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Resumo: Apesar da abordagem estratégica para gestão de pessoas, destacando o papel da área
de recursos humanos como agente de mudanças organizacionais, poucos estudos empíricos
apresentam como este papel é desenvolvido e qual é o resultado para a área de RH. Este artigo
apresenta os principais resultados de uma pesquisa exploratória que teve como objetivo
investigar o papel desempenhado pela área de recursos humanos no processo de mudança em
uma instituição brasileira de caráter público e de direito privado. Trata-se de estudo
longitudinal de uma organização complexa que, nos últimos três anos, realizou mudanças
significativas na sua estratégia organizacional, utilizando-se da metodologia de Investigação
Apreciativa (IA) para envolver as pessoas na construção e execução da estratégia. Os
resultados de duas entrevistas em profundidade com os gestores, realizadas com intervalo de
dois anos, a observação participativa de dois autores deste artigo durante todo o período do
estudo e a análise do banco de dados da aplicação da metodologia IA com 2.171 pessoas,
indicam a atuação estratégica da área de RH em todo o processo de mudança, inclusive o
reposicionamento das suas políticas e práticas alinhadas aos objetivos organizacionais e a
conquista do seu espaço na diretoria executiva da organização.
INTRODUÇÃO
A literatura contemporânea sobre administração de recursos humanos questiona a
contribuição do tradicional departamento de recursos humanos e sugere uma nova pauta para
a área, destacando a gestão estratégica de pessoas como pano de fundo para alinhar as pessoas
à estratégia da organização e promover mudanças organizacionais e como instrumento
adequado para dar respostas aos desafios do ambiente empresarial.
Apesar da existência de muitos defensores da mudança de enfoque sobre a atuação da
área de recursos humanos, enfatizando seu papel estratégico para o sucesso da organização,
poucos trabalhos têm apresentado estudos empíricos sobre como este papel é desenvolvido e
qual é o retorno para as áreas de RH que conseguem desempenhá-lo com sucesso.
Portanto, um estudo de caso foi realizado com o objetivo de investigar, em
profundidade, o papel desempenhado pela área de recursos humanos no processo de mudança
em uma instituição brasileira de caráter público e de direito privado, bem como os frutos
colhidos pela área devido a sua atuação estratégica.
A organização em estudo é uma instituição sexagenária que atua, direta e indiretamente,
através de parcerias ou acordos de cooperação, nas áreas de negócios nacionais e internacionais,
pesquisas e análises, representação empresarial, desenvolvimento tecnológico, formação
profissional, saúde ocupacional, lazer e qualidade de vida, oferta de infra-estrutura e prestação de
serviços sociais e educacionais. Esta instituição integra cinco entidades em sua governança,
mantidas por imposto compulsório e cada uma das cinco entidades tem missão específica, com
características próprias de funcionamento, finalidades diferenciadas definidas por estatuto, com
processos diferenciados, inclusive, com autonomia jurídica e orçamentária.
Nos últimos três anos esta instituição passou por mudanças significativas na sua
estratégia organizacional. Para envolver as pessoas na construção e execução da estratégia, a
nova diretoria eleita em 2003 aplicou a Investigação Apreciativa (Appreciative Inquiry), uma
metodologia de apoio à mudança organizacional, desenvolvida em 1998 pelo Prof. Dr. David
Cooperrider e sua equipe na Case Western Reserve University, Cleveland, USA.
Trata-se de um estudo de caso de mudança organizacional, por meio de um processo
participativo envolvendo grande número de empregados e inserido em um contexto rico para
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a realização desta pesquisa exploratória e longitudinal. Além de apresentar um caso que
ilustra, com detalhes, a transformação de uma área tradicional de RH com foco operacional
em uma área estratégica para a instituição, este artigo também apresenta a aplicação de uma
metodologia recentemente desenvolvida para apoiar o processo de mudança organizacional,
discutindo a mudança e o papel de RH – dois temas que desafiam os gestores e despertam os
interesses dos pesquisadores.
Para tanto, este trabalho é composto das seguintes seções: quadro referencial teórico,
abordando os principais conceitos sobre mudança e gestão estratégica de pessoas; descrição
dos procedimentos metodológicos deste estudo de caso; apresentação do caso, caracterizando
o contexto e a organização objeto do estudo; apresentação e análise dos resultados, e por
último, as conclusões e recomendações para futura pesquisa.
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Quadro 1 – Definição dos Papéis de RH
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humanos para sua legitimação na esfera decisória e estratégica impõem aos profissionais de
RH o desafio de se comprovar sua efetividade com resultados tangíveis para a organização.
De fato, o simples ato de incluir na “gestão de pessoas” a palavra “estratégica”, apesar
da grande importância atribuída à palavra e de significar “vontade de mudança” para os
executivos brasileiros (BISELLI e TONELLI, 2006, p.12), não dará legitimidade à área de
RH como estratégica, a menos que demonstre resultados efetivos para a organização.
Mudança Organizacional
Mudança é um tema amplamente discutido na literatura acadêmica e possui inúmeras
teorias prescritivas, técnicas e metodologias que passaram a ser propagadas como
viabilizadoras das mudanças nas empresas, prenunciando organizações aptas a operarem no
cenário do novo milênio, com profissionais preparados para este desafio sem fronteiras.
Mudar tornou-se um imperativo de sobrevivência para as organizações, antes sólidas
em um mercado estável. Relegada à condição de antigüidade, a velha e confortável noção de
estabilidade foi substituída, em escala mundial, pela de temporariedade permanente
(ROBBINS, 1999). Segundo Fischer (2002) ocorreu uma mudança de paradigma na teoria das
organizações que evoluiu do paradigma da estabilidade para o da transformação. A autora
destaca que o paradigma da estabilidade, vigente até os anos 1970, pressupunha a ocorrência
de mudanças lineares e incrementais que, de preferência, não desestabilizassem o desempenho
organizacional e não questionassem o status quo, enquanto que no paradigma da
transformação, as mudanças são amplas, abrangentes, profundas e multidimensionais.
Portanto, a organização deve estar voltada para o aperfeiçoamento contínuo e não para a
estabilidade de normas, padrões e regras vigentes.
Também existe uma necessidade de se rever a visão dominante acerca de como se
pensar o processo de mudança e melhoria na empresa brasileira. Segundo Ruas (2005), grande
parte dos projetos em organizações públicas e privadas, a partir de determinado período,
apresenta dificuldades para prosseguir numa rota de resultados positivos e de atingir a
organização como um todo. Segundo o autor, as empresas alegam inadequação do programa
adotado, problemas com a metodologia de implantação, falta de comprometimento da alta
direção ou gerências médias, razões macro-econômicas, entre outras alegações de relevante
significado para o processo de mudança.
Kanter et al (1992) argumentam que, entre as dificuldades em fazer a mudança
acontecer, está o excessivo otimismo, o declínio da excitação após período inicial, o
insuficiente reconhecimento do valor e benefícios da burocracia tradicional e a carência de
capacidades para gerenciar a mudança. Para Ruas (2001), o principal dilema da gestão da
mudança é redimensionar as competências individuais da organização, mais especificamente
das competências gerenciais, a fim de aportar às competências organizacionais os elementos
fundamentais do projeto de mudança. Segundo o autor, os gestores precisam superar a visão
dominante acerca de pensar as mudanças no nível superficial (técnicas, normas e regras) e ter
capacidade de mudar a si próprio e internalizar a noção sobre a importância do seu papel nos
processos de mudança.
Outro aspecto desafiador a ser considerado no processo de mudança é a cultura
organizacional. Segundo Fleury (1996), o processo de mudança não pode ser descolado da
cultura organizacional, pela forte influência que esta exerce ao longo do processo. A autora
adverte que quanto mais forte for a cultura organizacional, mais profunda será esta influência.
Para a autora, a cultura organizacional tanto age como elemento de consenso, como oculta e
instrumentaliza as relações de dominação, tornando a mudança de padrões culturais bem mais
complexa, em função da significativa resistência em vários segmentos da organização.
Kanter et al (1992) ainda advertem que limitações para gerir ações que promovem
mudanças em organizações complexas podem constituir outro campo de dificuldades, pela
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exigência de um enorme esforço em terreno pantanoso na tentativa de controlá-las, exigindo
mais organização na implementação das mudanças e necessidade de muito envolvimento das
pessoas. Os autores observam que inovações promovidas pela comunidade são preferíveis às
mudanças top-down na estrutura hierárquica e destaca que as tentativas de implementar um
programa de mudança continuado, através de um esforço único e isolado têm grande chance
de falhar, por ser a organização um sistema.
O engajamento das pessoas no processo de mudança também é defendido por
Albuquerque (2002) como sendo imprescindível para a implementação da estratégia
organizacional. O autor argumenta que os resultados mais importantes são a participação das
pessoas no processo, seu aprendizado, sua conscientização e seu comprometimento com os
intentos da organização.
Piccinini e Jotz (1999) quando analisam diferentes práticas para viabilizar a
participação das pessoas no processo de mudança, alertam para a forma como são aplicadas,
pois uma mesma prática pode gerar uma participação ampla ou restrita, dependendo de sua
forma de aplicação. Os processos de mudança podem apresentar resistências individuais,
temores pela falta de diálogo, se as pessoas sentirem-se ameaçadas em seus valores,
concepções e formas de agir. Strebel (1996) observa que geralmente a alta direção considera a
mudança um desafio e que muitos funcionários, inclusive gerentes de nível médio, podem
considerá-la como ruptura, intromissão, uma perturbação ao equilíbrio e ao status quo
estabelecido. Estes conflitos podem variar conforme a intensidade das forças de estabilidade e
mudança (STREBEL, 1996).
Na discussão sobre a integração do papel estratégico de RH aos objetivos de longo
prazo das organizações, Lacombe e Tonelli (2001) enfocam o grau de participação das
pessoas nos programas de mudança organizacional e Fischer (2002) imprime especial ênfase à
facilitação da participação das pessoas nos processos de mudança e discute a perspectiva do
desejo de transformação das pessoas, o desenvolvimento de sua capacidade e o desejo que
elas têm de compreender e internalizar os valores da mudança.
Dentre os estudos empíricos sobre mudança organizacional, destacam-se os de
Pettigrew (1996) que analisa o processo de mudança a partir do contexto interno e externo da
organização (por que mudar), do conteúdo da mudança (o que mudar) e do processo (como
mudar), definido como sendo uma abordagem contextualizada pela interação contínua entre
os fatores. O autor define o contexto externo pelo ambiente social, econômico, político e
competitivo em que a organização atual. O contexto interno envolve a estrutura, cultura
organizacional e contexto político da organização. Já o conteúdo refere-se às áreas enfocadas
na mudança: tecnologia, mão-de-obra, produtos, posicionamento geográfico ou cultura
organizacional. Finalmente, o processo é analisado pelas ações, reações e interações entre as
várias áreas envolvidas na mudança e no futuro da organização.
O modelo de Pettigrew (1996) de abordagem contextualista de análise da mudança é
aplicado neste trabalho para analisar e descrever o processo de mudança do caso em estudo.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O CASO EM ESTUDO
A Instituição
A organização em estudo é uma instituição brasileira sexagenária de caráter público e
de direito privado que atua, direta e indiretamente, através de parcerias ou acordos de
cooperação, nas áreas de negócios nacionais e internacionais, pesquisas e análises,
representação empresarial, desenvolvimento tecnológico, formação profissional, saúde
ocupacional, lazer e qualidade de vida, oferta de infra-estrutura e prestação de serviços sociais
e educacionais. Esta instituição integra cinco entidades em sua governança, mantidas por
imposto compulsório e cada uma das cinco entidades tem missão específica, com
características próprias de funcionamento, finalidades diferenciadas definidas por estatuto,
com processos diferenciados, inclusive, com autonomia jurídica e orçamentária.
Entidades desta natureza escapam à estrutura geral dos órgãos administrativos. São
organizações privadas, mas criadas por lei e que gozam de certas prerrogativas e a que se
atribuem finalidades mais próximas dos serviços públicos, do que mesmo privadas e
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lucrativas. Segundo Cavalcanti (1971, p. 248), essas entidades vivem dentro de uma
“zona cinzenta” que sofre a influência do Direito Administrativo, embora privadas, por
natureza, origem e estrutura jurídica.
O grupo gestor da instituição em estudo é eleito pelo Conselho de Administração,
composto por representantes dos Sindicatos Patronais das Indústrias do estado onde atua, para
mandato de quatro anos, com possibilidade de recondução para mais quatro anos, por nova
eleição.
Em outubro de 2003 ocorreu a posse da nova administração da instituição. O grupo
anterior permaneceu por dois mandatos (oito anos seguidos) e apresentava características de
gestão bastante diversa do atual grupo gestor. A maioria dos membros da nova gestão é
proveniente do setor privado, com larga experiência empresarial em ambientes competitivos.
A nova administração instituiu quatro eixos estratégicos norteadores das
transformações que iriam dar início na organização como um todo: auto-sustentabilidade da
instituição, desenvolvimento industrial sustentável, competência no desenvolvimento de
pessoas e defesa dos interesses da comunidade industrial. Esta concepção reflete o
pensamento dos dirigentes de empresas privadas, focadas no mercado competitivo, nas
capacidades internas da organização e nos resultados.
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aplicação da metodologia são: inovação, flexibilidade individual e organizacional, integração,
colaboração, afiliação, engajamento e alinhamento com as mudanças externas.
A metodologia tem sido aplicada em diversas organizações de vários países, gerando
estudos quali-quantitativos, sendo a Investigação Apreciativa considerada como a variável
independente no processo de mudança. É aplicada em reuniões de larga escala com o
propósito de descobrir e desenvolver uma mudança organizacional e estrutural positiva,
desenhar estratégias de negócios, desenvolvimento de recursos humanos, criação de novos
produtos, entre outras (COOPERRIDER et al, 2001). Os líderes organizacionais (formais e
informais) são tidos como os agentes catalisadores do processo de mudança, com
responsabilidades definidas, e com a missão de criar oportunidades para a experimentação e
inovação. Basicamente, diferencia-se da metodologia de resolução de problemas pelo
pressuposto básico de encarar a organização como "um enigma a ser abraçado"
(COOPERRIDER e WHITNEY, 1999, p. 23). A metodologia não se detém na análise dos
problemas; propõe a busca do que faz sentido às pessoas inseridas no contexto e, através do
diálogo, identificar os novos paradigmas, o potencial de mudança e o que pode ser realizado
na construção de uma nova organização, conforme o Ciclo dos 4D's.
A metodologia parece considerar largamente a subjetividade na elaboração cognitiva
dos referenciais do contexto, acreditando que os sonhos compartilhados podem reger as
mudanças e suplantar as construções simbólicas que refletem uma concepção de mundo
socialmente construída.
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marketing, tecnologia da informação, administração, finanças e orçamento) eram na sua
maioria duplicadas, triplicadas e até quadruplicadas com processos distintos para cada uma
das unidades da instituição, como era o caso da área de Recursos Humanos, por exemplo. No
mesmo ambiente, na mesma sala inclusive, os funcionários das diferentes entidades,
encarregados dos salários e benefícios, trabalhavam lado a lado, com processos e níveis
salariais distintos entre as unidades. A área de RH era evidentemente calcada em práticas
convergentes à abordagem funcionalista: organizada por atividades, baseada no controle,
voltada ao mero cumprimento da legislação e manutenção das exigências burocráticas; o
corpo de funcionários era visto como "inchado", com longo tempo de atuação na mesma
tarefa e, principalmente, sem preparo técnico ou atualização profissional compatível com as
novas tendências de gestão de pessoas.
Os motivos para a mudança (por que mudar) descritos acima foram coletados durante
as entrevistas e confirmados nos relatórios da consultoria e nas peças de comunicação interna.
Outras evidências da clareza sobre os motivos da mudança são os eixos estratégicos que dão
consistência ao planejamento de mudança organizacional, considerando os componentes do
ambiente interno e externo.
b) O que mudar?
Segundo Pettigrew (1996), o conteúdo da mudança refere-se às áreas que se pretende
mudar, como tecnologia, mão-de-obra, processos, produtos e serviços, posicionamento
geográfico e cultura organizacional.
No caso em estudo, a nova administração instituiu quatro eixos estratégicos
norteadores das transformações na organização: auto-sustentabilidade da instituição,
desenvolvimento industrial sustentável, competência no desenvolvimento de pessoas e defesa
dos interesses da comunidade industrial. Transformar, no contexto dessa organização significa
inovar na tecnologia, na alavancagem financeira, nos negócios internacionais e no estilo de
gestão. Especificamente neste último, o entendimento sobre inovar na gestão significa
construir um modelo dinâmico e participativo, que priorize o desenvolvimento das pessoas e a
otimização dos processos e resultados, exigindo mudança de uma cultura cristalizada por
décadas na instituição, tornando o desafio ainda maior, uma vez que, segundo Fleury (1996),
quanto mais forte e enraizada for a cultura, mais profunda será a sua influencia no processo de
mudança organizacional.
As iniciativas de mudança focaram num primeiro momento a estratégia de gestão de
pessoas (de controle para o comprometimento) alavancadas pela implantação da metodologia
Investigação Apreciativa de apoio à mudança e a otimização dos processos entre as cinco
unidades que compõem a instituição.
c) Como mudar?
Esta questão investiga o processo da mudança que, segundo Pettigrew (1996) é
analisado pelas ações, reações e interações entre as várias áreas envolvidas na mudança e no
futuro da organização. Dentro desta abordagem de análise, pode-se afirmar que três iniciativas
da nova administração desencadearam todo o processo de mudança na instituição.
A primeira iniciativa foi a formalização e instituição de um sistema de governança
geral, criando as áreas compartilhadas entre as entidades para os serviços de marketing,
administração, orçamento & controladoria, finanças, recursos humanos e tecnologia da
informação.
A segunda iniciativa foi a implantação de um processo participativo de mudança
organizacional, a partir da aplicação da metodologia Investigação Apreciativa com o apoio de
uma consultora de desenvolvimento organizacional especializada no método. Esta iniciativa
tinha como objetivo dar maior dinamismo à instituição, sustentado no diálogo e no
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compartilhamento. O processo foi organizado em seis encontros durante 2004, distribuídos
nas cinco regionais do estado, nas quais a instituição atua. O trabalho envolveu um total de
2.171 participantes, sendo 1.098 pessoas internas, entre funcionários e equipe gestora de todos
os níveis e 1.073 pessoas externas à organização, como empresários, representantes dos
sindicatos, fornecedores, representantes de instituições de ensino e pesquisa, entre outros
stakeholders.
Os temas geradores das discussões iniciais partiram da validação dos eixos
estratégicos e das propostas da nova gestão, apresentadas à época do período eletivo. Os
encontros seguiram os passos metodológicos propostos pela investigação apreciativa, sendo
que os 4D's (Discovery, Dream, Design e Destiny) foram conduzidos a partir da ampla
comunicação sobre os eixos estratégicos e as áreas compartilhadas, durante dois dias
seguidos, para cada regional do estado. Os encontros foram estruturados em três etapas:
treinamento do grupo facilitador e de apoio; seis encontros nas regionais; e reunião de
fechamento com os representantes das regionais, indicados democraticamente pelos
participantes de cada encontro.
Enquanto metodologia de participação, foi percebido que a Investigação Apreciativa
vem ao encontro do processo interativo e participativo de mudança organizacional proposto
por Albuquerque (1999; 2002) e à metodologia construtivista e de apreciação permanente
proposta por Fischer (2002). A evidente intenção da investigação apreciativa é a de viabilizar
a participação, o surgimento de novas lideranças e, conforme Fischer (2002), promover uma
alteração das relações de poder da forma tradicional, hierarquizada, para uma relação mais
capilar nos processos compartilhados de transformação organizacional. A tentativa de
construção desta capilaridade é abordada a seguir.
Nos encontros realizados logo nos primeiros meses, as pessoas, de modo geral,
vislumbraram a oportunidade de participar, emitir suas opiniões, recuperar projetos
"engavetados", visualizar novos serviços, trazer à tona assuntos reprimidos, e de projetar-se
profissionalmente. A construção de uma "organização ideal", enquanto um local onde as
pessoas possam sentir-se bem trabalhando, participarem da elaboração e decisão sobre
projetos estratégicos, transpareceu realmente como o sonho (Dream), revitalizando os
propósitos de inúmeros participantes. Principalmente ao considerar aqueles funcionários que
atuam nas pequenas cidades do interior do estado, fisicamente distantes do lócus do poder
organizacional central.
Sob a ótica das relações de instrumentação do poder, principalmente em uma
organização com as características aqui apresentadas, os conflitos se evidenciaram nas esferas
dos cargos instituídos. Muitos líderes informais, diante da motivação e responsabilidade sobre
os novos macro-projetos, legitimados democraticamente como líderes situacionais nos
encontros, passaram a atuar alheios à estrutura hierárquica, privilegiando a comunicação
informal entre os grupos envolvidos, acreditando na capilaridade do poder decisório e de
gestão anunciados. O processo democrático, ao mesmo tempo em que legitimou as lideranças
situacionais, desencadeou o processo de resistência na estrutura formal. Os padrões de
comportamento de alguns gestores em cargo de nível médio (a maioria mantida em suas
funções anteriores), apresentaram variações de comportamentos frente a estes conflitos e
tensões evidenciados, com a possibilidade do enfraquecimento da hierarquia e a ameaça ao
poder instituído.
O encontro de fechamento das etapas realizadas nas cinco regionais do estado reuniu
os representantes para apresentar e discutir as proposições provocativas e, ao final, foram
definidas 11 propostas como ponto de partida para a construção do "sonho compartilhado",
tais como: desenvolver novos negócios alinhados aos eixos estratégicos; criar cultura de
colaboração entre os integrantes do sistema; promover soluções para a indústria com base em
gestão participativa. Para as onze propostas, foram eleitos onze líderes. Destas propostas
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surgiram 31 macro-projetos, relacionados à todas as áreas de atuação da organização, tais
como: diagnóstico setoriais contínuos, gestão do conhecimento, atuação de responsabilidade
social, políticas de valorização do ser humano, gestão por competências, entre outros.
Após esta etapa, os macro-projetos foram reapresentados em assembléia de
representantes dos funcionários com grupo gestor, para a apreciação e sugestões de
encaminhamentos. Todo esse processo teve a duração de três meses, sendo que, no 2°
semestre de 2004, foram realizados novos encontros em cada regional para celebração dos
resultados, com todos os funcionários e grupo gestor, como etapa prevista na metodologia.
Ressalta-se que durante os encontros, um dos objetivos foi o levantamento dos valores
relevantes para cada pessoa. A partir de uma teia de valores, foi realizado um trabalho
intenso, com consultor específico, para identificação junto aos funcionários dos valores
compartilhados. Foram realizadas várias reuniões, workshops e palestras. Os valores foram
agrupados, identificados por similaridade e, democraticamente, chegou-se a seis considerados
significativos aos participantes: confiar, respeitar, ser ético, dialogar, inovar e "meu valor".
Este último permite que cada pessoa acrescente o valor pessoal que considera importante na
sua relação com as demais pessoas.
A terceira iniciativa da nova gestão foi a criação do Plano de Demissão Voluntária
(PDV), implantado em caráter temporário em agosto de 2004 para toda a instituição. Esta
iniciativa deu a oportunidade para que todos os empregados pudessem refletir sobre o grau de
congruência de seus objetivos com o propósito que a nova administração estava construindo
com os empregados para o futuro da instituição.
Merecem destaque a liderança e o comprometimento da alta direção com o processo
de mudança, evidenciados tanto no discurso como no envolvimento direto e na alocação de
recursos para a implantação das ações desencadeadas com o processo.
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de processos, o RH vem apresentando melhores resultados organizacionais com menos
pessoas na sua estrutura. Pelos resultados das pesquisas de satisfação dos clientes e pelos
índices atingidos no BSC, pode-se afirmar que o RH alcançou níveis mais elevados de
eficiência na entrega dos seus serviços. Outra evidência considerada positiva é o aumento
considerável da mobilidade interna e aproveitamento de talentos revelados no processo de
mudança.
Apesar dos resultados descritos acima, vale destacar que, por tratar-se de uma
mudança profunda na cultura organizacional, o processo de mudança ainda demanda mais
tempo de maturação, principalmente em termos de geração de novos produtos e serviços
suficientes para garantir auto-sustentabilidade da instituição (sem a dependência do imposto
compulsório) e na plena otimização das potencialidades e competências de seu quadro
funcional. Ainda em relação ao fator tempo de maturação, as entrevistas da segunda etapa
deste estudo longitudinal, realizadas no final de 2006, evidenciaram alto grau de insegurança
em relação ao futuro deste processo de mudança que se encontra ameaçado devido às
incertezas quanto ao resultado das eleições que definirão uma nova administração, caso a
atual não venha a ser reeleita para o próximo mandato de quatro anos de duração.
Se por um lado o alto grau de comprometimento e envolvimento da alta direção
demonstrado até o momento e a visão dominante acerca de como se pensar o processo de
mudança (Ruas, 2005) podem sofrer abalos e enfrentar dificuldades para prosseguir na mesma
rota de resultados positivos na instituição como um todo por razões políticas que extrapolem a
dinâmica intra-organizacional dos processos gerenciais, por outro lado, a participação da
comunidade validada nos processos de mudança tem gerado pressão na estrutura
organizacional para que as mudanças continuem ocorrendo de fato, muito mais do que uma
proposta implantada top-down na hierarquia formal, confirmando a argumentação de Kanter
et al (1992), Pettigrew (1996), Albuquerque (2002) e Fischer (2002) sobre os benefícios da
gestão participativa.
Dos quatro eixos estratégicos instituídos pela nova gestão em 2003 para nortearem as
transformações que iriam dar início na organização como um todo, dois eixos vêm dando
direcionamento ao novo design e papel da área de recursos humanos: auto-sustentabilidade e a
competência no desenvolvimento de pessoas. O primeiro, em função das competências
necessárias para que a instituição possa prestar serviços competitivos. O segundo, vem ao
encontro das novas diretrizes para a gestão de pessoas que, até então, conforme os relatos, em
função do contexto anterior, vinham estagnadas em práticas defasadas e desprovidas de
qualquer conexão com as tendências da gestão estratégica de pessoas. Esta situação
demandaria grandes transformações nas políticas, processos, práticas e principalmente no
papel e foco do RH.
Todos os entrevistados destacaram que, ao contrário do que se temia, a área de RH
desenvolveu um papel estratégico e fundamental no processo de mudança. Com iniciativa
própria a área de RH liderou todo o processo de participação dos funcionários nos eventos de
Investigação Apreciativa, garantindo a participação de 98% do quatro da instituição e
promovendo espaço de troca e de desenvolvimento pessoal. A área de RH também foi pró-
ativa e exemplar em várias iniciativas de mudança dentro de sua própria área, ou como relatou
um dos entrevistados “a área de RH teve que se reinventar, se transformar para poder ajudar
na transformação da instituição”.
Com o Plano de Demissão Voluntária (PDV) a área de RH reduziu seu quadro efetivo
de vinte e três para treze pessoas, e implantou duas coordenadorias para o processo de
transição: a de processos e a de desenvolvimento e treinamento. Vale observar que a
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Coordenadoria de Processos (com foco mais operacional) está subordinada à Coordenadoria
de Desenvolvimento e Treinamento.
A área de RH foi a primeira a conseguir integrar e compartilhar os processos de sua
função eliminando duplicidades de tarefas. A área também implantou um sistema
informatizado adequado e capaz de atender a todos os sub-sistemas da função, automatizando
grande parte da rotina operacional, tornando a função mais eficiente e podendo assim dedicar
mais tempo e foco em questões mais estratégicas para o processo de mudança e
desenvolvimento das pessoas na instituição. Algumas funções da gestão de pessoas foram
descentralizadas para as gerências das cinco entidades que compõem a sistema, ampliando a
participação e compromisso dos gestores com os elementos estratégicos da gestão de pessoas.
Para isso a área de RH também vem formando consultores internos de recursos humanos para
orientar e dar suporte aos gestores de toda a instituição.
Após ter organizado seus processos operacionais e automatizado suas rotinas, a área
de RH coordenou e implantação das seguintes políticas e práticas de recursos humanos
visando contribuir de forma mais estratégica para o processo de mudança, uma vez que as
pessoas foram consideradas como inputs para o processo de mudança e alavancagem de
resultados para a instituição:
sistematização do Programa de Desenvolvimento Pessoal com definição dos critérios
de investimento na capacitação das pessoas da instituição, alinhados após objetivos de
cada entidade;
implantação do Programa de Desenvolvimento de Liderança Sustentável para os
gestores, com suporte de coaching realizado por profissionais externos à instituição;
criação do ADD – Acordo de Desempenho e Desenvolvimento assinado entre gestor e
superior imediato, contendo a definição do papel do gestor, o acordo de desempenho,
as metas anuais, bem como os indicadores de resultados;
implantação de um sistema semestral de avaliação 360 graus para os gestores da
instituição, gerando clareza nas ações e nos resultados esperados dos gestores;
implantação de novo plano de cargos e salários que visa corrigir grandes distorções no
sistema de remuneração da instituição, com conclusão de sua implantação prevista
para outubro de 2007.
monitoramento do clima organizacional através de pesquisas anuais com
desdobramento em planos de ação de melhoria (a instituição está aplicando a terceira
pesquisa anual);
Para identificar os papéis desempenhados pelo RH no processo de mudança foi
utilizado o modelo de múltiplos papéis para a administração de recursos humanos
desenvolvido por Ulrich (1998). A análise dos resultados da pesquisa de campo deste estudo
longitudinal aponta uma atuação significativa do RH em dois papeis: o de agente de
mudanças e o de parceiro estratégico.
O papel de agende de mudanças foi evidenciado nas suas iniciativas e ações para fazer
com que as mudanças acontecessem, como por exemplo, a coordenação dos eventos de
Investigação Apreciativa, a coordenação de diversos projetos institucionais e integradores das
entidades e áreas de suporte, e na sua própria transformação para adaptar-se e ao mesmo
tempo promover a mudança na instituição.
Já o papel de parceiro estratégico ficou evidente com a sua pró-atividade em elaborar
e ajustar estratégias, processos, políticas e práticas de RH ao eixo estratégico norteador das
mudanças na instituição. Outra evidência é a mudança ocorrida nos indicadores de RH que
deixaram de medir resultados operacionais e passaram a controlar resultados estratégicos e
alinhados aos resultados da instituição.
A legitimidade destes papéis desempenhados pelo RH foi selada com a criação da
Diretoria de Recursos Humanos, no mesmo nível das demais diretorias da instituição. Para o
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RH esta conquista é percebida como um dos principais resultados para a área, fruto de suas
ações e iniciativas para alavancar o processo de mudança, uma “oportunidade única que
soubemos aproveitar para transformar o RH em algo estratégico para a instituição”.
Ao ampliar a reflexão sobre o papel e o significado do RH na mudança organizacional
percebe-se que o efeito desejável é o de evidenciar a distinção entre os propósitos da atual
gestão em relação a anterior. Ou seja, cristalizar a imagem ou internalizar (FISCHER, 2002) o
princípio de valorização das pessoas pela nova gestão por intermédio de mecanismos que
resistam ao jogo de forças políticas mais acirradas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
15
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especialistas e o que nos mostram as práticas das empresas sobre os modelos de gestão
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