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Hermeneutica Jurídica
Hermeneutica Jurídica
Introdução
A linguagem é a base das relações sociais, em razão disso, o direito sofre influência de como esta
comunidade organiza o seu ordenamento jurídico. Que código comunicativo próprio pode ser
estabelecido tendo como base a língua padrão, criando assim um universo semiológico. A
linguagem, as normas, as leis, etc... dependem de uma correta interpretação. Toda linguagem tem
um certo grau não eliminável de incertezas, é inevitável que o intérprete produza, ou ajude a
produzir, o sentido daquilo que interpreta, não por um lado isolado, mas num processo de
construção que tenha contribuição dos diversos métodos e técnicas de interpretação, que damos o
nome de hermenêutica.
O termo hermenêutica, de origem grega, é possivelmente oriundo de "Hermes", o deus que, na
mitologia grega, foi considerado o inventor da linguagem e a escrita. Hermes também tinha a
função de trazer as instruções dos deuses para o entendimento do ser humano, o que já mostra as
ligações iniciais entre hermenêutica e a teologia. A hermenêutica surgiu primeiramente na teologia
pagã, depois migou para a teologia cristã, de onde migrou para a filosofia e só depois para o direito.
O estudo da hermenêutica jurídica, ou seja, a técnica e os métodos para a correta interpretação das
leis se torna fundamental para o estudo da ciência do direito. Buscamos com este trabalho
apresentar de forma abreviada a hermenêutica e os diversos métodos de interpretação. Mostrando
que esta interpretação vem de todo um processo, não de um ato solitário. Mas este processo não
pode ser encadeado em um "manual prático", a própria busca desse manual já da mostras da
gravidade e da dimensão do problema filosófico da hermenêutica. Tanto a norma, quanto a
construção da interpretação(sentido) desta norma surgem nos debates, nas reuniões, nas sentenças
proferidas por juristas e doutrinadores. Vamos também tentar decifrar os processos de interpretação,
compreensão, crítica e as formas de interpretação do ato comunicativo jurídico.
5. Pré-Conceitos e Pré-Juízos
O caráter produtivo(Sinngebung) da hermenêutica, apoiado em Gadamer, mostra que o processo de
compreensão é fusão de horizontes, pois é impossível ao intérprete se colocar no lugar do outro,
portanto compreender é um processo de fusão dos horizontes para si mesmo. Para compreender é
necessário termos uma pré-compreensão, vinda necessariamente de pré-conceitos e pré-juízos
presentes em todas as partes do processo de compreensão, e.g., para uma adequada compreensão da
Constituição, devemos ter uma prévia teoria constitucional. Em outras palavras,um texto vai fazer
vibrar algo que de certa forma já está, pelo menos em parte, presente em quem o interpreta "As
condições sob as quais um enunciado constitui uma informação para alguém dependem
essencialmente do que alguém já é... Cornelius Castoriadis". Este processo pode ser melhor
observado através do exemplo extraído do curso de português jurídico da professora Regina Toledo
Damião, com mensagem extraída do código civil. "Na hermenêutica jurídica temos a compreensão,
a interpretação estrito senso e a crítica como os três processos necessários para a interpretação. " art.
370. Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher. " Primeiro o ato
de compreensão seguido da interpretação estrito senso e finalmente o processo de crítica.
a. Compreensão
O dispositivo legal inicia-se por pronome indefinido absoluto (ninguém), afastando exceções.
Refere-se ao sujeito paciente na voz passiva, recaindo sobre a pessoa do adotado, que sendo o
elemento subjetivo, é o interesse jurídico do legislador. O artigo afasta a possibilidade de alguém
ser adotado por mais de uma pessoa (não pode ser adotado por duas), de um lado um adotante e do
outro um adotado. É certo que não podendo ser alguém adotado por duas pessoas, não o será por
mais de dois. Na parte final do artigo, o legislador indica exceção, introduzida pela locução
construtiva condicional salvo se, permitindo, como exceção ao adotante, o binômio marido e
mulher, que poderão adotar, excepcionando a regra inicial de que o adotado só poderá ter um
adotante.
7. O Conceito de Interpretação
O conceito de interpretação varia de acordo com o sistema teórico adotado e este assunto tem
grande variedade de doutrinas. Assim afirmava Vicente Ráo: "Dessas doutrinas, um mas atribuem a
interpretação o fim de descobrir a vontade do legislador; outras, o de apurar o sentido, ou o espírito
da lei considerada em si, como ser autônomo, desligado de seus próprios antecedentes históricos; e
outras, ainda, o de proteger e disciplinar as situações de fato segundo as necessidades sociais do
momento em que as normas são aplicadas; outras mais, o fim de uma livre investigação do direito,
para fim de si criar a norma reputada mais conveniente a ordem social. "
8. As Leis de Interpretação
A quem compete fixar as diretrizes e as regras da interpretação? São estabelecidas pela doutrina e
pela jurisprudência - respondem os principais autores, em sua generalidade, e assim explica Vicente
Ráo:
"a)porque, resultantes da ciência jurídica pura, ou da atividade do juízes e tribunais, esses ditames
não permanecem inertes, antes acompanhando todas as transformações e vicissitudes da vida social,
o que não aconteceria se fossem consolidadas em leis;
b) porque, se em leis se transformassem, as próprias normas interpretativas precisariam ser
interpretadas, criando se, destarte, um verdadeiro círculo vicioso. "
Em síntese, todas as normas jurídicas estão sujeitas a interpretação, todas, sem exceção alguma - as
leis, os atos do poder executivo, decretos, regulamentos, atos administrativos em geral, os usos e
costumes, os princípios gerais do direito, os tratados e as convenções internacionais. Cabendo a
doutrina, a jurisprudência e a lei a tarefa de interpretar as norma jurídica. Daí sua classificação em
três ramos: interpretação doutrinária, interpretação judicial e interpretação legal, também chamada
legislativa ou autêntica. Claro que esta classificação depende da visão de cada autor e serve
meramente para estudo das formas de interpretação. Norberto Bobbio apresenta em seu estudo a
"interpretação segundo a letra e a interpretação segundo o espírito, ou ainda, interpretação estática e
interpretação dinâmica e declarativa e integrativa(a analogia)". Bobbio apresenta em seu livro,
positivismo jurídico - lições de filosofia do direito, os quatro meios de interpretação textual, citando
"a interpretação é geralmente textual e em alguns outros momentos extra-textual; mas nunca será
anti-textual", não podendo de forma alguma ser extraído do texto algo que ali não esteja presente,
mesmo que implicitamente, v.g. "nenhuma interpretação pode levar a soluções iníquas ou
absurdas"(Mário Macieira).
Savigny como já foi apresentado anteriormente, foi quem introduziu a hermenêutica no direito,
vivificando a dogmática jurídica com o elemento crítico e elevando o direito à categoria de ciência.
Graças a Savigny, que os chamados cânones tradicionais se estabeleceram, são eles:
a) a interpretação gramatical;
b) a interpretação lógica;
c) a interpretação sistemática;
d) a interpretação histórica.
9. Interpretação Textual
Bobbio se aproveitando destes conceitos dos cânones tradicionais de Savigny estendeu-os aos meios
de interpretação textual, chamados meios hermenêuticos, e buscando no positivismo jurídico a
reconstrução da vontade do que o legislador tentou expressar em uma lei, se vale destes meios
hermenêuticos, que são:
a) meio léxico(filológico);
É oportuno primeiramente explicar o sentido de "léxico", que muitas vezes é erroneamente
confundido com dicionário, vocabulário ou ainda como gramática. O léxico é reservado à língua
como um conjunto sistêmico posto ao usuário; é aberto e com um número infinito de palavras,
conforme se verifica no ensinamento de Sousa da Silveira: "O léxico de uma língua e o conjunto
das palavras dessa língua." Este meio busca encontrar o significado dos termos usados pelo
legislador, mediante uma comparação com textos linguísticos nos quais os termos são utilizados.
Também chamado de meio filológico, este meio consiste em um exame das palavras usadas pelo
legislador, a fim de se apurar o sentido da relação, sendo um sentido comum. Vicente Ráo apresenta
um método prático de 4 regras, a saber:
As palavras equivalem a primeira expressão das coisas, como as concebe o intelecto. Esse primeiro
exame obedece ao processo gramatical ou filológico, que em múltiplas regras se desdobra, tais as
seguintes, que apontamos como principais:
1º as palavras não devem ser, nunca, examinadas isoladamente, mas em seu conjunto e postas em
confronto umas com as outras, consideradas como partes integrantes do texto;
2º se determinada palavra tem um sentido na linguagem comum e outro na linguagem jurídica,
preferir-se-á este último, porque o direito tem sua linguagem própria, que o legislador deve
conhecer;
3º mas possível é que o legislador haja empregado a linguagem comum e não a do direito e, neste
caso, o exame da disposição, em seu todo, segundo a natureza jurídica da relação sobre a qual versa,
revelará esta circunstância e determinará a adoção consequente do sentido comum do termo.
4º as palavras, comuns ou jurídicas, também podem ter sido usadas com impropriedade,
equivocidade ou imprecisão; e, assim sucedendo, cumpre ao intérprete demonstrar a existência
destes vícios e restabelecer ou reconstituir o preceito segundo a natureza da relação jurídica
contemplada.
Depois destas quatro regras apresentadas, devemos observar que ao se aplicar a lei, não se pode
atribuir outro sentido senão o que resulta claramente do significado próprio das palavras segundo
sua conexão com a vontade do legislador. Para este fim o intérprete deve conhecer também as
transformações pelas quais passam os sentidos das palavras com o correr do tempo. sobre isso
Vicente Ráo escreve: "O emprego e isolado da interpretação filológica e o abuso das regras
gramaticais estagnam e mumificam o sentido dos textos, impedem sua adaptação as necessidades
sociais sempre mutáveis e sempre revestidas de modalidades novas, dificultam a evolução natural
do direito. Mas, apesar de todas essas cautelas, embora consiga apurar filologicamente o sentido do
preceito normativo, o intérprete não se deve dar por satisfeito. E, principalmente, não deve ter
apego ao sentido literal dos textos, abandonando os demais processo de interpretação. "
b)meio teleológico;
Diz Bobbio, que este meio, também chamado de interpretação lógica - expressão imprópria, na
ótica deste jurista, visto que se trata de um meio interpretativo baseado na ratio legis, que nada mais
é que o motivo ou finalidade para os quais a norma foi posta. Este meio teleológico, também
conhecido como lógico-jurídico, busca como já foi citado anteriormente por Bobbio a razão que
justifica e fundamenta o preceito - ratio legis. Esta razão ou motivo, deve conduzir o intérprete na
busca da vontade e do pensamento que anima a própria norma, não no querer subjetivo do
legislador. Deve então ser entendida como vontade objetiva da lei ou em última análise, vontade
coletiva do Estado, que pode ser traduzida como vontade ou necessidade de segurança jurídica. "A
essência da cooperação de uma coletividade, faz com que o conteúdo da vontade, que chegou a
tornar-se obrigatória, deva considerar-se como sendo a vontade da coletividade"(Ennerecus Apud
Maximiliano - hermenêutica e aplicação do direito).
c)meio sistemático;
Consiste na análise do texto da lei com a própria lei ou ainda com as demais leis do ordenamento, é
a relação feita no interior da própria lei e a relação entre esta mesma lei e todas as outras. Este meio
busca manter a coerência e unidade do sistema jurídico. No direito positivo melhor se apura o
sentido de uma lei quando se compara com todas as outras leis no conjunto em que faz parte. Assim
nos ensina Maximiliano: "Por umas normas se conhece o espírito das outras, que estão ligadas
todas, entre si, por identidade ou afinidade de princípios".
d) meio histórico.
Depois de percorrer os exames léxico, teleológico e sistemático, o bom intérprete continua sua
tarefa no exame do meio histórico. Diz Bobbio - "... consiste na utilização de documentos históricos
diferentes do texto legislativo... estudo dos trabalhos preparatórios...". O legislador revela a
consciência comum do povo, dá forma e poder à solução de suas necessidades jurídicas, o Estado
positiva o direito mas não o cria longe da realidade social. Esta realidade está sujeita a um processo
de evolução, comum em toda sociedade. É imprescindível o estudo das necessidades sociais que
provocaram o amadurecimento e criação desta norma, assim como os antecedentes históricos das
normas jurídicas, que são representados pelos trabalhos legislativos de sua criação, dessa forma
temos:
a) Necessidade do estudo circunstancial de criação da norma;
b) Estudo dos antecedentes históricos(trabalhos legislativos).
13. Conclusão
Concordamos, com o que já foi exposto acima, quer dizer pouco, pois as regras de interpretação só
teriam real significado se fosse definido em que momento exato pudéssemos utilizar este ou aquele
método de interpretar. Mas acontece que essas normas não existem. Constatamos ainda que na
ciência hermenêutica é o operador que unifica e normatiza o processo interpretativo. Com
propriedade Eros Grau falou, "Quando interpretamos, o fazemos sem que exista uma norma a
respeito de como interpretar as normas". A busca por um método único, ou mais acertado, acaba
sendo uma busca em vão, dessa forma uma hermenêutica que se baseia em métodos ou técnicas
interpretativos fica de sobremaneira fragilizada, pois estes métodos tendem a objetificar o Direito,
engessando e tornando-o sem sentido na nossa sociedade. A própria ideia do círculo hermenêutico é
incompatível com os nossos dias, pela falta de autonomia dos métodos e de uma base mais sólidas
na escolha deste ou daquele caminho. O próprio termo método significa "caminho", o que nos leva
sempre a pensar que a hermenêutica é um meio e não um fim. Afinal, como nos ensina Luiz Streck:
"toda interpretação sempre será gramatical, porque deve partir de um texto jurídico; será
inexoravelmente teleológica, atendendo aos fins sociais a que ela se destina e as exigências do bem
comum; será obrigatoriamente sistemática, pois é impossível conceber um texto normativo que
represente a si mesmo, sem se relacionar como todo, e assim por diante..." Pensar na interpretação
jurídica como um conjunto de métodos é uma ideia errônea e afastada da ideia central do conjunto
normativo, que em si mesmo, encerra todo o seu significado, não necessitando de interpretação
subjetiva para existir. Buscar o sentido de algo é bem diferente de criar um sentido para algo,
interpretação jurídica não é criação de sentido é em última análise criação de direito novo, disse
Kelsen "O intérprete autêntico vai criar(produzir) direito novo". O sentido de algo não se dá, ele
acontece. O operador de direito não deve se sentir preso a conceitos estritamente doutrinários e nem
se sentir subjugado pela "síndrome de Abdula". Deve entender a hermenêutica jurídica como uma
filosofia interpretativa, com métodos(caminhos) elucidativos, porém sem um manual prático de
interpretação.
14 Referencias Bibliográfica
Bobbio, Norbeto. O positivismo jurídico: Lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone,1995
Damião, Regina Toledo. Cursode Português Jurídico. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2000
Kelsen, Hans. Teoria pura do direito. 3. ed. São Paulo: RT, 2003
Magalhães Filho, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da Constituição. 1. ed. Belo
Horizonte:Mandamentos, 2001
Ráo,Vicente. O direito e a vida dos Direitos. 5. ed. Anotada e atualizada por Sandoval, Ovídio
Rocha Barros.São Paulo: RT, 1999
Streck, Lênio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2.ed. –
Rio de janeiro:Forense, 2004
JusNavigandi, Desenvolvido pela jusnavigandi,2005. Apresenta informações sobre direito e
doutrina,informações acadêmicas e textos diversos da área de Direito. Disponível em
http://www.jus.com.br . Texto "As lacunas da lei e as formas de aplicação do Direito- texto de Júlio
Ricardo de Paula Amaral"