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ESPECIALIZAÇÃO AVANÇADA EM

PSICOPATOLOGIA DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE [E-LEARNING]
Módulo: Sexualidade e intimidade na infância e adolescência

Formador: Ana Beato


Problemas sexuais na
infância e adolescência
Programa 3

Manhã Tarde
Sexualidade ao longo do Orientação sexual e identidade
desenvolvimento: de género na infância e
adolescência.
- Comportamentos normativos e
desenvolvimento psicossexual Boas práticas para lidar com
- Comportamentos sexuais atípicos jovens LGBT
em crianças e adolescentes
- Fatores de risco dos
comportamentos sexuais
problemáticos
4

“Os jovens não acordam no dia em que fazem 13 anos, transformados em seres
sexuais. Mesmo as crianças são sempre sexuais de alguma forma.”
Heather Coleman, PhD & Grant Charles, PhD University of Calgary, Alberta, Canada and The University of British Columbia, Vancouver, B.C.
5

A Mafalda tem 5 anos e está a brincar no quarto com umas amigas. A mãe
ouve muitos risos e cochichos. Quando abre a porta para verificar como
estão, vê que estão sentadas no chão sem cuecas a apontarem e a tocarem
nos genitais umas das outras.

Questões habituais dos pais e educadores:


“É normal?”
“Devo ficar preocupado/a?”
“Será uma criança normal’”
“O que devo fazer?”
Desenvolvimento sexual 6

• Processo complexo que inclui o próprio e a sua relação com os outros

• Mas também pensamentos, emoções, comportamentos, relações, papéis de


género, identidade, personalidade…

• As respostas sexuais estão presentes desde o Nascimento -> O desenvolvimento


sexual começa no útero.

• O comportamento e o desenvolvimento sexuais são influenciados por fatores sociais,


familiares e culturais, assim como genéticos e biológicos.

• Variedade de comportamentos normativos e ajustados

• Cada vez mais crianças têm sido identificadas com comportamentos sexuais
inapropriados
Desenvolvimento sexual 7

A maior parte dos comportamentos sexuais das crianças é normativa,


transitória e ajustada à trajetória desenvolvimental
Curiosidade
Testar limites e barreiras interpessoais
Fatores situacionais

Influenciado por:
- Idade
- Interação com o meio (família, amigos, etc.)
- Aprendizagem (e.g., crenças culturais e religiosas)
Desenvolvimento sexual

8
Desenvolvimento sexual

9
10

Exercício

Semáforo do
comportamento
Que comportamentos esperar?

Normativos Risco Alarme

11
Comportamentos
normativos Envolvem partes do corpo consideradas privadas (e.g.,
genitais, ânus, mamas)

Exploratórios

Não são prejudicais (Swisher et al., 2008)

Limitados ao olhar ou tocar

Não revelam manipulação, violência, coerção

Motivados pela curiosidade (Miranda, Biegler, Davis,


Frevert, & Taylor, 2001)
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Comportamentos normativos
Espontâneos ou intermitentes

Surgem muitas vezes em contexto de brincadeira e não correspondem a comportamentos adultos

Pouco frequentes

Voluntários

Sem sentimentos de raiva, vergonha, ansiedade ou outras emoções negativas associadas

Entre crianças da mesma idade ou nível de desenvolvimento

Sensíveis à intervenção do adulto e supervisão


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Comportamentos normativos

Nascimento – 2 anos

• Explorar o corpo
• Começam a desenvolver uma atitude (positiva ou negativa) acerca do
corpo
• Primeiras experiências de prazer associadas aos genitais
• Desenvolvimento da identidade de género
• Apreendem papéis de género
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Comportamentos normativos

3 – 4 anos

• Maior consciência e dúvidas acerca das diferenças corporais e de


género
• Masturbação
• Curiosidade acerca das suas origens
• Estabilizam a perceção acerca da sua identidade de género
• Mimetizam comportamentos sexuais dos adultos
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Comportamentos normativos

Idade pré-escolar (menos de 4 anos)

• Explorar e tocar zonas privadas, em público ou não


• Estimular partes privadas no corpo (com a mão ou com objetos)
• Mostrar partes privadas do corpo a outras pessoas
• Tentar tocar as mamas da mãe ou de outras mulheres próximas
• Despir roupas ou querer estar nu
• Tentar ver outras pessoas que estão nuas ou a despir-se (e.g. na casa
de banho)
• Fazer perguntas sobre o seu corpo e do outros
• Falar com crianças da sua idade acerca de funções corporais (e.g.,
“cocó” and “chichi”)
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Comportamentos normativos

Crianças pequenas (4-6 anos)

Tocar de forma intencional partes privadas do corpo (masturbação),


ocasionalmente na presença de outros
Tentar ver pessoas nuas ou a despir-se
Imitar comportamentos românticos (e.g., dar as mãos, beijar)
Falar sobre partes privadas do corpo e uso de palavras com conotação
sexual, mesmo não sabendo o que significam
Explorar partes privadas do corpo com crianças da sua idade (e.g.,
brincar aos pais e às mães, desafiar-se mutuamente a mostrar partes
do corpo, etc.)
Comportamentos normativos

7-12 anos

• Tocar intencionalmente o corpo, habitualmente em privado


• Jogar/brincar com crianças da mesma idade, envolvendo
comportamentos sexuais (e.g., verdade ou consequência, namorados)
• Tentar ver outras pessoas nuas ou a despir-se
• Ver/ouvir conteúdo sexual nos media (televisão, filmes, música,
internet, jogos)
• Procura de privacidade (e.g., quando se estão a despir)
• Relutância em falar com adultos sobre temas sexuais
• Interesse ou atração sexual em relação aos pares
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Comportamentos sexuais na infância

73% Comportamentos sexuais com


outras crianças

34% Mostrar os genitais a outras CR

16% Simulação sexual com outras CR

5% Inserção de objectos

|Johnson, 2007|
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Infância: Comportamento sexual

Comportamentos normativos e
ajustados à fase de
desenvolvimento

Comportamentos desajustados,
abusivos e violentos

20
21

O que são comportamentos sexuais problemáticos (CSP)?

• For children with concerning sexualised behaviour, the terms ‘problem


sexual behaviours’ (PSBs) or ‘inappropriate sexual behaviours’ are used.
Behaviours in this spectrum vary from excessive self-stimulation, sexual
approaches to adults, obsessive interests in pornography, and sexual
overtures to other children that are excessive to developmental bounds.
For some children, these PSBs are highly coercive and involve force; acts
that would be described as ‘abusive’ were it not for the child’s age.’

O’Brien 2010, pp. 13


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Comportamentos sexuais problemáticos


Não são ajustados ao nível de desenvolvimento (por exemplo, uma criança de 3 anos que
tenta tocar ou beijar os genitais do adulto)

Envolvem ameaças, coerção ou agressão

Envolvem crianças com níveis de desenvolvimento, estatura e/ou níveis de


desenvolvimento distintos (e.g., um jovem de 12 anos brincar aos médicos com uma
criança de 4 anos)

Geram reações emocionais na criança (zanga, ansiedade)


Comportamentos sexuais problemáticos 23

Colocam a criança em risco de fazer mal a si ou a outros

Persistem mesmo quando há supervisão e intervenção do adulto

Interferem com as atividades, interesses ou desenvolvimento normais da criança

Envolvem animais

Enviar reiteradamente imagens sexuais via telemóvel ou redes sociais

Visualização persistente de media/pornografia inapropriada para a idade ou envolvendo crianças ou


violência

(Swisher et al., 2008; Offermann, Johnson, Johnson-Brooks, & Belcher, 2008; Gagnon et al., 2004; Miranda et
al., 2001; Kellogg, 2009; Hornor, 2004; NCTSN, 2009b; Pithers, Gray, Busconi, & Houchens, 1998).
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Foco da literatura

• Estudos anteriores [Gale, Thompson, Moran, Sack, 1988;


Friedrich, 1995]:
• Abuso sexual e Problemas de comportamento sexual na infância

• Estudos recentes [Friedrich, Fisher, Dittner, et al., 2001; Silovsky &


Niec, 2002]:
• Inclusão de variáveis adicionais (e.g., características familiares, factores do
ambiente)
Exemplos de comportamentos sexuais 25

0-5 anos (bebés e crianças em idade pré-escolar)


Normativos

Tocar/
Comportament
Estimular os
Ver/ tocar os Mostrar os Estar/ sentar- Tentar ver a os transitórios,
genitais em
genitais de genitais aos se muito nudez dos pouco
locais
pares/irmãos pares próximos outros frequentes e
públicos ou
intencionais
privados
Comportamentos sexuais: 0-5 anos 26

Comportamentos normativos menos frequentes


Roçar o corpo nos outros
Beijar inserindo a língua
Tocar os genitais de adultos/pares
Reproduzir a mímica associada a actos sexuais
Comportamentos sexuais que, apesar de ocasionais, tendem a ser
disruptivos para os outros
Comportamentos transitórios mas relativamente dirigidos

Avaliação de factores situacionais (e.g., nudez na família,


cuidados diários, novos irmãos)
27

Comportamentos sexuais: 0-5 anos

Comportamentos menos comuns em crianças sem problemas


Pedir aos adultos que tenham determinado comportamento sexual
Colocar objectos nos genitais
Imitação explícita de actos sexuais
Tocar os genitais de animais domésticos
Comportamentos sexuais que são disruptivos para os outros
Comportamentos persistentes e intencionais

Avaliação de factores situacionais e de características


familiares (e.g., violência, abuso, negligência)
28

Comportamentos sexuais: 0-5 anos


Comportamentos raros
Comportamentos sexuais que envolvam crianças com menos de 3
anos
Comportamentos sexuais manifestados com muita frequência
Comportamentos sexuais associados a mal-estar emocional ou
mesmo a dor física
Avaliação da família e
Comportamentos sexuais agressivos fisicamente ou que de factores do
envolvam coerção ambiente e é
recomendado que se
Comportamentos persistentes que geram zanga quando alguém reporte a situação aos
procura extingui-los ou demovê-los serviços de protecção
de crianças
29

Comportamentos
sexuais

5-7 anos
(crianças em idade
escolar)
30

Comportamentos
sexuais

8-12 anos
(pré-adolescentes)
31

Comportamentos
sexuais

8-12 anos
(pré-adolescentes)
32
33

Compreensão
do problema
34

Prevalência e trajetória desenvolvimental


• Não existem estudos epidemiológicos com amostras representativas

• Estima-se que sejam 3% na população geral (Elkovitch et al., 2009)

• 1 em 3 crianças referenciadas nos serviços de proteção de menores


(Lepage, Tourigny, Pauzé, McDuff, & Cyr, 2010).

• Quando sujeitas a intervenção, têm menor risco de manterem estes


problemas na adolescência e na idade adulta (Swisher et al., 2008;
Chaffin et al., 2008; Miranda et al., 2001; Elkovitch et al., 2009;
Carpentier et al., 2006).
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Caracterização
• 1/3 destes comportamentos são dirigidos a outros menores

• ¼ ocorrem entre membros da família (Silovsky et al., 2018)

• Os CSP não são exclusivos de nenhuma idade, género, nível sócio-


cultural, ambiente familiar… (Silovsky, 2009)

• Os CSP na infância são qualitativamente diferentes dos ocorridos na


idade adulta, exigindo políticas públicas, abordagens, procedimentos de
avaliação e formas de intervenção distintas.
Fatores de risco 36

• Atitudes negativas da família face à sexualidade e ao corpo

• Problemas familiares (e.g., grau inadequado de supervisão, mudanças


de casa, pouca consistência, stress prolongado de vido a problemas
económicos, prisão, psicopatologia)

• Exposição a ambientes com interações sexuais recorrentes (e.g.,


instituições) e a material com conteúdos sexualmente explícitos

(Swisher et al., 2008; Chaffin et al., 2008; Elkovitch et al., 2009; Gagnon et al.,
2004; Miranda et al., 2001; Pithers et al., 1998; Lepage et al., 2010; Kellogg, 2009;
NCTSN, 2009)
Fatores de risco 37

• Acontecimentos de vida traumáticos e stressores múltiplos ou


cumulativos (e.g., violência, ausência dos pais, morte, desastres
naturais, acidentes, doença, abusos) (Chaffin 2008; Tarren-Sweeney 2008;
Swisher et al., 2008; Elkovitch et al., 2009; NCTSN, 2009)

• 30-50% abuso sexual, maus-tratos (físicos e emocionais), negligência,


violência doméstica (Kambouropoulos 2006; Merrick et al. 2008; Silovsky & Niec
2002).

• 96% tem perturbações psiquiátricas adicionais (Gray et al., 1999) ->


• Os CSP fazem parte de um padrão mais alargado!
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Fatores de risco
• Comorbilidades e problemas associados: Problemas emocionais, tais como
alterações de comportamento, agitação, PHDA, desregulação, problemas de
oposição/agressividade, PTSD, ansiedade e/ou depressão (Chaffin et al., 2008;
Swisher et al., 2008; Gagnon et al., 2004; Kellogg, 2009; Gray et al., 1999; Baker et al.,
2008).

• Muitos têm perturbações do neurodesenvolvimento e problemas de aprendizagem

• Défice de competências interpessoais (e.g., dificuldade em estabelecer ou


respeitar os limites interpessoais, dificuldades de socialização, rejeição por parte dos
pares (Elkovitch et al., 2009; NCTSN, 2009; Bonner et al., 2001).
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Funções do comportamento
Reação a
Ansiedade Raiva experiências
traumáticas

Curiosidade ativa
Procura de
após exposição a Imitação
atenção
material sexual

Auto-regulação Sintomas associados a


emocional experiências traumáticas

(Swisher et al., 2008; Chaffin et al., 2008; NCTSN, 2009; Silovksy et al., 2007).
40
41
Adolescentes com problemas do
42

comportamento Sexual
Agressores sexuais adolescentes (ASA):
Adolescentes entre 13 e 17 anos que cometeram
comportamentos sexuais considerados inapropriados e até
mesmo ilegais.

O que sabemos?
Fonte: National Center on Sexual Behavior of Youth (2003)
43

Barómetro de atitudes
1. Poucos delitos/crimes sexuais são
cometidos por jovens
Concordo
Discordo totalmente
totalmente

Os ASA cometem um nº
substantial de delitos e
crimes sexuais, incluindo
17% de detenções e 1/3 das
ofensas perpetradas contra
crianças 44
2. Os comportamentos são habitualmente poucos
severos e refletem quase sempre curiosidade
Concordo
Discordo totalmente
totalmente

Apesar de alguns
comportamentos ilegais serem
pouco expressivos (ex. Tocar
uma criança por cima da roupa),
outros são bem mais agressivos
(ex, forçar alguém a sexo oral e
45

anal)
3. As famílias destes jovens são disfuncionais
Concordo
Discordo totalmente
totalmente

Não existe um padrão único.


Não há um perfil único.
Podem também ser
funcionais.

46
4. Estes jovens vão tornar-se agressores sexuais
Concordo
Discordo totalmente
totalmente

A literatura mostra que não


necessariamente. Se forem
acompanhados, têm menos probabilidade
de repetir estes comportamentos mais
tarde (5 – 14%). São taxas bem menores
do que no caso de comportamento
delinquente, por exemplo (8 – 58%).

47
5. Estes jovens precisam de terapia intensiva e prolongada
Concordo
Discordo totalmente
totalmente

Muitos jovens
apenas de
necessitam de
sessões semanais
e acompanhamento
de média duração
(8-24 meses) 48
6. Estes jovens não deveriam frequentar escolas públicas
Concordo
Discordo totalmente
totalmente

Estes jovens
podem
frequenter a
escola pública e
atividades.

49
7. Há instrumentos capazes de identificar se o jovem
vai reincidir no comportamento
Concordo
Discordo totalmente
totalmente

Não existe nenhum teste


ou instrumento
cientificamente válido
capaz de determiner se o
jovem reincidir. Há alguns
(J-SOAP-II, ERASOR-2),
validados e fiáveis, para
determinar o risco de
50
reincidir.
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Para saber mais…


• Friedrich, W. N., Fisher, J., Broughton, D., Houston, M., & Shafran, C. R. (1998).
Normative sexual behavior in children: a contemporary sample. Pediatrics, 101
(4), E9.

• Hornor, G. (2004). Sexual behavior in children: normal or not? Journal of Pediatric


Health Care, 18 (2), 57-64.

• Hagan, J. F., Shaw, J. S., & Duncan, P. (Eds.). (2008). Theme 8: Promoting healthy
sexual development and sexuality. In Bright futures: Guidelines for health
supervision of infants, children, and adolescents (3rd ed.) (pp. 169-176). Elk Grove
Village, IL: American Academy of Pediatrics.
Obrigada

anafilipabeato@gmailcom

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