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3.º Teste - 11.

º ano janeiro / fevereiro

Grupo I (100 pontos)


Educação Literária

A (60 pontos)

Lê o texto e consulta as notas apresentadas.

A verdade é algumas vezes o escolho 1 de um romance.


Na vida real, recebêmo-la como ela sai dos encontrados casos, ou da lógica implacável das
coisas; mas, na novela, custa-nos a sofrer que o autor, se inventa, não invente melhor; e, se copia,
não minta por amor da arte.
Um romance que estriba 2 na verdade o seu merecimento é frio, é impertinente, é uma
coisa que não sacode os nervos, nem a gente, sequer uma temporada, enquanto ele nos lembra,
deste jogo de nora, cujos alcatruzes 3 somos, uns a subir, outros a descer, movidos pela manivela
do egoísmo.
A verdade! Se ela é feia, para que oferecê-la em painéis ao público!?
A verdade do coração humano! Se o coração humano tem filamentos de ferro que o
prendem ao barro donde saiu, ou pesam nele e o submergem no charco da culpa primitiva, para
que é emergi-lo, retratá-lo e pô-lo à venda!?
Os reparos são de quem tem o juízo no seu lugar; mas, pois que eu perdi o meu a estudar
a verdade, já agora a desforra que tenho é pintá-la como ela é, feia e repugnante.
A desgraça afervora4 ou quebranta5 o amor?
Isto é que eu submeto à decisão do leitor inteligente. Factos e não teses é o que eu trago
para aqui. O pintor retrata uns olhos, e não explica as funções óticas do aparelho visual.
Ao cabo de dezanove meses de cárcere, Simão Botelho almejava 6 um raio de Sol, uma
lufada do ar não coada pelos ferros, o pavimento do céu, que o da abóbada do seu cubículo
pesava-lhe o peito.
Ânsia de viver era a sua; não era já ânsia de amar.
Seis meses de sobressaltos diante da forca deviam distender-lhe as fibras do coração; e o
coração, para o amor, quer-se forte e tenso, de uma certa rijeza, que se ganha com o bom sangue,
com os anseios das esperanças, e com as alegrias que o enchem e reforçam para os reveses 7.

1
obstáculo, dificuldade.
2
apoia.
3
cada um dos vasos que elevam a água na nora.
4
estimula.
5
abranda.
6
ansiava por.

1
Caiu a forca pavorosa aos olhos de Simão; mas os pulsos ficaram em ferros, o pulmão ao
ar mortal das cadeias, o espírito entanguido 8 na glacial estupidez dumas paredes salitrosas, e dum
pavimento que ressoa os derradeiros passos do último padecente, e dum teto que filtra a morte a
gotas de água.
O que é o coração, o coração dos dezoito anos, o coração sem remorsos, o espírito
anelante de glórias, ao cabo de dezoito meses de estagnação da vida?
O coração é a víscera, ferida de paralisia, a primeira que falece sufocada pelas rebeliões
da alma que se identifica à natureza, e a quer, e se devora na ânsia dela, e se estorce9 nas agonias
da amputação10, para os quais a saudade da ventura extinta é um cautério 11 em brasa; e o amor,
que leva ao abismo pelo caminho da sonhada felicidade, não é sequer um refrigério 12.
Ao deslaçar da garganta a corda da justiça, Simão Botelho teve uma hora de desafogo,
como que sentia o patíbulo 13 lascar14 entre os seus braços, e então convidou o coração da mulher
que o perdera a assistir às segundas núpcias da sua vida com a esperança.
Depois, a passo igual, a esperança fugia-lhe para as areias da Ásia, e o coração
entumecia-se15 de fel, o amor afogava-se nele, morte inevitável, quando não há abertura por onde
a esperança entre a luzir na escuridão íntima.
Esperança para Simão Botelho, qual?
A Índia, a humilhação, a miséria, a indigência 16.
E os anelos17 daquela alma tinham mirado 18 as ambições de um nome. Para a felicidade
do amor envidava19 as forças do talento; mas, além do amor, estava a glória, o renome e a vã
imortalidade, que só não é demência nas grandes almas e nos génios que se sentem previver nas
gerações vindouras.
Mas grinaldas de amor a escorrerem sangue dos espinhos, essas infiltram veneno
corrosivo no pensamento, apagam no seio a faísca das nobres afoitezas 20, apoucam a ideia que
abrangera mundos, e paralisam de mortal espasmo 21 os estos22 do coração.
Assim te sentias tu, infeliz, quando dezoito meses de cárcere, com o patíbulo ou o
degredo na linha do teu porvir, te haviam matado o melhor da alma.
Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição, (cap. XIX), IN-CM, 2007, pp. 431-435.

7
contrariedades.
8
enfezado, tolhido de frio.
9
contorce.
10
mutilação.
11
castigo violento.
12
consolo, alívio.
13
lugar onde os condenados sofrem a pena capital (por guilhotina, por forca, …).
14
quebrar-se.
15
enchia-se.
16
miséria.
17
desejo ardente.
18
apetecido, aspirado a.
19
empregava,
20
coragem.
21
êxtase.
22
ímpetos.

2
1. Explicita a estrutura interna do texto, fundamentando a tua resposta.
2. Indica a presença, ao longo do texto, de dois interlocutores de níveis diferentes.
3. Caracteriza a personagem Simão Botelho e salienta como o seu comportamento
evidencia uma crítica e uma mudança na sociedade portuguesa.

B (40 pontos)
Lê o soneto de Camões.

Memórias ofendidas que um só dia


me não deixais em paz o pensamento,
não me daneis o gosto do tormento,
que quem vos ofendeu vos defendia.

Que me quereis? Olhai que se injuria


convosco o delicado sentimento
que me ficou do eterno apartamento
de quem fá tem desfeita a morte fria.

Deixaram-me co a mágoa das ofensas;


levaram um remédio só que tinha.
Que, irá vencer a pena que alma sente?

Onde achará do dano as recompensas,


se ainda de ser triste a dita minha
me não deixa um momento ser contente?
Luís da Camões, Lírica Completa – II, Lisboa: IN-CM, 1994, p.206.

4. Identifica o interlocutor do sujeito poético.


5. Explicita a relação que o “eu” lírico estabelece entre o seu passado e o momento
presente.

Grupo II (50 pontos)

Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta.


Escreva, na folha de respostas, o número do item e a letra que identifica
a opção escolhida.

Leitura | Gramática

Louvor de Garrett

Duzentos anos depois do nascimento do escritor, António Mega Ferreira fez,


no PÚBLICO, o elogio da sua obra.

3
Há coisas que o meio ambiente, o tempo histórico, o local onde estudamos nos
dão e que nos marcam para sempre. Entre as muitas coisas novas e diferentes que
então se praticavam no Pedro Nunes, havia um grupo de teatro. (…)
Aí – ou nas aulas de Português, mas é natural que ambas as experiências, a teatral
e a literária, se tenham complementado – devo ter caído na “poção mágica” do
Romeiro de Frei Luís de Sousa. Li o texto pela primeira vez quando tinha 13 ou 14
anos – e ainda não me refiz do fascínio inicial, aumentado pelas muitas releituras, não
sei quantas representações teatrais, filmes e telefilmes. Aquele Romeiro, aquela
“ameaça” à normalidade feliz do triângulo Maria-Madalena-Manuel de Sousa Coutinho,
foi para mim uma fonte de mistério, o sinal de uma coisa que mais tarde, muito mais
tarde, reconheceria como “desassossego” (O Livro do dito, convém que se recorde, só
foi conhecido em 1982). (…)
De forma evidentemente não consciente, o que o “Ninguém” do Romeiro me
deixava entrever é que, para lá do dito, do explícito, havia – há – no texto literário
um amplo espaço de indeterminação, o espaço do mistério, de um segredo que nos
cabe adivinhar ou (o que é ainda melhor) simplesmente reconhecer. (…)
Nessa altura, eu não sabia que algum fundo de verdade histórica existia naquele
punhado de retratos apenas esboçados por Garrett. É claro que só muito mais tarde
descobri em Manuel de Sousa Coutinho o soberbo prosador, cuja vida se dividiu entre
a aventura e a literatura, a esta tendo legado a magistral Vida de Dom Frei
Bartolomeu dos Mártires.
Quer dizer que, naquela indecisão histórica que a figura do Romeiro vem
transformar em autêntica tragédia, eu pressentia a vibração de uma outra literatura,
uma literatura que não se esgotava na aparência da sua imaginária “perfeição”,
porque os textos literários nos eram dados como coisas finais, definitivas. Ora, o Frei
Luís de Sousa foi, para mim, nessa altura, o primeiro texto “aberto” que me era dado
ler: o “suspense”, a emoção, o desconcerto, o excesso emocional, tudo estava lá, ou,
pelo menos, tudo eu imaginava lá figurar. (…)
O espaço de representação de Frei Luís de Sousa é atravessado por um vendaval
permanente: ninguém está bem naquele lugar, ninguém está bem no seu papel e, por
isso, Manuel de Sousa acaba por incendiar aquela casa, como se com isso quisesse
exorcizar pelo fogo a causa de toda a inquietude. (…)
Frei Luís de Sousa é o livro do desassossego português, antes de ser drama
histórico, narrativa amorosa ou tragédia sebastiana. Todas as personagens vivem um
mal-estar, cuja causa difusa, corporizada no fantasma de D. João de Portugal, é,
afinal de contas, “ninguém”. E qual de nós pode dizer que nunca se sentiu, ainda que
por instantes, prisioneiro deste desejo de não ser, neste momento em que existe? “Eu
só estou bem onde não estou”, lembram-se? E é preciso ler Frei Luís de Sousa em voz
alta, para ouvir o eco que o silêncio entre as palavras nos envia – ou a música que
faria da obra-prima de Garrett a ópera portuguesa por excelência.
Sei hoje – e sei dizê-lo – porque é que o Frei Luís de Sousa foi tão importante para
mim: a partir daí, a literatura passou a ser, aos meus olhos, o terreno onde se

4
desenhava o risco dos limites e a experiência do indivisível. Com Garrett comecei a
aprender o que quer dizer, literariamente, ser moderno.
António Mega Ferreira, Público, 8 de fevereiro de 1999.

1. A expressão “poção mágica” (l. 7) significa, neste contexto,


(A) remédio milagroso.
(B) bebida que tem propriedades mágicas ou de cura.
(C) o encantamento pela personagem.
(D) o medo da personagem.

2. A famosa resposta do Romeiro pressupõe


(A) o reconhecimento de um segredo.
(B) o desprezo pela vida humana.
(C) a ideia de vingança.
(D) a sua longa ausência.

3. Frei Luís de Sousa permitiu a Mega Ferreira


(A) estrear-se no teatro.
(B) dar largas à sua imaginação.
(C) ler uma obra proibida.
(D) ver os retratos da peça.

4. Frei Luís de Sousa contribui para


(A) a constante inquietação de Mega Ferreira.
(B) a composição de uma ópera portuguesa.
(C) a opacidade da literatura.
(D) o desenvolvimento da leitura em voz alta.

5. O texto de Mega Ferreira


(A) apresenta características de uma apreciação crítica sobre uma obra
literária.
(B) tem características de um artigo científico.
(C) tem marcas de um discurso político.
(D) pode ser classificado como um texto de opinião.

6. A primeira frase do texto é constituída por


(A) uma única oração.
(B) uma oração subordinante e uma subordinada substantiva completiva.
(C) duas orações coordenadas.
(D) uma oração subordinante e uma subordinada adverbial temporal.

7. A palavra sublinha na frase “Sei hoje ‒ e sei dizê-lo ‒ porque é que o Frei Luís
de Sousa foi tão importante (…)” (l. 31) permite um mecanismo de

5
(A) coesão lexical.
(B) coesão referencial.
(C) coesão frásica.
(D) coesão interfrásica.

8. Indica o antecedente do advérbio “Aí” (l. 6).


9. Classifica a oração subordinada presente na frase “Nessa altura, eu não sabia
que algum fundo de verdade histórica existia naquele punhado de retratos
apenas esboçados por Garrett.” (ll.16-17)
10. Na frase “E é preciso ler Frei Luís de Sousa em voz alta, para ouvir o eco
(…)” (ll.28-29), identifica a função sintática da expressão sublinhada.

"ler FLS em voz alta" é sujeito, sim (oração subord. subst. completiva); Na outra frase, vejo a relativa relativa "onde
estudamos", a subordinante e mais duas relativas restritivas - "que o meio ambiente... nos dão" e "que nos marcam...
sempre".

Grupo III (50 pontos)


Escrita

O ideal de beleza feminino é uma construção social que varia de época para época.
Atualmente, as figuras femininas excessivamente magras que dominam os circuitos da moda
poderão funcionar como padrão de beleza para personalidades menos estruturadas e fomentar
comportamentos miméticos que resultem em situações como a anorexia e a bulimia.

Redige um texto de opinião, de duzentas a trezentas e cinquenta palavras, sobre a influência


dos modelos de beleza que prevalecem atualmente na nossa sociedade.

Para fundamentar o teu ponto de vista, recorre a dois argumentos, ilustrando cada um deles
com um exemplo concreto e significativo.

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