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ASPETOS DEONTOLÓGICOS E PRÁTICOS DOS RELATÓRIOS DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

RELATÓRIO DE AVALIAÇÃO
PSICOLÓGICA

CONFIDENCIAL

1. Elementos de Identificação

Sujeito examinado

Nome: Senhora “Antónia Duarte”

Estado Civil: Viúva

Idade: 72

Escolaridade: Ciclo Preparatório - 6º Ano (ensino básico)

Profissão: Doméstica

Data de Nascimento: 06.05.41

Datas

Data do Relatório: 25.01.2013

Psicólogo

Nome Mário R. Simões e Liliana B. Sousa

Outras pessoas envolvidas no Processo de Interdição/Inabilitação:

Requerente: Sr. Carlos Duarte, filho, 45 anos (Data de Nascimento: …), casado, 9º ano de
escolaridade, atualmente desempregado.

Curadora: Graça Duarte, neta, 25 anos (Data de Nascimento: …), solteira, arquiteta,
atualmente desempregada.

2. Pedido Inicial/Motivo da Consulta de Avaliação

O pedido de avaliação da “capacidade financeira e de decisão, bem como nível

cognitivo e de deterioração” foi efetivado pelo Tribunal Judicial da (…) ao Serviço de

Avaliação Psicológica da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da

 
 
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Universidade de Coimbra. A natureza do pedido advém, em sequência, do Interrogatório

e Exame Pericial realizado em (…).

A Senhora Antónia Duarte compareceu à primeira sessão de avaliação acompanhada pela

neta (atual curadora), pelo filho e pela nora. Nas sessões de avaliação posteriores veio

acompanhada do filho e da nora.

3. Procedimentos de Avaliação Psicológica

Tendo como objetivo o estudo das principais áreas de funcionamento cognitivo, emocional

e funcional, foram realizadas três sessões de avaliação, com a administração de uma

bateria de instrumentos de avaliação psicológica (ver Tabela 1). A extensão do protocolo

de avaliação e a idade da pessoa examinada justificou que o processo se tenha

prolongado por três dias distintos.

Tabela 1: Calendarização e instrumentos usados na Avaliação Neuropsicológica

1.ª sessão: ● Entrevistas clínicas;


10 jan.2013
● Mini-Mental State Examination (MMSE; Folstein et al., 1975; Guerreiro, 2003; Morgado,
Rocha, Maruta, Guerreiro, & Martins, 2009);

● Instrumento de Avaliação da Competência Capacidade Financeira e Testamentária –


versão experimental (IACFin; Sousa, Simões, & Firmino, 2011).

2.ª sessão: ● Montreal Cognitive Assessment (MoCA; Nasreddine et al., 2005; Simões et al., 2007; Freitas
17 jan.2013 et al., 2012);

● Escala de Inteligência de Wechsler para Adultos – Terceira Edição (WAIS-III; Wechsler,


2008);

● Fluência Verbal Semântica e Fonémica (Simões et al., 2004);

● Trail Making Test (A e B) (Reitan & Wolfson, 1985; Baeta, 2002; Cavaco, 2008);

● Inventário de Avaliação Funcional de Adultos e Idosos (IAFAI; Sousa, Simões, Pires, et al.,
2008);

● Escala de Depressão Geriátrica (GDS; Yesavage et al., 1983; Barreto et al., 2008);

● Test of Memory Malingering (TOMM; Tombaugh, 1996; Fernandes & Simões, 2009);

● Inventário de Ansiedade Geriátrica (GAI; Pachana et al., 2006; Ribeiro et al., 2008).

 
 
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3.ª sessão: ● Testes Lista de Palavras, Cenas de Família, Localização Espacial e Controlo Mental da
24 jan.2013 Escala de Memória de Wechsler – Terceira Edição (WMS-III; Wechsler, 1997, 2008);

● Token Test (De Renzi & Vignolo, 1962; Baeta, 2002);

● Inventário Multifásico de Personalidade de Minnesota – 2 (MMPI-2; Hathaway & McKinley,


1989; adaptação portuguesa de Silva, Novo, Prazeres, & Pires, 2006);

● Inventário Neuropsiquiátrico (NPI; Cummings et al., 1984; Leitão & Nina, 2008);

● Avaliação da Capacidade para Tomada de Decisão no Dia-a-dia (ACED; Lai & Karlawish,
2007; adaptação);

● Rey 15 Item (Rey, 1964; Boone et al., 2002; Simões et al., 2010).

4. Informação Contextual

4.1. Revisão dos registos

▪ “Iniciou um quadro de depressão major após o falecimento do marido, com evolução

arrastada ao longo dos últimos anos, a que se juntou um quadro de alcoolismo crónico”

(declaração médica de …).

▪ Dois internamentos no Hospital (…) (em … e …), “com bons resultados e recaídas

posteriores, dada a situação de isolamento e o pouco apoio familiar existente” (declaração

médica de …).

▪ Dados do primeiro internamento (…) apontam para “diagnóstico de perturbação

depressiva, perturbação histriónica da personalidade e ideação de suicídio”,

constando na alta (…) “perturbação de ansiedade generalizada e depressão”.

▪ Duas consultas externas (… e …), de que constam “períodos de humor depressivo sem

ideação de suicídio”, “abstinente para as bebidas alcoólicas, aparentemente melhorada”,

tendo sido medicada, aquando da segunda consulta, com anti-depressivos e

estabilizadores de humor.

▪ Segundo internamento (…), foi encaminhada do Hospital (…) para o Hospital (…) devido

a “agitação psicomotora e hetero-agressividade”, tendo na altura sido colocadas como

hipóteses de diagnóstico “depressão psicótica, alcoolismo, patologia aditiva,

processo demencial que iniciou ou até exacerbado pelo alcoolismo” com “coexistência

de conflitos familiares, violência doméstica”.

▪ Na alta do segundo internamento (…), é recomendada a integração no Centro de Dia,

devido à “necessidade de apoio e supervisão de terceiros”;

 
 
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▪ No Auto de Interrogatório e Exame Pericial (de …) consta “lentidão de movimentos,

com postura algo rígida e inquieta, parecendo traduzir efeitos secundários da medicação

… fácies sem expressão e na pesquisa articular, alguma rigidez, parecendo traduzir a

toma de anti-psicóticos”; “incapacidade para operações complexas, nomeadamente no

cálculo matemático e de somas de dinheiro”; “relativamente bem orientada no tempo e no

espaço e para consigo própria e tem noção das limitações funcionais que já evidencia”

(precisa de ajuda no controle e toma de medicação e na confecção da alimentação, vinda

do exterior)”.

4.2. História Clínica

▪ Atualmente, é apenas seguida pelo médico de família, tomando a seguinte medicação

(prescrita a …): Valium (½ comprimido ao pequeno-almoço, 1 antes do almoço, ½ antes

de jantar e 1 ao deitar); Akineton (1 ao pequeno-almoço); Psidep (1 ao deitar); Seroquel

(½ ao deitar).

▪ Não existem antecedentes de doenças psiquiátricas ou neurológicas na família.

▪ Funcionamento sensorial, apenas se salientam os problemas de visão que requerem o

uso de óculos.

▪ Principais problemas identificados pelos vários intervenientes no processo assentam no

consumo exacerbado de bebidas alcoólicas, que terá sido iniciado após a morte do

marido (em …).

- “ligava para as pessoas da mercearia para lhe levarem vinho”, “escondia as

garrafas no guarda-fatos”.

- “os perfumes em casa desapareceram”.

▪ Hábitos de alcoolismo terão estado alegadamente na base dos episódios de

exploração financeira de que foi vítima e que conduziram à interposição deste

processo.

▪ Segundo o filho, a mãe “tem dupla personalidade”, embora reconheça que, previamente

à morte do marido, seria “uma pessoa sem problemas emocionais (nunca foi seguida em

Psiquiatria), apenas tinha a mania das grandezas, ser melhor do que os outros)”.

▪ A neta refere que, mesmo antes da morte do avô, a avó já teria “problemas mentais”,

nomeadamente o “problema da perseguição (achava que toda a gente tinha inveja dela)”,

“alguma sintomatologia depressiva, andava sempre triste”, especialmente depois do

divórcio do pai (filho da requerida).

 
 
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4.3. Fundamentos ao processo de Inabilitação/Interdição

[Dados da ENTREVISTA com o filho (e companheira), que interpôs o processo, e com a

neta CURADORA)]

▪ Começou a “andar com más companhias”, especificamente com uma senhora “burlona”

que conheceu … “começou a ter problemas com o dinheiro”.

▪ “Nunca tinha utilizado cartão multibanco ou caderneta bancária … terá começado a usar

caderneta, embora nunca tenha realmente aprendido a utilizá-la. … entregava a caderneta

a pessoas para lhe levantarem dinheiro, incluindo a essa Sr.ª”.

▪ “Os gerentes do banco terão telefonado para o avisar destes levantamentos … nestas

situações … estaria em estado alcoolizado”.

▪ Terá vendido um terreno por um preço irrisório (a própria refere a venda de “um terreno

na (....) por 10 000 contos a um senhor que faz casas”.

▪ … a mãe terá pedido novas certidões de títulos do Tesouro, retirando nesta altura o

nome do filho dos referidos títulos.

▪ …aquando da interposição do processo em tribunal, terá chamado a atenção da Sr.ª

“para não ir levantar dinheiro sozinha, para ir com o filho ou com ela” … terá ido

directamente aos Correios e levantado a quantia de €20 000.

▪ … “foi pena não poder levantar tudo, que colocava tudo em teu nome” (“burlona”).

▪ O filho queixa-se que actualmente a mãe “derrete fortunas em telemóvel e no

cabeleireiro”. A neta assinala também alguns comportamentos de risco por parte da avó

relativamente às suas finanças, … gastos excessivos com “álcool, telemóvel (liga para

toda a gente e, por vezes, a horas não apropriadas), táxis” e “levantamentos de quantias

elevadas de dinheiro”.

▪ A título exemplificativo, … ocasião em que a mãe terá dado €50 a um taxista para este

lhe ir buscar uma garrafa de vinho do Porto.

4.4. Compreensão da natureza do processo pela Requerida

▪ … não demonstra possuir conhecimento e compreensão relativamente à natureza deste

pedido de avaliação, bem como de quem o solicitou.

▪ … não revela entendimento acerca das potenciais consequências do processo judicial,

denotando-se resistência e defensividade em abordar este assunto.

… admite que a causa da presente avaliação estará relacionada com o consumo

de bebidas alcoólicas. … no último dia (3.ª sessão), … indica que terá sido “por causa da

…(“burlona”)”.

 
 
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▪ Quando confrontada com os reais motivos deste pedido de avaliação por parte do

tribunal, apresenta uma atitude defensiva, de negação e aparentemente pouco crítica da

situação.

▪ Contudo, admite que terá conhecido a Sr.ª … no hospital na altura em que a neta esteve

internada (“trazia-me a casa de carro”), que esta senhora tratava mal o filho e a neta

(“respondia-lhes mal”) e estes “não gostavam de a ver lá em casa”.

▪ Declara que faziam compras juntas: “ia comprar roupa para mim e ela ajudava-me”, “…

ia com ela ao banco levantar a pensão porque [apesar de ter recorrido ao uso da

caderneta bancária, reconhece que] “não a sabe utilizar”.

▪ Algumas despesas são suportadas pela Senhora Antónia (compras da casa, telemóvel,

contribuição da casa, dinheiro que dá neta, cabeleireira (que frequenta regularmente) e

empregada. As restantes despesas da casa (água e luz) são pagas pelo filho.

5. Observações do Comportamento

▪ Ao longo da entrevista, … demonstrou um discurso fluente mas um pontualmente

desorganizado , repetindo insistentemente alguns temas (p. ex., que “era declamadora”).

▪ Durante os procedimentos de avaliação manteve-se alerta e concentrada, embora

tenha manifestado alguma frustração, abandonando algumas tarefas (por exemplo, a

Memória Lógica da WMS-III).

▪ Ao longo de todo o processo de avaliação, e para permanecer em tarefa, foram

necessários incentivos e encorajamento aos quais respondeu positivamente.

▪ São observáveis comportamentos deliberados de ausência de comunicação,

afastamento, mágoa e ressentimento por parte do filho relativamente à mãe.

▪ Foi possível observar que a companheira do filho constitui, presentemente, o principal

suporte/apoio da Sr.ª Antónia mantendo com ela uma relação positiva.

6. Funções Cognitivas

▪ Os resultados nos testes de rastreio cognitivo (MMSE, MoCA) são sugestivos da

possibilidade da presença de declínio cognitivo. Em ambos os testes a pontuação é

inferior em mais de 2 desvios-padrão à média normativa (considerando simultaneamente

critérios de idade e escolaridade).

▪ Resultados deficitários são igualmente identificados em tarefas de atenção (Trail A) e

memória visual (Cenas de Família; WMS-III).

▪ Pontuações médias são consistentemente observadas

 
 
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- nos desempenhos na WAIS-III (inteligência) traduzindo valores característicos

de capacidade intelectual média,

- em tarefas de memória de trabalho viso-espacial (Localização Espacial, WMS-

III); linguagem recetiva (Token), Funções executivas (Fluência Verbal e Trail B).

Tabela 2: Tabela 2: Resultados relativos à avaliação dos vários domínios neurocognitivos

RESULTADO INTERPRETAÇÃO

Inferior *
Avaliação Cognitiva Global MMSE 24 pontos

Inferior *
MoCA 21 pontos

Médio
Avaliação Intelectual QI Escala Completa RP=103 (IC 99-107)

Médio
QI Verbal RP=97 (IC 93-101)

QI Realização RP=109 (IC 102-115) Médio

Compreensão Verbal RP=101 (IC 96-106) Médio

Organização Perceptiva
RP=112 (IC 105-118) Médio Superior

Memória de Trabalho RP=93 (IC 87-100) Médio

Velocidade Processamento RP=106 (IC 97-113) Médio

Memória Verbal Evocação Imediata RP=13 Médio Superior


(Lista de Palavras, WMS-III)

Evolução da Aprendizagem RP=9 Médio

 
 
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Evocação Diferid RP=11 Médio

Retenção 54.14%; RP=11 Médio

Reconhecimento RP=9 Médio

Memória Visual Evocação Imediata RP=8 Médio Inferior


(Cenas de Família; WMS-III)

Evocação Diferida RP=5 Inferior

Retenção 26.32%; RP=1 Muito Inferior

Memória Trabalho Visuo- Direto RP=1 Médio


Espacial
(Localização Espacial, WMS-III)

Inverso RP=11 Médio

Total RP=12 Médio

Controlo Mental Total RP=9 Médio


(WMS-III)

Atenção e Fluência Verbal Semântica 41 pontos Médio

Funções Executivas

Fluência Verbal Fonémica 20 pontos Médio

[Trail A] [Percentil < 1] [Muito Inferior]

 
 
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[Trail B] [Percentil 21] [Médio]

Linguagem Token Test - total 17.5 pontos Médio

7. Personalidade e Funcionamento Emocional


▪ Escalas de validade do MMPI-2: Escala L (Mentira), apesar de apontar para um perfil
provavelmente válido, revela também um quadro defensivo, caracterizado pela
moralidade, convencionalidade e conformismo. Escala F (Incoerência) …registo aceitável
embora remetendo para aspectos de conformidade social e possível falsa imagem.
▪ Perfil de resultados obtido nas escalas clínicas do MMPI-2 situa-se, globalmente,
nos limites considerados médios com excepção de uma ligeira elevação nas escalas
Depressão (também na escala de conteúdo), Psicastenia e Introversão Social.
▪ Estes resultados são congruentes com informação da história clínica (entrevista) e dados
de observação sugestivos da presença de sintomatologia depressiva e ansiosa,
preocupações, insatisfação com a vida e auto-depreciação, problemas de sono, ausência
de energia, introversão e ausência de interesses.
▪ Estes dados são igualmente convergentes com a informação obtida no Inventário
Neuropsiquiátrico (presença de sintomas psicopatológicos e de alterações do
comportamento depressão/disforia, ansiedade, apatia/indiferença,agitação/agressão,
desinibição, irritabilidade/labilidade e problemas de sono).
▪ Contudo, as pontuações em instrumentos de rastreio de perturbações emocionais:
Escala de Depressão Geriátrica (9 pontos) e Inventário de Ansiedade Geriátrica (5 pontos)
não têm significado clínico.

8. Aptidões Funcionais

▪ Os dados de funcionamento prévio (anteriores à morte do marido e ao consumo de

bebidas alcoólicas) apontam para inexistência de dificuldades ou de algum tipo de

dependência funcional.

▪ Após a morte do marido, ainda conduziu o carro deste durante algum tempo, período

durante o qual, e segundo o filho, “chegaram várias multas a casa”.

▪ Conhecimento relativamente às suas actuais fontes de rendimento: pensão (“70

contos”) e um quarto alugado (“20 contos”).

 
 
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▪ Apesar de revelar algum entendimento quanto à natureza e extensão dos seus bens,

não consegue quantificar o dinheiro que possui (conta bancária e títulos).

▪ Não realiza de forma independente as atividades diárias que envolvem a gestão

financeira: é a mulher-a-dias que faz as compras (por vezes a nora também o faz) e,

habitualmente, quem paga a conta do telefone; presentemente, é a companheira do filho

quem a acompanha ao banco para levantar a pensão, devido ao facto da Senhora Antónia

não saber utilizar a caderneta bancária.

▪ …Confrontada com os gastos em telemóvel, … afirma que aproveita para carregar o

telemóvel quando vai ao cabeleireiro (“porque não tenho carro”), independentemente do

saldo ainda disponível. Contudo, afirma que sabe ver o saldo e o custo das chamadas

que faz (“tinha €80 da última vez que carregou o telemóvel, com €25 – ontem –

especificando que tem, presentemente, €90 de saldo).

▪ Ainda relativamente à capacidade para um funcionamento autónomo na vida diária, são

identificados outros problemas que apontam para situações de risco e de incapacidade:

- coloca em perigo a própria vida (episódio em que foi “encontrada em cima do

telhado, supostamente à procura de um anel”) e a sua casa (ocasiões em que “deixa o gás

ligado”, “deixa queimar coisas”);

- não tem noção de higiene (“preocupa-se apenas com o cabelo”) e não prepara

as refeições (“apenas os batidos para o lanche”);

- recebe assistência da companheira do filho (para as refeições e higiene), da

mulher-a-dias (duas vezes por semana, para limpar a casa e tratar da roupa) e uma amiga

médica (prepara-lhe a medicação, deixando os comprimidos em caixinhas).

▪ [Com base no IAFAI, e considerando dois tipos de fontes de informação, …os auto-

relatos da própria e a informação comunicada pelo filho e companheira.]

- As aptidões funcionais relatadas pela própria diferem das apontadas pela nora e

filho, nas suas respostas ao inventário, seguindo um denominador comum – as

actividades instrumentais avançadas de vida diária constituem a área com uma

maior incapacidade funcional, seguindo-se as actividades instrumentais familiares e,

por fim, as actividades básicas de vida diária.

- As principais limitações funcionais identificadas residem no auto-cuidado

(especificamente na higiene), em tarefas domésticas (nomeadamente, preparar as

refeições e cuidar da casa), na tomada de decisão relativa à saúde, finanças,

deslocação e uso de transportes, lazer e relações interpessoais.

▪ Relativamente às aptidões funcionais de natureza financeira (tarefas do IACFin):

 
 
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- ...dificuldades nas tarefas de cálculo numérico propostas, essenciais para as

aptidões monetárias básicas, quer em termos mentais, quer mesmo com recurso a um

suporte de papel e lápis;

- ...desconhecimento dos preços de alguns produtos alimentares básicos (por

exemplo, refere que um litro de leite deverá custar €0.25, um litro de azeite €1);

- apesar de demonstrar conhecimento relativo ao valor monetário do dinheiro

(especificamente em termos da conversão euro-escudo), na sua vida diária não existe

uma correcta utilização do dinheiro.

▪ A informação obtida a partir do ACED que se debruçou sobre os problemas de gestão

financeira relatados pelas pessoas entrevistadas previamente (filho, nora e neta),

evidenciou nomeadamente:

- dificuldades na compreensão do problema; consegue apreciar/reconhecer o seu

problema;

- compreende as opções possíveis para fazer face ao seu problema;

- demonstra uma compreensão limitada das vantagens e desvantagens das

opções alternativas;

- evidencia dificuldades de tomada de decisão e apreciação das opções

disponíveis.

▪ Sendo-lhe solicitado para decidir acerca da sua escolha relativamente à melhor opção

para a ajudar na gestão das suas finanças, indica preferência pela primeira alternativa,

uma vez que tem “companhia para poder falar, para estar acompanhada … e mais agora

que não tenho carta de condução, para não ir a pé”, denotando dificuldades em termos

de raciocínio comparativo e consistência lógica deste raciocínio.

9. Formulação e Conclusões

▪ Resultados no TOMM (ensaios 1, 2 e 3) e no Rey 15-Item Memory Test (ensaio de

evocação e de reconhecimento) sugerem ausência de comportamentos de esforço

insuficiente e validam resultados nas provas de avaliação orientadas para o exame

do funcionamento neurocognitivo.

▪ Existe alguma aparente falta de convergência entre os desempenhos nos testes de

avaliação do funcionamento cognitivo/intelectual. Os resultados observados em teste

de rastreio sugerem presença de declínio cognitivo (MoCA e MMSE) e dificuldades nos

processos de retenção de informação visual ao longo do tempo, bem como indicações

pontuais de alguns problemas de natureza atencional ainda que os dados noutras provas

 
 
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consideradas mais exigentes (WAIS-III, WMS-III) sejam globalmente sugestivos de

desempenhos médios.

- Este padrão discrepante de resultados (pontuações médias na WAIS-III) não é

contudo incompatível com a presença de declínio cognitivo. A este propósito deve ser

mencionada a investigação, realizada, no âmbito da aferição americana da WAIS-IV, com

uma amostra de pessoas diagnosticadas com Declínio Cognitivo Ligeiro, sem distinção

entre subtipos, que assinala a presença de resultados médios neste grupo clínico

(Wechsler, 2008).

▪ Apesar do observado em termos cognitivos (desempenhos médios num número

considerável de provas, sugestão de declínio noutras), as principais dificuldades residem

nas suas limitações funcionais, quer no que às finanças dizem respeito (relativas

levantamento de dinheiro; gastos excessivos, principalmente com o telemóvel; alguma

flutuação na capacidade para gerir e utilizar correctamente o dinheiro), quer nas outras

esferas de vida diária (auto-cuidado, no cuidar da casa, preparar as refeições, na tomada

de decisão relativa à saúde, na deslocação e uso de transportes) reforçam possibilidade

de declínio cognitivo sendo ainda de valorizar a presença de dificuldades emocionais.

10. Recomendações (Determinação do Risco e da Necessidade de Supervisão)

▪ Necessidade de implementar medidas de protecção adequadas: medidas de

supervisão, não apenas em tarefas de natureza financeira mas, também, em outras

áreas da sua vida diária.

▪ Deve ser ponderado o eventual recurso a algum tipo de apoio domiciliário ou frequência

de um Centro de Dia, no sentido de colmatar as dificuldades patentes no seu

funcionamento diário.

▪ No que às finanças diz respeito, consideramos também a necessidade de implementar

algumas medidas de protecção, se necessário, legais.

Neste plano, quando questionada acerca da pessoa que gostaria que a ajudasse na

gestão das suas finanças, refere companheira do filho, a neta e o filho porque “são todos

pessoas sérias”. No entanto, ressalva que o “filho está numa grande depressão” e que

prefere não falar com ele (“ele não quer falar comigo e eu não teimo”). Quanto à neta,

apesar de referir que ela a vai visitar a casa (“só para me aborrecer, para me chatear, mas

não anda comigo”), aponta-a também na resposta a esta questão. Na última sessão de

avaliação, quando questionada novamente, afirma que, para a ajudar na gestão das

finanças, seria a neta ou a nora (“são as duas iguais, tenho confiança nas duas”).

 
 
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▪ Poderá ser necessário o acompanhamento, quer da Senhora Antónia, quer do filho

(particularmente no caso deste ser nomeado tutor ou curador da mãe, e tendo em conta o

actual relacionamento muito tenso e conflituoso entre os dois).

▪ É necessário proceder à reavaliação e monitorização do seu estado cognitivo e mental

(dentro de 6 a 12 meses), uma vez que, caso este declínio se confirme e torne

substantivamente mais evidente pode comprometer, ainda mais, a capacidade para um

funcionamento autónomo no seu dia-a-dia.

▪ O acompanhamento médico, nomeadamente de natureza psiquiátrica, deverá considerar

não apenas a condição clínica alcoolismo, mas também o estado emocional.

▪ Finalmente, e considerando a natureza do processo, reafirmamos que, embora a

informação proveniente da avaliação psicométrica de natureza cognitiva e emocional

constitua um elemento importante a ponderar, os dados resultantes da avaliação funcional

são consistentemente apontados na literatura da especialidade como um dos principais

elementos a valorizar no exame tipo de situações.

Coimbra,  25  de  Janeiro  de  2013  

Mário  R.  Simões    

Psicólogo;  Professor  Catedrático;  Diretor  do  Serviço  de  Avaliação  Psicológica.  

Cédula  Profissional  nº  6304  

Liliana  B.  Sousa    

Psicóloga  

Cédula  Profissional  nº  9533  

Nota:  Estamos  disponíveis  para  prestar  informações  ou  esclarecimentos  complementares,  


eventualmente  considerados  necessários.  

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