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Sebenta Comercial I David PDF
Sebenta Comercial I David PDF
Introdução ..................................................................................................................................................................... 3
Evolução Histórica ......................................................................................................................................................... 4
Direito Comercial na Atualidade ................................................................................................................................... 5
ATOS DE COMÉRCIO ...................................................................................................................................................... 8
Atos de Comércio Objetivos ...................................................................................................................................... 8
Podem-se considerar atos comerciais por analogia?.............................................................................................. 9
Atos de Comércio Subjetivos ................................................................................................................................... 10
Art. 230º CCom – as Empresas ................................................................................................................................ 11
Atos de Comércio Autónomos vs. Acessórios ......................................................................................................... 11
Teoria do Ato Acessório..................................................................................................................................... 12
Atos de Comércio Formais vs. Substanciais ............................................................................................................ 13
Atos Bilateralmente Comerciais vs. Unilateralmente Comerciais ........................................................................... 14
Usos do Comércio ................................................................................................................................................... 14
COMERCIANTE ............................................................................................................................................................. 16
Art. 13º CCom – Quem são os Comerciantes .......................................................................................................... 16
Comerciante pessoa singular ............................................................................................................................. 16
Comerciante pessoa coletiva ............................................................................................................................. 18
Pessoas não qualificáveis como comerciantes ................................................................................................. 19
Pessoas semelhantes a comerciantes ............................................................................................................... 20
Art. 18º CCom – Obrigações dos Comerciantes ...................................................................................................... 20
1ª Obrigação: FIRMA ......................................................................................................................................... 20
2º Obrigação: ESCRITURAÇÃO MERCANTIL ....................................................................................................... 24
3ª Obrigação: REGISTO COMERCIAL .................................................................................................................. 25
4ª Obrigação: DAR BALANÇO e PRESTAR CONTAS ........................................................................................... 27
EMPRESA ...................................................................................................................................................................... 28
Estabelecimento Comercial ...................................................................................................................................... 29
Elementos do Estabelecimento .......................................................................................................................... 29
TRESPASSE .......................................................................................................................................................... 32
Locação de Estabelecimento = Cessão de Exploração......................................................................................... 39
Usufruto do Estabelecimento ............................................................................................................................. 41
Estabelecimento como Objeto de Garantia ........................................................................................................ 41
Reivindicações e defesas possessórias ................................................................................................................ 41
Natureza do Estabelecimento ............................................................................................................................. 41
E.I.R.L. ...................................................................................................................................................................... 41
Acórdãos.................................................................................................................................................................. 43
Favor Creditoris Comercial .......................................................................................................................................... 46
CONTRATOS E OPERAÇÕES COMERCIAIS .................................................................................................................... 48
Mandato Comercial – art. 231º CCom.................................................................................................................... 50
Contrato Conta-Corrente – art. 344º CCom ........................................................................................................... 51
Contrato Mediação ................................................................................................................................................. 52
Contratos de Distribuição ......................................................................................................................................... 55
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Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Introdução
Coutinho de Abreu: Surge como um sistema normativo autónomo tendo por função regular a
atividade mercantil.
➢ Sistema jurídico-normativo que disciplina de modo especial os atos de comércio e
os comerciantes.
Comércio em sentido jurídico abarca não apenas o comércio em sentido económico1 mas também
(outras) indústrias e serviços. Os atos jurídco-mercantis não se situam somente nos domínios do
comércio economicamente entendido. Ex: art. 230º
➢ Mas uma conceção do direito comercial como direito das empresas restringe em demasia
o espaço do direito mercantil.
Direito privado especial2, pelo que tem de se estabelecer a ligação entre o Direito Civil e o
Direito Comercial, bem como estabelecer uma relação entre os instrumentos normativos.
➢ MC: boa parte do Direito Comercial é fragmentária, tornando-se operacional
apenas graças à presença permanente de regras civis.
O Direito Comercial é disciplina mais restrita e mais particularizada do que o Civil, visando
apenas determinadas áreas socioeconómicas.
➢ A afirmação da natureza especial do Direito Comercial demonstra-se com a existência
de regras especiais do comércio, com áreas que não têm correspondência no Direito
Civil e etc.
➢ O Direito Comercial tem uma lógica própria, não alheia ao Direito Civil, mas com
valorações próprias e específicas.
O 1º Código Comercial Português (Código Ferreira Borges, 1833) não tinha a montante a
montante legislação civil que o suportasse – é anterior ao Código de Seabra – pelo que regulava
algumas questões civis.
➢ Teve uma vida curta e foi substituído pelo Código Veiga Beirão (1888), logo após o 1º CC
(1867).
Em Portugal decidiu-se, em 1966, manter a autonomia do Direito Comercial, numa relação geral-
especial.
1
Atividades de interposição na circulação dos bens ou de interposição nas trocas.
2
MC: relação de especialidade ocorre quando, perante um complexo normativo que se dirija a uma generalidade de situações
jurídica, um segundo complexo, mais restrito mas mais intenso, contemple uma situação que, de outro modo, respeitaria no
primeiro, dispensando-lhe um tratamento mais adequado.
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Evolução Histórica
O Direito Comercial não pode ser compreendido se não ponderarmos as suas origens, a sua
evolução e o papel que, mau grado inúmeros constrangimentos, ainda hoje se lhe atribui.
Há autores que afirmam que o Direito Comercial era estranho ao Direito Romano e que só viria
à luz nos burgos medievais.
➢ MC: muito do Direito Romano, e todo ele no campo das obrigações e dos contratos, era
Direito Comercial pois surgiu para responder às necessidades do comércio
Ius Mercatorum
Configuração do Direito Comercial na Idade Média – como um Direito comum europeu
comercial, assente numa crescente Ciência do Direito comercial.
➢ Reação dos Estados que quiseram preservar o fundo sócio-cultural que o Ius
Mercatorum representava, evitando a sua diluição no Direito comum – criaram leis
comerciais3
o Isto permitiu conservar o ius mercatorum medieval, pois os juristas mantiveram
o hábito de lidar, de modo separado, com o Direito civil e o Direito comercial.
Portugal
Não foram muitas, nem muito significativas as normas jurídicas especialmente destinadas ao
comércio. Até ao séc. XII as leis gerais emitidas pelos reis eram muito poucas e nenhuma versando
matéria mercantil.
➢ O comércio era regulado por costumes, e parcas disposições de direito visigótico e
canónico.
3
Como as ordenaças de Luís XIV em França
4
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
As regras comerciais serviram de base às Ordenações do Reino, que criaram uma magistratura
especialmente comercial: Almotacés.
Serviu de base teórica, prática e cultural para um labor especializado dos comercialistas
portugueses.
O Código ainda está em vigor, sendo complementado por muita legislação extravagante.
CCom tem sistema misto e pensadamente ambíguo – profissão de fé objetivista no art. 1º,
influenciada pelo CCom Francês, que logo é contrariado no art. 2º CCom:
• “código” = legislação comercial;
• “atos de comércio” = elemento objetivo;
• “comerciante” = elemento subjetivo
o Januário: Conflito que determina o código e o que é o Direito Comercial.
O qualificativo comercial não é só dado aos atos presentes na Legislação Comercial mas também
o dá aos atos dos Comerciantes – deixa de ser puramente objetivista e em 1888 os Pilares do
Direito Comercial Geral passam a ser 2: Atos de Comércio; Comerciante.
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➢ Hoje em dia tem que relevar outra figura: a Empresa (referência no art. 230º) – o Direito
Comercial passa a ser o direito das empresas
o Entendido em sentido comercial e que hoje em dia e o 3º pilar, bem pujante, do
Direito Comercial4.
▪ Dificuldade de Dogmatização do conceito de Empresa, mas que é
o elemento aglutinador do Direito Comercial
MC: O que resta no CCom é fortemente nacional, aplicado ao pequeno comércio e pouco
preocupado com implicações internacionalistas.
➢ O grande comércio obedece a disciplina comerciais autónomas.
o Januário: não deixa de ser Direito Comercial, que tem cariz internacional5 – a
natureza do Direito Comercial é iminentemente internacional. Temos hoje uma
nova Lex Mercatoria Internacional, muito relevante.
▪ Há diversos instrumentos internacionais que potenciam normas
materiais de comércio que podem reger o tráfego internacional.
4
Relacionado com a Empresa estuda-se o crédito e títulos de crédito, que são figuras que caíram em
desuso mas ainda merecem estudo -> letras, cheques e livranças.
5
E tem-no desde a Idade Média.
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ATOS DE COMÉRCIO
Saber o que são atos de comércio relevam nas obrigações comerciais. Ex: art. 15º, 100º, 102º
CCom.
6
Embora em alguns destes possa haver uma nota de subjetividade e depender do estatuto de
comerciante. Ex: art. 366º CCom
7
Coutinho de Abreu:
• Lei substitui normas do CCom – lei será, em princípio, comercial com atos mercantis nela
regulados.
• Lei autoqualifica-se como Comercial ou Qualifica atos como Comerciais – ex: NRAU ao falar de
fins não habitacionais está a incluir o comércio
• Nenhuma destas hipóteses – verifica-se se elas disciplinam matéria análoga à disciplinada na
legislação comercial.
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• Mas não é automático que estando no CCom seja comercial -> tem de se aferir
que se resulta do regime ser um ato comercial
≠ art. 3º CCom – esta analogia é para efeitos do regime dos atos já qualificados como
comerciais (não para qualificar como comercial).
➢ Isto porque o Direito Comercial tem lógica intrínseca em que se aplica uma
conjunção de interesses e valores8
Admissibilidade da Analogia Iuris9 – doutrina mais avançada tem-no admitido para os atos
comerciais a partir de princípios gerais tirados de normas gerais. Ex: trespasse – é claramente
comercial mas não está no CCom e há um aspeto parcial do seu regime que está no art. 1112º
CC; locação comercial – está parcialmente regulada no CC
• O CC Português regula matéria comercial pois inspira-se no CC italiano que unifica o Civil
e o Comercial. Ex: no caso do trespasse é o CC que regula parte do contrato de
arrendamento urbano, que pode ter fins comerciais – mas não regula tudo pois o objeto
do trespasse é um estabelecimento comercial.
• Januário: dar em penhor um estabelecimento comercial também deve ser considerado,
por analogia iuris, como um contrato comercial.
➢ Coutinho de Abreu: é possível extrair princípios gerais de vários grupos de
normas qualificadores de diversos atos como atos de comércio.
8
Historicamente chamados de “vida comercial”
9
Não é a convocação de regras já previstas no sistema jurídico (Analogia Legis – ex: art. 230º/6
CCom fala apenas em construção de “casas” mas aplica-se a empresas que realizam outras
empreitadas), mas sim dum princípio jurídico retirado de uma pluralidade de regras que depois
se projeta na situação específica. Podem não ter base em codificação positiva sendo retirado da
observação de um conjunto de regras (Analogia Iuris).
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Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Em termos práticos não se tem discutido o problema devido à 2ª parte do art. 2º, uma vez que
muitos atos com relevo económico são praticados por comerciantes.
Perante um ato há que lhe determinar o regime. Conhecidos os regimes é que se tiram
conclusões – se for um regime comercial, o ato é comercial.
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Ex: art. 100º - solidariedade ou responsabilidade parciária – depende do direito que se aplica.
11
Art. 349º CC
10
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Negócios sobre empresas comerciais são atos objetivamente comerciais, por analogia.
Podem ser acessórios de atos de comércio objetivos e autónomos (Ex: mandato para a compra
de uma mercadoria destinada a revenda); atos de comércio objetivos e acessórios (Ex: mandato
para o depósito de mercadorias que o mandante comprou para serem revendidas.); atos
subjetivamente comerciais (Ex: mandato para a compra de caixas-registadoras destinadas ao
supermercado do mandante).
Coutinho de Abreu: Não se deve acolher a Teoria do Acessório em que todo e qualquer ato de não
comerciantes seria mercantil quando conexionado com atos objetivos de comércio.
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Art. 2º/2ª parte CCom já reconhece que são atos subjetivamente comerciais os praticados por
um comerciante no exercício do seu comércio.
• Pinto Coelho: Para os comerciantes presume-se que os atos por eles praticados estão
em conexão com o exercício da sua atividade profissional;
o Para os não comerciantes seria necessário provar a conexão com o ato
considerado principal (Pupo Correia: Conexão Objetiva)
Ato Acessório:
• Ferrer Correia: aqueles que devem considerar-se comerciais em consequência da sua
relação de conexão ou acessoriedade quer com um ato de comércio fundamental, quer
com a exploração de uma empresa mercantil ou com o comércio em geral.
Teoria do Acessório
Vem de Cunha Gonçalves – os atos que contêm em si a ideia de operação comercial não perdem
a natureza por serem praticados por quem não é comerciante, igualmente serão comerciais os
atos que a eles se ligam como acessórios, posto que não constituam em si, isoladamente, um
ato de comércio.
• Sintetizado por Coutinho de Abreu: todo o ato de um não comerciante efetivamente
conexionado com ato objetivamente mercantil é ato de comércio; Pinto Coelho:
natureza comercial do ato principal determinaria a comercialidade de todos os atos
acessórios (caráter comercial destes resultaria, pois, da relação com o principal)12.
12
Devem considerar-se como comerciais atos que estejam em conexão ou em estreita dependência e
subordinação com os atos de comércio contemplados no Código, mesmo que praticados por não
comerciantes.
13
Lei comercial portuguesa não tem a elasticidade das legislações estrangeiras e delimita, de forma
rigorosa, reduzindo a um campo fechado, os atos de comércio.
14
Fiança mercantil (art. 101º), mandato comercial (art. 231º), empréstimo (art. 394º), penhor (art. 397º),
depósito (art. 403º).
12
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Coutinho de Abreu: é certo que a lei comercial prevê vários atos mercantis por serem acessórios
de outros atos de comércio.
• Porém, dada a diversificada índole daqueles atos, não parece legítimo afirmar um
“princípio geral” segundo o qual todo e qualquer ato de um não comerciante seria
mercantil quando conexionado com atos objetivos de comércio (não havendo lugar
para a analogia iuris).
o Mas, é legítimo qualificar de comerciais certos atos de não comerciantes por
serem análogos a atos acessórios de comércio previstos na lei (analogia legis).
• Pinto Coelho: só na medida em que o legislador deu relevância a essa acessoriedade é
que ela pode determinar a comercialidade dos atos.
o Os atos regulados no CCom são atos acessórios e atos objetivos – a questão da
teoria do acessório só releva para atos não regulados no código.
Menezes Cordeiro: doutrina dominante reconduz esta teoria a uma fórmula de analogia15
➢ Coutinho de Abreu: recurso à analogia deve ser usado mais estritamente.
Pinto Coelho: Discussão não tem valor prático pois, por via de regra, a pessoa que realiza os atos
tem a qualidade de comerciante, tendo esses atos de considerar-se como atos de um
comerciante.
15
Contra a analogia na qualificação de atos pronunciaram-se Guilherme Moreira, Fernado Olavo, Ferrer
Correia, Pinto Coelho, Oliveira Ascensão, Pupo Correira.
A favor da analogia temos Cunha Gonçalves, Coutinho de Abreu.
16
Teoricamente é possível que um ato deva ser considerado comercial por força da aplicação analógica
das normas de que a qualificação dependa. Ex: obrigações resultantes da culpa in contrahendo de um
contrato comercial são também comerciais.
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Usos do Comércio
Podem ser classificados como Ato Comercial, para efeitos de regime? Os usos17 têm força
normativa no Comercial?
MC: não estão incluídos nos esquemas de integração do CCom, previstos no art. 3º
CCom.
Januário: No CCom não há nada que apoie normativamente o facto dos usos comerciais serem
juridicamente atendíveis, tendo força normativa direta.
➢ Há é mais normas comerciais que remetem para os usos – mas continuam a ser normas
que dão relevância aos usos apenas por remeterem para lá, como o art. 3º CC indica18.
o Normatividade dos uso apenas advém de disposições que para eles remetem e
não têm juridicidade própria. Ex: art. 232º, 238º, 248º 269º, 373º, 382º, 399º,
404º, 407º CCom.
➢ Isto porque no Direito Comercial os Contratos Sociais19 têm uma importância acrescida
e dão assim mais relevo aos usos, que advém de uma atipicidade social, embora sempre
dentro do art. 3º CC.
Januário: Também podem ser importantes para a interpretação da vontade, à luz da declaração
negocial.
17
≠ Costume -> fonte de direito e com força normativa
18
Januário: Que é a base do Direito Privado para o valor dos usos.
19
Aqueles cujos trações não estão todos definidos na lei (vs. Contratos Legais – aquele cujos traços
essenciais estão regulados por um diploma legal)
14
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➢ MC: o Direito Comercial não prevê um papel dos usos na interpretação do negócio
jurídico e podem apenas relevar através da figura do declaratário normal colocado na
posição do declaratário real.
➢ Uso funciona como mero facto coadjuvante da formação da convicção do intérprete-
aplicador e não como fonte, ainda que mediata, do Direito.
MC: os usos também relevam quando as partes para eles remetam, ao abrigo da sua autonomia
privada.
Coutinho de Abreu: Os Usos podem manifestar regras jurídicas – quer se trate de usos invocados
pela lei (sendo fonte mediata de direito), quer de usos solicitados para a interpretação e
integração dos negócios jurídico-mercantis.
15
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COMERCIANTE
Art. 13º CCom – importante para se perceber se se aplica o estatuto de comerciante
• Tendo as obrigações do art. 18º - não são apenas estas (que tecnicamente não são
obrigações e sim encargos).
• Tendo privilégios – como o facto de nos atos unilateralmente comerciais (art. 99º CCom)
estenderem o seu regime jurídico aos não comerciantes.
o Comerciante pode impor a “sua” lei aos não-comerciantes.
Portanto a qualificação de uma pessoa como “comerciante” não é uma questão interna
de uma classe ou categoria profissional, pois dela resultam consequências para todos.
Prática profissional de atos de comércio pode ser classificada com base em 4 critérios/vetores:
a) Prática reiterada ou habitual – não se limita a praticar atos ocasionais ou isolados:
realiza-os continuadamente, de forma reiterada e em cadeia, articuladamente e em
grande número.
b) Prática lucrativa – atuação que vise angariar lucro.
c) Prática juridicamente autónoma – comerciante atua em nome póprio e por sua conta.
Se for trabalhador subordinado cai no regime do contrato de trabalho. Ex: trabalhador
que trabalha para outrem está subordinado; o comerciante não é o trabalhador, é a
entidade empregadora que é autónoma.
d) Prática tendencialmente exclusiva – não significa que só possa fazer aquilo na vida ou
que outros profissionais também não possam ser comerciantes; estabelece é limites
práticos pois ninguém pode ter um número elevado de “profissões” uma vez que não é
possível acumular indefinidamente práticas reiteradas de atos de diversa natureza.
Não se exige a exclusividade, mas estabelece regras em que não há separação
do património e há afetação total do património do comerciante ao seu
comércio.
20
Januário: e outras pessoas coletivas que não sejam Sociedades Comerciais.
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No entanto, dependendo da atividade comercial a desenvolver há formalidades que não podem ser
ultrapassadas.
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Menores
Regra do art. 123º CC é que eles não têm capacidade de exercício.
➢ Exceções no art. 127º - que tornam só aparente essa retirada da capacidade de exercício
dos menores; exceções são mais extensas que a regra.
Há casos, no entanto, em que o menor precisa de autorização para a prática de certos atos
comerciais ou com relevância comercial (art. 1889º/1/c CC)
➢ Este esquema aplica-se aos interditos e aos inabilitados, mutatis mutandis.
Fixada a capacidade para a prática de atos de comércio, o CCom vem definir, no art.
13º, quem entende por comerciante: aquele que tendo capacidade para praticar atos
de comércio faça de tal profissão.
22
Coutinho de Abreu: concorda com a doutrina tradicional ao entender esta capacidade como a
capacidade de exercício de direitos (aptidão para atuar juridicamente, por ato próprio ou mediante
procurador) e não capacidade de gozo (aptidão para se ser sujeito de relações jurídicas).
17
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• Se alguém compra uma empresa comercial com o propósito de a explorar torna-se, por
isso, comerciante.
• Se alguém pratica vários atos de organização de uma empresa comercial e esses atos
indicam que irá explorá-la torna-se, por isso, comerciante (isto apear de ainda nem
sequer existir empresa propriamente dita).
o Tese sustentada pelo art. 95º CCom – uma pessoa passa a ser comerciante logo
que abra um estabelecimento pronto a funcionar
2º - Sociedades Comerciais
Comerciante pessoa coletiva
Capacidade Comercial do art. 7º remete para a lei civil, tendo aplicação no Direito
Comercial: pessoas coletivas têm a capacidade de gozo necessária ou conveniente à
prossecução dos seus fins (art. 160º/1 CC e 6º/1 CSC)
Objeto das SC – art. 11º/2 CSC – no momento em que é constituída ainda não praticou atos de
comércio mas já é comerciante.
➢ A pessoal singular, para ser comerciante, tem que já ter praticado atos comerciais.
➢ Basta que tenha algum tipo de atividade comercial no seu objeto para ser SC.
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Se uma pessoa estiver proibida por lei de comerciar mas violar essa proibição, exercendo profissionalmente o
comércio é comerciante.
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comerciais e a sua comercialidade, prevista na lei, tem o sentido de uma aptidão de princípio
para os praticar.
MC: Lei não exige, para a qualificação como “comercial”, que o objeto social se reporte
exclusiva ou predominantemente à prática de atos comerciai. Estes poderão estar
previstos apenas como parte do objeto social ou até como algo acessório.
Associações e Fundações
• MC: não são comerciantes. CCom não preveu – art. 14º/1
• As outras pessoas coletivas não são comerciantes pois esse não é o seu escopo.
o No entanto podem ter atividades que geram lucro – mas esse lucro não é
dividido pelos associados.
o O escopo lucrativo de divisão de lucros é comercial. Neste caso os lucros são
para rendimento próprio da pessoa coletiva.
Cooperativas têm subjacente a ideia de vender o mais alto possível para poder pagar aos
cooperantes o mais alto possível.
• Historicamente sempre foi tida como sendo SC – nos anos 70 saíram dessa classificação
mas hoje são tidas, novamente, como SC, logo, são tidas como comerciantes.
o Januário: MC está errado quando diz que não são comerciantes
Associações desportiva não são comerciantes – pessoas coletivas de direito privado de tipo
associativo. Como as federações desportivas.
Sociedades desportivas são comerciantes. Têm a sigla SAD.
Empresas Públicas – se no seu objeto estiver a prática do comércio, elas serão comerciantes.
Institutos públicos – estão no art. 17º e não podem ser comerciantes, embora possam praticar
atos de comércio. = Associações públicas.
24
Embora civis, regem-se pela lei das Sociedades Comerciais – art. 1º/4 CSC. São-lhes aplicáveis diversas
regras comerciais, com relevo para o disposto quanto ao registo comercial (art. 3º Cód Reg Com)
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Serem pessoas semelhantes a comerciantes não convoca a aplicação do art. 100º CCom, pois
o §único taxativamente diz que não se aplica a não comerciantes -> em última ratio eles não são
comerciantes.
Firma = Nome comercial do comerciante (seja ele pessoa singular, seja sociedade comercial)
• Nome com que ele se apresenta no comércio para exercício da atividade comercial.25
• Nome que o comerciante utiliza no exercício do seu comércio – permite que os
comerciantes e os clientes reconheçam-se e sejam reconhecidos – é o sinal que os
individualiza e identifica
Origem no Direito Romano (com o signon mercatorum) e com evoluções na Idade Média.
No início do séc. XX em França a matéria relativa ao “nome comercial” tem
desenvolvimento doutrinário escasso enquanto que na Alemanha e Itália o tema da
firma tem desenvolvimentos doutrinários e judiciais consideráveis.
A firma, mais do que a designação de um comerciante evoluiu no sentido da
comercialidade e passa a ser um valor mercantil – sujeitando a firma a regras mais
diretamente comerciais.
25
É como o nome das pessoas singulares.
MC: o nome acaba por ser a persona (a máscara) através do qual atuamos no palco da vida.
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Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Nos anos 80 houve diversas reformas e hoje em dia a matéria da firma é regulada pelo Registo
Nacional de Pessoas Coletivas (RNPC), dado pelo DL 129/98.
• Para o RNPC a firma equivale a nome comercial enquanto denominação se reporta a
entidade não comerciantes. Para outros diplomas, Firmas = Denominações26.
o Classificação do RNPC é apenas tendencial e parece não operar no
âmbito das Sociedades Comerciais, onde e mantém a distinção firma-
nome e firma-denominação, numa manifestação da complexidade
histórico-cultural do Direito Comercial.
26
Antiga discussão em que as firmas só podiam ser comerciais e as denominações serviam para outras
pessoas coletivas sem fins comerciais. Hoje em dia é indiferente mas tende-se a falar de firma.
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Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Princípio da Verdade – a firma deve retratar a realidade a que se reporta (vertente positiva),
ou, pelo menos, não deve transmitir algo que lhe não corresponda (vertente negativa)
Art. 32º RNPC
Princípio da Estabilidade – construído por via doutrinária, diz-nos que quando a firma está
identificada com uma empresa ou um estabelecimento, conserva-se e não pode ser alterada.
• Transferia-se a firma com a transferência do estabelecimento – art. 44º RNPC.
• Princípio da estabilidade entra em conflito com o da verdade, prevalecendo este último
– porque o Direito Português ainda está muito imbuído na ideia de firma como “nome”,
o que deveria ser repensado pois ela é um bem comercial.
Princípio da Novidade e da Exclusividade – art. 33º/1 e art. 35º/1 RNPC, são diversas facetas
do mesmo vetor.
• Juízo de distintibilidade da firma recente face à antiga deve ser feito in concreto perante
o universo dos fatores ponderáveis (art. 33º/2 e 33º/5)
• As diversas firmas e denominações devem ser novas, i.e., distintas e inconfundíveis.
o Reforçado pelo art. 10º/2 e 3 CSC.
• Critério para aferir se uma firma-denominação é nova, relativamente a outra, é o de se atender à
grafia das palavras, efeito fonético das expressões, ao núcleo caracterizante, à forma oficiosa dos
signos, o público médio, de normal capacidade, diligência e atenção.
Januário:
Princípio da Capacidade Distintiva – art. 33º/3 DL 129/98 – firmas, enquanto sinais
distintivos de comerciantes, hão de ser constituídas por forma a poderem desempenhar a
função diferenciadora. ex: não pode haver a Sociedade de Lisboa Ltda.
O direito a uma firma, com todas as suas prerrogativas, depende do seu registo definitivo no
RNPC – art. 35º/1.
• Para as pessoas coletivas é necessário um certificado de admissibilidade de firma – art.
45º/1 RNPC.
Tem que se aferir se pode haver essa firma (no Registo Nacional de Pessoas Coletivas), que é
sinal distintivo dos comerciantes – há regras quanto a à composição da firma.
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Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Firma do comerciante individual – art. 38º - tem necessariamente elemento nominal mas pode
aditar-se mais coisas
Art. 39º - não há dever de adotar uma firma, há essa possibilidade. Só há exigência para os
comerciantes, não para outros empresários.
Art. 40º - estrutura que não é personalizada
Art. 44º tem as disposições centrais da firma – faz a articulação do bem incorpóreo que é o sinal
distintivo do comerciante com a organização da própria empresa.
Art. 177º CSC – firma deve ser formada com ou sem sigla pelo nome dos sócios.
Art. 200º CSC – firma pode ter nome dos sócios, da atividade ou mista (exige é sempre o Lda.).
O mesmo se aplica às sociedades anónimas (exige S.A.)
• Contraposição firma-nome (ex: João Tiago, S.A.) e firma-denominação (ex: sociedade
reparadora de automóveis dos Olivais, S.A.).
Legislador passou a aceitar sociedades unipessoais olhando para a parte estrutural (forma de
sociedade) e não para a parte pessoal (quantos elementos lá estão).
• Mas antes não se aceitava e criou-se o E.I.R.L. – admitindo uma firma para estes (art.
40º)
Tutela da firma
Art. 62º RNPC
Titulares de firmas ou denominações não registadas não têm o direito à exclusividade delas. No
entanto gozam de alguns meios de proteção.
➢ Advém do Código da Propriedade Industrial. Utilização por 3º de firma que é conhecida
na praça, mas que não está registada, pode ser concorrência desleal.
Transmissão da Firma
A firma (nome do comerciante) pode ter valor comercial – pode negociar-se autonomamente a
firma? Pode ser vendido o simples nome comercial sobre o qual gira uma determinada empresa?
Não está condicionado à negociação do próprio estabelecimento ou empresa?
• Também está no Código da Propriedade Industrial relativamente a outros sinais
distintivos (marcas).
• Mesmo raciocínio para sinais distintivos do estabelecimento comercial.
Art. 44º/4 DL 129/98 – transmissão da firma tem que ser juntamente com a do
estabelecimento comercial.
Natureza Jurídica
Firma-denominação e firma-nome têm o mesmo regime
23
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Firma foi vista como bem imaterial de propriedade do seu titular – paralelo com a marca e o
direito à marca?
• O facto do direito ao nome estar presente na firma levou a que recebesse algum
tratamento próprio dos direitos de personalidade. Portanto, o direito ao nome
tem uma dimensão de personalidade e uma dimensão patrimonial.
• ≠ Direito à Firma – pois este tende cada vez mais para o direito a um bem
imaterial.
o Mas as conexões são evidentes, pelo que a doutrina considera ainda
como um direito misto: direito de personalidade reportado, também, a
bens imateriais patrimoniais.
o Coutinho de Abreu: discorda – critica ver-se a firma como direito ao nome, pois
essa é uma categoria própria de direitos com certas características
(intransmissível, vitalício, vocacionalmente perpétuo e etc.) próprias que não se
aplicam às firmas. Firmas são bens imateriais (coisas incorpóreas) passíveis de
ser objeto de direitos reais, designadamente do direito de propriedade.
Art. 44º condiciona a firma à transmissão do estabelecimento – leva alguns autores a entender
que há direito de personalidade recortado de bens patrimoniais imateriais.
• Januário: não pode ser; a firma pode extinguir-se e tem um cariz patrimonial, o nome
não. Bens imateriais, à semelhança das marcas, que podem, em certos termos, ser
objeto de direitos.
Escrituração Mercantil exprime o conjunto de livros que o comerciante deveria ter para
conhecer e dar a conhecer, com facilidade e precisão, as suas operações e o estado do seu
património – consiste no registo ordenado e sistemático em livros e documentos de factos
relativos à atividade mercantil dos comerciantes, tendo em vista a informação deles e de outros
sujeitos.
• Também se refere à técnica de registar as operações comerciais e as consequências
patrimoniais delas advientes.
Antes do Simplex (DL 76-A/2006 de 29 de Março de 2006) os comerciantes tinham de ter vários
livros – art. 29º CCom – inventário e balanços, diário, razão, copiador.
• Art 29º tinha uma redação que apontava para a escrituração ser clara e o sistema era
mais rígido – as coisas agora estão simplificadas e a liberdade de organização está
apenas limitada pela lei.
• Art. 30º consagrou liberdade de organização de escrituração mercantil.
• Art. 31º CCom. Desaparecem os livros e a obrigatoriedade de legalização de livro. Só às
Sociedades Comerciais é exigido livro de ata.
Tudo cabe na referência à lei: disposições de direito fiscal, de direito da concorrência e etc.
24
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Soluções lógicas, sem dificuldades interpretativas – regime que respeita às relações entre
comerciantes!
27
Devido à criação de uma base de dados nacional – art. 78º-B Cód Reg Com – que canaliza toda a
informação relativa às entidades sujeitas a registo. Com isto desaparece o vício de inexistência por
realização do registo em conservatória incompetente.
25
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Art. 53º-A distingue Registos por Transcrição dos Registos por Depósito
• Registo por Transcrição: conservador procede à extração dos elementos que definem a
situação jurídica das entidades sujeitas a registo constantes de documentos
apresentados (art. 53º-A/2)
o Os factos mais importantes são os do Registo por Transcrição28 – registo mais
rigoroso29 em que o conservador tem papel ativo e aprecia a legalidade do
pedido, verifica a legitimidade do pedido e assegura-se da regularidade formal
e substancial dos títulos que lhe sirvam de base (art. 47º Cód Reg Com).
• Registo por Depósito: conservador procede ao mero arquivamento dos documentos
que titulam factos sujeitos a registo (art. 53º-A/3)
o Os registo por depósito verificam apenas validade formal – art. 46º
Princípio da Competência
Era sagrado antes do Simplex, mas com ele foi eliminado.
• Exigia o registo numa conservatória cuja circunscrição territorial e o facto a inscrever
tivessem uma conexão relevante.
28
Art. 2º a 8º Cód Reg Com
29
Apenas a estes se aplica o regime da nulidade (art. 22º), se manifesta o princípio da legalidade (art. 47º)
e pode haver recusa (art. 48º) não mera rejeição (art. 46º/2).
26
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• Publicidade Negativa – se o ato está sujeito a registo e não está registado, ele não
produz todos os seus efeitos; não publicitação resulta numa diminuição de efeitos
• Publicidade Positiva – se o ato for indevidamente registado (por não se conformar com
a situação jurídica e ou etc.) com pode, mesmo assim, produzir efeitos. Tutela da
aparência que em matéria de registo tem particular expressão; ato pode produzir
efeitos tal como emerge da aparência registal.
Art. 291º CC – tensão entre a ordem substantiva e a ordem registal; materialmente temos uma
situação jurídica e registalmente temos outra.
Elemento adicional à logica substantiva e registal: tem que ser tido em conta quanto a
publicações obrigatórias
Art. 11º Cod Reg Com – presunção que resulta do registo; presunção iuris tantum (art. 350º CC)
Art. 12º, 13º, 14º Cód Reg Com
3º pode escolher entre os factos registados aqueles que são mais favoráveis?30
• NÃO: ou aceita tudo ou rejeita tudo
• MC e Januário: não se pode dar resposta genérica para todas as situações e 3º pode
escolher pontos que lhe sejam mais favoráveis se não houver uma diferença substancial.
Publicações ≠ registo
Art. 14º/2 -> publicação remete art. 70º + 71º
Balanço é o documento onde se compara o ativo com o passivo para revelar o valor do capital
próprio ou situação líquida – geralmente um dos principais documentos de prestação (anual) de
contas.
Dever de prestar contas mantém-se e releva apenas no Direito das Sociedades – art. 65º CSC
impõe aos administradores + 70º CSC + 42º Cód Reg Com
30
Januário: cherry picking
27
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
EMPRESA
Conceito polissémico e com vários sentidos, podendo entender-se como objeto de direitos ou
sujeito dos mesmos. Ainda pode ser como atividade.
Empresa surge como conceito-quadro de grande extensão e particular versatilidade.
• Sujeito suscetível de direitos e obrigações
o Empresa-sujeito: conjunto de destinatários de normas comerciais
• Complexo de bens e direitos capaz de suportar a atuação dos interessados (objeto)
o Empresa-objeto: estabelecimento dotado de direção humana
➢ Discussão Teoria Objetivista vs. Subjetivista
• Atividade – “levar a cabo uma empresa” – expressão a cair em desuso
Januário: a ideia de empresa é usada em muitas aceções mas idealmente é entendida enquanto
organização de capital.
• Objetivamente temos numa empresa uma organização estruturada de um
conjunto de elementos para a prática de atos comerciais.
o Coutinho de Abreu: São comerciais as empresas cujo objeto se traduza na
realização de atos (ou atividades) objetivamente mercantis.31
31
Coutinho de Abreu: há empresas não comerciais. Não é possível considerar, por analogia, as empresas
da indústria extrativa como empresas mercantis pois não há disposições legais para tal nem se poderia
recorrer à analogia iuris pois não há suficientes disposições no sistema jurídico-comercial que permitam
extrair um princípio geral que torne claro a comercialidade dessas empresas. Também não são comerciais
as empresas agrícolas nem as empresas artesanais.
28
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Estabelecimento Comercial
Ao lado do conceito de Empresa, o Direito português elaborou outro32, particularmente apto
para traduzir o objeto unitário de determinados negócios: o Estabelecimento.
• No CCom surge como armazém ou loja (art. 95º/2 e 263º/§único) e como conjunto de
coisas materiais ou corpóreas (art. 425º)
• No CC surge como um conjunto de coisas corpóreas e incorpóreas devidamente
organizado para a prática do comércio – corresponde, grosso modo, a uma ideia de
empresa sem o elemento humano e de direção.
• STJ (Granja da Fonseca, 19/2/2012) – estabelecimento comercial, como um bem
mercantil, engloba o complexo de bens e de direitos que o comerciante afeta à
exploração da sua empresa, que tem uma utilidade, uma funcionalidade e um valor
próprios, distintos de cada um dos seus componentes e que o direito trata
unitariamente.
Elementos do Estabelecimento
Engloba-se elementos bastante variados tendo em comum apenas o facto de se encontrarem
interligados para a prática do comércio. Engloba:
• Ativo (conjunto de direitos e outras posições equiparáveis afetas ao exercício do
comércio);
• Passivo (adstrições ou obrigações contraídas pelo comerciante por esse mesmo
exercício).
Âmbito mínimo: elementos sem os quais não se pode falar de Estabelecimento – não é forçoso
incluir todos os elementos, tem é que incluir os elementos que sem os quais a noção de
Estabelecimento Comercial fica descaracterizada.
➢ Coutinho de Abreu: Não se pode enumerar em abstrato os elementos do “âmbito
mínimo” do estabelecimento enquanto objeto negociável – em termos gerais, esse
âmbito há-de envolver os bens que, combinados, projetem no público a imagem de
32
Coutinho de Abreu: Empresa e Estabelecimento Comercial são algo sinónimos
29
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Lado ativo:
1. Coisas corpóreas – direitos relativos a imóveis (reais de gozo e os pessoais de gozo) e
direitos relativos a móveis (mercadorias, matérias-primas, mobília e instrumentos de
trabalho e etc.) – abrange tudo o que, estando no comércio, sejam pelo comerciante
afetas a esse exercício.
2. Coisas incorpóreas – propriedade industrial e intelectual, marcas, direito à firma e etc.
Engloba-se também os direitos a prestações provenientes de posições contratuais
(como os contratos de trabalho, contratos de prestação de serviços, de distribuição, de
agência, de franquia, relativos a bens vitais como a água, luz, telefone, internet, gás e
etc.) – situações jurídicas associadas à atividade em causa ou bens não coisificáveis
(jurídico-realmente)
3. Aviamento – corresponde à mais-valia que o Estabelecimento representa em relação
à soma dos elementos que o componham, isoladamente tomados – aptidão funcional
e produtiva do estabelecimento (para gerar lucro).
• Januário: não é elemento e sim uma qualidade, que permite valorizar o
Estabelecimento
• Coutinho de Abreu: é um bem exterior ao processo produtivo e à respetiva
estrutura empresarial sustentadora.
4. Clientela – equivale ao conjunto, real ou potencial, de pessoas dispostas a contratar
com o estabelecimento considerado, nele adquirindo bens ou serviços.
• Januário: não é um elemento e sim um efeito/qualidade de um
Estabelecimento, em função do modo como os outros elementos estão
agregados e o Estabelecimento se organiza – não tem valor autónomo
• Coutinho de Abreu: Não é elemento (algo constituinte ou componente da
empresa) – não por não ser objeto de um direito real ou absoluto, nem objeto
autónomo de tutela jurídica, mas por não ser um meio ou instrumento
estrutural-funcionalmente inserido na organização produtiva que é a
empresa, sendo antes algo de consequente ao funcionamento da “máquina”
produtiva.
i. Não é qualidade da empresa, no sentido que não é atributo ou
propriedade interno-caracterizadora da empresa, algo que exale da
organização dos elemento dela
Aviamento e Clientela não são objeto de direitos subjetivos, mas são posições
ativas e objeto de regras de tutela – influenciam o valor do Estabelecimento e,
sendo este transmitido, vão com ele.
30
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Estabelecimento é unidade jurídica objetiva – sendo classificado como uma coisa móvel.
➢ Estabelecimento comercial é uma unidade jurídica fundada em organização de meios
que constitui um instrumento de exercício relativamente estável e autónomo de uma
atividade comercial.
o Em que há coexistência entre um direito de propriedade sobre o todo (o
Estabelecimento) e os direitos (de propriedade ou não) sobre as suas partes.
É estabelecimento a organização produtiva apta a funcionar, mas que ainda não entrou em
funcionamento – não possuindo clientela efetiva?
• Sim, se já se revelar (minimamente) apto para realizar um fim económico-produtivo
jurídico-comercialmente qualificado – apto para garantir clientela que lhe permita ter
aviamento.
• Já existe bem jurídico novo, uma organização produtiva não redutível a bens meramente
agregados.
• Possui já capacidade produtiva (e lucrativa, em geral), aptidão para realizar o fim para
que foi criado – há já aviamento (sendo que a clientela, quando exista, é apenas uma
das manifestações – ou índices – do aviamento de um estabelecimento)
No caso de um incêndio que destrua o estabelecimento, ele ainda subsiste pois os bens que
restam (firma, contratos de trabalho, alguns bens, relações com clientes) exprimem a permanência
(em estado mais ou menos latente) de uma concreta organização produtiva qualificável como
estabelecimento.
➢ O Direito tutela a continuação desses elementos na esfera patrimonial do sujeito.
33
A firma não é o único que distingue o Estabelecimento Comercial, o logótipo também o pode fazer, pois
individualiza o próprio Estabelecimento (só pode ter uma firma mas pode ter um logótipo para cada
Estabelecimento).
➢ No novo Código da Propriedade Industrial, Logótipo = nome estabelecimento + insígnia +
logótipo
31
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
TRESPASSE
Transmissão da propriedade de um Estabelecimento com caráter definitivo e unitário,
por negócio entre vivos.
• O trespasse pode operar por via de qualquer contrato, típico ou atípico que assuma
eficácia transmissiva.
o Cassiano dos Santos: designação genérica que pode abranger vários negócios,
tendo o Estabelecimento por objeto.
o Regime do trespasse depende deste contrato que estiver na sua base
Trespasse devia ser regulado em legislação comercial – tem por objeto o conjunto agregado de
elementos que compõe o Estabelecimento e o Estabelecimento em si.
Negociação definitiva de alienação da empresa– não estamos a falar das partes sociais da
empresa, estamos a falar da empresa enquanto objeto.
Art. 1112º CC 35
Não há regime geral englobante das diversas situações, mas há várias soluções na lei –
• Art. 1112º CC36 exprime, pela negativa37, a ideia de que para haver trespasse deve
tratar-se de estabelecimento efetivo, considerando-se todos os elementos
necessários para funcionar e operar em termos comerciais.
Art. 1112º vem estabelecer exceção ao art. 424º - casos de trespasses de estabelecimentos
instalados em prédios arrendados
➢ Não há necessidade de autorização do senhorio (nos termos do art. 424º) se houver
um trespasse de um Estabelecimento Comercial (e agregado de elementos que
enformam o Estabelecimento Comercial) que funcione em prédio arrendado.38
34
MC: Muitos dos elementos do Estabelecimento só se transmitem com o consentimento de um terceiro
– regime que emerge dos art. 424º/1 e 595º CC
35
Norma jurídico comercial, devido ao seu regime, apesar de estar no CC
36
Regras que estão hoje no CC mas estavam antes no RAU
37
Art. 1112º/2 diz quando não há trespasse – não há definição de trespasse e ele é apenas delimitado
negativamente.
38
Se o prédio for da propriedade do trespassante.
32
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Se da transmissão resultar uma diminuição das garantias de cumprimento que tenham sido
consideradas pelas partes à data da celebração do contrato, o contraente cedido pode resolver
o contrato, constituindo essa diminuição de garantias justa causa objetiva, por lhe ser
objetivamente inexigível a continuação da relação contratual.
Âmbitos do Trespasse
Mínimo
Cassiano dos Santos: todos os elementos que, em concreto, são imprescindíveis para viabilizar
o trespasse, sendo aqueles valores específicos de memória e eficiência organizativa, que
conferem ao Estabelecimento o seu valor de posição e o torna reconhecível.
Haverá trespasse, mesmo que as partes convencionem a retirada de alguns elementos, desde
que o conjunto transmitido não fique de tal modo descaracterizado que já não possa
considerar-se um Estabelecimento em condições de funcionar.
➢ Se não for cumprido o âmbito mínimo do Estabelecimento também não se pode falar de
Trespasse – se o quid não preencher o âmbito mínimo não há dispensa do artigo 1112º
CC e o negócio jurídico é ilícito e inválido
• Coutinho de Abreu: Quando num contrato de trespasse não se faz menção à transmissão do
prédio e não se conclui, pela interpretação do negócio jurídico, que ele foi excluído, deve
concluir-se que a propriedade do mesmo foi (naturalmente) transmitida.
39
Coutinho de Abreu: Não haver necessidade de autorização do senhorio é norma expressiva da tutela
ou da defesa da circulação negocial dos estabelecimentos e, eventual e concomitantemente, da própria
manutenção deles.
33
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Januário: Não signifique que devam ser necessariamente transmitidos todos os elementos que,
no momento do trespasse, integram o estabelecimento, basta que o sejam aqueles que o
caracterizam, aqueles que formam o seu “minimum” 40
➢ Pode-se retirar alguns elementos desde que não descaracterizem o Estabelecimento
Podem haver trespasses parciais, destacando-se uma unidade para efeitos de negociação.
Coutinho de Abreu: Há elementos empresariais na disponibilidade do trespassante – ele tem
o gozo desses bens por ser titular de direitos de crédito.
➢ Mas só os créditos ligados à exploração da empresa, pois só esses podem ser
considerados meios empresariais; os outros não devem considerar-se.
Natural
Coutinho de Abreu: engloba os elementos que naturalmente transitam com o estabelecimento
trespassado, como os meios empresariais cuja propriedade pertença ao trespassante bem
como os logótipos e as marcas.
➢ Aquilo que está funcionalmente ligado ao negócio – permite a própria
operacionalização do mesmo
Máximo
Cassiano: elementos para os quais a lei exige convenção para a sua transmissão.
Elementos pelos quais a lei exija convenção dirigida a esses elementos. Ex: direitos reais sobre
bens imóveis – por estar integrado num Estabelecimento e ser transmitido com outros
elementos, a lei não permite dispensar a forma (exigida por ser bem imóvel); há
obrigatoriedade de forma legal e registo
Necessário
Elementos que a lei impõe que se transmitam para o trespassário. Ex: contratos de trabalho
• Art. 285º Código do Trabalho – transfere-se a posição jurídica dos
empregados/prestações laborais
Há elementos que a doutrina entende que também se transmitem para o trespassário – por
estarem intrínseca e funcionalmente ligados ao Estabelecimento Comercial.41
• OA: primeira tentativa de propor critério jurídico-comercial para agilizar as cessões das
posições contratuais comerciais
40
Januário: esse mínimo tem de ser visto em concreto para cada estabelecimento, tendo em conta o
ramo, a área de atuação e etc.
41
Inserir-se-iam no Âmbito Natural e não Necessário, pois a lei não exige.
➢ A doutrina é que assim o entende
34
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
o Situações jurídicas comuns – só se transmitem por acordo das partes. Ex: dívida
de preço de matérias primas
o Situações jurídicas exploracionais – transmitem-se automaticamente no
silêncio das partes pois são situações jurídicas que estão intrinsecamente
ligadas àquela exploração. Ex: contrato de fornecimento de matéria prima, ou
distribuição do produto
▪ Januário: Adota esta conceção entendendo que é solução mais
avançada que a aplicação rígida do art. 424º. Acrescenta duas
especificidades a que se tem de atender:
❖ Se da negociação/transmissão resultar uma diminuição das
garantias objetivas de cumprimento o 3º pode ter justa causa
na resolução do contrato;
❖ Tem de haver garantia quanto ao pagamento das dívidas
anteriores à transmissão.
A Firma não está no Âmbito Necessário – a única imposição é que se quiser transmitir a firma
também tem de se transmitir o Estabelecimento, e não o contrário.
Forma do Trespasse
Estabelecimento Comercial é coisa móvel – haverá liberdade de forma?
• Art. 1112º/3 diz que tem de ser por escrito – mas isso é quanto ao trespasse ou quanto
à posição de arrendatário?
o Januário: o trespasse e a transmissão da posição de arrendatário são situações
feitas globalmente, pelo que não vai ser feito de forma diferente.
▪ Portanto, deve ser por escrito.
o A questão está em saber se se pode interpretar o contrato do trespasse como
contrato formal – mas é estranho o CC colocar como formal um contrato
comercial.
Coutinho de Abreu: Senhorio para repudiar este trespasse, feito sem a sua autorização, terá de
provar que não houve a transferência de um dos elementos do estabelecimento e que sem
esse elemento, não subsiste aquele concreto estabelecimento.
35
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Art. 1112º/5 é comparável ao índice semiótico do art. 1112º/2/b – é possível que o trespassário
beneficie da alteração de ramo, com as necessidades vindas do comércio.
➢ Artigo deve ser interpretado e reduzido teleologicamente e remetendo para os dizeres
do contrato e se o mesmo reserva ao arrendatário a mudança de ramo.
➢ Se contrato arrendatário original podia mudar de ramo, então o novo também pode.
36
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
37
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Tem de ser aferida caso a caso. Ex: STJ já decidiu que havia violação deste dever quando
trespassante trespassou funerária e abriu outra ao lado, conservando a clientela que era suposto
ter passado (STJ, 17/2/98, Torres Paulo).
Outras pessoas podem ficar vinculadas pela obrigação implícita de não concorrência :
• Cônjuge do trespassante (pois o cônjuge beneficia, normalmente, dos conhecimentos
deste relativos à organização, clientes, fornecedores e etc. do estabelecimento
trespassado);
• Filhos (quando colaboraram na exploração da empresa transmitida – possuem aptidão
para uma concorrência diferencial);
• Sócios (no caso de uma sociedade – que tenham conhecimentos relativos à empresa
trespassada indispensáveis a uma concorrência qualificada)
o Exigem-se ativas funções de administração ou porque detinham participação
social dominante e exerciam efetivo controlo sobre a sociedade.
o Não basta ser mero sócio e nunca intervir.
• Entre os sujeitos ativos (ou credores) da obrigação implícita de não concorrência conta-
se não só o primeiro trespassário como os sucessivos: cada um é credor do primeiro
sujeito passivo da obrigação, bem como de outros trespassários-trespassantes,
enquanto for proprietário do estabelecimento transmitido.
38
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Consequências:
• Pedir indemnização pelas perdas e por danos (art. 798º CC);
• Resolver o contrato de trespasse (art. 801º/2);
• Intentar ação de cumprimento (art. 817º);
• Requerer sanção pecuniária compulsória (art. 829º-A);
• Exigir que o novo estabelecimento do obrigado seja encerrado (art. 829º/1).
o Januário: trespassário pode pedir em tribunal que o trespassante não explore
um estabelecimento, violando a obrigação = Cassiano dos Santos
Requisito de Pré-Funcionamento
Januário: não é um requisito
• Não tem de estar em funcionamento para ser estabelecimento – tem é de estar
equipado e pronto a funcionar.
Pode haver trespasses de estabelecimentos parciais, desde que formem dinâmicas próprias (sub
estabelecimentos em relação ao principal mas estabelecimento per si).
42
Obviamente exige a existência de um Estabelecimento – sob pena de ser um arrendamento puro (RLx,
Ferreira de Almeida, 5/7/01)
43
Coutinho de Abreu: não se transfere a propriedade do estabelecimento e o poder ou direito de
disposição sobre os meios empresariais que o locatário tem funda-se num poder-dever de exploração do
estabelecimento.
39
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Januário: Esta figura já foi mais importante -> nos tempos do vinculismo arrendatício em que se
criava vínculo específico que tinha como consequência o senhorio não ser capaz de impedir a
renovação do contrato e não se podia opor.
• Isto trazia um valor acrescido ao local de arrendamento, havendo uma perpetuidade e
com rendas baixas.
Nos casos de cessão ilícita, o senhorio pode resolver o contrato nos termos do art. 1083º/2/e,
mas também com fundamento no art. 1112º/5.
➢ Pode também responsabilizar civilmente.
40
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Usufruto do Estabelecimento
Pode aproveitar plenamente o Estabelecimento sem alterar a sua forma ou substância (art.
1489º CC)
Natureza do Estabelecimento
Discussão se é universalidade de facto ou de direito.
MC: O Estabelecimento Comercial é uma autêntica esfera jurídica e não apenas um património
– inclui ou pode incluir o passivo e toda uma série de posições contratuais recíprocas.
• Trata-se é de uma esfera jurídica afeta ao comércio ou determinado exercício comercial.
• Tem a natureza de esfera jurídica de afetação, sendo delimitada pelo seu titular em
função do escopo jurídico-comercial em jogo.
Januário: Escola de Coimbra é mais precisa e concorda com Cassiano dos Santos quando diz que
é universalidade de direito suis generis.
E.I.R.L.
Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada
O DL 248/86, de 25 de Agosto45 veio permitir criar-se os EIRL, que são, de facto,
Estabelecimentos Comerciais colocados numa situação especial que permite a
responsabilidade limitada.46
• Pelas dívidas contraídas no desenvolvimento das atividades (do EIRL) de que ele é
instrumento respondem apenas os bens a este afetados, salvo se o titular não tiver
respeitado o princípio da separação dos patrimónios.
o Mas os bens que o componham não são, ad nutum, os que sejam afetados ao
comércio, mas antes aqueles que constem do título constitutivo.
44
Januário: implica aceitar a rotatividade dos elementos que o compõe
45
Januário Costa Gomes: numa altura em que ainda não havia maturidade doutrinária para se criar e
aceitar sociedades unipessoais. Cada pessoa só pode ter 1 EIRL.
46
Coutinho de Abreu: EIRL será um estabelecimento comercial propriamente dito, com a especificidade
de estar “separado” do restante património do “titular”.
41
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
o E não basta considerar apenas como um património autónomo, uma vez que
também abrange o passivo.
Tal como Estabelecimento Comercial, também o EIRL constitui uma
esfera jurídica de afetação.
Dentro da esfera patrimonial do comerciante há criação de património
autónomo que responde pelas dívidas relativas ao exercício do
estabelecimento (art. 10º DL 248/86)
Art. 22º diz que por outras dívidas do comerciante o EIRL pode responder, demonstrando que
não há uma estanqueidade entre os patrimónios – é separado, mas não completamente.
➢ Preocupação do legislador era a de destacar certo património do devedor, afeto a certa
atividade.
➢ Januário: Lógica de património separados é na lógica do “apenas responde e só
responde” – o que não acontece aqui, não há esse círculo perfeito. Há é esferas jurídicas
de afetação diferentes.
O centro comercial é, antes de mais, uma imensa teia de serviços organizados, havendo um comércio
integrado.
42
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Acórdãos
STJ, Granja da Fonseca, 19/4/2012
I - O estabelecimento comercial, como um bem mercantil, engloba o complexo de bens e de direitos que
o comerciante afeta à exploração da sua empresa, que tem uma utilidade, uma funcionalidade e um valor
próprios, distintos de cada um dos seus componentes e que o direito trata unitariamente.
III - A cessão de exploração pode recair sobre um estabelecimento de que nada ainda existe, como sobre
um estabelecimento incompleto, que não está concluído, mas em via de formação bem como sobre um
estabelecimento cuja exploração ainda se não tenha iniciado ou esteja interrompida.
V - Assim, haverá arrendamento comercial se o titular do local se limitar a pôr à disposição do locatário o
gozo e fruição da instalação, ou seja, uma configuração física apta ao exercício da actividade mercantil
visada; e já haverá cessão de exploração se o prédio já se encontrar provido dos meios materiais
indispensáveis à sua utilização como empresa, designadamente móveis, máquinas, utensílios que tornem
viável, mediante a simples colocação de mercadoria, o arranque da exploração comercial mas não será
indispensável que o estabelecimento já antes estivesse em exploração.
III - Como critério puramente orientador, pode dizer-se que para que haja estabelecimento comercial ele
deve ter um conteúdo mínimo necessário para que, em face do ramo de actividade a que se destine, possa
prosseguir esse escopo. Deverá, por isso, ter, necessariamente, alguns elementos – bens materiais ou
imateriais ou certas posições jurídicas – uma designação e um objectivo, que dêem corpo ao escopo
43
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
fundamental de qualquer estabelecimento: a realização de uma função produtiva, a que se pode chamar
de aviamento, o qual englobará, pela ordem natural das coisas, a clientela.
V - O trespasse é apenas uma transmissão definitiva do estabelecimento. Só por si, não nos diz a que
título. Quer isso dizer que pode operar por via de qualquer contrato, típico ou atípico, que assuma eficácia
transmissiva: compra e venda, dação em pagamento, sociedade, doação ou outras figuras diversas. O
regime do trespasse dependerá, portanto, do acto que, concretamente, estiver na sua base.
VII - Ao passo que o trespasse implica uma transmissão do domínio do estabelecimento, a locação envolve
apenas a transmissão da fruição da sua exploração, ou seja, diferentemente do trespassário, que é
investido num direito real de propriedade sobre o estabelecimento, o locatário é titular de um mero
direito obrigacional de gozo, que lhe permite explorar em seu nome e por sua conta o estabelecimento,
permanecendo o locador como proprietário – caso o seja - desse mesmo estabelecimento.
VIII - Do contrato de locação ou de cessão de estabelecimento emerge para o locatário este fundamental
direito: o de usar e fruir plenamente o estabelecimento locado, explorando-o e fazendo seus os eventuais
lucros resultantes dessa exploração. Mas dele emerge também, para essa mesma parte, este fundamental
dever: o de pagar, pontualmente, a remuneração convencionada.
IX - Um problema para o qual o legislador não disponibilizava uma solução expressa era a de saber se a
cessão de exploração de estabelecimento podia ser livremente ajustada pelo arrendatário sem o
consentimento do locador. A questão não recebia da doutrina e da jurisprudência uma resposta acorde,
dividindo-se, ambas, em duas orientações: uma que sustentava a necessidade dessa autorização do
senhorio; outra – maioritária - que defendia a solução oposta. A razão estava com este último modo de
ver. Por um argumento de maioria de razão: se na negociação definitiva do estabelecimento se dispensa
o consentimento do senhorio, deve admitir-se a mesma solução quando não está sequer em causa a
transmissão da posição do arrendatário, mas simplesmente o gozo do prédio onde está instalado o
estabelecimento.
X - O problema está ultrapassado: a lei nova é terminante na declaração de que a cessão de exploração
de estabelecimento não carece de autorização do senhorio (artº 1109º, nº 2, 1ª parte, do Código Civil, na
redacção que lhe foi conferida pelo artº 3 da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro).
XI - Desde logo, porque a enumeração das obrigações de comunicação a que o arrendatário está adstrito
é meramente exemplificativa (artº 1038º, f) do Código Civil). O facto de na cessão de exploração se manter
a titularidade do arrendamento não é decisivo dado também no caso de comodato se mantém essa
titularidade e, no entanto, a lei vincula o arrendatário à realização da comunicação.
XII - A comunicação é imposta pelo programa da prestação do senhorio – que se reconduz a este núcleo
fundamental: proporcionar ao inquilino o gozo do prédio no âmbito e para os fins do contrato – e aquele
só poderá cumpri-lo se souber, em cada momento, quem, na realidade, detém o gozo do prédio, a que se
soma o interesse em conhecer o motivo pelo qual outrem, que não o arrendatário, está no gozo efectivo
da coisa, qual a espécie contratual subjacente de modo a que, se for caso disso, no caso de o contrato de
cessão sofrer de vícios ou ocultar um outro, fazer valer os seus direitos.
44
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
XIII - A lei nova colocou um ponto final na controvérsia ao vincular expressamente o arrendatário àquela
obrigação de comunicação (artº 1109º, nº 2 do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pelo artº 3 Lei
nº 6/2006, de 27 de Fevereiro). A esta norma deve ser atribuída uma natureza interpretativa – dado que
interveio para decidir uma questão que direito cuja solução é controvertida, consagrando um
entendimento que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, podia ter chegado - e, por isso, mesmo à
luz do RAU deveria entender-se que o facto da cessação da exploração deveria ser comunicado ao
senhorio (artº 13º, nº 1 do Código Civil).
XIV - Se no momento da cessão o estabelecimento não existir, pura e simplesmente, ou lhe faltar um
qualquer elemento estruturante, ocorre decerto um negócio transmissivo, mas esse negócio não pode
qualificar-se de cessão de exploração ou de locação de estabelecimento (artº 1112º, nº 2, a) ex-vi artº
1109º, nº 1, in fine, do Código Civil).
XVI - A resolução pode operar em casos previstos pelo contrato ou pela lei (artº 432º, nº 1 do Código Civil).
XVII - Há, portanto, duas modalidades de resolução: a legal e convencional. Na resolução legal, deve, por
sua vez, fazer-se um distinguo entre a resolução fundamentada – que corresponde à regra geral – e a
resolução imotivada – só excepcionalmente admitida – em que a uma das partes é reconhecida a
faculdade de, sem fundamento, se desvincular.
XVIII - O direito de uma das partes de se desvincular sem necessidade de alegar um motivo é excepcional
e justifica-se pela necessidade de tutela de um das partes do contrato – a parte mais fraca: é o que sucede,
por exemplo, no Direito do Consumo, em que se permite ao consumidor a desvinculação, em certo prazo,
do contrato (artº 8º, nº 4 da Lei nº 24/96, de 31 de Julho).
XIX - Se a desvinculação ad nutum resultar de convenção das partes, então o caso já não é,
verdadeiramente de resolução, nem mesmo de revogação unilateral – mas de denúncia.
XX - A lei civil substantiva fundamental portuguesa adopta no tocante à resolução do contrato um sistema
declarativo: a resolução opera por simples declaração à outra parte, portanto, sem necessidade de
intervenção constitutivo-condenatória do tribunal. Por outras palavras, a resolução opera ope voluntatis
e não ope judicis (artº 436º, nº 1 do Código Civil).
45
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
É solidariedade diferente do art. 512º e ss. CC – o que se pretende dizer é que este fiador não
goza de excussão prévia.
• No campo comercial o fiador não goza desse benefício, mas isso não significa que o
fiador responda como devedor solidário, pois ele continua a beneficiar dos demais
meios de defesa do devedor principal bem como as características ligas à
acessoriedade da fiança.
o MC: manifestação da natureza acessória da fiança – esta será comercial quando
a obrigação principal o seja também.
Dívidas dos cônjuges – art. 10º e 15º CCom articulado com art. 1690º e ss. CC
• Art. 10º está revogado tacitamente e a moratória do CC deixou de existir
• Art. 15º ainda é relevante pois estabelece uma presunção
• Art. 1691º CC responsabiliza ambos os cônjuges por certas dívidas.
o Interliga-se com o art. 15º no art. 1691º/d
47
MC: O Direito Comercial separa a compra da venda, distinguindo as duas operações: a compra em si,
pela qual o sujeito adquire o direito, pagando o preço, e a venda, pela qual ele arrecada um preço abrindo
mão de um direito.
➢ Técnica possibilitada pela existência dos “atos mercantis unilaterais”.
Compra e venda comercial visa o lucro, enquanto a civil procura, simplesmente, a aquisição do bem.
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Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
• Prescrições presuntivas – art. 316º CC – regime relacionado com o art. 313º e fundam-
se em presunções de cumprimento.
o Havendo prescrição presuntiva só pode ser ilidida mediante confissão
• Art. 316º e 317º/b (protege os não comerciantes) são importantes para o Direito
Comercial
DL 62/2013, de 10 de Maio
Visa estabelecer medidas contra o atraso do pagamento de transações comerciais.
47
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
o Há ainda alguns que não têm regulação legal expressa: contrato de promoção;
contrato de distribuição; contrato de organização.
▪ Pelo que é importante percebermos os mecanismos através dos quais
eles são efetivados.
Mecanismo jurídico prático para todo o comerciante – permite-lhe estar em vários lugares ao
mesmo tempo: Representação em Direito Comercial
Representação (geral)
1. Atuação em nome de outrem – representante deve agir esclarecendo a contraparte
e os demais interessados que o faz para que os efeitos da sua atuação surjam na esfera
do representado;
o Se o representante não invocar expressamente essa sua qualidade, já não
haverá representação.
2. Atuação por conta de outrem / no interesse de outrem – além de invocar que age
em nome de outrem, deve fazê-lo no âmbito da autonomia privada daquele: atua como
o próprio representado, poderia, licitamente agir.
3. Com poderes de representação – poderes bastantes que podem ser legais ou
voluntariamente concedidos pelo representado, mas têm de existir.
o Tem determinados poderes para agir
Difere de:
• Representação mediata/imprópria – uma pessoa, por via de um mandato, age por
conta da outra mas em nome próprio; as pessoas que contratam com essa pessoa
desconhecem da existência de um mandato; concluído o negócio o mandatário deverá,
através de novas atuações jurídicas, proporcionar a aquisição pretendida pelo próprio
mandante.
• Gestão de negócios – agente (gestor) atua em nome do dono mas sem dispor (nem
invocar) poderes de representação.
48
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
NJ celebrado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe
competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica do representado48 – art. 258º.
• Repercussão dos negócios na esfera do representado é imediata: independentemente
de quaisquer circunstâncias, ela opera no preciso momento em que o negócio funcione;
• e automática: não se exige qualquer outro evento para que ela ocorra.
Procuração
Promove a concessão de poderes de representação.
Art. 265º CC
• Sob a procuração, tem de existir uma relação entre o representante e o representado,
em cujos termos os poderes devam ser exercidos.
• Efetiva concretização dos poderes implicados por uma procuração pressupõe um
negócio nos termos do qual eles sejam exercidos: negócio-base.
o Normalmente o negócio-base é um contrato de mandato.
48
Representante não é parte do contrato – a pessoa que atua no tráfego jurídico não é aquela que fica
vinculada e em cuja esfera os efeitos se dão.
49
Problema da Aparência Jurídica – em que terceiro legitimamente confia numa situação de que essa
pessoa está a atuar em nome e por conta de outrem – relevância jurídica da aparência: art. 259º, 467º/2,
regime letras e livranças, art. 23º regime agência (legislador foge ao regime do art. 268º).
• Caso de um circunstancialismo que não corresponde à realidade – tutela da aparência no Direito
Comercial tem de ser mais garantística
o PPV: certeza tem que ser substituída pela aparência que se justifique – é óbvio que tem
de ser assim devido à quantidade de transações comerciais.
49
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Doutrina discute a Representação Tolerada/Consentida (aceita que alguém atue em seu nome
sem poderes para tal) e Representação Aparente (prescinde da efetiva consciência da atuação
com poderes de representação).
Mandato
Modalidade de prestação de serviços em que mandatário pratica atos por conta do mandante
– está a agir por conta do mandante – está a agir por conta de outra pessoa que não ele próprio,
procura atuar como atuaria o mandante nesse circunstacionalismo concreto.
➢ Art. 1157º CC tem 3 requisitos.
Presume-se oneroso – art. 232º - e a remuneração é acordada pelas partes ou, na falta de
acordo, pelos usos da praça onde o mandato for executado.
50
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Gerentes de Comércio
Art. 248º CCom
Está titulado para praticar todos os atos próprios da atividade em jogo, seja qual for a sua
natureza.
➢ Tem poderes de representação (art. 250º e 251º) – inoponível a terceiros, salvo
provando que tinham conhecimento dela ao tempo em que contrataram.
Auxiliares e Caixeiros
Distingue-se do gerente pois este tem mandato geral e o auxiliar apenas tem mandato para
tratar de algum ou alguns ramos do tráfego do proponente – art. 256º
➢ Poderes de representação do trabalhador automaticamente decorrem do contrato de trabalho
e só funcionam no âmbito da empresa.
Caixeiros são pessoas mandatadas para vender e cobrar, em nome e por conta do comerciante
mandante tendo os necessários poderes para isso.
Contrato de Comissão
Art. 266º CCom
Comissário não atua em nome de outrem e recebe na sua esfera os efeitos dos contratos
celebrados e depois terá de os passar ao comitente.
Comissário não responde perante o mandante pelo cumprimento das obrigações de terceiro
– salvo pacto ou uso em contrário, em que pode assumir esse encargo e ser remunerado por
isso (instituindo uma comissão del credere)
➢ Convenção del credere – art. 269º - significa que se o comissário garante ao comitente
que o terceiro vai cumprir.
➢ Comissário está a onerar-se, portanto em direito a uma comissão para tal.
➢ Só é válida quando se especifica o contrato.
Todas estas figuras perderam muita da sua utilidade prática devido a outro regime jurídico:
Contrato Agência.
51
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
PPV: Contrato objetivamente comercial e é um tipo legal que apenas existe no CCom
Para que haja contrato de conta corrente é necessário que as partes tenham estipulado que
entre elas os créditos e débitos recíprocos sejam reduzidos a artigos de “deve” e “há-de haver”
de tal modo que apenas o saldo seja exigível.
• Não é formal e pode ser estipulado de qualquer forma – nada impede um contrato
tácito nem resultar de, “com toda a probabilidade”, práticas que as partes adotaram de
escriturar os seus débitos e créditos recíprocos apenas procedendo à cobrança e ao
pagamento do respetivo saldo.
o Contabilização em conta corrente, só por si, não implica a celebração de
contrato de conta corrente. Tem de haver estipulação, expressa ou tácita.
Art. 346º/1 – um dos correntistas adquire ao outro certos bens e, em vez de proceder ao seu
pagamento, lança nos seus livros esse valor a seu débito e a crédito do alienante.
• Com isso, a propriedade dos bens transfere-se para o comprador, cuja conta é debitada.
• Conta corrente pressupõe sempre um ou mais outros contratos cujos débitos e créditos
são objeto da conta corrente.
Art. 346º/2 – efeito novativo típico da conta corrente: efeitos jurídicos típicos do contrato
subjacente extinguem-se com o lançamento em conta corrente e em sua substituição,
constituem-se os efeitos deste contrato. Novação é importante porque faz cessar todas as
vicissitudes emergentes do contrato subjacente e não se podem opor as exceções deste.
Art. 346º/3 e 4 – efeito típico da conta corrente
Art. 346º/5 – caraterística típica do cotnrato de conta corrente. Juros vencem-se a partir da data
do efetivo recebimento da mercadoria pelo adquirente, data essa em que é lançada a seu débito
o respetivo preço (sobre o qual o juro incide – “juro por dentro da conta”)
Contrato Mediação
Mediação – ato ou efeito de aproximar voluntariamente duas ou mais pessoas, de modo a que,
entre elas, se estabeleça uma relação de negociação eventualmente conducente à celebração
de um contrato definitivo.
➢ Em sentido técnico, exige-se que o mediador não represente nenhuma das partes a
aproximar e não esteja ligado a nenhuma delas por vínculos de subordinação.
52
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Mediação simples – ato ou efeito de mediar é levado a cabo por qualquer pessoa, sem especial
preparação ou condicionalismo, dentro do espaço jurídico.
Mediação profissional – pessoa que, de modo organizado, lucrativo e tendencialmente
exclusivo, utiliza a mediação como modo de vida.
➢ Registo visa assegurar a idoneidade, que é garantia – se for suspenso ou cancelado não
tem acesso à profissão.
Mediação liberal – mediador age por si, sem qualquer vínculo: opera como um comerciante
autónomo, seja ele pessoa singular ou coletiva.
Mediação dependente – mediador está ligado a uma organização por um vínculo de prestação
de serviços, seja em relação ao mediador propriamente dito seja em relação à entidade que irá
celebrar o contrato final.
Mediação oficial – mediador é designado por ato administrativo, encontrando-se em posição
funcionalizada pública.
53
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Mediação espontânea – por iniciativa do mediador, sem que ninguém lho tivesse solicitado,
coloca duas ou mais pessoas em contacto, promovendo entre elas a negociação e a conclusão
de um contrato que a ambas interessasse.
Mediação contratada – mediador celebra um contrato com um dos envolvidos,
comprometendo-se a localizar e a interessar um co-contratante, promovendo com este, a
conclusão contratual definitiva.
➢ Se for só com um: mediação contratada unilateral.
Havendo contrato de mediação
Mediação pura – mediador obriga-se, numa situação de independência e de equidistância
em relação às partes, a conseguir a celebração de certo negócio definitivo
Mediação mista ou combinada – mediador além de serviços de mediação, exerce ainda uma
atuação por conta de outrem (mandato), podendo igualmente assumir outros serviços.
o Se for uma atuação interessada, fala-se em Mediação Imprópria.
Distingue-se do:
• Mandato – pois não há atuação por conta do mandante e apenas pratica atos para
aproximar (nos casos da mediação pura).
o É prestação de serviços e na falta de regras é o mandato que se aplica (art.
1156º)
• Agência – pressupõe quadro de colaboração e mediação é pontual, apenas
eventualmente duradouro.
o É compatível com poderes de representação e na mediação não (só na
imprópria)
o Agente deve agir de modo empenhado por conta do principal; mediador é
equidistante
o Agência tem esquemas típicos de retribuição; mediação não
• Contrato de trabalho – mediação não está sujeito a subordinação
o Mediador é profissional independente e não está sob a direção do comitente –
pode é estar subjugado economicamente.
54
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Contratos de Distribuição
Os circuitos económicos de distribuição dos bens, desde o produtor e até ao consumidor final,
são dobrados por esquemas jurídicos destinados a legitimá-los, fixando os direitos e os deveres
das partes envolvidas.
➢ Todas as relações e fases têm vicissitudes, pois existem muitos intervenientes pelo meio
(muitos distribuidores intermediários), havendo um processo de distribuição mais
complexo do que o normal.
A comercialização dos bens e a sua distribuição na sociedade pode ser feita de forma:
• Distribuição direta – bem passa diretamente do produtor ao consumidor, ainda que
através de representantes, comissários ou mediadores
• Distribuição indireta – bem atravessa várias fases, produtor -> grossista -> retalhista ->
consumidor final50
o Integrada: coordenação entre a produção e a comercialização, de tal modo que
o distribuidor é integrado em circuitos próprios do produtor, sujeitando-se,
eventualmente, às suas diretrizes;
o Não-integrada: não há coordenação e os distribuidores atuam sem concertação
com os produtores.
AGÊNCIA
O contrato de agência antes era um tipo social que passou a um tipo legal.51
É um contrato de representação comercial que passou a ser a referência para o outros
contratos de distribuição que não estão tipificados (concessão, franquia e etc.)52
50
Distribuição não é centralizada pelo próprio produtor.
51
Januário: Agência é figura neta da do caixeiro viajante (que está no CCom), mas este era trabalhador de
um principal.
52
Ao contrário da agência que tem regime legal tipificado e completo.
55
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
2. Por conta de outra parte – relação interna entre o agente e o principal, que é duradoura e
surge por força do contrato de agência; distingue-se das relações com terceiros (como as
que surgem no processo de negociação conduzido pelo agente e os clientes).
• Agente atua sempre por conta do principal – efeitos dos atos que pratica repercutem-
se na esfera do principal, pois os atos destinam-se a ele.
53
MC: que em rigor é uma prestação de serviços, mais particularmente uma modalidade de mandato.
56
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
54
Canaris: as instruções concretizam os deveres existentes: não podem criar novos
57
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Art. 1º/2 não altera a natureza consensual do contrato e apenas surge como forma de proteção
dos contraentes
➢ Especificações por segurança jurídica.
o Cada parte tem o direito de exigir da outra um documento assinado com o
conteúdo do contrato, visando proteger o agente (que nunca poderá ser
confrontado com a pura e simples nulidade do contrato, por falta de forma).
Art. 2º - Representação
Contrato de agência, por si, não confere ao agente poderes para ser ele próprio a concluir os
contratos, não gozando este de poderes de representação.
➢ Esses poderes de representação têm de ser outorgados pelo principal.
➢ Quando não os tem, as ações do agente não vinculam o principal nas obrigações a que
se comprometeu
Se o agente tiver poderes de representação e puder celebrar contratos, pode decidir, por si, se o
contrato deve ser concluído?
• Depende do sentido e amplitude dos poderes que o principal atribuiu ao agente.
• APM: Em princípio não confere esse poder de decisão, pois não há um poder de gestão
nas relações internas e a decisão continua a pertencer ao principal.
Se não houver representação: ou agente contrata em nome próprio devendo, depois, transmitir
para o principal a posição adquirida; ou contrato é celebrado, pelo cuidado do agente,
diretamente entre o principal e o terceiro.
➢ Quando o contrato não especificar, o agente sem representação opta por uma destas
vias.
Art. 4º - Exclusividade
• No silêncio do contrato, o principal não está impedido de utilizar, ainda que dentro da
mesma zona ou círculo de clientes, outros agentes para o exercício de atividades
concorrentes.
• No silêncio do contrato, o agente está impedido de exercer, por contra própria ou de
outrem, atividades concorrentes – direito de exclusivo a favor do principal (direito do
principal não ter o seu agente a exercer funções concorrentes) não está dependente de
qualquer acordo.
o APM: É o que melhor se coaduna com o princípio da boa fé (art. 6º) pois não
haveria um zelo pelos interesses da outra parte se o agente pudesse exercer
atividades concorrentes sem o consentimento prévio do principal.
• Não há um direito de exclusivo recíproco – agente beneficia do exclusivo perante o
principal quando há acordo escrito; principal beneficia de que o agente se abstenha de
praticas concorrentes mesmo na omissão do contrato.
58
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
A qualidade de agente exclusivo não obsta a que o principal utilize outros agentes, desde que
se trate de ramo diverso daquele que foi confiado ao primeiro ou caso sejam utilizados fora da
zona ou do círculo de clientes do agente exclusivo.
➢ Isto implica que o agente, no silêncio das partes, pode exercer outras atividades e até
atividades concorrentes, desde que o faça fora da zona ou do círculo de clientes que lhe
foi confiado.
Art. 5º - Subagente
Decorre da característica fundamental da agência: Autonomia.
➢ Agente disfruta da liberdade de ser ele próprio a determinar o conteúdo, modo e tempo
da sua atividade, bem como da sua organização.
➢ MC: Contrato de agência como prestação autónoma de serviços implica uma margem
lata de concretização – vantagem de permitir ao agente procurar, nas condições de
mercado, as melhores soluções para a execução do que lhe compita.
Art. 5º/2 agente atua em face dos subagentes como o seu principal: é que o subagente é o
agente do agente (APM).
Art. 6º - Boa Fé
Referência ao fim contratual mostra ser intenção do legislador abranger toda a relação
contratual, cujo conteúdo interno será conformado pelo escopo concretamente prosseguido
pelos contraentes.
➢ Boa fé é princípio normativo que, tomado em sentido objetivo, exprime uma regra
jurídica integrada pelos valores da lealdade, honestidade e correção, de onde se
desentranha toda uma série de obrigações ou deveres, que incumbe às partes satisfazer,
tendo em conta o fim do contrato e a relação de confiança e de recíproca colaboração
que este fomenta.
É o agente, pelo seu conhecimento direito e pessoal do público consumidor, quem está em
condições ideais de prestar à empresa as indispensáveis informações sobre as possibilidades
do mercado, reações da clientela, estado da concorrência e etc.
➢ Deveres de esclarecimento e informação não estão dependentes do correspondente
pedido do principal – agente é obrigado a prestá-los, por sua iniciativa sempre que as
circunstâncias o justifiquem, segundo um padrão de boa gestão.
o Tem especial relevância se o agente for autorizado a efetuar cobrança de
créditos.
59
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Explica-se pela necessidade do principal se prevenir contra uma eventual ligeireza do agente,
obrigando-o a uma especial prudência em relação a certos clientes ou negócios.
Art. 10º/2 – inspiração da comissão del credere do contrato de comissão. Agente não pode
garantir tipo fiador se não estiver delimitado a quem ele vai garantir. Remete para o art. 280º
CCom.
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Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Art. 16º/1 estende o direito à comissão não só aos contratos promovidos pelo agente mas
também ao contratos concluídos com clientes por ele angariados – evita que o principal se
tente substituir ao agente, negociando ele próprio com os clientes para não pagar a comissão.
Art. 16º/2 não implica que sejam contratos por clientes por si angariados: basta que pertençam
a zona ou círculo exclusivo do agente
Há proteção do principal contra atuações menos ponderadas do agente na escolha dos clientes
ou perante um eventual desinteresse daquele após a celebração do contrato.
MC: Agente deve informar os interessados dos poderes que possui – se incumprir, é
responsável por todos os danos que venha a ocasionar.
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Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
MC: Agente sem poderes de representação + Terceiro de boa-fé na existência desses poderes +
Confiança objetivamente justificada + Principal contribuiu para fundar essa confiança = Negócio
é eficaz
55
Os terceiros estão na situação de contratar não com o próprio dono do negócio, mas com um
intermediário, podendo, por isso, encontrar-se numa posição de certa vulnerabilidade.
Dado o especial interesse que o principal retira da atuação de agentes e visto o valor geral que a
confiança nos negócios representa, dentro da sociedade, a lei estabeleceu mecanismos para a
proteção de terceiros
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Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
MC: ato unilateral, discricionário e recipiendo que se destina a fazer cessar um contrato de
duração indeterminada.
➢ Uma das partes põe termo à relação jurídica – faculdade discricionária de qualquer
contraente.56
o Valoração do ordenamento jurídico de que não pode haver vinculações
perpétuas.
o Os prazos para a denúncia são supletivos e mínimos
APM: É curto o prazo de apenas 3 meses para contratos que duram há muitos anos.
Januário: deve atender-se ao contrato e só no caso concreto é que pode sindicar-se se era
suficiente ou não, pois com o passar dos anos o grau de dependência/expetativas/confiança vai
aumentando
➢ Têm de ser as partes, pela sua autonomia privada, a estabelecer uma antecedência
mínima mais dilatada, se assim o desejarem.
➢ Não podem é acordar um prazo inferior ao legalmente fixado
APM: Contrato só pode ser denunciado depois de ter decorrido um período de tempo razoável
e não imediatamente ou pouco tempo após o seu início de vigência.
➢ Januário: isto devido à boa fé e ao princípio da estabilidade dos contratos
Pré-aviso destina-se a evitar ruturas bruscas que podem causar prejuízo ao outro contraente.
Não é qualquer situação de não cumprimento, de uma ou mais obrigações, que legitima a
outra parte, ipso facto, a resolver o contrato – lei exige que a falta de cumprimento assuma
especial importância, quer pela gravidade, quer pelo caráter reiterado, que, por via de tal, não
se possa exigir à contraparte a subsistência do vínculo contratual.
56
Januário: princípio de ordem pública contratual – tem é de se respeitar uma antecedência estipulada.
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Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
E se uma das partes declarar a resolução do contrato vindo a apurar-se, por decisão judicial
posterior, mediante recurso intentado pela outra parte, a falta de fundamento da resolução?
• Ou contrato de agência se mantém tendo a outra parte direito a ser indemnizada –
solução que não é prática;
• Ou contrato se extinguiu, traduzindo a falta de fundamento da resolução, apurada
posteriormente, numa situação de não cumprimento do contrato pelo contraente, que
indevidamente lhe pôs termo, com a consequente obrigação de indemnização.
Se for facto continuado ou duradouro, o prazo de um mês do artigo conta-se a partir da data
que o facto tiver cessado e não a partir da data do seu conhecimento inicial.
➢ Mais razoável e indicada pelo elemento sistemático.
Não é verdadeira indemnização pois não envolve danos e o que conta são os benefícios
proporcionados pelo agente à outra parte – que na vigência do contrato eram de proveito
comum e após o seu termo aproveitam unilateralmente ao principal.
• Mesmo que o agente não sofra danos, haverá enriquecimento do principal que legitima
e justifica a compensação.
É cumulável com as outras indemnizações a que o agente tenha direito mas exige:
• Agente tenha angariado clientes ou tenha aumentado substancialmente o volume de
negócios do principal;
• Principal beneficie consideravelmente após a cessação do contrato da atividade
desenvolvida pelo agente;
• Agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos,
após a cessação da agência, com os clientes angariados ou cujos negócios tenham sido
aumentados.
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Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Art. 33º/1/a está preenchido se o agente se tiver limitado a manter o nível de clientela, devido
ao seu trabalho, numa conjuntura muito desfavorável. Vem em conformidade com a ratio da
norma.
➢ Januário: pode ser interpretado por redução teleológica e em funções das condições do
mercado (se teve comportamento avaliável objetivamente para manter o mesmo
volume de negócios ou o labor para fixar certo mercado)
➢ Tem-se em conta a atuação excecional do agente.
Art. 33º/1/b não exige que os benefícios tenham já ocorrido e basta que, de acordo com um
juízo de prognose, seja bastante provável que eles se venham a verificar – clientela angariada
pelo agente constitui, em si mesma, uma chance para o principal.
57
Se o contrato não cessou por razões imputáveis ao agente, embora pudesse ter cessado, goza na mesma
da compensação pois, efetivamente, não cessou o contrato por razões a ele imputáveis.
58
Como o preâmbulo do diploma indica, a agência aplica-se aos outros contratos de distribuição quando
e na medida em que ela se verifique. Mas não é aqui que se funda a analogia da agência e dos outros
contratos de distribuição. Tem de se verificar se os requisitos da analogia estão satisfeitos.
65
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
CONCESSÃO
Contrato atípico e inominado.
➢ Januário: Não está regulado, mas é contrato socialmente típico – tem fronteira com os
outros contratos de distribuição mas é autónomo face a eles.
Aquele no qual uma pessoa (concedente) reserva a outra (concessionário) a venda de um seu
produto, para revenda, numa determinada circunscrição.
➢ Fazendo o concessionário negócios jurídicos em nome próprio e por conta própria.
Opera em áreas em que exigem investimentos significativos e em que o produtor dos bens ou
serviços a distribuir não queira, ou não possa, ele próprio, efetuar.
➢ Tendencialmente corresponde a esquemas destinados a distribuir produtos de elevado
valor.
Pode haver mais cláusulas em que o concessionário pode ficar adstrito a determinadas metas, à
efetivação de certos investimentos ou à utilização de marcas ou de insígnias que identifiquem o
produto em jogo.
Contrato que estabelece relações duradouras em que o concessionário opera iure próprio.
É um contrato-quadro, em cujo âmbito vão, depois e na execução, surgir outros contratos,
entre as duas partes.
66
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Como o contrato de concessão é atípico, ele muitas vezes inclui cláusulas próprias de figuras
“afins”, de tal modo que a distinção pode não ser linear e ser problemática.
Regime da concessão
Não tem base legal direta – figura assenta na autonomia privada
Não está sujeita a qualquer forma solene e o seu regime resultará da interpretação e
integração do texto que tenha sido subscrito pelas partes.
➢ Quanto ao que não for estabelecido, recorre-se analogicamente ao regime da Agência
(conforme o disposto no nº 4 do Preâmbulo do DL 178/86) – instrumento fundamental
para acudir a lacunas que surjam em contratos de concessão.
Regime de concessão comercial deve ter-se atenção às regras sobre as CCG, que são aplicáveis
• Aplica-se regime das CCG entre empresários.
• Mas há tendência na jurisprudência de dar a pequenas empresas um nível de proteção
próximo daquele que a lei dá aos consumidores.
Especificidades:
• Concessão postula relação de confiança (não se aplica prazo admonitóro do art. 808º/1,
2ª parte CC)
• Regime de exclusividade não é necessário e para existir tem de ser acordado
• Pode envolver a formação profissional do pessoal do concessionário
Não havendo prazo, pode ser denunciada com um pré-aviso (sob pena de dar azo a um dever de
indemnizar)
Havendo culpa do concedente na cessação da concessão, pode este ser condenado a retomar
os stocks antes vendidos ao concessionário – não há fundamento jurídico para limitar as
indemnizações ao dano negativo59
• Quando o contrato é denunciado, o concessionário não pode fazer mais o que está
estipulado no contrato (que é a revende de stocks) – portanto fica com produtos que
não pode vender.
o APM: deve haver uma retoma de stocks – concedente readquire os stocks e
paga o correspondente por eles. O valor da retoma é que é mais discutido.
59
MC: há sempre retoma de stocks
67
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
FRANQUIA (FRANCHISING)
Contrato no qual uma pessoa (franquiador) concede a outra (franquiado) a utilização dentro
de certa área, cumulativamente ou não, de marcas, nomes, insígnias comerciais, processo de
fabrico e técnicas empresariais e comerciais mediante contrapartidas.
APM: Franquiado é comerciante que atua em nome e por conta própria, estando adstrito ao
plano delineado pelo franquiador e executa-o, surgindo aos olhos do público, ao distribuir os
bens com a imagem empresarial do franquiador.
Ideia de privilégio – franquiador permite ao franquiado o acesso a área que, em princípio, lhe
estariam vedadas. Essas áreas têm a ver com a utilização das marcas, nomes, insígnias,
patentes e outras técnicas de que o franqueador tenha o exclusivo.
Pode ser:
• Franquia de serviços – franqueado oferece um serviço sob a insígnia, nome comercial
ou marca do franqueador, conforme diretrizes deste. Ex: Avis, Hertz
• Franquia de produção – franqueado fabrica, segundo as indicações do franqueador,
produtos que ele vende sob a marca deste. Ex: Coca-cola
• Franquia de distribuição – franqueado limita-se a vender certos produtos num
armazém, que usa a insígnia do franqueador. Ex: lojas na Pronuptia
É possível apontar alguns deveres das partes, numa lógica do que é geralmente aplicável.
60
Franchising não se reduz a contato de distribuição, podendo ser definido como o contrato pelo qual
alguém autoriza e possibilita que outrem, mediante contrapartidas, atue comercialmente, de modo
estável, com a fórmula de sucesso do primeiro e surja aos olhos do público com a sua imagem empresarial,
obrigando-se o segundo a atuar nestes termos, a respeitar as indicações que lhe forem sendo dadas e
aceitar o controlo e a fiscalização a que for sujeito.
68
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Obrigações do franqueador61:
1. Facultar ao franqueado o uso da marca, insígnia ou designação comercial, na
comercialização de produtos por este adquiridos ou fabricados;
2. Auxiliar o franqueado no lançamento e na manutenção de certa atividade empresarial,
munindo-o de conhecimentos técnicos ou produtos necessários;
3. Facultar ao franqueado técnicas ou processos produtivos de que o franqueador teria o
exclusivo;
4. Fornecer os bens ou serviços que, porventura, o franqueado deva distribuir.
Direitos do franqueador:
1. Retribuição da percentagem do produto das vendas;
2. Poderes de fiscalização quanto a especificações e qualidades do produto vendido sob a
sua marca;
3. Poderes de aprovação ou fiscalização no que toca a pontos de venda, sua configuração
e etc.;
4. Poderes no domínio da cessão da posição contratual e da renovação do contrato;
5. Receber a contrapartida dos bens ou serviços que forneça.
Obrigações do franqueado:
1. Pagamento de certas retribuições;
2. Lançamento e desenvolvimento da sua atividade dentro de certa circunscrição;
3. Manutenção da qualidade dos serviços ou produtos do franqueador;
4. Sigilo quanto a conhecimentos recebidos do franqueador;
5. Comparticipação em despesas de publicidade;
6. Certas cláusulas de não-concorrência.
Direitos do franqueado:
1. Uso da marca, insígnia ou nome comercial do franqueador;
2. Utilização de conhecimentos, técnicas e etc. do franqueador;
3. Auxílio do franqueador no lançamento, manutenção e desenvolvimento da sua
atividade, recebendo indicações;
4. Fornecimentos acordados.
Cessação da Franquia
Contrato de franquia dá lugar a situação duradoura pelo que o modelo de cessação aplicável é
o da agência.
61
Há ingerência do franquiador na atividade pois há um fornecimento de “know-how”, assistência,
métodos, planos de mercado, conhecimentos tecnológicos e etc.
69
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Contrato de franquia deve ser conjugado com as orientações vindas do DUE e com as regulações
vindas do Direito da Concorrência.
➢ Januário: há intrinsecamente uma grande conexão com Direito da Concorrência
Franquia coloca problemas de interpretação contratual pois esta deve ser feita numa lógica
empresarial, em termos de funcionamento, de modo a apreender-se a lógica de grupo onde o
franqueado pretende inserir-se.
➢ Pode também haver uma coordenada societária – essa natureza mista permite fazer
apelo aos mais diversos contratos, prevalecendo o sentido dado pelas partes ao
negócio.
62
Pode não se aplicar indemnização de clientela a um franchising pois pode ser o peso da marca que atrai
a clientela – mas pode não ser assim, devendo-se à atuação excecional do agente.
70
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Títulos de Crédito
É o documento necessário para constituir, exercer e transferir o direito literal e autónomo nele
incorporado.
➢ Abarca uma enorme variedade de tipos de documentos.63
Origem histórica na letra de câmbio medieval e surgem como instrumentos de circulação indireta
da riqueza, simplificando, acelerando e dando segurança à movimentação de bens e direitos no
tráfico jurídico-comercial.
1. DOCUMENTO
O título de crédito é um documento que, mais do que simplesmente servir para provar um
direito, é necessário para a constituição, exercício e transferência do direito documentado.
• Probatório – funciona como meio de prova dos direitos nele inscrito;
• Constitutivo – é pressuposto necessário do nascimento ou constituição do direito
documentado;
• Dispositivo – titularidade é indispensável para que o direito seja exercido e, por
conseguinte, transferido.
Tem havido um fenómeno de desmaterialização dos documentos e doutrina tem entendido que
os títulos de crédito também podem ser documentos eletrónicos, uma vez que o conceito de
título de crédito é dotado de elasticidade suficiente para albergar o fenómeno da
desmaterialização64.
➢ Há uma progressiva substituição do suporte físico dos títulos de crédito por suportes
de natureza informática ou digital – o registo informático passa a conter a existência,
validade e transmissão dos títulos de crédito em bases puramente eletrónicas.
2. DIREITO
O título de crédito é um documento que incorpora direitos privados de natureza vária.
➢ Excluindo-se os documentos que representam relações jurídico-públicas (ex: cartão de
cidadão, alvará de construção, licença administrativa)
63
Januário: na Alemanha assumem o nome de “Papéis de Valor” pois não têm de se reportar
obrigatoriamente a créditos
64
Engrácia Antunes: o que pode ser uma oportunidade para a revisitação e reconstrução dogmática deste
instrumento juscomercial centenário.
71
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Não se limitam a incorporar direitos de crédito (como letras, livranças e cheques), mas, também
podem incorporar direitos reais de propriedade ou garantia (como guia de transporte,
conhecimento de carga) e direitos corporativos ou sociais (como ações das sociedades
comerciais).
3. INCORPORAÇÃO
Relação ente o documento e o direito documentado – o direito encontra-se incorporado,
compenetrado ou fundido no próprio documento, de tal modo que é a posse do documento
que decide da titularidade do próprio direito – ligação genética, perene e infungível.
➢ Direito Cartular65
Consequências:
• Posse do documento é condição necessária e suficiente para o exercício do direito
cartular – posse dum título de crédito habilita ou legitima o respetivo portador a exercer
o direito nele incorporado e, inversamente, o verdadeiro titular do direito está impedido
de o exercer se e enquanto não estiver na posse do documento (art. 34º e 38º LULL)
• Posse do documento é condição necessária e suficiente para o cumprimento da
correspetiva obrigação cartular – devedor desonera-se validamente desta obrigação
mediante o respetivo cumprimento perante o portador legítimo do título, não tendo de
indagar sobre a sua verdadeira ou material titularidade (art. 40º/3 LULL)
4. LITERALIDADE
Direito Cartular é definido e delimitado exclusivamente pelos dizeres ou pelo teor literal do
documento.
Consequências:
• Conteúdo, extensão e modalidades do direito cartular são aqueles que decorrem das
declarações objetivas constantes do título – legislador estabeleceu conjunto de
65
De “Cartula” = Documento
66
Januário: passarão a existir 2 níveis de 2 vinculações diferentes – a da lei civil e a vinculação do que está
no título
72
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Característica não é absoluta e a sua intensidade e alcance não é idêntica em todos os títulos
de crédito.
• Títulos abstratos – literalidade direta/total – letras, livranças, cheques, extratos de
fatura
• Títulos causais67 - literalidade indireta/por referência – remissão genérica para o
contrato de sociedade (art. 276º CSC)
Podem haver casos de literalidade parcial – não são oponíveis a terceiros e são invocáveis nas
relações entre os sujeitos cartulares imediatos (art. 17º LULL).
Literalidade não afasta a relevância das regras jurídicas, gerais ou especiais, em sede de
interpretação, integração e invalidade das declarações cartulares – legislador consagrou
expressamente diversas regras especiais destinadas a suprir o silêncio ou omissão das
declarações cartulares (ex: art. 2º, 35º a 27º, 76º LULL); subsidiariamente pode aplicar-se as
regras do CC.
5. AUTONOMIA68
Alcance dúplice: portador legítimo do título é, simultaneamente, titular de um direito cartular
autónomo (relativamente aos negócios subjacentes) e de um direito autónomo sobre o próprio
título (relativamente aos portadores anteriores).
1. Autonomia do direito cartular – direito do portador do título é direito independente
em face dos negócios fundamentais que lhe estiverem na origem.
• São direitos distintos que estão sujeitos a regimes próprios, não podendo ser
opostos ao portador do título as exceções decorrentes desse negócio
fundamental (art. 17º e 77º LULL).
2. Autonomia do direito sobre o título – direito do portador sobre o próprio título de
crédito é direito independente em face dos direitos dos portadores anteriores.
• Cada portador do título que legitime a sua posse de acordo com as respetivas
leis de circulação é havido como titular de um direito autónomo, nascido ex
novo nas suas mãos, sendo-lhe inoponíveis as exceções procedentes de posses
ou portadores anteriores do mesmo título (art. 16º LULL).
67
Ligados a uma causa negocial específica
68
Engrácia Antunes: doutrina aponta a Abstração junto da Autonomia dos títulos de crédito, mas, isso
não é característica universal dos títulos de crédito.
73
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
O regime de circulação é imperativamente fixado pela lei para cada tipo de título, sem prejuízo
de um mesmo título poder ter mais do que um critério legal de circulação, cuja escolha dependa
da vontade do emitente e do titular.
➢ Regime de circulação não é imutável, existindo títulos que, emitidos segundo uma regra
de circulação, são objeto de uma conversão no decurso da sua existência.
74
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Os títulos de crédito são num certo sentido abstratos, pois conferem ao seu titular um novo e
autónomo direito (cartular) a partir de um direito substantivo preexistente.
➢ Aqui salienta-se que a relação do título com a sua causa pode ser uma relação de maior
(títulos abstratos) ou relação de menor (títulos causais) independência.
Relação Cartular
Emissão de um título de crédito origina o nascimento da relação jurídica específica cartular.
➢ Emissão dum título não é simples ato de documentação de um negócio e origina uma
relação jurídica que passa a ter um regime próprio.
Constituição
Título de crédito e conexa relação cartular são criados através de um negócio jurídico unilateral,
através da declaração unilateral de vontade dirigida pelo emitente a sujeito determinável (art.
75
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
511º CC), sendo este determinado mediante a posse do título segundo a respetiva lei de
circulação.
Conteúdo
Existem duas relações jurídicas paralelas e distintas: ex causa – relação jurídica fundamental; ex
cartula – relação jurídica cartular.
Na falta de acordo, ambas as relações subsistem lado a lado (de acordo com o art. 859º CC).
➢ A articulação e coordenação destas duas relações depende dos termos da Convenção
Executiva.
o Se título de crédito tiver sido emitido com função de pagamento (pro solvendo),
o seu portador deverá acionar primeiramente a relação ex cartula, para só
depois, incumprindo-se esta, poder acionar a relação ex causa.
o Se título de crédito tiver sido emitido com função de garantia (pro soluto), o seu
portador deverá acionar primeiramente a relação ex causa, para só depois,
incumprindo-se esta, poder acionar a relação ex cartula.
69
Pode ser inserida ou não, celebrada de forma contemporânea ou posterior e pode ainda ter caráter
expresso ou tácito.
76
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
A convivência pode ter outras consequências: frustrado o exercício da ação cartular, poderá
acionar o devedor com base na relação fundamental, prevalecendo-se de eventuais obrigações
acessórias desta, ou do respetivo regime legal.
Relações imediatas – sujeitos cartulares estão ligados entre si por uma relação fundamental em
que também são sujeitos (ou estão ligados por convenção executiva)
Relações mediatas – opõem determinado sujeito cartular a todos os demais intervenientes na
circulação do título.
Exercício e Circulação
Títulos de crédito são documentos de legitimação e de circulação.
Facilitam o tráfico jurídico de acordo com as regra próprias de circulação – de serem títulos
nominativos, à ordem (legitimação real – posse do título é suficiente) ou ao portador
(legitimação pessoal – posse do título é acompanhada de determinadas menções nominativas
feitas no próprio título)
LETRA DE CÂMBIO
Título de crédito pelo qual o emitente (sacador) dá uma ordem de pagamento a outrem
(sacado) para pagar a um terceiro beneficiário (tomador),
ou à ordem do próprio emitente, uma determinada quantia em dinheiro.
Tem uma pluralidade de sujeitos, negócios e obrigações (que têm por objeto idêntico uma
determinada prestação pecuniária).
A. Sacador – sujeito que emite a letra de câmbio.
77
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
70
Sendo o endosso o negócio jurídico cambiário que faz a letra circular – consistindo numa nova ordem
de pagamento dada pelo endossante ao sacado em benefício de um novo terceiro (o endossado).
Obrigação do endossante é, talqualmente a do sacador, uma obrigação de garantia pela aceitação e
pagamento da letra, com a diferença de que, se o sacador garante todos os signatários da letra, o tomador
ou qualquer outro endossante apenas se obriga em face dos posteriores portadores da mesma.
71
Sendo pessoa coletiva, pode ser uma letra em que figura o nome pessoal de um gerente, administrador
ou outro representante orgânico – deve mencionar expressamente a qualidade representativa destes.
78
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
4º. Indicação na letra da época de pagamento tem de reconduzir-se a uma das 4 formas
típicas de vencimento previstas na lei (art. 33º) – são nulas as Letras que prevejam
modalidades atípicas ou mistas de vencimento.
• Se faltar a indicação da modalidade de vencimento presume-se que a letra é
pagável à vista – art. 2º/2 LULL
5º. Lugar de pagamento é uma morada específica, contendo todos os elementos
relevantes para o desempenho da função desta menção.
• Indicação do local de pagamento direta – por referência expressa ao “locus
solvendi”
• Indicação do locar de pagamento indireta – lugar designado ao lado do nome
do sacado (art. 2º/3)
• Letra domiciliada – art. 4º
6º. Tomador é o primeiro portador da Letra, beneficiando da ordem de pagamento nela
contida – sem indicação do nome (civil, firma ou denominação de pessoa determinada
ou determinável) do tomador, a Letra é inadmissível.
• É admissível que o tomador seja o próprio sacador (art. 3º/1) – não necessita
repetição do nome bastando um equivalente de “pague-se a mim” ou “pague-
se à minha ordem”
7º. Indicação da data justifica-se para determinar o vencimento e a contagem de prazos
de apresentação; Indicação do local serve para determinar a lei aplicável.
8º. Exige-se assinatura autógrafa72 – admite-se assinatura por procuração (art. 8º) e
assinatura a rogo (art. 373º/1 e 4 CC)
A falta de alguma delas leva a que a Letra não produza efeitos (art. 2º LULL) – inexistência da
Letra excepto se a falta puder ser suprida por disposições legais.73
Há modelo formalizado (Portaria 28/2000) mas não deixa de ser uma Letra se estiver titulada em
documento diferente do modelo oficial, desde que respeitando as menções obrigatórias legais.
Pode haver duplicatas (art. 64º e 65º LULL) e cópias (art. 67º LULL).
Pode haver Menções Facultativas:
• cláusulas “não à ordem” (art. 11º/2; 15º/2);
• cláusulas “não aceitável (art. 22º/2);
• cláusulas “sem despesas” (art. 46º);
• cláusulas de juros (art. 5º);
• cláusulas “para cobrança” (art. 18º);
• cláusulas de domiciliação (art. 4º).
Letra em Branco
Documento que não contem todas as menções obrigatórias essenciais do art. 1º LULL, mas
possui a assinatura de, pelo menos, um dos signatários cambiários, acompanhado de um
acordo expresso ou tácito de preenchimento futuro das menções em falta.
72
As assinaturas falsas podem não ser relevantes – art. 7º
73
Este documento tem alguma relevância jurídica, podendo existir como mero quirógrafo (art. 376º CC)-
documento particular probatório da obrigação fundamental subjacente.
79
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
➢ Frequente na prática comercial uma Letra de câmbio ser sacada ou aceite mesmo antes
de se encontrar completamente preenchida.
➢ Figura acolhida implicitamente pelo art. 10º LULL
1) Tem de ser um documento onde conste a palavra Letra, suscetível de traduzir a intenção
de assumir uma obrigação cambiária, ainda que faltem alguns dos demais elementos do
art. 1º.
2) Tem de conter a assinatura de, pelo menos, um dos obrigados cambiários, sendo por este
voluntariamente emitido74.
3) Tem de haver acordo destinado a fixar os termos do preenchimento futuro da menções
em falta75 – Acordo de Preenchimento pode ser expresso (mediante documento escrito
ou acordo verbal) ou tácito (resulta concludentemente do negócio ou relação subjacente à
emissão da Letra).
• Sem este acordo, a letra está incompleta e será nula pelo art. 2º
• Preenchimento Abusivo – art. 10º - violação do pacto de preenchimento pode ser quer
os casos de desconformidade relativa às menções formais da letra (ex: art. 1º/2 ou 4 –
portador introduziu uma quantia cambiária superior ou uma data de vencimento
diferente àquelas que foram acordadas com o subscritor), quer em relação aos demais
casos de desconformidade relativa a outros aspetos daquele pacto (ex: preenchimento
extemporâneo por falta de verificação de determinada condição relativa ao negócio
fundamental, de decurso de prazo mínimo e etc.).
o Subscritor em branco apenas se poderá prevalecer de tal preenchimento
abusivo perante terceiro se este tinha (má fé) ou deveria ter (falta grave)
conhecimento de ter em mãos uma Letra emitida em branco que veio a ser
preenchida com tais desconformidades.
o Terceiro de boa fé é tutelado e não pode ser oposta a exceção de
preenchimento abusivo, podendo exigir o pagamento da letra.
SAQUE
Negócio cambiário originário – através do qual a letra nasce. Formação de um novo negócio
jurídico que possibilita a existência de um título de crédito.
Declaração unilateral e abstrata, feita pelo emitente do título (sacador), que tem por conteúdo
expresso uma ordem de pagamento dirigida ao sacado para que este pague uma quantia
pecuniária determinada ao tomador ou à ordem deste.
74
Engrácia Antunes: é evidente que um documento que não haja sido subscrito por ninguém não pode
dar origem a vinculações jurídico-cambiárias
75
Pois só quando plenamente preenchida é que produzirá os seus efeitos próprios – quando conter todos
os requisitos legais essenciais do art. 1º
➢ Neste documento estarão as diretrizes para preenchimento futuro
80
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Obrigação do sacador é obrigação de garantia pela aceitação e pelo pagamento da Letra: dada
a promessa implícita no saque, o sacador responderá, em princípio, pelo aceite e pelo
pagamento da Letra por parte do sacado (art. 9º/1 LULL).
Garantia parcial pois o sacador pode exonerar-se da sua garantia de aceite da Letra (art. 9º/2
LULL): mediante oposição na Letra da cláusula “letra não aceitável”, em que o sacador se
desresponsabiliza por qualquer recusa do aceite por parte do sacado, impedindo assim o
portador de, munido de competente protesto, o acionar prematuramente em via de regresso
(art. 43º/1 LULL).
➢ Mas não pode apor cláusula exoneratória quanto à garantia de pagamento da Letra.
Letra de câmbio é título de crédito e a sua transmissão faz-se mediante endosso (art. 11º/1
LULL) – regime de circulação que pode ser alterado pelas letras não à ordem, em que o endosso
é proibido sendo a transmissão por cessão de créditos (art. 11º/2).
➢ Diferenças de regime na circulação – endosso é NJ unilateral, cessão é NJ bilateral e
implica notificação ao devedor; endosso é garante de aceitação e pagamento da letra,
cessão é mera responsabilidade pela existência e exigibilidade do crédito; endosso há
direitos autónomos, cessão é mesmo direito sendo oponíveis todas as exceções.
ACEITE
Negócio jurídico-cambiário, de natureza unilateral e abstrata, pelo qual o sacado aceita a
ordem de pagamento que lhe foi dirigida pelo sacador e se obriga a pagar a Letra no
vencimento ao tomador ou à ordem deste.
➢ O Saque é mera ordem de pagamento dada pelo emitente ao sacado para que este
pague ao tomador a soma cambiária indicada na Letra. É o Aceite que torna o sacado
vinculado/obrigado cambiariamente a pagar tal quantia.
81
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Letra deve ser apresentada pelo portador no domicílio do sacado até à data do vencimento (art.
21º), podendo o sacador estipular que o aceite apenas se verificará após uma certa data (art.
22º/3) e o sacado solicitar uma segunda apresentação (art. 24º) – toda a apresentação posterior
àquela data valerá como apresentação para pagamento e não aceite, sendo também o
competente protesto, em caso de recusa, protesto por falta de pagamento e não aceite.
Declaração de aceite consiste numa declaração cambiária escrita e assinada pelo sacado em
qualquer parte da Letra – art. 25º/1 LULL
➢ Sem prejuízo dos chamados Aceites em Branco – simples assinatura na parte anterior
da letra;
➢ Sem prejuízo dos chamados Aceites Riscados – anulação da declaração antes da
restituição da letra (art. 29º76)
Sacado que aceitou não tem qualquer direito de posse ou propriedade sobre a letra aceite –
art. 24º/2.
➢ Tem direito a pedir nova apresentação da Letra (art. 24º/1) e de exigir a entrega da Letra
e respetivo documento de quitação, no momento do pagamento (art. 39º/1).
76
Sendo que art. 29º/2 é desvio ao princípio da literalidade
82
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
ENDOSSO
Negócio cambiário que faz circular o título de crédito.
Declaração jurídica unilateral, de caráter abstrato, através da qual o tomador ou qualquer
outro portador posterior (endossante) transmite a Letra e todos os direitos dela emergentes
a um terceiro (endossado ou endossatário).
Tomador de uma Letra (bem como qualquer portador posterior desta) não é obrigado a aguardar
pela data do respetivo vencimento para se fazer pagar, podendo, antes disso e alternativamente,
endossar a mesma a um terceiro – endossante está a dar uma nova ordem de pagamento ao
sacado em favor do endossado, responsabilizando-se pela aceitação e cumprimento daquela.
➢ Funciona como um “novo saque”, com a particularidade de o seu conteúdo já estar
previamente definido e de possuir um beneficiário diferente, que agora já não é o
tomador mas o endossado.
Efeitos
I. Transmite os direitos cambiários – desde a propriedade do título e todos os respetivos
direitos emergentes para o endossado.
• Pode também endossá-la de novo a terceiro (efeito de transmissão) – embora
haja determinadas modalidades de endosso que estão destituídas de eficácia
translativa normal (art. 18º e art. 19º)
II. Garante a aceitação e pagamento da Letra – endossante tem obrigação de garantia da
aceitação e pagamento da Letra perante o endossado e portadores subsequentes,
investindo os últimos num direito de regresso contra o primeiro.
• Existem modalidades especiais de endosso que não originam responsabilidade
cambiária de regresso (quando há cláusula “sem garantia” do art. 15º/1 ou
cláusula “sem despesas” do art. 46º)
III. Legitima a posse do portador – sendo a legitimidade do portador de uma letra aferida
pela existência de uma série ininterrupta de endossos (art. 16º/1), o endossado
presume-se como titular legítimo do título, ficando plenamente habilitado ao exercício
dos direitos cambiários.
83
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
É o mecanismo típico de circulação da letra de câmbio – art. 483º CCom e art. 11º/1 LULL
➢ Existem modalidades impróprias de transmissão: transmissão inter vivos de
consignação de rendimentos, doação, usufruto, cessão de créditos; transmissão mortis
causa por sucessão; transmissão em via executiva e insolvencial.
AVAL
Negócio jurídico-cambiário através do qual uma pessoa (avalista) garante o pagamento da
letra por parte de um dos seus subscritores (avalizado).
➢ PPV: tem por conteúdo uma promessa de pagar e por função a garantia desse
pagamento77
Nova obrigação cambiária que tem por finalidade garantir ou caucionar obrigação cambiária
idêntica e preexistente de um signatário da letra de câmbio.
• Obrigação pessoal de garantia, dotada de regime jurídico próprio – é autónoma78 e
subsiste mesmo no caso da obrigação do avalizado ser nula por qualquer razão que não
um vício de forma (art. 32º/2)79; é obrigação solidária respondendo o avalista a par dos
demais subscritores pelo pagamento integral da Letra (art. 47º/1 e 2); tem projeções
plurilaterais, ficando o avalista sub-rogado nos direitos emergentes da letra contra os
obrigados em face do avalizado (art. 32º/3).
o STJ – AUJ 4/2013: "Não se constituindo o aval um contrato, mas um ato jurídico
unilateral, não recetício, autónomo, abstrato e com as mesmas características
de uma obrigação cambiária não se prefigura correto, em nosso aviso, que
possa ser objeto de denúncia"
▪ Tendo o aval sido prestado de forma irrestrita e ilimitada, não é
admissível a sua denúncia por parte do avalista, sócio de uma sociedade
a favor de quem aquele foi prestado, em contrato em que a mesma é
interessada, ainda que, entretanto, venha a ceder a sua participação
social na sociedade avalizada.
77
STJ – AUJ 4/2013: função é a de garantir o pagamento do crédito cambiário, tendo como finalidade
essencial reforçar a segurança do tomador na definitiva satisfação do crédito inscrito no título em que
o aval é prestado.
78
STJ – AUJ 4/2013: mas ao mesmo tempo é acessória porque se apoia, pelo menos formalmente, em
outra obrigação cambiária; acessoriedade formal que nada comunica, nos seus efeitos, à materialidade
da obrigação que se torna cambiária e por fim independente.
➢ OA: diverge da posição que confere ao aval uma posição de obrigação acessória, fazendo notar
que "se a obrigação se mantém, mesmo que a "obrigação garantida" seja nula por qualquer razão
que não seja por vício de forma (art.32.º/2) isso significa que não é acessória.".
79
Por oposição à Fiança, que tem natureza subsidiária e acessória.
84
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Efeitos
I. Situação Passiva: art. 32º/1 – avalista responde perante as mesmas pessoas, na mesma
medida em que responde o avalizado, podendo prevalecer-se ou ser-lhe opostas
quaisquer vicissitudes da obrigação do avalizado;
• art. 32º/2 – obrigação do avalista é materialmente autónoma e independente
em face da obrigação do avalizado, apenas não respondendo perante o devedor
nos casos em que esta última seja ostensivamente inexistente ou inválida em
virtude de vícios extrínsecos objetivamente revelados no próprio título;
• art. 47º/1 – responsabilidade do avalista é solidária com a dos demais obrigados
cambiários, não gozando qualquer benefício de excussão prévia dos sacadores.
II. Situação Ativa: art. 32º/3 – pagando a quantia cambiária ao portador, o avalista fica
assim investido numa posição de credor cambiário ao portador, passando a ser titular
de um direito próprio e autónomo graças ao qual poderá ressarcir-se em via de regresso
contra o avalizado e ainda todos aqueles subscritores que garantiam este.
Pode haver casos de vencimento antecipado ou prematura da letra (art. 43º LULL)
80
Ressalvam-se o aceitante (que é por definição o obrigado cambiário principal) do sacador perante um
endossante (que com o aval não poderia ficar mais obrigado do que já era).
85
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Pagamento
Representa o ato pelo qual é cumprida a ordem cambiária dada pelo emitente do título.
Prazo difere:
• Letras à vista – apresentadas no prazo de um ano a contar da emissão (art. 34º)
• Demais modalidades – apresentadas a pagamento no dia do seu vencimento ou nos
dois dias úteis seguintes (art. 38º)
• Fora dos prazos, pode dar-se a perda do direito de regresso do portador, que ficará
impedido de acionar os obrigados cambiários, à exceção do aceitante (art. 53º/1).
Também pode levar a que qualquer obrigado cambiário solicite a consignação em
depósito da quantia cambiária (art. 42º).
Efeitos do Pagamento
I. Liberatório: sacado exonera-se da respetiva obrigação cambiária (art. 40º/3, ab initio).
• Subordinado a determinados pressupostos – exigência de que devedor tenha
verificado a legitimidade formal do portador apurada mediante uma sucessão
regular de endossos extrínsecamente válidos (art. 16º e 40º/3, in fine) e que
haja efetuado o pagamento na data do vencimento cambiário (art. 40º/2).
• Também subordinado a determinados limites – como quando o devedor haja
efetuado o pagamento ao portador com “fraude” ou “falta grave” (como o
conhecimento de ilegitimidade material do portador – art. 40º/3).
II. Direito do sacado exigir que o título lhe seja entregue: art. 39º/1
III. Direito de regresso de qualquer outro signatário: art. 49º
Protesto
Art. 44º a 46º LULL
Ato jurídico formal, efetuado perante um notário, destinado a certificar a falta do aceite ou
do pagamento da letra por parte do sacado (função de segurança jurídica), bem como a dar
conhecimento desta aos demais subscritores cambiários (função informativa) e a salvaguardar
os direitos do portador da letra (função conservatória).
Protesto por falta de aceite – certificação formal da recusa (total ou parcial) do aceite da letra
pelo sacado.
➢ Processo efetuado contra o sacador, que deve ser realizado no prazo de apresentação
ao aceite (art. 21º e 44º/2) e dispensa a apresentação a pagamento e o protesto por
falta de pagamento (art. 44º/4).
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Protesto por falta de pagamento – certificação formal da recusa de pagamento da letra pelo
sacado.
➢ Processo efetuado contra o sacado (ou interveniente) aceitante, que deve ser realizado
no prazo de quatro dia úteis seguintes à data do vencimento, excepto no caso das letras
à vista (art. 44º/3).
Mesmo fora dos prazos legais, ele não pode ser recusado.
Efeitos do Protesto
I. Conservação dos direitos do portador contra os obrigados cambiários em via de
regresso (ressalvado o caso das Letras do art. 46º e 54º) – a falta de intempestividade
da sua realização acarreta para o portador da letra a perda dos seus direitos contra o
sacador, endossante e outros obrigados cambiários (à exceção do aceitante – art. 53º).
II. Portador que protestou tem o dever de entrega simultânea no cartório notarial de
“cartas-aviso” para notificar a apresentação do protesto cambiário a todos os que sejam
responsáveis perante o portador (art. 45º)
Intervenção
Art. 55º a 63º LULL
Vicissitude juscambiária relativa àquelas letras que são aceites ou pagas por um terceiro
(interveniente) no lugar de um dos obrigados cambiários (interventor).
Ações Cambiárias
Ações destinadas a exercer judicialmente os direitos cambiários, uma vez que a Letra é um
título executivo.
Exceções Cambiárias
Subscritor de uma letra que haja sido objeto de uma ação judicial cambiária pode defender-
se, como sucede em via geral, invocando determinadas circunstâncias que tornem
improcedente, total ou parcialmente, definitiva ou temporariamente, a pretensão do autor,
portador da Letra.
Extinção
As Letras podem extinguir-se por:
• Pagamento – art. 762º CC
• Prescrição – art. 70º e 71º LULL – direitos cambiários estão sujeitos a prazos de
prescrição
• Ineficácia – resultante de lei ou declaração judicial
• Destruição ou Perda
STJ – AUJ 4/2013: “Não se encontra prevista na LULL, a denúncia como modo de fazer extinguir
a obrigação do avalista. Pelo que não pode o intérprete encontrar no respetivo sistema nacional
outras causas extintivas para além das previstas na LULL”
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LIVRANÇA e CHEQUE
Integram, juntamente com a Letra, o núcleo duro ou tradicional dos títulos de crédito.
O regime da livrança é remissivo (em relação ao regime da letra). Ficam de fora da aplicação à
livrança as disposições relativas a sujeitos e a operações jurídico-cambiárias que não sejam
pertinentes, tais como o sacado e o aceite (21º-29º LULL) e o aceite por intervenção (56º-58º
LULL).
Cheque – título de crédito através do qual o emitente (sacador) ordena a uma instituição de
crédito, “máxime” um banco (sacado), onde dispõe de fundos disponíveis para o efeito
(provisão), o pagamento à vista de determinada quantia pecuniária, a favor de si próprio ou de
terceiro (tomador).
88
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Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
pela sua intervenção no documento cambiário, sem desconhecer que a dívida principal compete a outro
sujeito participante na relação cartular.
O aval surge-nos, assim, como um acto pelo qual uma pessoa que não está obrigada por qualquer razão a
pagar uma letra (ou outro título de crédito) aceita fazê-lo para garantir a responsabilidade de um dos
obrigados, sacador, subscritor ou endossante. Parece, por outro lado, acertado conceber esta figura como
um acto unilateral (de vontade não receptício) conferido por escrito na letra, ou em folha anexa a ela,
vinculado a uma obrigação cartular formalmente válida, que converte quem a outorga, em responsável
cambiário no pagamento do documento.
O aval tem um regime próprio e diferente da fiança e como todo o giro cambiário - baseado no princípio da
literalidade - deve constar do título (directamente ou porque a lei se encarrega de integrar ou presumir certas
menções).
Numa conceptualização dicotómica poder-se-iam evidenciar como traços distintivos do aval relativamente
à fiança, os seguintes [(14)]:
- O aval não conforta (respalda) a obrigação de uma pessoa determinada, constituindo-se antes uma garantia
objectiva do pagamento, total ou parcial, argumento pelo qual não pode limitar-se a tempo, a caso ou pessoa,
por não lhe poder ser colocada ou estar sujeito a qualquer condição. Não procede neste caso o benefício da
excussão, já que a obrigação do avalista é autónoma e a sua validade e legitimação dos credores cambiários
não está subordinada a diligências ou trâmites prévios.
O aval é uma garantia cambiária unilateral, não receptícia, abstracta, formal e escrita; espontânea e
independente; pode ser parcial e configura um direito literal autónomo. Unilateral porquanto decorre da
literalidade, autonomia, abstracção dos títulos de crédito que suprimem perante terceiros as defesas que se
sustentam da inexistência de discernimento livre ou de causa, pelo que resulta juridicamente transcendente
para criar responsabilidade a existência material do acto cambiário ainda que lhe falte a causa ou existam
vícios de vontade do avalista. O referido pronunciamento voluntário torna-se incondicional, irrevogável e
obriga tão só pela manifestação externa da sua existência jurídica perante qualquer tomador determinado
ou a determinar. Não receptícia significa que não necessita de aceitação para que possa gerar todos os
efeitos, o que exclui poder considerar-se o aval como um contrato.
O aval apresenta-se como uma garantia, dado que refere precisamente a sua desvinculação substancial com
os actos cambiários e cujo fim é desempenhar funções cambiárias principais distintas (para circulação do
título, o endosso; para a sua satisfação, a aceitação) e de que o aval não surge como consequência de tais
transacções mas sim por um acto espontâneo alheio ao curso normal (natural) do título de crédito.
Ao tratar-se de um acto cambiário a obrigação que nasce do aval é abstracta, isto é, prescinde da causa na
sua relação circulatória. A qualificação da garantia pessoal fundamenta-se na adição (aglutinação) de um
novo sujeito a uma ligação objectiva prévia e não ao nexo pessoal entre o avalista e o avalizado.
Efectivamente, o aval, qual garantia objectiva não se vincula com a pessoa nem com a obrigação avalizada,
mas tão só porque, singelamente, é uma garantia de pagamento de uma obrigação que objectivamente
emerge do título. De modo que a abstracção do aval é idêntica às demais obrigações cambiárias posto que
esta dá vida justamente a uma relação cartular dessa qualidade, independente e diferente.
É um acto jurídico que deve revestir uma forma e deve ser escrito como meio de exteriorização. Toda a
obrigação cambiária reveste a forma escrita pelo que também o aval deve assumir forma escrita.
É independente, porque a lei considera válido o aval ainda que a obrigação avalizada seja nula, a menos
que a referida nulidade seja puramente formal. Na verdade, o aval persiste e produz efeitos legais ainda que
a obrigação do avalizado seja nula, o que não acontece com a fiança, pois que o vício da obrigação afiançada
afecta a fiança civil, convertendo-a em nula ou anulável. Se a obrigação principal está afectada de nulidade
absoluta, a fiança também se verá afectada;
Ainda que ambas assegurem o cumprimento de dívidas pecuniárias, o aval é uma obrigação autónoma,
materialmente, enquanto que a fiança é acessória de outra principal - a fiança não pode constituir-se sem
uma obrigação válida. Isto significa que o aval consigna duas obrigações distintas com dois devedores e a
fiança somente uma obrigação, mas com dois devedores;
O aval é sempre comercial já que provêm de acto de comércio. A fiança segue a materialidade da obrigação
garantida.
O aval não deriva da lei nem de decisões judiciais, tendo sempre a sua origem na vontade do avalista, sendo
por isso que se diz que tem um valor objectivo, porquanto o avalista obriga-se a si mesmo, mediante a sua
assinatura. A fiança é legal, judicial ou voluntária;
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Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
O exercício da responsabilidade contra o avalista não exige a excussão nem a interpelação judicial prévia
do avalizado; a fiança civil admite a divisão ou a excussão prévia;
Não se permite ao avalista que se valha das excepções pessoais do avalizado, já que a sua obrigação é
independente e o direito do terceiro é autónomo; o fiador pode opor as mesmas excepções que o afiançado
sempre e quando não sejam pessoais do mesmo devedor;
O avalista que paga tem acção cambiária contra o avalizado e os que respondem perante este, implicando
o exercício de um direito autónomo e literal como legítimo portador do título e é evidente que os devedores
se tornam solidários; o fiador é um credor por sub-rogação e a sua repetição não pode prosperar se não
interpõe excepções que incumbiam ao devedor principal ou pagou sem ser interpelado ou deixou de avisar
o obrigado principal;
O aval não pode ser sujeito a condição; a fiança pode;
O aval é irrevogável; o fiador pode retractar-se em determinados casos;
O aval tem como referente uma operação bancária determinada; a fiança pode vincular-se a operações
futuras e indeterminadas, ou até a uma soma certa ou incerta;
O aval surge mediante declaração cartular; a fiança é derivada de um convénio;
Se o avalista se torna insolvente o portador do título não pode solicitar um substituto; na fiança é possível
suplantá-lo ou substitui-lo ou se se trata de co-fiadores a parte correspondente ao insolvente rateia-se entre
os demais que possuam solvência. [(15)]
Como deflui do que vem sendo escrito quanto aos traços fundantes do aval e da sua afinidade/diferença
com figuras jurídicas afins, maxime a fiança, a maioria, se não a quase totalidade dos autores, qualifica o
aval como um acto jurídico unilateral, não receptício, autónomo, independente e formal e que se constitui
como uma garantia cambiária com as características imanentes a este tipo de relações (cartulares), a saber
a abstracção, a literalidade e a autonomia. "O avalista assume uma obrigação cambiária ao estampar o seu
nome no título; ele promete o pagamento da letra, tal como o faz qualquer obrigado cambiário (mais
precisamente como o promete o obrigado por quem outorga o aval); por outras palavras, o garante assume
uma obrigação de autonomia e abstracção do título. Assim enquanto que na fiança o elemento
acessoriedade, logicamente dominante em toda a relação de garantia, se manifesta na sua mais completa
eficiência e se mantém por lei firme em todas as suas consequências lógicas, no caso do aval, no que se
atina às relações entre garante e garantido, nas quais deveria também dominar a acessoriedade, as ditas
relações encontram-se, necessariamente, modificadas por outro imprescindível componente, a autonomia
da obrigação. A autonomia absorve a acessoriedade, dado que a relação de acessoriedade só subsiste nas
sobreditas relações - e não pode deixar de sobreviver, dado o carácter de garantia que o aval implica - no
seu aspecto formal, decisiva em matéria cambiária: o que equivale a afirmar que a obrigação do garante
não pode funcionar se não existe como formalmente válida a obrigação cambiária do avalizado".
A maioria dos autores coincide em que o aval se trata de "um acto pelo qual um terceiro ou um signatário
da letra garante o pagamento dela por parte de um dos subscritores". [(16)] Como a lei requer que o aval
esteja referido a uma obrigação formalmente existente tendem para que isso signifique uma acessoriedade
formal que nada comunica, nos seus efeitos, à materialidade da obrigação que se torna cambiária e por fim
independente.
Trata-se, outrossim, de uma garantia objectiva para pagamento do título sem vinculação com a obrigação
avalizada, excepto quanto à existência desta. Elimina-se, pois, o carácter subjectivo (este é a vinculação
com a obrigação de uma determinada pessoa) do aval para se tornar objectivo (quer dizer uma obrigação
abstracta, conforme a literalidade do documento). Trata-se de uma garantia cambiária típica, dado que a
obrigação do avalista se encontra desligada do avalizado; a obrigação deste torna-se abstracta e literal como
direito autónomo para o portador do documento, se bem que existindo uma obrigação formal com o acto
avalizado se considere como um nexo de posição, sem que se requeira uma substancial posição entre ambas
as obrigações cambiárias. Em virtude disso, o avalista assume uma obrigação directa e pessoal, não com o
do seu avalizado, e portanto responde, directa e pessoalmente, perante o credor cambiário, pelo pagamento
do título e não pelo cumprimento deste. O avalista não assegura que o avalizado pagará, mas sim que o
título será pago; não participa da obrigação de outros, mas, ao invés, fá-la própria (non alienae obligationi
accedit sed alienam facit propriam); a designação da pessoa a favor a quem se presta o aval tem tão só a
finalidade de fazer assumir ao avalista uma responsabilidade cambiária de igual grau que a do avalizado.
II.B.2. - Indeterminabilidade do negócio jurídico (aval).
91
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Uma das divergências axiais que colhe oposição na jurisprudência ancora na indeterminabilidade do
negócio jurídico que consubstancia a constituição do aval do recorrente.
A questão da indeterminabilidade, para o caso da fiança foi objecto de tratamento no Acórdão
Uniformizador deste Supremo Tribunal n.º 4/2001, de 23 de Janeiro de 2001, e publicado no DR, I Serie
A, n.º 57, de 08-033-2001. Na doutrina fixada "[é] nula por indeterminabilidade do seu objecto, a fiança de
obrigações futuras, quando o fiador se constitua garante de todas as responsabilidades provenientes de
qualquer operação em direito consentida, sem menção expressa da sua origem ou natureza e
independentemente da qualidade em que o afiançado intervenha."
Tratava-se no caso julgado no AUJ n.º 4/2001 de uma situação em que os sócios de uma empresa haviam
operado a denúncia de uma fiança omnibus e pretendiam através de uma carta dirigida ao banco
desvincular-se da responsabilidade fidejussória assumida mediante a fiança, por haverem cedido as quotas
de que eram detentores na sociedade afiançada.
Na crítica que fez a este aresto [(17)], o Prof. Januário Costa Gomes desenvolve [(18)] a questão da
determinabilidade/indeterminabilidade para defender que o artigo 280.º do Código Civil não pode deixar
de ser conjugado com o artigo 400.º, n.º 1 do mesmo livro de leis. Na medida em que "[à] priori, não
veríamos impedimento a que a prestação do fiador fosse determinada pelo credor e devedor, uma vez que
na sua previsão genérica, o art. 400/ 1 é, em principio, passível de ser aplicado a qualquer negócio jurídico;
em tese geral a determinação per relacionem satisfaz o requisito da determinabilidade." [(19)] E mais
adiante acrescenta este autor que a exigência de "[uma] rápida e mecânica aplicação do disposto no art.
280/1 é o facto de como também já dissemos, a exigência formulada no art. 280.º/1(...) não ser estática,
insensível às peculiaridades dos negócios específicos." [(20)]
No estudo que vimos citando o Autor examina num apartado - "A sorte da fiança após a cessão de quotas
pelo fiador omnibus" [(21)] - que a cessão de quotas por parte de um sócio não pode conduzir à caducidade
podendo, no entanto, ser efectuada mediante denúncia ou resolução por justa causa. [(22)]
Na análise a que procede relativamente à eventual aplicação do AUJ n.º 4/2001, ao aval de uma livrança
em branco posteriormente preenchida, a Prof.ª Carolina Cunha [(23)], aquiescendo com a doutrina fixada
no aresto, estima que a jurisprudência (restritiva) que considera inaplicável a doutrina do acórdão "[apoia-
se] numa asserção circular: como o aval só "existe" depois de preenchido o título, uma vez preenchido o
título já não "subsiste" qualquer indeterminação. Pelo contrário, [acrescenta a autora] o que está em causa
é a função da garantia desempenhada pela própria subscrição em branco mesmo antes do titulo ser
preenchido e, concomitantemente, a ausência de limites à incerteza em que semelhante garantia é prestada.
Também aqui deve avultar, portanto, aquela "preocupação em proteger o dador de garantia face a uma
divida não previamente abarcável" que conduz à exigência de um mínimo de determinabilidade - não
obviamente no título já preenchido, mas sim no acordo relativo ao seu preenchimento." [(24)]
Ensaiando uma resposta à problemática que atina com o thema decidendum - consequências da cessão da
participação social do sócio cambiariamente vinculado como garante -a Autora [(25)] coloca a questão nos
seguintes termos: "pode o subscritor em branco que cedeu a sua participação social e se desligou da vida
societária vir a ser incomodado, porventura anos depois, quando o credor decide preencher e accionar o
titulo?", para responder com a solução adiantada pelo Prof. Januário Costa Gomes, a propósito da fiança,
no estudo supra citado, ou seja de que lhe pareceria pertinente chamar à colação a doutrina a propósito da
fiança, quando refere que "à luz das regras de interpretação dos negócios jurídicos, pensar que os mesmos
sócios que aceitaram subscrever termos de fiança preparados pelo Banco, quiseram manter-se vinculados
mesmos depois de cederem a terceiros as respectivas participações sociais - mesmo depois de deixarem de
ter interesses na empresa ou sequer contactos com a mesma."
Mais adiante a mesma autora refere que lhe parece "[razoável] admitir que em certas circunstâncias possa
vir a ser reconhecida uma faculdade de desvinculação unilateral do acordo de preenchimento ao sócio
garante que cede a sua quota, faculdade que a jurisprudência tende a construir como denúncia (com que
circunscreve aos contratos de duração indeterminada) mas que alguma doutrina qualifica como resolução
por justa causa, fundada na inexigibilidade de o garante permanecer vinculado por uma relação duradoura",
para de seguida, e depois de afirmar que "[o] sócio permanece responsável pelas dividas constituídas até à
extinção da garantia" e referir que o reconhecimento de semelhante faculdade implica "[uma] ponderação
da interface que, através do acordo de preenchimento, se estabelece com a relação jurídica pela sociedade.
Nos financiamentos bancários típicos, como a abertura de crédito simples ou em conta corrente, o fluxo
financeiro que determina a divida cambiariamente garantida depende das solicitações feitas pela sociedade
em cada momento - o que confere pleno sentido à tese segundo a qual a cessação da qualidade de sócio
implica uma inexigibilidade de permanecer vinculado como garante." [(26)]
92
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
A razoabilidade ou plausibilidade da solução apontada pode conflituar, em primeiro lugar, com a própria
natureza do aval, incondicional e irrestrito, a menos que seja dado de forma parcial, e, correlatamente, com
o direito pessoal de garantia que estava constituído pelo aval para pagamento do valor patrimonial inserto
do direito de crédito cambiário, de harmonia com o acordo de preenchimento pactuado.
Quanto à primeira objecção não se configura razoável que uma garantia, materialmente autónoma e
independente da obrigação creditícia que propinou a sua emissão, possa ser denunciada como um contrato
duradouro, ou sequer como um negócio unilateral duradouro. O aval, em distinção da obrigação
fidejussória, não acompanha a relação obrigacional do avalizado destinando-se a criar uma garantia perante
o tomador do título de crédito de que o título será pago na data do vencimento ou nos termos em que o
pacto de preenchimento foi acordado. Repontar-se-á, em contraposição ao que foi asserido, que o aval no
caso de abertura de contrato de abertura de conta simples ou de conta corrente firmado entre uma sociedade
e uma instituição bancária e em que os sócios intervêm como garantes prestando o aval em titulo de crédito
a preencher por aquela, nos termos do pacto de preenchimento acordado, está, inextrincavelmente,
conexionado com a obrigação subjacente pelo que a extinção da responsabilidade, maxime pela cessão de
quotas de que era detentor na sociedade avalizada por parte de um sócio, conduz, inelutavelmente, à
desresponsabilização do sócio relativamente à obrigação subjacente bem como à garantia cambiária que
lhe está associada ou que tem para com aquela uma relação de acessoriedade. Pensamos, como já
adiantamos supra, que o aval, como garantia que se destina a garantir o pagamento do valor patrimonial
inserto no título de crédito não pode ter o mesmo tratamento que a garantia fidejussória ou a fiança. Na
verdade o avalista, contrariamente ao que acontece ao obrigado fidejussório, não responde perante o credor
nos mesmos termos que este mas sim, e tão só, cria um direito de regresso perante o sacado correspondente
ao que haja pago ao tomador do título pelo incumprimento pelo sacado da obrigação inscrita no título.
[(27)]
A segunda objecção que poderia ser formulada ou oposta à razoabilidade da proposta de solução adiantada
no estudo citado poderia ser a seguinte. Suponhamos que todos os sócios de uma sociedade se
responsabilizavam mediante o aval pelo pagamento de uma livrança, cujo preenchimento haviam acordado
com a instituição credora, e que todos os sócios cediam as respectivas quotas. Neste caso seria razoável que
mediante acto unilateral de todos e cada um dos sócios ocorresse uma desvinculação unilateral da obrigação
cambiária do aval prestado para garantia do direito de crédito cambiário, expresso no valor patrimonial do
título de crédito, de acordo com o pacto de preenchimento? Ou, numa hipótese mais perversa que um dos
sócios cedesse simuladamente a sua participação social e tendo a cessão sido registada no pacto a viesse a
exibir e impulsar como causa de uma denúncia de uma aval prestado? Ou ainda que a cessão fosse efectuada
a quem não tinha património capaz e bastante para suportar a execução do título de crédito avalizado.
Em nosso juízo a desvinculação unilateral, na situação hipotisada, dessoraria totalmente a garantia prestada
e deixaria o tomador do título de crédito sem qualquer garantia de que o crédito concedido viesse a ser
pago. Dir-se-á, como ficou apontado na solução adiantada que os avalistas, no caso os sócios da sociedade
avalizada, sempre seriam responsáveis pelos créditos já vencidos. Com se disse supra o aval pode ser
quantitativamente limitado caso em que o avalista se compromete a pagar só uma parte do crédito avalizado.
Só que, como é doutrina unânime esta limitação tem que ficar expressa no momento em que o aval é
prestado. [(28)] Não tendo o avalista limitado quantitativamente a importância por que se comprometia a
prestar o aval, afigura-se-nos de difícil conciliação com a própria natureza do aval e da obrigação cambiária
constituída perante o tomador do título de crédito.
Acresce que, sendo o aval uma garantia autónoma e incondicional não se vê como se poderia fazê-la
retroagir a um momento anterior àquele que consta a data do vencimento ou consensuada no acordo de
preenchimento. A doutrina espanhola, malgrado na Ley Cambiaria y del Cheque não fazer menção, ao
contrario do que acontecia com o estatuído no art. 487.º do Código Comercial, admite que o aval possa ser
limitado no tempo, só que essa limitação vem adscrita de uma condição, a saber "[que] se faça a
determinação do termo com data posterior ao vencimento da letra, já que um aval outorgado a prazo anterior
ao vencimento da letra não teria nenhuma eficácia, pois o credor cambiário não pode exigir a ninguém o
pagamento da letra antes da data do vencimento." [(29)] Tendo sido acordado que o aval era outorgado para
garantir o montante que viesse a ser apurado, caso não fosse pago e houvesse que preencher a livrança, ao
limitar temporalmente a um momento anterior aquele em que o acordo de preenchimento estabelecia, estar-
se-ia a frustrar o carácter incondicional e intemporal do aval, dado que quanto ao primeiro requisito far-se-
ia condicionar a garantia pessoal outorgada pelo avalista à sua condição, não de garante pessoal, mas de
garante enquanto sócio da sociedade avalizada, postergando, deste modo, uma das características do aval,
e ao segundo, estar-se-ia a fazer retroagir o momento temporal do aval a uma data aleatória e dependente
de uma vicissitude ou factor indeterminável e fortuito.
93
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
A ser possível a desvinculação unilateral dos sócios, mediante declaração dirigida ao tomador do titulo,
qual a confiança que sobraria numa relação jurídica estabelecida entre este e aquele a quem o aval é pedido.
Não se olvidará que o avalista garante o pagamento do direito de crédito cambiário, não relativamente ao
avalizado, mas perante o tomador do título de crédito. É perante este que o avalista assume a obrigação de
pagar o crédito cambiário, caso o sacado não o venha a fazer e não perante o avalizado. A garantia é prestada
para garantia do direito cambiário e não para pagamento da obrigação creditícia que foi incorporada no
título. O aval não cumpre uma garantia da obrigação do avalizado mas sim uma garantia de satisfação do
direito de crédito cambiário que o título incorpora.
A ser possível e plausível a solução proposta, frustrar-se-ia a função de garante cambiário que o aval
desempenha e representa, deixando ao livre alvedrio e arbítrio do obrigado cambiário a sorte do direito
cambiário, destruindo com ela a responsabilização que o credor cambiário busca na prestação desta garantia
cambiária. Não pode, em nosso juízo, o credor do direito de crédito ficar à mercê das vicissitudes e variações
das posições sociais que em cada momento vigoram numa sociedade e dos interesses particulares que os
sócios decidam em cada momento para o destino societário. Ao prestar uma garantia bancária, os sócios
devem ter a noção clara de que se estão a responsabilizar, pessoal e cambiariamente, pelo pagamento do
direito de crédito que se comprometeram a satisfazer no caso de o avalizado o não fazer. Daí que não lhes
seja lícito, e seja susceptível de frustrarem uma das funções axiais da garantia pessoal que se constitui pelo
aval, que se possam desvincular, unilateralmente, da obrigação cambiária que assumiram.
Dir-se-á que o credor cambiário sempre se poderá opor à denúncia ou à resolução por justa causa, na
terminologia que preferimos, e fazendo-o inviabiliza ou pelo menos pode reagir e opor-se às razões alegadas
pelo avalista para se desvincular da sua posição de garante cambiário. Atendendo à estrutura ontológica em
que o aval se consubstancia, cremos ser difícil configurar essa possibilidade, no entanto, não sendo o local
adequado para uma discussão desse tipo, deixaremos a questão para uma ponderação futura.
II.B.3. - Denúncia da relação de avalista.
A denúncia é um acto declaratório unilateral, receptício destinado a pôr fim a uma convergência de vontades
anteriormente estabelecida e que se destinava a perdurar.
Na definição que dela é feita por Proença Brandão "a denúncia pode ser definida como o poder exercido
por normal declaração unilateral receptícia, livre ou vinculada, de extinguir ex nunc e dentro de certos
prazos, um contrato duradouro stricto sensu. Tal faculdade surge como corolário evidente da interdição de
perpetuidade contratual e da consequente defesa da liberdade individual, não visando, assim, sancionar
qualquer estado contratual alterado na sua execução". [(30)]
A questão que vem colocada atina com o facto de, revestindo o aval a natureza, as finalidades e as
características que se deixaram enunciadas, é possível ao avalista operar validamente a sua denúncia, por
ter deixado de ocupar a posição social que possuía quando prestou o aval.
Em acórdão recente deste tribunal [(31)] foi decidido que era possível no caso em que o aval tinha sido
prestado numa livrança decorrente de um contrato de abertura de crédito o avalista desligar-se da obrigação
cambiária que tinha contraído perante o tomador da letra, independentemente da qualidade que possuísse
na sociedade comercial mutuária.
Em nosso juízo, e salvo o devido respeito, não se constituindo o aval como um contrato, ou seja, um acordo
entre o avalista e o avalizado, ou o tomador do titulo cambiário, não poderá desligar-se do vínculo que
constituiu mediante uma declaração de vontade (receptícia) devendo responder como obrigado cambiário.
"[...] além de não ser subsidiária, a obrigação do avalista não é senão imperfeitamente uma obrigação
acessória relativamente ao avalizado. Trata-se de uma obrigação materialmente autónoma, embora
dependente da última quanto ao lado formal. De facto a lei estabelece o princípio de que a obrigação do
avalista se mantém, ainda que a obrigação garantida seja nula, salvo por vício de forma." [(32)]
Tratando-se de uma obrigação autónoma, independente da relação subjacente, não poderá, em nosso juízo,
o avalista valer-se da renovação/prorrogação do contrato de abertura de crédito para se desobrigar de uma
obrigação que, pela sua abstracção e literalidade, se emancipou da relação subjacente para subsistir como
obrigação independente e autónoma. O avalista não é responsável ou não se obriga ao cumprimento da
obrigação constituída pelo avalizado mas tão só ao pagamento da quantia titulada no título de crédito. A
obrigação firmada pelo avalista é perante a obrigação cartular e não perante a relação subjacente. [(33)]
Do que ficou dito supra, o avalista não se obriga perante o avalizado mas sim perante o titular da letra ou
da livrança, constituindo uma obrigação autónoma e independente e respondendo, como obrigado cartular,
pelo pagamento da quantia titulada na letra ou livrança. A circunstância de ocorrerem vicissitudes na
relação subjacente não captam a virtualidade de se transmitirem à obrigação cambiária pelo que esta se
94
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
mantém inalterada e plenamente eficaz, podendo o beneficiário do aval agir, mediante acção cambiária,
perante o avalista para obter a satisfação da quantia titulada na letra. A circunstância de a relação subjacente
se modificar ou possuir contornos de renovação não induz ou faz seguir que esses efeitos se repercutam ou
obtenham incidência jurídica na relação cambiária. A relação cambiária constituída permanece
independente às mutações ou alterações que se processem na relação subjacente, não acompanhando as
eventuais transformações temporais e/ou de qualidade da obrigação causal. Os efeitos da obrigação cartular
assumida pelo avalista destacam-se da obrigação subjacente segregando um feixe de obrigações e deveres
que, do nosso ponto de vista, não são passíveis de denúncia.
O asserido arranca da funcionalidade do aval e percute-se na estrutura ôntica deste modelo de garantia, que
revestindo as características que lhe são apontadas supra, não são passíveis de ser redutíveis a relações
contratuais ou de concertação de vontades. O aval constituindo-se como uma figura jurídico-comercial
distinta de outras garantias pessoais, maxime da fiança, não pode ser reconvertível a um contrato
consensuado entre o avalista e qualquer dos demais obrigados cambiários e que, et pour cause, possa ser
objecto de denúncia.
Como se extrai da definição de denúncia supra extractada esta figura ou instituto jurídico só é exercitável
e admissível para as situações em que a relação contratual arranque de um contrato duradouro e que uma
das partes, por declaração unilateral de vontade receptícia, pretenda pôr termo. [(34)]
Não se constituindo o aval um contrato, mas um acto jurídico unilateral, não receptício, autónomo, abstracto
e com as mesmas características de uma obrigação cambiária não se prefigura correcto, em nosso aviso,
que possa ser objecto de denúncia.
Volvendo ao caso concreto, temos que o recorrente pediu em tribunal que "[a] ré fosse condenada a proceder
à liberação do autor da garantia prestada no âmbito dos contratos e livrança em apreço, a produzir efeitos
desde a data da recepção da comunicação do autor."
Na desinência do que ficou exposto, concluímos que:
- "Tendo o aval sido prestado de forma irrestrita e ilimitada, não é admissível a sua denúncia por parte do
avalista, sócio de uma sociedade a favor de quem aquele foi prestado, em contrato em que a mesma é
interessada, ainda que, entretanto, venha a ceder a sua participação social na sociedade avalizada."
81
Januário: incorre num erro de tratar de igual forma livrança completa e livrança em branco. Aval em
branco não é aval cambiário, embora se destine, mas não fatalmente a sê-lo. Só há vinculação cartular
quando for preenchida (isto não se confunde com a teoria da emissão-criação) portanto não há vinculo
do aval cambiário – há é vinculação para aval cambiário (é “embrião”, diz Carolina Cunha).
95
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
O CRÉDITO
Entre o banqueiro e o cliente inicia-se uma relação que tende a prolongar-se no tempo,
intensificando-se com a prática de novos e mais complexos negócios.
➢ Relação bancária – natureza complexa, mutável, presente no que constitui uma
das mais marcantes características do Direito bancário
o Doutrina da relação de negócios: relação duradoura que teria um início e um
termo, representando um valor autónomo acrescido, no comércio. É pontuada
por múltiplos atos de conteúdo similar ou interligado, correspondendo a uma
situação voluntária. Foi veiculada por comercialistas do séc. XIX e hoje perdeu
importância.
o Doutrina da relação legal e de confiança: as partes assumem, uma perante a
outra, determinadas prestações (primárias), ficando adstritas, pela boa fé, a
certos deveres de cuidado e de proteção, de modo a que não sejam provocados
danos nas respetivas esferas. A relação bancária é complexa e pode analisar-se
numa relação obrigacional em dever de prestar principal.
96
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
São todas admissíveis mas levanta a dúvida de se uma das partes faltar, poderá ser coagida ao
acatamento?
MC: depende se o acordo mitigado tem conteúdo suficientemente explícito ou se se
limita a obrigar as partes a prosseguir nas negociações. Se não for, apenas pode haver
indemnização por interrupção injustificada das negociações.
Contratação diz-se mitigada, não por ter vínculos mais fracos, mas por ter em vista um fim
eventual e sendo diferentes dos deveres que virão à luz da contratação final.
➢ Estas figuras são de direito civil mas têm aplicação fecunda no campo bancário e a
relação bancária é tão complexa que poderá compreender tais deveres mitigados, seja
originariamente seja em momento ulterior.
➢ MC: tais declarações não têm necessariamente conteúdo jurídico e podem tratar-se de
meras cortesias.
2. Relações Duradouras
Abertura de Conta = Contrato de Abertura de Conta = Contrato de Conta
MC: Não se deve chamar “abertura de conta de depósito” pois pode não haver qualquer depósito,
funcionando uma abertura de conta na base, apenas, do crédito.
Contrato celebrado entre o banqueiro e o seu cliente, pelo qual ambos assumem deveres
recíprocos relativos a diversas práticas bancárias, marcando o início de uma relação bancária
complexa e duradoura em que se fixam as margens fundamentais em que ela se irá
desenrolar.
82
Frequente na ordem jurídica portuguesa
97
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
➢ Ato nuclear cujo conteúdo constitui o tronco comum dos atos bancários
subsequentes.83
➢ Estruturado com recurso a CCG84, é consensual embora esteja formalizado – a
regulamentação desta relação é complexa e neste ato definem-se os termos em que a
mesma se pode desenvolver, em função da vontade da partes.
➢ Essência última é a de ser uma prestação de serviços, recorrendo ao regime do mandato
(art. 1156º e ss. CC) de forma supletiva.
83
Negócio materialmente bancário por excelência, cujas regras permitem integrar muitos negócios
bancários carecidos de regulamentação.
84
MC: Regime assenta nas cláusulas contratuais gerais dos bancos e nos usos bancários e traduz um
negócio jurídico complexo – corresponde a um tipo social
98
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Da praxis bancária resulta o esbatimento destes diversos conteúdos pois as CCG que pautam
a abertura de conta disciplinam todas as situações jurídicas bancárias tendencialmente
possíveis.
Portanto,
a Abertura de Conta é, no fundo, um contrato normativo que regula toda uma atividade
jurídica ulterior, ainda que facultativa.
➢ MC: Tem, assim, traços da contratação mitigada -> banqueiro não fica obrigado a
celebrar contratos ulteriores, compromete-se apenas a ficar disponível para examinar
quaisquer propostas que lhe venham a ser formuladas.
o Mas, gera logo efeitos jurídicos: conta-corrente bancária, giro bancário com o
serviço de caixa por parte do banqueiro, dever de receber depósitos e efetuar
transferências, deveres de informação e etc.
85
Que Menezes Cordeiro coloca no Conteúdo Necessário
99
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
A conta tem um grande enfoque contabilístico, sendo organizada pelo banco e estando à sua
responsabilidade: é, em primeiro lugar, a expressão contabilística de atos praticados no âmbito
da relação bancária entre o banco e o cliente
➢ Conceição Nunes: é o registo, organizado numa base pessoal, cronológico e sintético,
das operações de entrega e reembolso de fundos, constitutivas, modificativas ou
extintivas do crédito unitário ao reembolso.
Estorno – inscrição na conta em sentido inverso a uma anterior inscrição, tida por irregular. Ex:
banco faz um lançamento a crédito, por erro, numa conta, tendo de fazer depois uma inscrição
em sinal contrário a anular o efeito da primeira inscrição.
➢ Problema do estorno é o balizamento temporal com que pode ser feito.
Princípio de que qualquer pessoa pode ser titular de uma conta – celebração da abertura de
conta varia se for pessoa singular ou coletiva (a forma como se abre está regulada no art. 7º Lei
25/2008)
• Os menores podem ter conta, aberta pelos pais em nome dele.
o No quadro do art. 127º CC, os menores podem proceder a algumas
movimentações de contas de que sejam titulares.
• Contas podem ter vários titulares e as contas coletivas podem ser conjuntas, solidárias,
mistas, fiduciárias e de escopo.
o Nos casos de contitularidade temos: conta solidária (qualquer dos
titulares pode movimentar sozinho e livremente a conta), conta conjunta
(só pode ser movimentada por todos os titulares, em simultâneo), contas
mistas (alguns titulares só podem movimentar a conta em conjunto com
outros).
o Contas fiduciárias – abertas em nome de uma pessoa, mas por conta e no
interesse de outra. Só releva se for de conhecimento do banqueiro.
o As classificações das contas ainda podem variar consoante o tipo de
depósito.
A conta pode sofrer algumas vicissitudes como o cativo bancário, o penhor, a penhora, a perda
do poder de movimentação da conta e a cessação da conta.
Cessação da conta – provoca o termo dos diversos negócios dela dependentes, caducando as
convenções com o banco.
➢ Pode cessar por denúncia (do cliente ou do banco, este último tem de respeitar prazos),
por acordo das partes e por resolução em casos muito vincados nos quais,
justificadamente, não se pudesse exigir ao banqueiro, a manutenção de certa relação
(dentro do período de pré-aviso requerido para a denúncia).
Bloqueio da conta – decidido pelo banqueiro podendo advir de múltiplas razões e, muitas vezes,
prenuncia a cessação do contrato de abertura de conta.
Aviso Banco de Portugal 11/2005 regula as condições gerais de aberturas de contas de depósito
bancário.
100
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Há circunstâncias em que são obrigados a tê-las: funcionários públicos são pagos através da
Caixa Geral de Depósitos e um grande número de empresas paga por transferência bancária.
➢ MC: Mas, na falta de lei expressa, ninguém é obrigado a ter conta.
➢ Não há regra legal que obrigue o banqueiro a contratar86 e há apenas limites das regras
de concorrência que proíbe certas práticas individuais restritivas do comércio.
Januário: Não é descabido que a lei possa impor a um banco, ou sob iniciativa direta de um
cidadão ou por ordem da autoridade de supervisão, a pedido do interessado, a abertura de
uma conta, com disponibilização de determinados serviços – parece lógico a sujeição dos
bancos, que têm o exclusivo dos serviços bancários, à prestação dos serviços de base associados
à conta a qualquer cidadão, sem prejuízo da introdução de mecanismos, a nível do regulador,
destinados a assegurar a “distribuição equitativa” dos cidadãos, nas mesmas condições, pelos
vários bancos do mercado.
O sistema português de acesso a contas bancárias passa pelo regime dos serviços mínimos
bancários (RSMB) do DL 27-C/2000 e Lei 19/2011 – que é apenas vinculativo para instituições
de crédito que adiram ao sistema de acesso.
• Interessados podem abrir conta de serviços mínimos, que não podem ser recusados.
o Já não é obrigatório conceder crédito, cartões87 e cheques.
• Contrato pode ser resolvido pelo banco se cliente possuir conta noutro banco (pode
também exigir-lhe o pagamento dos custos, taxas e etc.) e pode ser denunciado pelo
banco se não tiver havido quaisquer operações bancárias nos 6 meses anteriores à
denúncia.
Depósito Bancário
Depósito Civil – art. 1185º CC
• PL / AV: natureza real quod constitutionem do depósito
o Januário: , sendo um contrato real quod constitutionem pode ser constituído
pelas partes em termos consensuais.
• Art. 1186º remete para o regime do mandato presumindo-se a gratuitidade. Doutrina
tem reafirmado a gratuitidade como elemento natural do depósito.´
o Art. 1158º ex vi art. 1186º
86
Como há em França em que se pode dirigir ao Banco de França, que, iuri imperii, indica ao interessado
um estabelecimento que abrirá essa conta.
87
Cartão de crédito – é via complexa, que passa por um contrato de conta, em que o banco aceita dar
crédito. O Banco aceita fazer pagamentos através dum a lógica de pagamentos por cartão, aceita pagar
e depois debita na conta cobrando o juro em conformidade.
101
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
É contrato intuito personae assente na confiança – quem entrega uma coisa a outrem fá-lo por
estar convencido que a coisa vai ser bem guardada, atendendo às qualidades do depositário.
Obrigação de custódia assume obrigação de resultados e não de meios. A culpa presume-se.
Enquadra-se no âmbito do contrato de conta bancária mas não se confunde com esta realidade.
• Surge associada a uma abertura de conta, de tal modo que, aquando da efetivação, o
banqueiro já deu o seu assentimento genérico: ele mais não pode fazer do que aceitar
as diversas manifestações da sua concretização.
• Forma está por vezes condicionada por CCG, preenchimento de impressos ou
atualização de esquemas informáticos – exigências de normalização em que observada
a forma, o ato é válido.
Não é um verdadeiro depósito e o regime aplicável a esta operação resultará das cláusulas
contratuais gerais do contrato de conta.
102
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
➢ Quer estas cláusulas quer a praxis bancária afastam a ideia de que cada “depósito” ou
cada movimento a crédito constitui um contrato de depósito autónomo – são apenas
“movimentos” no desenvolvimento de um contrato de depósito único.
Pela especificidade do sistema bancário, nenhum banco está em condições, em cada momento,
de pagar a todos os seus depositantes numa hipótese de “corrida aos bancos” – e isso só é aceite
e tolerado num clima de confiança nos bancos e no sistema bancário, incluindo a confiança na
eficiência do supervisor.
O Banco de Portugal (supervisor) não é, juridicamente, um garante do cumprimento das
obrigações de restituição por parte de cada banco depositário e a quem se possa exigir
restituição.
➢ A segurança está no bom funcionamento do sistema bancário e na forte confiança que
o mesmo possa gerar, o que postula uma boa regulação e supervisão.
➢ Existe é o RGIC, que consagra um regime de garantia de reembolso dos depósitos, nos
termos dos art. 154º e ss, que se estrutura em torno do Fundo de Garantia de Depósitos.
Depósito a Prazo – assenta no regime do mútuo em que particular tem direito de crédito sobre
o banco.
• Banqueiro adquire a titularidade/propriedade do dinheiro, beneficiando com essa
titularidade do direito de propriedade do capital (que pode investir e etc.), portanto, faz
sentido que particular seja remunerado com juros.
• Há período de imobilização do capital (há esse dever) que financia o banco – daí que o
particular deva ser remunerado por tal – falta de disponibilidade que leva a terem a
natureza de mútuo
• Pode haver mobilização do dinheiro no momento do vencimento.
Depósito à Ordem – assenta mais no regime do depósito em que o cliente, sendo credor, tem
permanentemente disponível o saldo.
• Não há proibição de uso do capital e pode sempre exigir qualquer montante que lá tenha
(e pode até levantar-se mais do que se tem, nos casos do Descoberto Bancário).
• Confunde-se com a Conta à Ordem em que há suscetibilidade de movimentar capitais a
todo o momento – por isso, cliente não tem direito a auferir remuneração, pois não há
financiamento para o banco.
88
Qualquer que seja a natureza, o depositante fica com o crédito sobre o banco, no valor depositado –
crédito com valor económico e jurídico (pode ser empenhado – pode haver penhor de créditos; titular
de conta dá de penhor o crédito que tem sobre o banco).
103
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
• Pode até haver encargos e comissões que o particular tem de pagar ao banco – imputa-
se ao cliente o custo de abertura de conta, que se traduz nos serviços que o banco
providencia.
Compensação Bancária
Instituto geral do art. 847º/1 CC
Tem papel fulcral no Direito bancário e, juntamente com os juros, é suporte básico de
toda a atividade da banca.
Instituto singular que consubstancia uma via de autotutela, tendo a vantagem, para o credor
que dela se socorra, de evitar os riscos associados à insolvência do devedor, bem como a de
evitar as delongas do recurso à via executiva para satisfação do crédito.
Ocorre no âmbito de uma relação bancária geral, enformada por vetores duradouros de
confiança – partes estão ao corrente da globalidade das suas posições e devem agir, trocando
entre si, todas as informações úteis.
➢ É um instrumento que faz baixar os custos do crédito e, em geral, dos serviços
financeiros.
Compensação Convencional – banqueiro pode livremente ajustar com o seu cliente a realização
de operações de compensação, fora de quaisquer requisitos legais, desde que respeite as regras
imperativas.
➢ Pode ser implícito e emergir de regras de funcionamento da conta corrente, resultantes
de CCG (que impedem o afastamento da compensação legal – art. 18º/h – mas não
impedem a facilitação).
Quando o crédito do banco sobre o cliente nasceu no âmbito do contrato de conta – banco
pode declarar a compensação, não só relativamente à sua posição de devedor do saldo da conta
em causa, mas também nos termos da compensação legal, relativamente à posição devedora
que tenha perante o cliente noutras contas.
Quando o crédito do banco sobre o cliente tem uma origem autónoma, relativamente ao
contrato de conta e respetivas condições acordadas, como nas situações de mútuo ou
abertura de crédito89 - não há circunscrição natural de conta, funcionando como esfera, pelo
que não haverá obstáculos a que o banco declara a compensação relativamente a qualquer
débito de saldo de qualquer conta do titular.
89
Que criam contas-corrente específicas e não dependem do contrato de conta, em termos de regime.
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Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Depósito a prazo, para que a compensação possa ter lugar, o banco tem de converter
previamente o seu débito a prazo em débito à ordem, creditando na conta o quantitativo
correspondente aos juros que o cliente iria auferir à data do vencimento.90
• Devido ao requisito da homogeneidade do art. 847º/1/b – exige que as contas tenham
a mesma qualidade (ser conta à ordem e conta a prazo são qualidades diferente).
• Se não pagasse os juros vincendos, haveria uma perda para o particular, imposta
unilateralmente pelo Banco e em que o particular não acordou.
• Se não fosse possível, estaria a invalidar-se a satisfação do crédito por uma via de
autotutela e uma das vantagens e objetivos da compensação, traduzida numa certa
inaplicação do princípio par condictio creditorum, esfumar-se-ia pela circunstância de
não ter havido ainda vencimento.
Crédito Bancário
Os bancos são os grandes intermediários de crédito: recolhem fundos dos depositantes e, com
base nesses fundos, disponibilizam capitais a quem deles precisa – concedem crédito.
➢ MC: núcleo duro do tratamento profissional do dinheiro.
➢ Art. 2º/1 RGIC define instituições de crédito.
90
i.e., para tornar mobilizável o montante, tem de pagar os juros vincencdos ao particular para tornar a
conta a prazo numa conta à ordem.
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Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
• Risco – é possível que a prestação futura não seja realizada, pois banco pode não
recuperar o crédito. Por isso é que muitas vezes quando os bancos dão crédito exigem
garantias, o que pode gerar fenómenos de sobregarantia.
o Uma empresa obrigada a prestar garantias em excesso colide com a dinâmica
das empresas.
o Bancos hoje em dia exigem garantias demenciais (MC) – sobregarantia que
violam o princípio da proporcionalidade.
O banco tem um ativo que juridicamente pode negociar, vendendo ou onerando o direito de
crédito resultante da concessão de crédito – comprador terá o ónus de avaliar a qualidade da
mercadoria, desde logo em função da confiança que o devedor do crédito lhe mereça.
Juros
MC: estão no cerne do mútuo e de todo o comércio bancário91.
• CC insere-os como uma espécie de obrigações (art. 559º-561º) pois não têm que ver
necessariamente com o mútuo oneroso e podem reportar-se a numerosas outras
situações.
• Obrigação de juros pressupõe uma obrigação de capital, sendo determinada em
função do montante desta.
A cultura marcada por uma vivência judaico-cristã desde cedo que demonizou os juros, cujo
período de demonização já está ultrapassado92 e hoje em dia pugna-se, não pela sua
inadmissibilidade, mas pelo seu controlo e estabelecimento de limites.
A circunstância de o crédito ser concedido por uma entidade que está no mercado monetário,
em ambiente concorrencial e sob supervisão pública, tem sido apontada como razão bastante
para a liberalização das taxas de juro no campo bancário.
➢ MC: Hoje em dia há uma certa tendência para liberalizar, em geral, a temática dos juros.
91
Januário: são muito importantes mas não são única remuneração dos bancos e cada vez há um maior
recurso a comissões bancárias de prestação de serviços. Isto acontece porque os juros são mais
limitados.
92
Em Portugal, eram genericamente vedados pelas Ordenações Filipinas até que o Código Ferreira Borges
consagrou um princípio liberal de liberdade na fixação dos juros. A I Guerra Mundial questionou essa
liberdade de fixação de juros e a versão originária do CC de 1966 foi estabeleceu máximos de juros.
106
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Juros são calculados em função dos períodos e montantes de utilização efetiva dos fundos
pelo beneficiário.
➢ Calculado pelo DL 344/78, que foi revogado pelo DL 58/2013.
o Só são relevantes a partir do momento da entrega e da disponibilização do
dinheiro.
o Quando se fala em juros no comércio bancário tem que se ter presente vários
regimes: art. 102º CCom, art. 559ºA CC, DL 58/2013
➢ Tem normas sobre o cálculo da mora diferentes das do CC – é o que mais se adequa aos
atuais princípios vigentes nas relações banco-cliente.
Juros negativos – aqueles que são suportados pelo próprio dono do capital.
• Sentido amplo: importância vai perdendo valor, em função do jogo de despesas, custos
e comissões.
• Sentido estrito: quando a taxa a aplicar é inferior a zero.
o Como o depositário podia movimentar o dinheiro e receber juros com isso,
não há mais juros negativos e a situação inverteu-se, sendo o depositante
remunerado pelo depositário, logicamente numa taxa inferior à percebida por
este.
▪ Não fazia sentido porque ninguém ia depositar dinheiro e pagar por
isso, sabendo para mais que depositário iria rendibilizar o depósito em
proveito próprio.
Podem-se cobrar juros à cabeça? Ex: banco empresta 1000 mas cobra logo os juros e só dá
efetivamente 800
• O princípio é que os juros só podem ser contabilizados no final de um período contrato.
• Art. 6º/1 DL 58/2013 permite excecionalmente nas operações de desconto fazer a
cobrança de juros à cabeça.
DL 240/2006 vem definir o arredondamento feito sobre a taxa de juro, que deve ser definido à
milésima.
Taxa de juro nominal – taxa de juro que não inclui impostos nem outros encargos, para uma
espécie de operações de crédito.
➢ A taxa de juro propriamente dita é a taxa nominal (TAN), seja ela fixa ou variável. As
designações que correspondem à TAE, TAEG, TAER mais não são que composições que,
93
Na sequência da crise, os indexantes baixaram significativamente. A descida da Euribor com a consequência de o
quadro que os bancos tinham presentes quando celebraram contratos de crédito foram expetativas que se
frustraram, tendo de se contabilizar a taxa de juro com um indexante baixo (houve casos em que passou a ser
negativa). Taxas de juro relativas a certos investimentos baixaram significativamente.
107
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
As instituições de crédito têm de fornecer adequada informação sobre juros e encargos aos
destinatários dos produtos.
➢ Deveres de informação não são apenas em relação à quantidade dessa informação, mas,
sim, em relação à qualidade dessa informação. Ex: simulações, nos contratos de crédito
mais sensíveis (como o dos consumidores), que permite ao interessado comparar
diferentes ofertas.
➢ DL 220/94 vem especificar o regime aplicável à informação que deve ser prestada aos
clientes em matéria de juros e outros custos das operações de crédito.
o Art. 4º e 7º
➢ Mesmo após celebrado o contrato de crédito, a instituição de crédito continua obrigada
a informar o cliente dos valores da taxa nominal, da TAE e do indexante em toda a
correspondência que lhe seja enviada, designadamente nos extratos de conta e notas
de débito.
➢ Deve haver publicidade relativamente às operações de crédito.
Preocupação com a informação também está no art. 77º/2 RGIC em que se postula que as
instituições autorizadas a conceder crédito, em particular no âmbito do crédito ao consumo,
devem prestar ao cliente, antes da celebração do contrato de crédito, as informações
adequadas, em papel ou noutro suporte duradoura, sobre as condições e o custo total do
crédito, as suas obrigações e os riscos associados à falta de pagamento.
108
Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018
Capitalização de Juros
ANASTOCISMO é a prática que consiste em fazer vencer juros de juros – esquema que
multiplica a taxa efetiva de certa operação.
Admissibilidade excecional do anastocismo, pelo art. 560º/3 CC, não se mostra compatível com
o relevo que a atividade bancária tem na vida dos cidadãos e das empresas.
➢ Legislador interveio neste domínio disciplinando os termos em que a capitalização de
juros no âmbito das operações de crédito é algo permitido – regulado pelo art. 7º DL
58/2013
o Só se admite a capitalização dos juros por convenção escrita das partes, não
podendo ocorrer por períodos inferiores a um mês.
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= Ius variandi é proibido a não ser que haja razão atendível que as partes tenham convencionado.
Este regime com conceitos indeterminados levanta a questão da alteração dos termos do contrato – se
não houver previsão de ius variandi tem de se aplicar o art. 437º CC; havendo essa previsão, tem de se
ver se essa alteração se coaduna com o mínimo para ser aceitável de acordo com a boa fé.
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Januário: Banco de Portugal, tem legitimidade de regulador e vem interpretar o regime das CCG e
estabelece critérios quer para a fixação dessas cláusulas, quer para quando se dá o exercício dessas
mesmas cláusulas
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Empréstimo caucionado – caso em que mutuário subscreve também uma livrança. Januário: a livrança
em si não traz nenhuma garantia ao credor, a não ser que tenha também inserida nela um aval.
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Especificidade em relação ao comodato está no seu objeto: é específico para coisas fungíveis,
mormente dinheiro.
Quando finda o prazo do mútuo, o mutuante não exige o quid mutuado mas sim o tantumdem
– tem de restituir o dinheiro emprestado, pagando uma quantia correspondente ao capital (e
juros, se houver) mutuado.
➢ Mutante tem direito de crédito sobre o mutuário durante o contrato de mútuo.
Pode ser contrato formal ou consensual (art. 1143º) havendo uma gradação da forma em
função do valor.
Não tem prazo definido, mas a lei impõe limites – art. 1148º
Mútuo Bancário
Celebrado por um banqueiro, como mutuante, agindo no exercício da sua profissão, exigindo
forma escrita e sujeitando tal a registo.
➢ Tem regras específicas e diferentes classificações (DL 58/2013)
➢ Têm juros praticamente liberalizados, havendo regras específicas para determinadas
categorias de operações.
É mútuo oneroso que tem por objeto dinheiro, sendo mutuante um banco ou uma instituição
de crédito que, nos termos dos seus estatutos e do RGIC, tenha capacidade para conceder
crédito.
• Januário: Integra-se no art. 362º CCom, pois o artigo considera como comerciais todas
as operações de bancos tendentes à realização de lucros sobre numerário.
o Tem havido uma autonomização de figura mais ampla, pois envolve mútuo
bancário e outros contratos: contrato de crédito.
• É por natureza oneroso, tendo em conta que é mútuo mercantil (art. 395º ex vi art.
362º CCom).
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Empréstimo comercial – art. 394º, 395º, 396º - destino mercantil é mero facto jurídico, na
disponibilidade do mutuário, dono da coisa.
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MC: O que faz sentido nas relações comerciais (art. 395º CCom) mas não nas relações civis.
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Abertura de Crédito
Art. 362º CCom classifica-a como operação de banco, sendo pacificamente considerada um
contrato legalmente atípico, conquanto nominado.
➢ É sedimentada pela praxis bancária e dos negócios e tem uma forte tipicidade social – é
contrato bancário nominado, legalmente atípico e que corresponde a tipo social
sedimentado em CCG.
MC: perante oportunidade de negócio imediata, o cliente terá todo o interesse de saber que
dispõe de crédito bancário e em que condições. Teria a alternativa de negociar,
antecipadamente, um mútuo, mas assim, há ganhos de tempo e de dinheiro para o cliente,
dando-lhe uma disponibilidade de mobilizar dinheiro.
Creditado tem faculdade de utilizar o crédito, situação que gere em função dos seus interesses
– quando não utilize, o capital creditado não é devedor de respetivos juros.
➢ Mas é usual fixar-se uma comissão de imobilização para remunerar o banco. Se
movimentar o capital, a comissão de imobilização perde a sua razão de ser e a
remuneração do banco passa a traduzir-se em juros.
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A sua natureza jurídica é autónoma – é um tipo social que configura um contrato autónomo.
➢ É diferente do contrato-quadro de concessão de crédito, em que as partes acertam os
termos da concessão de crédito no futuro, através de contratos específicos. A abertura
de crédito não visa enquadrar os termos de futuras operações de concessão de
crédito.
Prestação a cargo de banco é de dare, no caso mais comum de o creditado ter um poder
potestativo de utilização do dinheiro, mas, será de facere se a utilização do crédito se
materializar em assinaturas do banco.
➢ Só nos casos de dare é que há abertura de crédito.
Crédito a Consumidores
Regulado pelo DL 133/2009, que transpôs diretivas da UE
Esta lei não é especificamente bancária – é também bancária, uma vez que disciplina os
contratos de crédito aos consumidores, independentemente da qualidade do concedente do
crédito.
➢ A grande maioria do crédito aos consumidores é concedida por instituições de crédito.
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Outras Figuras
DESCONTO BANCÁRIO
Figura que pressupõe que um sujeito seja titular do direito de crédito incorporado num efeito
comercial, normalmente letras de câmbio, direito esse que não encontra vencido.
• Banco descontador antecipa ao referido titular, portador legítimo do título, a quantia
literalmente inscrita no efeito, deduzida de juros compensatórios e comissões, através
de endosso, para o banco, que assim, assume a qualidade de titular do direito no mesmo
incorporado – direito esse que pode exercer contra os obrigados cambiários, entre os
quais o descontário-endossante.
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DESCOBERTO EM CONTA
Uma das especificações da conta-corrente bancária está no facto de ser natural à mesma a
existência constante de um saldo a favor do cliente (saldo positivo) ou, quanto muito, um saldo
nulo.
• Porém, o banco pode aceitar, em determinados termos, de montante e/ou de
duração, que o saldo se apresente negativo para o cliente e positivo para o banco, o
que significa que o cliente movimente a conta a débito, apesar da ausência de saldo
bastante.
ANTECIPAÇÃO BANCÁRIA
Contrato de crédito, através do qual o banqueiro concede ao seu cliente um crédito mediante
um penhor equivalente de títulos, dinheiro ou outros bens
CRÉDITO DOCUMENTÁRIO
MC: Situação jurídica pela qual um banqueiro se compromete, perante um seu cliente, a pagar
uma certa quantia a um terceiro mediante a entrega, por este de determinados documentos.
• Tem por base um contrato, normalmente de compra e venda, estando o vendedor e o
comprador normalmente localizados em países diferentes e, através de uma cláusula de
pagamento, o importador obriga-se a que o pagamento do preço seja efetuado no seu
banco, por via da abertura de um crédito a favor do exportador.
Garantias do Crédito
Garantias prestadas para aumento da probabilidade de satisfação do crédito bancário, quer essa
maior probabilidade resulte de uma dimensão quantitativa ou tenha significado qualitativo.
• Reais – corporizam esquemas que funcionam em modo real, cujo objeto de garantia é
uma coisa. É oponível a terceiros e consubstancia exceções ao princípio par conditio
creditorum.
o Paradigma é a hipoteca
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AUJ 7/2009
de 25 de março de 2009
Ao interromper o pagamento das prestações, o art. 781º CC diz-nos que venceu todas as
prestações – faltando uma prestação, deve pagar-se o que se deve, mas isso refere-se a quê?
Particular tem que devolver o capital disponibilizado pelo Banco e os juros vencidos que
eventualmente não tenham sido pagos.
Tem de se desenvolver os JUROS VINCENDOS, aqueles sobre capital que não foi disponibilizado?
1. Por um lado não faz sentido – posição STJ
Se juros são remuneração de capital disponibilizado no tempo (por o capital estar do lado do
particular) e há devolução do capital ao Banco, deixando de haver objeto de remuneração.
➢ STJ sustenta que só se pode pagar juros até ao vencimento da obrigação.
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Se mutuário (pessoa) e mutuante (Banco) exigir antecipadamente o pagamento (art. 781º CC),
mutuário não deve pagar juros vincendos: apenas capital devido e juros já vencidos.
• Isto porque deixa de haver disponibilização de capital – mútuo oneroso pressupõe
disponibilidade de capital e aqui deixa de haver.
• Se banco quer reduzir o lapso temporal então reduz também os juros aos que já se
venceram. Foi decisão do banco, que podia ser diferente.
• Art. 781º e conceção do juro como remuneração do capital pelo tempo – este é o
conceito chave para o STJ
Deve haver redução teleológica do art. 1147º - não pode haver vantagem do mutuário sem
penalização.
➢ Januário: muda o discurso e deixa de falar em juros vincendos e coloca a tónica da
discussão na penalização (em cerca de 20% a 30%)
A lei não elide a presunção do art. 1147º CC mas dispensa o mutuário ou creditado do
pagamento dos juros por inteiro até ao final: dispensa-o do pagamento de quaisquer juros
remuneratórios que se vencessem até ao final, tendo o mutuante de se bastar com a comissão
de reembolso antecipado.
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De acordo com o 19º/3 DL 133/2009, o banco pode cobrar uma comissão de reembolso antecipado. O
que é que esta comissão remunera? A comissão visa remunerar o banco pelo serviço associado ao
reembolso antecipado.
Quando o banco prevê nas CCG uma comissão para o reembolso antecipado, estamos perante uma
liquidação das despesas previstas para o reembolso antecipado. Se tal não estiver previsto nas CCG, tem
de ser o banco a apresentar tais despesas.
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Se o cliente tiver iniciativa e quiser reembolsar antecipadamente o credito, o cliente fica sujeito
ao 1147. Mas se for o banco a tomar a iniciativa de declarar o vencimento antecipado, aplica-se
o 781º apenas e no conceito de prestação não se inclui os juros.
Januário: isto não faz sentido. O que releva não pode ser a iniciativa do mutuário ou do
mutuante. A situação material é a mesma. Não podemos ignorar o 1147º perante isso.
A entender-se assim, conforme o STJ, até podíamos ter um incentivo perverso ao
reembolso dos contratos. Porém, também não podemos ignorar que o banco é um
profissional do dinheiro e do crédito, por isso, quando o banco recebe por parte do
cliente o dinheiro, coloca-o novamente no mercado. É remunerado duas vezes: pelo
primeiro cliente que pagou os juros vincendos e a remuneração que será paga pelo novo
cliente que recebeu o mesmo dinheiro. O 1147º não está pensado para profissionais de
dinheiro; estamos a permitir que o banco esteja a ser remunerado duas vezes. Deve
permitir-se que os tribunais reduzam o valor dos juros vincendos equitativamente nos
termos do art. 812º do CC (que permite a redução da clausula penal).
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