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Uma Festa de Casamento

(Jo 2,1-11)
Introdução
Queremos partilhar com os leitores a beleza e a profundidade do conhecido episódio de Caná, narrado
por João em seu Evangelho. Trata-se de uma festa de casamento.
É sabido que as núpcias eram símbolo da aliança entre Deus e o seu povo (Os 2,16-25; Is 1,21-23; Jr 2;
Ez 16). Neste sentido, o texto, da festa de Caná (Jo 2,1-11), nos apresenta uma passagem da antiga
para a nova aliança.
Os versículos um e dois (1 e 2) servem de introdução e alusão ao significado genuíno deste
acontecimento.
O fato de Maria já estar na festa (cf. 2,1) significa que ela pertencia à antiga aliança. Em vez, “Jesus e os
seus discípulos foram convidados às núpcias” (2,2), isto é, eles não pertenciam à antiga aliança. Na
seqüência iremos perceber que a chegada de Jesus e seus discípulos criou um novo dinamismo na
festa. O que equivale dizer que, de fato, começou ali a atividade de Jesus, do Messias.

1- A Falta de Vinho

“Acabou-se o vinho e a mãe de Jesus lhe disse: ‘Eles não têm vinho’. Respondeu-lhe Jesus: ‘Que queres
de mim, mulher? Ainda não chegou a minha hora’. A mãe disse aos serventes: ‘Fazei o que ele vos
disser’” (2,3-5).
Nestes versículos aparecem explicitamente a falta de vinho e a intervenção da mãe.
O vinho, “elemento indispensável nas núpcias”, era “sinal de alegria” e “simbolizava o amor entre o
esposo e a esposa”. Portanto, a falta de vinho é a evidência de que, na antiga aliança (representada
pelas núpcias) não existe mais relação de alegria e amor “entre Deus e o povo”.
Quanto à intervenção da mãe é importante notar que ela não chama a Jesus de filho e nem ele a
reconhece como mãe, mas como mulher. Esta aparente distância entre a mulher que intervém e Jesus
que responde, demonstra a ruptura entre a antiga e a nova aliança. Jesus deixa claro “que aquela
aliança caducou e não será revitalizada; sua obra não se apoiará nas antigas instituições, mas
representa novidade radical”. Nem a ele nem a ela compete a intervenção numa aliança sem amor, sem
alegria e sem vida.
A expressão de Jesus “Ainda não chegou a minha hora” correlaciona “a novidade radical que ele traz”
com o momento futuro da sua paixão, morte e ressurreição. A nova aliança não pode acontecer de
imediato, mas depende de uma caminhada a ser feita que culminará com a Cruz.
Ao dar a ordem aos discípulos, “Fazei o que ele vos disser”, a mãe (mulher) revela não conhecer os
planos de Jesus, no entanto “afirma que se deve aceitar o seu programa sem condições e estar
preparado para seguir qualquer indicação sua”. Descobrimos aqui o papel da mãe como representante
da pequena parte de Israel que ainda permanecia fiel a Deus e acreditando na espera messiânica.

2- As Talhas Vazias

“Havia lá seis talhas de pedra destinadas à purificação dos judeus; cabiam uns cem litros cada uma”
(2,6).
Ao iniciar com a expressão “havia lá”, o texto acentua a estaticidade e a fixidade das talhas.
Biblicamente, sabemos que o número que representa a perfeição e a plenitude é o sete (7). Portanto, ao
dizer que “havia lá seis talhas” se afirma que as talhas que lá estavam, além de estáticas e fixas, eram
também imperfeitas e incompletas.
“O determinativo ‘de pedra’ evoca imediatamente as tábuas ou lousas de pedra em que foi escrita a Lei”.
Assim sendo, as talhas de pedra simbolizam “a Lei de Moisés, código da antiga aliança”. Evidencia-se,
deste modo, a rigidez da Lei e a sua inflexibilidade.
A finalidade das talhas era a purificação dos judeus. Todavia, o versículo seguinte apresenta Jesus
pedindo para encherem as talhas, do que se presume estarem vazias. Mais uma vez a Lei é ineficaz, é
só por fora, dentro não tem nada. Com isto, podemos afirmar que a Lei (representada nas talhas), além
de estática, inflexível e incompleta, também era vazia e ineficaz à renovação da vida e da relação do
homem com Deus.

3- O Vinho Novo

“Jesus lhes disse: ‘Enchei as talhas de água’. Eles as encheram até as bordas. Jesus lhes disse: ‘Agora
tirai um pouco e levai ao mestre-sala’. E eles levaram. Quando o mestre-sala provou a água
transformada em vinho (sem saber de onde procedia, embora os serventes soubessem porque haviam
retirado água), dirigiu-se ao noivo e lhe disse: ‘Todos servem primeiro o vinho melhor (...) Tu guardaste
até agora o melhor vinho’” (2,7-10).
A ordem de Jesus para encher as talhas “indica que ele oferecerá a verdadeira purificação”. Se a Lei não
podia purificar, a partir de agora, Jesus vai purificar. No entanto, Jesus não vai purificar com água
(ineficaz) que só lava por fora, mas sim com vinho novo que penetra no interior da pessoa. A purificação
que Jesus oferece é eficaz porque acontece por dentro e em plenitude.
Jesus pede para levarem ao mestre-sala, que representava os dirigentes religiosos. Por sinal, o mestre-
sala nem sabia da falta de vinho, isto é, da necessidade do povo, da falta de amor na relação com Deus.
Outro detalhe importante está no versículo nove (9), que mostra, que a água se converteu em vinho
depois de retirada das talhas. Com isto, podemos afirmar que a novidade radical de Jesus (vinho novo =
amor e alegria verdadeiros) não depende da antiga Lei (talhas).
Se o vinho é o símbolo do amor, então o que Jesus dá é “a relação de amor entre Deus e o homem que
se estabelece na nova aliança, relação direta e pessoal, sem intermediários”. Deste modo, “o amor como
dom é o Espírito (1,16.17) e é ele quem purifica”. Este vinho do Espírito cria na pessoa uma nova
condição. Sem dúvida, “esta é a Lei da nova aliança, não código exterior, como a antiga, mas vinho que
penetra no interior do homem e o transforma, a Lei escrita no coração” (Jr 31,33; Jo 1,17).
A frase “tu guardaste até agora o melhor vinho” (2,10) salienta “a superioridade do vinho novo e a
surpresa de que o novo seja melhor do que o antigo”. Jesus inaugurou um era superior à passada. A
qualidade da nova aliança é inegável, pois, até o mestre-sala (representante dos dirigentes religiosos)
sentiu a diferença, embora não a compreendeu. O fato de achar estranho e não entender o porque do
vinho melhor ter ficado por último revela que os líderes religiosos dos judeus não estavam abertos à
mudança, à novidade messiânica. E no entanto, a verdade é esta mesmo, Jesus chegou para mudar
tudo, para fazer diferença. Ele é o Messias, o inaugurador da nova aliança.

Conclusão

“Em Caná da Galiléia Jesus fez este primeiro sinal, manifestou sua glória e os discípulos creram nele”
(2,11).
A bem da verdade, este versículo apresenta a interpretação do evangelista quanto ao episódio da festa
de Caná.
Ao dizer que este foi o “primeiro sinal” João “anuncia uma série de sinais que realizará Jesus”, conforme
poderemos constatar ao longo do seu Evangelho.
O sinal da nova aliança, segundo o texto, é a manifestação da glória e a razão pela qual os discípulos
passaram a crer em Jesus. Retomando o prólogo (1,14), a manifestação da glória é a revelação do pleno
amor de Deus em Jesus. É a nova relação entre Deus e o homem, pautada no amor, na alegria e na
gratuidade. Os discípulos reconheceram este amor de Deus, manifestado em Jesus, por isso, aderiram à
pessoa do Messias.
Saltando aos tempos hodiernos é oportuno questionar:
- como está nossa relação com Deus, a nível pessoal e comunitário?
- buscamos uma transformação interior ou apenas nos preocupamos com as mudanças externas?
- que tal experimentar um vinho novo, que purifica por dentro?
Também hoje, nossas festas precisam de vinho novo para que nossa alegria seja verdadeira e plena.
Vinho novo, novo amor...
Vinho novo, nova aliança...
Vinho novo, nova alegria...
Vinho novo, transformação interior...

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