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HERMENEUTICA JURIDICA

Introdução
A linguagem é a base das relações sociais, em razão disso, o direito sofre influência de como esta
comunidade organiza o seu ordenamento jurídico. Que código comunicativo próprio pode ser
estabelecido tendo como base a língua padrão, criando assim um universo semiológico. A
linguagem, as normas, as leis, etc... dependem de uma correta interpretação. Toda linguagem tem
um certo grau não eliminável de incertezas, é inevitável que o intérprete produza, ou ajude a
produzir, o sentido daquilo que interpreta, não por um lado isolado, mas num processo de
construção que tenha contribuição dos diversos métodos e técnicas de interpretação, que damos o
nome de hermenêutica.
O termo hermenêutica, de origem grega, é possivelmente oriundo de "Hermes", o deus que, na
mitologia grega, foi considerado o inventor da linguagem e a escrita. Hermes também tinha a
função de trazer as instruções dos deuses para o entendimento do ser humano, o que já mostra as
ligações iniciais entre hermenêutica e a teologia. A hermenêutica surgiu primeiramente na teologia
pagã, depois migou para a teologia cristã, de onde migrou para a filosofia e só depois para o direito.
O estudo da hermenêutica jurídica, ou seja, a técnica e os métodos para a correta interpretação das
leis se torna fundamental para o estudo da ciência do direito. Buscamos com este trabalho
apresentar de forma abreviada a hermenêutica e os diversos métodos de interpretação. Mostrando
que esta interpretação vem de todo um processo, não de um ato solitário. Mas este processo não
pode ser encadeado em um "manual prático", a própria busca desse manual já da mostras da
gravidade e da dimensão do problema filosófico da hermenêutica. Tanto a norma, quanto a
construção da interpretação(sentido) desta norma surgem nos debates, nas reuniões, nas sentenças
proferidas por juristas e doutrinadores. Vamos também tentar decifrar os processos de interpretação,
compreensão, crítica e as formas de interpretação do ato comunicativo jurídico.

2. Uma Breve Visão Histórica


O processo metodológico de interpretação iniciou-se através Santo Agostinho, através da obra "Da
Doutrina Cristã", buscando uma compreensão das escrituras adotando a metodologia de
interpretação literal e alegórica. Durante a idade média, Tomás de Aquino se destacou por tentar
interpretar as escrituras com o pensamento de Aristóteles. Seguindo a este período,vem a Reforma
protestante, pregando que a bíblia deveria ser a única fonte da fé, infalível e auto-suficiente, não
devendo se utilizar de fontes externas para sua interpretação.
No século XIX, com o surgimento do protestantismo liberal, através de Schleiermacher a
hermenêutica ingressou na ramo filosófico e nas ciências culturais. Ele propôs um método histórico
crítico para interpretação das escrituras. Schleiermacher achava que a bíblia era uma fonte histórico
literária e que tinha de ser separada a interpretação gramatical da interpretação técnica. Dilthey,
levou a hermenêutica para o campo das atividades filosóficas, segundo ele o texto deveria ser
estudado pelo contexto, e que o autor era o instrumento do "espírito da sua época". Graças a Dilthey
e Schleiermach a hermenêutica cria uma teoria normativa de interpretação, surgindo uma
hermenêutica jurídica Clássica. Contrapondo-se a este dois filósofos surgiram Heidegger e
Gadamer. O primeiro descrevia a hermenêutica como uma filosofia e não uma ciência,deveria ser
entendida de modo existencial e não metodológico. Este brilhante filósofo que apresentou pela
primeira vez a idéia do círculo hermenêutico. São suas as palavras: "Devemos partir de uma pré-
compreensão para chegarmos a uma compreensão mais elaborada (interpretação), pois se
partíssemos do ´vazio´ não chegaríamos a nada".
Gadamer, seguindo a linha de pensamento de Heidegger, defendeu a hermenêutica existencial, que
deveria ser o próprio objeto da filosofia. Com esta visão, o intérprete não chegaria, através de
nenhum método, a verdade,pois o próprio método já estabeleceria, o ponto que se queria alcançar.
Em sua visão, o método escolhido definiria o ponto final da interpretação. Ele via a interpretação
como um diálogo entre o intérprete e o texto. Gadamer acreditava na teoria do círculo
hermenêutico, com perguntas e respostas condicionadas a pré-conceitos e pré-juízos, sem o sentido
pejorativo destas palavras em nossa atualidade.
O mais metódico dos filósofos apresentados até aqui era Savigny, fundador da hermenêutica
jurídica clássica, voltada exclusivamente para o direito privado. Putcha, discípulo de Savigny, teve
méritos em conduzir a Escola Histórica a uma visão extremamente formalista do direito, dando
origem a Jurisprudência dos Conceitos - Deveria ser extraído,por abstração,conceitos gerais de
normas jurídicas gerais, depois em um segundo momento, extrair conceitos específicos dos gerais
mediante aplicação do método dedutivo ou lógico-formal, criando-se assim uma pirâmide de
conceitos, servindo depois de instrumental para integração das lacunas da lei.
Um pouco mais adiante na linha do tempo, surgiu Ihering, contrapondo-se a Savigny, classificou o
direito como ciência cultural. Para Ihering "a sociedade é palco de uma luta de interesses e as
normas jurídicas protegem aqueles interesses que conseguirem se impor socialmente". Ele também
foi importante no desenvolvimento da interpretação teleológica, a partir da ênfase na sociedade.
Seguindo a linha temporal surge Kelsen, que classificou o Direito como ciência formal, como a
matemática. Removendo desta tudo que estivesse ligado a valores sociológicos e políticos,
buscando sempre a neutralidade. Kelsen deu um formato piramidal ao ordenamento jurídico, sendo
que a mais geral ficava no topo e a mais específica na base. Em razão de não considerar o Direito
como ciência do espírito, não deixou nenhum método hermenêutico,conforme deixou claro no
oitavo capítulo de sua obra, que não há qualquer critério ou "meta-critério" que possa estabelecer
que uma interpretação é melhor(mais acertada) que a outra.

2.1 As escolas de interpretação


Durante o decorrer do tempo surgiram várias escolas de interpretação das leis,algumas baseadas no
fetichismo legal,ou teoria da plenitude da lei, teoria que pregava a interpretação da lei puramente no
plano gramatical, tornando o juiz um mero aplicador de leis. A escola da Exegese era que tinha a
maior aproximação deste método, chamado de interpretação dogmática. Com o passar dos tempos,
devido as mudanças socioeconômicas ocorridas na sociedade em face do processo de
industrialização, o sistema jurídico não poderia mais permanecer engessado, e a escola da Exegese
limitava exageradamente as possibilidades de interpretação das normas, surgiu então a Escola
Histórico-evolutiva(Saleilles), que visava uma interpretação atualizadora e renovada,bem como a
Escola da Livre Interpretação do Direito(Gény), favorável a utilização das analogias e dos costumes
para remoção das lacunas.
A escola histórica na Alemanha, tendo como maior representante Savigny, que se opunha ao direito
natural e universal, afirmando que cada nação deveria ter seu próprio Direito, proveniente do
"espírito do povo" e afirmava que qualquer legislação deveria serde acordo com os costumes
vigentes. Savigny admitia as interpretações gramatical, lógica, sistemática e histórica. Sua maior
pretensão seria introduzir o método hermenêutico na dogmática jurídica, elevando o direito para
qualidade de ciência. A atual hermenêutica,tem sido em grande parte influenciada nos pensamentos
de Heidegger e Gadamer, apesar de utilizarmos as técnica e princípios clássicos de interpretação,
recorre-se ao peso de cada norma correspondente à intensidade com que são vivenciadas na
sociedade. Como para julgar, obrigatoriamente um juiz terá uma gama de pré-juízos e de pré-
conceitos, essa bagagem irá influenciar no julgamento, tendo este uma forte conotação existencial.
Até os que se utilizam da doutrina irão utilizar em seu julgamento uma interpretação dialética
formada também com seus conceitos prévios.

3. Hermenêutica, Interpretação e aplicação do Dirito


O estudo desta matéria exige que se estabeleça, inicialmente, uma distinção entre hermenêutica,
interpretação e a aplicação do direito. Que são conceitos diversos, porém que estão sempre em um
formato convexo, sendo parte do mesmo processo. A hermenêutica tem como objetivo básico, a
interpretação - esclarecer o sentido e o alcance das expressões jurídicas e a aplicação no caso
concreto, porém ela não é exclusivamente um método de interpretação.
O jurista Vicente Ráo, em sua brilhante obra " o direito e a vida dos direitos" apresenta-nos o
seguinte conceito de hermenêutica: "A hermenêutica tem como objetivo investigar e coordenar por
modo sistemático os princípios científicos e leis decorrentes, que disciplinam a apuração do
conteúdo, no sentido e nos fins das normas jurídicas e a restauração do conceito orgânico do direito,
para o efeito de sua aplicação;" Neste conceito podemos observar que a hermenêutica da um
processo sistemático de interpretação, que se vale de métodos e leis científicas para apuração do
conteúdo, ou seja a busca do sentido, para sua correta aplicação. A palavra interpretação é originária
do latim e quer dizer "entre entranhas", e isso se deve a prática religiosa dos feiticeiros e adivinhos,
que introduzir em suas mãos entre as entranhas de um animal morto a fim de conhecer o destino das
pessoas de obter respostas para o problema humano. De acordo com o livro “hermenêutica e a
unidade axiológica da constituição" "... os sacerdotes supremos do paganismo e os feiticeiros do
passado falavam em uma linguagem extremamente obscura, o que tornava necessária a
interpretação de seus pronunciamentos, levada a cabo pelos sacerdotes menores ou auxiliares.
Inicialmente por interpretação religiosa era casuística e desprovido de critério técnico, o que levava
à indistinção entre hermenêutica ( teoria científica) e interpretação( ato cognitivo)."
Hoje porém, a hermenêutica jurídica utiliza a interpretação como um dos processos de
entendimento do sentido das normas, que apesar de ser convergente não tem o mesmo significado.
A interpretação por meio de regras e processos especiais, procura realizar, praticamente, estes
princípios e estas leis científicas; do outro extremo a aplicação das normas jurídicas consiste na
técnica de adaptação aos preceitos nela contidos e assim interpretados, as situações de fato que lhes
subordinam. A hermenêutica lança mão da interpretação para alcançar o sentido preciso do sentido
jurídico da norma e depois a aplica ao caso concreto. Ficou bem claro assim, a distinção entre
hermenêutica, interpretação e aplicação, três disciplinas distintas, sem ligação, porém com um foco
em comum - interpretar e aplicar. Mais uma vez citando Vicente Ráo - "aquilo que as distingue é,
tão-somente, a diferença que vai entre a teoria científica, sua prática e os diferentes modos técnicos
de sua aplicação."

4. A Interpretação - Auselegung e Sinngebung


Existe um vocábulo usado pelos alemães, auslegung - que abrange o conjunto das aplicações da
hermenêutica; resume o significado de 2 termos técnicos ingleses - interpretations e construction; é
mais amplo e ao mesmo tempo mas preciso do que a palavra portuguesa correspondente -
interpretação. É nesse sentido que a interpretação larga de ser um processo reprodutivo(Auslegung)
e torna-se um processo produtivo(Sinngebung). Outro ponto importante e que deve ser levado em
consideração é a impossibilidade do intérprete se colocar em outro lugar, ou seja, o acontecer da
interpretação ocorre a partir de uma fusão de horizontes. Citando mais uma vez o Profº Mário
Macieira - "Nós interpretamos o mundo, a realidade e as coisas, de acordo com nossos horizontes".
Para interpretar, precisamos obrigatoriamente compreender, temos de ter uma pré-compreensão de
algo que devemos interpretar, portanto o processo de interpretação é baseado em uma soma de
conhecimentos previamente adquiridos, "pois ninguém possui alguma coisa sem antes adquiri-
la(ideia-puxa-ideia)" - ou ainda -" ninguém interpreta, sem antes compreender " - Regina Toledo
Damião. No processo de interpretação, não necessariamente a interpretação jurídica, a primeira
operação do raciocínio é a compreensão. Quando um emissor envia uma mensagem para um
receptor este deve captar literalmente a mensagem do emissor com a preocupação gramatical do
enunciado. Este tipo de interpretação gramatical é como dizemos, o primeiro passo para tradução
das ideias do emissor. Depois desta interpretação gramatical vem o que podemos denominar de
interpretação stricto sensu, vista como a segunda operação do raciocínio. O receptor, depois de
recepcionado e compreendida a mensagem do emissor, deve julgá-la, com seu posicionamento ou
com o auxílio de julgamento de outros emissores, ou, ainda, por meio das duas atividades. Este
processo é bem compreendido se fizermos uma analogia com a interpretação do direito feita pelo
juiz , citando o professor Mário Macieira, temos:
"A ideia de um intérprete, visto essencialmente como aquele que tem a função de decidir (Juiz), tem
de ser fiel a vontade do legislador (emissor), expressa no texto legal. Esta ideia nasce de uma
necessidade da própria sociedade moderna, que é a necessidade da segurança. Enfim interpretar a
lei de forma correta é também um meio de garantir a resolução de conflitos com o mínimo de
perturbação social". No mundo jurídico, por muito tempo considerou-se que o receptor deveria ter a
compreensão como atividade única e exclusiva na direção do processo de interpretação, estava
restrito a mera interpretação gramatical, conforme o brocardo in claris cessat interpretatio. Sendo
clara a mensagem, bastaria compreendê-la e aplicá-la no fato concreto, não passando para outras
operações do raciocínio. Este método é em si nebuloso e incompleto, pois mesmo que a idéia esteja
clara é preciso que o receptor depois de compreender a mensagem, venha a julgar e avaliar a
informação vinda do emissor. Neste ponto Hans Kelsen afirmou que:"A norma é interpretada
mesmo quando a lei é clara", e para Maximiliano "até o silêncio se interpreta" dado que ele traduz
alguma coisa. Portanto tudo é passível de interpretação, desde o silêncio até a norma mais obscura.
Vencida esta fase prevalece hoje o entendimento hermenêutico jurídico de que a claridade é
requisito essencial do ato comunicativo do emissor, mas que não completa a atividade do receptor,
devendo este último, depois de compreender, julgar e avaliar a norma jurídica. Kelsen nos traz o
seguinte pensamento: “... Portanto a norma não é apenas o pressuposto da interpretação mas o
resultado da interpretação...". Visto através dos olhos deste brilhante Jurista, a norma deve ser
interpretada de modo autêntico através de quem tem o dever de aplicar a norma(competência
jurídica), não existindo desta forma uma única interpretação correta ou verdadeira, mas uma
interpretação válida, dentro de um determinado limite(moldura).

5. Pré-Conceitos e Pré-Juízos
O caráter produtivo(Sinngebung) da hermenêutica, apoiado em Gadamer, mostra que o processo de
compreensão é fusão de horizontes, pois é impossível ao intérprete se colocar no lugar do outro,
portanto compreender é um processo de fusão dos horizontes para si mesmo. Para compreender é
necessário termos uma pré-compreensão, vinda necessariamente de pré-conceitos e pré-juízos
presentes em todas as partes do processo de compreensão, e.g., para uma adequada compreensão da
Constituição, devemos ter uma prévia teoria constitucional. Em outras palavras,um texto vai fazer
vibrar algo que de certa forma já está, pelo menos em parte, presente em quem o interpreta "As
condições sob as quais um enunciado constitui uma informação para alguém dependem
essencialmente do que alguém já é... Cornelius Castoriadis". Este processo pode ser melhor
observado através do exemplo extraído do curso de português jurídico da professora Regina Toledo
Damião, com mensagem extraída do código civil. "Na hermenêutica jurídica temos a compreensão,
a interpretação estrito senso e a crítica como os três processos necessários para a interpretação. " art.
370. Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher. " Primeiro o ato
de compreensão seguido da interpretação estrito senso e finalmente o processo de crítica.

a. Compreensão
O dispositivo legal inicia-se por pronome indefinido absoluto (ninguém), afastando exceções.
Refere-se ao sujeito paciente na voz passiva, recaindo sobre a pessoa do adotado, que sendo o
elemento subjetivo, é o interesse jurídico do legislador. O artigo afasta a possibilidade de alguém
ser adotado por mais de uma pessoa (não pode ser adotado por duas), de um lado um adotante e do
outro um adotado. É certo que não podendo ser alguém adotado por duas pessoas, não o será por
mais de dois. Na parte final do artigo, o legislador indica exceção, introduzida pela locução
construtiva condicional salvo se, permitindo, como exceção ao adotante, o binômio marido e
mulher, que poderão adotar, excepcionando a regra inicial de que o adotado só poderá ter um
adotante.

b. Interpretação estrito senso


A adoção é regida atualmente pela lei nº 8069, de 13 de 7 de 1999, estatuto da criança e do
adolescente, de plano, deve ser anotar que a expressão adotante do código civil foi substituída por
adotando(ECA). Tanto o código civil quanto o estatuto da criança e do adolescente destacam a
relação ordinária adotante e adotado, artigos 369 e 376. A exceção é o marido e mulher deve,
porém, ser interpretada com a ampliação semântica, por força da constituição federal de 1988, que
equiparou a união estável ao casamento civil. Assim, quando se lê marido e mulher, deve se ampliar
a compreensão para os concubinos.
c. Crítica
O artigo 370 do código civil indica que o legislador defende a concepção cristã do casamento, que
hoje se estende ao concubinato puro. No casamento civil, homem com mulher deixa seus pais e
constituem a nova família, na qual os dois se tornam um só, com unidade de valores, direitos e
responsabilidades. " Como podemos observar através dos ensinamentos desta brilhante professora o
processo de interpretação se baseou exclusivamente na interpretação gramatical, interpretação
estrito senso e ao processo de crítica - não significa, como se diz vulgarmente, ser a crítica
encontrar defeitos na mensagem do emissor. Poderíamos então um utilizar este método para a
interpretação de normas jurídicas ou existem outros métodos mais acertados? De acordo com o
jurista Vicente Ráo existem pelo menos cinco fases do ciclo da interpretação, devendo ser
respeitadas por todo aquele que faz a interpretação de normas. Duas operações iniciais antecedem
estas cinco fases, que todos quantos, juízes, juristas, administradores públicos, forem incumbidos de
executar e aplicar as normas obrigatórias de direito, devem seguir:
a) a primeira consiste na análise da situação de fato considerado em si e fora da esfera jurídica;
b) a segunda a procura do indagar se esta situação é, ou não, disciplinada pelo direito e, em caso
afirmativo, qual é a norma jurídica que se lhe deve aplicar e até que ponto a mesma situação dela se
enquadra.
Por tenderem a um só e mesmo objetivo final, as duas operações são conexas; mas a elas se deve
proceder sucessivamente e não concomitantemente. Vicente Ráo nos ensina: "A primeira operação
deve considerar a situação de fato na sua individualidade concreta, segundo o seu conteúdo de
espírito e pensamento e de conformidade com sentimento que recebe no ambiente social em que se
verifica. É operação preliminar, em relação a segunda, que se realiza, esta, sim no campo do
direito." Depois de alcançar o resultado através da operação preliminar é que a segunda operação se
inicia, para descobrir como aquele fato já examinado incide ou não na tutela do direito normativo, e
caso verdadeiro, qual a norma que a ele diz respeito. Seguindo este método, o fato é analisado em
confronto com o direito, que o submete ao processo de qualificação jurídica. E em que consiste a
qualificação jurídica? É a qualificação da situação de fato, isto é, no seu diagnóstico jurídico.
Vamos citar um exemplo: quiseram, as partes, estipular um contrato? Que Contrato? De direito
público ou de direito privado? Civil ou comercial? Que espécie de contrato comercial ou civil?
Existem normas jurídicas que o disciplinam? A surgindo dúvidas sobre uma cláusula particular,
existe preceito normativo, que as resolva? Que preceito é esse? Legal, costumeiro, analógico, ou um
princípio geral de direito? A resposta a todas essas indagações equivale a qualificação jurídica.
Mas, essas duas operações ainda não bastam. "Longo e árduo é o caminho que conduz as a
aplicação do direito - Vicente Ráo". Depois de se descobrir qual a norma jurídica aplicável a
espécie, preciso é, ainda, proceder a sua crítica formal e a sua crítica substancial. Processo
demonstrado no exemplo acima pela profª Regina Toledo. Em seguida, passa-se a interpretação da
norma, investigando-se, segundo os princípios e leis científicas estabelecidas pela hermenêutica,
qual é o seu fiel conteúdo e qual seu alcance, qual o seu sentido, quais seus fins; e na falta da
norma, procede-se a operação dita integrativa do direito, que consiste na procura de um outro
preceito, aplicável à espécie - deparamos então com um problema de lacuna do direito. Citando
mais uma vez Vicente Ráo: "E depois, só depois de todas essas operações, procede-se a adaptação
do preceito normativo ao caso concreto, fechando-se, com esta ação terapêutica, o ciclo do
tratamento jurídico da situação de fato. "

6. Adaptação do Preceito Normativo ao Caso Concreto.


Cinco operações, ou fases, marca pois este ciclo de adaptação:
a)a análise direta do fato, ou diagnóstico do fato;
Tentamos nesta fase entender ou melhor, apreender esta realidade, que é em grande medida aquilo
que interpretamos que ela seja. A realidade(fato) é apreendida pelo sujeito e reconstruída por ele.
Processo subjetivo de apreensão do real.
b) sua qualificação perante o direito, ou diagnóstico jurídico;
Neste ponto, tentamos qualificar o fato em si, relacionando-o ao mundo jurídico.
c) a crítica formal e a crítica substancial da norma aplicável;
A crítica formal ou verificação formal da existência da lei, consiste em apurar a autenticidade
formal da norma relacionada;a crítica substancial tende a apurar as condições da validade e vigência
dos preceitos normativos.
d) a interpretação desta norma;
Impossível seria defini-la por uma fórmula universalmente aceita. Por enquanto, podemos aceitar a
interpretação como sendo a operação lógica que, obedecendo aos princípios de leis científicos
ditados pela hermenêutica e visando integrar o conteúdo orgânico do direito, apura o sentido e os
fins das normas jurídicas, ou apura novos preceitos normativos, para o efeito de sua aplicação e as
situações de fato incidentes na esfera do direito. Este tópico será melhor abordado mais adiante no
nosso trabalho.
e) sua aplicação ou adaptação ou fato, ou caso concreto.
Consiste na sujeição de um fato da vida a uma regra jurídica correspondente, de modo a conseguir
determinada consequência de direito. No nosso caso,que é o objeto de estudo deste trabalho, vamos
nos preocupar com a interpretação da norma, em estudo os princípios e as leis estabelecidas pela
hermenêutica.

7. O Conceito de Interpretação
O conceito de interpretação varia de acordo com o sistema teórico adotado e este assunto tem
grande variedade de doutrinas. Assim afirmava Vicente Ráo: "Dessas doutrinas, um mas atribuem a
interpretação o fim de descobrir a vontade do legislador; outras, o de apurar o sentido, ou o espírito
da lei considerada em si, como ser autônomo, desligado de seus próprios antecedentes históricos; e
outras, ainda, o de proteger e disciplinar as situações de fato segundo as necessidades sociais do
momento em que as normas são aplicadas; outras mais, o fim de uma livre investigação do direito,
para fim de si criar a norma reputada mais conveniente a ordem social. "

8. As Leis de Interpretação
A quem compete fixar as diretrizes e as regras da interpretação? São estabelecidas pela doutrina e
pela jurisprudência - respondem os principais autores, em sua generalidade, e assim explica Vicente
Ráo:
"a)porque, resultantes da ciência jurídica pura, ou da atividade do juízes e tribunais, esses ditames
não permanecem inertes, antes acompanhando todas as transformações e vicissitudes da vida social,
o que não aconteceria se fossem consolidadas em leis;
b) porque, se em leis se transformassem, as próprias normas interpretativas precisariam ser
interpretadas, criando se, destarte, um verdadeiro círculo vicioso. "
Em síntese, todas as normas jurídicas estão sujeitas a interpretação, todas, sem exceção alguma - as
leis, os atos do poder executivo, decretos, regulamentos, atos administrativos em geral, os usos e
costumes, os princípios gerais do direito, os tratados e as convenções internacionais. Cabendo a
doutrina, a jurisprudência e a lei a tarefa de interpretar as norma jurídica. Daí sua classificação em
três ramos: interpretação doutrinária, interpretação judicial e interpretação legal, também chamada
legislativa ou autêntica. Claro que esta classificação depende da visão de cada autor e serve
meramente para estudo das formas de interpretação. Norberto Bobbio apresenta em seu estudo a
"interpretação segundo a letra e a interpretação segundo o espírito, ou ainda, interpretação estática e
interpretação dinâmica e declarativa e integrativa(a analogia)". Bobbio apresenta em seu livro,
positivismo jurídico - lições de filosofia do direito, os quatro meios de interpretação textual, citando
"a interpretação é geralmente textual e em alguns outros momentos extra-textual; mas nunca será
anti-textual", não podendo de forma alguma ser extraído do texto algo que ali não esteja presente,
mesmo que implicitamente, v.g. "nenhuma interpretação pode levar a soluções iníquas ou
absurdas"(Mário Macieira).
Savigny como já foi apresentado anteriormente, foi quem introduziu a hermenêutica no direito,
vivificando a dogmática jurídica com o elemento crítico e elevando o direito à categoria de ciência.
Graças a Savigny, que os chamados cânones tradicionais se estabeleceram, são eles:
a) a interpretação gramatical;
b) a interpretação lógica;
c) a interpretação sistemática;
d) a interpretação histórica.

9. Interpretação Textual
Bobbio se aproveitando destes conceitos dos cânones tradicionais de Savigny estendeu-os aos meios
de interpretação textual, chamados meios hermenêuticos, e buscando no positivismo jurídico a
reconstrução da vontade do que o legislador tentou expressar em uma lei, se vale destes meios
hermenêuticos, que são:
a) meio léxico(filológico);
É oportuno primeiramente explicar o sentido de "léxico", que muitas vezes é erroneamente
confundido com dicionário, vocabulário ou ainda como gramática. O léxico é reservado à língua
como um conjunto sistêmico posto ao usuário; é aberto e com um número infinito de palavras,
conforme se verifica no ensinamento de Sousa da Silveira: "O léxico de uma língua e o conjunto
das palavras dessa língua." Este meio busca encontrar o significado dos termos usados pelo
legislador, mediante uma comparação com textos linguísticos nos quais os termos são utilizados.
Também chamado de meio filológico, este meio consiste em um exame das palavras usadas pelo
legislador, a fim de se apurar o sentido da relação, sendo um sentido comum. Vicente Ráo apresenta
um método prático de 4 regras, a saber:
As palavras equivalem a primeira expressão das coisas, como as concebe o intelecto. Esse primeiro
exame obedece ao processo gramatical ou filológico, que em múltiplas regras se desdobra, tais as
seguintes, que apontamos como principais:
1º as palavras não devem ser, nunca, examinadas isoladamente, mas em seu conjunto e postas em
confronto umas com as outras, consideradas como partes integrantes do texto;
2º se determinada palavra tem um sentido na linguagem comum e outro na linguagem jurídica,
preferir-se-á este último, porque o direito tem sua linguagem própria, que o legislador deve
conhecer;
3º mas possível é que o legislador haja empregado a linguagem comum e não a do direito e, neste
caso, o exame da disposição, em seu todo, segundo a natureza jurídica da relação sobre a qual versa,
revelará esta circunstância e determinará a adoção consequente do sentido comum do termo.
4º as palavras, comuns ou jurídicas, também podem ter sido usadas com impropriedade,
equivocidade ou imprecisão; e, assim sucedendo, cumpre ao intérprete demonstrar a existência
destes vícios e restabelecer ou reconstituir o preceito segundo a natureza da relação jurídica
contemplada.
Depois destas quatro regras apresentadas, devemos observar que ao se aplicar a lei, não se pode
atribuir outro sentido senão o que resulta claramente do significado próprio das palavras segundo
sua conexão com a vontade do legislador. Para este fim o intérprete deve conhecer também as
transformações pelas quais passam os sentidos das palavras com o correr do tempo. sobre isso
Vicente Ráo escreve: "O emprego e isolado da interpretação filológica e o abuso das regras
gramaticais estagnam e mumificam o sentido dos textos, impedem sua adaptação as necessidades
sociais sempre mutáveis e sempre revestidas de modalidades novas, dificultam a evolução natural
do direito. Mas, apesar de todas essas cautelas, embora consiga apurar filologicamente o sentido do
preceito normativo, o intérprete não se deve dar por satisfeito. E, principalmente, não deve ter
apego ao sentido literal dos textos, abandonando os demais processo de interpretação. "

b)meio teleológico;
Diz Bobbio, que este meio, também chamado de interpretação lógica - expressão imprópria, na
ótica deste jurista, visto que se trata de um meio interpretativo baseado na ratio legis, que nada mais
é que o motivo ou finalidade para os quais a norma foi posta. Este meio teleológico, também
conhecido como lógico-jurídico, busca como já foi citado anteriormente por Bobbio a razão que
justifica e fundamenta o preceito - ratio legis. Esta razão ou motivo, deve conduzir o intérprete na
busca da vontade e do pensamento que anima a própria norma, não no querer subjetivo do
legislador. Deve então ser entendida como vontade objetiva da lei ou em última análise, vontade
coletiva do Estado, que pode ser traduzida como vontade ou necessidade de segurança jurídica. "A
essência da cooperação de uma coletividade, faz com que o conteúdo da vontade, que chegou a
tornar-se obrigatória, deva considerar-se como sendo a vontade da coletividade"(Ennerecus Apud
Maximiliano - hermenêutica e aplicação do direito).

c)meio sistemático;
Consiste na análise do texto da lei com a própria lei ou ainda com as demais leis do ordenamento, é
a relação feita no interior da própria lei e a relação entre esta mesma lei e todas as outras. Este meio
busca manter a coerência e unidade do sistema jurídico. No direito positivo melhor se apura o
sentido de uma lei quando se compara com todas as outras leis no conjunto em que faz parte. Assim
nos ensina Maximiliano: "Por umas normas se conhece o espírito das outras, que estão ligadas
todas, entre si, por identidade ou afinidade de princípios".

d) meio histórico.
Depois de percorrer os exames léxico, teleológico e sistemático, o bom intérprete continua sua
tarefa no exame do meio histórico. Diz Bobbio - "... consiste na utilização de documentos históricos
diferentes do texto legislativo... estudo dos trabalhos preparatórios...". O legislador revela a
consciência comum do povo, dá forma e poder à solução de suas necessidades jurídicas, o Estado
positiva o direito mas não o cria longe da realidade social. Esta realidade está sujeita a um processo
de evolução, comum em toda sociedade. É imprescindível o estudo das necessidades sociais que
provocaram o amadurecimento e criação desta norma, assim como os antecedentes históricos das
normas jurídicas, que são representados pelos trabalhos legislativos de sua criação, dessa forma
temos:
a) Necessidade do estudo circunstancial de criação da norma;
b) Estudo dos antecedentes históricos(trabalhos legislativos).

10. Interpretação Extra-textual


O principal método de interpretação extratextual é o raciocínio por analogia. A analogia é a
operação lógica mediante a qual se suprem as omissões da lei, aplicando à apreciação de uma dada
relação jurídica as normas de direito objetivo disciplinadoras de casos semelhantes. Dois meios são
utilizados no processo de interpretação extratextual, a do método indutivo(mediante a interpretação
analógica), fundada no raciocínio por analogia(analogia legis), e o método dedutivo que consiste na
descoberta do princípio encontrado no fato, e através deste princípio aplica-se norma semelhante,
que use este mesmo princípio(analogia juris). A analogia legis, utiliza uma forma de raciocínio
semelhante ao silogismo, ou seja descobrir certas consequências já presentes nas premissas dadas.
Esta analogia é encontrada através da ratio legis, v.g. "o elemento que induz um legislador a proibir
a venda de livros obscenos é a obscenidade, podendo desta forma se estender a venda de filmes
obscenos, pois os dois tem a mesma causa, a mesma razão da lei, que é obviamente a obscenidade",
assim nos ensina Bobbio. Analogia legis é um termo que revela desde logo, ideia de proporção, de
correspondência, de semelhança entre leis. Caracteriza-se pela aplicação da lei a caso semelhantes
por ela previsto, ou seja, parte de um preceito legal e concreto, e faz a sua aplicação aos similares.
Daí a advertência de Alain em seu Eléments de Philosophie, § 112:
"Um relógio se assemelha a um voltímetro, mas não é, de forma alguma, análoga a este. Um
voltímetro é análogo a um eletroímã, mas não são semelhantes. Um barômetro de esfera é
semelhante a um relógio de parede, sem nenhuma analogia; ao contrário, um barômetro de esfera é
análogo a um barômetro de mercúrio, em semelhança. A conclusão a que se chega, partindo de tais
exemplos, é que a analogia se encontra, na ordem do conhecimento, muito acima da semelhança
aparente. É equivocado considerar a analogia como uma semelhança imperfeita". Vale aqui citar
dois antigos brocardos do direito que dizem : Ubi eadem ratio ibi idem jus, isto é, onde houver o
mesmo fundamento haverá o mesmo direito, ou Ubi eadem legis ratio ibi eadem dispositio - onde
impera a mesma razão deve prevalecer a mesma decisão. A analogia juris, não se baseia no
raciocínio por analogia, mas sim em extrair filosoficamente os princípios gerais que disciplinam
determinado ordenamento jurídico. Esta opção só pode ser utilizada quando não existe efetivamente
nenhuma norma análoga ao caso concreto. Assim nos apresenta, oportunamente, Paulo Dourado de
Gusmão: ..."que a analogia não deve ser confundida com os princípios gerais de direito, porque, em
caso de recurso à analogia, existe norma expressa para um caso semelhante ao caso não previsto, ao
passo que, para se recorrer a tais princípios é necessária a inexistência de norma expressa análoga.
Esgotado o processo analógico, inexistindo norma do direito consuetudinário a ser aplicada, resta ao
juiz apenas o recurso aos princípios gerais de direito". Para Tércio Sampaio, a analogia iuris é uma
espécie de conjugação de dois métodos lógicos: a indução e a dedução. "Partindo de casos
particulares, obtém-se um caso geral do qual resultam princípios os quais se aplicam, então
dedutivamente, a outros casos."

11. Os Denominados Métodos de Interpretação


Hans Kelsen afirma em seu livro que não existe critério pelo qual podemos escolher esta ou aquela
outra forma de interpretação, não existe portanto uma única interpretação correta da norma. Existe
sim, a escolha da interpretação válida, e esta interpretação prevalecerá. Mas quais são os critérios
para determinação da validade da interpretação? Existem vários métodos que os autênticos
intérpretes lançam mão para conseguir a válida interpretação. Kelsen afirmava que o autêntico
intérprete poderia ser o juiz, o legislador, o administrador, todo e qualquer um que tivesse o dever
de aplicar a norma, esse dever de aplicação ele chamou de competência jurídica.

11.1 A interpretação doutrinária


Os juristas, ou estudiosos da ciência do direito, estudam casos isolados, reúnem fatos, experiências
e através destes compêndios encontram lacunas no direito. Todo este material é então utilizado para
compreensão e extração dos princípios do direito e a partir deles buscar aplicação e elucidação no
caso concreto. Hans Kelsen, que ganhou enorme notoriedade por buscar incessantemente uma teoria
pura do direito, ou seja uma teoria com neutralidade axiológica. A teoria kelseniana do direito tinha
a intenção de excluir da ciência jurídica as apreciações filosófica referentes a valores, e as
sociológicas referentes aos fatos, tudo que estivesse ligado a Política. Citava em seus trabalhos que
só através do jurista teórico era possível alcançar essa neutralidade, essa pureza necessária à
interpretação da norma. Ele criticava pois, o trabalho do jurista prático, que em um momento
volitivo escolhe um único sentido que satisfaça a necessidade do fato concreto. Nesse momento
volitivo acaba a imparcialidade, a neutralidade do jurista e este escolhe uma única interpretação,
valorada em seus princípios. Sendo puramente teórica é a mais livre de todas a s interpretações, a
mais fecunda. Sobre a interpretação doutrinária esclarece Vicente Ráo: "A interpretação doutrinária,
ou científica, é obra dos juristas que, em seus tratados, compêndios, comentários, preleções,
parecerem de estudos jurídicos em geral, analisam os textos a luz dos princípios filosóficos e
científicos do direito. Não resulta da autoridade de quem a pratica, por muito que o conceito e o
prestígio de um jurista possam pesar e valer, resulta, sim, de seu caráter científico e especulativo, da
força da convicção do raciocínio que envolve. "

11.2 A interpretação judiciária (jurisprudencial)


Resulta da atividade prática dos juizes e tribunais, que aplicam aos casos concretos os preceitos
normativas de direito. Acertadamente nos ensina o eminente jurista Vicente Ráo: O possui força
obrigatória, mas só e unicamente sobre a espécie de fato, a que o respectivo julgamento se refere.
Contudo, apesar da limitação de sua obrigatoriedade às espécies julgadas, bem revelam o alcance e
a importância da interpretação judiciária, estes dois preceitos jurídicos fundamentais, o
universalmente reconhecidos:
a) nem com o silêncio, a obscuridade ou a indecisão da lei, o juiz se exime de sentenciar ou
despacha;
b) a lei não pode excluir da apreciação do poder judiciário qualquer lesão de direito individual.
11.2.1 Pode a interpretação jurisprudencial afastar-se da interpretação científica ou doutrinária do
direito? Infelizmente isso acontece com excessiva frequência. Devemos considerar entretanto, que o
jurista, mesmo interpretando os textos, exerce também uma função propulsora do direito. Então o
grupo de juízes e respectivos tribunais só tendem, em razão da própria natureza de suas funções, a
adotar novas interpretações apenas quando consolidadas ou aceitas pela opinião de forma unânime,
ou ao menos seguindo a tendência da maioria. A aproximação da interpretação cientifica é
fundamental com a interpretação jurisprudencial, porém isto nem sempre acontece, visto que o
processo de interpretação jurisprudencial,como já foi explicado anteriormente, é um processo
volitivo,um processo de decisão e depende do entendimento(conhecimento) do juiz, que as vezes
escolhe uma interpretação específica para o caso, nem sempre seguindo a tendência dominante entre
os doutos.

11.2.2 A Síndrome de Abdula


Toda vez que surge no sistema normativo uma nova lei, os operadores do Direito, se tornam órfãos
científicos à espera da jurisprudência dominante ou dos argumentos de autoridade(sic), esperando
que o processo hermenêutico-dogmático lhes mostre o caminho correto, dizendo para eles o que é
que a lei diz. Nesse comportamento se encontra a "síndrome de Abdula" explicado através de
metáfora pelo conto de Ítalo Calvino: " Pela história, Alá ditava o Corão para Maomé, que por sua
vez, ditava para Abdula,o escrivão. Em determinado momento Maomé deixou uma frase
interrompida. Instintivamente, o escrivão Abdula sugeriu-lhe a conclusão. Distraído, Maomé
aceitou como palavra divina o que dissera Abdula. Esse fato escandalizou o Escrivão, que
abandonou o profeta e perdeu a fé. Abdula não era digno de falar em nome de Alá". Não há exagero
em fazermos uma analogia entre esta história e o que ocorre no cotidiano das práticas jurídicas.
Assim como o personagem Abdula não sabia de sua força, os operadores do Direito não tem
consciência de seu poder. Vivem aprisionados pela missão de apenas reproduzir os sentidos
previamente dados por aqueles de fala autorizada, e esperam que a hermenêutica lhes aponte o
caminho da- verdade.

11.2.3 A visão de Kelsen no ato interpretativo


Hans Kelsen por não considerar o direito como uma ciência do espírito não deixou nenhum método
ou formulação hermenêutica. Kelsen via a sentença como um ato de conhecimento, uma decisão
que dependeria simplesmente do ato intelectivo. O juiz deveria encontrar uma interpretação dentre
as várias possíveis na moldura normativa ou ainda na letra da lei. Essa escolha seria feita pelo juiz
em harmonia com o seu conjunto de valores pessoais(pré-conceitos). É evidente que a hermenêutica
aqui tratada não se coaduna com o decisionismo de Hans Kelsen, entretanto, a assertiva máxima de
inexistência de "meta-critérios" para estabelecer qual a interpretação mais acertada serve para
demonstrar que a questão fundamento encontra raízes na filosofia, dependendo da concepção
individual baseado na época, religião, moral,e arte que o intérprete está inserido. Cada época
organizou sua concepção de fundamento a partir da vigência de cada princípio, e aí sim, Kelsen se
mostra muito importante. Kelsen através de seu oitavo capítulo de sua obra maior, deixou claro o
rompimento com a interpretação verdadeira, encontrada através do Verdade e do Método(Gadamer),
e passou a entender a interpretação como válida, vinda da pessoa com competência jurídica para
determiná-la, através deste ponto de vista podemos afirmar que a Hermenêutica não mais será uma
questão de método, passando a ser uma filosofia.

12. A Filosofia Interpretativa


12.1 Análise dos textos como ato inicial da interpretação. Como se pratica interpretação? Seja qual
for a doutrina que se adote, certo é que os textos consagradores de normas positivas de direito
precisam ser analisados. E para conduzir e orientar a análise, vários processos existem, que não se
excluem reciprocamente e, antes, se completam, até alcançarem o resultado final, e isto é, o
resultado da interpretação, que é, em sua substância, una e incindível. Quando falamos em regras de
interpretação este princípio supremo jamais deve ser esquecido: tais regras, sejam doutrinárias ou
legais, não constituem, nunca, um sistema perfeito infalível, cuja aplicação mecânica possa
produzir, quase que por modo automático, o descobrimento do verdadeiro sentido da lei. Por seu
caráter e e por sua função elas não passam de meros subsídios, ou critérios gerais que devem servir
de guia e diretriz no processo lógico da investigação, pois este processo não se e efetiva mediante o
uso exclusivo de uma série mas ao menos perfeita de regras de hermenêutica , mas exige, acima de
tudo e, uma sutil instituição do fenômeno jurídico, um conhecimento profundo de todo o organismo
do direito. Por tudo que já foi exposto, será possível identificar, ou pelo menos utilizar algum
método que sirva de base para interpretação da nova hermenêutica? Existem alguns parâmetros que
podem ser escolhidos, porém como já ficou claro, a hermenêutica não é apenas um conjunto de
métodos, mas uma filosofia. As principais características do método da nova hermenêutica são:
a) Aberto - Mantendo-se aberta, o método hermenêutico pode ser suscetível a mudanças no sentido
de um determinado texto. Isto se deve a dois fatores, o primeiro que um princípio nunca poderá ser
aplicado a um único fato e depois da influência indireta do sociedade sobre o direito através de
mecanismos internos.
b) Dialógico - Essa característica tenciona a obtenção do fim buscado através do confronto de
argumentações. Após a apreciação de toda a complexidade do texto examinado, o intérprete elegerá
os princípios e decidirá em conformidade com a argumentação que julgar mais apropriada no
contexto histórico, do consenso dos juristas e juízes para interpretação do texto. A nova
hermenêutica jurídica não apenas enumera uma série de significados possíveis para a
norma(Kelsen), deixando a escolha ao sabor do critério subjetivo do aplicador do Direito, mas
fornece um caminho para a fundamentação e legitimidade da decisão.
c) Pragmática - Entre dois ou mais julgamentos plausíveis, a escolha será feita levando-se em conta
o resultado mais eficaz ou socialmente mais satisfatório na decisão. A interpretação também deverá
ser materialmente adequada, deve se ajustar ao segmento da realidade social que se inclui no âmbito
da norma.
d) Normativo - Apesar de necessitar de concretização, a variação de sentido é restrito a norma, vale
mais uma vez lembrar a teoria de Kelsen da moldura como limite para interpretação.

13. Conclusão
Concordamos, com o que já foi exposto acima, quer dizer pouco, pois as regras de interpretação só
teriam real significado se fosse definido em que momento exato pudéssemos utilizar este ou aquele
método de interpretar. Mas acontece que essas normas não existem. Constatamos ainda que na
ciência hermenêutica é o operador que unifica e normatiza o processo interpretativo. Com
propriedade Eros Grau falou, "Quando interpretamos, o fazemos sem que exista uma norma a
respeito de como interpretar as normas". A busca por um método único, ou mais acertado, acaba
sendo uma busca em vão, dessa forma uma hermenêutica que se baseia em métodos ou técnicas
interpretativos fica de sobremaneira fragilizada, pois estes métodos tendem a objetificar o Direito,
engessando e tornando-o sem sentido na nossa sociedade. A própria ideia do círculo hermenêutico é
incompatível com os nossos dias, pela falta de autonomia dos métodos e de uma base mais sólidas
na escolha deste ou daquele caminho. O próprio termo método significa "caminho", o que nos leva
sempre a pensar que a hermenêutica é um meio e não um fim. Afinal, como nos ensina Luiz Streck:
"toda interpretação sempre será gramatical, porque deve partir de um texto jurídico; será
inexoravelmente teleológica, atendendo aos fins sociais a que ela se destina e as exigências do bem
comum; será obrigatoriamente sistemática, pois é impossível conceber um texto normativo que
represente a si mesmo, sem se relacionar como todo, e assim por diante..." Pensar na interpretação
jurídica como um conjunto de métodos é uma ideia errônea e afastada da ideia central do conjunto
normativo, que em si mesmo, encerra todo o seu significado, não necessitando de interpretação
subjetiva para existir. Buscar o sentido de algo é bem diferente de criar um sentido para algo,
interpretação jurídica não é criação de sentido é em última análise criação de direito novo, disse
Kelsen "O intérprete autêntico vai criar(produzir) direito novo". O sentido de algo não se dá, ele
acontece. O operador de direito não deve se sentir preso a conceitos estritamente doutrinários e nem
se sentir subjugado pela "síndrome de Abdula". Deve entender a hermenêutica jurídica como uma
filosofia interpretativa, com métodos(caminhos) elucidativos, porém sem um manual prático de
interpretação.

14 Referencias Bibliográfica
Bobbio, Norbeto. O positivismo jurídico: Lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone,1995
Damião, Regina Toledo. Cursode Português Jurídico. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2000
Kelsen, Hans. Teoria pura do direito. 3. ed. São Paulo: RT, 2003
Magalhães Filho, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da Constituição. 1. ed. Belo
Horizonte:Mandamentos, 2001
Ráo,Vicente. O direito e a vida dos Direitos. 5. ed. Anotada e atualizada por Sandoval, Ovídio
Rocha Barros.São Paulo: RT, 1999
Streck, Lênio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2.ed. –
Rio de janeiro:Forense, 2004
JusNavigandi, Desenvolvido pela jusnavigandi,2005. Apresenta informações sobre direito e
doutrina,informações acadêmicas e textos diversos da área de Direito. Disponível em
http://www.jus.com.br . Texto "As lacunas da lei e as formas de aplicação do Direito- texto de Júlio
Ricardo de Paula Amaral"

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