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2.

A LÍNGUA E
O ENEM

Si m one Si lve i ra de Alcân tara1

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi criado em 1998 com o propósito de avaliar o desempenho
do estudante ao fim da escolaridade básica. A partir de 2009, passou a ser utilizado como critério de
seleção para diversas universidades brasileiras (e também portuguesas). As notas do Enem podem
ser usadas tanto para acesso ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu) quanto para acesso ao Programa
Universidade para Todos (ProUni). Os participantes do Enem podem, ainda, pleitear financiamento
estudantil em programas do governo, tais como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Os
resultados do Enem também propiciam o desenvolvimento de estudos e indicadores educacionais.

Pode realizar a prova do Enem quem já concluiu o Ensino Médio ou está concluindo essa etapa da
escolarização para acesso à educação superior. Os participantes que ainda não concluíram o Ensino
Médio também podem participar, mas apenas como “treineiros”. Nesse caso, seus resultados servem
somente para autoavaliação de conhecimentos.

Neste contexto de avaliação nacional e, consequentemente, de avaliação em larga escala, observa-se,


então, bastante relevância no fato de que o avaliador deve ter consciência da heterogeneidade do
português brasileiro contemporâneo.

Nos textos produzidos pelos participantes, o avaliador se depara com ricas e numerosas variações
linguísticas, entretanto deve ter clareza de que a Competência I, de acordo com a Matriz de Referência
para Redação do Enem, avalia o domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa, no que
se diz respeito a aspectos gramaticais, escolha de registro e convenção da escrita.

1 Simone Silveira de Alcântara, professora de Língua Portuguesa e Literatura no Colégio Militar de Brasília. Mestra e
Doutora em Literatura Brasileira pela Universidade de Brasília.
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Cabe inicialmente apontar que, ao observar esses aspectos (que serão detalhados mais
adiante), o avaliador deve ser capaz de diferenciar a língua escrita da falada e os registros
formal e informal, bem como de graduar a avaliação do texto (de 0 a 5), de acordo com
o que se espera da escrita de um aluno que finaliza o Ensino Médio quanto à seleção
vocabular adequada ao tema, ao funcionamento de categorias gramaticais, aos padrões e
à estruturação sintática, demonstrando clareza na organização das frases, dos períodos e
dos parágrafos que apresentam suas ideias, além de um bom domínio no que diz respeito
às convenções da escrita.

Nessa perspectiva, retomando as ideias de Alcântara, Sandoval e Zandomênico, 2016a),


considera-se imprescindível que, ao avaliar o domínio da modalidade escrita formal da
língua portuguesa, o avaliador compreenda, primeiramente, a concepção de linguagem
adotada pelo Exame, definida pelos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio –
PCNEM (2000):

A linguagem é considerada aqui como a capacidade humana de articular significados


coletivos e compartilhá-los, em sistemas arbitrários de representação, que variam de
acordo com as necessidades e experiências da vida em sociedade. (PCNEM, 2000: 5)

De acordo com Marcuschi (2008), sob orientação dos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs), o ensino da língua deve “dar-se através de textos (p. 51)”. Com essa orientação, um
dos objetivos da escola é “levar o aluno a bem se desempenhar na escrita, capacitando-o
a desenvolver textos em que os aspectos formal e comunicativo estejam bem conjugados”
(p. 53). Assim, o texto, “como forma natural de acesso à língua” (p. 54), deve ser considerado
“tanto em seu aspecto organizacional interno como seu funcionamento sob o ponto de
vista enunciativo” (p. 61).

É importante, também, que o avaliador tenha ciência do que afirma este documento ao
tratar dos conhecimentos de língua portuguesa:

O processo de ensino/aprendizagem de Língua Portuguesa deve basear-se em


propostas interativas língua/linguagem, consideradas em um processo discursivo
de construção do pensamento simbólico, constitutivo de cada aluno em particular
e da sociedade em geral. Essa concepção destaca a natureza social e interativa da
linguagem, em contraposição às concepções tradicionais, deslocadas do uso social.
O trabalho do professor centra-se no objetivo de desenvolvimento e sistematização
da linguagem interiorizada pelo aluno, incentivando a verbalização da mesma e o
domínio de outras utilizadas em diferentes esferas sociais. (PCNEM, 2000: 18)

Além das concepções citadas, observa-se que o Enem também corrobora as


ideias de Magda Soares (2004, p. 14). Para a pesquisadora, a entrada de um indivíduo no
mundo da escrita ocorre simultaneamente “pela aquisição do sistema convencional de
escrita — a alfabetização — e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema
em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua escrita — o
letramento”. Esses processos, portanto, são interdependentes e indissociáveis: 15

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(...) a alfabetização desenvolve-se no contexto de e por meio de práticas sociais de


leitura e de escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este, por sua vez,
só se pode desenvolver no contexto da e por meio da aprendizagem das relações
fonema–grafema, isto é, em dependência da alfabetização. (grifo da autora) (Soares,
2004, p. 14)

Ainda segundo a autora, concepções mais tradicionais de alfabetização tornavam


os dois processos independentes, a alfabetização — a aquisição do sistema convencional de
escrita, o aprender a ler como decodificação e a escrever como codificação — precedendo
o letramento — o desenvolvimento de habilidades textuais de leitura e de escrita, o
convívio com tipos e gêneros variados de textos e de portadores de textos, a compreensão
das funções da escrita. Em concepções mais modernas, entretanto, a alfabetização não
precede o letramento: os dois processos são simultâneos. Assim:

Após alguns anos de aprendizagem escolar, o indivíduo terá não só aprendido a ler e
escrever, mas também a fazer uso da leitura e da escrita, verifica-se uma progressiva,
embora cautelosa, extensão do conceito de alfabetização em direção ao conceito
de letramento: do saber ler e escrever em direção ao ser capaz de fazer uso da leitura
e da escrita. (Soares, 2004, p. 7)

Nesta perspectiva, a avaliação da redação no Enem tem como objetivo verificar se o


participante atendeu a proposta, selecionando informações e articulando argumentos,
por meio de uma linguagem escrita e formal. Assim, o interesse deste artigo é abordar o
tratamento de aspectos gramaticais, das escolhas de registro e das convenções da escrita
dos textos dos participantes para, assim, auxiliar o desempenho do avaliador durante o
processo de correção.

Para tanto, cita-se novamente o artigo Alcântara, Sandoval e Zandomênico, 2016a), no qual
se destaca que o ensino da língua, de uma forma geral, pretende ampliar a competência
do estudante para o exercício cada vez mais fluente da fala e da escrita, incluindo-se nessa
prática a escuta e a leitura. Assim, acredita-se que a redação do Enem é resultado de aulas
de português que se caracterizam como aulas de falar, ouvir, ler e escrever textos em
uma complexidade gradativa, com atividades que promovam, entre outras habilidades,
a compreensão das relações sintáticas, semânticas e pragmáticas que caracterizam textos
orais e escritos estruturados de forma clara e coerente.

Em síntese, embora o avaliador do Enem tenha consciência de que existem formas


linguísticas diferentes que podem construir sentidos e de que todas devem ser respeitadas,
ele deve avaliar, entre outras competências presentes na Matriz, o domínio da modalidade
escrita formal da língua portuguesa, considerando, então, que o participante deve articular
suas ideias com clareza e por meio de linguagem próxima da que empregará nos seus
textos escritos no universo acadêmico.

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O QUE SE AVALIA NA COMPETÊNCIA I


A Competência I da Matriz de Referência para Redação do Enem diz respeito ao domínio
da modalidade escrita formal da língua portuguesa. A avaliação envolve questões de
convenção da escrita, de escolha de registro e de estruturação sintática.

A escrita tem regras próprias (cf. Marcuschi, 2008). Em razão disso, para cumprir bem a
sua função, o texto necessita empregar adequadamente os recursos de que a língua/
linguagem dispõe para produção textual nessa modalidade. As inadequações observadas
configuram o que a Matriz de Referência do Enem denomina de “desvios”. As ocorrências
desses desvios – em termos de qualidade e quantidade – são balizadoras para o avaliador
apontar o nível de domínio de modalidade escrita formal da língua portuguesa em que o
texto se apresenta.

Nesta parte do artigo, retomaremos conceitos e discutiremos a valoração desses “desvios”.


Por compreender que as inadequações relativas à estruturação sintática não se caracterizam
propriamente como ‘desvios’, mas como ‘falhas de estruturação sintáticas’, a partir de
então passaremos designá-las dessa maneira. Assim, trataremos a seguir dos desvios de
convenção da escrita e de escolha de registro e dos diversos tipos de falhas gramaticais
na prova de redação do Enem. Para melhor compreensão do avaliador, apresentaremos,
também, exemplos desses três tipos de problemas.

1 DESVIOS DE CONVENÇÃO DA ESCRITA


As regras de convenção da escrita são aquelas que estabelecem a forma correta de grafar
as palavras em um texto. Essas regras correspondem, basicamente, às regras da ortografia,
mas não se restringem a elas. Podemos dizer que as regras de convenção da escrita dizem
respeito ao emprego correto das letras, dos acentos gráficos (agudo, circunflexo e grave)
e das demais notações léxicas (til, cedilha, hífen e apóstrofo) e de iniciais maiúsculas e
minúsculas, assim como à forma correta de segmentação das palavras.

A maneira correta de empregar as letras e as notações léxicas, em geral, pode ser atestada
em uma simples consulta ao dicionário. Já o emprego de iniciais maiúsculas e minúsculas,
além de estar relacionado a nomes comuns e próprios, também depende de outras variáveis,
tais como o início de períodos e títulos e a singularização de certos nomes. A segmentação
das palavras, por sua vez, é feita a partir de processos próprios, predeterminados, que se
baseiam essencialmente na pronúncia das sílabas das palavras.

Vejamos abaixo alguns exemplos de desvios de convenção da escrita encontrados em


redações do Enem 2022.

(1) “Poderiam criar uma ONG Brasileira.”


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(2) “muitos dos povos tradicionais brasileiros, sofrem por falta de saúde.”
(3) “precisam ficar em filas enormes para fazer cirurgias urgêntes”

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Os vocábulos sublinhados nas frases acima apresentam desvios de convenção da escrita.


Em (1), há erro no emprego de inicial maiúscula para grafar o adjetivo brasileira.

Em (2), há emprego indevido de inicial minúscula em início de período (“muitos”). Em (3), há


erro de acentuação na palavra “urgentes”.

(4) “Mu-itos que moram na comunidade não tem condições de pagar hospitais
particulares”
(5) “O desmatamento almentou consideravelmente nas últimas décadas.”
(6) “(...) convivência que está passível à criação progressiva de estigmas, esteriótipos e
preconceitos sobre estes grupos.”
(7) “O sofocamento social brasileiro cresce exponencialmente a cada ano, diminuindo
nossa cultura primaria.”

Em (4), há erro de translineação, já que, em muitos, separou-se o ditongo “ui”. Também há


erro de acentuação, visto que a forma verbal tem, que deveria receber acento gráfico para
concordar em número com muitos, foi grafada sem esse sinal. Em (5), empregou-se l em
lugar de u na grafia da palavra almentou. Em (6), há erro na grafia da palavra “esteriótipos”,
grafada em lugar de estereótipos. Em (7), grafou-se “sofocamento”, em vez de sufocamento.
Além desse erro, falta acento agudo na palavra primária.

(8) “Os povos tradicionais no Brasil as vezes são desrespeitados.”


(9) “As autoridades brasileiras junto as empresas, poderão unir-se para soluções.”
(10) “O reconhecimento da população tradicional se vincula a existência de respeito com
a preservação dessas comunidades.”

Em (8), há erro devido à ausência de sinal indicativo de crase na expressão às vezes. Trata-
se de expressão adverbial com nome feminino, assim como ocorre em à noite, à tarde, às
pressas, à vista. Em casos assim, o emprego do acento grave é uma convenção, e não uma
exigência sintática. Sua ausência consiste em desvio de convenção da escrita.

Por outro lado, em (9), observa-se ausência de sinal indicativo de crase no “as”, que deveria
receber acento grave em razão da regência da palavra junto. Nesse caso, é importante
observar que a necessidade de emprego do acento grave, embora se deva à regência de
um nome, será tratada, assim como em (8), como desvio de convenção da escrita, uma vez
que envolve o emprego de um acento gráfico.

Da mesma forma, em (10), em que se verifica o não emprego do acento grave no “a” após
a forma verbal vincula, também consideramos como desvio de convenção da escrita, uma
vez que esse caso de regência verbal envolve a ocorrência de crase.

Enfim, todos os desvios apresentados acima serão entendidos, na correção das redações
18 do Enem, como desvios de convenção da escrita. A ocorrência simultânea de mais de dois

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dos desvios apresentados será suficiente para impedir a atribuição de nota máxima na
Competência I em uma redação do Enem.

Tratamos do aspecto de quantificação do número de desvios e as situações em que ela se


aplica no artigo “Como avaliar a Competência I”.

Passemos, agora, à definição e à análise dos desvios de escolha de registro.

2 DESVIOS DE ESCOLHA DE REGISTRO


Na redação do Enem, a escolha de registro é analisada no âmbito da Competência I, que,
segundo a Matriz de Referência, avalia o domínio da modalidade escrita formal da língua
portuguesa.

Ao elaborar sua redação, o participante deve atentar para a escolha do registro a ser
usado em seu texto, uma vez que o comando da proposta de redação requer que se use a
modalidade escrita formal da língua portuguesa.

É importante salientar que o emprego eventual de trechos que configurem registro


informal não acarreta, necessariamente, diminuição da nota da redação no que se refere
à Competência I. Por outro lado, caso a informalidade esteja presente em todo o texto,
afetando as características do gênero textual solicitado, isso prejudicará também a nota na
Competência II, a qual avalia, além da compreensão da proposta e do desenvolvimento do
tema, a estrutura do texto dissertativo-argumentativo.

O grau de formalidade dos registros linguísticos constitui-se a partir da escolha lexical e da


organização sintática das sentenças. Em vista disso, o emprego de gírias (“cara”, “encher o
saco”, “quebrar a cara”), de jargões (como o internetês), de palavras reduzidas (como “tá”
em lugar de “estar”, “cê” em vez de “você”, ou “pra” em vez de “para”), de verbos de sentido
muito geral (“dar”, “ter”, “fazer”, “achar”) em lugar de verbos de sentido mais exato e de
expressões típicas da oralidade (“bem”, "bom", "tipo", “veja bem”, “entendeu?”, "né?"), bem
como a estruturação sintática típica da língua oral, atribuem informalidade ao texto, ao
passo que o emprego de sentenças bem estruturadas sintaticamente e de vocabulário rico
e variado, além de adequado à situação comunicativa, atribui ao texto mais formalidade.

Espera-se que o participante tenha desenvolvido, ao longo de sua escolarização,


competência linguística suficiente para que redija um texto utilizando o registro
formal da língua portuguesa, reconhecendo e evitando expressões e estruturas típicas
da língua falada, a fim de que sua escolha seja adequada aos objetivos das propostas
atuais de redação do Enem.

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Entendemos que, segundo os PCN+ (2002, p. 76),

cabe à escola propiciar que o aluno participe de diversas situações de discurso,


na fala ou na escrita, para que tenha oportunidade de avaliar a adequação das
variedades linguísticas às circunstâncias comunicativas.

Então, o papel da escola, no que se refere ao ensino de língua portuguesa, embora não
seja apenas ensinar a língua padrão, mas ampliar a competência linguística dos alunos,
sem desconsiderar o seu conhecimento linguístico e sem que tal norma seja considerada
superior às demais variedades linguísticas, na prova de redação do Enem, essa variedade
tem de ser preponderante, dada pela estrutura potencial do gênero textual e pela tipologia
textual proposta.

A estrutura do gênero evolve padrões de composição e estilo, definidos pelo propósito


comunicativo de demonstrar o nível de conhecimento do aluno a respeito da modalidade
escrita formal da língua portuguesa e sua habilidade quanto à mobilização de
conhecimentos e habilidades constantes da Matriz de Referência do certame.

Pela natureza linguística de sua composição — aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais,
relações lógicas, estilo —, o gênero textual redação do Enem se materializa em textos em
que devem predominar as ocorrências de sequências textuais dissertativo-argumentativas,
que compreendem os tipos textuais argumentação, descrição e exposição, nessa ordem.

Nesse sentido, a avaliação da Competência I da redação do Enem destina-se a observar


que o aluno deve conhecer a norma padrão da língua, a fim de que possa usá-la quando
necessário, adequando-a às variadas situações comunicativas em que ela é exigida.
Não se trata de supervalorização de uma modalidade da língua sobre outra, ou seja,
da supervalorização da língua padrão sobre o conhecimento linguístico próprio dos
estudantes, mas da adoção de uma norma que permita a avaliação justa e isonômica
dos textos produzidos. Além disso, um usuário competente da língua não deve conhecer
somente o registro formal, mas deve saber adequar os registros ou níveis de linguagem às
diferentes situações comunicativas que vivencia.

Vejamos agora alguns exemplos de escolha inadequada de registro encontrados em


redações do Enem 2022.

(11) “Com o tempo está nossa população está sendo esquecida, imagine as consequência
fora do normal do problema”
(12) “Os indígenas e os quilombos, eis um tema bem interessante. Estes dias estava
conversando com um amigo sobre isso.”
(13) “Como utilizá o trabalho de pescadores sem prejudicá as nossa natureza e crianças e
o adolescente de forma bem família, com programas de inclusão.”

20 Em (11), o emprego da forma imperativa do verbo imaginar consiste em uma interação


com o interlocutor que é típica da língua oral. Além disso, a expressão “fora do normal”

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também pode ser caracterizada como informal. Em (12), o emprego da estrutura de tópico
e o período que introduz trecho narrativo em destaque são típicos da oralidade, o que
revela a escolha de registro informal. A expressão “de forma bem família” em (13) também
é característica da oralidade e acarreta informalidade ao texto.

(14) “Vou falar dus indigenas, não posso esqueçer.”


(15) “Agente não liga para esses povos tradicionais.»
(16) “Assim, não consegue sustentar a familia deles por causa que as coisas está
muito caro.”

Os trechos em destaque em (14), (15) e (16) também consistem em marca de oralidade, o


que atribui informalidade aos períodos citados.

(17) “(...) entre as partes do Peru e Bolívia, suas histórias foram mortas através principalmente
da chegada dos colonizadores que cometeram suicídio cultural, para que seus
costumes fossem primários.”
(18) “Segundo a pesquisa do IBGE estimula-se que antes da chegada dos portugueses
existiam mais de mil línguas faladas só no território brasileiro”.

Em (17) e (18), o problema de registro deve-se à seleção lexical inadequada dos termos
suicídio cultural, primários e estimula-se.

(19) “Bem, existem muitos povos brasileiros que não são reconhecidos e encontrados na
legislação.
(20) “Quem sabe daqui uns dias o Brasil tome o exemplo do Canada e da Noruega para
acabá com o desmatamento e valorizar os povos tradicionais.”

De forma semelhante, em (19) e (20), as expressões “Bem” e “daqui uns dias”, típicas da
oralidade, conferem informalidade ao trecho.

Passemos, por fim, à definição e à análise das falhas gramaticais (de estruturação sintática).

3 FALHAS GRAMATICAIS
(DE ESTRUTURAÇÃO SINTÁTICA)
Em geral, os livros especializados dividem a gramática em três grandes partes: a fonética,
que estuda os vários sons ou fonemas linguísticos; a morfológica, que estuda a palavra
em si; e a sintática, que estuda a relação que as palavras estabelecem umas com as outras
quando se unem para exprimir o pensamento. As duas últimas partes, a morfologia e a
sintaxe, estão de tal forma relacionadas que costumamos empregar um único termo para
nos referirmos a elas: morfossintaxe. São questões relativas à morfossintaxe o emprego das
classes de palavras e aspectos relacionados à estrutura das frases, tais como pontuação, 21
concordância, regência, colocação pronominal. Quando avaliamos as estruturas que

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compõem as orações e os períodos de um texto, estamos avaliando a sua estrutura


morfossintática. As falhas gramaticais, como estamos denominando aqui, são falhas de
estruturação sintática, portanto, problemas de morfossintaxe.

Abaixo, seguem alguns exemplos de falhas de estruturação sintática que encontramos em


textos do Enem 2022.

(21) “O Brasil, tem aproximadamente 26 povos nativos (comunidades), que ainda não
estão inclusos na legislação. Esses povos que são trabalhadores nos quais utilizaram a
natureza como meio de vida e trabalho.”
(22) “No Brasil as comunidades ribeirinhas estão em situação precária pelo fato de não
existir leis que proíba a utilização dessas regiões para criar gado (...)”
(23) “Quando não damos a atenção necessária a natureza e aos povos
tradicionais, estamos expondo eles em muitas situações perigosas.”

Em (21), há emprego indevido de vírgula logo após o sujeito “O Brasil”. A vírgula separa
termos essenciais, sujeito e predicado, o que vai de encontro às regras gramaticais. Além
disso, a expressão “nos quais” foi mal-empregada — o contexto sequer exige a presença
da preposição.

Em (22), os verbos existir e proibir deveriam ter sido flexionados no plural (existirem e
proíbam), uma vez que se referem ao nome “leis”.

Em (23), o emprego do pronome pessoal reto “eles” não condiz com o que se espera de um
texto escrito na modalidade formal da língua, em que os complementos verbais diretos,
quando representados por pronomes pessoais, são representados por pronomes pessoais
oblíquos. Observa-se, ainda, problema de regência verbal. O verbo “expor”, quando
transitivo indireto, apresenta complemento introduzido pela preposição “a”, e não pela
preposição “em”.

(24) “Como sabemos as comunidades nunca foram valorizadas pela sociedade, assim
como os brasileiros não são, muitos brasileiros estão saindo do país para construir
suas vidas fora do país e muitos deles são de comunidade, a comunidade não tem
valor pela vida simples que levam e, por não se importarem com a simplicidade
que vivem, eles corre atrás dos seus sonhos todos os dias a partir do momento que
acordam para ir trabalhar.”
(25) “No filme ‘Avatar’, conta a história de um povo das matas, de cor azul e originário
daquela terra, onde tem se vivenciado diversos ataques de colonizadores em busca
de um metal caro que ali existe.”

No exemplo (24), a oração adverbial conformativa que inicia o período (“Como sabemos”)
deveria ter sido isolada por vírgula, uma vez que está deslocada de sua posição tradicional.
22 Além disso, a vírgula é utilizada em final de declaração em lugar do ponto depois de
“brasileiros não são” e de “são de comunidade”. Ainda nesse excerto, há erro de regência,

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devido à ausência de preposição em “a partir do momento em que acordam para ir


trabalhar”, e também de concordância verbal, já que o verbo correr deveria ter sido
flexionado no plural.

Já em (25), observa-se falha na estruturação sintática na construção do período no trecho


“No filme ‘Avatar’, conta”, inadequação bastante comum em textos da Educação Básica.

Todas as falhas apresentadas acima são de estruturação sintática e, tal como se dá


relativamente aos desvios de convenção da escrita e aos de escolha de registro, a ocorrência
simultânea de mais de uma falha gramatical apresentada seria suficiente para impedir a
atribuição de nota máxima na Competência I em uma redação do Enem.

Passemos, agora, a algumas considerações finais sobre a avaliação dos desvios de


convenção da escrita e de escolha de registro e das falhas de estruturação sintática na
redação do Enem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa, avaliado na Competência
I, deve, então, tomar como primazia a adequação (ou não) dos aspectos gramaticais de
estruturação da produção, uma vez que estes aspectos interferem, de maneira mais
significativa, na fluidez da leitura do texto e na compreensão das ideias nele apresentadas.

Destacamos que é esperado que um aluno participante do Enem seja capaz, minimamente,
de elaborar um texto cujos períodos sejam bem estruturados e cujas ideias sejam
apresentadas e discutidas com desenvoltura e clareza. Um texto cuja compreensão seja
dificultada em virtude de uma estruturação insatisfatória não atende a essa expectativa,
uma vez que, em casos assim, a dificuldade de compreensão das ideias do texto reflete
problemas mais sérios de estruturação sintática. É possível que o texto que corresponde
à expectativa mínima de domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa
apresente alguns problemas na construção dos períodos (como uma ou outra oração
incompleta), mas, de maneira geral, os períodos do texto devem ser bem estruturados e as
ideias transmitidas com clareza.

Com relação à atribuição de nota máxima na Competência I, esclarecemos que, para o


texto de um participante do Enem receber a nota máxima na Competência I, ele deve, de
acordo com a Matriz, demonstrar excelente domínio da modalidade escrita formal da língua
portuguesa, de forma que falha de estruturação sintática1 e desvios de convenções da escrita
e de escolha de registro, caso existam, configurem excepcionalidade e não caracterizem
reincidência. A avaliação de um texto do Enem, conforme já mencionado, foca com primazia

1 É importante destacar que uma falha gramatical é considerada como tal apenas quando há respaldo na
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literatura para tanto. Situações não pacificadas entre os estudiosos ou em transição na língua, tais como a
regência de certos verbos, não acarretam subtração de nota na redação do participante.

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