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ROSE, Nikolas. Inventando nossos selfs: psicologia, poder e subjetividade. Tradução.

Petrópolis-RJ, Editora Vozes, 2011.

Capítulo 8- Agenciando nossos selfs.

Conceitos:

Subjetivação: é o nome que se pode dar aos efeitos de composição e recomposição de


forças, práticas e relações que se esforçam ou operam para transformar o ser humano
em diversas formas de sujeito, que sejam capazes de se constituir em sujeitos de suas
próprias práticas, bem como das práticas de outros sobre eles [p.236: conceituação que
parece ter sido retirada de Deleuze e Guatarri];

Self: A palavra utilizada no senso comum é a ideia dO sujeito, O self, O indivíduo, A


pessoa. Sujeitos com uma vontade de ser, uma predisposição para ser. Um corpo
habitado e animado por uma ALMA [essencial];

p.238- “[...] a subjetividade- mesmo como uma capacidade latente de um certo tipo de
criatura- certamente não deve ser considerada como um dado primordial. Nem é algo
que deve ser explicado através da ‘socialização’, através da interação entre um animal
humano equipado biologicamente com sentidos, instintos, necessidades e um ambiente
social externo, físico e interpessoal, no qual o mundo psicológico interno é produzido
pelos efeitos da cultura sobre a natureza. Ao contrário, eu sugiro que todos os efeitos da
interioridade psicológica, juntamente com toda uma série de outras capacidades e
relações, são constituídos através de ligações dos seres humanos a outros objetos e
práticas, multiplicidades e forças. São essas várias relações e ligações que modelam
os sujeitos; elas próprias dão origem a todos os fenômenos através dos quais, em
seu próprio tempo, seres humanos se relacionam consigo mesmos em termos de um
interior psicológico: como selfs desejantes, selfs sexuados, selfs trabalhadores, selfs
pensantes, selfs intencionados e capazes de agir como sujeitos. Argumentarei que
os sujeitos devem ser vistos como ‘agenciamentos’ que metamorfoseiam ou mudam
suas propriedades à medida que expandem suas conexões, que ‘são’ nada mais
nada menos do que as conexões mutantes com as quais estão associados”. Grifo
meu.

Conceito de Ética em Foucault (dicionário Revel): Maneira pela qual cada um


constitui a si mesmo como sujeito moral do código, maneiras de o indivíduo ‘conduzir-
se’ moralmente, diferentes maneiras para o indíviduo não operar simplesmente como
agente, mas sim como sujeito moral dessa ação;

O sujeito faz de si mesmo a matéria principal de sua conduta moral: ele se sujeita ás
regras- já que experimenta a obrigação de colocá-la em ação- mas o seu modo de
sujeição é uma escolha pessoal estético-política (‘fazer da sua vida uma obra de arte’).

Ética enquanto relação que o indivíduo estabelece consigo mesmo.

Subjetivação (dicionário Foucault): os ‘modos de subjetivação’ ou ‘processos de


subjetivação’ correspondem a dois tipos de análise:

A- modos de objetivação [conferir existência?] que transformam os seres humanos


em sujeitos, o que implica que só há sujeito objetivados e que os modos de
subjetivação são práticas de objetivação;
B- maneira pela qual a relação consigo, por meio de um certo número de técnicas,
permite constituir-se como sujeito de sua própria existência;

Se o sujeito se constitui, não é sobre o fundo de uma identidade psicológica, mas


por meio de práticas que podem ser de poder ou de conhecimento, ou ainda por
técnicas de si;

PSI: “O psi significa mais do que uma forma historicamente contingente de


representar a realidade subjetiva. O psi, no sentido que eu utilizei aqui, entrou de
forma constitutiva em reflexões críticas sobre os problemas de governar pessoas
de acordo com sua natureza e sua verdade, de um lado, e, por outro lado, com as
demandas da ordem social, da harmonia, tranquilidade e bem-estar social.
Conhecimentos e autoridades psi deram origem a técnicas para modelar e
reformar selfs constituídos a partir dos aparatos das forças armadas, das prisões,
das salas de aula, dos quartos, das clínicas e muitos outros. Eles estão presos a
aspirações sociopolíticas, a sonhos, esperanças e medos, com relação a questões
tais como a qualidade da população, a prevenção da criminalidade, a
maximização da adaptação, a promoção da autodependência e do
empreendimento. Eles têm sido incorporados em uma proliferação de programas
sociais, intervenções e projetos administrativos” [p.239]

Narrando os selfs [linguagem]


“Se a linguagem é organizada em regimes de significação nos quais ela se
distribui em termos de espaços, tempos, zonas e estratos, e se ela é montada em
regimes práticos de coisas, corpos e forças, então a ‘construção discursiva do
self’ aparece de forma bem diferente. Quem fala, segundo que critérios de
verdade, de que lugares e espaços, e sob quais formas de persuasão, sanção,
mentiras e crueldades? Em relação ao domínio psi, esses são precisamente os
tipos de questões que devemos abordar: a emergência de práticas, locais e
regimes de enunciação que dão poder a certas autoridades para falar sobre a
nossa verdade na linguagem da psique; os regimes que constituem a autoridade
por meio de uma relação com aqueles que são seus sujeitos como pacientes,
analisandos, clientes, consumidores; as paisagens, os edifícios, os quartos, os
arranjos planejados para tais encontros, dos consultórios às alas de hospital; os
vetores afetivos da compulsão, sedução, contrato e conversão que conectam as
linhas. Em outras palavras, não se trata de questão sobre o que uma palavra,
uma frase, uma estória ou um livro ‘quer dizer’ ou o que ele ‘significa’, mas,
de forma distinta, de ‘com o que ele funciona, em conexão com que outras
multiplicidades, as suas próprias são inseridas e metamorfoseadas’- não a
sua profundidade ou o peso semântico não revelado, mas suas conexões,
associações e atividades ‘superficiais’. Isso não implica virar as costas para
a linguagem nem para todos os estudos instrutivos que foram conduzidos
sob os pressupostos de uma certa noção de ‘discurso’ ou que utilizaram a
analítica da retórica. Mas implica sugerir que tais análises são mais
instrutivas quando se concentram não no que a linguagem significa, mas no
que ela faz: que componentes de pensamento ela conecta, que ligações ela
desqualifica, o que ela possibilita aos homens imaginar, diagramar,
fantasiar uma existência, agenciar conjuntamente; os sexos com seu gestual,
suas formas de andar, de vestir, de sonhar, de desejar; famílias com suas
mamães, papais e bebês, suas necessidades e frustrações; máquinas de curar
com seus médicos e pacientes, seus órgãos e suas patologias; máquinas
psiquiátricas com suas arquiteturas reformatórias, suas grades de
diagnóstico, seus mecanismos de intervenção e suas noções de cura” [grifo
negrito meu, sublinhados do autor].

p.251- “A memória, a habilidade numérica e a escrita simplesmente


exemplificam o fato de que as análises de linguagem em termos de significado
concedem muita autonomia à semântica e à sintaxe, e dão muito pouca atenção
às práticas situadas que convocam, inscrevem e incitam certas relações da
pessoa consigo mesma. Elas ignoram os mecanismos de inscrição, desde os
livros de histórias, as tabelas, gráficos, listas e diagramas, até vitrais e
fotografias, o design de aposentos, peças de equipamentos, como televisões ou
fogões. Essas tecnologias culturais funcionam como formas de codificar,
estabilizar e convocar o ‘ser humano’ que vão além do envelope da pessoa, que
permanecem em lugares, práticas, rituais e hábitos particulares e que não são
localizados em pessoas particulares e nem são intercambiáveis segundo o
modelo de comunicação. Assim, embora as linguagens, os vocabulários e as
formas de julgamento sejam, indubitavelmente, de enorme importância em
convocar e estabilizar certas relações da pessoa consigo mesma, eles não
deveriam ser entendidos como questões primariamente interacionais e
interpessoais. Aquilo que torna qualquer intercâmbio particular possível surge de
um regime de linguagem, inserido em práticas que percebem o ser humano de
várias formas, que inscrevem, organizam, moldam e exigem a produção da fala-
médica, legal, econômica, erótica, doméstica, espiritual. Mas essa referência às
práticas e aos agenciamentos dos quais a linguagem é parte chama a atenção
para outra fraqueza inescapável dessas estórias ‘psicológicas’ do self narrado[...]
O que deve ser analisado é a forma de relação consigo mesmo conformada
em práticas e procedimentos definidos nas ligações, fluxos e linhas de força
que constituem pessoas e atravessam, através e ao redor delas, em
maquinações particulares de força- para trabalhar, para curar, para
reformar, para educar, para trocar, para desejar, não somente para
responsabilizar, mas para manter como responsável.

Argumento do item: “Uma vez tecnicizadas, maquinadas e localizadas em


lugares e práticas, uma imagem diferente da ‘construção de pessoas’ emerge. As
pessoas, aqui, funcionam de uma forma heterogênea inescapável, como
arranjos cujas capacidades são definidas e transformadas por meio de conexões
e ligações nas quais elas são apreendidas em espaços e lugares particulares.
Não é, portanto, uma questão de analisar uma narrativa do self, mas, ao
contrário, de examinar o agenciamento dos sujeitos: de sujeitos em combates
nas máquinas de guerra, de sujeitos trabalhadores nas máquinas de trabalho,
de sujeitos desejantes nas máquinas de paixão, de sujeitos responsáveis em
diversas máquinas de moralidade. Em cada caso, a subjetivação em questão é
um produto, não da psique ou da linguagem, mas de um agenciamento
heterogêneo de corpos, vocabulários, julgamentos, técnicas, inscrições e
práticas” [grifos em negrito meus, pág.252].

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