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O Embuste

Índice
1. Introdução
2. Ankh
3. Asmodeus
4. Bieil, Irmã Sandrine
5. Culto da Deusa
6. Dossiers Secretos
7. Geometria Sagrada
8. Gnómon em St.-Sulpice
9. Heréticos
10. «Hieros Gamos»
11. «Holy Blood, Holy Grail»
12. Santo Graal

(NOTA: Este capítulo é ainda um esboço! Faltam ainda comentários a mais de metade dos tópicos
do livro de Simon Cox, e mesmo os comentários que aqui são já apresentados, estão ainda
incompletos, ainda não se fazem acompanhar de documentos e de ilustrações, pelo que tudo isto
irá crescer com o tempo. O livro de Simon Cox já vai na sétima edição! A urgência desta situação
ditou a publicação - certamente precoce - deste trabalho ainda em fase embrionária.
Adicionalmente, muitos dos tópicos históricos que Simon Cox aborda com ligeireza requerem muito
trabalho de pesquisa, de forma a serem apresentados corretamente)

Neste capítulo falarei de vários embustes, aparentemente isolados, mas que fazem parte de
um grande Embuste. Ligar todas as peças do puzzle não é fácil. Na onda de paranóia levantada
pelo best seller "O Código Da Vinci" do escritor americano Dan Brown, o leitor menos acostumado
a estas andanças poderá sentir-se facilmente confuso. Certamente, serão poucos aqueles que
reconhecerão, nas esguias tiradas literárias de Dan Brown, os contornos do Mistério de Rennes-le-
Château. Contudo, quase todas as "teorias" usadas por Dan Brown já existiam antes. Já tinham
sido avançadas por autores como Henry Lincoln, Michael Baigent e Richard Leigh, os primeiros a
relacionar o embuste da "linhagem merovíngia" inventada por Pierre Plantard e Phillipe de
Chérisey com a tese da "linhagem sagrada" de Jesus e Maria Madalena. Contudo, Dan Brown não
se ficou pela escrita de um romance baseado na obra do trio anglo-saxónico. Ele introduziu mais
algumas teses da feminista Margaret Starbird, adepta fervorosa do "culto da Deusa" e do "sagrado
feminino", que ela insiste em ver por todo o lado. E juntou ainda umas pitadas do duo Lynn Picknett
e Clive Prince, os primeiros a falar em "códigos Da Vinci".

O que poderíamos esperar desta verdadeira "sopa de pedra" pseudo-histórica e pseudofactual?


Seguramente, esperaríamos uma indigestão, não fora o ardiloso estilo policial da escrita de Dan
Brown, que aliado ao fascínio da temática, tornaram o "Código Da Vinci" no livro sensação de 2004
(aqui em Portugal, porque o livro fez sensação no resto do mundo logo a partir de 2003). Mas Dan
Brown tem uma desculpa boa: ele escreveu um romance, e não precisa de se justificar nem de
fundamentar as teses que coloca na boca dos personagens "eruditos" do seu romance. É tudo
ficção, não é? Será?

Dan Brown deixa a questão em aberto, mas sugere logo uma resposta, ao colocar nas primeiras
páginas do seu romance uma referência suspeita e dúbia à veracidade das obras de arte, dos
rituais e das organizações mencionadas no enredo. Ele fala verdade? De certa forma pode-se dizer
que sim: Leonardo da Vinci existiu, o quadro da "Última Ceia" também, o Opus Dei é uma
organização real, e por acaso, até existe um Priorado de Sião (doravante, usaremos esta
expressão, mas a original é "Prieuré de Sion", mas outras expressões comuns são "Monastério de
Sião" - expressão que nos chega da tradução brasileira da obra do trio anglo-saxónico, "The Holy
Blood and The Holy Grail"). Mas o Priorado de Sião é algo totalmente diferente daquilo que Dan
Brown nos quer "revelar". Por isso, o romance começa logo mal com aquela pequena, mas grave e
falsa palavra "FACTO: (...)". Porquê? Porque o Priorado de Sião não foi criado no século XI, mas
sim em 1956.

Porque é que não me irei debruçar sobre o romance de Dan Brown? Porque é um romance.
Porque muitas pessoas insistem que um romance é sempre inofensivo. Porque muitas pessoas
nunca leram o site de Dan Brown e não conhecem ainda as propostas revolucionárias do autor
americano para a reforma do Cristianismo. Por isso, irei incidir o presente capítulo na obra
panfletária de Simon Cox, "O Código Da Vinci Descodificado - O Guia Não Autorizado dos Factos
por Detrás da Ficção". Dan Brown não passará por pessoa culta ou informada aos olhos do leitor
sensato. Mas Simon Cox vence Dan Brown no que toca a um medíocre conhecimento destas
temáticas. Simon Cox, com este seu livro, dá-nos um excelente exemplo de que quando não
conhecemos um determinado assunto, nos devemos abster de o comentar, quanto mais de
escrever uma obra que pretende ser séria e verídica. Por isto tudo, a obra de Simon Cox é ainda
mais perigosa. Apresentada como uma resenha de factos históricos que pretende contar a
"verdade" escondida no romance de Dan Brown, o que o livro faz é fornecer ao leitor menos
informado um molhe de informações parciais, adulteradas, inventadas, deturpadas, e tratadas de
forma profundamente medíocre, de forma a convencê-lo que, no fundo, Dan Brown nos está a
contar "verdades romanceadas", a revelar-nos "segredos escondidos" no seu romance. O leitor
incauto e menos informado não tem forma de se dar conta da extensão e da profundidade do
embuste que constitui esta obra de Simon Cox. Mas antes de principiarmos, aqui ficam algumas
questões que me têm sido dirigidas e as respectivas respostas...

O que é que tem contra Dan Brown?


Dan Brown é um autor com uma opinião pessoal revolucionária em relação ao cristianismo.
Ele possui uma ideia distorcida da realidade cristã, que poderá derivar de falhas graves na
sua formação cultural. Contudo, ao invés de guardar a sua opinião para si, Dan Brown
decidiu converter a sua forma peculiar de ver o cristianismo numa "verdade ocultada".
Misturando verdades com mentiras, ele construiu uma história alternativa para o
cristianismo. Uma farsa histórica que não era original, mas que era desconhecida do
grande público. As pistas falsas usadas por Dan Brown são convincentes para o leitor
menos preparado. É sabido que o mundo ocidental moderno desconhece profundamente a
história do cristianismo, e que o público em geral possui conhecimentos medíocres de
doutrina cristã. Os cristãos, sobretudo os católicos, são muitas vezes vistos como crentes
mal informados em relação à sua própria religião. Dan Brown usa isto tudo em seu
proveito. O seu romance, baseado numa pouco conhecida farsa histórica, nunca aponta ao
leitor a solução. Dan Brown não diz ao seu leitor que se baseou numa farsa. Dan Brown é
um impostor. É um mercenário que usa a ignorância e o preconceito anticatólico para
vender e fazer dinheiro.
Mas porquê tanta raiva? O livro de Dan Brown não é só um romance?
Não. Não é só um romance. A história literária conta com inúmeros exemplos de
criatividade artística em que o escritor produz um romance baseado em fatos históricos
que são alterados ou mesmo invertidos. São inúmeros os exemplos inocentes. Robert
Harris, por exemplo, com o seu romance Fatherland, no qual ele recria uma realidade
histórica baseada no pressuposto de que o nazismo teria saído vencedor da Segunda
Guerra Mundial, cria um mundo alternativo e irreal numa Europa contemporânea
mergulhada no nazismo. Ninguém se atreveria a chamar Harris de adepto do nazismo.
Mas também Robert Harris nunca deu entrevistas nas quais demonstrasse o seu desejo de
que o nazismo tivesse sobrevivido. Com Dan Brown, passa-se o oposto. Nas suas
entrevistas, Dan Brown mantém, na íntegra, a teia pseudo-histórica que ele usou na
criação do "Código Da Vinci", como se tal teia fosse uma "verdade ocultada durante
séculos". Para mais, Dan Brown sugere que a mentalidade moderna começa a pedir um
novo cristianismo, um cristianismo baseado na tese revisionista que ele vende no seu
romance. Por fim, Dan Brown refere que um académico, cujo nome omite, lhe teria
confessado que estava na hora de revelar ao mundo essa "verdade ocultada durante
séculos". Dan Brown não é verdadeiramente desmascarado no romance, mas sim nas
suas entrevistas e tomadas de posição públicas.
Sugere que Dan Brown tem uma agenda?
Sim. Dan Brown tem uma agenda clara: vender e ganhar dinheiro à custa da ignorância do
leitor. Os peritos literários são unânimes em declarar as obras de Dan Brown como
medíocres do ponto de vista literário. Não se pode dizer que ele seja um escritor sério. Um
escritor sério escreve pelo gosto da escrita e pelo amor à arte. O amor de Dan Brown é
duplo: fama e dinheiro. Além disto, Dan Brown cumpre, talvez de forma inconsciente, uma
agenda anticatólica. Dan Brown é um dos personagens chave na agenda anti-católica
contemporânea. O anticatolicismo é o último preconceito tolerado pela sociedade moderna.
Dan Brown sabe disso e aproveita-se disso.
Mas isso de agenda anticatólica não é um bocadinho "teoria da conspiração"?
Não. Qualquer "teoria da conspiração" parte do pressuposto de que há uma entidade
consciente que planeia e dirige a conspiração, no sentido da obtenção de determinados
objectivos. Não é o caso do anticatolicismo. O anticatolicismo não é uma conspiração, mas
sim uma tendência da sociedade moderna. Dan Brown alinha-se com essa tendência como
uma bússola se alinha com o norte. O anticatolicismo não é movido por uma entidade
inteligente e consciente, mas alimenta-se de uma tendência niilista e antitradicional, que é
inconsciente, mas cada vez maior e mais notória. Esta tendência anticatólica, que há muito
é tolerada para cumprir certas pressões políticas, começa agora a ser incentivada e
louvada por certos fazedores de opinião. Dan Brown apenas reagiu a esses incentivos
como o cão de Pavlov.
E qual é o seu problema com Simon Cox?
Simon Cox teve inveja dos estupendos lucros de Dan Brown, e decidiu atirar-se para frente
com o projeto de escrever um "livro companheiro" do romance, que é vendido como se
fosse a verdade histórica por detrás do "Código Da Vinci". Simon Cox teve olho para o
negócio mas deveria ter vergonha, porque escrever um livro sobre verdades históricas
obriga a que se possuam conhecimentos básicos sobre História, que claramente faltam a
este autor. Dan Brown tem a desculpa do romance. Simon Cox não tem desculpa. Além
disto, o seu livro pseudo-histórico, apesar de referir, de vez em quando, fatos históricos
incontestáveis, traz também muitas mentiras, factos deturpados, e, sobretudo muitas
omissões em questões para as quais Cox já poderia informar os leitores, e não o faz.
Porque omite Cox as explicações conhecidas de muitos historiadores relativas à farsa do
Priorado de Sião? Ele omite-as porque as desconhece? Impossível. Omite-as porque quer
manter a confusão em aberto. O deslumbramento do leitor e a sua sede de mistério,
alimentadas com a confusão de quem não consegue organizar o novelo de fatos, permitem
que se continuem a vender milhares de livros no mesmo estilo e do mesmo gênero.
Mas há algo que parece incongruente: afinal, Simon Cox e Dan Brown, sabem do assunto e
omitem, ou não percebem nada do assunto?
Na minha opinião, deverá ser uma mistura das duas coisas. Há muitas omissões
escandalosas nas suas obras, sobretudo no que diz respeito ao Priorado de Sião. Depois
existirão alguns erros históricos cometidos deliberadamente (porque seria fácil não os
cometer) e outros cometidos por simples desconhecimento. É muito complicado destrinçar
o que eles sabem e omitem do que eles ignoram. Apesar desta questão ter interesse, no
que toca à montagem deste embuste, penso que o fundamental é detectar o erro, onde
quer que ele se encontre.
Porque é que perde tanto tempo e investe tanto esforço neste assunto?
Por gosto pessoal. O mistério de Rennes-le-Château fascinou-me no momento imediato
em que tomei contacto com ele, em 1996. Este mistério, apesar de ter surgido através de
uma obra pseudo-histórica como é a do trio Lincoln, Baigent e Leigh, permitiu-me conhecer
uma realidade extraordinária e que antes desconhecia por completo. Apesar de ter
começado por acreditar em mentiras, essa credulidade inicial serviu de motor e de
incentivo para que aprofundasse o tema, e para que o esclarecesse até ao mais ínfimo
detalhe. Nesta pesquisa acabei por aderir de forma decidida ao catolicismo. Hoje em dia, é
a sede de Verdade e a vontade de defender o legado único e vital do cristianismo que me
faz escrever. Se tivesse que sintetizar diria: odeio a mentira mercenária.
Mas o seu catolicismo não estraga tudo, tornando-o parcial?
Não. Invariavelmente, um certo tipo de tendências opinativas não permite sequer a
existência de uma posição apologética, em favor do rigor histórico e doutrinal, se esta se
afirmar católica. Para um certo tipo de mentalidades, só os ateus e os agnósticos se
podem pronunciar sobre estes temas. A falácia é auto-evidente. Risca-se do confronto
argumentativo as poucas pessoas que estão em condições de o fazer, e as poucas que
podem falar com conhecimento de causa.
Você defende a Igreja Católica sempre e de forma incondicional?
Não. É costume confundirem o meu esforço em prol da veracidade da doutrina católica
como uma defesa incondicional da Igreja Católica. A minha defesa da doutrina é
inquestionável e incondicional, visto que se trata de uma tomada de posição em relação ao
que eu considero verdadeiro ou falso na realidade que me rodeia. Contudo, a Igreja é feita
de homens e mulheres, que erraram, erram, e errarão. A Igreja dedica-se a um intuito
altamente elevado e espiritual, e muitos pensam que, devido a este intuito, se deve esperar
dos membros da Igreja uma conduta incólume, marcada por uma aura de santidade, e sem
manchas. Espera-se da Igreja que seja sobre-humana. Mas ela é humana, apesar de ter
inspiração divina. Critico, como criticarei sempre, qualquer crime cometido por um católico,
seja ele um simples leigo ou um papa. A minha defesa da doutrina católica e do rigor
histórico em relação ao cristianismo não implicam que pactue com, ou aprove, os erros ou
crimes cometidos por católicos ao longo dos últimos dois mil anos.

Apenas uma nota antes de principiarmos: o leitor vai dar-se conta, repetidas vezes, do uso por
parte de Simon Cox de expressões como "pensa-se", "crê-se", "diz-se", "julga-se". O uso de verbos
conjugados na forma reflexa é uma velha artimanha, que os seus percussores Henry Lincoln,
Michael Baigent e Richard Leigh usaram até à exaustão. Nunca se sabe de quem falam eles, ou
seja, nunca se sabe quem "pensa", quem "crê", quem "diz", ou quem "julga". Se calhar, o mais
certo é... ninguém!

Ankh

Diz Simon Cox:


"Representada como uma cruz laçada ou em arco fechado, pensa-se que simboliza a correia de
uma sandália ou a membrana protetora de um pênis".
Não parece possível, mas isto está lá escrito!
Os significados que Simon Cox tira do Ankh estão totalmente errados. O Ankh é um símbolo
solar. É mais uma das múltiplas formas do símbolo milenar da cruz. Esta forma particular apresenta
um círculo sobreposto à cruz. Este círculo representa a esfera solar. A cruz, por sua vez, é um
antiquíssimo símbolo do Axis Mundi, ou "Eixo do Mundo". Representa a intersecção do eixo vertical
que liga os vários estados de existência (o "Eixo do Mundo") com o eixo horizontal, que representa
a expansão de um determinado estado de existência. Para mais referências, consultar a obra de
René Guénon, Le symbolisme de la Croix.
Simon Cox, porém, divaga:
"...muitos egiptólogos acreditaram tratar-se da primeira hipótese, se considerarmos que morrer
por pisar descalço um escorpião era um perigo bem real".
Perigo bem real é o de acreditar nestes disparates! Mas Simon Cox não desiste, e bate na
eterna tecla do "sagrado feminino":
"Contudo, alguns têm teorizado que ankh pode, de fato, representar os órgãos reprodutores
femininos, o que será lógico, dadas as suas qualidades geradoras de vida"
Ninguém duvida que os órgãos reprodutores femininos geram vida, o que é de duvidar é a
conveniência com que Simon Cox começa este artigo, ao descrever que o símbolo do Ankh
simboliza a "vida". Que conveniente, porque se ele dissesse que o Ankh era uma cruz solar, o que
é de facto, então já não poderia fazer a tão intencionada ponte associativa com o "divino feminino".
Os "muitos raios de sol que terminam em símbolos ankh", são obviamente, a confirmação do
que aqui foi dito acerca do caráter solar deste símbolo.
Quando o autor divaga do "divino" até ao "mágico", demonstra mais uma vez desconhecer a
diferença substancial entre o que é o sagrado e o que é a magia. O uso do Ankh como amuleto
protetor é, obviamente, um uso "infantil" do símbolo, que só se poderia tornar popular entre o povo,
nas camadas menos instruídas, ou em períodos históricos em que se tivesse perdido o significado
original do Ankh.

Asmodeus
Estátua do Diabo, à entrada da igreja de Rennes-le-Château.
Asmodeus é, de fato, o guardião dos tesouros escondidos. E existe, é verdade, uma lenda que
o associa à construção do Templo de Salomão. O problema é que a estátua à entrada da igreja de
Santa Maria Madalena, em Rennes-le-Château, não é a estátua de Asmodeus, mas sim a do
Diabo, prefiguração da República. Para o padre Saunière, que foi quem empreendeu todos os
trabalhos de restauro na igreja, em finais do século XIX, a República era o Diabo a vencer, nestes
tempos em que a França rural, monárquica e católica, tentava impedir o avanço dos ideais
republicanos e anticlericais. Após a primeira volta das eleições de 4 de Outubro de 1885, Saunière
faz este discurso perante a população de Rennes:
Texto original:
"Les élections du 4 octobre ont donné de magnifiques résultats, mais la victoire n'est pas complète... Le moment est
venu; il faut employer toutes nos forces contre nos adversaires. Il faut voter et bien voter. Les femmes de la paroisse doivent
éclairer les électeurs peu instruits, pour les convaincre de nommer les défenseurs de la religion. (...). Les Républicains, voilá
de Diable à vaincre et qui doit plier le genou sous le poids de la Religion et des baptisés. Le signe de la croix est victorieux
et avec nous (...) Que le 18 octobre devienne pour nous une journée de délivrance..."
Tradução:
"As eleições de 4 de Outubro produziram magníficos resultados, mas a vitória ainda não é
completa... Chegou o momento; é preciso usar todas as nossas forças contra os nossos
adversários. Há que votar e votar bem. As mulheres da paróquia devem esclarecer os eleitores
menos instruídos, para os convencer a eleger os defensores da religião. (...) Os Republicanos, eis
o Diabo a vencer, e que deve ajoelhar-se sob o peso da Religião e dos batizados. O sinal da cruz
vencerá conosco (...) Que 18 de Outubro se torne para nós um dia de libertação..."
Está lá tudo no discurso: a posição contra "os Republicanos", que eram "o Diabo a vencer", o
Diabo que "deve ajoelhar-se sob o peso da Religião e dos batizados" (a pia batismal que esmaga o
Diabo no conjunto estatuário à entra da igreja de Rennes-le-Château é precisamente uma
representação física do peso da Religião e do batismo a obrigar o Diabo a "ajoelhar-se"), e para
terminar, também lá está o "sinal da cruz", que no conjunto de estátuas é figurado por quatro anjos
dispostos em cruz, com a inscrição "par ce signe tu le vaincras" ("por este sinal tu o vencerás").
Resumindo: o conjunto estatuário é a versão escultural das idéias católicas e anti-republicanas de
Saunière, conforme expostas no seu discurso em 1885.

Anjos dispostos em cruz, por cima da pia batismal e do Diabo:


Como podemos constatar, a estátua é então simplesmente a do Diabo. Mas de onde vem o
Asmodeu (ou Asmodeus)? Vem de Gérard de Sède, que é o primeiro a usar o termo associado à
estátua da igreja de Rennes. A intrusão do Asmodeu nesta história toda provém da mistificação do
Priorado de Sião. Por isso, quando Simon Cox fala, com tanta segurança, no "guardião demônio"
dos documentos do Priorado de Sião, já estamos no reino da fantasia!

Os famosos "pergaminhos": documentos forjados por Phillipe de Chérisey:


Para quem não esteja ainda inteirado dos contornos do mistério de Rennes-le-Château, a frase
final do processo de "decodificação" do texto forjado por Phillipe de Chérisey (o suposto "segundo
pergaminho" achado pelo padre Saunière em Rennes-le-Château) é:
Texto original:
"bergere pas de tentation que poussin teniers gardent la clef pax DCLXXXI par la croix et ce cheval de dieu j'acheve ce
daemon de gardien a midi pommes bleues"
Tentativa de tradução:
"Pastor nenhuma tentação que poussin teniers guardam a chave paz DCLXXXI (681) pela cruz
e este cavalo de deus eu completo (ou destruo) este demônio guardião ao meio-dia maçãs azuis".
Daqui vemos de onde Simon Cox tirou o «demônio guardião», só que ele omite que o texto em
causa é um texto forjado, e faz parte de uma das mais bem conseguidas e populares fraudes
pseudo-esotéricas do século XX. Os "Dossiers Secrets", depositados nos anos sessenta na
Biblioteca Nacional em Paris são textos panfletários, contendo genealogias inventadas, relevos de
pedras tumulares que não existem, cartas e textos forjados, enfim, uma panóplia de mentiras
destinadas a dar credibilidade às teses de Pierre Plantard e do seu Priorado de Sião.
Mas o melhor disparate é reservado por Simon Cox para o fim. Vejamos:
"Este demônio é também venerado pelos Cátaros como o «Rei do Mundo»"
Bom, por onde começar? Em primeiro lugar, os Cátaros odiavam tudo o que era deste mundo,
que eles consideravam como criação do Demiurgo, uma entidade sub-divina que tinha formado o
Mundo para aprisionar as almas. Assim, o Rex Mundi era para os Cátaros a entidade malvada que
tinha condenado as almas à pena da vida terrena. Por isso, até uma criança perceberia que os
Cátaros nunca poderiam "venerar" este Rex Mundi.
Mas há ainda uma questão importante, que melhor revela de onde veio o detalhe fraudulento da
associação do Rex Mundi à estátua do Diabo em Rennes: no falso "segundo pergaminho"
cozinhado por Phillipe de Chérisey, feito de um excerto latino do Evangelho de S. João, há umas
letras extra adicionadas ao texto (aproximadamente de sete em sete letras), que fazem parte do
grupo de letras que devem ser "decodificadas" para produzir a confusa frase atrás referida. Parte
dessas letras formam as palavras "rex mundi", numa clara intenção de Phillipe de Chérisey em
querer associar o texto por ele forjado aos Cátaros. A associação do demônio Asmodeus ao Rex
Mundi era já bastante vaga, mas a associação do demônio Asmodeus e do Rex Mundi cátaro à
estátua do Diabo em Rennes-le-Château deriva já da credulidade de Simon Cox face aos falsos
"pergaminhos" do Priorado de Sião, e do seu total desconhecimento dos meandros complexos
(mas há muito conhecido) desta popular farsa pseudo-esotérica.

Bieil, Irmã Sandrine

A origem do nome desta personagem está corretamente apontada por Simon Cox. O atual
secretário da nova versão pós-Plantard do Priorado de Sião é um membro de uma associação
sindical francesa, e chama-se Gino Sandri. É daqui que vem o "Sandrine". Bieil vem, de facto, do
abade Bieil, do Seminário de Saint-Sulpice em Paris no século XIX. Diz-se, mas não é verdade,
que Bérenger Saunière, o padre de Rennes-le-Château, visitou o abade Bieil, levando-lhe os
pergaminhos encontrados durante as obras de restauro da sua igreja. Mas como vimos, esses
pergaminhos nunca existiram. O texto dos pergaminhos foi inventado por Phillipe de Chérisey,
partindo de um excerto latino antigo do Evangelho de S. João, retirado da monumental obra de
Dom Ferdinand Cabrol, "Archéologie Chrétienne et Liturgie". Por isso, o padre Saunière nunca
descobriu esses pergaminhos, porque foram inventados cinqüenta anos depois da sua morte pelo
Marquês de Chérisey. Adicionalmente, não há qualquer registro ou prova de que Saunière terá
atravessado toda a França para ir a Paris. Naquele tempo, tais viagens eram dispendiosas, e
seriam feitas apenas em casos excepcionais. Não há qualquer documento, e a vida de Saunière
está bem documentada em virtude da sua abundante correspondência e do número elevado de
bens que este adquiria, que ateste que o padre Saunière tenha estado em Paris. A sua estadia em
Paris com o abade Bieil é, por isso, totalmente fantasiosa, bem como o envolvimento do jovem
oblato Emile Hoffet na tradução dos ditos pergaminhos. Todavia, Emile Hoffet é uma personagem
real. Sigamos o historiador René Descadeillas, de Carcassonne:
"Alsaciano, nascido em Schiltigheim a 11 de Maio de 1873 sob o regime alemão. O seu pai era
provavelmente luterano porque a sua família gerou vários pastores; mas a sua mãe, Sophie
Feisthammel, era católica. Ela conseguiu que o seu filho fosse batizado em Paris. O que sucedeu
em 1884, ano no qual ele começou a sua instrução na "Maîtrise" de Monmartre. Ele continuou os
seus estudos no Noviciado ou Pequeno Seminário de Notre-Dame de Sion, em Meurthe-et-
Moselle, onde os Oblatos de Maria preparavam os jovens que deveriam seguir uma vocação
religiosa nesta congregação. Entrou no noviciado em Saint-Gerlach (Holanda, província de
Limbourg) e tomou o hábito a 14 de Agosto de 1892. Recebeu a oblação perpétua em Liège a 15
de Agosto de 1894 e foi nesta cidade que ele foi ordenado padre a 10 de Junho de 1898.
A sua vida foi de missionário, na Córsega, depois no sul e no norte de França; exerceu como
professor no Noviciado de Notre-Dame-des-Lumières no Vaucluse, passou um ano em Roma de
1903 A 1904, e entre 1905 e 1908 dirigiu a revista Petites Annales que pertencia à Ordem.
Estava em Paris em 1914. Mas a congregação estava dispersa, os religiosos ocupavam todos
um domicílio particular. Ele residia no nº 7 da Rue Blanche. Esta rua encontrava-se na paróquia da
Trinité, e deram-lhe em 1919 poderes para esta igreja, onde ele celebrou o culto durante
numerosos anos. Mas em 1923, a ordem voltou a reinstalar-se em França criando uma casa em
Paris. O Padre Hoffet retirou-se para esta casa em 1945. Morreu em Março de 1946 aos 73 anos.
Ele escreveu bastante sobre assuntos de história religiosa, nomeadamente em revistas. Para
além destes artigos, ele assinou apenas duas brochuras. Mas ele era notório pelos seus
conhecimentos em lingüística e ele mantinha relações com sumidades, nomeadamente altos
especialistas e professores da Sorbonne. Deixou um maço de notas em grego, em hebreu, em
sânscrito, sem ordem. Pensou-se que elas teriam sido enviadas para os arquivos da casa mãe, em
Roma, como é costume com o trabalho dos padres defuntos, mas infelizmente nunca se encontrou
nada.
Em todo o caso, religiosos que conheceram e se deram com o Padre Hoffet afirmam que ele
nunca se ocupou dos Merovíngios e que é impossível que o tenham vindo consultar em 1892,
porque foi neste ano que ele terminou a sua Retórica e que ele tomou solenemente o seu hábito
como noviço na Holanda.
De tudo o que se fala nos papéis Lobineau, dois fatos apenas são exatos: ele morou no nº 7 da
Rue Blanche e ele teve a reputação de ser um sábio em lingüística. O resto não passa de pura
invenção."
- René Descadeillas, "Mythologie du Trésor de Rennes", pp. 83-84.
Avisa-se o leitor de que René Descadeillas usa o termo "papéis Lobineau" sempre que se refere
aos Dossiers Secrets. "Lobineau" foi um dos vários nomes reais usurpados abusivamente por
Pierre Plantard.

Culto da Deusa

Este é um dos capítulos mais criativos do livro de Simon Cox. Tudo isto vem, claro está, da
imaginação fértil de Margaret Starbird, que se acha uma autoridade no "sagrado feminino". Diz
Simon Cox:
"N'O Código Da Vinci, também se torna claro que a figura de Maria Madalena representa e
simboliza a deusa original e a sua subseqüente veneração".
Bem, mais correto seria dizer que Dan Brown "quer tornar claro que a figura de Maria
Madalena, etc, etc...".
"O culto da Deusa é a mais antiga das religiões mundiais".
Esta é para rir. Mas, infelizmente, são poucas as pessoas que acham isto matéria de riso. Ora
vejamos: a "teoria" em voga é a da onipresença do "progresso". Ou seja, toda a gente concorda,
hoje em dia, que antigamente os homens e as mulheres eram mentecaptos, quase animais, e que
faziam estátuas gordas porque veneravam "deusas". Esta "infantilização" dos nossos
antepassados faz falta a muita gente, que se quer ver hoje em dia como "civilizada", "instruída",
enfim, "evoluída".
Na prática, o que sucedeu foi o seguinte: qualquer povo com tradição que se preze, e que
conceba uma divindade todo-poderosa, terá que a conceber como "una", ou seja, toda a doutrina
tende a unificar a multiplicidade do mundo manifestado na unidade do Princípio originador. Este
axioma metafísico, o da Unidade do Princípio, está presente em toda a cultura com um mínimo de
metafísica. Assim, existiram sempre, em qualquer cultura antiga, pessoas instruídas encarregadas
de preservar e ensinar as doutrinas da sua cultura, que teriam quase sempre alguns rudimentos,
senão mesmo conhecimentos profundos, de Metafísica. Por isso, seriam perfeitamente capazes de
discernir a unidade na multiplicidade do mundo que os rodeava. E Deus, para qualquer mente
inteligente que se preze, não é macho nem fêmea. Pelo simples fato de que Deus não tem sexo.
Não tem gênero. Daqui, todos os disparates sobre "deusas" caem por terra. A devoção popular, por
pura superstição, a "deusas" não implica que essa mesma devoção fosse praticada pelas camadas
inteligentes e cultas da população, que saberiam certamente que o Princípio ao qual se chama na
nossa cultura de "Deus" não tem sexo.
"...onde a religião Hindu levou o culto da deusa a uma plataforma espiritual mais elevada":
Sucede que o hinduísmo não é uma "religião", mas sim uma doutrina metafísica, como explica
René Guénon. Mais uma vez, a mania de alguns ocidentais modernos em etiquetar com conceitos
puramente ocidentais realidades que nada têm a ver com as nossas. O Hinduísmo, apesar de ter
"deusas" e "deuses" (que equivalem um pouco ao papel dos "anjos" do catolicismo, no sentido em
que são entidades supra-humanas, e infradivinas), é uma doutrina essencialmente fundada na
unidade de Brahma. A multiplicidade de "deuses" não permite que se apelide, como tantos fazem,
o Hinduísmo de "politeísmo". Toda a multiplicidade do panteão hindu se funde na unidade de
Brahma. Por isso, o papel desempenhado por "deusas" e "deuses" no hinduísmo é um papel
menor, face ao Eterno e Uno Brahma.
"Na verdade, foi apenas em anos recentes que a Igreja Cristã elegeu mulheres sacerdotes,
mostrando quão completa fora a subjugação da mulher pela doutrina judaico-cristã".
Por "Igreja Cristã", o autor deverá estar a referir-se ao protestantismo cristão. Estas palavras
escritas por um feminista convicto deveriam fazer sorrir qualquer pessoa, mas hoje em dia,
surpreendentemente, são bem poucos os que sorririam. Simon Cox demonstra, simplesmente,
uma gritante ignorância da natureza do sacerdócio cristão.
"Também no Islão parece que a supressão do feminino teve lugar, com alguns investigadores
teorizando que as origens da suprema divindade islâmica, Allah, reside na deusa Al-lat a qual foi
associada com a Kaaba em Meca, um altar pré-muçulmano que foi usurpado para a fé islâmica
pelo próprio Maomé".
A quantidade de asneiras neste parágrafo é impressionante! Comecemos pela "supressão do
feminino" no Islão, que só pode vir do preconceito de Simon Cox imaginar o islamismo pelos olhos
de Bin Laden e das mulheres de burka! Simon Cox confunde o fanatismo que se diz islâmico com o
próprio Islão, e imaginando-o como algo onde o feminino foi "suprimido", esquece-se dos milhões
de mulheres muçulmanas, profundamente devotas, espalhadas por esse mundo fora. Depois,
temos de novo "alguns" investigadores "teorizando" sobre as origens de Allah. Repetimos: Allah
não tem sexo, nem masculino nem feminino. Há certamente confusão entre o papel de shekinah
(lugar de manifestação ou presença divina) da pedra Kaaba, em Meca, e a própria divindade Allah.
O caráter de qualquer shekinah vem do fato de, sendo um lugar terreno da manifestação de Deus,
esse lugar ser feito com uma base "substancial", usando um termo aristotélico. A presença da
"essência" divina necessita do suporte "substancial" de um lugar, de um ser, ou de um objeto
material em concreto. A Kaaba, em Meca, é um desses "lugares sagrados" que servem de ponte
para o divino. O lugar da presença de Deus não pode ser confundido com o próprio Deus. A deusa
Al-lat não pode ser a origem de Allah. Tal afirmação é absurda. De um ponto de vista estritamente
doutrinal, Deus é a origem d'Ele próprio.
Adicionalmente, Simon Cox demonstra mais uma vez como são feitos os seus preconceitos:
Maomé não usurpou o lugar da Kaaba, porque a reutilização de lugares sagrados nada tem a ver
com "roubo" ou "usurpação", mas sim com uma profunda compreensão da sacralidade do espaço.
Há lugares mais adequados ao sagrado, e lugares menos adequados. Tal observação serve
também para aqueles que dizem que o cristianismo usurpou templos pagãos. O cristianismo
apenas reutilizou, rejuvenescendo-os, lugares que já serviam para o sagrado, e que evidenciavam
por tal uma predisposição natural desses lugares para esse tipo de funções. Os locais usados por
doutrinas cessantes são freqüentemente recuperados e reutilizados por doutrinas nascentes.
A confusão que Simon Cox faz de assuntos que não compreende é gritante:
"No Egito, Ísis foi vista como a derradeira personificação do feminino, com um certo número de
outras divindades superiores...".
Ou seja, Simon Cox entende, e bem que Ísis representa um papel feminino preponderante, mas
depois adiciona à equação um "certo número" de outras divindades das quais ele não percebe nem
uma vírgula quem são nem o que estão lá a fazer...
Mas o pior está no final do artigo:
"No Concílio de Éfeso em 342 d.C., uma reunião de bispos cristãos decidiu que a Virgem Maria
deveria ser conhecida como Theotokos, ou «Mãe de Deus», colocando-a assim no papel da
deusa".
Maria, mãe de Cristo, não é deusa coisa nenhuma, nem nunca ocuparia um papel de deusa. Ela
é a Mãe de Deus, pessoa fundamental para que a divindade pudesse assumir forma humana.
Maria não é Deus, nem nenhum tipo de divindade. É, isso sim, Co-Redentora pelo seu papel único
na Redenção, ao dar à luz o Filho de Deus. Simon Cox teoriza, como já o haviam feito os seus
predecessores, que a Igreja "conspirou" para colocar Maria, Mãe de Deus, no lugar da "deusa"
Maria Madalena. Um perfeito disparate...
No fundo, o que parece escapar a tanta gente que adora estas teorias é que a Virgem Maria fica
sempre posta de parte. Onde fica ela? Para onde vai? Para que serve Maria, mãe de Jesus, no
esquema teórico destes nossos "renovadores" do cristianismo, se a "deusa" Maria Madalena
aparece como a figura feminina principal? Dá para ver claramente em tudo isto uma intenção
"renovadora" que pretende lançar o cristianismo para as urtigas...
"... embora fossem cuidadosos em não lhe conceder os habituais atributos de fertilidade
associados com as figuras da deusa".
Aqui, Simon Cox está em pura conjetura. Os bispos foram "cuidadosos", diz Simon Cox... O
autor parece ter provas de que, debruçados uns sobre os outros numa roda conspiratória, os
bispos retiraram em comum acordo os atributos de fertilidade a Maria (o que não deixa de ser
irónico, porque isto destrói a tese de Simon Cox - uma Maria estéril não poderia ter gerado Jesus
sem deixar de o ser, pelo que negar a fertilidade a Maria é uma perfeita asneira). Mas Simon Cox
sabe o que está a fazer! Está a usar a psique hodierna e a idéia que esta faz da classe sacerdotal:
os bispos, esses malandros, odeiam a fertilidade porque são celibatários sapudos, e possuem
apetites sexuais perversos... Tudo isto é medonho, e medonhamente induzido no leitor incauto, a
pouco e pouco, palavra a palavra...
"... embora na Igreja Católica Romana, Maria seja vista como mãe submissa e uma figura
complacente...".
O que Simon Cox desconhece é que esse caráter submisso e complacente de Maria
corresponde doutrinalmente com exatidão ao papel passivo daquela que serviu de suporte à
manifestação terrena de Deus. Um papel análogo (à parte das devidas mudanças de contexto e de
domínio descritivo) ao da Prakriti hindu, a Substância Universal, que serve de suporte a Purusha, a
Essência Universal. Sucede que o fiat voluntas Tua ("seja feita a Tua vontade") de Maria é a
concordância plena da Mãe de Deus com os desígnios transcendentes que lhe foram conferidos
por Deus, e sob outro ponto de vista, a concordância plena do catolicismo com as restantes
tradições espalhadas por esse mundo fora.
A submissão de Maria não é um tipo doentio de escravidão de uma mulher ao "machismo" de
um Deus masculino, como muitos vêem, mas sim a constatação e aceitação por parte de Maria do
papel incrível que ela iria desempenhar, e a aceitação do plano divino é o gesto mais natural, puro
e desinteressado do ser finito perante a onipotência do divino transcendente.
"Na Europa Medieval, muitos milhares de mulheres foram queimadas vivas por práticas de
bruxaria. Esta cruzada contra o feminino reprimiu, mais uma vez, o desenvolvimento do poder e da
independência femininos, e subjugou o culto da deusa que estava a ganhar ímpeto".
Bem, ao menos Simon Cox já desceu o valor dos milhões de Dan Brown para um valor de
milhares de mulheres queimadas. Menos mal, no que trata à verdade dos números! É inegável que
muitas mulheres poderão ter sido condenadas injustamente por bruxaria. Daí a negar que houve (e
que há) verdadeiras bruxas, vai um grande salto! A bruxa não é, como dão a entender estes
nossos amigos, uma lutadora pelos direitos das mulheres! Mas Simon Cox não pára aqui, nesta
sua "cruzada" para ilibar a bruxaria: ele acha mesmo que as bruxas estavam a colocar em marcha
o "desenvolvimento do poder e da independência femininos", o que mostra claramente o feminismo
descarado de Simon Cox, e da sua impressionante ignorância face à bruxaria... Faz pensar que
Simon Cox deveria passar um dia com uma bruxa a sério, para ele ver o que é o "poder" e a
"independência" que ele tanto defende. Não deixa de ser notório que este senhor julgue que a
bruxaria era o "culto da deusa" sob disfarce, seja lá o que isso for, esse fantasioso "culto da
deusa", que só ele, Dan Brown, e Margaret Starbird é que poderiam ter tido o atrevimento e a
ignorância de propagar como algo de real.
Eis senão quando, e ao mudar de capítulo, surge aquilo que já fazia falta! O Wicca! Sim, esse
neopaganismo bruxesco que faz furor nos Estados Unidos da América (obviamente), e que
pretende ser um tipo de "renascimento pagão". Em tempos, tivemos o desprazer de tentar explicar
a um moderno "bruxo", um americano adepto do "Wicca", que a bruxaria não era coisa boa, e que
pior do que isso era perfeitamente imbecil tentar reavivar o "paganismo" porque tudo não passava
de uma amálgama de idéias velhas e mal compreendidas. Um pouco à semelhança dos neoceltas,
que julgam poder reavivar os cultos celtas, apesar de nenhum celta ter sobrevivido para explicar
em que é que consistiam estes cultos. Os celtas, para piorar, transmitiam os seus ensinamentos
por via exclusivamente oral, e com o passar do tempo, o esquecimento garantiu que nada sobraria
para evidenciar como seriam os seus cultos ou as suas doutrinas. Mas os modernos fãs dos celtas
crêem poder praticar "espiritualidade celta" em condições de tão patética ignorância e falta
descarada de informação genuína sobre esses cultos. O "Wicca" é um disparate semelhante.
Funciona um pouco como um "protestantismo de Pã", no sentido em que é uma versão "magia
branca", ou seja, edulcorada e "espiritualmente correta", da adoração de Pã propagandeada pelo
mago negro Aleister Crowley.
É especialmente inapropriada a expressão "ressurgimento da religião Wicca" usada por Simon
Cox, o que é uma mentira detestável, porque só ressurge o que antes existiu, e o Wicca é uma
invenção americana do século XX.
Há muita gente hoje em dia a associar a espiritualidade celta à bruxaria (mesmo à chamada
"magia branca") e a um neopaganismo, quando são coisas que não têm nada a ver. Tudo isto é
misturado, numa perpétua e insolúvel confusão entre o domínio "mágico" e o domínio "espiritual"
como se tais domínios fossem idênticos.
"... e hoje em dia, o culto da deusa está de novo a gozar um renascimento".
O que é isto senão um convite descarado de Simon Cox: "Sigamos Dan Brown! Adoremos a
Deusa!?”.
"Desde tempos antigos, a deusa foi associada com a Lua".
Desta vez, Cox não anda longe. O seu termo vago "a deusa" é contrabalançado pela justeza da
sua afirmação de que a Lua tem um caráter feminino, e que por isso, muitas deusas da antiguidade
são associadas corretamente à Lua. Contudo, logo a seguir encontramos mais um parágrafo
panfletário a esta nova religião da Deusa:
"Atualmente, a veneração e a compreensão da energia e da espiritualidade da deusa estão, de
novo, em evidência (...). A deusa pode, na verdade, reivindicar a sua posição como a divindade
original e a mais antiga".
Depois de uma frase "de seita" como esta (da seita da Deusa, obviamente), como pode Simon
Cox intitular este seu livro de "a verdade por detrás dos fatos"? É chocante! Esse último parágrafo
poderia ter sido retirado de um cartaz qualquer de uma seita lunática e pseudo-esotérica, a
propagandear cultos estranhos celebrados em florestas por pessoas sem roupa. Sim, porque para
estes lunáticos, "energia" é, obviamente, "sexo"!

Dossiers Secretos

Bom, este é, sem dúvida, o artigo mais falso de todo o livro. E aquele que mais nos faz pensar
em omissões deliberadas por parte de Simon Cox. Sobretudo porque a falsidade destes famosos
(e fumosos) Dossiers Secrets há muito que é sabida.
Os Dossiers Secrets, uma amálgama de textos falsificados depositados ao longo de vários anos
na Biblioteca Nacional em Paris por Pierre Plantard e a sua claque de seguidores, não são para ser
levados a sério. É incrível o tempo que Simon Cox perde a explicar os detalhes da organização do
Priorado de Sião, quando tudo não passa de uma invenção de Pierre Plantard! Diz Simon Cox:
"Os Dossiers Secretos são, em geral, vistos como os arquivos secretos do Priorado de Sião".
De novo, a referência vaga: “... são, em geral, vistos como...". Mas são vistos por quem? Só se
for por quem não sabe o que está a dizer! Os Dossiers Secrets constituem uma amálgama de
documentos, na sua maioria forjados ou copiados de outras fontes, que foram depositados na
Biblioteca Nacional, em Paris, entre 1964 e 1969. Fazem parte de um grande processo
desinformativo lançado por Pierre Plantard e Phillipe de Chérisey. Ao longo dos anos, outras
pessoas terão participado nesta constante vaga desinformativa de textos depositados na Biblioteca
Nacional, como a primeira mulher de Plantard, Anne Léa Hisler, e um admirador de Plantard, Louis
Vazart (associado ainda hoje ao Cercle Saint Dagobert II). A lista completa destes textos forjados
encontra-se detalhada e comentada na página Apócrifos na Biblioteca Nacional de Paris.
Antes de prosseguir, convém uma nota de bom senso: quem quiser, poderá depositar
documentos em bibliotecas, sejam elas municipais ou nacionais; basta pagar os emolumentos da
operação, que se chama "depósito legal". Que fique bem claro que o depósito de textos (sejam
eles quais forem) em bibliotecas nada implica relativamente a um suposto aval das bibliotecas ao
conteúdo que é depositado! Adicionalmente, o depósito legal de documentos ou obras é uma forma
de as tornar públicas e de facilitar o acesso a elas, porque passam a constar do catálogo geral de
obras que é peça fundamental em qualquer biblioteca. Assim, é com facilidade que nos
apercebemos de que o móbil dos "depositantes" dos Dossiers Secrets é o de dar o máximo
possível de visibilidade às suas obras, numa altura em que não havia Internet, e em que a
imprensa nunca lhes daria o poder desinformativo que eles procuravam.
Uma interessante viagem aos bastidores desta farsa encontra-se neste relato fiável da obra
"Mythologie du Trésor de Rennes" do historiador René Descadeillas (1909-1986), que foi em
tempos bibliotecário municipal em Carcassone, e conservador do museu de Belas Artes da cidade.
A segunda e última revisão a esta obra foi depositada nos Arquivos do Aude a 10 de Junho de
1968. Trata-se, por isso, de um texto perfeitamente contemporâneo de toda esta charada, o que diz
muito da sua importância como testemunho fidedigno e original. Temos a certeza de que o leitor
não dará por mal empregue o seu tempo na leitura deste extenso, mas revelador trecho de René
Descadeillas:
"Em 1965, apareceu na região um personagem que não estávamos acostumados a encontrar.
Era um jornalista, o senhor de Sède. Ele vinha de Paris. Era conhecido por ter, dois anos mais
cedo, publicado na editora Julliard um livro, «Les Templiers Sont Parmi Nous», onde ele se tinha
esforçado por demonstrar que os Templários, prevendo a interdição da sua ordem, teriam
escondido os seus imensos bens no castelo de Gisors, no Vexin. Numa tarde de Março de 1966,
ele chegou a Carcassonne depois de uma paragem em Villarzel-du-Razès onde lhe teriam negado,
dizia ele, o acesso à biblioteca do falecido padre Courtauly”.
De que vinha ele à procura?
Segundo ele, o padre Courtauly, falecido em 1964, possuia obras raras, nomeadamente uma
obra de Stüblein, «Pierres gravées du Languedoc», indispensável a quem quer que tentasse
penetrar no mistério de Rennes. Uma olhada na «Bibliographie de l'Aude», do padre Sabarthès: a
obra em questão não figurava nem sob a assinatura de Stüblein, nem sob qualquer outra. Que livro
seria este?
O senhor de Sède possuía também fotocópias de dois documentos estranhos pela sua
disposição e pela sua grafia: eram reproduções dos «pergaminhos» descobertos pelo padre
Saunière quando da demolição do altar-mor da sua igreja. Onde teria ele obtido os originais? Outro
segredo. Aparentemente, o autor desta série de disparates tinha tentado imitar uma escrita da
Idade Média. Mas a contrafação era tão grosseira e tão inapropriada que um estudante de primeiro
ano não a teria aceitado sem exame. Foram submetidos à perspicácia do arquivista departamental
cuja opinião foi prontamente sabida.
O senhor de Sède procurava ainda duas publicações recentes:
MÉTRAUX Maurice, «Les Blanquefort et les origines vikings, dites normandes, de la Guyenne
sous la Féodalité», Bordéus, Imp. Samie, 21, Rue Teulère, 1964, brochura de 24 páginas com
gravuras, e
LOBINEAU Henry, «Généalogie des rois mérovingiens et origine des diverses familles
françaises et étrangères de souche mérovingienne, d'après l'abbé Pichon, le docteur Hervé et les
parchemins de l'abbé Saunière, de Rennes-le-Château (Aude)», in-fólio de 45 páginas, ilustrações
a cores, esgotado, multigrafado, Genève, edição do autor, 22, Place du Mollard.
Feita a verificação, estas duas obras figuravam no «Catalogue Général de la Librairie
Française» do ano 1964, na secção «Histoire» e na página 508.

Enfim, pensamos, eis algo de inédito sobre a história de Rennes! Como explicar que até ao
presente ninguém tinha conhecimento destes livros?
Faltava encontrá-los.
Pedimos o Métraux ao seu editor, em Bordéus, o Lobineau à Biblioteca Universitária de Genève,
o Stüblein às Bibliotecas Universitárias de Toulouse e Montpellier.
As respostas chegaram depressa.
A tipografia Samie, em Bordéus, apenas conseguiu obter a morada do senhor Métraux em
Sullens, perto de Lausanne. Em Genève, ninguém conhecia o Lobineau nem na Biblioteca
Universitária, nem na Biblioteca Municipal. Identicamente, nem em Montpellier nem em Toulouse
alguém tinha ouvido falar do Stüblein.
Um fato mais grave, a Biblioteca Universitária de Genève afirmava que não existia nenhum
Lobineau em Genève, nem no número 22 da Place du Mollard nem em lado nenhum. A Place du
Mollard, contando apenas 11 números, nunca poderia ter uma morada no número 22. A morada
inscrita no «Catalogue Général de la Libraries Française» era então falsa.
Pouco a pouco, as trevas começaram a aclarar. Em 1964, a Biblioteca Nacional, em Paris, tinha
recebido por Depósito Legal a obra de Lobineau, cuja página de título indicava que ela tinha sido
composta a partir do ano 1956.
Um estudante que trabalhava numa tese de história na Biblioteca Nacional aceitou examiná-la e
dar-nos conta do seu conteúdo. Ele fez-nos chegar uma análise detalhada fazendo notar que a
falta deste documento nas nossas bibliotecas de província não era causa para manchar a sua
reputação.
Não obstante, valia a pena ir vê-las de mais perto.
Em Paris, pudemos dar-nos conta de que se tratava de uma obra, não impressa, mas
multigrafada. Nela encontramos lado a lado:
um conjunto de tábuas genealógicas assinadas algumas por Henri Lobineau, outras por um
antigo vigário de Sainte-Clotilde, todas dedicadas à descendência dos reis merovíngios desde
Clóvis e contando no total 26 páginas; uma brochura atribuída a um certo Antoine l'Ermite,
contendo uma relação fantasiosa da vida de Béranger Saunière; uma outra pequena brochura
composta de pranchas fotocopiadas representando lápides funerárias, um mapa do Razès, o
extrato de um pretenso testamento e depositado no notário Captier, em Espéraza, em 1644, que
teria sido dado ao autor pelo padre Courtauly; este teria retirado tudo da obra «Pierres gravées du
Languedoc» por Stüblein, impressa em Limoux em 1884; uma brochura assinada com o nome de
Madeleine Blancassal, «Les descendants mérovingiens ou l'Énigme du Razès Wisigoth», traduzida
do alemão por Walter Celse Nazaire, com tábuas genealógicas de Henri Lobineau, brochura
relatando ainda uma vez mais a vida do padre Saunière.
A obra do senhor Métraux estava, soubemos do seu autor, depositada na Biblioteca
Universitária de Bordéus, que no-la enviou. Decepção: este pequeno trabalho, de uma leitura
agradável, referia-se a Blanquefort, bonita capital de cantão da Gironde, e nada tinha a ver com
Rennes-le-Château.
Faltavam as «Pierres gravées du Languedoc», por Stüblein, do qual os papéis Lobineau nos
davam um aperitivo. A obra permaneceu impossível de encontrar. Não voltamos a pensar no
assunto e possivelmente nos teríamos esquecido dela se, no início de Setembro de 1966, o padre
de Rennes-les-Bains não tivesse recebido de Paris, em sobrescrito lacrado, de um «termalista
desconhecido», uma pequena brochura contendo fotocópias de gravuras parecidas às que
figuravam no Lobineau com, à guisa de prefácio, algumas palavras do padre Courtauly. Este
declarava em resumo «com o objetivo de ser útil aos pesquisadores» ter extraído da obra de
Stüblein as gravuras que diziam respeito a Rennes-le-Château e a Rennes-les-Bains. A estranheza
desta brochura, a sua total falta de autenticidade, os propósitos atribuídos ao padre defunto e
incapaz de protestar, reforçaram ainda mais a suspeição que tínhamos sobre esta literatura.
Não basta ter dúvidas. É preciso justificá-las. Este foi o ponto de partida de uma longa busca
que só se tornou eficaz com o aparecimento da obra que o senhor de Sède tinha anunciado: «L'Or
de Rennes ou la Vie insolite de Béranger Saunière, curé de Rennes-le-Château», editada pela
Julliard em Outubro de 1967 (esta obra seria reeditada no ano seguinte, em 1968, numa edição de
luxo distribuida pelo «Cercle du Nouveau Livre», e depois numa coleção de bolso, pelas Editions
J'ai Lu, sob o título «Le Trésor maudit de Rennes-le-Château» [N.T.: segundo Henry Lincoln, em
«Holy Blood, Holy Grail» foi a leitura deste livro durante um verão passado no sul de França que o
fez despertar para este assunto]). Era conforme à idéia que tínhamos daquilo que sabíamos sobre
a documentação do autor.
Em linhas gerais, este quer provar que o padre Saunière descobriu um segredo ciosamente
guardado desde o fundo dos tempos: a sobrevivência de um rebento do rei merovíngio Dagoberto
II que teria dissimulado em Rennes tesouros imensos com o objetivo de reconquistar a Aquitânia,
tarefa que ele não pôde empreender por causa da sua morte prematura. O padre foi autorizado a
usufruir o maná real, com a condição de guardar o segredo. Mas este sucesso providencial levou-o
a efetuar despesas excessivas, a espojar-se num luxo dispendioso, até ao dia em que, enfim
satisfeito, ele dispôs os marcos necessários para que depois dele outros tivessem acesso ao
esconderijo. Ele morreu, no entanto, sonhando fundar uma nova religião da qual ele seria o chefe.
Para apoiar as suas afirmações, o autor oferece a reprodução de documentos escondidos na
igreja, de monumentos inexistentes ou falsamente reproduzidos, de vias sacras pretensamente
codificadas ou cifradas, polvilhadas de sinais misteriosos, uma documentação desconhecida de
todo o mundo e cuja autenticidade seria bem difícil demonstrar, pois que ele não diferencia nem a
origem nem o destino, que se abriga sob nomes hipotéticos e que nem sequer sabemos quem a
fez chegar há nove anos atrás ao Depósito Legal, na Biblioteca Nacional...
Adicionalmente, das pessoas citadas em referência, postas em causa ou invocadas como
testemunhas, muitas não pronunciaram as palavras que lhes atribuem, nem fizeram os gestos que
lhes atribuem.
(...)
As «Pierres gravées du Languedoc» são então um mito e, não hesitamos em afirmá-lo, a
pequena brochura de extratos fotocopiados imputada ao padre Courtauly que nunca se interessou
por arqueologia, é uma falsificação. Como são falsas as reproduções que ela contém: pedras ou
lajes contendo sinais cabalísticos, a cabeça esculpida do presbitério de Rennes-les-Bains
travestida em Dagoberto, os quadrados mágicos ou ditos mágicos e «tutti quanti».
Mas porquê utilizar o nome do padre Courtauly? Porquê escolher este padre de preferência a
outro qualquer? Porquê misturá-lo nestas fabulações, neste esoterismo primário? Prestar-se-ia a
uma exploração ultrajosa dos seus feitos e gestos? Nada que se pareça: o padre Courtauly
permaneceu toda a sua vida o bom e modesto padre de aldeia que ele sempre quis ser, não tendo
outra preocupação senão as suas ovelhas e as suas homilias dominicais.
Nascido em Villarzel-du-Razès a 31 de Maio de 1890, ele fez os seus estudos em Saint
Stanislas, em Carcassonne. Ele não tinha ainda terminado o seu serviço militar quando a guerra
eclodiu. Tendo entrado no Grande Seminário após o final das hostilidades, ele foi ordenado padre a
26 de Junho de 1921. Depois de ter exercido durante dois anos no Pequeno Seminário de
Castelnaudary como professor, tornou-se cura de Orsans. No seguimento, foi chamado
sucessivamente a Villar-St-Anselme, em 1933, a Montmaur em 1940, a Soupex em 1945, a Ladern
em 1957. Foi nesta localidade que chegou ao fim o seu ministério. Reformado por razões de saúde
na sua aldeia natal a 24 de Agosto de 1961, ele morreu a 11 de Novembro de 1964, com a idade
de 71 anos (Arquivos Diocesanos).
Como teria este bom e velho padre acabado por ter o seu nome associado a estas fabulações
aberrantes? Por que surpreendente concurso de circunstâncias? Ainda nos perguntaríamos se não
tivéssemos sabido que nos seus últimos anos de vida, quando ele estava a banhos em Rennes-
les-Bains, ele encontrava freqüentemente uma curiosa personagem que começava a ser costume
ver a rodar por estas paragens desde o final dos anos cinqüenta. Ele morava em Paris. Não tinha
ligações à região nem relações conhecidas. Era um indivíduo difícil de definir, apagado, secreto,
cauteloso, não desprovido de uma eloqüência que aqueles que o interpelaram diziam ser imbatível.
Ele não seguia um tratamento médico regular. Assim questionava-se sobre as razões das suas
aparições repetidas, porque ele vinha mesmo no Inverno. Igualmente, conjeturava-se sobre o
interesse que despertavam nele as curiosidades naturais ou arqueológicas, porque não se tratava
de um intelectual. Ele intrigava as gentes pela estranheza das suas atitudes: ele ia, calcorreando a
região, inquirindo sobre a origem das propriedades, deitando de preferência o olho a matagais ou
terras abandonados que não interessavam a ninguém. Que queria ele fazer? Desbravar estas
terras desoladas e nelas lançar a charrua? Vocação bem tardia: ele já não era novo... «Passe
encore de bâtir...»
As suas idas e vindas, as questões que ele colocava a uns e a outros não podiam ficar sem
eco. Tinham-no por um maníaco e alguns possivelmente riam mesmo dele sem suspeitarem de
que o homem usava todos os estratagemas para constituir um dossiê onde os acontecimentos
banais, os pequenos fatos tomavam proporções inesperadas, onde reflexões sem interesse,
apreciações precipitadamente feitas, palavras no ar adquiriam tanto mais relevo quanto ele as
colocava na boca de pessoas respeitáveis e estimadas pela sua sabedoria, mas talvez
enfraquecidas pela idade. Ele não temia em atribuir-lhes declarações que ele gravava num
gravador de cassetes onde é possível, como se sabe, a quem quer que seja debitar uma história
qualquer. Assim o atribuiu ao padre Courtauly propósitos extravagantes que não concordam nem
com a vida nem com o caráter deste padre. Neste ponto, aqueles que conheceram e privaram com
o padre são formais.
Posto isto, damo-nos conta, pelo próprio jogo das concordâncias, que a mesma personagem
era o autor dos papéis Lobineau. Provavelmente estaremos perante um paranóico porque ele
próprio inscreveu o seu nome em bom lugar na pretensa descendência do rei Dagoberto II." - René
Descadeillas, "Mythologie du Trésor de Rennes", pág. 67 a 70, e 75 a 76.
Edificante, este relato em primeira mão de René Descadeillas! Apenas alguns comentários
breves, porque o relato fala por si: quando Descadeillas fala de "papéis Lobineau", ele está a
referir-se precisamente aos nossos Dossiers Secrets. Como podemos constatar, e a parte final do
trecho é suficientemente clara nesse ponto, Descadeillas refere-se a Pierre Plantard, que pelos
vistos fez bastante "trabalho de campo", neste caso no Sul de França, na região de Rennes, antes
de se pôr a inventar as suas efabulações. Não pode existir qualquer espécie de dúvida: Plantard é
o autor dos Dossiers Secrets!

Geometria Sagrada

Quando Simon Cox diz...


"A geometria sagrada foi considerada para lá da compreensão do homem mortal".
...Gostaríamos de saber que homem então é que a teria usado! Mas o maior erro do artigo vem
logo a seguir:
"Um exemplo clássico de geometria sagrada ainda em uso é a Cabala, um sistema religioso e
filosófico que diz possuir o conhecimento do divino. Cabala é a palavra hebraica que significa
”receber" e diz-se que foi originalmente "recebida" por alguns escolhidos, uma espécie de
linguagem secreta ou escondida conhecida apenas por alguns iniciados."
A Cabala não é geometria sagrada. A palavra Cabala, em hebraico, significa literalmente
"tradição". Claro que a tradição é algo que se "recebe", mas a tradução de Simon Cox é, no
mínimo, criativa. Porque a palavra hebraica em questão é um substantivo, e Cox dá-nos um verbo.

A árvore dos zéfiros, que reflecte a essência da Cabala, na obra de Paulus Ricius, Portae
Lucis (Augsburgo, 1516)
A Cabala é o coração do esoterismo judaico. Contudo, esta definição é fraca e pouco rigorosa,
porque o termo "esoterismo" é um termo moderno. Melhor seria dizer que a Cabala representa um
corpo doutrinário interior ao judaísmo, que procura inteligir e compreender a estrutura da Criação e
da sua relação com o Criador. No coração da Cabala está a árvore dos zéfiros ("sefiroth"), que diz
respeito às enumerações divinas, e ao seu papel no processo criativo, na Formação. Trata-se de
um corpo de ensinamentos muito antigo, que assistiu a um rejuvenescimento nas comunidades
judaicas de corrente sefardita, estabelecidas na Península Ibérica durante a Idade Média. Nomes
como o de Isaac Luria estão associados indiscutivelmente com o estudo da Cabala. Com a
expulsão dos judeus de Espanha, em 1492, o cabalismo sefardita refugia-se na Terra Santa. Isaac
Luria funda um centro de exegese cabalística em Safed, na Alta Galileia.
Duas importantes obras cabalísticas são o Sepher Yetzirah ou o "Livro da Formação", e o
Zohar, ou o "Livro do Esplendor". A Cabala recorre ao símbolo gráfico da "árvore dos zéfiros" ou
"árvore sefirótica", que contém as esferas Kether ("Coroa"), Hochmah ("Sabedoria"), Binah
("Inteligência"), Geburah ("Severidade" ou "Rigor"), Hesed ("Misericórdia" ou "Clemência"), Tifereth
("Beleza"), Netzah ("Vitória"), Hod ("Esplendor"), Yesod ("Fundamento"), e Malcuth ("Reino"). São
as enumerações de Deus, os dez aspectos pelos quais Deus Se dá a conhecer. A palavra "zéfiro"
vem de "sepher", que em hebreu quer dizer "contar", e que equivale ao árabe "çifr" que deu o
termo "cifra". Assim, os dez zéfiros são também os dez nomes de Deus e os dez números de Deus,
que juntamente com as vinte e duas letras do alfabeto hebraico representam os vários planos da
Criação, e o seu processo formativo como emergente do intelecto divino.

A árvore dos zéfiros, num manuscrito antigo de Salónica.

A cabala hebraica também reparte os zéfiros em quatro mundos. Por ordem descendente, tem-
se o Mundo de Aziluth, que contém Kether, Hockmah e Binah, onde reina a eternidade da luz
divina. De seguida, o Mundo de Beriah (o Mundo do Trono), que é o das realidades informais, que
contém Geburah, Hesed e Tifereth. Este último zéfiro, o da Beleza, é já a ponte para o mundo
formal subtil, o Mundo de Yetzirah (também conhecido como o "Mundo dos Anjos"), que contém
Netzah, Hod e Yesod. Este último zéfiro, o do Fundamento, é a ponte para o mundo formal
grosseiro, o Mundo de Asiah, ou da Ação, que contém o zéfiro Malcuth, o Reino. As leis de Malcuth
são as leis naturais e materiais.
A árvore dos zéfiros, na obra Oedipus Aegyptiacus, de Athanasius Kircher (Roma, 1653).

A árvore dos zéfiros, na representação do jesuíta Kircher, apresenta-se como o sistema dos dez
nomes divinos ("X DIVINORVM NOMINVM"). Note-se como Kircher se baseia na árvore sefirótica
para representar o Templo de Salomão. Ao transpor Malcuth, o Reino, deparamo-nos com as
chamas de fogo no átrio do templo. Dentro do templo, no altar, está Tifereth, com a mesa dos pães
da propiciação do lado esquerdo, e o castiçal de sete braços do lado direito (a menorah).
Atravessando o véu do templo, entra-se no Santo dos Santos, onde vemos as duas Tábuas da Lei
mosaica (dentro da Arca da Aliança, não figurada no esquema de Kircher). Para lá das Tábuas da
Lei, e do mundo dos arquétipos (mundus archetypus), no centro do templo e no lugar mais oculto e
resguardado do templo, está a Shekinah, morada de Deus, local da presença de Deus.

A árvore dos zéfiros, na obra 'Utriusque Cosmi, Vol. II', de Robert Fludd (Frankfurt, 1621).

Este último exemplo, onde Robert Fludd dispõe a árvore dos zéfiros sobre uma árvore invertida,
é particularmente interessante, visto que a árvore invertida é também um símbolo oriental muito
antigo, sendo freqüente no hinduísmo. O particular interesse da árvore invertida está no fato de
que as raízes provêm de Kether, a Coroa. A árvore desenvolve o seu tronco e os seus ramos de
Kether para Malcuth. Os zéfiros contêm os vários nomes de Deus em hebraico.
Como pudemos ver, nada disto é "geometria sagrada", e associar a Cabala com este termo é
um disparate, a não ser que a associação seja tangencial, no sentido em que a geometria sagrada
também representa o caráter sagrado da estrutura da Criação, mas é uma aproximação muita
forçada de conceitos díspares. Simon Cox revela um profundo desconhecimento da Cabala, que
ele descreve de forma infantil como um "sistema religioso e filosófico", quando não é nada que se
pareça. A Cabala nada tem de filosófico (no sentido em que se entende a palavra grega "filosofia",
e no contexto em que esta sempre foi aplicada), e não é um sistema religioso à parte, mas sim um
corpo de ensinamento doutrinário interior à doutrina judaica.
"Como «simbologista», Langdon é um perito na matéria".
Ou seja, vamos levar a sério o que diz a personagem Langdon, porque se trata de um professor
de Simbologia em Harvard! O que é curioso é que apesar da disciplina de Simbologia não existir
em Harvard, este personagem psicologicamente inconsistente apresenta um tal desconhecimento
das matérias que se torna pouco convincente como professor universitário. Os erros históricos do
professor Langdon são o espelho das opiniões erradas do próprio Dan Brown, e
conseqüentemente, dos erros de Simon Cox. A função do personagem Langdon no romance é tão
somente a de emprestar credibilidade às teorias que saem da sua boca. Langdon serve de caixa
de ressonância às próprias teorias de Dan Brown e dos autores em que este se baseou. Dan
Brown leva a sério às teorias que insere no seu romance, e isso pode ser facilmente verificado pela
leitura da entrevista no seu site.

Gnómon em St.-Sulpice

O artigo até que começa bem, com Simon Cox a apresentar, para variar, alguns fatos verídicos,
mas de repente surge-nos isto:
"Os relógios solares têm sido usados para calcular o tempo há milênios: os antigos egípcios
sabiam que se uma estaca fosse verticalmente enfiada no chão, a sombra lançada pelo sol ao
meio-dia variaria de comprimento com o passar do tempo".
É verdade. Mas, de fato, qualquer pessoa que espete um pau no chão consegue constatar o
"fenômeno", não apenas os "antigos egípcios". ... A ciência está em conseguir obter as horas com
o recurso ao gnómon! Vê-se que Simon Cox, para este tópico, teve dificuldade em arranjar material
e não sabia bem o que escrever.

Heréticos

Diz Cox:
"A teoria em si mesma pode ser vista como uma heresia dos dias modernos à luz dos
tradicionais ensinamentos cristãos"
É verdade! Só que Simon Cox fala da heresia como fosse uma coisa boa, numa total perversão
e inversão do significado das palavras.
"Sendo um assunto específico do romance, os heréticos são descritos a Sophie como aqueles
que escolheram seguir a história original de Cristo, enquanto homem mortal, em vez da figura
divina esboçada no Concílio de Nicéia".
Há muita coisa que não bate certo na argumentação deste senhor. A heresia é, como diz
adiante, e bem, Simon Cox, "a posse de opiniões que contradizem a ortodoxia". Até aqui tudo bem,
só que Simon Cox omite o significado de "ortodoxia", que me parece fundamental: "ortodoxia"
("orthos"+"doxos") é literalmente "opinião correta". Por isso, a heresia surge como
fundamentalmente um erro, porque é a posse de uma opinião antagônica à "opinião correta", ou
seja, a heresia é uma "opinião incorreta". Mas, segundo Simon Cox e Dan Brown, os heréticos
"escolheram seguir a história original de Cristo". Isto não bate certo! A história original de Cristo
deverá ser, para qualquer pessoa racional, a história correta! Por isso, um herético nunca seguiria
a história correta, mas sim a história incorreta.
O cerne da questão está que, para Dan Brown e Simon Cox, a "história correta" é a de que
Jesus era mortal, e que foi Constantino que decidiu, no Concílio de Nicéia, elevar Jesus a
divindade. Já vimos noutro lado que esta "teoria" é pura asneira. Nem é preciso ir procurar pistas
da divindade de Jesus na história dos primeiros séculos do cristianismo antes do Concílio de Nicéia
em 325 d.C.. Basta ler os evangelhos canônicos para encontrarmos S. Tomé a exclamar: "Meu
Senhor e meu Deus"; e para nos darmos conta de que já no tempo de Jesus este era visto como
Deus pelos seus seguidores. A tese dos nossos amigos cai assim, bem facilmente, por terra.
Dentro da Igreja, a "opinião correta" era, e sempre foi, a do Jesus, Filho de Deus. Assim, somos
levados logicamente a concluir que a "tese errada" é a tese de Dan Brown, e que esta tese é, de
fato e literalmente, uma "tese herética".
Simon Cox segue uma táctica recorrente: menciona as perseguições da Igreja Católica
(nomeadamente a Cruzada contra os Cátaros), que foram naturalmente acontecimentos
horrorosos, para dar a idéia de que a Igreja estava assim a perseguir os "heréticos" como os
detentores da verdade sobre Jesus. O que é infame. Os heréticos arianos, cátaros, e todos os
outros, eram pessoas que possuíam opiniões erradas sobre a doutrina. Claro que isso não legitima
o assassinato dessas pessoas, nem tão pouco a sua perseguição física (se bem que o "combate
doutrinal" num domínio puramente intelectual seja totalmente legítimo), mas daí a querer afirmar
que essas perseguições tinham como razão a tentativa de esconder a verdade sobre Jesus vai um
grande e temerário salto em direção à asneira.

«Hieros Gamos»

Entramos no terreno de Margaret Starbird, a investigadora norte-americana do "casamento


sagrado", ou "hieros gamos". As teorias de Margaret Starbird derivam de uma análise parcial de um
acervo documental vasto, que abrange iconografia cristã e paleocristã, iconografia hermética cristã,
iconografia medieval em geral, iconografia alquímica e rosa-cruz. É um terreno pantanoso e de
difícil manuseamento. Não digo que a dita senhora não conheça bem as escrituras, nem tenha lido
os comentadores destas, o que julgo ter acontecido, mas um conhecimento superficial sobre estes
temas pode ser fatal, e pode induzir idéias erradas e levar a conclusões falseadas.
Em primeiro lugar, e antes de qualquer consideração sobre o que escreveu Simon Cox, há que
explicar a diferença entre o que se entendia, no tempo de Platão, por "Pequenos Mistérios" e
"Grandes Mistérios". Segundo René Guénon, os primeiros dizem respeito à obtenção da plenitude
do estado humano individual, e os segundos dizem respeito à obtenção dos estados superiores do
ser. No primeiro caso temos a extensão "horizontal" do estado humano até ao seu máximo (uma
extensão realizada no sentido que os hindus chamam de "rajas", uma das três gunas hindus, que
significa uma força de "expansão"); no segundo caso, temos a obtenção dos estados superiores do
ser, subindo ao longo do eixo "vertical" da existência, uma operação realizada no sentido "sattwa",
a primeira das três gunas hindus, que é a do sentido "ascendente"; o sentido "tamas" é também
seguido ao longo do eixo "vertical" da existência, mas no sentido "infernal", ou seja, literalmente,
"descendente". Mas, para obtermos uma idéia nítida do que queremos dizer com "pequenos" e
"grandes mistérios", sigamos a exposição de René Guénon:
Texto original:
"Nous avons fait allusion à diverses reprises, dans ce qui précède, à la distinction des «grands mystères» et des «petits
mystères», désignations empruntées à l'antiquité grecque, mais qui sont en réalité susceptibles d'une application tout à fait
générale; il nous faut maintenant y insister un peu plus, afin de bien préciser comment cette distinction doit être entendue.
Ce qu'il faut bien comprendre avant tout, c'est qu'il n'y a pas là des genres d'initiation différentes, mais des stades ou des
degrés d'une même initiation, si l'on envisage celle-ci comme devant constituer un ensemble complet et être poursuivie
jusqu'à son terme ultime; en principe, les «petits mystères» ne sont donc qu'une préparation aux «grands mystères»,
puisque leur terme lui-même n'est encore qu'une étape de la voie initiatique. (...)
"Les «petits mystères» comprennent tout ce qui se rapporte au développement des possibilités de l'état humain envisagé
dans son intégralité; ils aboutissent donc à ce qui est désigné traditionellement comme la restauration de l'«état primordial».
Les «grands mystères» concernent proprement la réalisation des états supra-humains: prenant l'être au point où l'ont laissé
les «petits mystères», et qui est le centre du domaine de l'individualité humaine, ils le conduisent au delà de ce domaine, et
à travers les états supra-individuels, mais encore conditionnés, jusqu'à l'état inconditionné qui seul est le véritable but, et qui
est désigné comme la «Délivrance finale» ou comme l'«Identité Suprême». Pour caractériser respectivement ces deux
phases, on peut, en applicant le symbolisme géométrique, parler de «réalisation horizontale» et de «réalisation verticale», la
première devant servir de base à la seconde; cette base est representée symboliquement par la terre, qui correspond au
domaine humain, et la réalisation supra-humaine est alors décrite comme une ascencion à travers les cieux, qui
correspondent aux états supérieurs de l'être. Il est d'ailleurs facile de comprendre pourquoi la seconde préssupose
nécessairement la première: le point central de l'état humain est le seul où soit possible la communication directe avec les
états supérieurs, celle-ci s'effectuant suivant l'axe vertical qui rencontre en ce point le domaine humain; il faut donc être
parvenu d'abord à ce centre pour pouvoir ensuite s'élever, suivant la direction de l'axe, aux états supra-individuels; et c'est
pourquoi, pour employer le language de Dante, le «Paradis terrestre» est une étape sur la voie qui mène au «Paradis
céleste»." - René Guénon, "Aperçus sur l'Initiation - Chapitre XXXIX - Grands Mystères et Petits Mystères", pág. 248 a 249.
Tradução:
Aludimos diversas vezes, no que precede, à distinção entre os «grandes mistérios» e os
«pequenos mistérios», designações obtidas da antiguidade grega, mas que são na realidade
susceptíveis de uma aplicação geral; falta-nos agora insistir um pouco mais neste tema, a fim de
precisar corretamente como esta distinção deve ser entendida. O que é preciso compreender bem
antes de mais, é que não se tratam de gêneros diferentes de iniciação, mas de estados ou graus
de uma mesma iniciação, se a vemos como devendo constituir um conjunto completo e ser seguida
até ao seu termo último; em princípio, os «pequenos mistérios» não são mais que uma preparação
aos «grandes mistérios», porque o seu termo não é ainda senão uma etapa na via iniciática. (...)
Os «pequenos mistérios» compreendem tudo o que se relaciona com o desenvolvimento das
possibilidades do estado humano tomado na sua integralidade; eles terminam então no que é
tradicionalmente designado como a reintegração no «estado primordial». Os «grandes mistérios»
dizem respeito propriamente à realização dos estados supra-humanos: tomando o ser no ponto em
que este foi deixado pelos «pequenos mistérios», e que é o centro do domínio da individualidade
humana, eles os conduzem para lá deste domínio, e através dos estados supra-individuais, mas
ainda condicionados, até ao estado incondicionado que é unicamente o verdadeiro fim, e que é
designado como a «Libertação final» ou como a «Identidade Suprema». Para caracterizar
respectivamente estas duas fases, podemos, aplicando o simbolismo geométrico, falar de
«realização horizontal» e de «realização vertical», a primeira servindo de base à segunda; esta
base é representada simbolicamente pela terra, que corresponde ao domínio humano, e a
realização supra-humana é então descrita como uma ascensão através dos céus, que
correspondem aos estados superiores do ser. Torna-se, aliás, fácil compreender porque é que a
segunda pressupõe necessariamente a primeira: o ponto central do estado humano é o único onde
é possível a comunicação direta com os estados superiores, efetuando-se esta seguindo o eixo
vertical que cruza neste o ponto o domínio humano; é preciso então ter chegado primeiro a este
centro para se poder de seguida se elevar, seguindo a direção do eixo, aos estados supra-
individuais; e é por isto que, para usar a linguagem de Dante, o «Paraíso terrestre» é uma etapa na
via que leva ao «Paraíso celeste». - René Guénon, "Aperçus sur l'Initiation - Chapitre XXXIX -
Grands Mystères et Petits Mystères", pág. 248 a 249.

Assim, os "Pequenos Mistérios", coesos da Alquimia e da verdadeira Maçonaria (cujo


simbolismo e rituais têm origem no hermetismo cristão medieval), têm como objetivo a reintegração
do iniciado no "estado primordial", o estado de Adão no Paraíso terrestre antes da Queda. Porque
se trata de um assunto sempre incompreendido, convém tecer algumas considerações sobre a
simbologia do relato do Gênesis. O comer da maçã da árvore do Bem e do Mal implica de imediato
a queda deste "estado adâmico". O "homem primordial" (na tradição islâmica el-insân el-qadîm),
personificado em Adão, cessa a sua comunhão com a Árvore da Vida (árvore de unidade) para
passar a partilhar do fruto da Árvore do Bem e do Mal (árvore da dualidade). Assim, Adão perde o
contacto com a unidade do divino. Dá-se a saída do Paraíso. O anjo com a espada que guarda,
desde então, a porta do Paraíso (que se torna assim estreita como o "buraco de uma agulha") é
símbolo da dificuldade do processo iniciático, da necessidade de requisitos do próprio iniciado, e
da necessidade de orientadores qualificados que orientem o processo. Com a perda do sentido do
divino e do uno, o Homem pós Queda é um ser agarrado à multiplicidade e ao devir. Dentro do
hermetismo cristão medieval, era este o sentido que se dava ao conceito de "pecado original". O
batismo, como sacramento remissionário deste pecado original, restituía ao neófito a pertença à
unidade da doutrina verdadeira.
Posto isto, torna-se evidente que o binômio homem-mulher, que é o ponto de partida para todas
as considerações em torno do "hieros gamos", é a materialização humana da dualidade
representada pela Árvore do Bem e do Mal (se bem que seja totalmente ilegítimos atribuir o Bem
ao homem e o Mal à mulher!). A união entre o homem e a mulher pode ser vista como uma
encenação humana e física de um processo de resolução da dualidade dos opostos masculino e
feminino num só ser, que corresponde à figura do "hermafrodita" ou do "rebis" alquímico. Outra
linguagem que simboliza esta "conjuntio" é a da mistura alquímica entre o enxofre (quente e seco,
"masculino", "solar") com o mercúrio (frio e úmido, "feminino", "lunar"). Esta junção de opostos é
um dos símbolos mais fortes da Alquimia.
Então, quando falamos de "hieros gamos", estamos no terreno alquímico, no terreno dos
"Pequenos Mistérios", que pertencem a um domínio exclusivamente humano. A linguagem do
"hieros gamos" é puramente antropológica e tende à obtenção do "estado primordial" na esfera da
existência humana. Nada disto tem a ver com Deus. O "sagrado" desta união está, quando muito,
no paralelismo axiomático entre o Microcosmo e o Macrocosmo. O Hinduísmo dá-nos, no plano da
Manifestação Universal, um dualismo que se assemelha macrocosmicamente a esta união, que é a
de Purusha (princípio ativo, "essência") com Prakriti (princípio passivo, "substância"). Mas Purusha
não é um suposto "deus" em união carnal com uma suposta "deusa" Prakriti!
Margaret Starbird confunde, deliberadamente ou não, o plano "macrocósmico" com o plano
"microcósmico". O uso abusivo de linguagem sexual (que diz respeito apenas à esfera do humano)
para falar dos mistérios divinos é sintoma de uma perversão intelectual e psicológica que deveria
ser evidente para todos, não fosse a confusão espiritual que reina hoje em dia na mente do
Homem moderno.
Vejamos então o que nos diz Simon Cox. Ele começa por referir que no romance de Dan Brown,
a personagem Sophie Neveu fica perplexa quando descobre, por acidente, o seu avô a praticar um
ritual sexual secreto. Como poderemos ver, lendo o romance de Dan Brown, o enredo evolui no
sentido de "normalizar" este ritual sexual secreto, através das múltiplas "explicações" que os
eruditos do romance tentam dar a Sophie, para que ela "compreenda" esse incidente, e aceite
naturalmente o ato que ela viu o seu avô praticar. Isto, obviamente, é infame. Revela um dos lados
mais obscuros do romance de Dan Brown, o da recuperação das missas negras como algo de
normal.
Mas continuemos com a análise deste artigo. Simon Cox tem razão quando diz que "hieros
gamos" significa em grego "casamento sagrado". Menos mal... Logo a seguir, como sempre, a
asneira:
"Tendo as suas raízes em antigos cultos de fertilidade, o ritual Hieros Gamos evoluiu ate se
tornar numa atividade espiritual altamente desenvolvida, a qual permitiria ao homem obter a
«gnosis», ou conhecimento direto do divino, através da união sexual ritualizada com uma mulher
treinada como sacerdotisa"
Esta frase está profundamente errada... Como pudemos ver com a introdução sobre o
verdadeiro significado do "hieros gamos", a complexidade da linguagem alquímica não deixa
margem para dúvidas: não estamos perante um "antigo culto de fertilidade evoluído". A origem
avançada por Simon Cox é altamente duvidosa, e impossível de provar. Depois, encontramos o
"dogma" evolucionista, com o autor a dizer que os cultos de fertilidade evoluíram. Estas palavras
caem bem na mente do leitor moderno, porque devido a uma incrível perversão das mentalidades,
uma vasta maioria de pessoas acha natural que todas as coisas evoluam. A intenção "evolutiva" do
"hieros gamos" permite um objetivo fulcral para Simon Cox: o de sancionar todas as teorias
modernas sobre este assunto, porque segundo ele, o "hieros gamos" é, hoje em dia, uma
"atividade espiritual altamente desenvolvida". E, segundo Cox, porque as teorias são "modernas",
são automaticamente boas, e melhores que as "antigas".
Depois, temos a palavra grega  ("gnosis"), que significa literalmente "conhecimento".
Este conhecimento pode ser de qualquer coisa, se bem que seja tradicionalmente usada como
"conhecimento do divino". Contudo, há que fazer uma importantíssima ressalva. O homem,
enquanto ser finito, apenas pode ter um conhecimento aproximado de Deus. E, em rigor de
doutrina, esse conhecimento é apenas possível graças a Deus, que poderá ou não facultar ao
aspirante aquilo que ele necessita para se aproximar do conhecimento de Deus. O importante a
retirar de tudo isto é: o conhecimento humano do divino é sempre algo de aproximado, de
tangencial.
O uso do sexo para "conhecimento direto do divino" é um disparate auto-evidente, que dispensa
palavras. A expressão "união sexual ritualizada" é, nada mais nada menos que, uma missa negra,
onde ocorrem as inversões dos símbolos e dos sacramentos da verdadeira missa. A missa negra é
mesmo uma missa ad infernis, cujo objetivo e propósito é nitidamente infra-racional ao invés de
supra-racional. Nestas missas, o que se quer é a inversão de todo o ritual da missa tradicional. Na
missa negra ocorre, freqüentemente, a prática do sexo sobre altares, de preferência altares
consagrados, para que a perversão seja mais eficaz, bem como a profanação de hóstias e de
vinho consagrado. Torna-se evidente que não faz sentido que existam "mulheres treinadas como
sacerdotisas" para estes efeitos. O papel destas mulheres tem um nome bem conhecido: são
prostitutas.
"Esta teoria é baseada na filosofia de que o homem é, na sua essência, incompleto e apenas
pode atingir a divindade ao «casar» com os princípios femininos de um modo espiritual e físico, o
que despoleta um estado alterado da consciência no momento do clímax"
Simon Cox fala, abusivamente, de uma "filosofia", ficando por saber porque é que ele usa a
palavra "filosofia". Se calhar, faz como muitos autores modernos, usando-a abusivamente, à laia de
"sistema". Como vimos atrás, é certo que algumas interpretações mais primárias e mais corpóreas
do "hieros gamos" alquímico incidem sobre a união sexual entre homem e mulher. Mas, quando
muito, este tipo físico de união teria como objetivo a resolução da dualidade humana, ou seja, a
obtenção da plenitude do estado humano. Nada disto tem a ver com "atingir a divindade", o que
demonstra bem que Simon Cox desconhece que o "hieros gamos" opera apenas na esfera da
plenitude da existência humana individual, que é o objetivo dos "Pequenos Mistérios". É, todavia,
bastante pueril achar que se obtém a plenitude do estado humano individual exclusivamente
através da união carnal entre homem e mulher.
É bem sabido que o "momento do clímax" despoleta muita coisa, mas um "estado alterado da
consciência"? Tudo isto provém do imaginário do New Age, com a típica confusão entre o domínio
mental ou psíquico com o domínio espiritual. Desta confusão nasce a crença de que, ao atingir a
divindade, o homem vê alterado o seu estado de consciência. A consciência pertence, obviamente,
ao nível da mente humana, sendo que nenhuma alteração de consciência permite obter o que quer
que seja de divino. A consciência humana é finita e limitada. Os processos mentais são de
natureza totalmente diversa dos processos espirituais.
Simon Cox tem razão na sua descrição do hermafrodita, como sendo a fusão de Hermes e de
Afrodite. A raiz da palavra conforme apresentada por Cox está correta, o que é evidente pela
justaposição dos nomes das duas divindades. Mas, de novo, estamos apenas perante um símbolo
do "homem primordial", portanto no seu estado "adâmico". Simon Cox não faz idéia do que está a
falar quando diz:
"Além disso, e segundo alguns, referências críticas em textos medievais relacionados com a
alquimia (a arte da transformação) estão, na verdade, relacionadas com o ritual sexual a um nível
mais elevado".
Cá temos de novo o "segundo alguns", mas o que parece é que Simon Cox quis partilhar
conosco a sua interpretação "crítica" da Alquimia, que digamos de passagem não é nenhuma "arte
de transformação", mas quando muito, uma "arte da reintegração". Faz pensar que livros andou
Simon Cox a ler para partilhar conosco tanta enormidade. Entende-se que Cox veja os textos
medievais alquímicos como "críticos", porque ele não entende simplesmente nada da linguagem
alquímica. Para um leigo em Direito, um processo penal repleto de terminologia específica pode
parecer "crítico". O mesmo sucede com os textos alquímicos, e com tudo o que tenha a ver com a
Arte Real. Repetimos que a Alquimia (palavra que vem do árabe al-chemi, que significa literalmente
"terra escura") nada tem a ver com "rituais sexuais", que só podem nascer das confusões de
mentes pouco informadas. A Alquimia, como a Arte Real num todo, existe em variadíssimas
culturas. Pode-se falar de Alquimia árabe, europeia, chinesa, hindu, e por diante. São "alquimias"
diferentes na forma, porque ocorreram em períodos diferentes da História e no âmbito de culturas
muito diferentes. Sugere-se a obra "Ferreiros e Alquimistas", de Mircea Eliade, para saber mais
sobre outras formas de Alquimia fora da Europa medieval. Mas apesar de todas estas diferenças
na forma, a Alquimia visa sempre o mesmo objectivo: permitir a quem a pratica a obtenção da
"Pedra Filosofal", termo que designa a reintegração do ser no estado adâmico primordial, no
estado anterior à Queda do primeiro Homem, Adão (a palavra "Adão" significa literalmente
"Homem"). O caráter "paradisíaco" do homem que conquista os objetivos da Alquimia vem,
precisamente, como explicou Guénon no trecho atrás apresentado, da reintegração na posição
rigorosamente central do seu estado atual de existência, que é o estado humano individual.
Sempre segundo Guénon, é este o término dos Pequenos Mistérios. A posição central do ser
humano que regressou ao estado adâmico permite-lhe o acesso direto ao "Eixo do Mundo",
comungando do "sentido da eternidade" (ver o "Santo Graal", discutido adiante) através do qual ele
poderá ascender aos estados superiores do ser (que é o caminho dos Grandes Mistérios, cujo
término está no "homem universal", que na tradição islâmica se chama el-insân el-kâmil). Para nos
darmos conta das asneiras de Cox, tenhamos em consideração que são os estados superiores do
ser que permitem ao ser a passagem para lá da forma, e a superação da individualidade.
Literalmente, "transformação" significa "passar para lá da forma". Por isso, são os Grandes
Mistérios, e nunca os Pequenos, que permitem uma verdadeira "transformação" do ser! A Alquimia
não é uma "arte da transformação", mas poderá ser chamada de "arte da reintegração", no estado
adâmico pré-Queda, naturalmente...
Aceitando-se ou não o contexto tradicionalista das explicações de Guénon e de qualquer
autoridade competente em matéria de Simbolismo, fica patente que existe uma explicação
rigorosa, lúcida e realista para os "críticos" textos alquímicos medievais, que repetimos só serem
críticos na mente daquele que desconhece o tema, o que é algo de perfeitamente natural. A
Alquimia guia-se por binômios (claridez, escuridão, seco, úmido, frio, quente, e por diante), o que
pode levar algumas mentes mais simplistas a querer reduzir tudo isto à "união sexual dos opostos".
Sem dúvida que há simbolismo sexual na Alquimia, mas é apenas como forma de comunicação de
conceitos sofisticados usando conceitos simples e acessíveis. O uso de simbolismo sexual na
Alquimia é feito como ferramenta analógica! Supor que a Alquimia envolvia práticas sexuais é
perverter literalmente o que era a Alquimia e o significado abrangente da Arte Real.
Não temos a menor dúvida de que o homem moderno, reduzido a uma existência puramente
profana, é quase opaco ao discurso simbólico da Alquimia, mas tenhamos a honestidade de,
mesmo repudiando a validade do universo alquímico devido a um qualquer "pudor" científico,
empírico ou "moderno", aceitar que a descrição de uma corrente de idéias seja feita com rigor e
exatidão. Os historiadores da Alquimia não têm que ser alquimistas, e certamente que hoje em dia
não o são! Então, porque não recomendar a Simon Cox que consulte um perito em Alquimia, ou
que leia obras sérias e fundamentais sobre Alquimia, antes de se atrever a escrever sobre um
assunto que desconhece totalmente?
"Os heréticos medievais tornaram-se peritos ao desenvolverem uma linguagem simbólica
através da qual podiam debater estas questões, sendo a rosa, por exemplo, vista como
representação dos órgãos genitais femininos".
A mentalidade moderna gosta muito de palavras que dêem a ilusão de intelectualidade. Simon
Cox sabe isso, e usa a palavra "peritos" para gerar no leitor a ilusão de uma suposta "autoridade"
ou "competência" por parte dos heréticos medievais, que segundo Cox seriam "peritos". Qual é o
problema? Como sempre, são vários: por um lado, Simon Cox aglutina em "heréticos" uma série
de realidades, de movimentos e de pessoas que são muitas vezes bastante diferentes. Há
heréticos e heréticos. Já se disse atrás que a heresia era a defesa de uma idéia doutrinalmente
errada. Assim, nada mais natural do que duvidar da autoridade e competência de um verdadeiro
herético, que como se pode deduzir pelo fato de um verdadeiro herético ser alguém com uma
noção doutrinal errada. Mas, como é evidente para qualquer pessoa sensata, quando existiam
jogos e interesses políticos (que nada deveriam influenciar em matéria de doutrina), suceder-se-
iam acusações infundadas contra esta ou aquela pessoa por "heresia". A "heresia" era uma arma
fácil, quando se tinham os contactos certos, para arruinar uma pessoa. Assim, ao contrário do que
diz Cox, não é possível rotular os "heréticos" como se fossem um todo coeso. Logo à partida, seria
necessária uma primeira separação em "falsos heréticos" e "genuínos heréticos". Mas Cox não
quer saber desse tipo de rigor, e volta a repetir a mesma tese já usada por Dan Brown: a rosa,
sempre que usada por um herético, era um "símbolo dos órgãos genitais femininos". Bom, já
temos, graças a Cox, uma visão mais clara destes dois grandes movimentos de obcecados
sexuais: os "heréticos" e os "alquimistas"! Não é possível um grau mais profundo de
desconhecimento das matérias tratadas... A rosa é um símbolo do Graal, é um símbolo do coração
(no caso católico, existe mesmo uma associação direta com o culto do Sagrado Coração de Jesus,
como se explica adiante em "Santo Graal"). A rosa possui um exato equivalente oriental, que é a
flor do lótus. Será que na mente de Simon Cox o lótus também representa os "órgãos genitais
femininos"? E o caule da rosa, a que parte corresponde na anatomia feminina? Tudo isto circula
muito perto das "teses" de Lynn Picknett e de Clive Prince, que vêem vulvas nos arcos em ogiva
das catedrais góticas.
No parágrafo seguinte, Simon Cox divaga em torno do conhecido livro Holy Blood, Holy Grail,
do trio anglo-saxônico Henry Lincoln, Michael Baigent e Richard Leigh. Diz Cox que o trio ter-se-ia
dado conta da preferência do Priorado de Sião por Maria Madalena, "em vez da tradicional
devoção católica à Virgem Maria", e conseqüentemente teria formulado a teoria da "linhagem
sagrada". Contudo, não nos precipitemos a dar todo o crédito desta teoria ao trio anglo-saxônico.
Em 1968, Phillipe de Chérisey escrevera "Circuit", uma obra de 131 páginas, que contém uma
peça de teatro intitulada "L'Alibi D'O", cuja personagem feminina principal se chama Madeleine. O
simbolismo de Maria Madalena está onipresente na mistificação do Priorado: desde a igreja de
Rennes, dedicada a Santa Maria Madalena (num dos pergaminhos forjados por Phillipe de
Chérisey, ele inseriu a inscrição que estava no altar da igreja de Rennes, inscrição essa relativa a
Maria Madalena) até a esta peça de teatro "L'Alibi D'O". A teoria do Jesus casado com Maria
Madalena não era de certeza estranha à nossa parelha Plantard e Chérisey. Também lhes teria
passado pela cabeça, pelo menos uma vez, a idéia de uma linhagem sagrada entroncada nos
merovíngios, os "reis dos cabelos compridos" que tinham o poder de curar pela imposição das
mãos. Contudo, fica-se com a impressão que Plantard nunca fora tão louco a ponto de se dizer
descendente de Jesus. Plantard queria certamente surgir como o herdeiro por excelência do tronco
merovíngio, mas estava pouco interessado na sacralidade do sangue. Ele preferia a realeza do
sangue. Mas Phillipe de Chérisey era um homem diferente. Atraía-lhe a teoria do Jesus casado. Já
em plena fase de zanga aberta com Plantard, Phillipe de Chérisey escreveu um artigo para a
revista Nostra, no número 584 (1983): "Jésus, sa femme et les Mérovingiens". Neste artigo,
Chérisey acusa uma tendência altamente favorável para a tese do Jesus casado. Fazendo notar
que o próprio Plantard se tinha manifestado surpreendido pelas teses da linhagem sagrada
(Plantard não alinhava totalmente com as conclusões do trio anglo-saxônico, apesar de ele ser co-
responsável pela obra), Chérisey pelo contrário afirmava no artigo que achava que o trabalho do
trio anglo-saxônico era um bom trabalho, e que a tese era bem plausível. Mais, numa atitude que
poderia ser de provocação pessoal a Plantard (mas que gerava nos leitores a impressão de um
aval sem reservas à tese), Chérisey achava perfeitamente natural que existindo uma descendência
de Jesus, esta passasse pelos Merovíngios, que segundo ele tinham um representante actual no
senhor Pierre Plantard de Saint-Clair!
Em que ficamos? Chérisey era um adepto fervoroso das teses da "linhagem sagrada" do trio
anglo-saxônico? Ou estaria apenas a provocar Pierre Plantard, com quem ele permaneceria
zangado até à sua morte em 1985? Pensamos que é difícil dar uma resposta definitiva. Cada qual
que tire as suas conclusões, mas tenhamos em mente duas coisas apenas: Phillipe de Chérisey
era um conhecido brincalhão, e não poupava esforços para executar uma boa partida (veja-se o
caso dos falsos pergaminhos do padre Saunière); além disso, ele era um homem culto.
Convenhamos que a tese da "linhagem sagrada" exige uma boa dose de ingenuidade e
desconhecimento histórico. E isso encaixa mal no perfil de Chérisey. Por isso, a nossa posição é a
de que Chérisey no artigo da Nostra estava a gozar com Plantard e com a obra do trio anglo-
saxônico...
No parágrafo seguinte, Simon Cox faz uma larga idolatria a Margaret Starbird, que "passou
mais de 10 anos a pesquisar e a desenvolver o tema do Casamento Sagrado, ou Hieros Gamos".
Nesses dez anos, diz Cox que "através de um estudo cuidadoso de passagens bíblicas e análise
sistemática do simbolismo herético medieval, Margaret chegou à conclusão que não é
especificamente a possibilidade da existência de uma verdadeira descendência de Jesus Cristo e
Maria Madalena que é importante, mas o reconhecimento que o próprio Jesus possa ter celebrado
o sacramento do matrimônio sagrado numa união sacra com Madalena". Parece-nos evidente que
nem que Margaret Starbird tivesse passado cem anos a estudar passagens bíblicas e "simbolismo
herético medieval", seja lá o que isso for, de nada serviria para validar as suas afirmações. Teses
fantasiosas que dão trabalho a fazer é o que não falta! Vejamos o exemplo da mitologia do
Priorado, que ocupou toda a vida de Plantard! E nem por isso deixa de ser tudo um emaranhado
de falsificações... Margaret Starbird não convence a pessoa culta, séria e informada.
Adicionalmente, tudo isto parece um poço sem fundo onde cada qual usa o que quer: Plantard não
está interessado em Jesus e Madalena, o que ele quer é uma linhagem real e aristocrática, e por
isso inventa-a. Starbird não está interessada em dinastias, o que ela quer é efeminar o
cristianismo, e precisa de uma linhagem sagrada, e por isso inventa-a. Dan Brown quer vender
milhões, e por isso, junta os dois! Sucesso garantido, porque agrada aos dois públicos misturando
as duas teses!
Este artigo do "Hieros Gamos" já vai grande, mas esperamos ser desculpados. Os erros de
Simon Cox ocupam muito menos espaço do que o que é preciso para os expor e refutar. E o pior,
neste artigo do "Hieros Gamos", está ainda por vir. Sim, porque Simon Cox consegue fazer uma
surpreendente recuperação do famigerado Carmelo de Vintras, uma seita de tarados sexuais cujas
perversões muito provavelmente não se ficariam pela esfera do sexual. "Limpar" o Carmelo de
Vintras, perante um público de leitores que não conhecem os contornos deste caso, parece-me um
dos atos mais inacreditáveis e escandalosos de Simon Cox. Porventura o leitor menos informado
sobre o submundo dos movimentos ocultistas franceses do final do século XIX não conhecerá este
movimento fundado por Eugène Vintras em torno de 1840. Contudo, é tão gravoso "recuperar" o
Carmelo de Vintras como seria recuperar a ideologia da moderna seita "Ordem do Templo Solar",
por exemplo. É muito grave o que faz Simon Cox, porque ele sabe que o público que o lê o levará
a sério, e Cox leva a vantagem de estar a falar sobre um tema muito pouco conhecido! Em breve,
faremos um artigo sobre esta famigerada "Igreja do Carmelo". A condenação da Igreja Católica a
esta seita de contornos perversos foi um gesto perfeitamente normal e necessário, bem como a
excomunhão dos seus elementos. Por isso, o que Cox afirma é infame:
"Tentativas genuínas para obter um ramo mais «gnóstico» do Catolicismo, incorporando rituais
sexuais sagrados e a restauração da monarquia francesa duma forma muito semelhante à dos
dogmas do Priorado de Sião, podem ser encontradas num movimento chamado a Igreja do
Carmelo..."
Dá mesmo a impressão, mais uma vez, que Simon Cox não só não percebe nada do tema
como não se dá conta da gravidade das suas palavras impensadas! Para começar, o uso da
expressão "tentativas genuínas", que faz pensar que a Igreja do Carmelo era bem intencionada e
que estava dentro do catolicismo. O que não pode ser mais falso! A Igreja do Carmelo faz lembrar
a heresia dos Carpocráticos, que na Idade Média acreditavam poder obter a santidade através de
uma vida de pecado excessivo. Segundo os Carpocráticos, um uso abusivo do pecado em todas
as suas formas permitiria a purificação da alma, através de uma purga pela prática continuada e
intensa do pecado. O Carmelo de Vintras é algo de semelhante, contudo o pecado em questão era
a prática de orgias sexuais, muitas vezes no contexto de uma missa negra, com os participantes da
orgia a terem relações sexuais em altares, em capelas e em conventos. Cox continua a iludir os
leitores. Da leitura deste parágrafo inteiro sobre o Carmelo, fica-se com a idéia de que a Igreja
Católica, como sempre, teria agido de forma cruel e déspota, para silenciar este tão "genuíno"
movimento católico. Adicionalmente, gostaríamos que avisar que, no contexto do Carmelo de
Vintras, a "restauração da monarquia francesa" correspondia a um suporte político de Vintras ao
famoso (e fumoso) Naundorff, um dos falsos Luís XVII, cuja história sinistra ainda está por
esclarecer totalmente!
"Hoje em dia, estão a ser feitas tentativas para averiguar se, na verdade, Jesus casou ou não
com Maria Madalena. Se se puder provar que o casamento de Jesus foi um fato histórico, ou se
estas tentativas são inspiradas por uma profunda necessidade primitiva de restaurar o Sagrado
Feminino numa das mais antigas religiões patriarcais mundiais, é algo que ainda nos resta ver".
Esta frase é inacreditável! Para começar, quem é que está a fazer "tentativas para averiguar se,
na verdade, Jesus casou ou não com Maria Madalena"? Quem? E como é que as está a fazer?
Estão à procura do certificado de casamento? De pinturas da boda? Ou se calhar, estão à procura
do túmulo de Jesus, para ver se a mulher está enterrada ao lado? Francamente, como é que
Simon Cox quer ser levado a sério? Depois, a frase final parece feita para irritar as pessoas sérias:
o que é que é esta "necessidade primitiva de restaurar o Sagrado Feminino"? Melhor, o que é isto
de "Sagrado Feminino", senão algo que sai totalmente da imaginação da americana Starbird? E,
para terminar, quem é que disse que o cristianismo é uma "religião patriarcal"? Haverá tal coisa
como religiões "matriarcais" ou "patriarcais"? E Maria, Mãe de Deus, Mãe de Jesus Cristo, não
será ela o "feminino sagrado" (radicalmente diferente de "sagrado feminino") do cristianismo? Para
onde vai ela, seguidores de Simon Cox e de Dan Brown? O que querem fazer com ela? Deitá-la
fora? Fingir que ela não existe? Provar que ela não existiu? Só falta isso para a perversão total...

«Holy Blood, Holy Grail»

Este capítulo tenta recuperar a obra do trio Lincoln, Baigent e Leigh, para que mais uma
geração inteira de leitores corra a comprá-lo e se deixe afundar nas suas pseudoteses.
"Embora hoje em dia, investigadores do Priorado de Sião continuem a debater a veracidade da
informação histórica contida no livro, existe um acordo geral global de que «Holy Blood, Holy Grail»
tem, para o melhor e para o pior, sido o grande responsável pela libertação de conceitos históricos
e religiosos revolucionários, que nunca foram publicamente examinados antes. Além disso, HBHG
é o único livro em língua inglesa entre a diversificada indústria de obras sobre o Priorado de Sião
que foi escrito por autores que, na verdade, tiveram acesso em primeira mão a um suposto Grão-
Mestre desta sociedade secreta".
Que vergonha, senhor Simon Cox, mentir tanto e de forma tão descarada! Já nenhum
"investigador" continua a debater a veracidade da informação histórica contida no livro, porque
essa veracidade não existe, e isso já foi demonstrado vezes sem conta! Só os tolos teimosos é que
continuam a levar esse livro a sério. A leitura do nosso trabalho sobre Rennes não deixa qualquer
margem para dúvidas. E porque é que este senhor fala em "conceitos revolucionários"? Porque é
que ele não diz "conceitos falsos", que seria a mais pura das verdades? Estará a apelar a uma
certa mentalidade que adere, independentemente do conteúdo, a tudo que seja "revolucionário",
como a tudo o que seja "inovador"? O que parece claro é que Simon Cox apenas leu os autores
anglo-saxônicos do costume, porque certamente não saberá ler noutras línguas. Por isso,
certamente que nunca leu as obras de René Descadeillas, de Pierre Jarnac (Michel Vallet), de
Jacques Rivière, de Jean Robin, de Jean-Jacques Bedu, de Claire Corbu e Antoine Captier, de
Jean-Luc Chaumeil, nem sequer a derradeira obra do famigerado Gérard de Sède, "Rennes-le-
Chateau - Le Dossier, Les Impostures, Les Phantasmes, Les Hypotheses", através da qual Gérard
de Sède veio contar como fora enganado por Plantard e Chérisey.
Ninguém sério confiaria cegamente em Gérard de Sède, porque sabemos bem que ele lucrou
financeiramente com tudo isto, mas até ele, um dos grandes responsáveis pela vaga
desinformativa, deixou uma derradeira obra a desmentir toda esta impostura. Mais grave ainda:
Plantard lança em 1989 uma nova versão do Priorado de Sião, em que ele vem negar toda a
mitologia do passado, mantendo apenas algumas coisas mais difíceis de verificar. Plantard reage
assim aos ataques refutatórios que tinham vindo a minar a sua mitologia durante décadas. Mas
nem isto Simon Cox sabe! Vê-se que Cox sofre de um contacto exclusivo com a literatura anglo-
saxônica sobre o tema, que é totalmente inválida e infundada. O Priorado é uma invenção de
franceses (Pierre Plantard e Phillipe de Chérisey), ocorrida em solo francês, dentro de uma cultura
francesa, baseado em mitos e lendas franceses, com personagens franceses, e com objetivos
especificamente franceses! Mas, no entanto, a incrível verborréia anglo-saxônica pró-Priorado não
pára nunca, e todos os anos surgem obras que continuam perpetuamente com esta farsa. A obra
"Holy Blood, Holy Grail" foi escrita por três amadores, que aproveitaram a loucura imaginativa de
Plantard para ganhar uns cobres! O que é especialmente grave é que o próprio Jean-Luc Chaumeil
tenha contatado Henry Lincoln antes da publicação da obra do trio, porque Chaumeil queria
esclarecer Lincoln da terrível embrulhada em que ele se estava a meter, e que Lincoln tenha pura e
simplesmente ignorado todos os avisos de Chaumeil relativos ao embuste! Lincoln sabia de tudo!
E, no entanto, cedeu à tentação de pôr a obra à venda. Que tal, para a honestidade do líder do
trio?
Como se poderá ver, lendo a secção do nosso trabalho sobre o Priorado de Sião, o trio anglo-
saxônico nada mais fez senão veicular as teses de Plantard e Chérisey, juntando-as a algumas
loucuras de sua própria autoria. Só Simon Cox, na sua profunda ignorância sobre o tema, para dar
valor ao fato do livro do trio ter valor acrescentado por ter sido escrito com "acesso em primeira
mão a um suposto Grão-Mestre"! Francamente! Plantard foi o inventor de tudo aquilo! Ele era o
principal interessado em passar a teoria para um público mais vasto. Plantard apenas aproveitou a
oportunidade proporcionada pelo trio... Mais tarde, sentir-se-ia manipulado e usado por este trio,
que soube, bem melhor que Plantard, tirar os devidos lucros do potencial desta farsa. O leitor que
conheça os contornos desta história não pode senão ficar enojado com o desenrolar das
"investigações" do trio: a sua surpreendente credulidade neste Plantard, cujas palavras eles bebem
como maná caído dos Céus, como se Plantard fosse um iniciado prestes a revelar-lhes o Santo
Graal! Mas é assim que o trio escreve a sua obra: tudo gira em torno dos encontros com Plantard,
com o pouco de informação (falsa) que este lhes vai passando... Infantilidade e ingenuidade por
parte do trio, que não sabia que estava a ser enganado? Antes fosse! Infelizmente, é a mais pura
das verdades que o trio já sabia de tudo, e a prova está na recusa da ajuda de Jean-Luc Chaumeil.
Somos então forçados a concluir que o trio escreveu a obra de má fé. Com vontade de vender,
desinformando. E, para arrancar o máximo de material a Plantard, tudo valia! Até a mais patética
idolatria, porque o trio, na sua primeira entrevista com Plantard, segundo nos conta a testemunha
presencial Jean-Luc Chaumeil, chamara-o de "Sa Majesté"!
Mas, no final, Simon Cox deixa cair um bocado o véu... Talvez com medo de ser atacado por
quem sabe do assunto, ele decide terminar esta secção de um modo mais prudente. Terminando a
sua divagação elogiosa à obra do trio, ele menciona que a obra nem sequer fora a primeira a
avançar a hipótese da "linhagem sagrada". Cox recorda "The Dreamer of the Vine", da astróloga
Liz Greene, e ainda bem que o faz, porque esta obra precede a obra "Holy Blood, Holy Grail".
Simon Cox, numa espantosa honestidade (ficámos supreendidos, mas por pouco tempo), revela ao
leitor que Liz Greene era irmã de Richard Leigh, e que "era na altura namorada de Michael
Baigent". E Cox levanta, e muito bem, a hipótese: "Assim, será que os autores de «Holy Blood,
Holy Grail» apenas se envolveram «por acaso» com o conceito da linhagem de Jesus e Maria
Madalena durante o decurso das suas discussões com Pierre Plantard, ou era este o destino do
livro desde o início?". Exatamente, Simon Cox! Exatamente! Conforme vimos atrás, não foi de
Plantard que veio a idéia do "casamento sagrado", apesar de Chérisey ser o adepto de Maria
Madalena da parelha. Apesar de Chérisey ter reagido com o agrado às teses do "casamento
sagrado" e da "linhagem sagrada", não foi ele quem as inventou, e faz todo o sentido pensar-se
nos bastidores desta torrente de ideias, que cresceu e muito com a obra do trio, e Liz Greene faz
com certeza parte da equação... Mas a pulhice de Simon Cox revela-se mesmo no fim: numa
táctica astuciosa, ele dá esta "no cravo", mas no final dá "na ferradura":
"Se for este o caso, estariam Baigent e Leigh na posse de algumas há muito suprimidas
informações internas, antes das primeiras palavras de «Holy Blood, Holy Grail» terem sido
colocadas numa folha? E se assim foi, quem estava realmente a manobrar quem... e estaremos
nós ainda em viagem?"
Simon Cox quer, com esta frase, deixar no leitor a seguinte ideia: "o mistério está em aberto".
Mas a idéia que deveria ficar no leitor é esta: não há mistério, Pierre Plantard e Phillipe de Chérisey
são os inventores únicos da farsa do Priorado; o trio Lincoln, Baigent e Leigh os seus
propagadores internacionais; Baigent e Leigh foram chamados porventura pela sua ligação a Liz
Greene, porque as teorias desta ajudariam a "engrossar o caudal"; o trio demonstra uma frieza
calculista e uma falta total de honestidade intelectual no delinear de um processo investigativo
totalmente falseado e viciado, onde eles já sabem exatamente a que conclusão querem chegar
com tal "investigação", e onde querem levar o público leitor. Uma vergonha...

Santo Graal

Primeira página do pergaminho original de Chréstien de Troyes (†1185), Perceval, ou Le Conte du


Graal
Sobre o Santo Graal poder-se-ia escrever um número infindável de páginas. Vamos cingir-nos
à autoridade doutrinária de René Guénon, que como ninguém, soube expor com clareza, lucidez e
conhecimento de causa, as complexidades do simbolismo gráalico. Neste artigo, Le Sacré-Coeur
et la Légende du Saint Graal, publicado originalmente em Agosto de 1925 na revista Regnabit,
Guénon tece esclarecedores paralelos entre o simbolismo do Santo Graal e o conceito do Sagrado
Coração de Jesus (as ilustrações não constam do texto original - foram adicionadas por nós):
"O Sagrado Coração e a Lenda do Santo Graal”.

Num dos seus últimos artigos o senhor Charbonneau-Lassay assinalou muito justamente, como
se ligando ao que poderíamos chamar a «pré-história do Coração Eucarístico de Jesus», a lenda
do Santo Graal, escrita no século XII, mas bem anterior pelas suas origens, pois ela é na realidade
uma adaptação cristã de tradições célticas muito antigas. A idéia desta aproximação já nos tinha
surgido na ocasião do artigo anterior, extremamente interessante do ponto de vista no qual nos
colocamos, intitulado «O coração humano e a noção do Coração de Deus na religião do antigo
Egito», do qual recordamos a passagem seguinte: «Nos hieróglifos, escritura sagrada onde
freqüentemente a imagem da coisa representa a própria palavra que a designa, o coração foi
figurado por um só emblema: o vaso. O coração do homem não é com efeito o vaso onde a sua
vida se elabora continuamente com o seu sangue?». É este vaso, tomado como símbolo do
coração e substituindo-se a este na ideografia egípcia, que nos fez pensar imediatamente no Santo
Graal, ainda mais que neste último, para lá do sentido geral do símbolo (considerado aliás sob os
seus dois aspectos divino e humano), vemos ainda uma relação especial e muito mais direta com o
próprio Coração de Cristo.

Um vaso: o símbolo egípcio para a palavra "coração" ("yb", "yeb", ou "ab").


Com efeito, o Santo Graal é a taça que contém o precioso sangue de Cristo, e que o contém
mesmo duas vezes, porque ele serviu primeiro à Ceia, e que de seguida José de Arimateia ali
recolheu o sangue e a água que saiam da ferida aberta pela lança do centurião no flanco do
Redentor. Esta taça substitui-se então de certo modo ao Coração de Cristo como receptáculo do
seu sangue, ela toma por assim dizer o seu lugar e torna-se como um equivalente simbólico; e não
é ainda mais notável que, nestas condições, o vaso tenha sido antigamente um emblema do
coração? Para mais, a taça, sob uma forma ou sob outra, desempenhou, assim como o próprio
coração, um papel muito importante em várias tradições antigas; e sem dúvida que sucederia o
mesmo com os Celtas, porque é deles que veio o que constituiria a própria base ou pelo menos a
trama da lenda do Santo Graal. É lamentável que não se possa saber com precisão qual era a
forma desta tradição anterior ao Cristianismo, como sucede de resto com tudo o que diz respeito
às doutrinas célticas, para as quais o ensinamento oral foi o único meio de transmissão usado; mas
há por outro lado bastantes concordâncias para que nos possamos pelo menos fixar sobre o
sentido dos principais símbolos que aí figuravam e é isto, em soma, que é essencial.

A suposta lança do centurião Longinus, conservada em Viena.


Mas voltemos à lenda, sob a forma em que ela chegou até nós; o que ela diz mesmo sobre a
origem do Graal é muito digno de atenção: esta taça teria sido talhada pelos anjos numa
esmeralda caída da fronte de Lúcifer quando da sua queda. Esta esmeralda faz lembrar de forma
evidente a «urna», a pérola frontal que, na iconografia hindu, toma o lugar do terceiro olho de
Shiva, representando o que podemos chamar de "sentido da eternidade". Esta aproximação
parece-nos mais adequada que outra qualquer para esclarecer perfeitamente o simbolismo do
Graal; e podemos mesmo apercebermo-nos de uma relação adicional com o coração, que é, para
a tradição hindu, como para tantas outras, mas se calhar de forma ainda mais nítida, o centro do
ser integral, ao qual, conseqüentemente, este "sentido da eternidade" deve estar diretamente
associado.
É dito de seguida que o Graal foi confiado a Adão no Paraíso terrestre, mas que, quando da sua
queda, Adão o perdeu por sua vez, porque ele não o podia transportar com ele quando foi expulso
do Éden; e isso se torna ainda mais claro com o sentido que acabamos de indicar. O homem,
separado do seu centro original pela sua própria falta, encontra-se doravante preso na esfera
temporal; ele não pode regressar ao ponto único do qual todas as coisas são contempladas sob o
aspecto da eternidade. O Paraíso terrestre, com efeito, era verdadeiramente o «Centro do Mundo»,
por todo o lado assemelhado simbolicamente ao Coração divino; e não podemos dizer que Adão,
enquanto esteve no Éden, vivia verdadeiramente no Coração de Deus?

Ícone ortodoxo - Cristo no centro da taça, centrado em Maria.


O que se segue é ainda mais enigmático: Seth consegue reentrar no Paraíso terrestre e pode
assim recuperar o precioso vaso; ora, Seth é uma das figuras do Redentor, para mais que o seu
próprio nome exprime idéias de fundamento, de estabilidade, e anuncia de certa forma o
restabelecimento da ordem primordial destruída pela queda do homem. Havia então desde logo
pelo menos um restabelecimento parcial, no sentido em que Seth e os que depois dele possuíram
o Graal podiam por este mesmo fato estabelecer, em qualquer parte da terra, um centro espiritual
que fosse como uma imagem do Paraíso perdido. A lenda, aliás, não diz nem como nem por quem
o Graal foi conservado até à época de Cristo, nem como foi assegurada a sua transmissão; mas a
origem céltica que lhe reconhecemos deve provavelmente dar a entender que os Druidas tomaram
parte dela e deveriam ser contados entre os conservadores regulares da tradição primordial. Em
todo o caso, a existência de um tal centro espiritual, ou mesmo de vários, simultaneamente ou
sucessivamente, não parece poder ser posta em causa, não obstante o que quer que se pense da
sua localização; o que é de notar, é que se associava por todo o lado e sempre a estes centros,
entre outras designações, a de «Coração do Mundo», e que em todas as tradições, as descrições
a eles associadas são baseadas num simbolismo idêntico, que é possível seguir até nos detalhes
mais precisos. Isto não mostra suficientemente que o Graal, ou o que este representa, tinha já,
anteriormente ao Cristianismo, e mesmo em todos os tempos, um laço dos mais estreitos com o
Coração divino e com o «Emmanuel», queremos dizer com a manifestação, virtual ou real segundo
as épocas, mas sempre presente, do Verbo eterno no seio da humanidade terrestre?

O rei Artur rodeado dos Cavaleiros da Távola Redonda - o Santo Graal está no meio da
mesa.
Após a morte de Cristo, o Santo Graal foi, segundo a lenda, transportado para a Grã-Bretanha
por José de Arimateia e Nicodemos; começa então a desenrolar-se a história dos Cavaleiros da
Távola Redonda e das suas explorações, que não pretendemos seguir aqui. A Távola Redonda
estava destinada a receber o Graal quando um dos Cavaleiros o conseguisse conquistar e o
trouxesse da Grã-Bretanha à Armórica; esta mesa é também um símbolo verdadeiramente muito
antigo, um daqueles que foram associados à idéia dos centros espirituais aos quais aludimos. A
forma zodiacal da mesa está, aliás, ligada ao «ciclo zodiacal» (outro símbolo que mereceria ser
estudado de forma mais especial) pela presença à volta dela de doze personagens principais,
particularidade que se encontra na constituição de todos os referidos centros. Sendo assim, não
podemos ver no número dos doze Apóstolos, um sinal, entre tantos outros, da perfeita
conformidade do Cristianismo com a tradição primordial, à qual o nome de «pré-cristianismo»
conviria tão exatamente? E, por outro lado, a propósito de Távola Redonda, fizemos notar uma
estranha concordância nas revelações simbólicas feitas a Marie des Vallées (ver «Regnabit»,
Novembro de 1924), onde era mencionada «uma mesa redonda de jaspe, que representa o
Coração de Nosso Senhor», ao mesmo tempo em que se trata de «um jardim que é o Santo
Sacramento do altar», e que, com as suas «quatro fontes de água viva», se identifica
misteriosamente ao Paraíso terrestre; não estamos de novo perante uma confirmação
impressionante e inesperada das relações que atrás assinalamos?
Naturalmente, estas rápidas notas não teriam a pretensão de constituir um estudo completo
sobre uma questão tão pouco conhecida; devemos limitar-nos de momento a dar simples
indicações, e damo-nos conta de que há considerações que, numa primeira abordagem, são
susceptíveis de surpreender um pouco aqueles que não estão familiarizados com as tradições
antigas e com os seus modos habituais de expressão simbólica; mas reservamos o seu
desenvolvimento e também justificá-los mais amplamente, a artigos onde pensamos poder abordar
igualmente outros pontos que não são menos dignos de interesse.
Enquanto esperamos, mencionamos ainda, no que diz respeito à lenda do Santo Graal, uma
estranha complicação da qual ainda não nos tínhamos dado conta até agora: por uma destas
assimilações verbais que desempenham freqüentemente no simbolismo um papel não
negligenciável, e que, aliás, têm talvez razões mais profundas que se imaginaria à primeira vista, o
Graal é por vezes um vaso ("grasale") e um livro ("gradale" ou "graduale"). Em certas versões, os
dois sentidos encontram-se mesmo estreitamente relacionados, porque o livro torna-se então uma
inscrição traçada por Cristo ou por um anjo na própria taça. Não pretendemos atualmente tirar disto
qualquer conclusão, se bem que há aproximações fáceis de fazer com o «Livro da Vida» e com
certos elementos do simbolismo apocalíptico.
Acrescentamos também que a lenda associa o Graal a outros objetos, e nomeadamente a uma
lança, que, na adaptação cristã, não é outra senão a lança do centurião Longinus; mas o que é
ainda mais curioso, é a pré-existência desta lança ou de um qualquer dos seus equivalentes como
símbolo de certa forma complementar da taça nas tradições antigas. Por outro lado, nos Gregos, a
lança de Aquiles podia curar as feridas que ela teria causado; a lenda medieval atribui
precisamente a mesma virtude à lança da Paixão. E isto lembra-nos uma outra semelhança do
mesmo gênero: no mito de Adónis (cujo nome, de resto, significa «o Senhor»), quando o herói é
ferido de morte por uma presa de um javali (substituindo aqui a lança), o seu sangue, espalhando-
se pela terra, provoca o nascimento de uma flor; ora, o senhor Charbonneau assinalou «uma peça
em ferro para hóstias, do século XII, onde vemos o sangue das feridas do Crucificado tombar em
gotículas que se transformam em rosas, e o vitral do século XIII da Catedral de Angers, onde o
sangue divino, correndo em riachos, se desenvolve também sob formas de rosas». Poderemos
dentro em breve falar de novo do simbolismo floral, visto sob um aspecto um pouco diferente; mas,
qualquer que seja a multiplicidade dos sentidos que apresentam todos os símbolos, tudo isto se
completa e se harmoniza perfeitamente, e esta mesma multiplicidade, longe de ser um
inconveniente ou um defeito, é pelo contrário, para aqueles que a sabem compreender, uma das
vantagens principais de uma linguagem muito menos estreitamente limitada que a linguagem
comum.

Procissão no castelo do Graal


Para terminar estas notas, indicaremos alguns símbolos que, em diversas tradições, substituem
por vezes a taça, e que lhe são no fundo idênticas; não se trata de sair do nosso assunto, porque o
próprio Graal, como nos podemos facilmente dar conta por tudo o que acabamos de dizer, não tem
na sua origem outro significado que aquele que tem o vaso sagrado onde quer que este se
encontre, e que nomeadamente, no Oriente, a taça sacrificial que contém o Soma védico (ou o
Haoma mazdeísta), esta extraordinária «prefiguração» eucarística sobre a qual voltaremos talvez a
falar noutra ocasião. O que representa propriamente o Soma é a «bebida da imortalidade» (o
Amritâ dos Hindus, a Ambrósia dos Gregos, duas palavras etimologicamente semelhantes), que
confere ou restitui àqueles que o recebem com a disposição requerida, este «sentido da
eternidade» do qual se falou anteriormente.
Um dos símbolos do qual queremos falar é o triângulo cuja ponta está dirigida para baixo; é
como um tipo de representação esquemática da taça sacrificial, e pode ser encontrada com este
título em certos yantras ou símbolos geométricos da Índia. Por outro lado, o que é assaz notável do
nosso ponto de vista, é que a mesma figura é igualmente um símbolo do coração, do qual ela
reproduz, aliás, a forma simplificando-a; o «triângulo do coração» é uma expressão corrente nas
tradições orientais. Isto leva-nos a uma observação que tem também o seu interesse: é que a
representação do coração inscrito num triângulo assim disposto nada tem que não seja legítimo,
quer se trate de um coração humano ou do Coração divino, e que ela se torna assaz significativa
quando a relacionamos com os emblemas usados por um certo hermetismo cristão da idade
média, cujas intenções foram sempre plenamente ortodoxas. Se se quis por vezes, nos tempos
modernos, associar a tal representação um sentido blasfematório é porque se alterou,
conscientemente ou não, o significado primeiro dos símbolos, a ponto de inverter o seu valor
normal; temos aqui um fenômeno do qual poderíamos citar inúmeros exemplos, e que encontra,
aliás, a sua explicação no fato de que certos símbolos são efetivamente susceptíveis de uma dupla
interpretação, e que têm como que duas faces opostas. A serpente, por exemplo, e também o leão,
não significam eles por vezes, e de acordo com os casos, o Cristo e Satanás? Não podemos
desejar tratar aqui este assunto com uma teoria geral, o que nos levaria bem longe; mas
compreender-se-á que há nisto qualquer coisa que torna muito delicada a manipulação dos
símbolos, e também que este ponto requer uma atenção muito especial quando se trata de
descobrir o sentido real de certos emblemas e de os traduzir corretamente.
Um outro símbolo que equivale freqüentemente ao da taça, é um símbolo floral: a flor, com
efeito, não evoca na sua forma a idéia de um «receptáculo», e não se fala do «cálice» de uma flor?
No Oriente, a flor simbólica por excelência é o lótus; no Ocidente, é mais freqüentemente a rosa
que desempenha o mesmo papel. Bem entendido, não queremos dizer que se trate do único
significado desta última, bem como do lótus, pois que, pelo contrário, indicamos outro
anteriormente; mas vemo-la facilmente no desenho gravado sobre o altar da abadia de Fontevrault
onde a rosa está colocada aos pés de uma lança ao longo da qual chovem gotas de sangue. Esta
rosa aparece aqui associada à lança exatamente como a taça o é noutro lado, e ela parece mais
recolher as gotas de sangue em vez de provir da transformação de uma delas; mas, de resto, os
dois significados completam-se muito mais do que se opõem, porque estas gotas caindo sobre a
rosa, vivificam-na e a fazem florescer. É a «rosa celeste», seguindo a figura freqüentemente
empregue em relação com a idéia de Redenção, ou com as idéias conexas de regeneração e de
ressurreição; mas isto ainda pediria longas explicações, quando apenas pretendemos fazer
sobressair a concordância das diferentes tradições no que diz respeito a este outro símbolo.

O selo de Martinho Lutero


Por outro lado, porque se falou aqui da Rosa-Cruz a propósito do selo de Lutero diremos que
este emblema hermético foi inicialmente especificamente cristão, quaisquer que sejam as falsas
interpretações mais ou menos «naturalistas» que se lhe deram a partir do século XVII; e não é
notável que a rosa ocupa, ao centro da cruz, o lugar do próprio Sagrado Coração? Para lá das
representações nas quais as cinco chagas do Crucificado são figuradas por outras tantas rosas, a
rosa central, quando está sozinha, pode bem ser identificada ao próprio Coração, ao vaso que
contém o sangue, que é o centro da vida e também o centro do ser como um todo.
Há ainda pelo menos outro equivalente simbólico da taça: é o crescente lunar; mas este, para
ser convenientemente explicado, exigiria desenvolvimentos que estariam totalmente fora do
assunto do presente estudo; apenas o mencionamos para não negligenciar nenhum lado da
questão.
De todas as aproximações que acabamos de assinalar, tiraríamos já uma conseqüência que
esperamos tornar ainda mais manifesta no que se segue: quando encontramos por todo o lado tais
concordâncias, não temos com isto mais que um simples indício da existência de uma tradição
primordial? E como explicar que, freqüentemente, aqueles que se sentem obrigados a admitir em
princípio esta tradição primordial não pensam nela de seguida e raciocinam como se ela nunca
tivesse existido, ou pelo menos como se nada se tivesse conservado através dos séculos? Se
quiséssemos refletir bem sobre o que há de anormal numa tal atitude, seriamos menos vezes
surpreendidos com certas considerações, que, na verdade, apenas parecem estranhas em virtude
dos hábitos mentais próprios da nossa época. Aliás, basta procurar um pouco, com a condição de
não levarmos nenhum preconceito, para descobrir por todos os lados as marcas desta unidade
doutrinal essencial, cuja consciência se viu obscurecida por vezes na humanidade, mas que nunca
desapareceu de vez; e, à medida que avançamos nesta procura, os pontos de comparação
multiplicam-se a partir deles mesmos e novas provas aparecem a cada instante; certamente, o
Quaerite et invenietis do Evangelho não é palavra vã".
- René Guénon, Aperçus sur L'Ésoterisme Chrétien, pp. 117-126.
Há pouco a acrescentar a esta exposição de Guénon relativa ao simbolismo do Santo Graal e à
semelhança deste com o simbolismo do Sagrado Coração de Jesus. Gostaríamos apenas de
sublinhar que, no "centro do mundo" que era o Paraíso terrestre, estava a Árvore da Vida (sinal da
ligação do Homem primordial com Deus, ligação essa perdida com a expulsão de Adão e Eva do
Éden). Os paralelos simbólicos entre a "seiva" da Árvore da Vida e o sangue divino que é
bombeado pelo Sagrado Coração serão evidentes demais para que se insista nisto. Segundo a
tradição católica, é bem sabido que quem come do fruto da Árvore da Vida partilha da "Vida
Eterna", que não é outra coisa senão o "sentido da eternidade" de que falava Guénon no artigo.
Convém também relembrar que, no Éden, precisamente do centro do jardim, onde estava a Árvore
da Vida, nasciam os quatro rios que se espalhavam nas quatro direções do jardim: o Ghion, o
Pison, o Tigre e o Eufrates. Estes rios, emanando da "fonte" que é a Árvore da Vida, são os canais
por onde escorrem as "águas da vida", que são facilmente assemelháveis aos canais sanguíneos
por onde corre o sangue sagrado. Também fica evidente a ligação entre este simbolismo, e o
simbolismo da "fonte da Juventude", sendo que a interpretação profunda do regresso à juventude
daquele que bebe desta fonte está na reintegração do homem no "centro do mundo", no local que
Adão ocupava inicialmente nos princípios do mundo. Para uma correta inserção das palavras
evangélicas do capítulo sexto de S. João, "Eu sou o Pão Vivo descido dos Céus, quem dele comer
viverá eternamente", teríamos que tecer complexas considerações sobre as diferenças entre
Paraíso terrestre e Paraíso celeste, e falar também do simbolismo da árvore invertida, o que
poderá ficar para outra ocasião.
Qualquer leitor sensato terá reparado que estamos a léguas das interpretações simplistas e
grotescas do romance "O Código Da Vinci", de Dan Brown, e das explicações do mesmo calibre
fornecidas pelo seu "decodificador" Simon Cox. Como lembra Guénon, de forma tão pertinente
nestes idos anos 20, o perigo da inversão dos símbolos está sempre presente, o que obriga à
necessidade de um certo cuidado (diríamos mesmo, de uma certa competência) no tratamento dos
símbolos, para evitar a deturpação (ou no pior caso, a inversão) do significado do símbolo. Cremos
que Guénon, quando fala do símbolo do triângulo invertido, dizendo que "se se quis por vezes, nos
tempos modernos, associar a tal representação um sentido blasfematório", se está a referir às
interpretações sexuais do referido triângulo, que já eram "moda" desde os tempos do pseudo-
esoterismo do final do século XIX em França. Recordamos que Lady Caithness, a Duquesa de
Pomar, instigadora e protetora da Sociedade Teosófica de Helena Petrovna Blavatsky, na Paris de
fin de siècle, foi uma das mais importantes instigadoras deste detestável "cristianismo esotérico"
(não confundir com "esoterismo cristão") e dos primeiros laivos de "divino feminino". Parece-nos
que, emparelhando as palavras sábias de Guénon com estes fatos da história do pseudo-
esoterismo do século XIX, teremos chegado ao ponto essencial em que nos damos conta, até à
máxima extensão, tanto da incompetência de autores como Dan Brown e Simon Cox para escrever
sobre estes temas, como da suspeita "fonte" onde estes foram buscar a sua inspiração "artística".

fonte: http://bmotta.planetaclix.pt/embuste.html

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