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HIV – profilaxia pós exposição

Na avaliação dos doentes, após exposição de risco, devemos ter em conta os seguintes pontos:

A) Risco da exposição
B) Risco de diagnóstico de HIV ou outras doenças potencialmente transmissíveis da fonte
C) Ponderar risco/benefício da profilaxia após exposição
D) Outros aspetos (sociais, psicológicos, entre outros).

A) Deve proceder-se a datação precisa e detalhes da exposição. Perguntar se há história


previa do doente ou do parceiro sexual de DSTs ou hepatites virais. Deve ter-se em
conta se o doente já efetuou profilaxia prévia com antirretrovirais e outras formas de
exposição que não sexuais.
Em baixo, destaca-se o risco relativo de adquirir VIH a partir de um doente infetado, a
partir do tipo de exposição:

Tipo de exposição Ratio de infeção VIH por


10 000 exposições
Sexo anal (recetivo) 138
Partilha de agulha durante injeção de drogas 63
Punção agulha percutânea 23
Sexo anal (inserção) 11
Sexo peniano-vaginal (recetivo) 8
Sexo peniano-vaginal (insertivo) 4
Sexo oral Baixo
Mordedura Negligenciável
Contacto cutâneo com fluídos corporais (saliva, sémen) Negligenciável
Partilha de brinquedos sexuais Negligenciável
Adaptado do CDC – Updated guidelines for antiretroviral postexposure prophylaxis
after sexual, injection-drug use, or other nonoccupational exposure to HIV–United
States, 2016.

B) Questionar se é possível contactar a fonte para teste, em geral, VIH, hepatites B e C.


Fontes cujo diagnóstico de HIV seja conhecido, mas que tenham cargas virais negativas
(nomeadamente menos de 200 cópias/mL nos últimos seis meses), têm um risco 0 a
negligenciável de transmissão por via sexual do VIH. Assim, não há benefício na
realização de profilaxia pós-exposicional. Pode manter-se a indicação para realização
de terapêutica ainda assim, se não houver dúvidas na adesão recente à terapêutica
por parte da fonte, ou se não existirem dados recentes da carga viral.

C) Inicia-se terapêutica habitualmente quando o risco é moderado a alto e quando


a fonte tem um risco não negligenciável de VIH, nomeadamente relações
sexuais sem preservativo, nomeadamente sexo anal, sexo recetivo, ou história
de uso de injectáveis. Quando é desconhecida a adesão a terapêutica
antirretroviral pela fonte, é oferecida profilaxia, que pode ser interrompida
posteriormente se surgirem dados adicionais sobre a fonte durante o
seguimento do doente.

D) Esta avaliação é momento importante para ensino de saúde e fornecer


informação sobre comportamentos de risco. Deve também ser excluído
possíveis quadros de violência sexual (que pode não ser verbalizado pelo
doente), história de abuso de drogas ou álcool (particularmente importante em
Portugal), continuação de exposição/comportamentos de risco. Salvaguardar
acesso a serviços sociais e apoio psicológico.

Como prescrever a profilaxia?

- Normalmente prescrevem-se os fármacos no espaço de 72 horas após exposição


(potencial ou confirmada) e deve ser mantida durante 28 dias. Não há indicação para
prescrever após esta janela temporal.
- Ciclo recomendado normalmente inclui TDF/FTC (tenofovir/emtricitabina) 300/200
mg (1x/dia) + inibidor da integrase (por exemplo raltegravir, 400 mg id ou dolutegravir
50 mg 2x/dia – este último não deve ser usado em mulheres em idade fértil por risco
de defeitos do tubo neural).
- Se TFG < 60 mL/min/1.73m2 – substituir o DTF/FTC por lamivudina/AZT.
- A terapêutica deve ser realizada à mesma hora, todos os dias.
- Se houver diagnóstico concomitante de tuberculose ou perfil de resistências
conhecido da fonte, deve ser contactado um especialista nesta área.
- Efeitos adversos mais frequentes: náuseas, diarreia e vómitos, que são habitualmente
auto-limitados e resolvem após dois dias de tratamento. O raltegravir está associado a
um pequeno risco de rabdomiólise. Se os doentes tiverem mialgias, devem evitar a
realização de terapêutica concomitante com Estatinas. Alguns doentes podem também
experienciar insónia e cefaleia.
- Desaconselhar o uso concomitante de anti-ácidos, sucralfato e alguns suplementos
de vitaminas, que interferem com a absorção (e eficácia) dos fármacos,
nomeadamente do raltegravir. Confirmar sempre interacções possíveis com fármacos
que o doente esteja a fazer. Uma ferramenta (de várias disponíveis) é o hiv-
druginteractions.org/checker (da Universidade de Liverpool).
- Vítimas de abuso sexual devem fazer as seguintes profilaxias adicionais:
- Gonorreia ceftriaxone 250 mg IM + azitromicina 1gr (doses únicas)
- Chlamydia azitromicina 1 dr (dose única) OU doxiciclina 100 mg 2id, durante 7
dias
- Trichomonas (mulheres adultas e adolescentes) metronidazol oral 2gr (dose
única).

- Também se deve ter em conta, em doentes cujo estado de vacinação para hepatite B
seja desconhecido, estes devem ser vacinados. Doentes com Anti-HBs negativos
devem fazer imunoglobulina logo na primeira consulta, se não se conhecer estado de
vacinação/virológico da fonte.
- A falência da profilaxia, em estudos observacionais, está relacionada essencialmente
com má adesão à terapêutica, apesar de não haver estudos rigorosos nesta área.

Avaliação analítica basal:


- Hemograma, função renal, AST, ALT, fosfatase alcalina e bilirrubina total
- Serologia da sífilis, Hepatite A (IgG), B e C, HIV (idealmente um teste de quarta
geração)
- PCR para Chlamydia e gonorreia (inclusive faríngeo, se adequado)
- Teste de gravidez (se aplicável)
- Sempre que possível na primeira abordagem, incluir contacto de familiar ou amigo
(se o doente autorizar), para garantir que não se perde o contacto do doente e
melhorar a adesão e a transição entre uma primeira consulta que habitualmente é
feita em contexto de urgência e o seguimento posterior).

Primeira consulta de seguimento às 2 semanas (Hospital de Dia de VIH ou pode ser


feito no Centro de Saúde)
- Avaliação de efeitos adversos e adesão à terapêutica
- Reforçar cuidados de prevenção de novas fontes de exposição e promover educação
para a saúde
- Teste de gravidez (se aplicável)
- Se a fonte tiver sido testada e o resultado for negativo ou com controlo virológico
adequado, deve-se suspender a terapêutica com anti-retrovirais.

Segunda consulta de seguimento às 4 a 6 semanas após exposição


- Repetir serologias VIH e outras DSTs (Chlamydia e gonorreia)
- Teste de gravidez (se aplicável)

Terceira consulta 4 meses após exposição


- Se o doente for infectado com hepatite C durante a exposição, dever-se-á repetir as
serologias aos 6 meses dado que pode haver atraso na seroconversão do VIH.
- Se ocorrer seroconversão para VIH nestas análises, o doente deve ser referenciado
para iniciar de imediato terapêutica.

Bibliografia recomendada (dado que este texto é ultra resumido):


1. Updated guidelines for antiretroviral postexposure prophylaxis after sexual, injection-
drug use, or other nonoccupational exposure to HIV–United States, 2016. Morbidity
and Mortality Weekly Report.
https://www.cdc.gov/hiv/pdf/programresources/cdc-hiv-npep-guidelines.pdf
2. World Health Organization. Guidelines on post-exposure prophylaxis for HIV and the
use of co-trimoxazole prophylaxis for HIV-related infections among adults, adolescents
and children: Recommendations for a public health approach: December 2014—
supplement to the 2013 consolidated ARV guidelines. 2014.
https://www.who.int/hiv/pub/guidelines/ arv2013/arvs2013upplement_dec2014/en/

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