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Fichamento Lassalle
Fichamento Lassalle
PRIMEIRA CONVERSA
1. A tradição teatral
Tradição: no momento em que se redescobre seu esplendor é que se percebe que ela etsá
a ponto de morrer.
2. Dicção e declamação
Tradição da dicção: corpo doutrinal do ator francês – não se ensinava o jogo teatral, mas
a declamação (reprodução de um costume).
O banal, o imediatismo da vida; ou aquilo que não é teatro, como romance, filme, a
memória pictórica.
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6. O mestre paternal e o mestre fraternal
O melhor mestre é aquele que for menos professor, que convida o aluno a partilhar com
ele a ignorância.
Todo texto é um enigma, toda encenação uma pesquisa, toda direção de ator uma
aceitação partilhada do desconhecido.
O grande ator é capaz de renunciar a si mesmo, renegar a imagem que os outros têm
dele,
7. O outro do teatro
8. Aprender a desdobrar
Parte-se dos textos deixando de lado os comentários literários acerca deles, enfrentando
a polissemia da escrita, suas significações, suas contradições aparentes, sentidos
incompletos, espaços em branco.
Alunos-atores esperam um saber estrutural, mas artistas em transformação são mais que
isso.
Uma das missões do ensino é observar a dobradura de uma pela e depois aprender a
desdobrar.
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Chega-se à força poética de uma obra questionando-a, desarticulando-a.
9. O amor à língua
Durante muito tempo na França o teatro era declamação e dicção (aprender a atuar era
aprender a dizer).
Hoje a declamação parece retornar sob oura forma, uma fetichização do texto.
O texto é uma invariável (escrito ele é fixo), mas cada passagem sua à cena modula sua
percepção.
Antes da ignorância há o falso saber, o jovem ator é o menos inocente e virginal, está
programado, deformado.
O ator comumente se protege do seu “estar lá” atrás de sua máscara, sua técnica.
A travessia do palco revela o artificial do ator, pelo pânico diante da ausência de formas
impostas, subterfúgios ou esboços de interpretação.
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SEGUNDA CONVERSA
1. Fim Pedagógico
2 acepções da palavra Fim (finalidade; fim como término) – a escola deve ter uma
finalização mas a formação jamais deveria interromper-se.
A cada dia alunos se fragilizam diante do discurso midiático, do sonho do acesso ao star
system, da necessidade material de achar seu lugar no mercado de trabalho. Diante
disso, como assegurar a responsabilidade do artista na cidade, a cosntrução de si mesmo
a cada papel, a aula escolar como escola de vida e teatro.
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Essa bagagem vale não só para o exercício do teatro, mas ilumina o percurso de uma
vida. Uma pedagogia de arte e vida.
O modelo atual de escola se fundamenta na idéia de que para aprender teatro é preciso
fazer teatro. Idéia de que “forçando o exercício de uma técnica torna-se hábil nela”.
Imagina-se um outro modelo não ligado ao fazer mas à necessidade de retardar o fazer,
este seria o verdadeiro aprendizado. Uma formação voltada para à pratica da colocação
em dúvida.
Mestre Zen e a página em branco: retardar o fazer até o momento que se seria digno de
enfrentar a página em branco. Aos nossos olhos ocidentais isto parece exagerado, não
queremos adiar a prática.
As escolas cada vez mais são assediadas pela impaciência dos resultados. Escolas como
ligação ao mercado de trabalho e máquina de produzir espetáculos.
Hoje em dia o aluno tem um leque de opções , experiências, aplicações muito mais
importantes do que outrora. Tantas escolas, tantas propostas.
È preciso atentar para não se deixar ficar ao sabor do mercado, dos messias. O ator
depende do querer dos outros, mas só sobrevive pelas próprias escolhas.
6. O ensino, inútil?
Numa verdadeira relação pedagógica, mestre e aluno jamais se afastam, mesmo se não
mais se reencontrarem. Aquilo que foi semeado, germinará.
O pedagogo-encenador não deixa de estimular seus alunos, mas quando não o puder,
não deve se culpar exageradamente. A importância está naquilo que ele revelou aos
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alunos do teatro, da vida e deles mesmos, não pelos resultados aparentes de sucesso e
fracasso do futuros atores e suas relações com o mercado.
O teatro pode não ser o único objetivo do ensino do teatro, pode preparar para muitas
outras atividades da vida.
Escola enquanto utopia de não haver compromisso exterior que não fosse com ela
mesma.
A escola talvez seja o momento das performing arts e seu término corresponderia á
passagem para as artes do espetáculo.
9. Parcela de sonho
Há aqui uma dialética: como realizar esse sonho e, ao mesmo tempo, preservar a
necessidade de um teatro inscrito na história, no coração da cidade?
Esta escola exige uma recusa provisória do mundo ao redor. Muitas escolas hoje
possuem objetivos eleitoreiros, mercantis e midiáticos, fascinando os alunos com
promessas e propostas.
Tudo hoje exprime a arrogância e impaciência do mercado. Isto deve ser rejeitado pela
escola.
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TERCEIRA CONVERSA
1. Lugar do saber
Geralmente, ensinar é, em grande parte, transmitir um saber. Um aluno que sai da escola
tem mais saber ou habilidade do que quando entrou. Em relação ao ator ele atua melhor
ao sair, mas se trata de um aperfeiçoamento, não de uma aquisição.
Ensino indireto – conhecimentos ou exercícios que não têm uma relação aparente com
aquilo que se pretende e têm um efeito secundário, aparente desvio que permite na
realidade um trabalho indireto.
A transmissão doa saber, afora o técnico ou o corporal, faz-se no jovem ator de maneira
transversal.
Alunos-atores têm muita impaciência para subir ao palco, daí a necessidade de doses
homeopáticas de comentários e exposições prévias, condição de uma relação evidente,
imediatamente necessária para o trabalho cênico.
O ator instintivo acha que o conhecimento pode ser uma ameaça ao seu “dom”. Quer ser
operacional no seu trabalho cênico.
Ator racional ou reflexivo é mais ligado à curiosidade intelectual, mas deve ser ensinado
de que não será destruído pela colocação em dúvida do saber.
O pedagogo e o encenador jamais sabem o suficiente sobre uma obra, mas quanto mais
ele souber mais estará livre para multiplicar hipóteses e propostas
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4. A descontinuidade do progresso
No teatro não há uma progressão contínua no saber. Um aluno pode titubear meses num
papel, como que à deriva, e um dia ele escapa. Essa progressão, ou melhor, essa
libertação, não pode ser programada, nem organizada somente no tempo cronológico.
Os alunos tem uma escuta dupla, uma racional (menos determinante) e outra obsessiva
(meticulosa) ou sonhadora. O tempo da disciplina, da concentração chegará mais tarde,
caso tenha que acontecer.
5. Escola é Teatro?
O teatro é frequentemente refúgio daqueles que a sociedade parece não tê-los querido. O
jovem ator vive uma identidade fragmentada, com zonas de desequilíbrio.
Em arte tudo acaba sendo o construir-se, o escolher-se, fixar-se numa duração e num
espaço determinado, mesmo quando se trata do que no início é despedaçado,
interrompido, contraditório.
O pedagogo deve ajudar o aluno-ator a viver essa identidade instável numa relação
lúdica, sem angústia, viver na sua pluralidade, na sua diferença, nas suas ambigüidades,
indecisões e humores variáveis.
Não é o caso de reduzir ator, mutilá-lo com conceitos fechados como modelo de
unicidade de sentido, ditadura do dogma ou tradição.
O ator deve descobrir ordem na sua desordem, uma harmonia nas suas dissonâncias para
cada novo papel, para cada inserção numa nova coletividade.
Uma totalidade não é rígida, mas flexível, num jogo entre os elementos que a compõem
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7. Caminhos de travessia
A pedagogia pode mostrar que a travessia de um papel pode dotá-lo de uma espécie de
equilíbrio, coerência interior, mesmo que provisória.
A escola forma atores, intérpretes, mas não forma artistas, embora artistas possam sair
de uma escola
O ator tem necessidade senão de escola, ao menos de um mestre, a fim de que, discípulo
e rebelde, chegue á confiabilidade do intérprete à vulnerabilidade do artista.
9. O olhar do outro
É bom que o aluno aprenda a trabalhar a dificuldade de um olhar que desloque seu
ponto de vista sobre si mesmo.
A escola permitiria aprender a viver sob a imposição desse olhar que se desloca.
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QUARTA CONVERSA
1. O gesto exato
O papel é uma ficção que só pode ganhar corpo em uma outra ficção: aquela que o ator
produz dia após dia, a partir de seu imaginário, de sua memória, das suas mentiras mais
verdadeiras do que as verdades da vida.
Atuar é, ao mesmo tempo, passar de um corpo imaginário, induzido pelo texto, para o
corpo do ator que se encontra disponível no palco.
Encontrar um gesto preciso para o ator é arrancá-lo do natural da vida e fazê-lo atingir a
totalidade do papel por meio da apreensão, da colocação em evidência de um detalhe
aparentemente minúsculo.
Há sempre uma sensualidade no gesto preciso. Ele deve ser saboreado, salivado,
reconhecido pelo aroma, como no melhor da arte culinária.
O dom da imitação não tem nada a ver, exatamente, com a arte do ator, não se pode falar
necessariamente em criação.
O ator não imita a realidade, ele a reconstrói. A partir de elementos da observação ele
inventa uma figura nova, para a qual toma emprestados diversos modelos, condensando-
os e transcendendo todos, pela condensação e decomposição de vários gestos para
atingir uma espécie de gesto genérico, jamais visto e, contudo, familiar.
Uma observação mal feita não é uma falta contra o realismo, mas contra o próprio
teatro, pois não existe teatro sem realismo: a presença real de um corpo humano faz com
que a questão do realismo se coloque e seja sempre colocada, seja qual for a estética do
espetáculo: naturalista, simbolista, burlesco, etc.
É por isso que a observação não é redutível a uma perspectiva realista. A observação já
é uma criação.
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A arte consiste muito mais em suprimir do que acrescentar: gestos apurados,
escrupulosamente analisados, desconstruídos e depois reconstruídos a fim de preservar
somente o essencial.
3. As duas histerias
Desde a primeira leitura peço aos atores que não me proponham nenhuma interpretação.
“Não atuem. Concentrem-se apenas na leitura e sua compreensão. Contentar-se em
responder somente na medida daquilo que vocês compreendem e daquilo que vocês
sentem. Nem menos e nem nada mais que isso – a justa medida”.
Há que proporcionar ao jovem ator o gosto pela paciência, pela distancia, pela
“pensatividade” (caráter pensativo). Lembrar-lhe a atuação como construção do papel
como partitura, não como identificação ilusória.
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5. A escuta do outro
Ao jovem ator, sobretudo no passado, muitas vezes importa pouco o parceiro ( o outro,
o olhar do outro, a reatividade do outro, a voz do outro, o corpo humoral do outro,
orgânico, animal, social, estético e cultural), quando o que importava era dar conta da
oralização do texto.
Muitos anos depois “o outro” encontrou devagar o seu lugar em todas as formas de
teatro.
O que chega a excessos e erros quando o corpo, o seu e o do outro, parecem preencher
unicamente o espaço, exclusivamente, abdicando de temas, história, sentido constituído,
troca de texto, em relações indistintas.
6. O corpo devorador
Há também o caso do ator-estrela, o qual não nega o outro, mas sabe se valer dele,
diminuindo, encobrindo até finalmente negar o a presença do outro (prática corrente no
star-system).
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QUINTA CONVERSA
1. O pensamento do corpo
Há muitas ilusões sobre o corpo no teatro, o corpo do teatro. Há uma crença de que a
distancia aos códigos nos aproxima de uma verdade cênica. Exibir o corpo, ecoar sua
materialidade, seria escapar ao código, á mentira, à inautenticidade, ao que não
ineteressa.
Isto é uma ilusão, pois não há nada mais codificado que o corpo.
Há uma falsa idéia de que o agitado, o frenético é mais profundo, sincero, verdadeiro...
Um teatro impregnado de histeria, um corpo que se põe a falar na ausência de outra
“língua”.
O teatro tem horror ao pleonasmo. Acentuar a histeria do próprio corpo num papel que
já tem excessos é ser redundante.
Há, contudo, uma histeria perturbadora, do corpo singular, irradiado pelo papel na
recriação do ator, não a histeria do próprio ator, previsível, advinda de determinado
modelo ou arquétipo de convenção.
O encenador deve pedir ao ator que ele “se surpreenda ao tentar surpreender os outros”.
Há aqui um ideal de ultrapassar-se a si mesmo, do desaparecimento de si mesmo em
você.
O ator verdadeiro é sempre excedido por seu papel. Ele nem está em condições de julgar
o conjunto da representação nem seu próprio percurso.
2. Saber reinterpretar
Refazer neste caso é menos reproduzir a própria coisa e mais as suas condições de
aparecimento. Fixar no processo diário um dispositivo de atuação e administrar a
recondução. Não refazemos, colocamo-nos na situação de refazer.
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O ator é diferente a cada noite de apresentação, contudo, o papel não varia
fundamentalmente, nem na sua substância nem nos seus contornos. É dessa tensão,
desse tremor entre a variação relativa do ator e a invariabilidade relativa do papel que se
organiza a identidade, a permanência quase estabilizada, quase fixada de cada
representação.
3. O instante decisivo
O primeiro problema do aprendizado não é tanto produzir esse instante, mas saber
reconhecê-lo.
4. O primeiro momento
5. Aprender a refazer
6. Saber esquecer
Tudo é esquecido porém retorna quando se pede, cada vez que se readquire o
dispositivo da atuação (parceiros, espaços, objetos, figurinos, sons...).
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O ator não tem que se lembrar do texto, é o texto que deve se lembrar do ator. O texto
atravessa o ator, se apropria dele. Situando as condições da representação o texto
surgirá, ritmado, cadenciado. É o texto que se fala no ator, este com seu consentimento,
seu prazer de hospedeiro, de corpo penetrado.
8. O dom e o talento
O dom, diferente do talento, não se avalia, não se mede nem se compara. É um “Já sei.”,
o que pode levar ao isolamento da autossuficiência.
A questão do dom: o aluno superdotado pode ser desprovido em outros pontos. Priemrio
deve descobrir o prazer de trabalhar com os demais.
O dom induz a uma injustiça inicial que a escola tem condições de compensar. Todos
têm dons, é bom que não sejam os mesmos.
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9. O artista, a criança, a escola
Uma das responsabilidades do professor convencer o jovem ator do quanto sua arte será
maior na medida em que puder analisá-la, quantificá-la, fixá-la, excedê-la.
A escola também é útil ao artista. Há uma ideologia errônea que prega que o aluno
aprendiz é um artista que somente carece de técnica, e a escola ensinaria os métodosque
permitiriam revelar o artista escondido no aluno.
A escola pode dar ao aluno uma nova compreensão da singularidade de sua própria
busca. Conhecer a si mesmo passa pela escola e pelo conhecimento dos outros.
O pedagogo forma intérpretes, mas deseja criar artistas, tentando liberar o vigor nos
artistas, a inocência, o gosto pelas descobertas, pelo risco.
O ator por toda a sua vida continua sendo uma criança, habitando sua infância.
Carregamos uma criança não morta, mas adormecida, e que nos faz sonhar.
Não se trata de fabricar um artista, mas criar as condições para que um artista nasça a
partir de si mesmo.
Ao jovem ator a escola é um caminho para si mesmo; mais tarde ela é naturalmente
substituída pelo exercício de sua arte, que é preciso desejar que seja freqüente.
A escola que aqui se fala é uma escola de vida verdadeira, não se sacrifica à idéia de que
a universidade deveria dotar os estudantes de um saber útil, devidamente especializado,
imediatamente explorável.
Muitas escolas aderem ao sistema e trabalhando para sua prosperidade, ensinando o ator
a se vender no mercado, universidade realista e competitiva responde rápido ao
negociante de arte, rapidamente vendável.
Se a escola verdadeira está longe das religiões do lucro, ela não está, apesar disso,
descartada do mundo. Ela sabe o que a cerca e a ameaça, conhece também os motivos
de sua resistência, a necessidade de seu não alinhamento.
O grande ator possui uma capacidade de ruptura, de renúncia a seu ego, “adoram
imensamente desaparecer” (Novarina).
A arte do ator escapa àquele que a exerce. O grande ator realiza-se na sua própria
extinção, erguendo-se da sua própria extinção, anulação.
Todo ator deve perguntar-se sobre suas escolhas, no plano estético, político ou moral.
Qualquer ator pode começar a resistência frente aos poderes. Com o tempo, o que era
busca da experiência e esforço no jovem ator, vai se tornando escolha de compromisso e
destino.
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SEXTA CONVERSA
1. A matidez
Abatido, aflito, úmido, que não tem brilho, que tem pouca ressonância, que não é
transparente, opaco.
O ator opaco é aquele que não se declara completamente, deixando para o espectador a
tarefa de determinar aquilo que há para experimentar e compreender. É um latente em
suspensão, implosão em latência, aquém da significação proclamada, da emoção
manifestada.
“isto que experimento, isto que compreendo pode, a qualquer momento, inverter-se.”
Nenhuma conclusão definitiva é possível, há sempre algo em suspenso, não oculto para
sempre, mas permanece em aberto. Como se a maior clareza fosse a condição de uma
obscuridade.
Trata-se de introduzir no centro de cada proposta, senão o seu contrário, ao menos seu
correlativo contraditório. É o que sobra de obscuro no claro, de suspenso no conclusivo,
de surdo no sonoro, de escondido no mostrado.
A atuação opaca diz respeito ao duplo convite de maior intensidade do desejo e à sua
repressão.
Ator adesista procura a mais estreita superposição entre a personagem e ele mesmo.
A histeria é um momento, etapa pelo qual a maioria dos atores passa, não como um
objetivo, mas um estado-limite.
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O primeiro sentido de histeria é: conjunto de problemas psíquicos, neurológicos e
funcionais diversos. Contudo, os jovens atores logo querem chegar a esse estado, o que
não é necessariamente produtivo e verdadeiro.
O que está em jogo no trabalho do ator não é somente uma questão de problema interno
de criação ou escolha estética, mas a natureza da ligação com o espectador.
O foco é a liberdade e a atividade do espectador, sozinho diante da página ou da tela, em
conjunto com os outros diante do palco.
4. A água e o feno
O teatro não é a simples ilustração de uma idéia, por mais explícita que seja. Há sempre
um equilíbrio precário na interpretação, dividida entre os sentidos, as forças, as energias
que se defrontam no ator, o desafiam.
O ator pode ir a vir, aceitar a embriaguez da atuação, mas “se ele vai até a água, não
esquece do feno”. Interiormente permanece em parte dividido, como que ausente pela
incompatibilidade de suas tentações. Há uma impossibilidade de entregar-se totalmente
a um ou a outro.
5. A atuação contraditória
O ator sem brilho satisfaz porque sua interpretação é um questionamento febril tanto
sobre si mesmo quanto para a platéia. Prefiro a indecisão do ator sem brilho.
6. A economia expressiva
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O teatro com que sonho é um teatro que nunca se farta, que sempre economiza no cerne
de sua aparente plenitude de consumação, com uma parcela de indecisão, de convite à
continuação, à troca permanente. A obra no seu objetivo máximo é feita por aquele que
a observa.
Na ação eles sabem conservar uma espécie de moderação entre o que fazem, o que
poderiam ter feito e o quanto vão fazer.
7. A “absorção” teatral
É preciso sempre conservar a idéia de divertimento, havendo oposição entre aquele que
é entretenimento “sem conseqüência” e aquele que a presume, não sendo esta
necessariamente um aumento de saber, de consciência, de moral, mas talvez seja o caso
de “menos”: menos certezas, menos ilusões.
O ator opaco termina a apresentação ainda suspenso entre vida e morte, entre visível e
invisível, uma qualidade de apatia, de desvario, de ausência de si e dos outros que não
se finge. E aos poucos vai sendo restituído a si mesmo, exausto mas feliz, para à alegria
do compartilhamento final.
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SÉTIMA CONVERSA
1. Depois do fim
A escola aqui evocada não possui o “depois” como fonte de preocupação, mas este,
igualmente, não deixa de estar no seu horizonte.
Que outro ensino, senão o artístico, aceita ser desobrigado de supervisão de aptidão do
ensino. “Eu sou artista e isto basta. Não é preciso dar nenhuma prova disso.” Este
posicionamento fere a própria dignidade dos artistas.
Não há somente uma formação ao ator. Além disso, a mídia nos mostra que, mesmo sem
a mínima formação ou preparação, muitas pessoas se transformam nas estrelas do dia ou
do trimestre (vide os reality-shows). Nestas condições, para que se formar?
4. Ritos de passagem
5. Vida de cão
Meyerhold dizia: “Um verdadeiro teatro coletivo dura tanto quanto a vida de um cão”.
Atores que coincidem muito com o ensinamento que receberam não sobrevivem a ele.
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6. O artista diplomado
Mas, se não há mais diploma, exame ou título, o que haverá então? Talvez a exigência
individual...
7. Exigência e notoriedade
Um ator deve ser habitado pelo desejo de ultrapassar os seus limites e pela lucidez de
conhecê-los. Cabe à escola prepará-lo para essa dupla vigilância.
Quando o artista não se percebe mais como uma inquietude, mas um eufórico
administrador de sua imagem, reconhecendo-se como mercadoria, ele está perdido para
o teatro. Muitos jovens esperam que a escola acelere seu acesso à notoriedade.
A vida do artista não é senão uma longa experimentação, longo aprendizado nunca
terminado de um saber e um amadurecimento.
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“Mais uma peça que não fará ninguém rir, exceto o público: Mais uma arte, o teatro, que
não interessa a ninguém, exceto ao público.”
Há público, existe demanda. O espectador tem a intuição de que uma das oportunidades
que se lhe apresentam para escapar ao nivelamento, à desinformação, à lavagem
cerebral, é compartilhar com os outros, numa proximidade física e intelectual, um
questionamento sobre si mesmo e sobre o mundo.
O teatro não pode morrer, é o menor denominador comum de uma sociedade. Qualquer
coletividade começou sempre por se colocar à prova na representação de seus mitos e
seus valores, suas proibições e aspirações. Desse ponto de vista não se deve ceder ao
mercado e ao catastrofismo.
Como construir uma escola que não seja entregue à impaciência aterrorizada de
representar, uma escola que seja, pelo contrário, uma propedêutica de arte e vida? Com
professores que não transmitem as tradições duvidosas, mas algo a partir de sua própria
busca, convidando-os a viver o presente. “Eu vivo tão intensamente, harmoniosamente,
o presente que não tenho que me preocupar com o futuro”.
A arte é sempre luxuosa e a idéia é que ela seja um luxo “acessível a todos”
(Stanislavski). O aspecto luxuoso da arte deve ser pensado e afirmado numa perspectiva
democrática.
A arte não deve ser justificada pela existência do mercado; a arte ter uma função prática
constitui a negação da arte. Este argumento é frequentemente utilizado pela classe
política, ou seja, a cultura como subterfúgio para o investimento produtivo.
O teatro público não tem que se deixar beneficiar pelos reflexos do teatro privado.
A escola deve reivindicar um teatro de arte, nacional, popular, ou seja, elitista, luxuoso
para todos; o futuro de uma prática de criação e transmissão que ainda se inscreve numa
missão de serviço público.
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