1981”, ACONTECEU
ESPECIAL, 8, Rio de Janeiro: CEDI, outubro de 1981, p. 14.
171
313
DHBB Pós-30, 2001, v. II, p. 1369.
314
DHBB Pós-30, edição 2001. Volume II: 1369.
174
315
Idem.
316
DHBB Pós-30, 2001, v. II, p. 1.369; GRYNSZPAN, 1987, p. 255.
175
Esse grupo mantinha contato com a fábrica fora de seu lugar de trabalho e dela
dependia para obter reformas das casas, investimentos na área de lazer, como a doação
de um terreno para a instalação de um clube de futebol,317 entre outros. Havia ainda
aqueles que trabalhavam na administração da fábrica, próximos e dependentes daqueles
que a gerenciavam, e os que faziam parte dos círculos por estarem preocupados com o
avanço comunista, com receio de perder vantagens pessoais concedidas, por se oporem
à atuação das lideranças sindicais e por discordarem das vinculações do movimento com
a política nacional e internacional.318
O COC da FNM cumpria, assim, o papel de oposição ao movimento sindical e
disputava a representação dos trabalhadores. Para tentar romper com a hegemonia do
PCB na representação operária, componentes do COC chegaram a pensar na criação de
uma associação profissional da fábrica que fosse reconhecida pelo Ministério do
Trabalho. Apesar da discordância das estratégias e práticas construídas pelas lideranças
sindicais, a proposta nunca foi consolidada, face ao fato de que, mesmo entre os
operários circulistas, havia o reconhecimento das vantagens obtidas pela ação sindical e
da força do movimento junto aos trabalhadores. O que se observa, dessa forma, é a
disputa por posições dentro do espaço sindical.
Segundo Ramalho, o COC da FNM era um COC especial, por ter um
envolvimento sindical no interior da fábrica, afirmando, assim, os interesses da
empresa. O COC recebia incentivos da fábrica e organizava também a oposição fora,
isto é, na igreja, nos clubes e no bairro. Situação exemplar foi o caso do padre Antônio
da Costa Carvalho, incentivador e um dos criadores das atividades do círculo da
empresa, que recebia uma gratificação que constava na folha de pagamento da
fábrica.319
O padre citado não era apenas o responsável pelo círculo da empresa; era
também assessor eclesiástico da FCOF e atuante no movimento circulista dos
trabalhadores rurais fluminenses. O Círculo dos Trabalhadores Rurais de Xerém era
formado por lavradores católicos e por pequenos proprietários que rejeitavam a
representação feita pela ALF e pelas lideranças comunistas. Os circulistas temiam o
crescimento do comunismo, a violência que se estabelecia durante os confrontos e, no
317
A sociabilidade fora constituída também pela procedência de nascimento, reunindo em clubes ou times
de futebol aqueles de procedência regional comum. Daí, por exemplo, a fundação do Clube Piauí pelos
nortistas.
318
RAMALHO, 1989, pp. 181-183.
319
Idem, 193.
176
320
Para melhor compreensão da representação camponesa, ver as forças em cena em GRYNSZPAN,
1987, pp. 281-222.
177
321
A Baixada Fluminense era o principal Colégio Eleitoral fluminense até a fusão com a Guanabara.
322
Informação fornecida por Ruyter Poubel, em entrevista realizada no ano de 2002.
323
GRYNSZPAN, 1987, p. 244.
179
324
MIGNOT, Ana Chrystina Venâncio. Baú de memórias, bastidores de história: o legado pioneiro de
Armanda Álvaro Alberto. Rio de Janeiro, 1997, p. 443. Tese de Doutorado do Departamento de Educação
da PUC/RJ.
325
DHBB Pós-30, 2000, v. V, p. 5.845.
326
A Escola Meriti, instalada próximo à estação de Caxias, era tida como modelo de autogestão e de
experiência montessoriana. Artistas, intelectuais, profissionais liberais e comunidade escolar eram
constantemente envolvidos nos projetos da escola. A ajuda ia desde a financeira até a dedicação pessoal
ao projeto por meio do oferecimento de cursos, conferências, atendimento médico gratuito, horas de
trabalho voluntário junto às crianças e à comunidade escolar. A escola era financiada pela contribuição
voluntária e pela organização de eventos.
327
A ANL era uma frente antiimperialista e antifascista que congregava o Partido Comunista, entidades
estudantis e culturais, sindicatos etc. Desencantados com a postura fascista e autoritária de Vargas, os
integrantes da ANL compunham o bloco de oposição ao governo. A ANL foi lançada publicamente em
30 de março de 1935, no Teatro João Caetano, e tinha como presidente de honra Luís Carlos Prestes. Ver
PRESTES, Anita Leocádia. Luís Carlos Prestes e a Aliança Nacional Libertadora. Petrópolis: Vozes,
1997, p. 41.
181
328
MIGNOT, 1997, pp. 235-244.
329
MIGNOT, 1997, p. 256.
330
Apud MIGNOT, 1997, p. 260.
331
SCHUMAHER, Schuma e BRAZIL, Érico Vital (orgs.). Dicionário mulheres do Brasil. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2000; “Fundação Dr. Álvaro Alberto: Uma Instituição que Honra a Cidade”, Jornal
Tópico, 23/08/1958, p. 12.
182
332
MACEDO, Elza Dely Veloso. “Ordem na Casa e Vamos à Luta! Movimento de Mulheres no Rio de
Janeiro 1945-1964. Lydia Cunha – Uma Militante”. Rio de Janeiro, 2001, pp. 117-148. Tese de
Doutorado em História do Departamento de História da UFF.
333
José Cunha trabalhava no escritório imobiliário de Manoel Vieira como contador. Manoel Vieira
loteou parte do atual centro de Caxias, entre a atual Av. Nilo Peçanha e S. João de Meriti. Informações
obtidas na entrevista realizada no início de 2002 com Lucia Cunha, filha de Lydia e José Cunha.
334
Graças à anulação da votação de uma das seções, seus eleitores foram convocados para um novo
pleito. Após apuração, José Cunha ficou na suplência. Ver CÂMARA MUNICIPAL DE DUQUE DE
CAXIAS. O Legislativo Duque de Caxias 40 anos. Rio de Janeiro: Mimeo, 1987.
183
336
Josefa nasceu em 1924, em Alagoas. Filha de bóias-frias, viu sua mãe morrer por falta de recursos
médicos e seu pai, de doença de Chagas. Órfã, passou ainda pequena a trabalhar em casa de família, em
troca de moradia e comida. Em seus depoimentos, ela se considerava uma escrava doméstica. Quando,
ainda jovem, conheceu Pureza, residente do Rio de Janeiro, viúvo e com dois filhos, casaram-se e vieram
para o Rio de Janeiro. Informações obtidas nas entrevistas feitas com Josefa Paulino da Silva nos anos 90.
Os depoimentos de Josefa estão reunidos em 15 fitas transcritas.
337
Ver as entrevistas feitas com Josefa.
185
para a sua decisão. Segundo seu depoimento, o marido lhe dizia que ela já fazia o
trabalho do partido, portanto a filiação seria apenas a legalização de algo que já existia.
A experiência nos congressos, a formação e as orientações partidárias levaram
Josefa a intensificar a atuação na organização e na formação das mulheres. Para isso,
contava com a presença de Lydia Cunha (FMB), de Maria Felisberta Baptista Trindade
(AFF), de Vita Campos (assessora do PCB), entre outras. As discussões giravam em
torno da experiência do socialismo russo, da luta pela paz e do movimento contra a
guerra da Coréia e contra a bomba atômica, da luta pelos direitos femininos e as
comemorações do 8 de março, da luta pela reforma agrária e contra a carestia, da saúde
da mulher, da necessidade da organização das mulheres do campo etc.
A partir de 1953, novas associações de lavradoras foram surgindo. Entre elas,
estava a Comissão de Mulheres de Piranema, a do km 41, a Associação Feminina de
Barro Branco e a de Papa Folha, todas na Baixada Fluminense e filiadas à AFF. Em
1956, uma delegação de trabalhadoras rurais participou do congresso estadual e, logo
depois, do nacional, ambos realizados no Rio de Janeiro. No congresso nacional, Josefa
foi escolhida para representar as camponesas no Congresso Mundial de Mulheres, que
se realizaria na Hungria. Assim como ocorreu com Lydia, ela também esteve em
Moscou.
Durante os relatos de suas memórias de viagens, Josefa expressou emoção e
tristeza, transbordando lágrimas, apesar do tempo passado. A dor de lembrar da fome e
de comparar a condição das trabalhadoras rurais em Caxias com as de Moscou fez ecoar
um silêncio de uma dor adormecida trazida pelas recordações. Segundo ela, ao chegar a
Moscou, a delegação feminina foi recebida com uma mesa farta, fazendo-a lembrar-se
dos seus, talvez sem ter o que comer. Para ela, havia dor em ver as camponesas russas
fortes e utilizando tratores em seu trabalho, enquanto os trabalhadores rurais
fluminenses preparavam e cavavam a terra para o plantio com as mãos e com um
pedaço de pau. A viagem afirmou sua convicção no socialismo e no PCB.
Sua experiência no movimento e, principalmente, no PCB lhe assegurou o
acesso a uma formação política e ao exercício contínuo e disciplinado dos registros de
prestação de contas de sua militância aos companheiros. Estudar, planejar e registrar
tornaram-se uma prática cotidiana na vida de Josefa até a sua morte.
O que fica evidenciado no movimento de mulheres do período recorrente é a
forte presença do internacionalismo, da vinculação de algumas das bandeiras do PCB às
das mulheres, da manutenção das lutas específicas e localizadas. O movimento
186
338
Coluna “A Luta Feminina”, Luta Democrática, 07/07/1962, p. 4.
187
339
A Comissão Federal de Abastecimento e Preços (COFAP) foi criada em 1951 por conta da pressão do
movimento feminino. A comissão era constituída de 13 representantes do comércio, da indústria, da
lavoura, da pecuária, das cooperativas de produto e consumo, da imprensa, das Forças Armadas, do
Ministério da Fazenda, da Aviação e Obras Públicas. Havia ainda a presença de economistas do
Ministério da Fazenda. A presidência da COFAP era nomeada pelo presidente da República. Ver DHBB
Pós-30, 2000, v. II, p. 1.466.
188
Amarelos 15 13 28
Pardos 14.108 13. 678 27.786
Total 47.173 45. 286 92.459
Observação: Somando-se o número de população negra e parda, teremos um total de 48.968.
Fonte: Censo Demográfico do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: IBGE, 1955, v. XXIII,
tomo I, p. 69. [Série Regional.]
Durante mais de 15 anos, Santos Lemos viveu neste mundo. Chegou a ser
correspondente de oito jornais da antiga capital federal [...] O ambiente
asqueroso chegou a transformá-lo num alcoólatra.340
O próprio Lemos apresentava-se como aquele que estava tão envolvido com o
submundo que a ele havia se incorporado.341 Quando Santos Lemos escreveu O negro
Sabará, já era delegado, repórter e membro da Academia Duquecaxiense de Letras e
Arte. Nessa obra, narra a trajetória de Ismael Gonçalves da Silva, conhecido como
Sabará, e ao mesmo tempo da cidade fronteiriça à capital federal. Carlos Ramos a define
como uma narrativa da vida turbulenta do famoso bandido como pretexto para
340
LEMOS, 1967, p. 10.
341
Lemos presenciou a saída de policiais com um preso que seria transferido no dia seguinte. Ele foi
obrigado a acompanhá-los até a Rio-Petrópolis e a participar da execução do preso. Isto foi imposto pelos
policiais como garantia de seu silêncio.
189
apresentar a realidade de uma época e de uma cidade: “[...] uma cidade reduto
migratório de nordestinos que ganharam a capital federal e faziam da ainda selvagem
região o seu dormitório”.342
Lemos afirma, no prefácio, que sua obra O negro Sabará é uma descrição da
cidade no período de 1952-64 e da biografia de um homem, filho de coveiro, nascido
em Magé e fruto de suas condições materiais e da discriminação racial. Sabará é
apresentado com um homem negro alto, freqüentador dos rendez-vous da cidade,
principalmente o de Olinda de Macedo, situado no centro de Caxias, próximo à sede da
prefeitura. Adorava maconha, cachaça, baralho, bilhar e a branca Rosa para se deitar.
Algumas vezes, atuava como cafetão dela e realizava pequenos assaltos. Quando a coisa
apertava, sumia por um tempo, mas logo retornava. Em situações de fuga, poderia
esconder-se provisoriamente no terreiro de Joãozinho da Goméia. Sem formação e
emprego, Sabará era o retrato de muitos negros e negras da cidade. Para sobreviver, eles
viviam da prostituição, dos assaltos, da venda de maconha, das jogatinas, dos trabalhos
pesados e temporários ou, ainda, dos empregos de baixa remuneração.
Após a tentativa de um assalto, Sabará foi preso. Lemos relatou as torturas
sofridas por ele na Delegacia 311, inclusive as surras de pau-de-arara que o deixaram
quase morto e com seqüelas terríveis. Quando saiu da prisão, Sabará estava
impossibilitado de realizar trabalhos pesados, restando-lhe a prestação de serviço nas
casas de famílias, encerando e limpando. Dormia de favor na garagem da delegacia,
graças à interferência de Lemos. Sabará é visto na obra como um bom malandro, vítima
da violência policial e da estrutura econômica. Ironicamente, regenerou-se a partir do
sofrimento, sendo incorporado ao próprio espaço da delegacia.
Lemos dedica parte de suas obras para descrever o racismo em Caxias e registra
várias falas de negros e negras portadores de uma consciência da discriminação racial.
Em Sangue no 311, ele relata que, em 1954, a Câmara sancionou uma deliberação que
impedia a renovação das licenças dos hotéis que exploravam o lenocínio. O delegado
Amil Ney Rechaird enviou uma ronda para assegurar o fechamento dos hotéis, dos
rendez-vous e das boates. Várias mulheres foram presas, mas, segundo Lemos, apenas
as negras e as velhas eram trancafiadas.
342
LEMOS, 1967.
190
investigador, pois quase todos tinham seus amantes no bas fond ou variavam
cada noite com uma meretriz, que nunca era presa.343
Alzirinha tinha uma luta com o mundo: o da discriminação racial. Achava que a
pobreza que sofreu no Nordeste, o seu desvirginamento na plantação de cana em
Pernambuco e a prostituição nas ruas imundas de Caxias eram produtos de sua
epiderme escura.346
A consciência do racismo sofrido estava presente nos relatos dos atores que o
autor nos apresenta. Ele descrevia com certa admiração o “sábio Fiô”, atravessador de
ervas que vivia do aluguel de umas casinhas em uma vila. Além disso, havia ainda os
mixes de sua companheira apaixonada Geralda. Apesar de ser chamado de “Rei da
Maconha”, Fiô não era considerado perigoso. Dificilmente era preso porque dava
propina para a polícia. Santos Lemos chamava Fiô de sábio porque conhecia a história
do povo negro, de Zumbi, e explicava a condição do negro na atualidade. Para ele, a
vida na cidade era uma reatualização do passado escravo. A situação de exploração, o
envolvimento com a maconha e com a prostituição, a violência expressa pelas prisões
dos negros e pelo fato de os pretos encherem o cemitério do Corte Oito eram os novos
sinais da escravidão imposta. Ele dizia sobre Palmares:
343
LEMOS, 1967, p. 76.
344
LEMOS, 1967, p. 77.
345
LEMOS, 1967, p. 81.
346
Ibidem.
191
[...] queriam viver suas vidinhas, livres, trabalhando para eles mesmos. Brancos
para lá, negros para cá [...] mas os homens brancos não se contiveram, era folga
demais dos negros. Precisavam dos crioulos para a lavoura. A História se repete.
Os brancos de hoje, os poderosos de Caxias, querem acabar com os negros, com
os pobres, querem galgar postos sobre os cadáveres dos homens de cor.347
347
LEMOS, 1980, p. 24.
348
A Frente Negra Brasileira foi criada em 1931 e congregava cerca de duzentos grupos e instituições.
Voltada para a luta contra a discriminação racial, articulava variadas ações de protesto à condição do
negro. Ver SANTOS, Paulo Roberto dos. Instituições afro-brasileiras. Rio de Janeiro: Centro de Estudos
Afro-Asiáticos, 1984.
192
Jorge Amado ainda nos diz que a festa de Pedra Preta, em 2 de junho, era a
maior realizada no terreiro da Goméia. Todo o terreiro é ornamentado com bandeirolas,
fitas, flores, mantos rendados para receber visitas de longe, artistas, pais-de-santo,
349
Luta Democrática, 25 de maio de 1954.
350
LEMOS, 1980, pp. 78-79.
351
VARGAS, Francisco. “Joãozinho da Goméia: Candomblé Perde o Rei”, O Cruzeiro, 31 de março de
1971, pp. 28-32.
352
AMADO, Jorge. Bahia de Todos os Santos: guia de ruas e mistérios. Ilustração de Carlos Bastos. Rio
de Janeiro: Record, 2002, p. 155.
193
filhos-de-santo etc. A bebida Jurema era obrigatória, para não fazer desfeita aos
presentes. Havia ainda um refresco de casca de abacaxi ou um aluá de gengibre. Os
atabaques, os agogôs, as cabaças, as filhas-de-santo, as roupas bem acabadas, as danças,
as coreografias ensaiadas por Joãozinho, os cantos, as incorporações e a comida
completavam o cenário. Uma outra festa que mereceu destaque do autor foi a dedicada
aos mortos do terreiro: ogãs, filhos e filhas-de-santo, em que, segundo dizem, “os eguns
ainda ligados ao terreiro vêm na noite de exexê dançar em meio aos vivos, cantar seus
cantos preferidos, honrar seus deuses”. 353
O terreiro de Joãozinho da Goméia tornou-se um dos mais importantes
divulgadores do candomblé de Angola e de caboclo na Bahia e, posteriormente, no Rio
de Janeiro. Entrelaçando as tradições bantas e nativas (indígenas), espalhava
encantamentos por meio do caboclo Pedra Preta que incorporava. Já o candomblé de
tradição jejê-nagô (influência ioruba e fon) não via com bons olhos a incorporação das
divindades indígenas à tradição africana.
Em fins de 1942, Joãozinho veio ao Rio de Janeiro para instalar no Distrito
Federal sua nova casa. Entretanto, as perseguições às religiões de origem africana o
fizeram retornar à Bahia. Em 1948, com 34 anos, retornou ao Rio e instalou sua casa em
uma periferia do Distrito Federal: Duque de Caxias. Nesse período, a Baixada
Fluminense havia se tornado uma alternativa para os terreiros de candomblé,
principalmente pós a reforma de Pereira Passos e a intensificação das perseguições aos
espaços sagrados afro-americanos. O terreiro da Goméia ganhou popularidade e tornou-
se um espaço de culto e de espetáculos, onde as festas atraíam pessoas importantes e
trabalhadores pobres da capital e periferias fluminenses. Segundo a revista O Cruzeiro,
em dias de festa, o terreiro de Joãozinho reunia mais de seis mil crentes do
candomblé.354
No dia do sepultamento de Joãozinho da Goméia, em 1971, mais de quatro mil
filhos-de-santo do Babalorixá acompanharam o cortejo, o que revelou a permanência de
sua popularidade na região até a sua morte. Entre os políticos importantes que
mantinham contato com Joãozinho, podemos destacar: Ademar de Barros, Getúlio
Vargas, Juscelino Kubitschek, embaixadores da França, do Paraguai e da Inglaterra,
ministros do governo brasileiro etc. 355
353
Para ver mais: AMADO, 2002, pp. 154-161.
354
LEMOS, Ubiratan de. “Joãozinho da Goméia no Tribunal de Umbanda”, O Cruzeiro, 17 de março de
1956.
355
O Cruzeiro, 31/03/1971.
194
– Você conhece esse tipo de pessoa. Mas o que eu posso fazer para calar a
língua dessa gente [...] Já sei que falaram dos carros, das porcelanas que tenho
em casa. Sim, meu velho, eu tenho recebido alguns presentes por insistência dos
que foram beneficiados por favores meus. Mas não cultivo uma indústria de
presentes, note bem! Tenho profissão liberal. Sou costureiro, alfaiate e crio
porcos. Apesar de ser um criador-mirim, ponho o suficiente para comprar o
feijão e a carne-seca.356
356
O Cruzeiro, 17/03/1956.
195
Estivemos com Joãozinho para convidá-lo para uma festa que estávamos
organizando no Clube dos Quinhentos. Perguntamos quanto custaria a sua
apresentação e ele financiou toda a festa. Pediu apenas cem convites para
distribuir para seus amigos diplomatas. Joãozinho ficou emocionado, dizendo
que o convite proporcionou a ele a maior glória de sua vida: a sociedade de
Caxias o chamava, o aceitava e o reconhecia. A apresentação de Joãozinho foi o
maior sucesso e provocou um rebu na cidade.357
357
Entrevista realizada em 1995, pelo Jornal Tiro de Letra.
358
Ver TRINDADE, Solano. “Tem Gente com Fome e Outros Poemas”. Antologia Poética. Rio de
Janeiro: DGIO, 1988, p. 37.
196
artes, exposição das artes plásticas, construção de um teatro e de um centro cultural, das
obras dos artistas locais etc. Organizaram feiras de amostras culturais, venda de livros,
ajudaram na edição e na venda do livro de José Lustosa acerca da história da cidade, e
editaram uma revista intitulada Caderno de Cultura.359
Newton Menezes nos diz na entrevista que, como havia comunistas e liberais no
grupo, a unidade se dava a partir do viés cultural. Apesar da unidade, havia diferenças
em torno das concepções políticas. Os comunistas, organizados em sua base, atuavam
no movimento cultural, em movimentos dos Centros Pró-Melhoramentos de Bairros,
nos movimentos operários (metalúrgico, ferroviário, petroleiro, rodoviário, alfaiates
etc.), camponeses e femininos. O partido possuía uma sede em Caxias, onde eram
realizados encontros, seminários e debates com alguns nomes do partido e de
intelectuais da esquerda.
Newton nos relatou que leu uma obra de Leandro Konder e que concorda com o
afirmado por ele acerca dos comunistas de seu tempo. Os comunistas eram movidos por
uma crença quase positivista e cristã. Dar ao povo a fala, a libertação e a possibilidade
da transformação social.
Para ele, Solano Trindade era portador dessa crença. Sua perspectiva marxista e
humanista influenciou imensamente a produção poética. Dizia ter orgulho de sua origem
pobre (“Meu bairro era pobre, mas ficava bonito se metido um luar”) e da descendência
africana e do passado do povo negro (“Eu tenho orgulho de ser filho de escravo...
Troncos, senzala, chicote, gritos, choros, gemidos. Oh! Que ritmos suaves, oh! Como
essas coisas soam bem nos meus ouvidos). O orgulho de sua descendência oprimida e
seu compromisso de classe estavam acima de seu pertencimento étnico.
359
Entrevistas realizadas com Rogério Torres e Guilherme Peres em 2000, e com Newton Menezes de
Almeida Menezes, em 2002.
360
Entrevista realizada com Newton Menezes de Almeida, em 2000.
197
Orgulho Negro
Negros que escravizam
E vendem negros na África
Não são meus irmãos
Negros senhores na América
A serviço do capital
Não são meus irmãos
Negros opressores
Em qualquer parte do mundo
Não são meus irmãos
Só os negros oprimidos
Escravizados
Em luta por liberdade
São meus irmãos
Para estes um poema
Grande como o Nilo.
Epigramas Caxienses
A cidade onde eu moro
É como o mundo
Tem criminosos e santos
Há os que exploram
E há os explorados
Quando o mundo mudar
A cidade onde eu moro
Mudará também...
A posição de Solano, por sua vez, não era imobilista; ao contrário, era de
contestação: “Eu ia fazer um poema para você amada [...] ia falar do seu corpo, de suas
mãos amadas [...] Quando soube que a polícia espancou um companheiro, o poema não
saiu”. Acreditava na transformação e a ela se dedicava com o que melhor sabia fazer:
198
arte, poesia e militância no movimento negro: “Além do pão com farinha, muita... muita
liberdade”.
A imagem de Solano Trindade e de seus poemas tornou-se quase uma construção
dele como um mito. Entre diferentes setores da cidade, sejam eles conservadores
ou de esquerda, Solano é visto como o maior poeta negro de seu tempo e o mais
dedicado à preservação da cultura popular. Via a arte como instrumento valioso
de afirmação de identidade e de combate às estruturas injustas. Entretanto, não
se pode dizer que o Partido Comunista em Caxias tenha investido de forma
significativa na criação de organizações específicas de composição étnica.
Vale ressaltar o papel do PC no sentido de ampliar o horizonte de luta, formar
militantes, sistematizar a prática cotidiana e favorecer a superação das fronteiras
locais e do corporativismo. Entretanto, o apoio das esquerdas e, principalmente,
do PCB, e a candidatura de Tenório Cavalcanti, personagem vinculado às forças
conservadoras, com uma trajetória intimamente ligada à violência e às práticas
políticas rejeitadas pelo partido, nos parecem uma ambigüidade.
Apesar da contradição, o crescimento dos movimentos sociais em diversas
direções – desde aqueles voltados a uma demanda de integração até os voltados à
transformação mais substantiva da ordem social, atacando os fundamentos das
desigualdades e da subalternização – foi visível em Caxias, principalmente nos
primeiros anos da década de 1960, antes do golpe militar. As tensões na cidade foram
de significativa importância em 1962: acirramento dos conflitos de terra, do movimento
operário unificado, que culminou com a greve geral, da luta contra a sonegação e a
fome implementadas pelas mulheres e, principalmente, do saque que se alastrou por
toda a Baixada Fluminense.
361
DHBB Pós-30, 2000, v. III, pp. 2643-45.
362
ALBUQUERQUE, João Luís de e outros. “Palavra de Ordem no Estado do Rio de Janeiro. Pilhagem
de armazém e morte ao comerciante”, Fatos e Fotos, n° 76, 14-07-1962.
200
363
TORRES, Rogério e MENEZES, Newton. Sonegação, fome, saque. Rio de Janeiro: Consórcio de
Administração de Edições, 1987, p. 8.
364
LAHUD, José. “Clima de Massacre”, Luta Democrática, 08/07/62, p. 2.
201
Caxias enfrentou um problema grave de fundo político. Por isso, foi criado o
Corpo de Milicianos. No dia do saque veio o apelo da AC do Município e foram
chegando os voluntários. Em pouco tempo, 250 homens pegavam em armas, em
defesa de sua cidade. E durante as horas em que a cidade foi entregue aos
saqueadores, eles conseguiram evitar tragédia maior. Políticos tentaram tirar
proveito da situação, classificando-os de playboys e transviados. Mas o grupo
distribuiu uma nota em resposta. Os transviados eram sete bancários, 25
estudantes de nível superior, sete advogados, um piloto, dois radialistas, quatro
industriais, cinco contadores. O resto da milícia era composta por
comerciantes.365
365
Fatos e Fotos, n° 76, 14-07-1962.
366
Ibidem.
202
A “cidade sem lei”, como a revista chamava Caxias, voltou à “ordem” somente
quando o Exército ocupou as ruas. Essa ordem, aos olhos de alguns sindicalistas e dos
comerciantes, poderia ser rompida pela emergência de novos conflitos. Os sindicalistas
temiam pelo processo repressivo que se seguiria ao saque. Já os comerciantes se
voltaram para constituir caminhos que lhes protegessem de novas ameaças à
propriedade e garantisse a reprodução de seus mecanismos de dominação. Nesse
sentido, eram necessárias a interferência do poder público e a montagem de um
esquema de segurança, seja público ou privado, que lhes garantisse proteção.
No dia 12 de julho, a ACIDC recebeu em sua sede o governador Janotti, o
secretário de segurança Nicanor Campário e os deputados estaduais Sá Rego, Valdir
Medeiros e Geraldo Lomar, para discutirem as reivindicações dos comerciantes no que
tangia à sua reestruturação e segurança.
A associação reivindicou ao governo do estado: indenização para os comerciantes, a utilização
de uma perícia nas casas atingidas; a construção de um batalhão da Polícia Militar e um policiamento
permanente; a garantia de que a COFAP, em ritmo acentuado, abastecesse o comércio varejista; a anistia
de débito bancário e empréstimos para os comerciantes. Solicitaram ainda que as bancadas estaduais e
Econômico (BNDE), a liberação de recursos para reorganizar o comércio local. Já os sindicalistas, que
também aguardavam a presença do governador e não foram ouvidos, emitiram uma nota de repúdio pelo
Batalhão da Polícia Militar em Caxias. Assim, qualquer ameaça à ordem poderia rapidamente ser contida.
indenizações. Alguns conseguiram até ampliar seu patrimônio, como foi o caso das Casas Nelson, que
dariam lugar às Casas Sendas. A distribuição de benefícios não chegou a todos os comerciantes. Cerca de
50% dos comerciantes voltaram a funcionar em condições precárias e 30% não se restabeleceram.
Somente 20% conseguiram se reerguer por meio dos financiamentos recebidos, o que gerou uma
possibilidade de organização de uma milícia privada, financiada por eles, que lhes
garantisse segurança, eliminando aqueles que os ameaçassem de uma forma ou de outra,
dando origem, assim, à formação dos grupos de extermínio na Baixada Fluminense, ou
seja, à instalação, primeiramente, do Esquadrão da Morte e, posteriormente, da “Mão
Branca”.369
O saque de 1962 foi a expressão de uma situação extrema vivida pela massa urbana
local, exposta a situações intoleráveis de exploração, sonegação e pobreza.
Frente à ameaça da propriedade privada e à ausência de controle dessa massa, os
comerciantes organizaram suas próprias milícias. A violência aberta sobre o
conjunto da população ficou na impunidade, não havendo apuração quanto à
ação dos “voluntários”. A pressão feita sobre o poder público garantiu aos
comerciantes a implantação de um Batalhão da Polícia Militar, homens vindos
de fora e que, constantemente, expunham a população a batidas, aprisionando
homens impossibilitados de comprovar ocupação. Em menos de dois anos, os
movimentos sociais foram silenciados pelo golpe militar.
369
ALVES, José Cláudio. “Baixada Fluminense: A Violência na Construção do Poder”. São Paulo, 1998.
Tese de Doutorado pelo Departamento de Sociologia da USP.
204
Carlos Chagas,
Triagem, Mauá
Trem sujo da Leopoldina
Correndo, correndo
Parece dizer
Tem gente com fome,
Tem gente com fome,
Tem gente com fome...
Tantas caras tristes,
Querendo chegar,
Em algum destino,
Em algum lugar...
Trem sujo da Leopoldina,
Correndo, correndo
Parece dizer:
Tem gente com fome,
Tem gente com fome,
Tem gente com fome...
Só nas estações
Quando vai parando,
Lentamente,
Começa a dizer:
Se tem gente com fome,
Dai de comer...
Se tem gente com fome
Dai de comer...
Se tem gente com fome
Dai de comer...
Mas o freio de ar,
Todo autoritário,
Manda o trem calar:
Psiuuuuuuuuu.....
notícia do golpe chegou aos operários da FNM, eles pararam a fábrica e, na madrugada,
as tropas militares a ocuparam. Muitos trabalhadores não regressaram ao trabalho.
Fugas, prisões e desaparecimentos provocaram até nos círculos a desaprovação da ação
militar.
Os trabalhadores ainda tentaram impedir o ingresso dos militares na FNM, mas a
situação ficou insustentável. Novas prisões e a ocupação das vilas e de residências
foram efetuadas. A delegacia da FNM estava abarrotada de operários presos, sendo
muitos transferidos posteriormente para o DOPS. Na fábrica, os militares reuniam os
operários no pátio com as mãos para cima. Muitos não resistiram e desmaiaram. O
sindicato sofreu intervenção, desmontando, assim, a organização operária. 370
Nas áreas rurais, não foi diferente. Em uma entrevista com Chico Silva, uma das
lideranças camponesas, ficou clara a violência sofrida pelos camponeses. Ele nos
relatou que o Exército ocupou as propriedades à procura de guerrilheiros. Um camponês
chegou a ser amarrado de cabeça para baixo. Chico dizia que os militares levavam tudo
o que encontravam, isto é, plantação, bichos e ferramentas: “Uma vida inteira sendo
levada para os acampamentos militares instalados em Xerém”.
Prisões, destruição de casas e medo. Chico conseguiu se esconder nas matas e
subir a serra. Durante um bom tempo, não pôde retornar. Josefa e Pureza fugiram para o
Recife, com a ajuda do Partido Comunista. O casal só foi preso posteriormente no
Nordeste, quando se envolveu na organização dos bóias-frias e no processo eleitoral
local. Ambos foram identificados como procurados e sofreram com as torturas.
Para completar o quadro, os militares retiraram os trilhos da Estrada de Ferro
Rio D‟Ouro, para isolar Xerém e impedir que os lavradores se rearticulassem em seus
movimentos. A repressão militar atingiu toda a cidade. Segundo Stélio Lacerda,
situações de extrema violência foram cometidas pelo Batalhão da Polícia Militar pós-
64: arrastão no centro de Caxias para prender prostitutas, malandros, bêbados,
“desocupados e suspeitos”; invasão do restaurante Mira Serra, situado próximo à Praça
Roberto Silveira, onde políticos, jornalistas, funcionários públicos, empresários e
lideranças comunitárias se reuniam; e invasão do Cinema Santa Rosa, no meio de uma
sessão das 15h, com a prisão dos que não puderam comprovar ocupação. 371
A REDUC também foi ocupada: lideranças sindicais foram presas e alguns
funcionários excluídos do quadro da empresa. Newton Meneses, que estava na
370
RAMALHO, 1987, pp. 195-201.
371
LACERDA, 2001, pp. 107-108.
206
militância sindical dos petroleiros, havia viajado um pouco antes do golpe para Moscou.
Graças à sua viagem, escapou da prisão. A conjuntura brasileira fez com que ele
demorasse em Moscou mais do que o planejado, só retornando meses depois. Ele foi
excluído do quadro de funcionários e só conseguiu retornar à empresa após a anistia.
O movimento de mulheres também foi interrompido. Lydia Cunha se refugiou
provisoriamente em uma pequena casa de um amigo, em Volta Redonda, até que
pudesse retornar. Armanda entregou sua escola para o Instituto do Povo, uma instituição
metodista. A idade e a conjuntura a fizeram parar de trabalhar.
Militantes comunistas relataram em entrevista que foram obrigados a enterrar
livros e documentos no quintal, a buscar refúgios em lugares isolados ou simplesmente
manter o silêncio para sobreviver. Outros ainda enfrentaram a prisão, a ausência de
apoio familiar e até o isolamento frente ao receio dos parentes de se envolverem e de
serem atingidos pelo aparelho repressor da ditadura.
Apesar da repressão, alguns comunistas caxienses atuaram posteriormente nos
movimentos de resistência estudantil372 e até na guerrilhas do Araguaia. O estudante
Joaquim Fernando Lapoente era liderança na União Caxiense Estudantil e, em 1962 e
63, atuou na União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES). Em 1968, assumiu a
presidência da Confederação Fluminense dos Estudantes Secundaristas (COFES) e
atuou na organização da passeata “Dos Cem Mil” em 1968.
372
O movimento estudantil em Caxias surgiu em 1954, sob a denominação de União Caxiense de
Estudantes Secundaristas. Em 1957, surgiu uma segunda organização, nomeada de Associação dos
Estudantes de Duque de Caxias, e, no início dos anos 60, as duas entidades se fundiram sob a designação
de UEC. Ver: LACERDA, Stélio. Uma passagem pela Caxias dos anos 60. Rio de Janeiro: Edição do
Autor, 2001, p. 205.
373
LACERDA, 2001, p. 209.
207
374
Guerrilha do Araguaia. Documento do PC do B. São Paulo: Editora Anita Garibaldi, 1996.
208
375
Dicionário Pós-30, 2001, v. II, pp. 2383-84.
376
Depoimento de Moacyr do Carmo no documentário produzido pela Secretaria Municipal de Cultura da
PMDC. O documentário faz parte do projeto “Memória Viva da Cidade de Duque de Caxias”.
376
Idem.
377
Idem.
209
Eu acho que na época da FNM havia mais justiça para os trabalhadores. Até a
alimentação era melhor: a pessoa tomava leite à vontade, porque a pessoa
precisa tomar leite. A classificação dos setores era também mais justa. Era
ajudante, operador de máquina e depois, se era torno, por exemplo, era torneiro
de 3a, 2a e 1a. Então, era padronizado. Agora na FIAT embolou o meio de
campo. Apareceu um tal de operador classificado, operador especializado, não
210
378
“Uma Greve pelo Direito ao Trabalho: Fiat 1981”. ACONTECEU Especial, n° 8, Rio de Janeiro:
CEDI, outubro de 1981.
379
Idem.
380
“Greve da FIAT de 42 Dias”. Cartilha com o histórico da greve produzida pelo Comando de Greve em
30 de junho de 1981.
211
O relatório apontava para o fato de que a atração do capital para Caxias se dava,
sobretudo, pelas condições geográficas. Nele, havia também o preconceito, que
classificava a população como pobre e portadora de condições limitadas de assimilação.
Contudo, isso não atrapalharia os investimentos; ao contrário. A mão-de-obra
especializada vinha de fora e a mais barata era farta.
Como José Cláudio apontou em sua obra, A Baixada Fluminense: a violência na
construção do poder, o controle de um grande contingente populacional em situação de
extrema pobreza mais do que nunca se fazia necessário para os comerciantes locais.
Nesse sentido, o controle político passou a ser exercido pelo Exército e pelo Batalhão da
PM, e a defesa do patrimônio, pelos grupos de extermínios.
Fica claro que Caxias, assim como toda a Baixada, tornou-se, mais uma vez,
lugar de armazenamento e passagem, só que agora de trabalhadores pobres. Toda a
memória de organização, de experiência operária e de esforço de construção de
participação política, não fora experimentada por toda a sua população; ao contrário,
fora silenciada. Já a experiência do getulismo parece que ganhou mais força. A
lembrança de um tempo que é lembrado como menos trágico.
Com a presença dos militares, os privilégios foram mantidos para um pequeno
setor local, e o domínio dos representantes da Arena como Hydekel de Freitas,
Ampliato Cabral, Samuel Corrêa etc. foi-se consolidando. A trajetória política de
Hydekel é exemplar para avaliarmos o processo que se deu em Caxias após o golpe.
Em 1970, Hydekel de Freitas reelegeu-se deputado estadual; em 1974 e 1978, a
deputado federal. Em 1979, com a extinção do bipartidarismo, filiou-se ao PDS e, em
maio de 1982, foi nomeado prefeito interventor de Caxias. Em 1985, compôs o PFL e,
em 1986, concorreu a uma cadeira no Senado, sendo eleito suplente de Afonso Arinos.
Em outubro de 1988, foi eleito prefeito de Caxias, numa aliança entre o PDS e o PFL, e,
em 1990, após a morte de Afonso Arinos, renunciou à prefeitura, para ocupar a vaga no
Senado. Ainda nesse mesmo ano, filiou-se ao Partido da Reconstrução Nacional (PRN),
que elegera Fernando Collor de Melo. Em 1994, foi indiciado pela Comissão
Parlamentar de Inquérito da Câmara, que investigava fraude na Previdência. Seu
381
“Plano de Desenvolvimento Local Integrado”. Duque de Caxias, RJ: M. Roberto Arquitetos, 1969, v.
III, p. 3.
212
382
A listagem foi descoberta pelo Procurador-Geral de Justiça Antônio Carlos Biscaia, após uma
diligência efetuada.
383
Dicionário Pós-30, 2001, v. II, pp. 2383-84.
384
JB, 3 a 9/12/79; Jornal dos Esportes, 31/05/85.
213
CONCLUSÃO
existente entre o velho e o que se apresenta como novo, afirmando, dessa forma, o que
já nos dizia Francisco Oliveira: a vinculação de Tenório à violência, à contravenção e
sua associação com a família Lomba, retrato da tradição, ou ainda, sua vinculação com
a UDN, um partido de liberais conceituados. Situação similar pode ser encontrada em
seus opositores: eles fizeram uso do aparato policial para ampliar o projeto de
dominação amaralista e getulista.
Percorrendo as trilhas propostas por Gramsci, entramos em contato com
diferentes organizações da sociedade em Caxias, em diferentes direções, desde as
voltadas à integração até as voltados para uma transformação mais substantiva da
sociedade. Uma complexa disputa pela representação dos trabalhadores e pelas variadas
concepções de sociedade e de cidade foi sendo travada nas décadas de 1950 e 1960,
apontando para uma conexão crescente entre lutas que eram mantidas separadamente,
como a da FNM e a dos trabalhadores rurais, arriscando ampliar o horizonte e as lutas
populares, que não se esgotavam no processo eleitoral. A atuação do Partido Comunista
foi determinante para essa conexão e para as realizadas fora das fronteiras da cidade e
do país.
As diferentes experiências de organização dos setores populares construídas no
local apontaram para a possibilidade de superação das condições materiais vividas, dos
fundamentos das desigualdades e da subalternização. Projetos de sociedade e de cidade
divergentes do até então tecido ganhavam força em uma região de acelerado
crescimento populacional e industrial, vista por muitos como lugar de trabalhador. Um
trabalhador fortemente constituído pela aproximação com o trabalhismo e com o
getulismo, expresso inclusive em sua votação. Frente ao avanço da votação da Baixada
no trabalhismo e ao crescimento do PTB nas disputas locais e regionais, Tenório
Cavalcanti incorpora-se a um partido de cunho trabalhista e socialista.
Em 1962, disputa as eleições, com o apoio de setores da esquerda e do Partido
Comunista, obtendo uma votação surpreendente, que lhe assegura o segundo lugar nas
disputas com o PTB. Durante o ano referido, seu jornal tornou-se espaço de defesa do
programa das esquerdas e instrumento de comunicação das lutas dos movimentos
sociais. Contraditoriamente, os setores que se apresentavam como alternativa
estabelecem aliança com um nome antigo da tradição conservadora, envolvido com
práticas políticas assistencialistas e com o uso da violência como forma de controle dos
setores populares.
217
FONTES
Fontes Manuscritas
documentos emitidos e recebidos dos corregedores das Câmaras e Provedores das Capelas:
219
Freguesia de Santo Antônio – Orago de Jacutinga. Livro das Visitas de Monsenhor Pizarro em 1794, fls.
78 a 85.
Entrevistas
Francisco Silva
Josefa Paulino
Pedro de Souza Filho
Guilherme Peres
Rogério Torres
Lucia Cunha
Newton Menezes
Benedito Agostinho Alves
Periódicos
220
1. Jornais
Luta Democrática
04-02-58 e 09-01-58
Coluna “A Luta Feminina”, 07-07-62 e 10-07-62
Coluna “Escreve Tenório”, 03-01-58, 04-02-58, 06-06-58, 09-06-58, 02-07-58, 06-07-
58, 12-07-58,16-07-58, 18-07-58, 26-07-58, 27-07-58, 28-07-58, 01-08-58, 10-08-58,
12-08-58, 16-08-58, 11-09-58, 13-09-58, 21,09-58, 28-09-58, 06-11-58, 15-11-58, 19-
11-58, 29-11-58, 27-12-58, 03-04-62, 07-04-58, 12-04-58 e 13-04-62.
Cartilha Para Esclarecer o Povo Brasileiro. Como se Esmaga uma Nação Sem Sangue.
O Que é Aliança Para o Progresso – 01 e 02 de abril de 1962.
Coluna “Escreve Tenório” de todo o ano de 1958 e 1962.
O Grupo, junho de 1957
Tópico, 10-05-58, 07- 06-58, 26-07-58 e 25-08-58.
O Municipal, 25-08-50, 25-08-51 e 20-03-53.
20-03-53; 25-08-51; 16-06-51; 01-05-51; 30-08-52.
Tiro de Letra
Entrevista Com Pedro de Souza, ano I, n° 1, junho de 1995.
O Velho Bruxo Revela Suas Andanças, ano I, n° 2, julho de 1995.
Neyley Lopes Martins. A História Viva de Caxias, ano I, n° 3, agosto de 1995.
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