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10.

OS MECANISMOS
DE COESÃO E
COERÊNCIA
EM UM TEXTO
ARGUMENTATIVO

Kelly Cristina de Almeida Moreira1


Solange de Carvalho Lustosa2

1 APRESENTAÇÃO
O objetivo deste artigo é apresentar a relação entre a coesão e a coerência em textos
argumentativos e comentar sobre o desempenho dos participantes na redação do Enem,
mais precisamente em relação à Competência IV: “demonstrar conhecimento dos mecanismos
linguísticos necessários para a construção da argumentação”. Nesse sentido, busca-se utilizar
as noções teóricas sobre os mecanismos de coesão e coerência das redações elaboradas por
participantes de algumas edições do certame.

1 Doutora em Linguística pela Universidade de Brasília. Professora aposentada de Língua Portuguesa da Secretaria de
Estado de Educação do Distrito Federal. Professora das disciplinas de Estágio Supervisionado do Curso de Letras EaD da
Universidade de Brasília.
2 Doutora em Linguística pela Universidade de Brasília. Professora colaboradora da pós-graduação em Revisão de
Textos do UniCeub, nas disciplinas de Texto e Construção do Sentido, Metodologia Científica e Estudo Comparado de
Gramáticas.
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Vale ressaltar que a aplicação das noções teóricas a redações é importante, uma vez que a
clareza sobre a natureza da escrita e sobre os constituintes de um texto coeso e coerente,
bem como sobre o processo argumentativo, são imprescindíveis ao avaliador das redações
dos participantes do Enem, como fundamento para um trabalho consciente e seguro.

O artigo apresenta duas seções: na primeira, tratamos da coesão textual e do princípio


da tessitura do texto, levando em consideração os conceitos de estrutura profunda,
estrutura intermediária e estrutura de superfície; a Seção 2 é dedicada à relação entre
coesão e coerência e aborda a forma como essa relação é importante para a construção da
textualidade e da progressão textual. Nas considerações finais, tecemos alguns comentários
sobre os aspectos da coesão e da coerência tratados neste artigo e a importância deles na
avaliação das redações dos participantes do Enem.

2 A COESÃO TEXTUAL
Quando se fala em escrita, sempre vem prontamente a afirmação de que é preciso
escrever de forma coesa e coerente. As pessoas ressaltam esses dois elementos como
características inerentes a todo bom texto, mas nem sempre essa “máxima” vem
desacompanhada de informações incompletas, contraditórias ou ainda confusas sobre
o que seria verdadeiramente a coesão textual. O tema em si tem provocado, em alunos
e professores, a busca, mesmo que de forma superficial, do que vem a ser realmente a
coesão textual, principalmente depois do surgimento do Enem, mais especificamente,
com a avaliação da Competência IV.

No entanto, muitos ficam satisfeitos com a definição mais usual de coesão, como poderemos
ver a seguir:

A forma como os elementos linguísticos presentes na superfície textual se


interligam, se interconectam, por meio de recursos também linguísticos, de modo
a formar um tecido (tessitura), uma unidade de nível superior à da frase, que dela
difere qualitativamente (Koch, 2004, p. 35).

Dessa definição decorrem vários outros termos, como “dêiticos”, “anáforas”, “catáforas”,
“referenciação” etc., além de uma diversidade de processos, ancorados em duas grandes
categorias — sequencial e referencial —, que tenta dar conta de grande parte dos recursos
coesivos. Mas, antes de entrar nesses pormenores, é necessário trazer considerações
operacionais para a avaliação das provas do Enem, mais precisamente para o entendimento
da Competência IV e da relação desta com a Competência I e com finalidade precípua — o
sentido, a coerência, o discurso.

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Para isso, devemos refletir sobre os princípios que regem a textualidade. Para efeito deste
artigo, é necessário entender que um amontoado de palavras ou frases não constitui um
texto. Para ser texto, as frases devem obedecer aos parâmetros de gramaticalidade da
língua portuguesa; mas uma boa competência linguística não leva necessariamente a um
bom texto, ou seja, a camada microtextual em si é incompleta, pois sofre de opacidade.
Sua organização só faz sentido se estiver ligada ao mundo referencial, cultural, interacional.
Quanto mais próximo o conhecimento de mundo dos interlocutores, maior a ancoragem
de sentido, a contextualização, a interação ou, como afirma Koch (1998):

os parceiros de uma atividade comunicativa global, diante de uma manifestação


linguística, pela atuação conjunta de uma complexa rede de fatores de ordem
situacional, cognitiva, sociocultural e interacional, são capazes de construir, para ela,
determinados sentidos (Koch, 1998, p. 25).

Percebe-se que a definição de texto está intimamente ligada à noção de sentido, a qual se
refere à coerência textual, que será abordada mais adiante neste artigo.

Consideremos, ainda, a contribuição de Fiorin & Savioli (1996, p. 37) sobre as estruturas do
texto. Segundo os autores, há três estruturas:

1 uma estrutura superficial, onde afloram os significados mais concretos e


diversificados. É nesse nível que se instalam no texto o narrador, os personagens,
os cenários, o tempo e as ações concretas;
2 uma estrutura intermediária, onde se definem basicamente os valores com que
os diferentes sujeitos entram em acordo ou desacordo;
3 uma estrutura profunda, onde ocorrem os significados mais abstratos e mais
simples. É nesse nível que se podem postular dois significados abstratos que se
opõem entre si e garantem a unidade do texto inteiro.

Embora os autores tratem da estrutura textual de um texto narrativo, o que nos interessa é
perceber e considerar a existência de estruturas/camadas em um texto. Qual a relevância
dessa percepção? Os mesmos autores respondem a essa questão afirmando que “a
importância de detectar a estrutura fundamental de um texto reside no fato de que ela
permite dar uma unidade profunda aos elementos superficiais, que, à primeira vista,
parecem dispersos e caóticos.” (Fiorin; Savioli, 1996, p. 45).

Ou seja, a unidade prevista e necessária para um texto está em sua estrutura profunda,
o que explica que erros e problemas encontrados nela comprometam, sobrema+neira, a
progressão textual. Qual seria o motivo disso? Tomemos as considerações de Arrais (1975),
que elaborou um gráfico interessante sobre essa questão, ao explicitar os elementos e as
regras implicadas em cada estrutura, conforme pode ser constatado a seguir:

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Gráfico representativo

3.
ESTRUTURA DE SUPERFÍCIE
(regras morfofonológicas)

2.
(regras transformacionais)
ESTRUTURA INTERMEDIÁRIA

1.
Representações Semânticas
ESTRUTURA PROFUNDA

Padrão referencial-semântico Padrão lógico-semântico Padrão sintático-semântico


(regr. form. lexical) (regr. form. p/modaliz.) (regr. form. p/concat.)

Operador
Definições Argumentos descrit.
externas
Relações
Operador casuais
Definições
total
internas
Operador
Predicadores múltiplo-
parcial

Descr.

Atrib.

Fonte: ARRAIS, Telmo Correia. Estrutura profunda e padrões de representação semântica, 1975.
Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0101-31731975000100006. Acesso em 24/6/2023.

Na estrutura profunda, reside outro conceito que aparece agregado ao de coesão, que é o
de coerência. É comum haver confusão entre os dois conceitos, especialmente devido a sua
interligação intrínseca. Como vimos ao longo deste artigo, coesão diz respeito ao princípio
de tessitura de um texto, de relações de retomadas, de conexões, semelhantes à trama de
um tecido (metáfora bastante usada para visualização desse fenômeno). Coerência deve
ser entendida como sendo um princípio de interpretabilidade (Koch; Elias, 2015, p. 191), de
atribuição de sentido, significados. Qual seria então a relação entre esses dois princípios?

Simples: se não consigo estabelecer sentido, não tenho um texto, ou ele não é texto
para mim. Quando escrevemos um texto, independentemente de que tipo textual estou
usando, preciso, a todo instante, “avaliar” se estou escrevendo com sentido (Koch; Elias,
2015, p. 191), ou seja, o texto se realiza por meio de sua materialidade e se completa com a
132 intervenção do autor e do leitor.

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Podemos afirmar que nem todo texto que se utiliza de diversificados recursos coesivos é,
só por isso, um bom texto; até porque há texto em que há muito esforço em demonstrar
coesão, mas com problemas de coerência. Veja o exemplo: “Fui à feira antiga para comprar
frutas, já que jacaré não tem cabeça, venderei minha bicicleta”. Resumindo, de nada valem
os recursos coesivos se não houver coerência.

A própria descrição da Competência IV na Matriz de Referência para Redação do ENEM —


“demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da
argumentação” — liga “mecanismos linguísticos” (os quais devem ser entendidos como
elementos coesivos) com “construção da argumentação” (que deve ser compreendida
como articulação de informações).

Ainda sobre a interrelação entre coesão e coerência textuais, há na coerência alguns


princípios3 que a norteiam, como a focalização (caracterizada, entre outras coisas, pela
seleção lexical), a manutenção temática e a informatividade. Ora, esses princípios estão
intimamente ligados à coesão textual!1

Nesse momento, percebemos que a estrutura superficial e a estrutura profunda estão


intimamente ligadas, ou seja, a coesão com a coerência. Isso pode ser observado por
meio dos comentários feitos pela avaliação da Competência IV, os quais usam afirmações
como: “utilizou palavras do mesmo campo semântico”, “a coesão acontece por meio da
manutenção do tema”, ou, ainda, “há problemas de progressão textual”.

Segundo Koch e Elias (2015, p. 207),

A continuidade de um texto resulta, portanto, de um equilíbrio variável entre duas


exigências fundamentais: repetição (retroação) e progressão. Remete-se a algo que
já está gravado na memória do interlocutor e acrescentam-se as informações novas,
que, por sua vez, passarão também a constituir suportes para outras informações.
Quando se quer retomar uma informação dada anteriormente no texto, usam-se os
mecanismos de remissão ou referência textual. É a isso que se denomina anáfora. Pela
repetição constante de tais mecanismos, formam-se, então, no texto as cadeias coesivas,
que têm papel importante na organização textual e na produção do sentido pretendido
pelo produtor do texto.42

Percebemos que muitas pessoas, ao produzirem ou avaliarem um texto na Competência IV,


consideram como elementos coesivos apenas aqueles que aparecem na superfície do texto
como um “todavia”, “contudo”, “ele” etc. (os dêiticos: catáfora e anáfora5) e não consideram
a relação entre esses elementos e o estabelecimento de sentido.3

3 Só serão abordados alguns desses princípios. Para maiores esclarecimentos, sugerimos a leitura de
Koch e Elias (2015).
4 Grifo das autoras. 133
5 Mais adiante serão esclarecidos e conceituados esses termos, mas, para o momento, devem-se considerá-
los simplesmente como recursos coesivos.

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É esse julgamento “incompleto” que leva, por exemplo, pessoas a contarem essas palavras
e esquecerem, por exemplo, a maturidade textual que apresenta um autor ao fazer uma
pergunta no início e ao respondê-la ao final de seu texto; ou contabilizar essas palavras e
esquecer de avaliar se o seu emprego está correto; ou, ainda, negligenciar a avaliação sobre
o equilíbrio entre a repetição e a progressão das informações apresentadas.

Vejamos o texto a seguir sobre esse aspecto:

EXEMPLO 1:
1 A opressão às mulheres é algo visível na sociedade brasileira, tanto em casos mais leves, como a
2 má distribuição das tarefas domésticas, como em casos mais violentos de estupro e homicídio, por
3 exemplo. Tal situação está presente por diversos motivos, entre eles a objetificação da mulher, a
4 imoralização da população e o consentimento dos mais próximos.
5 O sexo feminino, há muito tempo, é tido como objeto de desejo para muitos homens. Pornografia,
6 prostituição, abuso e assédio sexual, estes são apenas alguns casos observáveis. As mulheres não
7 são vistas como pessoas, Ø são vistas como pedaços de carne.
8 O decaimento moral dos indivíduos é fonte de diversos males. Atitudes como violentar e matar se
9 tornaram banais, o que paulatinamente vai diminuindo a empatia entre as pessoas. Ações negativas
10 não devem ser tratadas com neutralidade.
11 A violência contra a mulher não é, muitas vezes remediada pelas pessoas mais próximas da vítima,
12 como vizinhos, amigos e até mesmo familiares. O medo de uma reação é crescente em situações de vio
13 lência doméstica, por exemplo. Embora o conflito direto seja desaconselhado, os envolvidos devem
14 procurar ajuda e denunciar. Crimes como esse não podem passar despercebidos.
15 Ainda persiste, portanto, a violência contra o gênero feminino no Brasil. Para que o cenário atual
16 seja modificado, é preciso uma maior consientização das pessoas, Ø seguida de uma mudança de
17 atitude. A mídia deve ser acionada para tal, tanto em campanhas educacionais quanto em reportagens
18 e artigos jornalísticos que abordem o assunto.61

O texto apresenta vários elementos coesivos em sua estrutura superficial bem empregados,
sendo alguns marcados por nós para melhor visualização. No entanto, esse texto é importante
por evidenciar, por exemplo, um recurso coesivo utilizado pelo autor que geralmente não é
considerado pelos avaliadores da Competência IV: o desenvolvimento das ideias apresentadas
na introdução ao longo do texto. Essa negligência ocorre em virtude de não se estabelecer a
relação entre a estrutura superficial e a estrutura profunda.

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6 Redação elaborada com o tema do Enem 2015: “A persistência da violência contra a mulher na sociedade
brasileira”.

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A coesão ocorre, como já tratado neste artigo, por meio da interconexão entre as partes do
texto em um todo significativo. Ora, o exemplo analisado apresenta, no primeiro parágrafo,
os motivos da opressão às mulheres: a objetificação da mulher, a imoralização da população
e o consentimento dos mais próximos, e evidencia essa relação no segundo, no terceiro e
no quarto parágrafos, respectivamente. Em resumo, avaliar um texto na Competência IV
implica estabelecer relações entre as regras morfofonológicas (estrutura superficial) e as
representações semânticas (estrutura profunda).

Explicitada melhor a relação entre coesão e coerência, precisamos desfazer um outro


equívoco: a relação da Competência I71com a Competência IV, ambas situadas na estrutura
superficial do texto. Para tornar mais fácil o entendimento, vamos aplicar isso ao texto
e ao seu processo de produção e elaboração. Uma das questões que são levantadas é:
“determinado erro deve ser considerado como pertinente ao registro formal da escrita ou
ao entrelaçamento das ideias?” Para responder a essa questão — o que também não é de
fácil solução —, tomemos dois tópicos sempre recorrentes, como a pontuação ou o uso do
onde fora do contexto locativo.

EXEMPLO 2:
1 Desde que o número de mortes foi crescendo, o número de pessoas que foram flagradas bebendo e
2 dirigindo também cresceu. Assim, foi implantada a lei seca, onde o motorista que está embreagado é
3 flagrado e deve pagar multa, perder a carteira de motorista ou então até ser preso.82

O uso equivocado de onde fora de contexto locativo pode ser apenado em ambas as
Competências (I e IV), pois, no caso exposto no Exemplo 2, ele foi empregado no lugar
em que caberia um na qual. A falta da flexão de gênero e de número mostra um descuido
quanto à construção de sentido do autor para com seu interlocutor (leitor), pois pode
levá-lo a uma não ancoragem da significação por empregar um elemento de lugar não
anteriormente citado, assim como também perde a oportunidade de tornar claras ligações
referenciais, entre lei seca e a punição para o motorista que está “embreagado”, além de não
promover a concordância lei seca (fem.) e a punição. Além disso, a gramática normativa, já
que estamos nos referindo à modalidade formal, é taxativa no sentido de afirmar que onde
só pode ser usado no sentido locativo e, por isso, todas as ocorrências em que isso não for
observado consistirão em erro.

7 A Competência I é responsável por “Demonstrar domínio da modalidade escrita formal da língua 135
portuguesa.”
8 Redação elaborada com o tema do Enem 2013: “Efeitos da implantação da Lei Seca no Brasil”.

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Avaliemos a questão da pontuação no fragmento abaixo:

EXEMPLO 3:
1 A partir de dados coletados pela Secretaria de Políticas para as Mulheres é possível notar que há
2 persistência é devida à falta de uma punição severa para aqueles que cometem esse tipo de violên-
3 cia. Percebe-se principalmente, que o tipo de violência mais comum dentre as relatadas é a violência
4 física, em que o homem abusa de sua maior quantidade de força em relação a mulher, algumas vezes
5 resultando em casos de morte.91

Percebe-se que há problemas de pontuação, mas a falta da vírgula, após o adjunto adverbial
deslocado (“A partir dos dados coletados pela Secretaria de Políticas para as Mulheres”)
não atrapalha o entendimento das ideias expostas, entretanto quebra regras relacionadas
ao registro formal da língua portuguesa. Dessa forma, tal alteração deve ser apenada
apenas na Competência I, e não na Competência IV. No trecho transcrito, ainda aparece
erro ortográfico (há ao invés de a), mas ele só diz respeito à Competência I.

No fragmento da redação a seguir, por exemplo, os erros de pontuação afetam ambas as


competências, como pode ser notado:

EXEMPLO 4:
1 Hoje no Brasil precisamos prepara as nossa criação des do nacimento quando criança porque no
2 mundo de hoje eles cerão consumidores do futuro prepara pra ter sua propria responsabilidade com
3 consigo mesmo assim, No países tem uns mudo, os nossos governantes não inte sensibilidade por com
4 as nossas crianças mas tem que se prepara-as para um futuro melhor comesando de casa e Depus nas
5 escolas essa sim tem como objetivo educacao para ser uma pessoa com futuro brilante, nos paises
6 de primeiro mudo as criancas é de casa pra escola e tem uma Boa formacão do mundo exterior, pra
7 que elas tenha uma conciencia do futuro que lhe espera, sendo assim ela se tornam um consumidor do
8 futuro, e fique ciente de suas reais necessidades e conciente de suas respossabilidades consigo mesmo
9 e com o mundo mas que realidade são ditas que são pequenas crianças já podem receber informações
10 de mudo, em que elas vivem e no mundo exterior. também mais sabemos em que mudo elas vivem nos
11 temos que mesmo que prepara muito Bem As nossa crianças, pra que não vire produto exportacão de
12 orgós elas tem estar bastante preparados mesmo, Que começa pela responsabilidades das nossa
13 governantes preste mais atenção sobre as . crianças, pra que elas tenha um melho futuro precisamos
14 prepara a criança, de pequena, para receber as informação do mudo exterior, só assim ela se tornará
15 o consumidor do futuro...102

136 9 Redação elaborada com o tema do Enem 2015: “A persistência da violência contra a mulher na sociedade
brasileira”.
10 Redação elaborada com o tema do Enem 2014: “Publicidade infantil em questão no Brasil”.

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A redação do Exemplo 4 possui muitos problemas de coesão, mas a falta de pontuação


ou o seu uso errado, ainda associados à falta da paragrafação, prejudicam a organização
das ideias, pois não ficam claras a hierarquia dos elementos expressos e a relação entre
eles. No trecho transcrito, podemos perceber que a pontuação ou a sua ausência prejudica
a progressão textual, principalmente em: “Que começa pela responsabilidades das nossa
governantes preste mais atenção sobre as . crianças, pra que elas tenha um melho futuro
precisamos prepara a criança, de pequena, para receber as informação do mudo exterior, só
assim ela se tornará o consumidor do futuro...”.

No Exemplo 5, conseguimos depreender as ideias expostas, mesmo com os erros de grafia,


pois eles não implicam no processamento de sentido.11 Se eu escrevo, por exemplo, pesual
ou pessoal, o interlocutor irá entender perfeitamente.

EXEMPLO 5:
1 A religiao hoje e muito frequenti no Brasil no ponto de vista a pessoa não deve critica a religiao do
2 outro. cadaum devi escolher. isso e uma coisa pesual, si apesoa escolher a quela religião e porque
3 seria uma coisa boa para ela.12

Analisemos o seguinte exemplo e façamos a comparação com o fragmento exposto no


Exemplo 5.

11 Cabe salientar que, na oralidade, o erro nem é cogitado! 137


12 Fragmento de redação elaborada com o tema do Enem 2016: “Caminhos para combater a intolerância
religiosa no Brasil”.

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EXEMPLO 6:
1 As pessoas que não aceitam diferenças de religião no Brasil que persegue a religião dos outro
2 outras que não tem religião nenhuma, assim os evangélicos não ter a intervenção de não falar sobre
3 o assunto religioso dos preconceitos religiosos, denunciadas das religiões não informadas que em
4 2013 envolveram em 2014 envolveram violência física com os fiéis das religiões afro-brasileiras
5 não cristãs, de uma multa, na crença religiosa é impedir ou perturbar as cerimônias do culto religioso
6 assim como os católicos, espíritas, até us, judeus e islâmicos disse:
7 - Está a discriminação de religião nenhuma, outros se perseguem isto é preconceito religioso?
8 - Não, se creem um emprego é um tal prejuízo, a pena aumentada é um terço do objeto!
9 O tratamento diferenciado em alguém de crença, vilipendiar na função religiosa; impedir que os evan
10 gélicos não aceite espíritas com respeito dos católicos os “caminhos para combater a intolerância
11 religiosa no Brasil” a função do assunto não tem religião são crimes inafiançáveis e imprencritiveis.
12 Os ateus não acreditam que as religiões se façam com os direitos humanos, ao se escarnear dos não
13 aceito religiosos nº de denúncias de 2011à 2014.
14 - Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço sem prejuízo da correspondente à vio
15 lência. Segundo os direitos humanos o assunto do tema “Intolerância religiosa no Brasil” as pessoas
16 que não tem religião nenhuma, que não são espíritas que não vão à igreja só reza outros ateus não
17 rezam só tem um altar em casa. Os católicos que prestam um culto em casa que conhecem os espíritas
18 de Kardecismo. Falando sobre a igreja está aberta para todos; ateus não querem, espíritas, evan
19 gélicos, católicos, islâmicos e judeus, isto é uma intolerância?
20 - Sim, isto é um preconceito religioso, que não aceitar diferenças nas outras religiões afro-brasi
21 leiras.
22 No sentido: afro-brasileiros eram antigamente escravos que chegaram da África dos séculos XVII
23 e XVIII quando chegaram ao Brasil que são os negros sendo apanhado pelos branco os (portugue-
24 ses).13

Pode-se constatar, claramente, que o problema do texto não está apenas na grafia das
palavras (em alguns casos, são até irreconhecíveis, como “imprencritiveis” etc.), mas
também — e com maior intensidade — na organização sintática (aqui se considera a
coesão) que prejudica sobremaneira a estrutura profunda. O processamento do sentido
do texto é recuperado pelo interlocutor com muito esforço, ou seja, a procura de sentido
no mundo extralinguístico fica quase sem retorno. No primeiro parágrafo, há a associação
entre “As pessoas que não aceitam diferenças de religião no Brasil” e “os evangélicos não ter
a intervenção de não falar sobre o assunto religioso dos preconceitos religiosos”. Ainda na
sequência, há palavras e frases tiradas dos textos motivadores e conectadas de forma
caótica, como é possível constatar em “denunciadas das religiões não informadas que em
2013 envolveram em 2014 envolveram violência física com os fiéis das religiões afro-brasileiras
não cristãs, de uma multa, na crença religiosa é impedir ou perturbar as cerimônias do culto
138 religioso assim

13 Redação elaborada com o tema do Enem 2016: “Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil”.

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como os católicos, espíritas, até us, judeus e islâmicos disse: (...)”. Sem contar o suposto diálogo
marcado com os dois pontos e travessão, cuja sequência não faz o menor sentido: “Está
a discriminação de religião nenhuma, outros se perseguem isto é preconceito religioso?” — o
que prejudica também a Competência II. O texto padece, ainda, de falta de referentes
claros em grande parte de suas conexões, embora seja possível encontrar frases até bem
estruturadas, concordâncias e uma caligrafia invejável.14 No entanto, esta não garante a
unidade do texto, como observamos no Exemplo 6 analisado.

No Exemplo 5, é possível depreender sentidos, causas, conexões, pois os erros afetam


apenas a Competência I. Já os encontrados no Exemplo 6, por atrapalharem a progressão
textual, afetam não só a Competência I, mas as demais competências, inclusive a
Competência IV.

Retomando o questionamento sobre a possibilidade de existir possivelmente erro maior


ou erro menor, podemos responder da seguinte forma: há erro que prejudica mais a
progressão textual (geralmente os de origem coesiva) e outros, menos (geralmente os de
origem formal da língua). Como no Exemplo 6, pode-se afirmar que a natureza do erro
pode impactar em outras competências. Erros que atrapalham a progressão textual, por
exemplo, tendem a produzir um efeito dominó, pois os níveis 0 e 1 na Competência IV
costumam provocar o mesmo efeito nas demais competências.

Todavia, cabe salientar que erros circunscritos apenas ao registro formal da língua
portuguesa (os ortográficos e alguns de pontuação) afetam apenas a Competência I e, ao
contrário do que se poderia entender, nem sempre as avaliações dessas duas competências
estão atreladas de forma determinante, pois deve-se analisar o texto in loco. Em relação ao
Exemplo 5, por exemplo, a Competência I deve ser avaliada de forma independente da
Competência IV.

Assim como um texto com muitos problemas em sua sofrida estrutura profunda, na
conexão de suas ideias, obtém uma nota ruim na Competência IV e, consequentemente,
nas demais competências, o texto acima da média também provoca o mesmo efeito, como
poder ser observado no seguinte exemplo:

139
14 Esse último aspecto não pode ser constatado em virtude de os exemplos terem sido digitados.

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EXEMPLO 7:
1 O mito do sexo frágil acompanha a mulher desde que o ser humano vive em sociedade, e os efeitos
2 desse pensamento errôneo e ultrapassado são sentidos desde então. Ao longo da história, pouco a
3 pouco, conquistas foram alcançadas através de muita luta, sobretudo na decada de 1960 com a
4 consolidação do movimento feminista. Apesar disto, a tão sonhada igualdade de gênero continua
5 distante, e o pior, a cultura machista continua fazendo vítimas.
6 Consequentemente, em nosso pais, não é diferente. Desde cedo garotos e até mesmo garotas são
7 submetidos à uma sociedade em que a diminuição da mulher em detrimento do homem é algo natural
8 e principalmente patriarcal. É uma construção social que na maioria das vezes independe da nossa
9 vontade. E que acabamos reproduzindo sem saber ou perceber. A violência contra a mulher não se
10 caracteriza somente por meio de agressão física: ela está presente no cotidiano em piadas de
11 conotação sexual, agressão verbal e psicológica, entre muitas outras. É preciso dar um basta nisso.
12 A persistência da violência, sem dúvidas, pode e deve ser combatida por meio de leis. Mas mais
13 do que isso, deve ser estudada desde a raiz. Mais do que prevenir e controlar as garotas no modo
14 de se vestir e comportar, afim de evitar julgamentos e agressões dos mais variados tipos, deve-se
15 urgentemente educar os garotos desde cedo para que haja a desconstrução de paradigmas. As chan-
16 ces de um garoto ainda criança se tornar um praticante de machismo e da cultura do estupro vão ser
17 diminuídas se desde cedo a escola e a família se preocupar em problematizar desde cedo questões
18 sensíveis e importantes como essa.
19 Diante disso, surge o papel do homem em se consientizar e perceber o seu privilégio histórico. Não
20 há a necessidade de temor. São as mulheres que ganham menos desempenhando a mesma função, são
21 as mulheres que são agredidas por serem mulheres. A igualdade feminista não será, à exemplo do
22 machismo, a dominação de um sexo sobre outro. Será sim, a consolidação da justiça. O Brasil tem
23 o dever de seguir avançando em direção à essa igualdade. Só assim o ser humano progredirá.15

Redações que alcançam níveis 4 e 5 nas Competências II, III e IV são as que evidenciam uma
maturidade textual (níveis micro e macrotextuais) acima da média. O texto do Exemplo
7 corrobora essa afirmação. A redação apresenta estruturas sintáticas bem elaboradas,
argumentação e intervenção pertinentes, autoria e recursos coesivos diversificados e bem
empregados,16 que podem ser constatados tanto na estrutura superficial quanto na profunda,
como termos empregados no texto: apesar disto, mas (operadores argumentativos intra-
parágrafo), consequentemente e diante disso (operadores argumentativos interparágrafos),
concordâncias verbais e nominais, manutenção temática etc. Esse texto recebeu nível 5 na
Competência IV, mas nível 4 na Competência I, em virtude de possuir erros de diferentes
naturezas: decada, consientizar, afim, pais, à exemplo. O texto é um exemplo de que a
Competência I não foi avaliada com o mesmo nível da Competência IV.2

140 15 Redação elaborada com o tema do Enem 2015: “A persistência da violência contra a mulher na
sociedade brasileira”.
16 Nem sempre a existência de recursos coesivos em um texto garante sua unidade. Nas redações do Enem,
é comum encontrarmos elementos aflorados na estrutura superficial, mas que não foram usados com
pertinência. Por isso, o avaliador deverá estar sempre atento.
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Cabe marcar um aspecto importante ainda em relação à análise do Exemplo 7. Na maior


parte das vezes, os recursos coesivos, quando visíveis e bem empregados na estrutura
superficial, são sintomas de que o texto está entre os níveis 3, 4 ou 5. Isso não acontece, por
exemplo, em textos avaliados nos níveis 0, 1 e 2. Dessa forma, não está errado, por exemplo,
o avaliador julgar o texto verificando os recursos coesivos contidos em sua superfície, mas
ele não pode perder de vista o fato de que a coesão não se limita apenas à superfície do
texto e às suas regras morfofonológicas.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Como foi visto, ao longo deste artigo, a coesão deve ser entendida não apenas como
manifestação na superfície textual, mas como um fenômeno relacionado à progressão
textual, o qual estabelece relação com a estrutura profunda.

O avaliador de redações do Enem deve ter claro que, embora tenha de avaliar pontualmente
os mecanismos coesivos em um texto dissertativo-argumentativo, por meio da atribuição
dos níveis da Competência IV, não pode perder a noção do texto como um todo significativo.
Esse cuidado dará a ele condições para que consiga perceber se determinado mecanismo
coesivo foi empregado corretamente e se ele contribui na construção da argumentação
feita pelo participante.

Como o texto é um todo significativo, é normal que outras competências também tenham
seus pontos de contato umas com as outras, como acontece entre a Competência IV
e a I, e entre a Competência IV e a III. No entanto, enxergar o texto para além da mera
contagem de elementos expostos em sua estrutura superficial garante ao avaliador uma
visão mais abrangente do texto a ponto de perceber quais desvios afetam uma e não outra
competência.

Cabe salientar que o desmembramento da avaliação da produção textual na prova do Enem


em competências é utilizado exatamente para ter uma visão melhor sobre a maturidade
textual que o participante apresenta, a fim de tornar mais justo e objetivo esse processo.

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ENEM 2023 ● A alegria dos reencontros


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARRAIS, Telmo Correia. Estrutura profunda e padrões de representação semântica, 1975.
Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0101-31731975000100006. Acesso em: 3 mar.
2017.

FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto: leitura e redação. 13ª
edição. São Paulo: Ática, 1996.

KOCH, Ingedore Villaça. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 1998.

KOCH, Ingedore Villaça. A coesão textual. São Paulo: Contexto, 2004.

KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e escrever: estratégias de produção textual.
2ª edição, 3ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2015.

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