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OBSERVAÇÕES SOBRE O DAEMON

DE
SÓCRATES

Como os dogmas dos antigos filósofos têm sido


pouco entendidos desde a abolição de suas
escolas, eles têm sido em sua maior parte
grosseiramente pervertidos, ou ignorantemente
contrariados. Nós temos um exemplo flagrante
disso no que nos é transmitido por Platão e
Xenophón a respeito do celebrado daemon de
Sócrates, o qual na opinião geral tem sido de que
ele era a prudência, previsão, ou a consciência de
Sócrates, desacompanhado de qualquer agente
sobrenatural. Os seguintes testemunhos de
Platão, no entanto, não duvido, convencem o
leitor inteligente que Sócrates acreditava
firmemente que estava sob a proteção imediata de
um poder superior ao homem, mas inferior a
Deus; que este poder era um daemon, ou em
linguagem moderna, um anjo guardião; e que ele
não era apenas, como o Sr. Nares afirma, uma
voz, mas era a voz de um daemon.

Em primeiro lugar, é requerido observar que o


adjetivo δαιμόνιον, embora freqüentemente
signifique divino, no entanto o seu significado
primário é daemoniaco. Portanto é usual entre
todos os discípulos de Platão chamar seu mestre
de θεῖος divino, e Aristóteles δαιμόνιος, aproveitando
assim denominar o último aproveitando o que
Platão disse dele, que ele era δαίμον φύσεως, o
daemon da natureza, por seu conhecimento
incomum em todo ramo da fisiologia.

Em segundo lugar, que todo homem tem um


daemon que lhe atende enquanto viver, e o
conduz aos seus juízes quando ele morre está
expressamente afirmado por Sócrates no Phaedon
[107 D]: λέγεται δὲ ούτως, ὡς ἄρα τελευτήσαντα ἕκαστον,
ὁ ἑκάστον δαίμων ὅπερ ζῶντα εἰλήχει, οὖτος ἄγειν ἐπιχειρεῖ
εἰς δέ τινα τόπον, κ. λ.

Em terceiro lugar, δαιμόνιον em Platão, não é


como o Sr. Nares supõe, um adjetivo apoiado por
τι, como é evidente segundo os seguintes casos no
Theáges e no Theaítetos: “ὅτι ‘λέγοντός σου μεταξὺ
γέγονέ μοι ἡ φωνὴ ἡ τοῦ δαιμονίου” (Theáges 128 E) –
“ἐνίοις μὲν τὸ γιγνόμενόν μοι δαιμόνιον ἀποκωλύει συνεῖναι,
ἐνίοις δὲ ἐᾷ” (Theaítetos 151 A). Do primeiro desses
extratos também é evidente que o δαιμόνιον de
Sócrates não era meramente uma voz, mas a voz
de um daemon. Devido a haver um substantivo
δαιμόνιον, esta palavra quando desacompanhada
de τι, e particularmente quando precedida do
artigo τὸ, é sem dúvida para ser considerada
como substantivo. Mas como Sócrates também
chama este τὸ δαιμόνιον um Deus, em
conseqüência de ser, como Proclo1 observa, um
daemon da mais alta ordem, é indubitavelmente
certo que esta palavra é usada por ele nas
passagens acima como um substantivo. Ele, no
entanto, o chama de Deus no primeiro Alcibiádes:
“διὸ δὴ καὶ πάλαι οἴομαί με τὸν θεὸν οὐκ ἐᾶν διαλέγεσθαί
σοι, ὃν ἐγὼ περιέμενον ὁπηνίκα ἐάσει” (Alkibiádes α 105
D). E também no Theaítetos: “τὸ δὲ αἴτιον τούτου
τόδε· μαιεύεσθαί με ὁ θεὸς ἀναγκάζει, γεννᾶν δὲ
ἀπεκώλυσεν. [...] τῆς μέντοι μαιείας ὁ θεός τε καὶ ἐγὼ
αἴτιος.” (Theaítetos 150 C a E).

Seria em vão observar para o Sr. Nares, que a


grande parte e os melhores dos discípulos de
Platão concordam com o Sr. Heber, que “Sócrates
era atendido por um daqueles seres superiores ao
homem, que sob o nome de daemon, eles eram
acostumados desde a sua infância a temer,
propiciar e adorar”. Pois ele diz “Que os outros
fizeram de δαιμόνιον é inconseqüente”. Como se a
opinião de homens fossem inconseqüentes, com
quem a linguagem Grega era a sua língua nativa;
que fizeram do estudo da filosofia de Platão a
ocupação de suas vidas; e que tiveram livros para
consultar escritos pelos discípulos imediatos de
Platão e que desde a época deles se tornaram
irreparavelmente perdidos. Ou como se o arbítrio
1
Teologia de Platão, livro VII capítulos XLIII e XLIV. Na tradução de
Thomas Taylor, o livro VII é adicionado pelo tradutor para suprir a falta de
um livro que se presume perdido.
do Dr. Enfield, Dr. Hay, Bispo Horsley, Sr.
Mitford e Schweighaeuser neste assunto fosse de
maior autoridade do que aquele de Plutarco,
Apuleio e Proclo.

Para outros leitores instruídos, de fato parecerá


mais claramente da Apologia de Sócrates, escrita
por Platão, que Sócrates foi acusado de
impiedade e de fazer inovações na religião de sua
terra por ele afirmar que estava conectado em um
grau muito transcendente com o um daemon
presidente, para quem a direção ele
confiantemente submeteu a conduta de sua vida.
Devido a acusação de Méletos, de que ele
introduziu outras estranhas naturezas
daemoníacas (καινὰ δαιμόνια), nenhuma outra
construção pode ser admitida. Isto é evidente do
que é dito por Xenophón, cujo testemunho nesse
ponto é não menos pesado que decisivo: “Eu
costumava me perguntar”, diz aquele historiador
e filósofo, “por que argumentos os Atenienses,
que condenaram Sócrates, persuadiram a cidade
de que ele era merecedor da morte. Porque, em
primeiro lugar, como eles puderam provar que ele
não acreditava nos Deuses nos quais a cidade
acreditava? Desde que era evidente que ele
costumava sacrificar em casa, e às vezes nos
altares comuns da cidade. Era também não
inaparente que ele empregava divinação. Pois
uma notícia circulou que sinais foram dados a
Sócrates, de acordo com a sua própria afirmação,
por um poder daemoníaco; por isso eles parecem
especialmente para mim ter acusado-o de
introduzir novas naturezas daemoníacas. Ele, no
entanto, introduziu nada novo nem qualquer
coisa diferente da opinião daqueles que,
acreditando em divinação, fazem uso de augúrios
e oráculos, símbolos e sacrifícios. Pois estes não
apreendem que tampouco pássaros ou coisas que
ocorrem sabem o que é vantajoso para os
adivinhos [pois estas são apenas intermédios dos
conhecimentos divinos e não a fonte]; mas eles
são da opinião de que os Deuses portanto
significam para eles o que é benéfico; e ele
também pensava o mesmo.” "1- Πολλάκις ἐθαύμασα
τίσι ποτὲ λόγοις Ἀθηναίους ἔπεισαν οἱ γραψάμενοι
Σωκράτην, ὡς ἄξιος εἴη θανάτου τῇ πόλει. [...] 2- Πρῶτον
μὲν οὖν, ὡς οὐκ ἐνόμιζεν οὓς ἡ πόλις νομίζει θεούς, ποίῳ
ποτ᾽ ἐχρήσαντο τεκμηρίῳ; θύων τε γὰρ φανερὸς ἦν
πολλάκις μὲν οἴκοι, πολλάκις δὲ ἐπὶ τῶν κοινῶν τῆς
πόλεως βωμῶν, καὶ μαντικῇ χρώμενος οὐκ ἀφανὴς ἦν.
διετεθρύλητο γὰρ, ὡς φαίη Σωκράτης τὸ δαιμόνιον ἑαυτῷ
σημαίνειν, ὅθεν δὴ καὶ μάλιστά μοι δοκοῦσιν αὐτὸν
αἰτιάσασθαι, καινὰ δαιμόνια εἰσφέρειν. 3- ὁ δ᾽ οὐδὲν
καινότερον εἰσέφερε τῶν ἄλλων, ὅσοι μαντικὴν νομίζοντες,
οἰωνοῖς τε χρῶνται, καὶ φήμαις, καὶ συμβόλοις, καὶ θυσίαις.
οὗτοί τε γὰρ ὑπολαμβάνουσιν, οὐ τοὺς ὄρνιθας, οὐδὲ τοὺς
ἀπαντῶντας, εἰδέναι τὰ συμφέροντα τοῖς μαντευομένοις,
ἀλλὰ τοὺς θεοὺς διὰ τούτων αὐτὰ σημαίνειν, κἀκεῖνος δὲ
οὕτως ἐνόμιζεν." (Ξενοφών – Απομνημονεύματα – livro A,
capítulo 1). E em outro lugar ele observa, “Que
era evidente que Sócrates cultuava os Deuses
mais que todos os homens” "64- [...] φανερὸς ἦν
θεραπεύων τοὺς θεοὺς, μάλιστα τῶν ἄλλων ἀνθρώπων"
(Ξενοφών – Απομνημονεύματα – livro A, capítulo 2).

Em conformidade com isto, em sua Apologia


escrita por Platão, ele claramente diz que a
doutrina de Anaxágoras, que fez o sol e a lua não
serem Deuses, é absurda. E em outra parte dela:
“Eu acredito que há Deuses mais que qualquer
um de meus acusadores.” "καὶ ἀτεχνῶς
ἀπολογούμενος κατηγοροίην ἂν ἐμαυτοῦ, ὡς θεοὺς οὐ
νομίζω. ἀλλὰ πολλοῦ δεῖ οὕτως ἔχειν· νομίζω τε γάρ, ὦ
ἄνδρες Ἀθηναῖοι, ὡς οὐδεὶς τῶν ἐμῶν κατηγόρων,"
(Ἀπολογία Σωκράτους - 35 D).

Se, portanto, Sócrates era um crente na religião


de sua terra, como ele o mais
inquestionavelmente era, ele acreditava que era
atendido por um daemon amigável; e este sendo
do tipo mais elevado, ele não apenas o chama de
τὸ δαιμόνιον, mas também θεός. Pois em
concordância com a teologia dos gregos, assim
que o topo de um inferior adere com a
extremidade de uma ordem aproximadamente
inferior, o mais alto daemon é κατὰ σχέσιν, através
de hábito ou aliança, um Deus.

Eu quase esqueci de observar que esta voz, a


qual Sócrates ouvia, é chamada por ele na
Apologia de uma voz profética, "ἡ γὰρ εἰωθυῖά μοι
μαντικὴ ἡ τοῦ δαιμονίου" (Ἀπολογία Σωκράτους - 40 Α).
E profecia, de acordo com Platão, está sob a
imediata superintendência de daemons, como é
evidente do discurso de Diotíma no Banquete
(Συμπόσιον).

Após tal testemunho inequívoco, nenhuma


outra razão pode ser atribuída à posição dos
modernos, que Sócrates ridicularizou a religião de
sua terra, que inatenção para um dos mais
importantes princípios da teologia antiga, e os
quais podem também ser considerados como
classificados entre os primeiros das concepções
mais magníficas, científicas e divinas da raça
humana. O princípio para o qual eu aludo é que o
essencial, que é a mais perfeita energia da
deidade, é deífico; e que a sua primeira e imediata
progenitura deve ser necessariamente como
Deuses, isto é, seres transcendentemente
similares a ele mesmo, e possuindo aquelas
características secundariamente as quais ele
possui primariamente, como o calor é o filho
imediato do fogo e a frieza da neve.
Desconhecedores desta poderosa verdade, a qual
é coeva com o próprio universo, teologistas
modernos e sofistas difamaram o que eles não
entenderam, e por oferecerem violência para
páginas de venerável antigüidade, fizeram o
próprio grande Sócrates se tornar o patrono de
suas próprias concepções distorcidas.

Manor Place, Walworth. 1817 THOMAS TAYLOR.

Tradução: P'tr Windson

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