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Carta ao editor

O paciente está com febre?


Diego Adão Fanti SilvaI, Orsine ValenteII

Trabalho desenvolvido na Escola Paulista de Medicina — Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp)

Em muitas das prescrições médicas espalhadas pelas diversas seja ≥ 36,8 °C durante o período da manhã e/ou ≥ 37,3 °C no final
enfermarias clínicas e cirúrgicas, é relativamente comum en- da tarde. Pode-se até graduar a febre em “leve, moderada e alta” ou
contrarmos a indicação de antipiréticos somente para os casos usar termos como “febrícula”, desde que se esteja consciente de que
em que a temperatura axilar do paciente é ≥ 37,8 ºC. Por um valores de temperatura além dos limites referidos não são normais
lado, quando o valor verificado é superior ao limite referido e, portanto, caracterizam uma disfunção subjacente.
(por exemplo, 38,0 ºC), há um consenso quanto ao estado fe- Vale lembrar que, em alguns pacientes febris, é de fundamen-
bril e a necessidade de medicação conforme as particularidades tal importância reconhecer situações específicas cuja abordagem
de cada paciente. Por outro lado, quando nos deparamos com e condutas devem ser particularizadas. Merecem destaque: pa-
valores de temperatura também elevados, porém ainda aquém cientes com síndrome da imunodeficiência adquirida, neutropê-
do corte supracitado (por exemplo, 37,5 ºC), há uma diver- nicos, neonatos, idosos, pacientes em unidade de terapia intensi-
gência de opiniões e, em geral, uma baixa valorização de pos- va, gestantes e puérperas, além de síndromes clínicas específicas,
síveis complicações clínicas subjacentes. Nesse último caso, é tais como a febre de origem indeterminada e a febre do viajante.
frequente ouvirmos que “ainda não é febre, é estado ‘subfebril’, Assim, quando estivermos diante de um paciente adulto,
vamos apenas observar”. Diante do quadro, questiona-se: quais cujos valores de temperatura axilar estão próximos de 37,5 °C,
os valores de temperatura que devemos realmente valorizar? devemos proceder às condutas cabíveis a um indivíduo febril,
Como interpretar uma medição de 37,5 ºC em um paciente sem a necessidade de uma aferição ≥ 37,8 °C para tal.
previamente afebril? Como e em quais condições se estabeleceu
o valor limítrofe de 37,8 ºC para febre? REFERÊNCIAS
Por definição, febre é o aumento da temperatura corpórea 1. Atkins E. Pathogenesis of fever. Physiol Rev. 1960;40:580-646.
2. Mackowiak PA, Wasserman SS, Levine MM. A critical appraisal of 98.6 degrees
central secundário a uma supramodulação do termostato hipo-
F, the upper limit of the normal body temperature, and other legacies of Carl
talâmico decorrente da ação central de pirógenos endógenos (por Reinhold August Wunderlich. JAMA. 1992;268(12):1578-80.
exemplo, prostaglandinas) ou exógenos (por exemplo, lipopolis-
sacarídios de bactérias Gram-negativas).1 Para diferenciar o esta- INFORMAÇÕES
do febril das oscilações fisiológicas de temperatura, Mackowiak Endereço para correspondência:
e colaboradores, no ano de 1992, publicaram um estudo que Orsine Valente
aferiu a temperatura oral de homens e mulheres saudáveis en- Av. Moema, 265 — cj. 33
tre 18 e 40 anos de idade.2 Nesse trabalho, verificou-se que a Indianópolis — São Paulo (SP) — Brasil
CEP 04077-020
temperatura média oral do grupo era de 36,8 ± 0,4 ºC, com os
Tel. (11) 5051-1904
menores valores no período da manhã e os maiores no final da Tel./Fax. (11) 5052-2670
tarde. Desse modo, ficou estabelecido que febre no adulto é todo E-mail: orsine.ops@terra.com.br
valor de temperatura oral ≥ a 37,3 °C no período da manhã (6h)
e/ou ≥37,8 ºC no final da tarde (16 às 18h), cuja gênese seja de- Fontes de fomento: nenhuma declarada
Conflito de interesse: nenhum declarado
corrente de um desajuste no termostato hipotalâmico.
Considerando-se os dados acima e sabendo-se que a tempera- Data de entrada: 11 de janeiro de 2012
tura axilar é, em média, 0,5 ºC inferior à oral, conclui-se que tam- Data da última modificação: 12 de janeiro de 2012
bém apresenta febre todo paciente adulto cuja temperatura axilar Data de aceitação: 31 de janeiro de 2012

I
Acadêmico do curso de Medicina da Escola Paulista de Medicina — Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp).
Professor associado da Disciplina de Urgência da Escola Paulista de Medicina — Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp) e professor adjunto da Disciplina de Endocrinologia da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC).
II

Diagn Tratamento. 2012;17(2):94.

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