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Matéria Balas Perdidas.

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SEGURANÇA PÚBLICA

Acima O sucateamento da

O problema das estrutura de inteligência


foi um dos fatores que
permitiram aos criminosos
manter um grande fluxo
de armas trazidas pelo
modal de carga

“balas perdidas” aeronáutico. As mostradas


nas fotos vieram ocultas
dentro de aquecedores de
piscina, mas foram
detectadas pela Receita
Federal (Fotos: Governo do
Estado do Rio de Janeiro).

O
Semana após semana, somos contrapostos a casos emprego de fuzis pela criminali-
de disparos erráticos, cujos projéteis atingem dade fluminense remonta aos idos
de 1990, quando as submetralhadoras Uzi e Ingram começaram a ser
inocentes, muitas vezes de forma letal. Quer por substituídas por fuzis AR-15 novos, que vinham contrabandeados de
erros de execução nos tiros de agentes públicos ou Miami e eram empregados no assalto a carros fortes. A munição de 5,56x45mm
pela irresponsabilidade de criminosos que atiram perfurava facilmente a proteção dos blindados de transporte de valores da época.
com armamento poderoso de procedência Posteriormente, começaram a surgir fuzis AK-47 de diversas procedências, novos
clandestina, sem se preocupar com quem possa ser e de segunda mão, inclusive modelos soviéticos, alemães orientais, húngaros e
atingido pelos seus projéteis, o fato é que o temor búlgaros, bem como uma grande quantidade de armas de fabricação chinesa
mais recente, da empresa NORINCO.
de vir a se tornar um alvo está muito presente na Na verdade, os criminosos empregaram fuzis automáticos em quantidade
vida dos cidadãos fluminenses, notadamente muito antes que as forças policiais o fizessem. Em 1990, a Polícia Militar do Es-
daqueles que vivem em áreas conflagradas, onde tado do Rio de Janeiro (PMERJ) possuía apenas antigos fuzis Mauser, de ferro-
as forças de segurança buscam diariamente negar lho. Apenas o Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) dispunha de
aos criminosos o exercício de seu poder paralelo. armamento moderno, na forma de submetralhadoras HK MP-5, fuzis G3, e me-
tralhadoras HK-21 — todos de procedência alemã —, mas em quantidade
n VINICIUS D. CAVALCANTE muito reduzida. Foi devido à presença de armas militares modernas em poder

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dos criminosos que se começou a dotar a Polícia Militar do Estado


do Rio de Janeiro (PMERJ) de pequenas quantidades de fuzis FAL
e Para-FAL (esses últimos convertidos para o calibre 5,56x45mm
do AR-15), em substituição às antigas submetralhadoras INA e es-
pingardas de repetição no calibre 12.
Com propósito narrativo ou didático, pode se dizer que o
abastecimento de armas para nossa criminalidade se processa por
ondas, com armas novas, de diferentes modelos, advindas do con-
trabando, se alternando com outras, de segunda mão.
O Rio de Janeiro já experimentou um expressivo derrame de
armas militares argentinas, inclusive fuzis FAL (fabricados no país
vizinho), submetralhadoras FMK-3, metralhadoras médias MAG e
granadas de mão FMK-2, que, suspeita-se, eram oriundas do es-
cândalo das exportações irregulares da era Menem.
A apreensão, no morro Dona Marta, do primeiro fuzil suíço
SIG-510, em outubro de 2007, permitiu desvendar a origem de
muito do antigo armamento militar, sobretudo o de procedência
tcheca (metralhadoras médias ZB-ZV) e americana (fuzis Garand,
fuzis-metralhadora BAR e metralhadoras médias e pesadas Brow-
ning), que vinha sendo encontrado nas favelas cariocas. Várias
armas obtidas em assaltos aos arsenais do Exército e da Marinha
bolivianos, com o alegado intuito de armar milícias contrárias ao
Presidente Evo Morales, acabaram chegando na mão de crimino-
sos do Rio de Janeiro. Isso certamente porque foi constatado que
era mais lucrativo vendê-las aos brasileiros do que empreender
uma fraticida guerra civil. A quantidade desses armamentos (com
suas respectivas munições) arrecadada na ocupação do Com-
plexo da Penha e do Alemão, bem como na Rocinha, era simples-
mente impressionante e poderia, facilmente, equipar uma grande
unidade militar.
Um dos pressupostos essenciais da pacificação levada a cabo nas favelas Diferentemente de seus congêneres Acima Enquanto o tráfico
cariocas era a retirada de circulação dos fuzis, e inicialmente o tráfico recuou paulistas, os criminosos fluminenses sempre for uma atividade
em seu emprego nas áreas de Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). É ver- viram no fuzil a opção tática predileta. Os de lucrativa, não faltarão
dade que as ocupações de vasculhamento permitiram a captura de muitas São Paulo preferiam as submetralhadoras, a fornecedores dispostos a
armas, mas também é verídico o fato que, pelo menos durante um bom tempo, ponto de investir na produção local clandes- lucrar com seu
armas longas deixaram de ser encontradas tão facilmente nas áreas ocupa- tina de diversos modelos, bem construídos e abastecimento. Amplos
das. eficazes. No Rio, uma curiosidade é que, em estoques de munição
No início de 2004, a criminalidade começou a perceber a precariedade vários momentos, diferentes facções crimi- nova, contrabandeada,
das ocupações, e mudou sua tática de enfrentamento, levando para as comu- nosas chegaram a ser abastecidas com fuzis asseguram uma invejável
capacidade de combate
nidades pistolas convertidas para disparar em regime de tiro automático e outros equipamentos militares por um
aos narcotraficantes
(como submetralhadoras), com carregadores de grande capacidade e extrema único grande fornecedor, sendo notável que, (Foto: autor).
facilidade de portar e esconder. Ressalte-se que a criminalidade não eliminou algumas vezes, criminosos dispenderam
o fuzil, apenas privilegiou o emprego de armas mais compactas, capazes de muito dinheiro para comprar armas defei-
gerar enorme volume de fogo em combates aproximados, sobretudo em tuosas ou que não sabiam operar, apenas para que esse armamento não viesse
áreas densamente edificadas e povoadas. A ideia de empregar armas curtas a cair em mãos adversárias.
trazia em si uma má intenção, que era forçar as forças legais (sobretudo as For- O crime no Rio de Janeiro foi o precursor do emprego de modernos fuzis
ças Armadas) a reagir com disparos de fuzil. Assim, os criminosos colocavam automáticos, que ainda demoraram algum tempo para chegar aos criminosos
as forças de segurança num claro antagonismo com a população, e as sujei- das demais unidades da Federação. Hoje, essas armas são as principais res-
tavam a responder pela autoria de quaisquer danos colaterais resultantes dos ponsáveis pelas funestas características de letalidade e violência da nossa
disparos que, normalmente, quase nunca são “creditados” aos criminosos. guerra urbana, e não seria exagero dizer que devemos ser o local do país em
Outra medida, decorrente do desejo de melhor enfrentar as forças de se- que maiores quantidades desse fuzis (novos, antigos, comprados de segunda-
gurança nas áreas de ocupação, foi a introdução de diferentes versões de cano mão ou capturados/roubados de forças de segurança) se encontram nas mãos
mais curto do fuzil AK-47, que algumas vezes tinham até suas coronhas (fixas de malfeitores. Aqui, eles são empregados indiscriminadamente por crimino-
ou rebatíveis) removidas, para facilitar o manuseio em áreas edificadas e com sos que, despreocupados com a precisão de seus disparos, geram “balas per-
restrições de espaço, facilitando aos criminosos o posicionamento para efe- didas”, que podem ser extremamente letais em distâncias de até 2km.
tuar disparos. Mesmo com a precisão dos tiros comprometida, os criminosos
ainda conservavam a capacidade de gerar um enorme volume de disparos de “Balas perdidas”
projéteis altamente letais no calibre 7,62mm “russo”,literalmente impedindo as As chamadas “balas perdidas” vêm sendo responsáveis por inúmeras tra-
progressões da polícia em algumas áreas de favela, salvo quando se contava gédias e, convenhamos, é difícil precisar quando elas deixarão de fazer parte
com a cobertura de helicópteros ou a proteção de blindados. de nossa realidade, sobretudo no Rio de Janeiro. Embora seja exagero afirmar

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Ao fundo Projéteis de fuzis


podem viajar por grandes
distâncias, conservando ainda
muita energia e mantendo
capacidade letal, dependendo
de que parte do corpo da
vítima seja atingida (Foto:
autor).

Acima Embora seja algo que antes as coisas estavam mais ou menos as quais incrementaram a defesa de seus do-
que o grande público sob controle, o fato é que possuíamos uma mínios e dos negócios de tráfico, roubo, re- Abaixo Utilizando um
ignore, já desde muito inteligência centrada na Delegacia de Re- ceptação e venda de produtos de cano de metralhadora
tempo os criminosos pressão a Armas e Explosivos (DRAE) e na procedência criminosa, sobretudo contra a Browning de 12,7mm,
não hesitam em disparar Subsecretaria de Inteligência de Segurança ameaça de outros criminosos, concorrentes. algum armeiro
contra inocentes, se isso Pública, combatendo o tráfico de armas e Armas passaram a ser contrabandeadas habilidoso produziu
puder ser capitalizado mantendo os criminosos sempre na defen- com muito mais liberdade, sendo trazidas em para criminosos o
em seu favor, imputando siva. Infelizmente, no final dos anos 2000, ao grande quantidade, disfarçadas até em car- primeiro fuzil
a culpa às forças de sucatear a pouca inteligência que tínhamos gas transportadas em aviões! Isso fez com antimaterial funcional
segurança, como mostra na repressão ao tráfico de armas de fogo, o que não seja exagero estimar que o Rio de capturado no Rio de
esse recorte de “O governo estadual permitiu aos criminosos Janeiro deve ser hoje a cidade com maior Janeiro (Foto PMERJ). A
Globo” de 11 de maio de amealhar uma enorme quantidade de armas quantidade de armamento militar nas mãos imagem ao lado mostra
2007 (Foto: coleção do modernas — fuzis, pistolas, submetralhado- de criminosos. Para esses narcotraficantes, o calibre do cano —
autor). ras, metralhadoras médias e pesadas, fuzis que nunca estiveram tão bem armados, qual- meia polegada, ou seja,
antimaterial de calibre 12,7mm, etc. —, com quer coisa ou pessoa se torna um alvo legí- 12,7mm (Foto: autor).

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LAND AND AIRLAND DEFENCE AND SECURITY EXHIBITION

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Ao lado Felizmente para


a sociedade, os
bandidos não se
preocupam muito com
o treinamento de seus
quadros e com a
utilização da
capacidade plena de
seu armamento. O fuzil
da foto, capturado pela
PMERJ em dezembro
de 2019, é dotado de
trilho Picatinny (Foto:
PMERJ).

reitos Humanos defendem


que a polícia deve se des-
pojar de seus fuzis, na
crença de que isso poderá
abrandar a intensidade
dos combates na esfera da
segurança pública. O autor
não compartilha dessa
ideia, e crê que ela tem
mais apelo romântico do
que prático. A questão é
timo. Os criminosos atiram sem critério e, por vezes, não têm o menor escrú- simples: quanto mais armas, mais poder para o grupo ou facção narcotrafi-
pulo em atingir inocentes desarmados, sobretudo quando isso puder favo- cante, que terá seu negócio melhor defendido, tanto contra a ação de grupos
recê-los, desviando policiais para prestar socorro às vitimas ou em situações rivais quanto contra as forças de segurança do Estado. Mais armas de guerra
em que os disparos possam ser imputados aos policiais através de um clamor também aumentam o poder de intimidação sobre as populações, nas áreas
popular orquestrado, e no qual a mídia frequentemente “embarca”.Foras-da-lei sob seu domínio.
que são, não há nada que lhes restrinja a liberdade de atirar a esmo, seja para Quem quer que haja se acostumado a transgredir a lei de forma arbitrária
comemorar algo ou apenas para intimidar ou infundir o terror à população e tão violenta, empregando um armamento excepcionalmente poderoso e
que vive sob seu domínio. que, no exterior, é apenas usado em guerras, não vai altruisticamente abrir mão
Ao disparar indiscriminadamente para o alto, numa comemoração, arre- desse instrumento, que alicerça o seu poder sobre os destinos de terceiros. Da
messam projéteis que perderão velocidade paulatinamente, a partir do mo- mesma forma que, em todas as campanhas de recolhimento de armas de fogo,
mento que deixam o cano da arma. A ação da gravidade e o atrito com a criminosos jamais compareceram para entregar seus fuzis, metralhadoras, ou
atmosfera desacelerarão o projétil que, após atingir um ponto máximo, vai per- pistolas, não é sensato esperar que eles resolvam, por si próprios, se apiedar da
correr uma trajetória de retorno ao solo, sendo acelerado pela força da gravi- sociedade que depredam, ou demonstrar pendores humanísticos, que sim-
dade, que incide sobre sua massa. Via de regra, vai atingir o solo muito longe plesmente inexistem em seu ramo de negócio.
de onde foi disparado, com uma velocidade média de aproximadamente um Hoje, o Estado volta a focar nas armas, e têm sido conseguidas inúmeras
terço da velocidade inicial (velocidade com que deixou o cano da arma). E isso apreensões bem-sucedidas; mas o problema é que os criminosos possuem
é mais do que suficiente para danificar um telhado, trespassar uma vidraça, armas demais! Seria uma injustiça dizer que as polícias no Rio de Janeiro não
perfurar uma caixa d’água, ou ferir/matar alguém. Mesmo um projétil ogival de estão fazendo sua parte para tentar retirar as armas das mãos dos criminosos.
pistola 9mm, viajando em trajetória descendente a 200km/h, pode perfeita- De janeiro a outubro de 2019, as polícias fluminenses apreenderam 7.215
mente vitimar uma pessoa, caso a atinja na cabeça ou em outro ponto vital. armas de fogo — média de 24 armas retiradas das ruas por dia – e, desse total,
Para sorte das forças de segurança, não existe, de parte dos criminosos, 468 eram fuzis. Até 31 de dezembro de 2019, 505 haviam sido capturados, em
um esforço sistemático para melhorar o treinamento de seus quadros. Con- comparação com 330, em 2018, e 382, em 2017.
tudo, mesmo não tendo a qualificação técnica que lhes permita tirar o melhor Por mais que se empregue os recursos da inteligência, nem sempre se con-
proveito de armas novas e customizadas, com trilhos Picatinny, miras holo- segue amealhar informações privilegiadas ou dados que permitam apreen-
gráficas, lunetas, bipés, carregadores de grande capacidade e boas munições, sões de grande quantidade de armas e munições, sem que os malfeitores
os criminosos fluminenses ainda dispõem de um considerável poder de fogo, consigam reagir. Infelizmente, a criminalidade por vezes decide se vender caro,
e seus tiros podem atingir distâncias surpreendentes. A tabela simplificada e essas apreensões só são obtidas após combates em que cidadãos inocentes
que acompanha o texto mostra os alcances máximos aproximados, conside- também acabam sendo vitimados por tiros.
rando projéteis ogivais. E não adianta esconder: o treinamento de nossos policiais é franca-
Embora acadêmicos e violenciólogos critiquem com veemência o em- mente deficiente. Embora, recentemente, a Intervenção Federal no Rio de
prego de fuzis nas áreas urbanas pelas forças policiais, é importante reiterar Janeiro haja concorrido para tentar melhorar o treinamento de tiro dos po-
que as polícias no Rio de Janeiro só começaram a ser equipadas com fuzis au- liciais, a verdade é que nossos profissionais, diferentemente de seus con-
tomáticos no início dos anos 90, em resposta a uma alarmante introdução de gêneres nos Estados Unidos, atiram muito menos em treinamento do que
fuzis AR-15 nas mãos dos criminosos. Estudiosos, políticos e militantes de Di- nas situações reais e isso, logicamente, vai trazer uma correspondência de

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Acima Armas excedentes das baixas entre inocentes, também geradas Acima Determinar com ram de forma descontrolada e ao com-
Forças Armadas bolivianas por disparos de policiais. exatidão o ponto de pleto arrepio da boa técnica.
robusteceram os arsenais Ressalte-se que, se não é fácil ser poli- origem de um disparo A sociedade, que — de forma draco-
dos narcotraficantes no Rio cial no Brasil, mais difícil ainda é sê-lo no requer evidências físicas niana — condena a imperícia dos policiais,
de Janeiro. Esse lote foi suficientes e cálculos
Rio de Janeiro, onde os criminosos bem ar- dificilmente teria a coragem de assumir as
capturado em operações no complexos. Por vezes, o
Complexo do Alemão e na mados não demonstram a menor hesita- missões desses seus agentes de autoridade,
melhor que se pode dizer é
Rocinha (Foto: ção em atentar contra a vida dos agentes tamanhas as dificuldades, os riscos e as limi-
que “teria vindo de tal
PCERJ/SSINTE). da lei. O grande quantitativo de policiais área”... (Foto: autor). tações que tais categorias profissionais en-
baleados em serviço em nada concorre frentam no seu cotidiano. Analisar friamente,
para amenizar o quadro de conflito. En- distante do cenário de confrontação, falar e
frentando criminosos fortemente arma- cobrar, sempre será mais fácil do que ter que proporcionar o dispendioso treina-
Abaixo Armas dos, com farta quantidade de munição, e mento, os meios adequados de trabalho, ou de assumir decisões em frações de
desconhecidas dos que muitas vezes ocupam posições de tiro segundo, arriscado sua vida e a de terceiros, em meio a uma troca de tiros.
traficantes, e até mesmo privilegiadas, em elevações, protegidas e Na opinião do autor, num curto prazo não há perspectiva de que esse qua-
armas inservíveis, já foram muito camufladas, é comum que os poli- dro de “balas perdidas” venha a se modificar positivamente. Conquanto os poli-
adquiridas por criminosos ciais se vejam psicologicamente pressio- ciais possam ser melhor treinados e conscientizados acerca de quando e como
apenas para evitar que nados para abandonar restritivas regras de devem disparar suas armas, os criminosos certamente não se deterão enquanto
fossem fornecidas a grupos engajamento (coisa que, diga-se de pas- puderem dispor, em suas mãos, desses poderosos armamentos e de seus gene-
rivais. Esse lança-rojão RPG- sagem, os criminosos nem levam em con- rosos suprimentos de munição. Para quem já não se submete à Lei, portar ile-
7, apreendido em setembro
sideração) e acabem efetuando mais galmente uma arma e dispará-la contra quem quer que seja será apenas mais
de 2007, foi vendido a
traficantes fluminenses sem disparos do que o estritamente necessá- um detalhe, cuja monta não será suficiente para influenciá-lo ou desencorajá-lo
o booster que impulsiona a rio. Há casos em que policiais “atiram pri- de agir. Nossas leis são risivelmente frouxas; nossa sociedade, que reclama da
granada para fora do meiro para perguntar depois”, e não “bala perdida” e de ser assaltada na via pública, é a mesma que hipocritamente
lançador recarregável (Foto: raramente se veem forçados a tentar justi- subvenciona o crime, consumindo drogas, comprando produtos roubados e per-
DRAE, PCERJ). ficar e legitimar uma situação em que agi- mitindo aos criminosos canalizar uma parte do seu fabuloso lucro para a aqui-
sição desse armamento ilegal, cujos
disparos, ao atingirem inocentes, enlutam
todos os cidadãos de bem.
Precisamos nos despojar de ideias
que há anos vêm norteando (quando
não, ao menos influenciando) nossa ma-
neira de enxergar questões da segu-
rança pública. Nos Estados Unidos,
criminosos têm acesso a armamentos
pelo menos tão poderosos quanto
aqueles encontrados com seus congê-
neres no Brasil. Qual a razão de nossos
criminosos serem tão mais ousados e le-
tais? A reposta é simples: aqui a “cana”
não é tão dura quanto lá! Precisamos
fazer com que os criminosos respeitem
a Polícia, se abstenham de usar aberta-
mente seu armamento e temam apo-
drecer nas cadeias quando forem
apanhados! n

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ALCANCES MÁXIMOS APROXIMADOS


POR TIPO DE MUNIÇÃO E ARMA
Calibre da munição Tipo de arma que o emprega Alcance máximo que o
projétil pode atingir

.22 LR Rifles e carabinas de cano <16” 1.500m

.32 S&W L Revólveres, muito disseminados no Brasil 1.300m


entre a população civil

.32 Auto (7,65x17mm) Pistolas Beretta, Taurus, CZ, FN, Colt e Steyr, 1.300m
muito comercializadas para civis até 1987,
quando foi liberado o calibre .380 Auto para uso civil

.38 SPL O calibre mais difundido para armas civis no Brasil. 1.600m (disparos de revólveres)
Usado em revólveres, ainda é empregado
maciçamente na segurança privada

.380 Auto (9mm Curto, 9x18mm) Pistolas Taurus, Imbel, Bersa e CZ 1.000m

.40 S&W Pistolas Taurus de diferentes modelos, 1.500m (disparos de pistolas)


empregadas pelas forças de segurança em todas
as unidades da Federação; carabinas e
submetralhadoras Taurus

9x19mm (9mm Parabellum) Pistolas Browning, Beretta, Taurus, Imbel, Glock 1.700m (disparos de pistolas)
e SIG, bem como outros modelos fabricados na
Turquia e nos Bálcãs; submetralhadoras INA
(convertidas para esse calibre), Uzi, Hk MP-5,
Beretta e Intratec

.45 ACP Pistolas Colt Mod 1911 e derivadas, 1.500m (disparos de pistolas)
Imbel Taurus, Glock, SIG, e antigos revólveres
militares S&W

Acima Pistolas convertidas para fogo .223 Remington (5,56x45mm) Fuzis AR-15/M16, Colt M4, Ruger Mini-14, Galil, 2.100m
automático já vinham sendo capturadas
SIG-550, HK-33, HK-416, FN SCAR e Steyr AUG
em pequenas quantidades desde os idos
de 2000; contudo, sua quantidade se
7x57mm (7mm Mauser) Antigos fuzis de ferrolho, tipo mosquetão, e 4.300m
multiplicou a partir de 2014. (Fotos: autor).
metralhadoras antigas

7,62x39mm (7,62 Russian) Fuzis AK-47 em diferentes versões 1.600m


NOTA 1:
O autor trabalhou por anos na atividade de 7,62x51mm (7,62 NATO) Fuzis FAL da FN, fuzis G3 e HK-417 da HK, 4.000m
inteligência de armas, e é Diretor Regional da As- fuzis AR-10, AR-18, SIG-510, CTME e M14
sociação Brasileira de Profissionais de Segurança
(ABSEG). 7,62x63mm (.30-06 Springfield) Fuzis Garand, fuzis-metralhadora BAR, 3.185m
metralhadoras Browning refrigeradas a ar
NOTA 2: e a água
O presente artigo é dedicado ao Cel de Artilha-
.50 Browning (12,7x99mm) Metralhadoras pesadas empregadas em tripés 6.000m
ria (Ref) do EB Romeu Antônio Ferreira, então Sub-
e veículos, bem como fuzis antimaterial Barret
secretário de Inteligência da SSP-RJ, ao Delegado
e similares.
da Polícia Civil do Rio de Janeiro Carlos Oliveira, ao
Cap PM Geraldo Luís Fontes, ao Subtenente PM Nilo OBS.: Diferentes fatores influenciam a distância a que um projétil pode atingir, e variam desde o tipo de pólvora propelente, seu
Sérgio Duarte e ao 2ºSg PM José Francisco Oliveira estado de conservação, o comprimento dos canos de que são disparados, angulação, existência de ventos e sua relação com a tra-
da Silva, abnegados profissionais da Segurança Pú- jetória, etc. Quando falamos em alcances máximos estamos pressupondo disparos cuja inclinação dos canos seja de aproximada-
blica, os quais foram responsáveis pelo embrioná- mente 45º. Os alcances explicitados não se referem a distâncias em que os atiradores visualizam seus alvos e os atingem com
rio e bem sucedido trabalho de inteligência voltado precisão e energia, mas são uma média das distâncias a que seus tiros (com as referidas armas) podem chegar e que, dependendo
para coibir o tráfico de armas no Rio de Janeiro da natureza do alvo e do local nele atingido, ainda podem ocasionar sérios danos.
entre 2003 e 2007.

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