Você está na página 1de 68

Empreendedorismo e negócios de impacto social para a Primeira Infância foi criado com o objetivo

de apoiar empreendedores interessados em desenvolver negócios de impacto para a Primeira Infância.


Esta publicação é uma iniciativa da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, elaborada com a colaboração
da Artemisia e da Danone Early Life Nutrition Brasil.

Direitos e permissões
Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução total ou parcial desta obra desde que citados a
fonte e os realizadores.

Realizador
Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal
www.fmcsv.org.br

Diretor-presidente Coordenadora de Conhecimento Aplicado


Eduardo de Campos Queiroz Cristine Zanarotti Prestes Rosa

Gerente de Conhecimento Aplicado Analista de Conhecimento Aplicado


Eduardo Marino Vanessa Pancheri

Da obra
Coordenação editorial projeto gráfico
Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal Denise Matsumoto
Cristine Zanarotti Prestes Rosa
Eduardo Marino Agradecimentos
Vanessa Pancheri A Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal
(Fundação Maria Cecilia) agradece aos seguintes
Col aboração especialistas pela contribuição voluntária, sob a
Artemisia forma de entrevista ou indicação de conteúdos,
para a realização desta publicação:
Danone Early Life Nutrition Brasil Beatriz Ferraz (consultora da Fundação
Karina Barros Maria Cecilia)
Gabriela Bizari Daniel Brandão (Move)
Veridyana de O. Cesar Borges Eduardo Marino (Fundação Maria Cecilia)
Gilberto Ribeiro (Vox Capital)
Textos Karina Barros (Danone Early Life
Sandra Mara Costa Nutrition Brasil)
Maure Pessanha (Artemisia)
Pesquisa Maurício Prado (Plano CDE)
Luciana Lino Vivianne Naigeborin (Artemisia e
Potencia Ventures)
Revisão
Mauro de Barros Agosto de 2016
Fundação
Maria Cecilia
Souto Vidigal
Fundada em 1965, a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal
atua na promoção do desenvolvimento na Primeira
Infância, período que vai do nascimento aos seis anos
de idade. Cumpre sua missão por meio de atividades de
conscientização da sociedade, mobilização de lideranças,
apoio à qualificação da educação infantil e programas
de fortalecimento da família e adultos de referência. A
organização mantém projetos como intervenção social
em municípios, incentivo a pesquisas, realização de
cursos e workshops e elaboração de publicações, entre
outras ações, para expandir o conhecimento sobre a
importância do desenvolvimento na Primeira Infância.

Para saber mais sobre a Fundação Maria Cecilia, acesse


www.fmcsv.org.br
Apresentação

Empreender
para Realizar
e transformar
Nos últimos anos, a ciência vem mostrando que o que
ocorre com uma criança na Primeira Infância, período
que vai do nascimento aos seis anos de idade, tem um
impacto importante em toda a sua vida. Mais do que
isso, ela afirma que o desenvolvimento saudável da
criança – considerando nutrição, saúde física e emo-
cional, competências sociais e capacidades cogniti-
vas e de linguagem – cria as bases de uma sociedade
próspera, sustentável e com menos inequidade.

Posto em outras palavras, o sucesso de um indivíduo


na escola e, posteriormente, na vida profissional e
na comunidade está muito ligado ao que se passa na
Primeira Infância, já que esta é uma janela de opor-
tunidade para o desenvolvimento humano e social.

Dar o suporte adequado a este período tão impor-


tante, requer o envolvimento de vários atores e se-
tores – famílias, sociedade, organizações e governo
–, por isso a importância dos negócios de impacto
social, voltados para a Primeira Infância, como mais
um possível agente de transformação. Empreender
significa decidir realizar uma tarefa trabalhosa, em re-
gra pouco trivial e que envolve riscos. Só empreende
quem acredita que é capaz de realizar e transformar.
Empreender um negócio de impacto social para a Pri-
meira Infância pressupõe conhecer as características e
demandas típicas deste período da vida e também da-
queles que estão envolvidos com a criança – sobretudo
pais, familiares, cuidadores e profissionais da saúde, da
educação e do desenvolvimento social, entre outros.

A parceria com a Artemisia, inaugurada em 2015,


por meio do Artemisia Lab Primeira Infância, nas-
ceu da ideia de potencializar um ecossistema de
negócios de impacto social para a Primeira Infância.
Após 185 ideias selecionadas, dois workshops rea-
lizados com a participação de 83 empreendedores,
sentimos a necessidade de preparar esta publicação
com o objetivo de compartilhar conteúdos e fontes
de referência para auxiliar empreendedores e em-
preendedoras a propor soluções de negócios que
ajudem a transformar a realidade das crianças e de
suas famílias, em especial as que estão em situação
de mais vulnerabilidade.

Queremos inspirar e promover o debate sobre de-


senvolvimento na Primeira Infância. Contamos com
você, empreendedor e empreendedora, para cons-
truirmos oportunidades para proporcionar o pleno
desenvolvimento para nossas crianças e nossa so-
ciedade. Esperamos que esta publicação consiga
apoiá-lo nesta empreitada.

Boa leitura!

Eduardo de Campos Queiroz


Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal
Sumário

Negócios de impacto social


para a Primeira Infância
Pág. 08

O que todo empreendedor


de negócio de impacto
para a Primeira Infância
deve saber
pÁG. 16

Os desafios da Primeira
Infância no Brasil
pÁG.32
Oportunidades para
negócios de impacto para
a Primeira Infância
pÁG. 52

Referências para a
avaliação de negócios
de impacto social
pÁG. 58
Negócios
de impacto
social para
a Primeira
Infância
O mundo dos negócios é um velho conhecido de todos
nós. Sua origem remete ao início da civilização, como des-
dobramento da simples troca de produtos de primeira ne-
cessidade, tendo evoluído para o comércio de mercadorias
e também de serviços, mediante o uso de uma moeda.

O principal resultado esperado por aqueles que decidem


iniciar um negócio tradicional é a maximização dos lucros
obtidos. Os negócios de impacto social propõem uma
nova lógica, em que o principal objetivo é criar produtos e/
ou serviços que solucionem problemas sociais, ao mesmo
tempo que gerem lucro.

No nosso caso, o impacto que queremos gerar é garantir as


melhores condições de vida e desenvolvimento para todas
as crianças na Primeira Infância, período que compreende
os seis primeiros anos de vida. Dados extraídos da edição
2014 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad)
indicam que existem 18,8 milhões de crianças na Primeira In-
fância no Brasil, uma população que equivale a 10% do total
e se equipara ao número de habitantes do Chile.

Os números demonstram que se trata de uma parcela


bastante significativa de nossa população. E dão a dimen-
são do amplo esforço que se faz necessário, não somente
no âmbito dos programas e políticas governamentais ou
9

de programas de organizações sociais, mas também no desenvolvimen-


to de negócios que possam complementar a oferta pública e, assim,
contribuir para solucionar os problemas que impedem o desenvolvimen-
to pleno nessa etapa da vida, especialmente entre crianças que vivem em
famílias de menor renda.

Quando uma criança não tem seus direitos básicos assegurados – como
saúde, alimentação, moradia e educação – e cresce em um ambiente de
vulnerabilidade e estresse elevados, torna-se mais difícil desenvolver suas
potencialidades. Neste contexto, as oportunidades começam a ser perdidas
logo no início da vida, criando condições desiguais de desenvolvimento. As
crianças são cidadãs do hoje, merecedoras de plenos direitos, e também
representam o futuro da sociedade. Um país que desconsidera suas crianças
deixa de investir em si mesmo.

É necessária a articulação de todos os setores para criar estruturas eficientes


que deem suporte e ofereçam condições plenas para o desenvolvimento de
todas as crianças neste período tão sensível de suas vidas.

Os negócios de impacto social podem contribuir com a melhoria da


qualidade de vida das crianças brasileiras e de suas famílias, possibilitan-
do o acesso a bens e serviços que muitas vezes sequer chegam ao co-
nhecimento da população de menor renda. Neste capítulo, vamos rever
alguns conceitos importantes para quem está na área e deseja empreen-
der na Primeira Infância.


Definição e dimensões dos negócios de impacto social


Existem algumas diferenças de terminologias, conceitos e definições sobre
negócios de impacto, inclusive quanto à distribuição de dividendos – se de-
veriam ser revinvestidos no próprio negócio ou distribuídos aos investidores
da iniciativa. Há, contudo, convergência no entendimento de que negócios
de impacto associam retorno financeiro e impacto social positivo.

De acordo com a Força Tarefa de Finanças Sociais, negócios de impacto


são empreendimentos que têm a missão explícita de gerar impacto so-
cioambiental, ao mesmo tempo que geram resultado financeiro positivo
e de forma sustentável.

Segundo a Artemisia, negócios de impacto social são empresas que ofe-


recem, de forma intencional, soluções escaláveis para problemas sociais da
população de baixa renda, tendo como principais características:
10 Negócios de impacto social para a Primeira Infância

§ Foco na baixa renda – Negócios desenhados de acordo com


as necessidades e características da população de baixa renda
(classes sociais C, D e E).
§ Intencionalidade – Negócios que possuem a missão explícita
de causar impacto social e são geridos por empreendedores
éticos e responsáveis.
§ Potencial de escala – Podem ampliar o alcance por meio da
expansão do próprio negócio.
§ Rentabilidade – Possuem um modelo robusto que garante a
rentabilidade sem depender de doações ou subsídios.
§ Impacto social relacionado à atividade principal – O pro-
duto ou serviço gera impacto social, ou seja, não se trata
de um projeto ou iniciativa separada do negócio, e sim de
sua atividade principal.
§ Distribuição ou não de dividendos – O negócio pode ou não
distribuir dividendos a acionistas, não sendo este o critério
para definir negócios de impacto social.

Para o indiano Amartya Sen, Prêmio Nobel de Economia em 1998, “pobreza


é a privação das capacidades básicas de um indivíduo, e não apenas o fato
de possuir renda inferior a um patamar preestabelecido”. A partir desta pers-
pectiva, a Artemisia considera que os negócios podem gerar impacto social
em cinco dimensões:

1. Diminuem custos de transação – O custo de transação


pode ser definido como o custo em dinheiro e tempo gas-
tos por um comprador no mercado. Negócios de impacto
podem oferecer produtos e serviços que diminuam ou eli-
minem barreiras de acesso da população de baixa renda a
bens e serviços essenciais.
2. Reduzem condições de vulnerabilidade – Negócios de im-
pacto podem oferecer produtos que facilitem a proteção
de bens conquistados e a antecipação ou prevenção de
riscos futuros.
3. Ampliam possibilidades de aumento de renda – Negócios de
impacto podem atuar no aumento das oportunidades de em-
prego estável ou na melhoria das condições de trabalho do
microempreendedor.
4. Promovem oportunidades de desenvolvimento – Negócios
de impacto podem promover oportunidades para que pes-
soas de baixa renda fortaleçam seu capital humano e social.
Negócios de impacto social para a Primeira Infância 11

5. ortalecem a cidadania e os direitos individuais – Negócios


F
de impacto podem contribuir para o fortalecimento da cida-
dania por meio de produtos e serviços essenciais para uma
qualidade de vida digna.

Empreendedorismo e empreendedorismo de impacto social


O empreendedorismo é considerado um dos principais motores do de-
senvolvimento econômico e social de um país e seu conceito foi popula-
rizado pelo economista Joseph Schumpeter em 1945. Segundo ele, o em-
preendedor é alguém versátil, que possui habilidades para saber produzir,
reunir recursos financeiros, organizar as operações internas e realizar as
vendas da sua empresa.

Uma definição mais contemporânea de empreendedorismo vem do estu-


dioso Robert D. Hisrich. Para ele, empreendedorismo é o processo de criar
algo diferente e com valor, dedicando o tempo e o esforço necessários,
assumindo os riscos financeiros, psicológicos e sociais correspondentes e
recebendo as recompensas da satisfação econômica e pessoal. A satisfação
econômica é resultado de um objetivo alcançado, um novo produto ou
empresa, por exemplo, e não um fim em si mesma.

O empreendedor de negócios de impacto social é um indivíduo que pos-


sui visão, criatividade e determinação excepcionais. Ele utiliza essas qua-
lidades para identificar problemas sociais e propor soluções inovadoras,
na forma de produtos e serviços que possam ser comercializados. Por
meio da sua atuação, acelera o processo de mudanças e inspira outros
atores a se engajarem em torno de sua causa. Ele é alguém capaz de mo-
bilizar pessoas e quebrar paradigmas e, assim, modificar o curso de uma
indústria e de um setor. A medida de seu sucesso passa pelo impacto
social que sua iniciativa é capaz de gerar.

Empreender negócios com impacto social em Primeira Infância pressupõe


o desenvolvimento de soluções que possam compreender a criança de
até seis anos de idade como um ser potente, pronto para aprender e para
ensinar, e um cidadão em condições peculiares de desenvolvimento; re-
quer entender o contexto e o ambiente dessa criança, a qualidade de sua
interação com os adultos mais próximos e as condições desses adultos. E,
essencialmente, respeita a premissa de que todas as crianças nascem do-
tadas dos mesmos direitos fundamentais: à vida e à saúde; à liberdade, ao
respeito e à dignidade; à convivência familiar e comunitária; à educação, à
cultura, ao esporte e ao lazer.
12 Negócios de impacto social para a Primeira Infância

Ecossistema de negócios
Transposto da biologia, em alusão à vida interdependente, o termo “ecos-
sistema de negócios” tem sido usado desde os anos 1990. Ele descreve
as comunidades de atividade econômica que se baseiam em plataformas
de interação entre organizações e indivíduos cujas capacidades e papéis
evoluem e se alinham ao longo do tempo.

Conhecer o ecossistema em que está inserido e saber como se com-


portar dentro dele é crucial para um negócio de impacto social, espe-
cialmente se considerarmos que só se conquista escala e relevância nos
resultados quando existe colaboração entre os diversos atores de distintos
setores da sociedade. Incluem-se aí outros empreendedores, clientes, for-
necedores, órgãos governamentais e reguladores, investidores, acelerado-
ras e incubadoras, institutos e fundações, ONGs, universidades, meios de
comunicação, etc.

O ecossistema de negócios de impacto social para a Primeira Infância


abrange uma gama igualmente variada de atores em cada atividade pro-
posta. Genericamente, além dos públicos de interesse específicos à natu-
reza de cada negócio, também é preciso considerar as partes relaciona-
das à temática da Primeira Infância, como organizações de atendimento
e defesa que compõem o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do
Adolescente; gestores públicos; ONGs e investidores sociais privados vol-
tados à Primeira Infância; acadêmicos, especialistas e profissionais liberais
de referência no tema.

É essencial buscar informações e se certificar de que o negócio, produto


ou atividades que serão desenvolvidos se enquadram nas leis, regulamen-
tações e em boas práticas nacionais e internacionais vigentes, respeitando
a integridade, a saúde, os direitos e o bem-estar da criança1.

Investimentos de impacto
De acordo com a Rede Global de Investimento de Impacto (GIIN, na sigla

1
Algumas das instituições/fontes responsáveis por regulamentações ou que for-
necem orientações para produtos de interesse da Primeira Infância são: Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa, http://portal.anvisa.gov.br/alimentos); Or-
ganização Mundial da Saúde (OMS, http://www.who.int/eportuguese/countries/bra/
pt/); Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro, http://www.
inmetro.gov.br); Criança Segura Brasil (http://criancasegura.org.br); Projeto Crian-
ça e Consumo (http://criancaeconsumo.org.br); e site do Marco Legal da Primeira
Infância (http://marcolegalprimeirainfancia.com.br).
Negócios de impacto social para a Primeira Infância 13

em inglês), investimentos de impacto são aqueles feitos em empresas, or-


ganizações e fundos com a intenção de gerar impacto social e ambiental
e também retorno financeiro. Investimentos de impacto podem ser reali-
zados tanto em mercados emergentes quanto em mercados desenvolvi-
dos e buscam desde retornos abaixo do mercado até retornos na taxa de
mercado – dependendo das circunstâncias.

Os investimentos de impacto desafiam a visão clássica de que problemas


sociais e ambientais devem ser alvo de atenção apenas de institutos ou
fundações filantrópicas, em localidades onde a atuação dos governos é
insuficiente, e de que o mercado de investimentos deve focar-se exclusi-
vamente em alcançar resultados financeiros. Já é possível observar que os
investimentos de impacto são vistos como uma oportunidade relevante,
podendo integrar o portfólio de investimentos de bancos, fundos de pen-
são, seguradoras, administradores de fortunas, fundações familiares e em-
presariais e investidores individuais. Neste último grupo figuram os chama-
dos investidores-anjo, que apoiam negócios por meio de capital semente.

O setor de investimentos de impacto está em ascensão no mundo. Muitos


investidores aportam recursos para um negócio, podendo tornar-se sócios
da iniciativa e ajudam a expandi-la até atingir um dado patamar de lucra-
tividade que permita a venda de sua participação. O que une os pioneiros
deste setor é a convicção de que investimentos em negócios criativos
e inovadores podem ter um papel crucial para tratar questões sociais e
ambientais complexas e que exigem abordagem sistêmica. É o caso da
agricultura sustentável, das tecnologias limpas, do microfinanciamento e
do acesso a necessidades básicas como saúde, educação e moradia.

No Brasil, tanto a oferta de crédito como os investimentos em negócios


de impacto social ainda são limitados, mas estão em expansão. Uma pes-
quisa realizada em 2014 por um conjunto de organizações internacionais2
identificou 28 investidores de impacto social no Brasil e ouviu 22 deles
(nacionais e internacionais). O estudo mostrou que o montante disponível
para negócios de impacto social somava entre US$ 89 milhões e US$ 127
milhões e que os investidores esperavam concluir 136 negócios no Brasil
naquele ano – o dobro dos 68 concluídos nos dez anos anteriores.

Outro estudo, intitulado “Mapeamento dos Recursos Financeiros dispo-


níveis no Campo Social do Brasil com o objetivo de identificar recursos

2
LGT Venture Philanthropy, Quintessa Partners, University of St. Gallen e The Aspen
Network of Development Entrepreneurs (Ande), com o apoio da Artemisia.
14 Negócios de impacto social para a Primeira Infância

potenciais para Finanças Sociais” e elaborado pela Força Tarefa de Finanças


Sociais e pela Deloitte, buscou identificar qual seria o montante de recur-
sos públicos e privados disponíveis para serem investidos em soluções que
resolvem problemas sociais e geram resultado financeiro positivo. Reali-
zado em 2015, com base em dados de 2014, o levantamento identificou
que R$ 13 bilhões foram investidos no Brasil por mecanismos de finanças
sociais, com potencial de chegar a R$ 50 bilhões até 2020.

Os dados do setor indicam que existe movimento e disposição crescentes


por parte de investidores para realizar aportes. Neste sentido, um plano de
negócios bem estruturado – fundamentado em um bom planejamento, no
conhecimento do público-alvo e na validação do produto/serviço junto a
esse público – e que demonstre a capacidade de execução do empreen-
dedor e de sua equipe poderá aumentar a atratividade do projeto perante
investidores e credores.

»»Negócios de impacto social: empresas que ofere-


cem, de forma intencional, soluções escaláveis para
problemas sociais.
Na ponta »»Ecossistema de negócios: rede de relacionamentos que
da língua se estabelecem entre indivíduos, organizações e o am-
biente em que o negócio está inserido.

»»Investimentos de impacto: investimentos feitos em


empresas, organizações e fundos com a intenção de gerar
impacto social e ambiental e também retorno financeiro.
Negócios de impacto social para a Primeira Infância 15

O especialista é você
Ao longo deste guia, traremos nesta seção dicas de pesquisas, publicações,
leis, filmes e sites para você se aprofundar em negócios de impacto para a
Primeira Infância.

Pesquisa
Edição 2014 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(Pnad) (http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/
trabalhoerendimento/pnad2014/default.shtm).

Site (em inglês)

Global Impact Investing Network (GIIN), a Rede Global de


Investimento de Impacto (em tradução livre) (https://thegiin.org).

Publicações
§ Empreendedorismo, de Robert D. Hisrich, Michael P. Peters e
Dean A. Shepherd (McGraw-Hill, 2014).
§ Criando um Negócio Social, de Muhammad Yunus
(Elsevier, 2010).
§ Negócios com Impacto Social no Brasil (Peirópolis, 2013).
§ A Riqueza na Base da Pirâmide (Bookman, 2010).
§ Marketing 3.0: as forças que estão definindo o novo marketing
centrado no ser humano, de P. Kotler, H. Kartajaya e I. Setiawan
(Elsevier, 2010).

Estudos de mercado
§ Oportunidades de negócios de saúde para a população
de baixa renda no Brasil (http://artemisia.org.br/img/
conhecimento/Estudo_Oportunidades_Negocios_em_Saude.
pdf) e Oportunidades em educação para negócios focados na
população de baixa renda no Brasil (http://artemisia.org.br/
img/conhecimento/Estudo_Oportunidades_Negocios_em_
Educacao.pdf).
§ Mapeamento dos Recursos Financeiros disponíveis no Campo
Social do Brasil com o objetivo de identificar recursos potenciais
para Finanças Sociais, da Força Tarefa de Finanças Sociais
e da Deloitte (http://ice.org.br/wp-content/uploads/pdfs/
MapeamentoOfertaCapital.pdf).
o que todo
empreendedor
de negócio
de impacto
para a
primeira
infância
deve saber
Caro empreendedor ou empreendedora, talvez o que va-
mos dizer agora não seja nenhuma novidade, mas a pes-
soa que melhor precisa entender do seu negócio é você.
Assim, este capítulo apresenta conteúdos com a perspecti-
va da ciência sobre o desenvolvimento na Primeira Infância
e como esta é uma janela de oportunidade para o desen-
volvimento do capital humano.

O campo de estudos do desenvolvimento na Primeira


Infância é muito vasto e o que vamos apresentar aqui é
apenas uma visão geral de alguns assuntos que selecio-
namos. Será um conteúdo recheado de dicas de mate-
riais de apoio para você aprofundar seus conhecimentos.
E quanto mais conhecimento, mais oportunidades para
desenvolver o seu negócio de impacto social e atingir os
resultados desejados.
17

Para começar o capítulo, queremos destacar o conceito de Primeira


Infância, conforme define o Marco Legal da Primeira Infância (Lei nº
13.257/2016):

Primeira Infância é o nome dado ao período que


abrange os primeiros seis anos completos ou 72
meses de vida da criança.

O desenvolvimento infantil começa desde a gestação e a Primeira Infân-


cia é denominada como o período que vai do nascimento aos seis anos
de idade. Esta é uma fase da vida fundamental para o desenvolvimento
da criança e do futuro adulto, considerada a base para a aquisição de
habilidades que lhe servirão por toda a vida; é uma fase crítica para o de-
senvolvimento cerebral e físico, da capacidade de aprendizado, a aqui-
sição dos movimentos, a iniciação social e afetiva, entre outros. Cada
um destes aspectos é interligado com os demais e influenciado pela
realidade na qual a criança vive. É neste universo de informações que
vamos mergulhar agora.

O cérebro em desenvolvimento
A ciência ainda tem muito a aprender sobre o cérebro, mas, com a ajuda de
exames de imagem como a ressonância magnética, muito se tem desven-
dado nos últimos anos sobre sua constituição e funcionamento. A chamada
neurociência, o estudo sobre o sistema nervoso que inclui o cérebro, des-
lanchou e suas descobertas têm iluminado vários campos de saber.

Considerado um órgão de alta complexidade, o cérebro não é uma es-


trutura completa quando nascemos e os primeiros anos de vida são es-
senciais para a sua formação e maturação. No momento do nascimento,
o peso do cérebro do bebê corresponde a aproximadamente 25% do
peso do cérebro de um adulto. Até o segundo ano de vida, esta propor-
ção sobe para 75%.

O cérebro é composto por células chamadas neurônios, que possuem


uma extensa rede de prolongamentos que conectam as diversas regiões
cerebrais por meio de circuitos elétricos. As conexões entre os neurônios
são conhecidas como “sinapses”. O estudo “O impacto do desenvolvi-
mento na Primeira Infância sobre a aprendizagem”, produzido pelo Nú-
cleo Ciência Pela Infância (NCPI), ensina que, por meio de um processo
chamado “sinaptogênese”, o número de sinapses entre os neurônios se
multiplica, chegando a 700 novas conexões por segundo, em algumas
18 o que todo empreendedor de negócio de impacto para a primeira infância deve saber

regiões cerebrais, no segundo ano de vida. “As sinapses mais utilizadas se


fortalecem e carregam informações de forma mais eficiente, enquanto
as que não forem utilizadas gradualmente enfraquecem e desaparecem,
fenômeno conhecido como ‘poda sináptica’”, assinala o estudo.

O amadurecimento do cérebro acontece de forma significativa antes do


nascimento, com a geração de mais de 100 bilhões de células nervosas.
Principalmente após o nascimento acontece a “mielinização”, proces-
so pelo qual a mielina, uma substância composta por proteína e gordu-
ra, envolve o prolongamento dos neurônios, facilitando a condução do
impulso elétrico e melhorando a comunicação neuronal. “O somatório
desses processos ao longo dos primeiros anos de vida modifica a estru-
tura do cérebro sob influência das experiências vividas, resultando no
impressionante desenvolvimento neurológico que permite que a criança
gradualmente adquira novas capacidades como emitir os primeiros sons
até falar, aprimorar o controle motor até sentar, engatinhar e caminhar, e
assim por diante”, registra o mesmo estudo do NCPI.

Uma criança na Primeira Infância possui enorme plasticidade cerebral,


isto é, seu cérebro conta com elevada capacidade de transformação de-
vido aos estímulos e às experiências vividas. Os primeiros mil dias, que
são resultado da soma dos 280 dias de gestação com os dois primeiros
anos de vida, compõem uma fase tida como de grande vulnerabilidade e
particularmente sensível às influências do ambiente. A estimulação ade-
quada do bebê, com atividades de interação e comunicação e a prática
do brincar, pode contribuir muito para o desenvolvimento do cérebro.
Em contrapartida, situações de estresse elevado e permanente neste pe-
ríodo sensível dos primeiros anos de vida podem prejudicá-lo de forma
duradoura, com a redução de conexões neuronais. É o que acontece
com bebês sujeitos a maus-tratos, violência e negligência. A essa situa-
ção de estresse elevado damos o nome de estresse tóxico.

Para determinadas funções, a plasticidade cerebral é máxima nos perí-


odos iniciais da vida. A Primeira Infância apresenta períodos em que a
aprendizagem de diversas habilidades e competências acontecem com
maior facilidade e por isso devem ser bem aproveitados.
o que todo empreendedor de negócio de impacto para a primeira infância deve saber 19

O especialista é você
Vídeo
As experiências moldam a arquitetura do cérebro, do Center
on the Developing Child da Universidade de Harvard, traduzido
e adaptado para o português pelo Núcleo Ciência Pela Infância
(https://www.youtube.com/watch?v=eSAHbDptGh4).

Animação
Conheça o Super-Cérebro, do Center on the Developing Child da
Universidade de Harvard, traduzido e adaptado para o português
pela Fundação Maria Cecilia (https://www.youtube.com/
watch?v=y6Y_tpf5LEk).

Vídeo
O stress tóxico prejudica o desenvolvimento saudável, do Center
on the Developing Child da Universidade de Harvard, traduzido
e adaptado para o português pelo Núcleo Ciência Pela Infância
(https://www.youtube.com/watch?v=dZazltqAti0).

Desenvolvimento na Primeira Infância


Faz parte do desenvolvimento humano o processo de aquisição de habilida-
des que progressivamente levam o indivíduo de uma condição de dependên-
cia extrema à autonomia. O desenvolvimento na Primeira Infância, por sua
vez, consiste no desenvolvimento que acontece nos primeiros seis anos de
vida, considerando aspectos físicos, neurológicos, socioemocionais e cogni-
tivos. Mas, didaticamente falando, a que cada um desses aspectos se refere?

§ Aspectos físicos/biológicos: referem-se ao crescimento e à


maturação física e funcional de estruturas e órgãos.
§ Aspectos neurológicos: abrangem o funcionamento do cére-
bro e de todo o sistema nervoso.
§ Aspectos socioemocionais: tratam da capacidade de o indiví-
duo estabelecer relações e lidar com as emoções.
§ Aspectos cognitivos: reúnem as habilidades mentais necessá-
rias para a obtenção de conhecimento (pensamento, raciocí-
nio, linguagem, memória, atenção, abstração, criatividade, ca-
pacidade de resolução de problemas, entre outras funções).

Para que o desenvolvimento da criança aconteça de forma plena, ela preci-


sa de um ambiente acolhedor, harmonioso e rico em experiências positivas,
20 o que todo empreendedor de negócio de impacto para a primeira infância deve saber

desde o período pré-natal, por meio dos cuidados da mãe e do pai, da famí-
lia e da interação com o ambiente.

Há enorme influência do ambiente em que a criança vive sobre os diversos


aspectos do desenvolvimento na Primeira Infância, sobretudo porque nes-
ta fase o cérebro está particularmente propenso a se modificar positiva ou
negativamente, de acordo com as experiências vividas. O estabelecimento
de vínculos positivos com adultos na família ou na escola potencializa o
desenvolvimento saudável da criança.

O especialista é você
Filme
O Começo da Vida, de Estela Renner (Brasil, 2016).

Filme
Bebês, de Thomas Balmès (Estados Unidos, 2010).

Vídeo
Funções executivas: habilidades para a vida e aprendizagem, do Center
on the Developing Child (CDC) da Universidade de Harvard, traduzido
e adaptado para o português pelo Núcleo Ciência Pela Infância (http://
www.fmcsv.org.br/pt-br/acervo-digital/Paginas/funcoes-executivas-
habilidades-para-a-vida-e-aprendizagem-video.aspx).

Publicação
Fundamentos do Desenvolvimento Infantil, de Saul Cypel (org.)/
Fundação Maria Cecilia (http://www.fmcsv.org.br/pt-br/acervo-
digital/Paginas/Fundamentos-do-desenvolvimento-infantil.aspx).

Estudo
O Impacto do Desenvolvimento na Primeira Infância sobre a
Aprendizagem, do Comitê Científico do Núcleo Ciência Pela Infância
(NCPI) (http://www.fmcsv.org.br/pt-br/acervo-digital/Paginas/o-impacto-
no-desenvolvimento-da-primeira-infancia-sobre-a-aprendizagem.aspx).

Estudo
Funções Executivas e Desenvolvimento na Primeira Infância:
Habilidades necessárias para a Autonomia, do Comitê Científico
do Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI) (http://www.fmcsv.org.br/
pt-br/acervo-digital/Paginas/Fun%C3%A7%C3%B5es-Executivas-
e-Desenvolvimento-na-Primeira-Inf%C3%A2ncia-Habilidades-
necess%C3%A1rias-para-a-Autonomia.aspx).
o que todo empreendedor de negócio de impacto para a primeira infância deve saber 21

Vale ressaltar que o termo desenvolvimento também inclui atividades bá-


sicas como engatinhar, andar, falar, ter controle motor, etc., e que, como
acontece em todas as faixas etárias na Primeira Infância, o desenvolvimento
dos bebês não é somente físico, mas também cognitivo e socioemocional.

A importância do vínculo
A ciência demonstra que o desenvolvimento na Primeira Infância é poten-
cializado pela existência de bons relacionamentos e que o vínculo é um
elemento fundamental.

A psicanalista escocesa Martha Harris define vínculo como “a capacida-


de de duas pessoas experimentarem e se ajustarem à natureza uma da
outra, desenvolvido por meio da interação amorosa e contínua”. Em sua
obra “Crianças e bebês à luz de observações psicanalíticas” (Vértice, 1995),
Martha explica que o vínculo se inicia já na fase pré-natal, graças à co-
municação fisiológica e emocional que existe entre mãe e bebê e ganha
concretude maior por meio da amamentação e do cuidado amoroso dos
demais adultos que fazem parte do seu cotidiano. O cuidado amoroso é
o conjunto de atitudes de atenção, zelo e desvelo que se manifestam na
rotina de alimentação, higiene, brincadeira, proteção, socialização e esta-
belecimento de limites.

O psiquiatra inglês John Bowlby descreveu a importância dessa relação


inicial que se desenvolve entre o bebê e o seu cuidador principal ou primá-
rio, garantindo atenção, consolo e sensação de segurança, no que deno-
minou Teoria do Apego. Bowlby constatou que o apego oferece as bases
para o desenvolvimento socioemocional e até mesmo cognitivo e que,
portanto, um recém-nascido precisa desenvolver uma relação de apego
com pelo menos um adulto para que seu desenvolvimento socioemocio-
nal aconteça normalmente. Além disso, as relações de apego continuam
a influenciar ideias, sentimentos, motivações e o estabelecimento de rela-
cionamentos ao longo de toda a vida.

Bowlby constatou que relacionamentos seguros entre o adulto e a crian-


ça ajudam a criança a regular suas emoções em situações de estresse e
a explorar o mundo com confiança e promovem o desenvolvimento da
linguagem. Crianças com apego seguro têm maior predisposição a apre-
sentar comportamentos positivos, como empatia e espírito colaborativo.
Noutra vertente, crianças com apego inseguro e desorganizado têm maior
risco de desenvolver problemas de comportamento e psicopatologias,
como agressividade na escola e depressão.
22 o que todo empreendedor de negócio de impacto para a primeira infância deve saber

As pesquisas de Bowlby também mostraram que há uma alta incidência de


desorganização de apego em crianças que foram vítimas de maus-tratos.
O apego desorganizado está associado a comportamentos parentais que
incluem erros na comunicação afetiva (como respostas contraditórias a
sinais dados pela criança), retraimento dos pais, respostas confusas com
relação aos papéis ou mesmo comportamentos amedrontadores.

Outros estudos indicam que o elo adulto-criança pode continuar a se for-


talecer durante todo o processo do desenvolvimento infantil, o que ofere-
ce à criança o fundamento da construção e ampliação de vínculos com as
demais pessoas que a cercam e, em seguida, com a sociedade em geral.

O especialista é você
Artigo
Apego, por Marinus van IJzendoorn para a Enciclopédia sobre o
Desenvolvimento na Primeira Infância (http://www.enciclopedia-crianca.
com/sites/default/files/syntheses/pt-pt/2277/apego-sintese.pdf).

Estudo
Importância dos vínculos familiares na primeira infância, do Comitê
Científico do Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI) (http://www.fmcsv.
org.br/pt-br/acervo-digital/Paginas/-Import%C3%A2ncia-dos-
v%C3%ADnculos-familiares-na-primeira-inf%C3%A2ncia.aspx).

Nutrição na Primeira Infância e saúde do indivíduo


É conhecido o papel fundamental da nutrição no desenvolvimento na Pri-
meira Infância desde a fase da gestação. A alimentação da gestante inter-
fere diretamente na formação do bebê, assim como a da mãe lactante,
que está amamentando, influencia o desenvolvimento do recém-nascido.
A alimentação da criança no primeiro e no segundo anos de vida deter-
mina o desenvolvimento dos órgãos e a estruturação metabólica. Prote-
ínas, gorduras e micronutrientes são essenciais para o desenvolvimento
do cérebro, estabelecendo as bases para o seu funcionamento. Por esses
motivos, dizemos que os primeiros mil dias são tão importantes.

Por exemplo, se a gestante não atinge as necessidades diárias de áci-


do fólico, presente em alimentos como os vegetais de folhas escuras,
como brócolis e espinafre, aumentam as chances de incidência de de-
o que todo empreendedor de negócio de impacto para a primeira infância deve saber 23

feitos no tubo neural do bebê, que é a estrutura embrionária que dará


origem ao cérebro e à medula espinhal. Este nutriente é tão importante
que se indica a avaliação do profissional de saúde para análise da neces-
sidade de suplementação.

Da mesma forma, quando se trata da nutrição do recém-nascido, o aleita-


mento tem fundamental importância. O leite materno garante uma melhor
nutrição, ajuda a prevenir doenças infecciosas e respiratórias e excesso
de peso, além de combater a carência de micronutrientes como o ferro
e o zinco, por exemplo. Por isso, o Ministério da Saúde recomenda que a
amamentação seja exclusiva até os seis meses de idade, seguindo até o
segundo ano de vida ou mais.

A composição do leite materno é influenciada pela dieta da mãe e muda


durante uma mesma mamada, sendo que, ao final, contém maior concen-
tração de gorduras essenciais para o desenvolvimento saudável da criança.

Se o recém-nascido não ingere a quantidade necessária de gorduras e


proteínas, pode haver comprometimento no processo de “mielinização”
do cérebro. Como vimos anteriormente, a mielina é uma substância com-
posta por proteína e gordura que envolve o prolongamento das células
nervosas, facilitando a condução do impulso elétrico e melhorando a co-
municação neuronal. Se a mielinização não acontece a contento, o fun-
cionamento do cérebro pode ser prejudicado.

O tema da estruturação metabólica merece atenção à parte e desponta


como um dos campos de estudo mais avançados da nutrição. Também
conhecido como programação metabólica, ele descreve o fenômeno
por meio do qual uma experiência nutricional precoce, relativa à falta
ou excesso de um nutriente no período crítico do desenvolvimento na
Primeira Infância, é capaz de promover alterações epigenéticas. A epi-
genética trata de como os fatores ambientais podem mudar a maneira
como os genes se expressam.

Em outras palavras, uma dada experiência nutricional que leve a uma


alteração epigenética pode acarretar um efeito duradouro/persistente
ao longo da vida do indivíduo, predispondo-o ao desenvolvimento de
doenças crônicas não transmissíveis como a obesidade, o diabetes, a
hipertensão e o câncer.

Já se sabe, por exemplo, que aproximadamente 20% da saúde de um indi-


víduo no longo prazo pode ser explicada pela herança genética, enquanto
24 o que todo empreendedor de negócio de impacto para a primeira infância deve saber

cerca de 80% do risco de desenvolver doenças crônicas não transmissíveis


é influenciado pelos fatores ambientais, incluindo a nutrição e o estilo de
vida. O desenvolvimento de bons hábitos alimentares desde o início da
vida pode reduzir sobremaneira este risco.

O poder do brincar
Ainda no início do século passado, a médica e educadora italiana Maria
Montessori dizia que brincar é o trabalho da criança. Ela falava isso para
ressaltar a importância da brincadeira, baseada em anos de estudo e ob-
servação do comportamento da criança.

Atividade intensa, prazerosa e de certa forma arriscada, não há nada de


perda de tempo no brincar. Ele é um grande aliado do desenvolvimento
na Primeira Infância, favorecendo a comunicação, a linguagem, a imagi-
nação e o raciocínio.

As brincadeiras de movimento estimulam a motricidade, como correr, pu-


lar, subir e descer. A interação com adultos e outras crianças pelo brincar
proporciona a socialização, incluindo-se aí o aprendizado da expressão
dos sentimentos, do respeito a limites e ao outro, assim como de valores e
regras de boa convivência essenciais como compartilhar.

A brincadeira é mais importante que o brinquedo. Por meio da brincadeira,


a criança constrói narrativas e os brinquedos ajudam como instrumentos
para isso. Ao brincar, a criança testa e descobre coisas, daí o significado
da repetição das brincadeiras. Ela vive novas experiências, compreende os
fatos que estão à sua volta e constrói a sua percepção do mundo.

O tão espontâneo “faz de conta” tem o potencial de desenvolver valores,


socialização, expressões diversas e cuidados; de aproximar da vida real,
imaginada, desejada e temida. O faz de conta também ajuda as crianças a
trabalharem de forma inconsciente conflitos ou sofrimentos e a assimila-
rem situações que acontecem em seu entorno.

Os pais também se desenvolvem ao brincar com os filhos: aprendem mais


sobre eles e sobre a vida, exercitam a flexibilidade e a resiliência. O brincar
é um importante aliado na interação adulto-criança, contribuindo para o
fortalecimento do vínculo.
o que todo empreendedor de negócio de impacto para a primeira infância deve saber 25

O especialista é você
Publicação
Coleção Primeiríssima Infância, da Fundação Maria Cecilia (http://
fmcsv.org.br/pt-br/acervo-digital/Paginas/formacao-em-espacos-
ludicos.aspx). Veja o caderno 5, Formação em espaços lúdicos.

Site
Projeto Território do Brincar (http://territoriodobrincar.com.br).

Filme
Território do Brincar, de David Reeks e Renata Meirelles (Brasil, 2015).

Guia de atividades
Kit de Desenvolvimento da Primeira Infância: Uma Caixa de
Tesouros de Atividades, do Unicef (http://www.unicef.org/supply/
files/Activity_Guide_Portuguesev1.pdf).

Sobre a Primeira Infância e o mundo das telas


As telas fazem parte da nossa vida e estão por toda a parte – na televisão,
no celular, no computador, nos tablets, em DVDs dentro dos carros... Elas
fascinam o ser humano de todas as idades, e com a Primeira Infância não
é diferente. Mas o que se pode esperar dos estímulos providos pelo mundo
das telas às crianças e que consequências ele pode ter?

O assunto é controverso e não existem estudos para absolver ou condenar


de pronto o uso de mídia pelas crianças. Mas existem recomendações para
orientar o bom senso dos pais com base em evidências da ciência.

De acordo com a Academia Americana de Pediatria (AAP), a pesquisa cien-


tífica provou que alguns programas de televisão de elevada qualidade têm
potencial educativo para crianças maiores de dois anos, favorecendo o de-
senvolvimento de habilidades sociais, da linguagem e mesmo da capacida-
de de leitura. No entanto, tal mérito não se comprova junto a crianças de
menos de dois anos, já que, para os programas serem benéficos, as crianças
precisam ter capacidade de prestar atenção e compreender seu conteúdo,
o que normalmente não acontece nesta faixa etária.

Assim, a partir de uma extensa revisão de política realizada em 2011, e com


base em evidências de que o tempo de tela tem efeito potencialmente ne-
gativo sobre crianças com menos de dois anos e nenhum efeito comprova-
26 o que todo empreendedor de negócio de impacto para a primeira infância deve saber

damente positivo, a AAP manteve a recomendação de “desencorajar o uso


de mídia neste grupo etário”.

Para crianças maiores, a recomendação é que os pais definam estratégias


concretas para gerenciar o uso de mídia: controlando o conteúdo que a
criança assiste; assistindo ao conteúdo junto com ela; não instalando uma
televisão no quarto das crianças; e controlando o seu próprio uso de mídia,
de modo a não comprometer o tempo de interação com seus filhos.

A Sociedade Brasileira de Pediatria segue a recomendação da AAP para


crianças de até dois anos e orienta que, a partir daí, o tempo máximo de tela
(tempo de exposição de uma criança a uma tela) seja de duas horas por dia.
A recomendação inclui computador, tablet, televisão, videogame e celular.

Outra fonte de referência no assunto é a organização norte-americana Zero


to Three, dedicada a garantir que as crianças de zero a três anos tenham um
bom começo de vida. Recentemente, a organização publicou um conteúdo
apresentando os cinco mitos equivocados a respeito do uso de mídia por
crianças de menos idade:

§ Mito 1: todo o tempo de tela é prejudicial ao aprendizado nos anos


iniciais de vida.
§ Realidade: a Zero to Three sustenta que orientação de conteúdo, li-
mite de tempo de tela e envolvimento dos pais como mediadores pode
criar condições para que exista aprendizado.

§ Mito 2: as crianças não são impactadas pela TV ligada ao fundo.


§ Realidade: as crianças são impactadas, com prejuízos para o brincar
e o aprendizado.

§ Mito 3: TV na hora de dormir pode ajudar as crianças a cair no sono.


§ Realidade: é justamente o contrário. TV desperta a criança.

§ Mito 4: o uso de celular pelos pais não afeta o comportamento


das crianças.
§ Realidade: quanto mais os pais usam o celular, menos atenção as
crianças recebem e mais agitadas elas ficam.

§ Mito 5: quanto mais interativa for a experiência de tela, melhor


para a criança.
§ Realidade: muita possibilidade de interação virtual prejudica o
foco da criança.
o que todo empreendedor de negócio de impacto para a primeira infância deve saber 27

É a interação pessoal entre pais/adultos e crianças que traz benefícios para


o desenvolvimento da linguagem e a aquisição de vocabulário. A tecnologia
não substitui a interação com um adulto em praticamente nenhum quesito,
especialmente no de dar atenção, estímulo e afeto. Dar atenção à criança
ajuda que ela construa um forte sistema de valores e autoestima, o que a
torna mais confiante para enfrentar desafios.

Além disso, o excesso de mídia compromete o tempo do livre brincar,


tão necessário para desenvolver a socialização, a criatividade e a habili-
dade de resolver problemas.

O especialista é você
Artigo (em inglês)
Media use by Children Younger than 2 Years, da Academia
Americana de Pediatria (AAP) (http://pediatrics.aappublications.
org/content/128/5/1040.full?sid=90c428d6-df4a-4e16-8862-
2ef44f314693).

Infográfico (em inglês)

5 Myths About Young Children and Screen Media, da organização


Zero to Three (https://www.zerotothree.org/resources/383-5-
myths-about-young-children-and-screen-media-infographic).

Artigo (em inglês)

Screen Sense: Setting the Record Straight, da organização Zero to


Three (https://www.zerotothree.org/resources/385-screen-sense-
key-findings).

Desenvolver a criança para desenvolver a sociedade


“Como sociedade, não podemos nos dar o luxo de adiar o investimento nas
crianças para quando forem adultos, nem podemos aguardar que atinjam
a idade escolar, quando poderá ser tarde demais para intervir.” A frase é do
economista norte-americano James J. Heckman, laureado em 2000 com
o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas por seus estudos relacionando
educação, desenvolvimento social e Primeira Infância.

Heckman constatou que investir em desenvolvimento e aprendizagem na


Primeira Infância traz um retorno maior para a sociedade do que investi-
mentos em qualquer outra etapa da vida:
28 o que todo empreendedor de negócio de impacto para a primeira infância deve saber

Taxa de retorno x idade

Programas voltados aos A análise de programas de edu-


primeiros anos de vida cação nas diferentes faixas etá-
INVESTIMENTOS EM CAPITAL HUMANO

rias demonstrou que a taxa de


retorno para cada dólar investido
TAXA DE RETORNO DOS

Programas voltados
para a pré-escola é maior quanto mais cedo for re-
alizada a intervenção.
Educação escolar

Capacitação profissional

CRECHE PRÉ- ESCOLA PÓS-ESCOLA


0-3 ANOS ESCOLA INTERVENÇÃO PARA ADULTOS
4-5 ANOS

0 IDADE

Fonte: modificado de: Heckman, J. Skill Formation and the Economics of Investing in Disadvantaged
Children Science, 30 June 2006: 312 (5782), 1900-1902. [DOI:10.1126/science.1128898]

As conclusões de Heckman reforçam o pressuposto científico de que os


primeiros anos de vida são cruciais para o desenvolvimento do cérebro e,
por conseguinte, de capacidades fundamentais para a aquisição de novos
conhecimentos no futuro e para o acúmulo de capital humano. Capital hu-
mano é definido como o conjunto de características individuais – como
habilidades cognitivas e não cognitivas, estado de saúde e destreza – que
determinam, juntamente com variáveis de contexto, os níveis de bem-estar
dos indivíduos em suas diversas dimensões (salário e inserção no mercado
de trabalho, envolvimento com violência e criminalidade, vícios e longevida-
de e estabilidade familiar, entre outros).

Cada conteúdo aprendido em uma etapa da vida serve de base para o


aprendizado na etapa seguinte. O já mencionado estudo “O impacto do
desenvolvimento na Primeira Infância sobre a aprendizagem”, do Núcleo
Ciência Pela Infância (NCPI), resume com propriedade as consequências
que se podem esperar quando a curva de aprendizado de uma crian-
ça não começa bem: “Quanto maior o déficit produzido, mais custoso
é remediá-lo posteriormente, de modo que desigualdades produzidas
na primeira infância acabam por contribuir significativamente para a
desigualdade social percebida na vida adulta. No longo prazo, crianças
o que todo empreendedor de negócio de impacto para a primeira infância deve saber 29

que tiveram menos oportunidades de desenvolvimento tornam-se, com


maior probabilidade, adultos pobres, produzindo o fenômeno conhecido
como ciclo intergeracional da pobreza”.

O estudo do NCPI vai ainda além: “Do ponto de vista social, a evidên-
cia empírica demonstra que crianças que frequentaram boas escolas e
tiveram atenção à saúde adequada na Primeira Infância tornaram-se ci-
dadãos com menor propensão ao envolvimento com tabagismo, alcoo-
lismo, criminalidade e violência, além de precisarem menos da ajuda do
governo para sua sobrevivência (através de programas de transferência
de renda e concessão de benefícios)”.

De acordo com o economista James J. Heckman, investir em crianças de


menor idade que se encontram em desvantagem social é uma das poucas
políticas públicas capazes de promover igualdade e justiça social e, ao mes-
mo tempo, gerar maior produtividade na economia e na sociedade.

O especialista é você
Artigo
O impacto do desenvolvimento na Primeira Infância sobre a
aprendizagem, do Núcleo Ciência Pela infância (NCPI) (http://
www.fmcsv.org.br/pt-br/acervo-digital/Paginas/o-impacto-no-
desenvolvimento-da-primeira-infancia-sobre-a-aprendizagem.aspx).

Artigo
Investir nos mais jovens, por James J. Heckman e Henry Schultz para
a Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância (http://
www.enciclopedia-crianca.com/Pages/PDF/HeckmanPRTxp.pdf).

Artigo
O investimento em desenvolvimento na primeira infância cria
os alicerces de uma sociedade próspera e sustentável, por
Jack Shonkoff e Julius B. Richmond para a Enciclopédia sobre o
Desenvolvimento na Primeira Infância (http://www.enciclopedia-
crianca.com/Pages/PDF/ShonkoffPRTxp.pdf).
30 o que todo empreendedor de negócio de impacto para a primeira infância deve saber

»»Primeira Infância: nome dado ao período que abrange


os primeiros seis anos completos ou 72 meses de vida da
criança. É uma etapa muito sensível para o desenvolvi-
Na ponta mento e as experiências dessa época são levadas para o
resto da vida.
da língua
»»Plasticidade cerebral: capacidade de transformação
devido aos estímulos e às experiências vividas.

»»Desenvolvimento na Primeira Infância: desenvol-


vimento que acontece nos primeiros seis anos de vida,
considerando aspectos físicos, neurológicos, socioemo-
cionais e cognitivos.

»»Nutrição na Primeira Infância: é o fator ambiental


mais bem documentado em relação à interferência no
status de saúde da criança até sua vida adulta. A nutri-
ção adequada desde a gestação é capaz de proteger o
indivíduo e contribuir para o seu pleno crescimento e
desenvolvimento.

»»Tempo de tela: do inglês “screen time”, o termo se re-


fere à somatória do tempo despendido por uma pessoa
por dia diante de uma tela, incluindo os diversos tipos de
mídia (computador, tablet, televisão/DVD, videogame,
celular, etc.). Algumas organizações, como a Sociedade
Brasileira de Pediatria, não recomendam o uso de mídias
para crianças com menos de dois anos e, para crianças
acima dessa idade, orientam que esse tempo não ultra-
passe duas horas diárias.

»»Vínculo: capacidade de duas pessoas experimentarem


e se ajustarem à natureza uma da outra, desenvolvida
por meio da interação amorosa e contínua.

»»Capital humano: conjunto de características individuais


que determinam, juntamente com variáveis de contexto,
os níveis de bem-estar dos indivíduos em suas diversas
dimensões (salário e inserção no mercado de trabalho,
envolvimento com violência e criminalidade, vícios e lon-
gevidade e estabilidade familiar, entre outros).
Os desafios
da Primeira
Infância
no Brasil
Mamar e dormir. Comer e brincar. A vida da criança, des-
de o ambiente protegido do ventre materno até comple-
tar seis anos de idade, pode parecer simples, mas não é.
Pense no trabalho envolvido desde que duas células se
encontram no fenômeno da fecundação até o momen-
to do nascimento do bebê. Quando uma criança nasce,
uma parte do esforço da criação está terminada, mas ainda
existem várias tarefas inacabadas. Como já dissemos, a for-
mação do cérebro, por exemplo, é uma entre tantas outras
essenciais que continuam a ocorrer após o nascimento,
assim como o funcionamento da respiração, a maturação
do sistema digestório, do sistema imunológico, etc.

Promover o desenvolvimento integral na Primeira Infân-


cia pressupõe atentar para uma série de particularidades
e desafios, para além de acompanhar o crescimento e
a saúde física. Criar condições favoráveis para o desen-
volvimento pleno das crianças de zero a seis anos é uma
tarefa não só dos pais ou familiares, mas também de
toda a sociedade. Isso ainda exige leis e políticas que
deem atenção especial a este período da vida, assim
como a busca de soluções inovadoras. Os negócios de
impacto social podem ter uma grande contribuição nes-
te sentido, na medida em que utilizam da criatividade
para aumentar o acesso da população de baixa renda a
produtos e serviços essenciais e contribuem para evitar
que problemas ou negligências possam impactar a vida
presente e futura das crianças.
33

Desafios são terrenos férteis para a identificação de oportunidades. Este


capítulo apresenta um conjunto abrangente de dados qualitativos e quan-
titativos sobre os principais desafios da Primeira Infância no Brasil. Nossa
intenção é reunir subsídios para ajudar você a refletir com mais propriedade
sobre a sua ideia transformadora. Sabemos que se trata de uma leitura mais
densa e talvez você precise realizá-la em etapas.

Visão que a sociedade tem da criança


A pesquisa “Percepções e Práticas da Sociedade em Relação à Primeira
Infância”, produzida em 2012 pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal,
pelo Ibope e Instituto Paulo Montenegro, levantou a visão da sociedade
sobre o que é importante para o desenvolvimento da criança de zero a
três anos. Os pontos mais destacados dizem respeito aos cuidados físi-
cos: levar ao pediatra/dar vacinas recomendadas, amamentar e ter cui-
dado com a alimentação.

Outros aspectos do desenvolvimento na Primeira Infância, relacionados,


por exemplo, ao desenvolvimento cognitivo e ao desenvolvimento psi-
cossocial – como brincar/passear, conversar com a criança e receber
atenção dos adultos –, aparecem numa segunda escala de importância
perante a opinião pública.

A leitura do estudo como um todo sugere que o desenvolvimento in-


fantil é entendido como sinônimo de crescimento pelas pessoas. “Se o
desenvolvimento físico é só parte de todo o processo de crescimento da
criança, a baixa incidência de respostas nos demais aspectos da pesquisa
preocupa, até porque eles também influenciam o desenvolvimento físi-
co”, registra a análise da pesquisa.

Outro ponto de atenção da pesquisa veio na resposta sobre o momento


a partir do qual a criança começa a aprender. O estudo revelou que me-
nos da metade das pessoas (47%) acredita que as crianças comecem a
aprender antes dos seis meses de idade. Já se sabe, porém, que a criança
aprende desde que nasce, que os primeiros seis meses constituem um
período intenso de aprendizado e que a interação e o vínculo com um
adulto de referência são determinantes para o desenvolvimento.
34 os desafios da primeira infância no brasil

O especialista é você
Pesquisa
Percepções e Práticas da Sociedade em Relação à Primeira
Infância, produzida pela Fundação Maria Cecilia, pelo Ibope e Instituto
Paulo Montenegro (http://www.fmcsv.org.br/pt-br/acervo-digital/
Paginas/A-vis%C3%A3o-da-sociedade-sobre-o-desenvolvimento-da-
Primeira-Inf%C3%A2ncia---uma-pesquisa-FMCSV-e-Ibope.aspx).

Análise de pesquisa
Primeiríssima Infância – Da gestação aos três anos, da Fundação
Maria Cecilia (http://www.fmcsv.org.br/pt-br/acervo-digital/
Paginas/Primeir%C3%ADssima-Inf%C3%A2ncia---uma-pesquisa-
da-FMCSV-e-Ibope.aspx).

Vulnerabilidade social
Crianças em situação de vulnerabilidade social, que vivem em famílias de
menor renda, com acesso limitado a direitos ou em situação de exclu-
são, tendem a ter menos oportunidades de desenvolvimento ao longo
da vida. Em alguns casos, quando suas necessidades básicas de nutrição,
saúde, estímulos e afeto não são atendidas, a própria capacidade de apro-
veitar as oportunidades que lhes são oferecidas é afetada.

Segundo a edição 2014 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios


(Pnad), 5,4% da população de zero a três anos e 5,5% das crianças de quatro
a cinco anos estão em situação de extrema pobreza no Brasil. Em números
estimados, isso significa dizer que aproximadamente 870 mil crianças de
zero a cinco anos vivem em famílias com renda mensal per capita de até R$
85,00, que é o indicador mais recente para extrema pobreza no país.

Outro campo de indicadores para os quais se deve atentar quando se ana-


lisa a vulnerabilidade social na Primeira Infância é o da gravidez na adoles-
cência. Adolescentes grávidas apresentam gestação de maior risco para a
sua saúde e a do bebê – hipertensão na gravidez, prática do aborto indu-
zido, prematuridade do bebê e baixo peso ao nascer, entre outros fatores.
Além disso, tendem a não dispor da maturidade emocional necessária para
criar uma criança e a enfrentar mais dificuldade para terminar os estudos e
se preparar para o mercado de trabalho do que aquelas que não engravi-
daram. Em 2013, o Ministério da Saúde registrou mais de 400 mil casos de
adolescentes entre 15 e 19 anos grávidas no Brasil.
os desafios da primeira infância no brasil 35

Da mesma maneira, criar um filho sem a participação do pai pode ser um


desafio. Dados do Instituto Data Popular para 2015 apontam que 31% das
mães brasileiras são mães solteiras.

O Estado brasileiro adota estratégias de combate à desigualdade social


que contemplam famílias com crianças. A mais conhecida delas é o Pro-
grama Bolsa Família, política de transferência de renda que beneficiou 14
milhões de famílias em 2015. É importante compreender como este pro-
grama funciona, porque ele é amplamente disseminado entre as classes
sociais de renda mais baixa.

Por meio do programa, famílias que vivem em situação de extrema pobreza


ou de pobreza (renda mensal  per capita entre R$ 85,01 e R$ 170,00) têm
acesso a recursos em condições variadas. Acompanhe alguns detalhes:

§ Para as famílias em situação de extrema pobreza, o auxílio


é de R$ 85,00 mensais por pessoa, independentemente da
quantidade de pessoas na família.
§ A participação das famílias em situação de pobreza no Pro-
grama Bolsa Família é condicionada ao fato de terem em sua
composição gestantes e crianças ou adolescentes de até 15
anos de idade:
»» O benefício concedido à gestante consiste em nove par-
celas mensais de R$ 39,00.
»» O valor mensal do benefício por criança/adolescente é de
R$ 39,00.
»» Nutrizes (mães que amamentam) com crianças com até seis
meses de idade recebem seis parcelas mensais de R$ 39,00.
»» Considerando o público das gestantes, crianças/adoles-
centes e nutrizes, cada família pode acumular até cinco
benefícios por mês, chegando a R$ 195,00.

No caso das famílias em situação de pobreza, o programa requer ainda o


cumprimento de exigências em contrapartida ao recebimento do benefício,
como comparecimento das gestantes às consultas de pré-natal; participa-
ção das nutrizes em atividades educativas do Ministério da Saúde sobre alei-
tamento materno e alimentação saudável; inclusão de dados de crianças de
até seis meses no Cadastro Único do programa; atualização permanente do
cartão de vacinação das crianças com até sete anos; frequência mínima de
85% à escola para crianças e adolescentes de até 15 anos; e acompanha-
mento da saúde das mulheres da família.
36 os desafios da primeira infância no brasil

Para além das políticas de transferência de renda, ao analisarmos a relação


que o Estado brasileiro estabelece com a infância, é importante notar que
a legislação brasileira se mostra bastante avançada: temos o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), outorgado como lei em 1990, e foi aprova-
do em 2016 o Marco Legal da Primeira Infância. As duas legislações situam a
criança como sujeito de direitos e cidadã e reforçam diretrizes de proteção
e desenvolvimento integral.

»»Situação de extrema pobreza: famílias que vivem com


renda mensal per capita de até R$ 85,00.

Situação de pobreza: famílias que vivem com renda


»»
Na ponta
mensal per capita de R$ 85,01 a R$ 170,00.
da língua

O especialista é você
Leis
Marco Legal da Primeira Infância, Lei Federal nº 13.257/2016 (http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13257.
htm) e Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei Federal nº
8.069/1990 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm).

Pré-natal, parto e nascimento


O desenvolvimento de uma criança começa no momento da sua concep-
ção e os cuidados específicos da gestação até o nascimento são determi-
nantes para a sua formação. Dados de 2013 extraídos da Pesquisa Nacional
de Saúde do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que
97,4% das gestantes no Brasil realizam pré-natal, sendo que 83,7% começam
o pré-natal antes da 13a semana.

Uma gestação dura, em regra, 40 semanas e o acompanhamento da


gestação desde o início visa proteger a saúde da mãe, garantir o melhor
desenvolvimento possível do bebê na fase intrauterina e preparar a ges-
tante para o parto.

Apesar de a estatística indicar que o pré-natal está praticamente uni-


versalizado no Brasil, sabe-se que a qualidade do serviço oferecido às
gestantes ainda deixa a desejar. As principais críticas recaem sobre:
os desafios da primeira infância no brasil 37

§ A capacidade de os obstetras realizarem uma boa consulta


clínica das pacientes, examinando-as, ouvindo-as e interpre-
tando devidamente os sinais.
§ A dificuldade da rede pública de saúde para realizar os exames
necessários da gestação no tempo certo.
§ A pouca atenção que é dada à gestante no sentido de prepa-
rá-la para o momento do parto, isto é, orientando-a sobre for-
mas de parto, riscos e sobre o que é esperado dela nesta hora.

Uma das consequências da falta de orientação das mães sobre os tipos


de parto possíveis e suas indicações é o elevado índice de partos cesária
no Brasil. De acordo com o Ministério da Saúde, 55,6% dos partos feitos
no país em 2015 eram cesarianas. Na rede privada, este índice chegou
a 84% e na rede pública a 40%.

Em algumas situações, a cesária é uma intervenção efetiva para salvar a


vida de mães e bebês, porém ela pode causar complicações significati-
vas e, às vezes, permanentes, como sequelas ou morte, especialmente
se realizada em locais sem infraestrutura e antecipando o tempo de
maturidade do bebê.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), taxas de cesária


maiores que 10% não representam redução de mortalidade materna e do
recém-nascido. Ao contrário, o excesso de cesarianas resulta em maior
taxa de mortalidade materna e em maior número de infecções depois
do parto, segundo dados do Ministério da Saúde. Para os bebês, as im-
plicações podem ser avaliadas pelo aumento da prematuridade. Confira
alguns indicadores:

§ Entre 1992 e 2010, as mulheres submetidas a partos cesá-


rios tiveram 3,5 vezes mais chance de morrer do que as de
parto normal.
§ Entre 2000 e 2011, elas apresentaram cinco vezes mais proba-
bilidade de ter infecção depois do parto do que as do grupo
do parto normal.
§ Em 2010, a proporção de bebês prematuros, ou seja, nasci-
dos antes das 37 semanas de gestação, foi maior entre os
nascidos via cesárias – 7,8% diante de 6,4% de prematuridade
nos partos normais. Bebês prematuros são mais propensos a
enfrentar dificuldades respiratórias ao nascer e problemas de
neurodesenvolvimento, entre outras questões.
38 os desafios da primeira infância no brasil

»»Prematuridade: condição dos bebês que nascem an-


tes de completar 37 semanas de gestação ou com peso
inferior a 2,5 quilos.
Na ponta
da língua

O especialista é você
Análise de pesquisa
Primeiríssima Infância – Da gestação aos três anos, da Fundação
Maria Cecilia (http://www.fmcsv.org.br/pt-br/acervo-digital/
Paginas/Primeir%C3%ADssima-Inf%C3%A2ncia---uma-pesquisa-
da-FMCSV-e-Ibope.aspx). Veja o capítulo 9, Da gestação ao parto.

Publicação
Coleção Primeiríssima Infância, da Fundação Maria Cecilia (http://
www.fmcsv.org.br/pt-br/acervo-digital/Paginas/formacao-em-
humanizacao-do-parto-e-nascimento.aspx). Veja o caderno 7,
Formação em humanização do parto e nascimento.

Diretiva internacional
Declaração da OMS sobre Taxas de Cesáreas, da Organização
Mundial da Saúde (OMS) (http://apps.who.int/iris/
bitstream/10665/161442/3/WHO_RHR_15.02_por.pdf?ua=1&ua=1).

Nutrição
Crescimento e desenvolvimento são dois fenômenos complexos carac-
terísticos da faixa etária pediátrica, sendo ambos inter-relacionados. O
crescimento depende da interação de fatores genéticos, os quais têm
sua expressão modulada por características ambientais, socioeconômi-
cas, emocionais e nutricionais. Assim, a alimentação é importante não
somente para proporcionar pleno crescimento e desenvolvimento, mas
também por estar envolvida na gênese dos principais distúrbios nutri-
cionais na infância, como desnutrição energético-proteica, obesidade,
deficiência de ferro e hipovitaminose A.

O Brasil tem evoluído no campo da alimentação na Primeira Infância em


questões básicas como a desnutrição infantil e a morte por diarreia.
os desafios da primeira infância no brasil 39

O Ministério da Saúde reportou importante redução dos casos de baixa es-


tatura e baixo peso por deficiência nutricional no Brasil entre 1996 e 2006.
Apesar da significativa redução da desnutrição primária, isto é, decorrente
da inadequação nutricional em todo o Brasil, muitos casos de deficiência
de micronutrientes, chamada de fome oculta, ainda são detectados. Uma
recente publicação científica mostrou que 53% das crianças menores de
dois anos de idade ainda são diagnosticadas com anemia por deficiência
de ferro, que poderia ser corrigida com uma nutrição adequada.

Com base em estudos transversais realizados no Brasil nos anos 1970, 1980 e
1990, constatou-se rápido declínio na prevalência de desnutrição energético
-proteica e aumento na prevalência de sobrepeso e obesidade, caracterizan-
do o fenômeno da transição nutricional. As mudanças observadas apresen-
tam particularidades segundo regiões geográficas do Brasil e classes sociais e
são resultantes de profundas mudanças ocorridas no país nas últimas déca-
das. Deve ser destacado que a transição nutricional é um fenômeno mundial.
No mundo, a disponibilidade de alimentos cresceu 10%, com consequente
redução na prevalência de desnutrição e aumento na obesidade que se trans-
formou em grave preocupação em termos de saúde pública. Considera-se
que este fenômeno é explicado, pelo menos em parte, pela influência do
crescimento econômico, urbanização e globalização no padrão alimentar.

Outro aspecto que vem recebendo atenção crescente nas últimas décadas
é a relação entre a alimentação e o estado nutricional nos primeiros anos
de vida com o desenvolvimento de doenças crônicas na vida adulta.

Dados publicados pelo IBGE em 2010, por sua vez, confirmam queda signi-
ficativa na tendência de mortalidade infantil em crianças menores de cinco
anos por diarreia – de 17% em 1986 para 13,1% em 1996 e para 9,4% em 2006.

Mas ainda existem desafios na nutrição para a Primeira Infância e eles come-
çam na fase gestacional. Confira alguns pontos de atenção:

Gestantes
§ Verifica-se consumo inferior ao recomendado de nutrientes essen-
ciais como o ferro e o cálcio na alimentação de gestantes, bem
como o consumo excessivo de sódio. Também é frequente o caso
de mulheres que já entram na gestação com reservas insuficientes
de ferro, favorecendo a ocorrência de anemia na gestação. Isso pode
ocasionar baixo peso no bebê, dificuldades de crescimento, partos
prematuros e abortos. O excesso de sal na gravidez, por sua vez,
pode gerar bebês com propensão a serem adultos hipertensos.
40 os desafios da primeira infância no brasil

§ Muitas grávidas brasileiras não atingem as necessidades diárias de


ácido fólico só com alimentação e poucas cumprem a recomen-
dação de suplementação, principalmente antes da gestação. A in-
gestão adequada de ácido fólico reduz a incidência de malformação
do tubo neural, que é a estrutura embrionária que dará origem ao
cérebro e à medula espinhal. O Brasil é o quarto país com maior
prevalência tanto de anencefalia como de espinha bífida nas
crianças, uma malformação congênita caracterizada justamente por
um fechamento incompleto do tubo neural.
§ Estudos em grupos de grávidas realizados em 2007 revelaram que
cerca de 30% das gestantes iniciaram a gravidez com excesso de
peso e que 87% delas mantiveram esse estado nutricional ao fim da
gestação. Ainda, 40,8% das gestantes avaliadas apresentaram sobre-
peso ou obesidade ao fim da gestação. A macrossomia fetal – bebês
que nascem com mais de quatro quilos – desponta como possível
consequência do excesso de peso na gestação. A macrossomia fetal
é apontada como fator de risco para o bebê, possibilitando a ocor-
rência futura de doenças crônicas não transmissíveis, como obesida-
de e diabetes mellitus.

Amamentação
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde re-
comendam aleitamento materno exclusivo por seis meses e de forma
complementar até os dois anos de idade ou mais. Além de ser um ali-
mento completo, rico e balanceado em nutrientes, o leite materno atua no
sistema imunológico do bebê transferindo anticorpos da mãe para a crian-
ça. Do ponto de vista afetivo, a amamentação é uma excelente oportunida-
de para o estabelecimento do vínculo mãe-bebê.

Muitas mães desistem de amamentar por falta de esclarecimento, por


acharem que amamentar é difícil em função de rachaduras no bico do peito
ou por acreditarem que o seu leite não é capaz de saciar a fome do bebê, o
que gera muita ansiedade. Elas ignoram que, da mesma forma que os bebês
aprendem a mamar, as mães também vivem uma curva de aprendizado para
amamentar e é necessário apoio nesse processo, que pode ser desafiador.
A amamentação é um ato naturalmente regulado pela livre demanda (quan-
to mais o bebê mama, mais leite as mamas vão produzir).

Entre os principais fatores associados ao desmame precoce estão o uso de


chupeta, o fato de a mãe trabalhar fora e a falta de experiência/informação
em torno da amamentação. A introdução de fórmulas, quando desnecessá-
os desafios da primeira infância no brasil 41

rias, também não é recomendada. O desmame precoce e a hiperconcen-


tração de dietas lácteas sob a forma de mingaus são fatores associados ao
desenvolvimento de excesso de peso na criança. Felizmente, as estatísticas
provam que o Brasil está evoluindo quando o assunto é amamentação:

§ Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde, a du-


ração média da amamentação no país aumentou de 5,2
meses em 1986 para 14 meses em 2006. Durante este mes-
mo período, a amamentação exclusiva subiu de 2,5% para
38,6% até os seis meses.
§ Dados do Ministério da Saúde de 2008 indicam que a taxa de
amamentação exclusiva até os seis meses de vida era de 41%,
enquanto a manutenção da amamentação dos nove aos 12
meses de idade era praticada em 59% dos casos.

»»Amamentação exclusiva: É o ato de alimentar o bebê


somente com leite materno, sem necessidade de ofer-
ta de água, chá, suco ou de nenhum outro alimento.
Na ponta A amamentação exclusiva é recomendada até os seis
meses de idade.
da língua

O especialista é você
Artigo
Aleitamento Materno, do Unicef (http://www.unicef.org/brazil/pt/
activities_10003.htm).

Apostila
Promovendo o aleitamento materno, do Unicef (http://www.unicef.
org/brazil/pt/aleitamento.pdf).

Primeiros anos de vida


A anemia ferropriva, ou seja, por deficiência de ferro, é a carência nutricio-
nal de maior magnitude no mundo, sendo considerada fenômeno em ex-
pansão em todos os segmentos sociais. No Brasil não é diferente. Ela atinge
principalmente bebês menores de dois anos, além de gestantes, podendo
afetar o crescimento e o desenvolvimento cognitivo das crianças.
42 os desafios da primeira infância no brasil

Um outro desafio do campo da nutrição nos primeiros anos de vida refere-se


aos hábitos alimentares. Especialistas acreditam que a introdução precoce
e o elevado consumo de sal e açúcar na infância podem influenciar nega-
tivamente nas escolhas alimentares futuras. Além disso, a alta ingestão de
proteína pode ser prejudicial e contribuir para o excesso de ganho de peso e
risco de doenças crônicas não transmissíveis na vida adulta. Hábitos alimen-
tares inadequados nos primeiros anos de vida estão intimamente ligados a
doenças infecciosas, afecções respiratórias, desnutrição, excesso de peso
e carências específicas de micronutrientes como ferro, zinco e vitamina A.

Já se observa um consumo excessivo de carboidrato e gordura na alimenta-


ção das crianças brasileiras de seis a 59 meses, associado à ingestão de ali-
mentos processados. Por outro lado, o consumo de vegetais e frutas mos-
tra-se reduzido. Também se tem notado o aumento dos casos de alergia
alimentar entre crianças no Brasil.

»»Anemia ferropriva: é a anemia provocada por defici-


ência de ferro. Atinge principalmente bebês menores de
dois anos, além de gestantes, podendo afetar o cresci-
Na ponta mento e o desenvolvimento cognitivo das crianças.
da língua

O especialista é você
Publicação
Dez passos para uma alimentação saudável: Guia alimentar para
menores de 2 anos, do Ministério da Saúde (http://189.28.128.100/
dab/docs/portaldab/publicacoes/enpacs_10passos.pdf).

Saúde da criança
Quando o assunto é saúde na Primeira Infância, o foco tende a estar no
cumprimento do calendário de vacinações e no acompanhamento da evo-
lução do peso, da altura e, nos primeiros anos, da circunferência craniana
ou perímetro cefálico.

As visitas regulares ao pediatra são uma prática comum, conforme demons-


trou a já mencionada pesquisa “Percepções e Práticas da Sociedade em
os desafios da primeira infância no brasil 43

Relação à Primeira Infância”. Todavia, há pouca atenção, tanto por parte


de pediatras quanto de pais/mães, em relação a aspectos do desenvol-
vimento integral da criança – como a evolução da fala e da motricidade
–, mesmo que existam instrumentos de apoio para que se faça esse acom-
panhamento, como a Caderneta de Saúde da Criança, que, em sua reedi-
ção, contempla os marcos do desenvolvimento. Na rede pública ou privada,
a importância de a criança receber estímulos e de brincar, por exemplo, não
costuma pautar a conversa das consultas.

Em termos de saúde pública da infância, o Brasil ainda se debate com


a taxa de mortalidade infantil para crianças menores de um ano. Houve
avanços significativos nessa área, mas há bastante espaço para melhorar.
Observe os dados:

§ Uma projeção do IBGE indica que a taxa de mortalidade in-


fantil para cada mil crianças menores de um ano nascidas vi-
vas caiu de 29,82 em 2000 para 13,82 em 2015. Em países
desenvolvidos, esta mesma taxa é inferior a 8.
§ A disparidade entre as regiões geográficas é importante.
Um levantamento do Ministério da Saúde demonstra que
a taxa de mortalidade infantil para o Brasil era de 15,3 em
2011, enquanto as taxas regionais eram de 11,3 para o Sul,
13 para o Sudeste, 15,5 para o Centro-Oeste, 18 para o Nor-
deste e 19,9 para o Norte.

Vale a pena destacar, ainda, a necessidade de a sociedade proporcionar


melhor acolhida às crianças com deficiência. Vivendo quase na invisibi-
lidade, existem poucas estatísticas sobre elas. Estimativas internacionais
apontam que uma em cada 20 crianças com 14 anos ou menos tem al-
gum tipo de deficiência.

Por conta do desconhecimento e da discriminação, as crianças com defi-


ciência se apresentam como um grupo potencialmente vulnerável. As prá-
ticas de inclusão demandam mais do que atitude humanitária das pessoas
– elas pedem recursos especializados, que se traduzem em infraestrutura,
terapias e profissionais habilitados que não estão presentes em todo o
Brasil. O surto de infecções pelo vírus zika e a nova geração de bebês com
microcefalia, merecedores de todo o esforço possível em busca de me-
lhor qualidade de vida, elevam esse desafio ainda mais.
44 os desafios da primeira infância no brasil

O especialista é você
Relatório
Situação Mundial da Infância 2015 – Reimagine o futuro, do
Unicef (http://www.unicef.org/publications/files/SOWC_2015_
Summary_Portuguese_Web.pdf).

Relatório
Situação Mundial da Infância 2013 – Crianças com deficiência,
do Unicef (http://www.unicef.org/brazil/pt/PT_SOWC2013.pdf).

»»Taxa de mortalidade infantil: número de crianças


mortas, durante o primeiro ano de vida, a cada mil nas-
cidas vivas.
Na ponta
da língua

Parentalidade
Derivado do inglês “parenting”, o termo parentalidade vem sendo utilizado
para descrever o conjunto de atividades desempenhadas pelo adulto de re-
ferência da criança no seu papel de assegurar a sobrevivência e o desenvol-
vimento pleno da criança, de modo a promover a sua integração social e
torná-la mais e mais autônoma.

O adulto de referência é a pessoa que convive rotineiramente, interage di-


retamente e estabelece os vínculos afetivos mais próximos durante os pri-
meiros anos de vida. É o responsável direto por cuidar, fornecer estímulos
adequados, educar, amar, impor limites, fortalecer a autonomia e preparar a
criança para os desafios e oportunidades do presente e da vida adulta. Em
geral, são adultos de referência o pai e a mãe da criança, mas, a depender da
maneira como cada família se conforma, este papel pode ser desempenha-
do por avós, avôs, tios, tias, padrastos, parceiros em casais homoafetivos, etc.

A parentalidade é apontada por especialistas como a principal tarefa


de uma geração (pais), de modo a preparar a segunda geração (filhos)
para situações físicas, econômicas e psicossociais que irão se debater
ao longo do seu ciclo de desenvolvimento. Mas o exercício da parenta-
lidade não se dá de forma meramente inata – é algo aprendido na prática e
com apoio do conhecimento adquirido por outras pessoas.
os desafios da primeira infância no brasil 45

É por meio desse exercício cotidiano que o adulto de referência estabelece


vínculo com a criança, a ligação desenvolvida por meio de interação amo-
rosa e contínua da qual tratamos no capítulo 2, que tem forte influência nas
demais relações que a criança estabelecerá na vida e no desenvolvimento
das funções do cérebro.

Tudo isso posto, vale a pena elencar alguns grandes desafios que a vida mo-
derna traz para a parentalidade:

§ O reconhecimento da importância da família – Desde a ges-


tação, o desenvolvimento de cada criança se dá no contexto
da sua família. As famílias precisam ser apoiadas no exercício
da parentalidade, o que pressupõe tanto o reconhecimento e
o empoderamento de suas forças quanto a identificação e o
enfrentamento das suas fragilidades.
§ A necessidade de uma rede de apoio à mãe, ou principal adul-
to de referência, e ao bebê – O nascimento de um bebê exige
toda uma reorganização da dinâmica familiar em função das
necessidades desse novo ser. Nos primeiros anos de vida, essas
necessidades mudam a cada etapa do desenvolvimento, exigin-
do que a mãe, o pai ou adultos de referência estejam em cons-
tante adaptação. Se a mãe ou o principal adulto de referência
não contar com uma rede de relacionamentos e recursos para
receber apoio nessa fase, torna-se difícil exercer a parentalida-
de. Quando mencionamos esta rede, pensamos em familiares,
amigos, vizinhos, chefes/subordinados e profissionais que po-
dem apoiar o exercício da parentalidade. Quando falamos em
recursos, estamos nos referindo a serviços como berçários;
orientação sobre amamentação, nutrição e cuidados; atendi-
mento de saúde confiável; creches e pré-escolas; parquinhos
e outros locais de lazer; e centros de convivência. Como diz o
ditado: “É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”.
§ Apropriação de papéis – No exercício da parentalidade, pai
e mãe são os primeiros responsáveis por uma criança e seus
papéis são complementares. Didaticamente falando, existem
funções que dizem respeito ao acolhimento e apoio à crian-
ça, normalmente associadas às funções maternas. E funções
de auxiliar a criança a reconhecer limites e estabelecer um sis-
tema de normas e valores, por vezes associadas à função pa-
terna. Isso não quer dizer que o pai não deva se envolver com
os cuidados da criança ou que a mãe não deva impor limites.
Ambas as funções são essenciais e podem ser desenvolvidas
46 os desafios da primeira infância no brasil

simultaneamente pelas pessoas que cuidam da criança, inde-


pendentemente de gênero ou consanguinidade.
§ Conciliar parentalidade e vida profissional/pessoal – Vínculo
se constrói no cuidado amoroso da criança, traduzido na ro-
tina de alimentação, higiene, brincadeira, proteção, socializa-
ção e estabelecimento de limites. Pais, mães ou outros adul-
tos de referência excessivamente ocupados com atividades
além da parentalidade, submetidos a jornadas de trabalho e a
deslocamentos exaustivos para ir e vir do emprego, por exem-
plo, disporão de menos tempo para construir essa relação de
vínculo com a criança.

O especialista é você
Publicação
Fundamentos da Família como Promotora do Desenvolvimento
Infantil – Parentalidade em Foco, da Fundação Maria Cecilia (http://
www.fmcsv.org.br/pt-br/acervo-digital/Paginas/fundamentos-
da-familia-como-promotora-do-desenvolvimento-infantil-
parentalidade-em-foco.aspx).

Pesquisa
Estatísticas de Gênero, do IBGE (http://biblioteca.ibge.gov.br/
visualizacao/livros/liv88941.pdf).

»»Adulto de referência: pessoa que convive rotineira-


mente, interage diretamente e estabelece os vínculos
afetivos mais próximos durante os primeiros anos de vida.
Na ponta
da língua

Educação
A educação infantil é a primeira etapa da educação básica e tem como
finalidade o desenvolvimento integral da criança em seus aspectos fí-
sico, psicológico, intelectual e social. Seu papel é complementar à ação
da família e da comunidade.

De acordo com as leis brasileiras, a educação infantil se constitui de duas


modalidades de atendimento: a creche, para crianças de até três anos,
e a pré-escola, para crianças com idade variável entre quatro anos e
os desafios da primeira infância no brasil 47

cinco anos e 11 meses. Na prática, a maioria das escolas de educação


infantil no Brasil atende crianças de todas as idades na Primeira Infância
e organiza as salas de acordo com as circunstâncias locais, por critérios
próprios que não necessariamente a idade.

O acesso à educação infantil é garantido por lei no país, o que significa que
toda criança com idade de até cinco anos e 11 meses deveria ter direito
a uma vaga num serviço gratuito de educação infantil. Segundo o Plano
Nacional de Educação (PNE), lei promulgada em 2014 que estabelece dire-
trizes, metas e estratégias para a política educacional e valerá por dez anos,
o atendimento das crianças de quatro e cinco anos deve ser universalizado
em 2016. A normativa diz, ainda, que a oferta de matrículas em creche deve
ser ampliada de forma a atender no mínimo 50% das crianças com até três
anos até 2024. As determinações do PNE também orientam estados e muni-
cípios, que devem responder a elas criando ou adequando Planos Estaduais
e Municipais de Educação.

Dados tabulados pelo movimento Todos pela Educação a partir da Pnad


2014 trazem no “Anuário Brasileiro da Educação Básica 2016” o retrato da
educação infantil brasileira:

§ 29,6% das crianças de zero a três anos estão na educação


infantil. Até 2024, de maneira projetada, calcula-se que apro-
ximadamente 2,6 milhões de crianças ainda deverão ser ma-
triculadas na creche para atingir a meta do PNE.
§ 89,1% das crianças de quatro e cinco anos estão na educação
infantil. Para cumprir a meta do PNE, aproximadamente 600
mil crianças terão de ser matriculadas na pré-escola em 2016.
§ Entre os 25% mais pobres, a taxa de crianças de zero a três
anos na escola cai para 22,4% e de crianças de quatro e cinco
anos cai para 86,3%.
§ Entre os 25% mais ricos, as taxas sobem 51,2% e 96,8%,
respectivamente.

Quando se analisa a educação infantil brasileira do ponto de vista da qua-


lidade do serviço ofertado também se verificam lacunas. Análises de espe-
cialistas que cruzam aspectos como insumos, processos e resultados da
educação infantil indicam que a qualidade do atendimento no Brasil está
aquém do desejado, especialmente nas creches.

Embora o nível de formação dos professores já se tenha adequado aos re-


quisitos – menos de 1% dos professores ainda não atingiram a qualificação
48 os desafios da primeira infância no brasil

mínima exigida, que é a do ensino médio normal ou magistério, e mais de


62% possuem ensino superior, segundo o “Anuário Brasileiro da Educação
Básica 2016” –, acredita-se que a qualidade da formação dos professores não
é suficiente para garantir que eles realizem um bom trabalho com as crianças.

O curso de pedagogia, com o currículo que possui, não se dedica à for-


mação do professor de educação infantil. São poucas as experiências de
cursos com essa ênfase. As disciplinas são na sua maioria teóricas, sobre
teoria da educação, enquanto as disciplinas específicas de educação in-
fantil são quase inexistentes.

Um bom profissional de educação infantil precisa ser um especialista em


desenvolvimento infantil no âmbito educacional e na pedagogia da infân-
cia. Precisa conhecer muito bem a criança, saber como ela aprende, como
ele ensina, quais as experiências mais significativas segundo as etapas do
desenvolvimento da criança, saber sobre a organização do ambiente e es-
paços, de forma a valorizar a aprendizagem ativa da criança, a segurança e
a confiança de que ela tanto necessita para suas explorações e interações
com seus pares, os objetos, espaços e adultos. Um profissional de educação
infantil precisa ter a habilidade de estabelecer vínculos e de criar condições
de segurança e afeto nas relações com as crianças; precisa ser alguém ca-
paz de organizar uma rotina previsível, mas repleta de desafios que atendam
à curiosidade natural da criança.

A qualidade da educação infantil também está relacionada à infraestrutura


das escolas. “O Anuário Brasileiro da Educação Básica 2016” traz o seguinte
panorama sobre as instalações da rede pública de educação infantil em 2014:

§ Apenas 43,4% das creches contavam com parque infantil na-


quele ano, enquanto nas pré-escolas este índice era de 24,6%.
§ Para a presença de salas de leitura, os índices eram de 14%
para creches e 12,3% para pré-escola.
§ Sobre a existência de banheiros dentro do prédio da escola,
90,6% das creches e 79,8% das pré-escolas contavam com
este recurso, mas, quando se avaliou a existência de banheiros
adequados à educação infantil, o indicador caiu para 46,7% e
24,7%, respectivamente.

Em suma, pesquisas evidenciam que os impactos positivos duradouros da


educação infantil estão condicionados à qualidade da intervenção. Dentre
os benefícios destacados incluem-se ganhos no desenvolvimento cognitivo
no curto prazo, melhora nos níveis de aprendizado no médio prazo e me-
os desafios da primeira infância no brasil 49

lhora na escolaridade e renda no longo prazo. Em última análise, a qualidade


na educação infantil pode ser conferida por uma série de fatores, entre eles:

§ Profissionais com bom nível de formação, atentos e responsi-


vos às necessidades das crianças e engajados em promover o
desenvolvimento integral.
§ Turmas pequenas com número reduzido de crianças por
educadores.
§ Currículo adequado à faixa etária com atividades e programa
pedagógico bem estruturados.
§ Ambiente estimulante e voltado à participação ativa da criança.
§ Infraestrutura segura.
§ Rotinas de higiene e cuidado pessoal.
§ Modelo de atendimento associado a atividades visando apoiar
e orientar os pais.

O especialista é você
Publicação
Anuário Brasileiro da Educação Básica 2016, do movimento Todos
pela Educação e Editora Moderna (http://www.todospelaeducacao.
org.br/sala-de-imprensa/releases/38343/anuario-brasileiro-da-
educacao-basica-2016-e-lancado-pelo-todos-pela-educacao-e-
editora-moderna/).

Lei
Plano Nacional de Educação (PNE), Lei Federal nº 13.005/2014
(http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/
L13005.htm).

Site
Observatório do PNE (Plano Nacional de Educação) / Metas da
educação infantil (http://www.observatoriodopne.org.br/metas-
pne/1-educacao-infantil).

Artigo
O impacto do desenvolvimento na Primeira Infância sobre a
aprendizagem, do Núcleo Ciência Pela infância (NCPI) (http://
www.fmcsv.org.br/pt-br/acervo-digital/Paginas/o-impacto-no-
desenvolvimento-da-primeira-infancia-sobre-a-aprendizagem.aspx).
50 os desafios da primeira infância no brasil

»» Educação infantil: é a primeira etapa da educação básica


e tem como finalidade o desenvolvimento integral da crian-
ça em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social.
Na ponta
da língua

Brincadeiras e interação com a natureza


O processo de urbanização acelerada e de verticalização das cidades do Brasil
nos últimos anos tem interferido no direito das crianças ao lazer e ao brincar e a
desfrutar do contato com a natureza. A presença de áreas verdes e livres é es-
cassa nas metrópoles e a agenda de lazer cultural gratuito costuma ser restrita.

Até os dados sobre o assunto são raros, refletindo a baixa importância


atribuída ao tema. Numa das poucas estatísticas encontradas, a Rede
Nossa São Paulo informa, com base em dados oficiais de 2014, que a
média de área verde por habitante na maior metrópole do país é de 14,1
metros quadrados. Curiosamente, o indicador está acima do recomen-
dado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 12 metros
quadrados por habitante. Porém, quando a conta exclui as áreas de pre-
servação ambiental fora do perímetro urbano da capital paulista – como
as serras da Cantareira e do Mar – e se concentra nos parques e praças,
a média não chega a 3 metros quadrados.

As condições de segurança nas cidades também se tornaram desfavoráveis


para que as crianças exerçam o direito fundamental à liberdade. A presença
excessiva de veículos torna o trânsito perigoso e brincadeiras tão corriquei-
ras como andar de bicicleta ou jogar amarelinha precisam agora ser pro-
gramadas. A violência urbana cresceu e a rua passou a ser considerada um
espaço inseguro para brincar.

A verdade é que as cidades brasileiras são pouco amigáveis com as


crianças, que vivem trancafiadas em suas casas ou cercadas nas es-
colas e nos condomínios. A noção de “cidade educadora”, compreendida
como um espaço onde existe integração da oferta de atividades sociais e
culturais para potencializar sua capacidade educativa, tem ficado distante.

A diversão pela via da tecnologia deslanchou e a prática da experi-


mentação da vida real, tão importante para o desenvolvimento da au-
tonomia das crianças, foi prejudicada. As opções de lazer privado são
igualmente raras e, quando existem, custam caro. A inequidade se acentua
também pelas diferentes possibilidades de acesso ao lazer e à cultura.
os desafios da primeira infância no brasil 51

Por conta deste cenário, começam a ganhar corpo movimentos que buscam
garantir que as crianças cresçam e se desenvolvam desfrutando do contato
direto – e democrático – com a natureza. Os benefícios desse contato para o
desenvolvimento na Primeira Infância têm sido observados e divulgados por
organizações como o Instituto Alana e são inúmeros. Por exemplo:

§ Estimulam os sentidos e a mobilidade.


§ Favorecem a concentração e o estabelecimento de vínculos.
§ Melhoram a nutrição e a saúde.
§ Reduzem a violência.
§ Induzem comportamentos de consumo consciente e respei-
to ao meio ambiente.

O especialista é você
Site
Centro de Referências em Educação Integral
(www.educacaointegral.org.br).

Projeto
Criança e Natureza (www.criancaenatureza.org.br).

Publicação
A última criança na natureza, de Richard Louv (Editora Aquariana/
Instituto Alana, 2016).

»» Cidade educadora: expressão atribuída às cidades que


apresentam, entre outras características, a integração
da oferta de atividades sociais e culturais para potencia-
Na ponta lizar sua capacidade de promover a educação.
da língua
Oportunidades
para negócios
de impacto
para a Primeira
Infância
Embora o tamanho do grupo populacional da Primeira
Infância seja relativamente estável no Brasil, situando-se
na casa dos 18,8 milhões de crianças, segundo a edição
2014 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(Pnad), as taxas de natalidade por cidade ou região po-
dem variar bastante.

O empreendedor que deseja criar um negócio de impac-


to para a Primeira Infância precisa antes de tudo buscar
dados que caracterizem o território, os hábitos e a cul-
tura do local em que pretende atuar, além de entender o
tamanho e características do público-alvo. Desta forma,
poderá garantir que o negócio esteja alinhado às reais
necessidades e anseios da população, para que tenha
maior sucesso em sua empreitada.

As oportunidades para negócios de impacto para a Primei-


ra Infância mantêm relação com os campos em que a ca-
rência de produtos e serviços é maior para essa faixa etária.
Isso nos leva de novo aos desafios que se colocam para
gestantes, famílias e crianças de zero a seis anos, especial-
mente quando falamos da população de baixa renda.

As possibilidades apresentadas a seguir partem deste racio-


cínio e foram relacionadas apenas a título de exemplo, para
servir como fonte de inspiração e mobilizar o que há de me-
53

lhor em você. Conforme as características de cada localidade, certamente


algumas delas têm mais potencial de mercado e escala do que outras.

Nossa aposta é que você, com tudo o que leu e aprendeu até aqui, esteja
com o tino mais apurado para identificar as soluções de negócios mais
interessantes para investir: aquelas que atendam necessidades reais, apre-
sentem custo acessível e qualidade honesta e que gerem impacto social.

Pré-natal, parto e nascimento

§ Oferta de exames e acompanhamento pré-natal para a


população de baixa renda.
§ Clínicas obstétricas que ofereçam atendimento de quali-
dade e com baixo custo.
§ Maternidades que atendam a convênios de baixo custo.
§ Formação em humanização do parto e nascimento para
pais e profissionais de maternidades.
§ Serviços de doula, profissional que dá suporte físico e
emocional às mulheres antes, durante e depois do parto.
§ Enxovais de qualidade e baixo custo para mães (pijamas,
calcinhas pós-parto, sutiãs de amamentação, roupas que
facilitem o aleitamento materno, bombas para tirar leite)
e para bebês (macacões de uso prático e seguro para to-
das as estações, lençóis vapt-vupt para berços, protetores
para as laterais do berço, etc.).
§ Formação e produtos para pais e mães de primeira via-
gem (informações sobre gestação, parto, nascimento e
cuidados iniciais).
§ Aconselhamento para mães que acabaram de ter bebê
(apoio psicológico, rotina do bebê, cuidados com o corpo).
§ Aplicativos com orientações e dicas sobre a rotina do bebê.
§ Móveis de bom custo-benefício para a Primeira Infância
– berços, cômodas, poltronas de amamentação, estantes
baixas, mesinhas e cadeirinhas, etc.
54 Oportunidades para negócios de impacto para a Primeira Infância

Nutrição

§ Serviços domiciliares ou ferramentas de apoio à amamen-


tação e à transição para a alimentação complementar.
§ Aplicativos, jogos ou ferramentas sobre alimentação saudá-
vel de gestantes, lactantes e crianças, conforme a faixa etária.
§ Ferramenta que promova o entendimento da importância
da nutrição nos primeiros mil dias de vida e com orienta-
ções sobre nutrição na Primeira Infância.
§ Aplicativos e ferramentas de avaliação da qualidade e orien-
tações da alimentação das crianças em creches e escolas.
§ Formações ou ferramentas que auxiliem a reeducação ali-
mentar de crianças.
§ Produção e/ou distribuição de alimentos orgânicos para
creches e pré-escolas.
§ Clínicas focadas em nutrição infantil, que aliem atendi-
mento de qualidade e baixo custo.

Parentalidade

§ Serviços e materiais de orientação para pais, abordando


aspectos referentes ao cuidado, construção de vínculos e
desenvolvimento na Primeira Infância.
§ Serviços de apoio para pais, como aconselhamento/men-
toria e cursos sobre parentalidade.
§ Soluções de apoio para pais em organizações como cen-
tros comunitários, paróquias, clínicas obstétricas e clíni-
cas pediátricas.
§ Formação para cuidadores de bebês e crianças.
§ Formação em desenvolvimento infantil para profissionais
da assistência social e de entidades do Sistema de Garan-
tia de Direitos da Criança e do Adolescente (Conselhos de
Direitos, Poder Judiciário, abrigos, hospitais, escolas, etc.).
Oportunidades para negócios de impacto para a Primeira Infância 55

Saúde da criança

§ Aplicativos com dicas sobre cuidados, higiene, rotina de sono,


desenvolvimento motor, respiração e atividades do bebê.
§ Clínicas pediátricas que aliem qualidade e baixo custo e
ofereçam um conjunto de especialidades da medicina fo-
cadas na criança.
§ Oferta de assistência psicológica, fonoaudiologia e outras
terapias de habilitação e reabilitação para crianças de zero
a seis anos.
§ Soluções para procedimentos de vacinação humanizados.
§ Aplicativos de uso colaborativo para serviços médicos.
§ Formação em desenvolvimento infantil para agentes de saúde.
§ Formação em saúde e desenvolvimento infantil para pro-
fissionais de creches, pré-escolas e da assistência social.
§ Sistemas ou aplicativos que possam melhorar processos
internos das Unidades Básicas de Saúde (UBS), tais como
cadastro da criança, controle de receituário, registros so-
bre marcos do desenvolvimento infantil, etc.
§ Capacitação em saúde bucal da criança para pais em escolas.
§ Alternativas para saneamento básico em áreas rurais ou
de difícil acesso.
56 Oportunidades para negócios de impacto para a Primeira Infância

Educação

§ Modelos pedagógicos para creches e pré-escolas com


enfoque no desenvolvimento infantil.
§ Creches e pré-escolas de qualidade com baixo custo.
§ Produção de mobiliário adequado e de baixo custo para
berçários, creches e pré-escolas.
§ Qualificação de profissionais da educação infantil – mó-
dulos presenciais e a distância.
§ Desenvolvimento de projeto arquitetônico para creches e
pré-escolas públicas e/ou conveniadas, atentando para as
características de cada região.
§ Soluções para espaços lúdicos, com qualidade e baixo
custo, para creches e pré-escolas.
§ Produção de brinquedos para bebês e crianças até seis anos.
§ Soluções que garantam a segurança da criança em cre-
ches e pré-escolas.
§ Aplicativos com atividades para promover maior aproxi-
mação dos pais à vida escolar.
§ Aplicativos ou ferramentas voltadas à gestão de creches
e pré-escolas.
§ Soluções que registrem o histórico de cada criança, de
modo a otimizar os dados sobre ela e a favorecer o acom-
panhamento da evolução da sua vida escolar.
Oportunidades para negócios de impacto para a Primeira Infância 57

Brincadeiras e interação
com a natureza

§ Parquinhos para crianças de zero a seis anos, incluindo


mobiliário e acesso para crianças com deficiência.
§ Serviços e desenvolvimento de brincadeiras ao ar livre em
áreas verdes e parques naturais.
§ Organização de passeios culturais para crianças de cre-
ches e pré-escolas, como visitas a museus, apresentações
orientadas de dança e música ou cinema.
§ Montagem de brinquedotecas e centros de atividades de
baixo custo para a criança.
§ Pequenos centros de recreação e atividades educativas
para a criança.
§ Projeto e montagem de espaços lúdicos em serviços pú-
blicos – Unidades Básicas de Saúde (UBS), Centros de Re-
ferência de Assistência Social (Cras), Serviços de Convi-
vência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) etc.
§ Serviço de arquitetura para criação de área verde em cre-
ches e pré-escolas.
§ Oferta de atividades corporais como ioga para mães e
pais de crianças de zero a seis anos.
§ Curso para mães e pais sobre brincadeiras tradicionais e
recentes.
Referências
para a
avaliação de
negócios de
impacto social
Como já vimos, segundo define a Força Tarefa de Finan-
ças Sociais, negócios de impacto social são empreen-
dimentos que têm a missão explícita de gerar impacto
socioambiental, ao mesmo tempo que geram resulta-
do financeiro positivo e de forma sustentável. Portanto,
como o próprio nome diz, precisam produzir impacto
social. A aferição desse impacto e a obtenção do retorno
financeiro esperado para a atividade apontam o nível de
sucesso da empreitada e também os caminhos para que
ela possa seguir e prosperar.

A avaliação de impacto informa para o empreendedor ou


empreendedora se os resultados esperados estão sendo
alcançados e em que medida podem ser atribuídos ao ne-
gócio. Por isso, também é um instrumento para auxiliar na
conquista de mercado, no acesso e manutenção de linhas
de crédito e investimentos e no fortalecimento da marca.

Obter impacto social, compreendido como o resultado


de uma mudança significativa e estável, é algo desafiador,
sobretudo quando o que se deseja resolver são proble-
mas de natureza complexa como os que afetam a Pri-
meira Infância. Também por isso, devido à obtenção de
impacto nesse campo não ser sempre imediata nem ser
claramente atribuível à iniciativa, é que precisamos refor-
çar a necessidade da avaliação.
59

O artigo “Métricas em negócios de impacto social”, assinado conjunta-


mente pelo Instituto de Cidadania Empresarial (ICE) e a Move – Avaliação
Estratégica, situa que “o fortalecimento do emergente campo dos negó-
cios sociais é dependente de sua capacidade de demonstrar os impactos
que gera e, com isso, afirmar sua identidade e seu diferencial em relação a
outros tipos de negócios tradicionais”.

Assim, é fundamental entender o que é uma avaliação de impacto e como


ela se difere de outras avaliações, bem como ter clareza sobre o que e
como avaliar, incluindo os instrumentos disponíveis para isso. Este capítulo
joga luzes sobre alguns pontos que devem ser considerados ao pensar-
mos numa avaliação de impacto.

Saiba mais
O artigo Métricas em negócios de impacto social, do ICE e da Move, aborda as referências
de avaliação presentes no campo dos negócios sociais com ênfase na avaliação de impacto,
na descrição dos principais desenhos metodológicos que podem ser utilizados e na
exploração de algumas ferramentas existentes. Para ler o documento na íntegra, acesse
http://conteudo.movesocial.com.br/uploads/a12e2de7f3ba3c9a.pdf

O que é avaliação de impacto?


Diferentes concepções de avaliação de impacto convivem no mercado e são
escolhidas e adotadas conforme as particularidades de cada organização. Como
denominador comum, elas tratam de levantar e analisar os resultados de uma
ação, projeto ou programa perante um objetivo traçado e a partir de uma rela-
ção de causa e efeito. São perguntas recorrentes nas diversas abordagens: em
que medida os objetivos de impacto do projeto foram atingidos? O público-alvo
foi de fato beneficiado e demonstrou as mudanças desejadas? Os resultados
obtidos podem ser atribuídos ao projeto ou existem outros fatores de influência?

No empenho de disseminar a cultura da avaliação, a Fundação Itaú Social


tem oferecido cursos, seminários e materiais de apoio na área e difundido
um conceito bastante didático sobre o tema:

“A avaliação de impacto quantifica resultados de uma


intervenção e estabelece relações causais entre as ações do
projeto e os indicadores de interesse, permitindo afirmar
se as alterações ocorridas foram realmente resultado da
intervenção ou se ocorreriam de qualquer forma”.
60 Referências para a avaliação de negócios de impacto social

Quando se inicia o processo avaliativo para um negócio de impacto social, é


essencial ter clareza do significado desse esforço. Neste sentido, recomenda-
se aos empreendedores que façam a si um conjunto inicial de indagações:

§ Por que estou avaliando?


§ Para quem preciso/desejo mostrar o resultado?
§ O que esta avaliação vai contar sobre o meu negócio?
§ Pretendo divulgar os resultados ou eles servirão para a análise
e reformulação dos meus processos e produtos?
§ Qual é o custo dessa avaliação e quanto isso representa den-
tro do orçamento do negócio?

As muitas faces da avaliação


O artigo Métricas em negócios de impacto social ensina que a avaliação do impacto social
associa-se à ocorrência de mudanças em uma comunidade, população ou território a partir
da inserção de uma variável conhecida no sistema (um projeto, programa ou negócio social),
em uma relação causal observada entre a mudança e a variável. O texto também apresenta
um compilado sobre diferentes visões de avaliação de impacto:

“Avaliações de impacto procuram responder a questões de causa e efeito.


Em outras palavras, buscam mudanças nos resultados (outcomes) que são
diretamente atribuídas ao programa” (GERTLER et al., 2010, World
Bank Training Series).

“Avaliações de impacto comparam os outcomes de um programa contra


um contrafactual que mostra o que teria acontecido com os beneficiários se
o programa não tivesse existido. Distinto de outras formas de avaliação, o
estudo de impacto permite atribuir as mudanças ao programa em avaliação
por seguir desenhos experimentais e quasi-experimentais” (WORLD
BANK DIME INITIATIVE – Development Impact Evaluation).

“Análises que medem a mudança líquida (net change) nos outcomes de


um grupo particular de pessoas que podem ser atribuídas a um programa
específico usando as melhores metodologias disponíveis, viáveis e apropriadas
para responder à pergunta avaliativa investigada e ao contexto específico”
(International Initiative for Impact Evaluation – 3ie, 2008).

“Avaliação que considera todas as intervenções realizadas dentro de


uma determinada área geográfica” (WORLD BANK – Independent
Evaluation Group – IEG).
Referências para a avaliação de negócios de impacto social 61

Dimensões da avaliação
O estudo “Diálogos sobre avaliação na Primeira Infância” apresenta três di-
mensões essenciais para se ter em mente quando se trata de programas e
políticas sociais: a avaliação de processo, a avaliação de resultados e a ava-
liação de impacto. Para os negócios de impacto social, somamos também a
dimensão da avaliação econômica, conforme definições a seguir:

§ Avaliação de processo – Envolve o acompanhamento da


execução do projeto e a tomada decisão sobre as melhores
opções para a implantação do mesmo.
§ Avaliação de resultados – Analisa as conquistas diretas do
programa, projeto ou ações.
§ Avaliação de impacto – Constata quais benefícios sociais foram
produzidos em decorrência do programa, projeto ou ações.
§ Avaliação econômica – Mede o impacto e a taxa de retorno
de um conjunto de ações; analisa o custo-benefício, compa-
rando os recursos usados em um programa e seus resultados.

Como já mencionado, a avaliação de impacto é a que mais interessa quando


se deseja medir a transformação social positiva gerada, mas não é incomum
as organizações optarem por realizar apenas avaliação de processo ou de
resultados. O problema é que, às vezes, apesar de as estratégias traçadas para
um programa, projeto ou ação serem todas realizadas conforme planejado,
revelando um processo perfeito, mesmo assim mostram-se incapazes de ge-
rar o impacto previsto, normalmente efeito da natural dificuldade de estimar
mudanças precisas no processo de planejamento.

As avaliações de processo ou de resultados são importantes e geram sub-


sídios para a aprendizagem e aprimoramento dos projetos empreendidos,
mas elas não dão conta de trazer a resposta que se busca sobre o impac-
to. Ainda assim, podem ser úteis para apoiá-la. Na avaliação de impacto é
preciso definir com objetividade quais as mudanças sociais são esperadas
como resultado do negócio. A partir daí, definir as perguntas avaliativas que
serão capazes de responder se o impacto foi atingido e criar uma metodo-
logia de implantação da iniciativa que permita isolar variáveis de impacto por
meio de modelos experimentais ou quasi-experimentais3 nos quais sejam
estruturados grupos da intervenção e controle.

3
Ambos modelos apresentam grupos da intervenção (participantes da iniciativa, também
chamado de grupo de tratamento) e controle (grupos de comparação que não partici-
pam da intervenção e apresentam características semelhantes daqueles que participam).
Quando os grupos são escolhidos de forma aleatória (sorteio), a avaliação de impacto é
experimental. Nos modelos quasi-experimentais a aletorização não é realizada.
62 Referências para a avaliação de negócios de impacto social

Um exemplo simples: criou-se um empreendimento para contribuir com o


aumento do índice de amamentação exclusiva em uma determinada cida-
de. Para isso, o empreendedor social desenvolveu um pacote de palestras
que foi vendido para a Secretaria de Assistência Social do município. As pa-
lestras foram realizadas conforme o planejado, chegando a centros comu-
nitários, postos de saúde, maternidades, áreas de lazer, etc., e atingindo a
quantidade de público esperada. Nenhuma palestra programada deixou de
acontecer, mas a pergunta que não quer calar é a seguinte: houve melhora
no índice de amamentação exclusiva da comunidade – e se houve, em que
medida o empreendimento contribuiu para essa mudança?

A avaliação de impacto precisa ser capaz de determinar quais foram as mudan-


ças nos indivíduos – como atitudes, comportamentos, competências – que
podem ser atribuídas ao empreendimento. Isso se faz, fundamentalmente, a
partir da mensuração de indicadores próprios para o empreendimento e de
uma análise de causalidade, ou seja, de uma análise de causa e efeito que
possibilite a verificação se, e em que medida, as eventuais mudanças podem
ser atribuídas ao programa. Para isso, é comum comparar resultados de dois
grupos com caraterísticas semelhantes (neste caso, dois grupos de mães) com
graus de participação distintos no empreendimento (neste caso, um grupo de
mães que participou e outro que não), de modo a isolar os efeitos do empre-
endimento nessa mudança. De outra forma, poderíamos ser induzidos em
erro e a ignorar outros aspectos que podem contribuir positiva ou negativa-
mente para essas mudanças (outros empreendimentos, políticas públicas, etc).

Num sistema de avaliação, as perguntas avaliativas importam muito e devem


ser tão específicas quanto a natureza do negócio de impacto social na Pri-
meira Infância que está sendo avaliado. Da mesma forma, é necessário saber
quais são os atores que precisam ser envolvidos, elencar os princípios e con-
cepções sobre Primeira Infância presentes no campo em que a avaliação será
realizada (isto é, os referenciais básicos e teóricos), identificar os principais
interessados no processo avaliativo e escolher os recortes da avaliação (me-
todologias, grupos de tratamento e controle, recorte amostral, etc.).

Vale destacar que, ao falar em avaliação de impacto em Primeira Infân-


cia, é fundamental medir o impacto no desenvolvimento infantil. Para
esta análise, também pode ser considerada a avaliação da qualidade
das interações das crianças com os adultos (pais, educadores e outros
cuidadores ou adultos de referência), bem como do ambiente e estru-
tura ao redor da criança. Existem estudos e ferramentas específicos
para orientar essas medições. Então é importante que os empreendedores
pesquisem e identifiquem os melhores instrumentos para a sua necessidade.
Referências para a avaliação de negócios de impacto social 63

Saiba mais
A publicação Diálogos sobre avaliação na Primeira Infância, organizado por um grupo de
Institutos e Fundações, traça um panorama sobre experiências e propostas de avaliação
em larga escala voltadas para a primeira infância. Para ler o documento na íntegra, acesse
http://www.fmcsv.org.br/pt-br/acervo-digital/paginas/di%C3%A1logos-sobre-avaliacao-
na-primeira-infancia.aspx

Noções sobre como avaliar


A avaliação de impacto na Primeira Infância tem sido vista como um processo
em construção e o mesmo acontece com a avaliação de negócios de impac-
to social. Grupos de estudo têm sido montados, reflexões e publicações vêm
sendo produzidas e mecanismos de aferição têm sido delineados. Especialis-
tas afirmam que ainda não existe consenso entre instrumentos/técnicas de
pesquisa, mas a metodologia de avaliação de impacto e seus diferentes dese-
nhos e métodos de estimação já são amplamente discutidos e sistematizados.

O documento “Métricas em negócios de impacto social” traz uma análise


sobre os momentos em que a avaliação pode ser realizada para apurar as
transformações sociais geradas por um negócio. Desde a definição inicial
de valores do negócio e, idealmente, da “avaliação ex-ante” até a chamada
“avaliação ex-post”(o acompanhamento do impacto após o encerramento
do projeto ou intervenção proposto pelo negócio), a análise demonstra di-
ferentes etapas e métricas do processo avaliativo, dando a dimensão de que
tipo de resposta pode ser obtido em cada fase.

O estudo alerta que a responsabilidade pela avaliação exige investimento


tanto de tempo, para modelar as opções mais adequadas, quanto de recur-
sos financeiros: “Ainda que os recursos alocados para a avaliação tenham
consequências sobre a rentabilidade do investimento no curto prazo, so-
mente por meio desse processo o negócio social será capaz de sustentar-se
como iniciativa comprovadamente capaz de gerar resultados sociais”.

Assim, determinar quando avaliar e com quais recursos são questões-chave


para os empreendimentos de impacto social. O investidor de negócios de
impacto social é apontado como um forte candidato para financiar a avalia-
ção, que deve ser prevista o quanto antes.

Implementar um sistema de avaliação para quem está começando um ne-


gócio de impacto social pode ser complicado porque o próprio modelo de
negócio não está maduro, o portfólio de produtos ainda se encontra em
64 Referências para a avaliação de negócios de impacto social

fase de experimentação e as mudanças são constantes. Ou, como já men-


cionado, porque um processo avaliativo demanda recursos financeiros e de
tempo que são sempre raros para o empreendedor de um negócio em fase
inicial. A sabedoria popular traz um ensinamento importante a ser aplicado
aqui: às vezes, “o ótimo é inimigo do bom”. Então mais vale criar um sistema
de avaliação viável do que não avaliar ou insistir na criação de uma meto-
dologia perfeita e acabar inviabilizando a avaliação do negócio. Com base
neste raciocínio, alguns pensadores têm se dedicado a buscar soluções que
tirem a avaliação de um negócio de impacto social do patamar do idealiza-
do e a coloquem no terreno do possível.

Uma tendência que ganha corpo é que os negócios de impacto social de-
senvolvam e associem ao seu modelo de negócios a sua Teoria da Mudan-
ça. A Teoria da Mudança indica como uma inovação proposta promove-
rá mudanças no mundo. É chamada de “teoria”, pois trata das hipóteses,
premissas e crenças de como o negócio causará o impacto desejado. Ela
pode ser sistematizada de forma esquemática, como um mapa ou roteiro,
mostrando quais transformações se espera que ocorram em decorrência
dos serviços ou produtos propostos.

Em sintonia com o que busca a avaliação de impacto, a metodologia da Teo-


ria da Mudança opera segundo uma lógica de causalidade em que, por meio
de uma série de passos, o empreendedor ou empreendedora indica como
irá articular-se para se mover do contexto atual até o impacto desejado. Ela
demanda do empreendedor clareza em termos de metas de longo prazo,
indicadores de sucesso e estratégias para que as metas sejam atingidas. Por
isso, a Teoria da Mudança determina não apenas as bases do planejamento
estratégico, como também orienta as tomadas de decisão e a avaliação.

Para criar uma Teoria da Mudança robusta, é necessário compreender bem


o contexto no qual o negócio está inserido e o impacto desejado. Esta clareza
pode poupar muito tempo e recursos no longo prazo. Além disso, a Teoria
da Mudança ancora a prática da avaliação no planejamento estratégico e é
também uma excelente ferramenta do ponto de vista comunicacional, pois
ajuda a transmitir de forma clara a transformação social desejada.
Referências para a avaliação de negócios de impacto social 65

Saiba mais
O Relatório de aprendizagens e práticas em avaliação econômica de projetos sociais, da
Fundação Itaú Social, destaca os principais pontos de atenção e aprendizagens para realizar
a avaliação econômica de projetos sociais, buscando trazer informações para avaliadores
e gestores de projetos sociais realizarem um processo de avaliação bem-sucedido. Para
ler o documento na íntegra, acesse http://www.redeitausocialdeavaliacao.org.br/wp-content/
uploads/2015/06/relatorio-aprendizagem_12_2014_20150616.pdf

O especialista é você
Publicação
A relevância da avaliação para o investimento social privado, da
Fundação Itaú Social, Fundação Roberto Marinho e Move (org.) (http://
conteudo.movesocial.com.br/uploads/127c377aa43742fd.pdf).

Site (em inglês)

Center for Theory of Change (www.theoryofchange.org).

Apostila
Avaliação Econômica de Projetos Sociais (2007), de Adriana
Schor, Luís Eduardo Afonso e Elaine Toldo Pazello (http://www.
redeitausocialdeavaliacao.org.br/wp-content/uploads/2015/01/
Apostila_Avaliacao-Economica_06-08-07_final_20150128.pdf).

Publicação
Avaliação Econômica de Projetos Sociais (2012), de Naercio
Menezes Filho (org.) (https://fundacao-itau-social-producao.
s3.amazonaws.com/files/s3fs-public/biblioteca/documentos/livro_
av_econ_ajuste.pdf?GN0sAyasNttppp13h3K_S_7l5.FJ3Xcd).

Você também pode gostar