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A Produção Textual de Um Estudante Ao Final Do Ensino Médio PDF
A Produção Textual de Um Estudante Ao Final Do Ensino Médio PDF
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Os dados citados no texto são do IBGE. Constam da publicação Síntese de indicadores
sociais – uma análise das condições de vida da população brasileira (Rio de Janeiro, 2009), acessível
também pelo seguinte endereço eletrônico (consultado em 28/08/2014):
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/sinteseindicso
ciais2009/indic_sociais2009.pdf
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porque suas insuficiências são visíveis a olho nu. Talvez por isso, por ser
tão fácil de reconhecer, é que a escola e o senso comum deem tanto peso
ao erro ortográfico. Ele é tomado como o grande indicador de que a
pessoa não sabe escrever.
Um péssimo texto mas sem maiores problemas ortográficos
costuma receber melhor avaliação social e educacional do que um bom
texto com problemas ortográficos. A imaturidade ortográfica decorre, em
geral, de uma alfabetização mal feita, mas principalmente de uma
carência nas práticas letradoras. Ela não se revela, obviamente, em
pequenos lapsos (a que todos nós estamos sujeitos pelas próprias
características do nosso sistema ortográfico), mas pela presença de muitas
e recorrentes inadequações.
Por fim, o plano gráfico inclui o uso dos sinais de pontuação.
Trata-se de marcas gráficas, mas cujo uso está condicionado pelo plano
gramatical e textual. No caso da pontuação, estamos numa interface entre
o gráfico e o estrutural.
Há regras de uso, mas, em geral, elas não são categóricas e
dependem de decisões pontuais, tendo como condicionantes, de um lado
a estrutura sintática e textual e, de outro, as preferências estilísticas.
E incluo aqui a questão das preferências estilísticas como
ingrediente da produção escrita porque não podemos nunca esquecer que
as práticas de escrita têm restrições dadas pelas tradições discursivas, mas
se realizam também num amplo espaço de liberdade expressiva do qual o
redator maduro sabe tirar proveito para individualizar sua expressão e,
desse modo, atrair e seduzir seus leitores.
Se, por exemplo, há uma forte expectativa social de que o texto
dissertativo-argumentativo seja redigido na modalidade formal da língua,
isso não nos impede de trazer para o nosso texto outras modalidades da
língua com o objetivo de criar determinados efeitos de sentido. Estruturas
próprias das modalidades orais não estão proibidas de ocorrer num texto
dissertativo-argumentativo. Mas é preciso que deixemos claro que se trata
de um uso intencional e monitorado. É dessa forma que mostramos que
estamos controlando a variação linguística e não sendo controlados por
ela.
Se é mais comum contar uma história cronologicamente, nada nos
impede de manejar o tempo da narrativa, começando pelo fim ou
intercalando o presente e a memória.
Se há uma expectativa forte de que um texto dissertativo-
argumentativo faça um percurso dedutivo, nada impede que tomemos o
caminho contrário, ou seja, partir da narrativa de um caso particular para
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do ENEM.
Não podemos nunca perder de vista que estamos avaliando um
jovem de 17/18 anos, que é solicitado a escrever um texto num espaço de
tempo relativamente curto, sob a tensão própria dos exames, sem acesso
aos instrumentos de que normalmente se utiliza quem escreve e –
agravante geral – um jovem a quem o sistema escolar nem sempre
ofereceu uma educação de qualidade.
A avaliação nesse caso tem de ser antes holística do que detalhista
– não se pode nem se deve descer às minúcias. Não somos revisores e
corretores do texto, mas seus avaliadores. É necessário, portanto, medir,
por critérios mais globais, a maior ou menor aproximação do texto a um
nível ótimo em cada uma das competências.
Por isso, não se dá propriamente uma nota à redação, mas se atribui
a ela um conjunto de pontos seguindo uma matriz que define níveis (do
menos ao mais próximo do ótimo) em cada uma das competências. Por
isso também é possível que uma redação alcance a pontuação máxima
ainda que apresente algumas poucas inconsistências textuais e
argumentativas, bem como escassos lapsos de ortografia ou de adequação
léxico-gramatical.
Isso, como bem sabemos, tem sido, injustamente, motivo de
escândalo. Ora, ao admitir poucas inconsistências e escassos lapsos no
nível máximo de pontuação, a própria matriz revela que está fundada
numa concepção avaliativa realista e pragmática.
Infelizmente, a mídia interfere negativamente no nosso trabalho e
acaba forçando algumas decisões, no plano político, que enrijecem
excessivamente alguns critérios. Como educadores, devemos, penso eu,
resistir a isso e continuar buscando calibrar nossa avaliação de modo que
ela seja criteriosa sim, mas sem ser rígida e inflexível.
Lembremos, só para efeito de exemplificação, que mesmo pessoas
altamente letradas e já maduras na prática da escrita não têm segurança
ortográfica absoluta: pela vida afora temos dúvidas e cometemos
eventualmente pequenos lapsos ortográficos. Isso não é, de fato, um
problema. É apenas consequência das próprias características da nossa
ortografia, que combina transparência fonológica (regularidades e
previsibilidade, portanto) e memória etimológica (característica
responsável por diferentes tipos de irregularidades e imprevisibilidade).
Se isso é comum na vida real das pessoas altamente letradas, por
que não podemos aceitar sua ocorrência na redação do ENEM? Por que
numa redação com pontuação máxima não pode aparecer ocasionalmente
um lapso ortográfico, um “trousse” (com ss em vez de x) por exemplo?
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