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Deficiência Auditiva 1

Audiologia
Clínica
2 Fonoaudiologia Prática
Deficiência Auditiva 3

1
Deficiência Auditiva

Otacilio de C. Lopes Filho

“O que é surdez na realidade?


Será um número na escala de decibels que descreve a
severidade da perda auditiva? Será uma doença como caxumba,
sarampo ou meningite? Será um estribo anquilosado? Será um
tecido no sistema auditivo que seria considerado anormal se visto
sob o microscópio? Será uma enfermidade a ser conquistada pelo
cientista engenhoso? Será a pressão de uma criança cujos pais
desejam persistente e ardentemente que o cientista seja bem-
sucedido e logo? Será uma forma especial de comunicação? Será
algo encontrado ocasionalmente no homem ou mulher, cujos
dedos voam e cujos sons emitidos são arrítmicos e estridentes?
Será uma causa à qual professores diligentes, talentosos e
pacientes vêm se dedicando há gerações? Será o sofrimento
causado pelo isolamento de uma parte do mundo real? Será a
alegria da conquista que prejudica o deficiente físico? Será a
mente brilhante e as mãos potencialmente hábeis das quais a
economia não faz uso por falta de tê-las cultivado? Será a
cristalização de atitudes de um grupo distinto cuja surdez, modos
de comunicação e outros atributos (tais como educação prévia)
que eles têm em comum e que os leva a se unirem para alcançar
auto-realização social e econômica? É CLARO, SURDEZ É
TUDO ISSO E MAIS, DEPENDENDO DE QUEM FAZ A PER-
GUNTA E PORQUE.”
(H. DAVIS & R. SILVERMAN)
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CLASSIFICAÇÃO
As perdas de audição podem ser classificadas segundo a sua
localização topográfica (condutivas, sensorioneurais, mistas, cen-
trais e funcionais) ou conforme sua expressão clínica (hipoacusia,
disacusia, surdez e anacusia).

Deficiência auditiva condutiva


As ondas sonoras não alcançando a orelha interna de forma
adequada, quer por problemas na orelha externa (meato acústico)
ou na orelha média (membrana do tímpano, cadeia ossicular,
janelas redonda ou oval, ou mesmo a tuba auditiva) determinam
uma redução da acuidade auditiva, constituindo-se em deficiên-
cias do tipo condutiva. Caracterizam-se basicamente pela dimi-
nuição da audição aos sons graves (aumento da rigidez do
sistema) com certa conservação da audição aos sons agudos,
apresentam o teste de Rinne negativo e o de Weber com
lateralização para a orelha pior. O teste de Schwabach é prolon-
gado e o Friedreich mais intenso na mastóide.
A discriminação auditiva é de 100% e à imitanciometria
(quando a membrana do tímpano está normal e a lesão localiza-
se na orelha média) encontram-se curvas timpanométricas baixas
e ausência do reflexo do músculo do estribo. O gráfico audiomé-
trico costuma apresentar uma curva ascendente, com perdas
maiores em graves. Nas otites médias crônicas, quando há
maiores comprometimentos da orelha média, o perfil da curva
audiométrica pode ser plano, e quando a cadeia ossicular está
íntegra ou apresenta continuidade há uma conservação da audi-
ção nas freqüências em torno de 1 kHz (freqüência de ressonância
da orelha média). Quando há líquido na orelha média (otite
secretória), este determina um aumento da massa além da rigidez
do sistema, e os sons agudos podem se apresentar com um
comprometimento maior.

Deficiência auditiva sensorioneural


Neste tipo de deficiência auditiva, o aparelho de transmissão
do som encontra-se normal, mas há uma alteração na qualidade
do som. O termo sensorioneural é hoje empregado para substituir
“surdez de percepção”. Engloba desde lesões sensoriais (orelha
interna ou órgão de Corti) a neurais (lesões desde o nervo coclear
até os núcleos auditivos no tronco).
Nas deficiências auditivas do tipo sensorioneural há uma
conservação de audição para sons graves com perda de audição
mais acentuada em agudos. Não há, na realidade, uma curva
típica, podendo a perda ser maior em graves (como ocorre na
doença de Ménière e hidropisia endolinfática), ou mesmo uma
curva com perdas acentuadas nas freqüências em torno de 1 kHz
(como na neurolabirintite luética). As deficiências auditivas senso-
Deficiência Auditiva 5

rioneurais podem também apresentar perdas de audição localiza-


das, como nos traumas acústicos ou nas deficiências auditivas
induzidas pelo ruído. Aos testes de diapasão, o Rinne costuma ser
positivo, o Weber lateraliza para o lado melhor e o Schwabach
está encurtado. A discriminação auditiva costuma estar compro-
metida de maneira variável. Na maioria das vezes, sua alteração
é proporcional à perda auditiva, pode ser um pouco menos
acentuada quando o perfil audiométrico é plano e mais acentuada
quando a lesão é neural.

Deficiência auditiva central


É relativamente rara, mal conceituada e definida. Certos pacien-
tes, embora supostamente apresentando audição normal, não
conseguem entender o que lhes é dito. Quanto mais complexa a
mensagem sonora, maior dificuldade haverá. Muitos testes têm sido
desenvolvidos para o diagnóstico adequado destas lesões, mas
poucos parecem ter sido efetivos e empregados na prática clínica.
Um destes testes, o SCAN (Screening Test for Auditory Disorders),
tem o objetivo de determinar possíveis comprometimentos do
sistema nervoso central na criança. Para adultos, existem os testes
desenvolvidos por Katz, Keith e Jerger, porém ainda não aplicados
entre nós. Há quase sempre outros distúrbios neurológicos mais
sérios que terminam por predominar no quadro clínico geral.

Deficiência auditiva mista


Esta perda auditiva apresenta-se com características diver-
sas das anteriores, pois, dependendo do predomínio do fator de
condução ou da gravidade da lesão sensorial, apresentará ca-
racterísticas diferentes. Em tais casos poderemos dizer que a
audição pela via aérea é pior que a óssea, a discriminação auditiva

FIGURA 1.1 – Corte das três orelhas (externa, média e interna) com a limitação topográfica das lesões
fundamentais: condutivas, sensoriais e neurais.
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pouco comprometida, ausência de reflexo do músculo do estribo


(quando a lesão localiza-se na orelha média), e os testes de
diapasão são difíceis de ser interpretados, especialmente nos
casos unilaterais. Podem representar um estágio evolutivo avan-
çado de certas lesões condutivas (como na otospongiose), quan-
do estas comprometem as espiras basais da cóclea.

Deficiência auditiva funcional


Neste tipo de disfunção auditiva (também denominada de
pseudo-hipoacusia, quando simulada), o paciente não apresen-
ta lesões orgânicas no aparelho auditivo, quer periférico ou
central. A dificuldade de entender a audição pode ser de fundo
emocional ou psíquico, podendo sobrepor-se a alguma lesão
auditiva prévia, apresentando pioras bruscas do quadro clínico.
Representam um grande desafio à audiologia clínica e torna-se
difícil determinar, em certas situações, se é uma simulação ou
é orgânica. Alguns testes, como o de Stenger e métodos
eletrofisiológicos, têm possibilitado algum progresso neste
diagnóstico.

DEFINIÇÕES
É fundamental o conhecimento adequado dos termos empre-
gados para exprimir as várias formas de deficiência auditiva, a fim
de evitar confusões, especialmente numa área onde a maioria dos
termos é de conceituação recente e em função do emprego de
novas técnicas de semiologia. Foi HALLOWELL DAVIS, em seu livro
HEARING AND DEAFNESS, quem procurou definir de modo correto
estes termos.

Hipoacusia
A hipoacusia expressa uma diminuição na sensitividade da
audição. Há uma diminuição dos limiares auditivos sem, no
entanto, expressar qualquer alteração da qualidade da audição.
Assim sendo, na hipoacusia o paciente escuta menos os sons
menos intensos, mas, com o aumento da intensidade da fonte
sonora, ele poderá escutar de modo bastante adequado. As
perdas de audição relativas à hipoacusia são expressas em
decibels, nas curvas audiométricas. Para DAVIS a hipoacusia se
inicia quando a perda de audição é maior que 27 dB NA na média
das freqüências da fala e vai até 92 dB NA.

Disacusia
A disacusia expressa um defeito na audição. Defeito este que
não pode ser expresso em decibels. Nela, as alterações da
discriminação auditiva são as responsáveis pela qualidade da
audição. Nestes pacientes, mesmo que se aumente a intensidade
Deficiência Auditiva 7

da fonte sonora, não vão conseguir entender perfeitamente o


significado das palavras, embora possam ouvi-las. Os pacientes
costumam dizer que escutam, mas não entendem. As disacusias,
portanto, representam deficiências de audição do tipo sensorio-
neural. As disacusias podem estar, ou não, associadas à hipoacu-
sia, como ocorre nas lesões centrais.
Este conceito de disacusia é o definido por H. DAVIS e por
nós aceito. Há, no entanto, inúmeros autores nacionais que não
aceitam a terminologia definida por DAVIS e reconhecem por
disacusia qualquer perda de audição, quer seja condutiva,
sensorioneural, mista (disacusias periféricas) ou central (disa-
cusia central). Assim sendo, em outros capítulos deste livro
poderemos encontrar o termo disacusia como sendo sinônimo
de hipoacusia ou, genericamente, de deficiência auditiva, etc.
Entretanto, nem sempre as hipoacusias estão acompanhadas
de disacusia.

Surdez
A palavra surdez tem sido empregada para designar qual-
quer tipo de perda de audição, parcial ou total. Recentemente,
a surdez adquiriu novo significado. Surdo é um termo muito forte
e depreciativo da condição do indivíduo, daí a tendência atual
em utilizar “deficiência auditiva” em seu lugar. Concordamos
com D AVIS, quando procura dar à palavra surdez uma definição
mais precisa. Em inglês deafness tinha o mesmo significado que
surdez, sendo substituída mais recentemente por hard of hearing,
e deafness passou a significar perda de audição profunda, isto
é, quando a média das três freqüências da fala é maior que 93
dB NA.
Surdez significa audição socialmente incapacitante. O surdo
é incapaz de desenvolver a linguagem oral, evidentemente por-
que não a ouve. Os limiares auditivos destes pacientes são de tal
forma elevados, que não conseguem escutar o som de modo
adequado. Escutam ruídos, mas não sons. As perdas de audição
são maiores que 93 dB nas freqüências de 500, 1.000 e 2.000 Hz
(como sugere DAVIS).

Anacusia
Literalmente significa falta, ausência de audição. É diferente
de surdez, onde há resíduos auditivos. Na anacusia, o comprome-
timento do aparelho auditivo é de tal ordem que não há nenhuma
audição.

AVALIAÇÃO DA AUDIÇÃO
A avaliação da função auditiva pode ser feita através de vários
testes que nos informam sobre a sua origem, localização, qualida-
de, evolução, prognóstico, etc. Os testes mais empregados são os
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descritos a seguir, pela ordem de sua execução e que serão


tratados em detalhes em capítulos especiais:

• Diapasões.
• Audiometria tonal.
• Discriminação auditiva.
• Imitanciometria.
• Audiometria automática de Békésy.
• Teste de Fowler.
• Teste SISI.
• Teste tone decay.
• Audiometria de tronco cerebral.
• Eletrococleografia.
• Emissão otoacústica.

Antes de qualquer avaliação auditiva, quer inicialmente pelo


especialista em seu consultório ou pelo(a) audiologista, deve ser
precedida de uma otoscopia adequada. Através da otoscopia,
poderemos evidenciar as condições do meato acústico externo,
prevenir eventual colabamento do trago durante a audiometria,
verificar a presença ou não de perfuração na membrana do tímpano
(a imitanciometria só terá valor com membrana do tímpano íntegra),
presença de secreções (que podem alterar significativamente a
audição pela via aérea), enfim elementos importantes para uma
adequada avaliação audiológica.

DEFICIÊNCIA AUDITIVA CONDUTIVA


Características
Anamnese
A anamnese de um paciente com deficiência auditiva já pode
nos oferecer elementos importantes para a suspeita de sua
etiologia. Assim sendo, deve-se ter atenção especial com os
seguintes sintomas, que devem ser investigados detalhadamente:

Zumbidos
Nas deficiências auditivas condutivas, os pacientes podem
apresentar queixa de zumbidos. Costumam compará-los com
ruídos de tonalidade grave como cachoeira ou ruído das ondas do
mar. Nas sensorioneurais relatam como sendo semelhante a uma
cigarra ou um apito, etc.

Falar baixo
Os condutivos, quando bilaterais, costumam falar baixo. Eles
escutam bem a própria voz (têm audição pela via óssea conservada)
e, quando falam, baixam propositadamente a voz, pois a escutam
por via óssea e não podem controlar seu volume de modo adequado.
Deficiência Auditiva 9

Paracusias
Muitos pacientes apresentam alguns fenômenos interes-
santes, denominados de paracusia. Isto é, em presença de
ruído ambiental escutam melhor que em ambientes silenciosos.
No ruído, as pessoas tendem a aumentar o volume de sua voz,
ultrapassando os limiares da perda auditiva e assim os deficien-
tes auditivos escutam melhor, constituindo a denominada
paracusia de Willis. Quando mastigam, pelo fato de escutarem
o ruído da mastigação, os hipoacúsicos escutam pior. Esta é
denominada paracusia de Weber.

Rinne negativo
Aos testes de diapasão apresentam Rinne negativo na orelha
comprometida, ou em ambas quando bilateral. Quando unilate-
rais, o Weber lateraliza para o lado pior e quando bilaterais o
Weber é central. O teste de Schwabach é prolongado na orelha
condutiva e o Friedreich é mais ouvido no trago.

Via óssea normal


A audição pela via óssea é normal, com uma queda na audição
via aérea, havendo um gap aéreo-ósseo maior que 15 dB NA. Em
presença de gap menor que 10 dB NA poderá haver dúvida pela
possibilidade do paciente confundir a sensação tátil do vibrador
ósseo.

Discriminação
Como assinala DAVIS, a discriminação nas orelhas condutivas
é sempre 100% e quando houver algum comprometimento da
discriminação haverá sempre algum componente sensorioneural.

Perda máxima de 60 dB NA
O gap máximo que poderá ser encontrado é de 60 dB NA. O
encontro de diferenciais maiores entre as vias aérea e óssea,
certamente correrá por conta de algum erro na execução da
audiometria tonal.

• Critérios de certeza
Os seguintes achados são considerados como critérios de
certeza para o diagnóstico de uma hipoacusia:

• Via aérea pior que a óssea.


• Gap aéreo-ósseo maior que 15 dB.
• Via óssea normal.
• Discriminação de 100%.
• Gap nunca maior que 60 dB.
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CAUSAS DEDEFICIÊNCIA AUDITIVA CONDUTIVA


POR ALTERAÇÃO NA ORELHA EXTERNA
As obstruções em nível do meato acústico externo, que
impeçam a passagem do som pela via aérea, poderão ser respon-
sáveis por perdas do tipo condutiva. São de diagnóstico muito fácil
em virtude da objetividade do exame da orelha externa. Entre as
mais freqüentes encontram-se:
Agenesias do meato acústico externo – Podem ser uni ou
bilaterais. Estas displasias podem comprometer também a orelha
média, constituindo-se num problema de solução mais difícil, espe-
cialmente quando bilaterais. O estudo radiográfico, especialmente
a tomografia computadorizada, mostrará a sua real gravidade.
Síndrome de Treacher Collins – É uma síndrome que se
caracteriza por deformidades dos pavilhões e meatos acústicos,
podendo haver malformação de martelo e/ou bigorna; apresen-
tam os olhos inclinados para baixo devido à hipoplasia das
maxilas; e mandíbulas hipodesenvolvidas.
Estenoses adquiridas – Podem ser traumáticas ou pós-
inflamatórias ou mesmo pós-cirúrgicas.
Exostoses (osteomas) – Quando fecham completamente o
meato acústico, determinam perdas auditivas consideráveis. A
remoção desta afecção é muito trabalhosa, especialmente quan-
do não se pode conservar a pele do meato acústico externo.
Nestes “osteomas”, pequeno acúmulo de cerume será suficiente
para provocar a sensação de hipoacusia.
Cerume impactado – O cerume, quando excessivo e mesmo
impactado, pode provocar uma perda condutiva considerável. A sua
remoção, muitas vezes trabalhosa, determinará uma recuperação
imediata da audição. As glândulas ceruminosas estão situadas no

FIGURA 1.2 – Malformação da orelha externa.


Estas malformações costumam estar acompa-
nhadas de outras na orelha média.
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FIGURA 1.3 – Malformação do meato


acústico externo, com pavilhão da ore-
lha pouco comprometido. Nestes casos,
as malformações da orelha média, quan-
do existem, são de menor gravidade.

terço externo do meato acústico, ali acumulando o cerume. O hábito


de limpar o canal auditivo com “cotonetes” provoca o acúmulo de
cerume no fundo deste canal, uma vez que o “cotonete” acaba por
empurrar o cerume para dentro. Em pessoas que trabalham em
locais com muita poeira, ou mesmo naquelas que têm muitos pêlos
no canal auditivo, é um achado freqüente. O curioso é que a perda
de audição é súbita (com sensação de orelha entupida) e quase
sempre em seguida a banho ou após nadar. A remoção deste
cerume deve ser feita com irrigação da orelha, com água ou solução
fisiológica morna, evitando-se o uso de “estiletes” que podem ferir o
canal. Em algumas oportunidades pode ser removido por delicada
aspiração. Sua remoção com pinças só deverá ser feita com muito
cuidado, com adequada iluminação.

FIGURA 1.4 – Síndrome de Treacher


Collins.
12 Fonoaudiologia Prática

Canal colabado – É um artefato que pode determinar o


encontro de uma perda condutiva, pela compressão do trago
sobre o canal auditivo, determinado por uma menor elasticidade
dos tecidos neste nível. É especialmente encontrado em pesso-
as idosas, nas quais há uma perda do tecido elástico subcutâ-
neo. Nestas pessoas, um especial cuidado deverá ser tomado
durante o exame audiométrico.
Otite externa difusa – O edema inflamatório provoca uma
perda condutiva.
Corpos estranhos – Da mesma forma que o cerume, uma vez
obstruindo o meato acústico externo, provocam diminuição de
audição com características condutivas, da mesma forma que
tumores (cistos, carcinomas, etc.).

CAUSAS POR AFECÇÃO NA MEMBRANA


DO TÍMPANO

As perfurações, dependendo de seu tamanho ou localização,


poderão determinar perdas auditivas de graus variados. Aquelas
de localização nos quadrantes superiores provocam perda de
grau leve. Quando localizadas nos quadrantes inferiores, ou
mesmo quando englobam o cabo do martelo, as perdas são
maiores. Quando as perdas são maiores que 30 dB NA, a
presença de perfurações também pode representar outros com-
prometimentos da cadeia ossicular, havendo maiores perdas
auditivas especialmente quando houver descontinuidade da mes-
ma. As perfurações timpânicas costumam ser a expressão de
processos crônicos na orelha média.
Flacidez e retrações podem determinar diminuição da audição
pela perda da elasticidade da membrana do tímpano, ou por
aumento de sua tensão, comprometendo a sua vibração. Da
mesma forma que as perfurações, sua localização também deter-
mina perdas auditivas de graus variáveis. Quando estas perdas

FIGURA 1.5 – Acentuada retração da


membrana do tímpano por disfunção
tubária crônica. A membrana do tímpano
encontra-se aderida à bigorna formando
um miringo-incudopexia.
Deficiência Auditiva 13

superam 30 dB NA certamente haverá algum outro comprometi-


mento na orelha média (lesão de cadeia ossicular, etc.). Estas
alterações da membrana costumam estar associadas a disfun-
ções da tuba auditiva.
A timpanosclerose, quando de localização exclusiva na mem-
brana, não determina alteração da audição. Da mesma forma,
cicatrizes não associadas a problemas de cadeia ossicular tam-
bém não comprometem a audição.

CAUSAS LOCALIZADAS NA ORELHA MÉDIA


Deficiências auditivas de condução podem ser determinadas
por problemas na orelha média, com membrana do tímpano
íntegra, porém revelando ao seu exame mais detalhado alguma
alteração que levará à suspeita de sua causa.
Otulose é um termo empregado para definir alterações en-
contradas na orelha média e determinadas por cicatrização de
processos inflamatórios (quase sempre crônicos), com membra-
na do tímpano íntegra (ou mesmo cicatrizada com a cura do
processo inflamatório) e levando a uma alteração da audição.
Nestes processos pode haver qualquer forma de comprometi-
mento ossicular, ou mesmo de janela oval ou redonda ou ainda da
tuba auditiva. Durante muito tempo, estas alterações foram deno-
minadas “otites catarrais” ou mesmo “catarro crônico da orelha”.
Não é, portanto, uma afecção única, constituindo-se quase que
numa síndrome. As alterações da audição encontradas são,
portanto, muito variáveis e dependem das alterações que ocorrem
na orelha média.
A otite média secretória é definida como a presença de
líquido, de viscosidade variável, na orelha média e resultante de
uma disfunção da tuba auditiva.
O hemotímpano, como seu nome procura representar, é a
presença de sangue na orelha média. A otoscopia revela a
presença de um líquido vermelho-escuro (ou mesmo negro) na
orelha média. Pode ocorrer de modo agudo (pós-traumático,
barotrauma) ou crônico e quando permanece por muito tempo,
tende a evoluir para formação de um granuloma de colesterol.
Seu diagnóstico é feito pela otoscopia e deve ser diferenciado
de tumores glômicos. Felizmente, a grande maioria dos
hemotímpanos evoluem para cura espontânea, pela capacida-
de da mucosa da orelha média em absorver secreções e pela
atividade ciliar que determina, com o tempo, sua remoção da
orelha. Pode, no entanto, ser necessária uma miringotomia,
aspiração dos coágulos e colocação de algum tubo de ventila-
ção.
A timpanosclerose, localizada na submucosa da orelha
média, é uma causa freqüente de hipoacusia.
Os tumores na orelha média são relativamente raros. Os mais
freqüentes são os tumores benignos e, entre eles, os de origem
14 Fonoaudiologia Prática

FIGURA 1.6 – Imagem otoscópica de


timpanosclerose nas porções ântero e
póstero-superior.

glômica representam mais de 90%. Os tumores glômicos podem


originar-se dentro da própria orelha média (tumores glômicos do
tímpano) ou representarem a invasão da orelha por tumores
glômicos da jugular. A imitanciometria é importante no diagnóstico
precoce dos tumores glômicos do tímpano, como descrito por
LOPES FILHO, sendo que a tomografia computadorizada oferecerá
o diagnóstico preciso entre os dois tipos de tumores. O diagnóstico
diferencial deverá ser feito com hemotímpano.

DEFICIÊNCIA AUDITIVA CONDUTIVA COM


MEMBRANA DO TÍMPANO E ORELHA MÉDIA
APARENTEMENTE NORMAIS

Defeitos congênitos de menor monta podem comprometer


apenas ossículos da orelha média, com otoscopia normal. São
relativamente raros, porém, entre eles, os mais freqüentes são as
malformações de martelo e bigorna, que apresentam-se fundidos
(têm mesma origem embriológica), malformação ou mesmo ausên-
cia do estribo e fixação congênita do estribo. Estas malformações
determinam perdas auditivas em torno de 40 a 50 dB NA e já podem
ser detectadas na infância. Quando unilaterais, o diagnóstico fica
mais difícil e passam despercebidas até a puberdade. A suspeita
deve ser feita quando uma criança apresenta uma perda de audição
condutiva, não-progressiva e sem antecedentes otológicos (infec-
ções, traumas, etc.). Nas bilaterais o diagnóstico é mais simples,
pois apresentam atraso no desenvolvimento da fala, costumam falar
muito baixo, têm problemas na escola, são muito distraídas, etc.
Defeitos ossiculares adquiridos podem ocorrer como con-
seqüência de traumatismos cranioencefálicos (disjunção da arti-
culação incudestapedial ou fratura de arcos do estribo), miringo-
tomias acidentais com lesão da cadeia ossicular e fixação da
articulação incudomalear por processos inflamatórios subclínicos.
Apenas a curva audiométrica não será suficiente para o diagnós-
Deficiência Auditiva 15

FIGURA 1.7 – Síndrome de van Der


Hoeve.

tico preciso da lesão e será a timpanotomia que levará ao


diagnóstico definitivo.
Otospongiose é a causa mais freqüente de deficiência audi-
tiva progressiva, com membrana do tímpano normal. A presença
de surdez progressiva em adulto jovem, uni ou bilateral, sem
antecedentes inflamatórios e com antecedentes familiares de
surdez, deve ser suspeitada como otospongiose. A associação de
uma audiometria do tipo condutiva com imitanciometria revelando
curva timpanométrica baixa e ausência de reflexos dos músculos
do estribo é patognomônica de otospongiose.
A síndrome de van Der Hoeve representa a associação de
uma doença óssea sistêmica com fragilidade dos ossos, fraturas
múltiplas (osteopsatirose, osteogênese imperfecta) de caracterís-
tica familiar, esclera azul e surdez condutiva progressiva. O
diagnóstico não é difícil quando nos lembramos da síndrome. O
tratamento pode ser cirúrgico (estapedectomia), mas não encon-
tramos explicações para os resultados pós-operatórios insatisfa-
tórios. Outra opção é o emprego de aparelhos auditivos.

FIGURA 1.8 – Otoscopia de um caso de


otite média secretória crônica.
16 Fonoaudiologia Prática

Disfunções tubárias com otoscopia normal costumam


ter uma discreta influência sobre a audição (e sempre condutivas)
com perdas nunca maiores que 25 dB NA. O mau funcionamen-
to da tuba auditiva causa pequenas alterações na membrana do
tímpano (retrações, especialmente na parte flácida, com acen-
tuação da projeção da curta apófise do martelo e dos ligamentos
timpanomaleares anterior e posterior) que podem passar des-
percebidas ao exame otoscópico. As provas de função tubária
com o auxílio da imitanciometria são suficientes para seu diagnós-
tico.

DEFICIÊNCIA AUDITIVA SENSORIONEURAL


Ao contrário das condutivas, que são bem conhecidas e de
diagnóstico mais objetivo, as lesões sensorioneurais são de
causas múltiplas nem sempre bem conhecidas e de difícil diagnós-
tico. A própria localização da orelha interna, dentro do osso mais
resistente de nosso organismo, já representa uma grande dificul-
dade para sua exploração clínica. Apesar dos inúmeros progres-
sos obtidos com a instalação de bancos de ossos temporais e das
numerosas pesquisas decorrentes, poucos foram os conheci-
mentos de aplicação prática. As lesões das vias auditivas podem
comprometer a orelha interna (sensoriais) ou o nervo auditivo
(neurais), ou mesmo ambos. Algumas características clínicas nos
permitem distinguir estas duas localizações, porém nem sempre
com precisão. O prognóstico clínico, ao contrário das lesões
condutivas, é pobre.

Sensorioneurais
Características gerais
Voz alta (quando bilateral) é uma característica importante,
pois nos condutivos bilaterais a tendência é inversa. Quanto maior
a perda auditiva, maior a tendência de elevar o volume da voz.
Esta apresenta-se distorcida nas perdas mais severas, pela
impossibilidade do paciente ouvir a própria voz. Em crianças,
quando a deficiência surge após o aprendizado, a tendência é a
progressiva redução da qualidade vocal, enquanto que, quando
pré-aprendizado, a tendência é de não haver desenvolvimento da
palavra falada.
O zumbido é de tonalidade mais aguda, comparado a uma
cigarra ou um apito intermitente ou não e que se acentua no
silêncio, especialmente à noite, dificultando o sono. O próprio
zumbido pode dificultar o entendimento da palavra, agravando
ainda mais o problema. Não costuma responder à terapia habi-
tualmente empregada e tem uma tendência a diminuir com o
tempo (muitos pacientes se habituam e acabam por ignorá-lo).
Há ausência de gap, ao contrário das condutivas. A curva
aérea tende a acompanhar a via óssea, quer nos graves ou nos
Deficiência Auditiva 17

agudos. Embora predominem os audiogramas com curvas des-


cendentes (pior audição para sons agudos), não há uma regra.
Podem surgir lentamente, agravarem-se com a idade ou serem
súbitas, uni ou bilaterais.
A discriminação é afetada em todos os casos. Pelo compro-
metimento das células sensoriais da orelha interna e, dependendo
de sua gravidade, a inteligibilidade das palavras é afetada e pior
será quanto maior for a perda auditiva. Se as freqüências da fala
(250 a 2 kHz) forem menos comprometidas, menor será o seu
efeito sobre a discriminação. Em perdas atingindo apenas fre-
qüências mais agudas (acima de 2 kHz), a discriminação poderá
ser pouco comprometida. A presença do fenômeno do “recruta-
mento” nas sensoriais (quando sons intensos podem ser percebi-
dos como mais intensos ainda, apesar da perda auditiva) leva a
alterações das curvas logoaudiométricas. Isto é, conforme vamos
aumentando a intensidade da voz o paciente passa a escutar
mais, porém a entender menos as palavras, o que lhe causa sério
incômodo. Quando a lesão é neural, a discriminação é afetada de
modo mais sério e independentemente da faixa de freqüências
comprometida. A diminuição do número de fibras funcionantes
(fenômeno do tudo ou nada) reduz a gama de freqüências transmi-
tida, deteriorando a discriminação de modo acentuado. Há pacien-
tes com schwannoma do VIII par (schwannoma vestibular) que,
mesmo com perdas de audição em torno de 30 dB NA, apresentam
scores de discriminação inferiores a 40%. É importante lembrar
que nas sensoriais o comprometimento da discriminação é pro-
porcional à perda auditiva e ao envolvimento da faixa de freqüên-
cias da fala, enquanto nas neurais a discriminação está mais
comprometida.
Em locais ruidosos a tendência é escutar pior. O ruído
atrapalha a inteligibilidade das palavras já comprometida pela
discriminação afetada e ainda pela presença do “recrutamento”.
Escutam mas não entendem em virtude do comprometi-
mento da discriminação que, por sua vez, é muito mais acentua-
do nas neurais. Assim, mesmo que a voz seja elevada, os
pacientes referem ouvir, porém não conseguem entender. Ocor-
re especialmente quando assistem televisão. Estes pacientes,
quando bilaterais e especialmente naqueles quadros lentamen-
te progressivos, acabam, de um modo instintivo, por ter uma
leitura labial muito boa e as pistas visuais passam a ser de
grande importância.
O Weber para o lado melhor caracteriza a deficiência senso-
rioneural quando unilateral, e quando bilateral, será o Schwabach
encurtado que nos orientará no diagnóstico.
O Rinne positivo, numa ou em ambas orelhas, em presença
de deficiência de audição, caracteriza a sensorioneural. Assim, no
Rinne positivo, a lateralização do Weber para o lado melhor e o
Schwabach encurtado são os resultados que encontramos nos
testes com diapasões.
18 Fonoaudiologia Prática

Características específicas das deficiências


auditivas sensorioneurais
• Audição pela via óssea igual à da via aérea, não havendo
gap aéreo-ósseo.
• Discriminação sempre comprometida e quase sempre pro-
porcional à perda de audição, especialmente na zona da
palavra falada.
• Zumbidos de tonalidade aguda, de intensidade variável e
incomodando mais no silêncio.
• Causas inúmeras e variadas, quase sempre de origem
desconhecida, predominando as denominadas “idiopáti-
cas”.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ENTRE SENSORIAL


E NEURAL

Alguns dados de ordem clínica podem nos dar pistas para o


diagnóstico diferencial entre estes dois tipos de localização da
afecção. Devemos, no entanto, lembrar que nem sempre as
lesões são puras, isto é, estritamente sensoriais ou neurais.
Inúmeras vezes há uma associação de ambas, o que faz com
que o diagnóstico diferencial seja mais difícil:
Perfil da curva – Nas sensoriais, a curva audiométrica
costuma apresentar limiares melhores em tonalidades mais
graves (Ménière e outras hidropisias são exceções), enquanto
nas neurais os limiares tonais podem apresentar as mais varia-
das curvas.
Discriminação – Sempre mais comprometida nas neu-
rais.
Logoaudiometria – São muito típicas nas perdas neurais e
diferentes das sensoriais.
Imitanciometria (Metz e declínio) – Apresenta reflexos
“recrutantes” nas sensoriais, isto é, o diferencial entre o limiar
auditivo e o nível do reflexo obtido será menor que 60 dB NA,
enquanto nas neurais dificilmente encontramos respostas e,
quando existem, não são recrutantes.
Fowler – Teste hoje pouco empregado, mas que revelará
uma recuperação da sensação auditiva nos pacientes senso-
riais.
SISI – Índices em torno de 100% nas sensoriais e bem baixo
nas neurais.
Békésy – Curva Tipo II ou III nas sensoriais e IV ou V nas
neurais.
“Tone Decay” – As neurais costumam apresentar fadiga
acentuada com scores acima de 30 dB, enquanto nas sensoriais
é negativo.
BERA e eletrococleografia – Apresentam respostas ca-
racterísticas, que ainda serão analisadas com profundidade.
Deficiência Auditiva 19

FIGURA 1.9 – Tomografia computadoriza-


da mostrando um enorme schwannoma
do VIII par no ângulo pontocerebelar.

CAUSAS DE DEFICIÊNCIA AUDITIVA


SENSORIONEURAL DE INÍCIO E EVOLUÇÃO GRADUAL

Como referido anteriormente, são inúmeras e variadas as


causas de deficiência auditiva sensorioneural. Relataremos aqui
as mais freqüentes:
Presbiacusia talvez seja a causa comum e mais freqüente de
deficiência auditiva localizada na orelha interna. Há uma progres-
siva diminuição de audição para os sons agudos, mais acentuada
acima de 1 kHz, podendo também haver diminuição menos
intensa nas outras freqüências. A presbiacusia pode ser agravada
por doenças sistêmicas como diabetes, alcoolismo, alterações
metabólicas, etc.
Surdez ocupacional (DAIR) é confundida com trauma acús-
tico por muitos. Na realidade, a deficiência auditiva induzida pelo
ruído é uma doença profissional adquirida por exposição prolon-
gada ao ruído intenso no ambiente de trabalho. É também pro-
gressiva e seu perfil apresenta uma queda em torno de 2, 4 e 6
kHz, com queda mais acentuada em 4 kHz.
O trauma acústico é agudo, conseqüência de um ruído muito
forte, acidental, como ocorre nas festas juninas com a explosão de
um “morteiro” próximo à orelha e apresenta perfil audiométrico
semelhante à anterior.
Otospongiose coclear caracteriza-se pela presença de uma
disacusia sensorioneural progressiva, com excelente discriminação
auditiva em adultos jovens que têm história familiar de otospongiose.
Neurite do VIII par pode ser causada por doenças sistêmicas
como escarlatina, febre tifóide, difteria, lues, viroses (a caxumba
costuma provocar perdas unilaterais) e meningite. Nem sempre a
deficiência auditiva é imediata, podendo surgir de modo progressi-
vo. As curvas audiométricas revelam perdas mais acentuadas nos
sons agudos.
20 Fonoaudiologia Prática

Hereditariedade muito freqüentemente é confundida com


doença congênita. Nesta, a história gestacional pode revelar
intoxicação medicamentosa, infecções virais, etc. Quando, no
entanto, existe história familiar de deficiência auditiva, poderemos
então caracterizar hereditariedade. As hereditárias (ligadas a
genes) muitas vezes constituem-se em síndromes, com outros
comprometimentos além da audição. São mais freqüentes nas
crianças, embora possam ocorrer mais tardiamente.
Schwannoma vestibular (ou neurinoma do acústico, como era
erroneamente denominado) é uma causa freqüente de disacusia
sensorioneural unilateral. Pode apresentar-se de forma aguda ou
com evolução progressiva, acompanhado de zumbidos e de altera-
ções do equilíbrio. Em presença de uma disacusia unilateral deve-
mos sempre procurar afastar a possibilidade desta afecção. Não
devemos esperar um quadro típico, pois o schwannoma apresenta-
se clinicamente da forma mais variada possível.
Desconhecidas são, na grande maioria das vezes, as perdas
sensorioneurais progressivas, de tão variadas as suas causas.

CAUSAS DE DEFICIÊNCIA AUDITIVA


SENSORIONEURAL UNILATERAL E DE INÍCIO SÚBITO
As deficiências auditivas unilaterais e de início súbito costu-
mam ser menos freqüentes que as de início insidioso, uni ou
bilaterais. Infelizmente, ainda não se tem condições para fazer o
diagnóstico etiológico da grande maioria delas. No entanto, deve-
se estar sempre alerta para a possibilidade de um schwannoma
vestibular, que parece representar cerca de 10% do total das
perdas súbitas sensorioneurais e de início súbito. Dentre aquelas
que se pode diagnosticar a etiologia, são mais freqüentes:
Parotidite epidêmica é uma das causas mais freqüentes.
Apresenta curva típica de sensorial com perfil descendente (queda
em agudos) e perdas bastante sérias. O diagnóstico é feito pelo fato
de surgir na infância de modo súbito e ser unilateral. O quadro de
parotidite pode preceder em semanas ou mesmo até 3 meses após
o surto agudo da doença. Habitualmente, passa despercebida (pelo
fato de ser unilateral), pois só na adolescência é que o paciente se
dá conta da deficiência. Estes pacientes devem ser acompanhados
a longo prazo, pela possibilidade de no futuro poderem apresentar
o quadro de hidropisia endolinfática tardia descrita por SCHUCKNECHT.
Fístula perilinfática geralmente ocorre como um evento unila-
teral, especialmente quando existem malformações da orelha inter-
na (como Mondini) ou antecedentes de trauma craniano. Hoje não
se aceita a possibilidade da fístula espontânea, havendo sempre um
fator predisponente. Pode ocorrer de modo súbito, se bem que em
crianças tem sido mais freqüente a instalação gradual, e ser
bilateral. Geralmente há flutuação da audição com melhoras perió-
dicas e pode ser acompanhada de vertigem. Costuma representar
uma via de entrada para vírus ou bactérias, levando a meningites
Deficiência Auditiva 21

recorrentes. A cirurgia (selamento da fístula) visa a este objetivo,


uma vez que a audição raramente melhora. O sintoma de vertigem
também costuma ser beneficiado com a cirurgia.
Traumas cranianos podem levar a fraturas da cápsula ótica
e perda total da audição. Podem ser acompanhados de paralisia
facial de início imediato (com o trauma) e vertigem que costuma
demorar meses para ser controlada. Estes traumas podem provo-
car outras formas de lesão da orelha interna como: fístulas de
janelas, rupturas de membranas cocleares, etc.
Hidropisia endolinfática aguda tem sido outra das causas mais
freqüentes de surdez súbita unilateral. O aumento brusco da pressão
no espaço endolinfático pode determinar ruptura de membranas
endolinfáticas. A curva audiométrica apresenta um perfil caracterís-
tico, sendo ascendente (com pior audição em sons graves), diplacusia
intensa e sensação de pressão na orelha comprometida. O prognós-
tico parece estar relacionado à gravidade da deficiência auditiva
inicial. Quando menor que 40 dB NA nas freqüências da fala costu-
ma ter uma recuperação favorável.
Vírus representam um grande contingente na etiopatogenia
da surdez súbita unilateral (além da parotidite já referida). As
curvas audiométricas não apresentam perfil característico e o
diagnóstico é feito pelo encontro da velocidade de hemossedi-
mentação elevada e pela ocorrência de quadro viral concomitante
como estomatites recidivantes, herpes, vírus da influenza, etc.
Distúrbios vasculares (vasoespasmo, trombose, embolia,
arteriolosclerose, AVC, etc.) podem ocorrer em pessoas idosas, nas
quais a anamnese revela a existência de outros problemas vascula-
res prévios. Também não apresentam um perfil audiométrico carac-
terístico. Podem ser acompanhados de vertigem e intenso zumbido.
Iatrogenia – Importantes perdas auditivas podem ocorrer no
pós-operatório imediato de cirurgia da orelha média, como
estapedectomia (de 1 a 10%), timpanoplastias ou timpanomas-
toidectomias (de 7 a 15%) e mesmo outros procedimentos meno-
res, em que acidentalmente o cirurgião lesa a membrana de uma
das janelas. A perda de audição ocorre já nas primeiras semanas
e é acompanhada de ruídos metálicos na orelha e até mesmo
crises de vertigem incontroláveis (fístula pós-estapedectomia).
Schwannoma vestibular costuma ser a causa mais grave de
surdez súbita, uma vez que seu crescimento no meato acústico
interno, ou no ângulo pontocerebelar, pode provocar sérias com-
plicações e a sua remoção cirúrgica, seqüelas irreversíveis. A
importância de seu diagnóstico precoce está, portanto, justificada.
Na presença de uma surdez súbita unilateral temos a obrigação de
afastar a possibilidade do neurinoma. A audiometria de tronco
cerebral e a ressonância magnética são os exames mais impor-
tantes para este diagnóstico.
Idiopáticas – Desconhecidas são, no entanto, a grande
maioria das causas de surdez súbita sensorioneural. Elas acabam
por ser rotuladas como de causa idiopática.
22 Fonoaudiologia Prática

CAUSAS DE DEFICIÊNCIA AUDITIVA


SENSORIONEURAL DE INÍCIO SÚBITO BILATERAL

Meningites, em especial as bacterianas, costumam ser res-


ponsáveis por neurites e conseqüentes perdas de audição senso-
rioneurais definitivas. Não há como prevenir esta seqüela, quando
da manifestação clínica da meningite, a não ser pelo diagnóstico
e tratamento precoce.
Doenças infecciosas agudas, sistêmicas, como febre tifóide,
escarlatina, tuberculose, ou mesmo crônicas como lues. A escar-
latina costuma ser responsável por perdas auditivas menos acen-
tuadas. Porém acaba por se associar a sérios comprometimentos
da orelha média (otites médias agudas necrosantes e posterior-
mente otites médias crônicas). Também não há como prevenir o
comprometimento auditivo após instalada a doença, sendo ainda
a prevenção (vacinações, etc.) a melhor conduta.
Ototóxicos – As drogas ototóxicas como antibióticos (estrep-
tomicina, neomicina, polimixina B, kanamicina, tobramicina, etc.),
alguns diuréticos (ácido etacrínico, furosemida), salicilatos, quinino,
mostarda nitrogenada, monóxido de carbono, mercúrio, metais
pesados etc., podem levar a graves deficiências de audição de
características sensoriais, bilaterais. O alcoolismo tem sido uma
causa também importante de perda de audição súbita bilateral.
Esclerose múltipla é uma causa pouco freqüente de deficiên-
cia auditiva, mas tem havido publicações relatando-a como causa
de surdez de início súbito e bilateral, com características neurais,
isto é, acentuado decay e discriminação bastante afetada.
Surdez funcional costuma ser súbita e bilateral. São causadas
por distúrbios emocionais ou crises histéricas de auto-agressão e
resultantes de graves episódios de tensão e estresse. Na realidade,
não existe lesão nas vias auditivas, e a audiometria de tronco,
eletrococleografia e imitanciometria apresentam resultados normais.
Desconhecidas são também a maioria das causas de defi-
ciência auditiva deste grupo, pelas mesmas razões já discutidas
anteriormente.
Prognóstico – Ruim na maioria dos casos.

DEFICIÊNCIA AUDITIVA MISTA

Características
Quando a perda de audição apresenta características
condutivas e sensorioneurais, diz-se que é mista. Pode se iniciar
como condutiva, como na otosclerose, otites crônicas e evoluir
com características sensorioneurais causadas pela mesma etio-
logia inicial ou por outra causa associada. O inverso é muito difícil
de acontecer, isto é, iniciar como sensorioneural e evoluir com
características condutivas.
Deficiência Auditiva 23

Via óssea – Apresentam um perfil audiométrico com limiares


tonais elevados para a via óssea, porém muito mais elevados para
a via aérea, havendo, portanto, um gap aéreo-ósseo.
Rinne igual (ou negativo) – Dependendo da existência de
gap maior ou menor, o Rinne pode ser negativo ou igual na orelha
comprometida. O teste de Weber pode lateralizar para a orelha
pior nos casos em que o comprometimento da via óssea não é
muito acentuado.
Discriminação – A discriminação está sempre comprometida
e seu grau será evidentemente em função das perdas da via
óssea. Quanto menor o comprometimento da via óssea, melhor
será a discriminação, mesmo que os limiares tonais da via aérea
estejam muito elevados.
Ausência do reflexo do músculo do estribo – Sempre que
existir comprometimento do aparelho de condução do som, na
orelha média (conjunto tímpano-ossicular), não será possível o
registro do reflexo do músculo do estribo.
Zumbidos – Podem se apresentar de modo muito variado,
com características condutivas ou sensorioneurais e parecem
estar relacionados ao maior ou menor comprometimento das
freqüências agudas ou graves.

DEFICIÊNCIA AUDITIVA CENTRAL


Quanto mais perifericamente for localizada a alteração respon-
sável pela deficiência auditiva, mais evidentes serão os sinais e
sintomas e menos difícil o diagnóstico topográfico da lesão. As
encontradas no córtex cerebral (ou melhor, entre os núcleos auditi-
vos no tronco e córtex) são muito difíceis de ser localizadas
anatomicamente. Quando muito poderemos identificar se no hemis-
fério direito ou esquerdo. Entre suas causas podemos destacar as
encefalites, meningites, intoxicações alcoólicas, neurolues, aciden-
tes vasculares cerebrais, graves traumas cranioencefálicos, ou
mesmo doenças congênitas ou hereditárias.

Características
As emissões otoacúticas podem ser encontradas com am-
plitudes dentro da normalidade, e no teste de BERA não encon-
tramos respostas.
Limiares auditivos normais – Os limiares audiométricos,
quando possível de ser obtidos, estarão nos limites da normalidade.
Discriminação muito ruim – A complexidade da comunicação
verbal faz com que as maiores dificuldades estejam na inteligibili-
dade das palavras, na impossibilidade da codificação da linguagem
e da imagem auditiva. Estes pacientes não interpretam mensagens
complexas, podendo, no entanto, obedecer ordens simples.
Comprometimentos neurológicos – São muito significati-
vos, impedindo uma adequada avaliação destes pacientes. Nesta
24 Fonoaudiologia Prática

forma de disacusia, embora bilateral, pode haver uma orelha com


comprometimento central menos grave.

DEFICIÊNCIA AUDITIVA FUNCIONAL


Como já definimos anteriormente, não há nenhum comprome-
timento orgânico, nenhuma lesão das vias auditivas periféricas ou
centrais, nem do aparelho de condução do som.

Características
Sendo funcionais e não havendo lesão orgânica, os testes
objetivos revelam-se absolutamente normais. Os problemas emo-
cionais, como ansiedade neurótica, conflitos de personalidade e
histeria, costumam ser causas freqüentes. Pacientes que simulam
perdas de audição, com determinadas finalidades, também podem
aqui ser englobados. Costumam ser de início súbito, apresentando
flutuações da audição com curvas audiométricas inconsistentes.
Diagnóstico instrumental – O diagnóstico destas deficiências
auditivas só poderá ser feito utilizando-se testes especiais (Stenger),
ou mesmo métodos objetivos como imitanciometria, eletrococleo-
grafia, audiometria de tronco cerebral e emissões otoacústicas.

Leitura recomendada
DAVIS, H. & SILVERMAN, S. R. – Hearing and Deafness . 4ª ed. New
York, Holt, Rinehart & Wilson, 1978.
DELK, J. – Comprehensive Dictionary of Audiology. Iowa, The Hearing
Aid Journal, 1974.
HUNGRIA, H. – Otorrinolaringologia. 6ª ed. Rio de Janeiro, Guanabara
Koogan, 1991.
KEITH, R. W. & PENSAK, M. L. – Central auditory function in clinical
audiology. Otol. Clin. N. Amer., 24:2, 1991.
LOPES FILHO, O. et al. – The early diagnosis of a glomic tumor in the
middle ear by means of acoustic impedance. Imp. News Letter,
1(5):1972.
LOPES FILHO, O. et al. – Produtos de distorção das emissões
otoacústicas. Rev. Bras. Otorrinol. , 61(6):485-494, 1995.
LOPES FILHO, O. et al. – O estudo comparativo entre a emissões
otoacústicas transitórias e produtos de distorção em recém nasci-
dos de berçário. Caderno de Otorrinolaringologia. A Folha Médica,
112 (Supl.1): p. 85, 1996.
LOPES FILHO, O. et al. – Emissões otoacústicas transitórias e produtos
de distorção na avaliação da audição em recém-nascidos com
poucas horas de vida. Rev. Bras. ORL, 62(3):220-228, 1996.
PORTMANN, M. & PORTMANN, C. – Audiometria Clínica. Toray-
Mason, Barcelona, 1967.
RINTELMANN, W. F. et al . – Pseudohypacusis in clinical audiology. Otol.
Clin. N. Amer., 24:2, 1991.
SATALOFF, J. – Hearing Loss. Philadelphia, J. B. Lipincot Co., 1966.
Perda Auditiva de Origem Genética 25

2
Perda Auditiva de Origem
Genética

Lídio Granato
Carla Franchi Pinto
Maristela de Queiróz Ribeiro

ORIGEM DA DEFICIÊNCIA AUDITIVA GENÉTICA


A deficiência auditiva é a forma mais comum de desordem
sensorial no homem, podendo ser causada por fatores do ambien-
te, decorrentes, por exemplo, de traumas ou de infecção pelo vírus
da rubéola durante a gestação, ou por fatores genéticos.
Aproximadamente 50% das deficiências auditivas profundas
possuem etiologia genética e, nesses casos, via de regra, ainda
não existe uma terapia eficiente, sendo o diagnóstico preciso
seguido do aconselhamento genético, o principal mecanismo de
prevenção.
A expressão doença de etiologia genética abrange tanto as
alterações submicroscópicas do genoma humano, que são as
alterações dos genes presentes no indivíduo e que podem ser
transmitidas a gerações futuras, quanto o aumento ou a diminui-
ção da quantidade de DNA, decorrente de alteração numérica ou
estrutural dos cromossomos, que são anomalias detectáveis ao
microscópio comum.
As desordens genéticas que provocam deficiência auditiva
determinam apenas perda auditiva (deficiência auditiva isolada)
ou estão associadas a anomalias de outros órgãos (deficiência
auditiva associada a outras anormalidades). Elas podem ser
congênitas, quando presentes desde o nascimento, ou tardias,
quando manifestadas mais tardiamente. Tanto a deficiência audi-
tiva isolada quanto a associada a outras anormalidades podem
26

ser classificadas em sensorioneurais , condutivas ou mistas, de-


pendendo da fisiopatologia da deficiência.
As deficiências auditivas poderão apresentar etiologia cro-
mossômica, monogênica autossômica dominante ou recessiva,
monogênica ligada ao sexo dominante ou recessiva.
O reconhecimento desses mecanismos de herança, norteia o
aconselhamento genético e fica extremamente facilitado quando
se faz a representação gráfica da genealogia (heredograma) do
paciente. Por isso, a genealogia do paciente deve ser levantada
da forma mais precisa e com o máximo de informações possível.
A Figura 2.1 mostra um heredograma hipotético, onde é
possível constatar rapidamente o parentesco e os indivíduos
afetados que a constituem. Nos heredogramas, os homens são
representados por um quadrado e as mulheres por um círculo.
Quando não possuímos informação sobre o sexo, ou quando essa
informação não é importante para o raciocínio clínico, os indiví-
duos são representados por um losango. Os mesmos símbolos
com tamanho menor são utilizados para a representação de
abortos, natimortos ou prematuros. Os parentes falecidos podem
ser representados pelo símbolo correspondente ao seu sexo, com
um traço no sentido diagonal.
O paciente a partir do qual foi levantado o heredograma é
chamado de propósito, caso-índice ou caso-probante . Ele é
assinalado por uma seta no heredograma. Além dele, todos os
parentes que exibirem a mesma anomalia em estudo devem ser
representados por símbolos escuros, de forma que sejam dife-
renciados dos indivíduos normais. Doenças diferentes devem
ser indicadas por sinais diferentes para que sejam diferenciadas
no heredograma. Os cônjuges são unidos entre si por uma linha
horizontal (linha matrimonial ) e os descendentes são dispostos
horizontalmente abaixo da linha matrimonial por ordem de
idade, cada qual ligado por um pequeno traço vertical a uma
linha horizontal denominada linha da irmandade. A linha da
irmandade é ligada à linha matrimonial também por um pequeno
traço vertical, o que permite o reconhecimento do núcleo familial
ou, simplesmente, da família. Quando um casal apresenta grau

I
1 2

II
1 2 3 4 5

III
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

IV ?
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28

FIGURA 2.1 – Heredograma de uma genealogia hipotética (cortesia do Prof. Dr. BERNARDO BEIGUELMAN).
Perda Auditiva de Origem Genética 27

de parentesco consangüíneo, a linha matrimonial é dupla.


Gêmeos monozigóticos são representados por símbolos de
mesmo sexo ligados a um pequeno traço vertical unido à linha
da irmandade, enquanto os dizigóticos são representados por
símbolos diretamente ligados a um mesmo ponto da linha da
irmandade.
As gerações são numeradas em algarismos romanos, en-
quanto os indivíduos de cada geração são numerados por algaris-
mos arábicos. Indivíduos de uma mesma geração devem estar
alinhados horizontalmente. Vários indivíduos do mesmo sexo ou
de sexos diferentes, mas cuja especificação não é relevante,
podem ser representados pelo símbolo correspondente ao sexo
ou a um losango, com o número de indivíduos reunidos.
Os heredogramas podem ser apresentados de modo abreviado
para que ocupem menos espaço. Um recurso empregado é o de
indicar cada casal apenas pelo cônjuge que é consangüíneo do
propósito, subentendendo-se que o cônjuge não-representado não
apresenta a anomalia em discussão. O cônjuge não-representado
é designado pelo mesmo número do cônjuge simbolizado, seguido
pela letra a. Assim, por exemplo, se o cônjuge tiver o número III-7,
o outro não-representado será designado por III-7a. Os cônjuges
não-consangüíneos do propósito, que apresentarem a anomalia em
estudo, não poderão ser representados de modo abreviado.
Outro recurso é o de representar vários indivíduos normais
pertencentes à mesma irmandade, consecutivos e do mesmo
sexo, por um único símbolo, maior do que os outros utilizados para
designar o sexo ao qual pertencem, no interior do qual se assinala
o número de indivíduos que foram reunidos. Não se deve alterar
a numeração dos indivíduos na geração a que pertencem. Assim,
por exemplo, se o terceiro, quarto, quinto e sexto indivíduos de
uma geração forem representados por um símbolo único por
serem normais e pertencerem à mesma irmandade, deve-se
escrever sob esse símbolo os números 3-6, ou subentender essa
numeração, caso não sejam assinalados no heredograma os
algarismos arábicos indicadores da ordem de nascimento.
Antes de prosseguirmos, parece-nos fundamental tecer algu-
mas considerações sobre os mecanismos de doenças genéticas
e os padrões de herança dessas anomalias.

Anomalias cromossômicas
O cariótipo, ou seja, a constituição cromossômica de um
indivíduo normal é constituído de 23 pares de cromossomos (cada
par formado por um cromossomo de origem materna e outro de
origem paterna). Vinte e dois pares de cromossomos são seme-
lhantes em ambos os sexos e são chamados autossomos. O par
restante constitui os cromossomos sexuais . Os cromossomos
foram convencionalmente reunidos em 7 grupos (de A até G) de
acordo com o seu tamanho e com a posição de sua constrição
28

primária (centrômero ). Os pares autossômicos são numerados de


1 a 22 e os cromossomos sexuais são distinguidos pelas letras X
e Y. O par de cromossomos sexuais no sexo feminino é constituí-
do por dois cromossomos X, enquanto o sexo masculino apresen-
ta um cromossomo X e um Y, nitidamente diferentes.
No cariótipo é possível distinguir alguns cromossomos com
base apenas no tamanho e na posição do centrômero, porém, a
melhor distinção entre eles é feita por intermédio de métodos
específicos de coloração (bandamento) de regiões constantes
em cada cromossomo. Por essa razão, quando se suspeita de
cromossomopatia, deve-se sempre solicitar o cariótipo com ban-
das. As Figuras 2.2 e 2.3 mostram, respectivamente, um cariótipo
com bandas masculino e um feminino, ambos normais.
O número de cromossomos presentes no gameta é denomi-
nado haplóide (n=23), e o número de cromossomos de uma célula
somática normal, diplóide, por possuir 2n=46 cromossomos. Uma
célula euplóide é aquela que possui um múltiplo exato de cromos-
somos do gameta, não sendo necessariamente normal. A poliploidia
é uma condição euplóide, onde estão presentes múltiplos exatos
maiores do que 2 do estado haplóide, como é o caso da triploidia
(69 cromossomos) e da tetraploidia (92 cromossomos). A poliploidia
é achado raro em pacientes, mas freqüente em material de aborto
e em células tumorais.
A alteração do número de cromossomos, que não seja múltiplo
exato de 23, é denominada aneuploidia. Em termos práticos, é a
presença de cópias extras ou a ausência de um único cromossomo
de um determinado par. As aneuploidias ocorrem pela falta de
separação dos cromossomos durante a divisão celular e são mais
freqüentes em células somáticas, onde, geralmente, não determi-

1 2 3 4 5

6 7 8 9 10 11 12 X

13 14 15 16 17 18

19 20 21 22 Y

FIGURA 2.2 – Cariótipo com bandamento G de um homem normal (46,XY) (cortesia do Serviço do Prof.
Dr. WALTER PINTO JÚNIOR).
Perda Auditiva de Origem Genética 29

1 2 3 4 5

6 7 8 9 10 11 12 X

13 14 15 16 17 18

19 20 21 22

FIGURA 2.3 – Cariótipo com bandamento G de uma mulher normal (46,XX) (cortesia do Serviço do Prof.
Dr. WALTER PINTO JÚNIOR).

nam manifestação clínica. Contudo, a falta de separação de cromos-


somos durante a meiose para a formação dos gametas determina
a formação de zigotos quase sempre portadores de anomalias com
diferentes graus de intensidade. Esse fenômeno é conhecido como
falta de disjunção e ocorre, mais freqüentemente, durante a primeira
divisão meiótica (meiose I ou meiose reducional). Essa falta de
disjunção também pode ocorrer na segunda divisão da meiose, ou
ainda, durante as primeiras divisões de um zigoto normal. Esta
última situação determina o aparecimento de mosaicismo, isto é, a
presença de duas ou mais linhagens celulares com número diferen-
te de cromossomos.
As trissomias são aneuploidias caracterizadas pela presença
de um cromossomo a mais, enquanto as monossomias se carac-
terizam pela presença de um único cromossomo de um determi-
nado par. O encontro de duas ou mais trissomias (dupla aneuploidia)
num mesmo paciente é achado raro, e a monossomia autossômi-
ca, sem ser em mosaico, via de regra, é incompatível com a vida.
As aneuploidias de cromossomos autossômicos, geralmente
provocam deficiência de crescimento, retardamento mental e
dismorfismos significativos. São freqüentes as anomalias do
pavilhão auricular, podendo ocorrer alteração de formato, propor-
ções e implantação. As trissomias dos cromossomos 21, 18 e 13
são compatíveis com sobrevida pós-natal e apresentam quadro
clínico mais bem-definido (a ser discutido posteriormente).
As translocações, que são alterações cromossômicas estrutu-
rais caracterizadas pela transferência de um cromossomo ou de
um pedaço de cromossomo para outro, são anomalias cromossô-
micas mais raras. Muitas dessas translocações são robertsonianas,
ou seja, decorrem de fusões cêntricas e afetam o cromossomo 21
e um dos demais cromossomos acrocêntricos, conforme se ob-
serva o exemplo da Figura 2.4, entre os cromossomos 14 e 21.
30

1 2 3 4 5

6 7 8 9 10 11 12 X

13 14 15 16 17 18

19 20 21 22

FIGURA 2.4 – Cariótipo masculino mostrando translocação equilibrada entre os cromossomos 14 e


21(45,XX, -14, t(14;21) (cortesia do Serviço do Prof. Dr. WALTER PINTO JÚNIOR ).

A Figura 2.5 mostra um esquema da gametogênese de um


casal em que um dos cônjuges apresenta uma translocação
equilibrada afetando os cromossomos 14 e 21. O casal em
questão poderá gerar crianças cromossomicamente normais, com
a mesma translocação herdada de um dos genitores e crianças
que, além da translocação, tem dois cromossomos 21 livres. Essa
última situação originará o quadro clínico da síndrome de Down,

A
14 14⁄21 21

1 2 3 4
FIGURA 2.5 – Esquema representativo da gametogênese de um indivíduo com cariótipo 45,XX ou XY,
t(Dq21q) e do resultado da união dos gametas desse indivíduo com os de um indivíduo normal. A)
Cromossomos das gônias. B) Cromossomos dos gametas. C) Cromossomos dos zigotos. 1. Com
cariótipo normal. 2. Com a translocação robertsoniana. 3. Com a trissomia funcional do cromossomo
21, que determina a síndrome de Down. 4. Com monossomia do cromossomo 21 que, em geral,
determina inviabilidade (cortesia do Prof. Dr. BERNARDO BEIGUELMAN).
Perda Auditiva de Origem Genética 31

indistinguível daquele causado por trissomia livre. Esse casal


originará ainda, zigotos com monossomia do cromossomo 21, que
sempre evoluem para abortamento, devido a monossomia ser
incompatível com a vida. Assim, esse casal terá um risco empírico
de 33% de gerar uma criança com síndrome de Down e terá uma
freqüência de abortamento espontâneo muito maior do que a da
população em geral. Na prática, porém, esse risco é menor devido
à seleção natural sobre esses fetos. Nesses casos, é muito
importante investigar os parentes consangüíneos colaterais dos
portadores da translocação equilibrada, uma vez que poderá
haver recorrência da síndrome em outros membros da família.
Menos freqüentes são os pacientes portadores de mosaicis-
mo, nos quais estão presentes duas linhagens celulares, uma
com cariótipo normal e uma com aneuploidia. Esse mosaicismo,
de origem pós-zigótica, decorre da falta de disjunção de um
cromossomo em uma das primeiras divisões mitóticas do zigoto.
Nessa situação, o fenótipo parece depender do percentual de
células com trissomia.
Paralelamente às trissomias autossômicas, as aneuploidias
dos cromossomos sexuais compreendem cerca de 50% de
todas as aberrações cromossômicas na espécie humana
(PASSARGE, 1995). As aneuploidias dos cromossomos sexuais
têm sua importância na prática médica por serem causa fre-
qüente de infertilidade, distúrbio de crescimento e de comporta-
mento sem, contudo, estarem associadas a dismorfismos im-
portantes nem à deficiência mental grave.
Com exceção da idade materna, não se conhece qualquer
outro fator capaz de influenciar a falta de disjunção dos cromos-
somos ou das cromátides irmãs durante a meiose. Por essa razão,
o risco de recorrência de uma aneuploidia para futuras gestações
de um casal está associado ao risco relativo à idade materna.

HERANÇA MONOGÊNICA AUTOSSÔMICA


DOMINANTE
Para a manifestação de uma doença com padrão de herança
monogênica autossômica dominante basta a presença de um
único gene. Esse alelo pode ser uma mutação nova e o portador
constituir o único caso na família, ou pode ter sido herdado de um
genitor que também é afetado pela anomalia. Por pertencerem a
cromossomos autossômicos, os genes que determinam anoma-
lias autossômicas são transmitidos igualmente a homens e mulhe-
res numa proporção que não se desvia significativamente de 1:1.
O risco de recorrência da anomalia na prole de um indivíduo
afetado é de 50%, pois é de metade a probabilidade desse
indivíduo transmitir um gameta com esse gene. Por outro lado,
todos os filhos de indivíduos sadios serão normais para a anoma-
lia em questão, porque não possuem o gene, não podendo
transmiti-lo a seus descendentes.
32

II

III

2 2 2
IV

FIGURA 2.6 – Heredograma de uma genealogia com padrão de herança autossômica dominante
(cortesia do Prof. Dr. BERNARDO BEIGUELMAN).

Resumidamente, estamos diante de uma genealogia com


padrão de herança autossômica dominante quando:
1.indivíduos afetados são filhos de genitor com a mesma anoma-
lia, havendo, portanto, a passagem do gene de geração em
geração, segundo uma linha vertical, sem saltar gerações;
2. indivíduos anômalos geram filhos normais e anômalos,
em média na mesma proporção (1:1);
3.indivíduos anômalos geram filhos afetados de ambos os
sexos e na mesma proporção (1:1);
4. indivíduos normais, filhos de um anômalo, não transmitem
a doença a seus descendentes.
A Figura 2.6 mostra um heredograma tipicamente autossômi-
co dominante, no qual é possível observar as situações descritas
acima.
Portadores de doenças com padrão de herança autossômica
dominante, são, via de regra, heterozigotos (Aa), pois o gene
autossômico originado por mutação é muito raro, tornando pouco
provável, ou quase impossível, a ocorrência de homozigotos AA,
visto que deveriam ser gerados de casais anômalos (Aa x Aa) que,
regra geral, são pouco prováveis (BEIGUELMAN, 1995).

HERANÇA MONOGÊNICA AUTOSSÔMICA RECESSIVA


As doenças monogênicas autossômicas recessivas necessi-
tam, para a sua manifestação, da ação de dois genes alelos
anormais presentes simultaneamente nas células de um indivíduo
(homozigoto). Diferentemente do que ocorre nas doenças com
padrão de herança autossômica dominante, os indivíduos afeta-
dos são, via de regra, filhos de genitores fenotipicamente normais,
porém heterozigotos, isto é, portadores do gene mutante. Os
casais heterozigotos de um gene que, em homozigose, provoca
determinada doença, apresentam um risco de 25% de recorrência
dessa doença, pois a cada gestação do casal, o risco de cada
cônjuge transmitir o alelo determinador da anomalia é 50% (50%
x 50% = 25%).
Perda Auditiva de Origem Genética 33

Os critérios de reconhecimento de herança monogênica au-


tossômica recessiva descritos em BEIGUELMAN (1995) são os
seguintes:
1. Tanto os genitores quanto os ancestrais mais remotos de
um indivíduo anômalo são, geralmente, normais.
2. A anomalia ocorre em indivíduos de ambos os sexos na
mesma proporção (1:1), pois o gene é autossômico.
3. A maioria dos casais que geram indivíduos anormais é
heterozigota (Aa x Aa) e a probabilidade de nascer um
anômalo (aa) é de um quarto. Por esse motivo, entre os
irmãos de anômalos a distribuição de normais e anômalos é
de 3 para 1.
4. Casais de indivíduos anômalos (homozigotos) geram ape-
nas filhos(as) afetados(as), o que ocorre, por exemplo, com
casais com deficiência auditiva recessiva.
5. Do casamento entre um indivíduo anômalo com um indiví-
duo normal não-consangüíneo nascem, geralmente, indiví-
duos normais, pois a probabilidade de o cônjuge normal ser
heterozigoto, quando o gene é raro, é muito pequena.
6. A incidência de casamentos consangüíneos entre os ge-
nitores de indivíduos anômalos é bem mais alta do que na
população geral, pois os consangüíneos têm maior probabi-
lidade de possuir os mesmos alelos do que os indivíduos não
aparentados consangüineamente.
A Figura 2.7 ilustra duas genealogias recessivas autossô-
micas.

II

III

II 2 2

III 9 2 2

IV 4 4 2 5 2 2 6 2

FIGURA 2.7 – Heredogramas de duas genealogias com padrão de herança autossômica recessiva
(cortesia do Prof. Dr. BERNARDO BEIGUELMAN).
34

HERANÇA MONOGÊNICA DOMINANTE LIGADA AO


SEXO
Neste padrão de herança temos que lembrar que o gene com
efeito dominante (A) se localiza no cromossomo X e que o sexo
feminino possui dois cromossomos X, enquanto o masculino
apenas um. Assim sendo, duas situações devem ser analisadas.
Uma, em que a mulher é portadora do gene mutante (XAXa) e outra
em que o portador do gene mutante é o homem (X AY).
Na primeira situação, em que as mulheres são portadoras do
gene mutante e, portanto, afetadas, o heredograma será seme-
lhante àqueles a respeito de doenças autossômicas dominantes.
Isso porque, em média, 50% dos descendentes das mulheres
afetadas serão também afetados, pois a probabilidade de elas
transmitirem o cromossomo X, portador do gene mutante, é igual
a metade, independentemente do sexo da criança. Assim, na
prole dessas mulheres, a anomalia incidirá em homens e mulhe-
res numa proporção que não se afasta de 50%, semelhantemente
ao que ocorre nas doenças autossômicas dominantes.
O diagnóstico de uma anomalia com padrão de herança
dominante ligado ao sexo é facilmente detectado quando os
indivíduos afetados são homens (XA Y). Isso porque todas as filhas
desses anômalos serão afetadas, uma vez que o cromossomo X,
que transmitem, contém, obrigatoriamente, o gene mutante. Em
oposição, todos os seus filhos serão normais por terem recebido
o cromossomo Y paterno. Além disso, os filhos normais de um
homem afetado terão sempre filhos normais. De forma prática,
nas genealogias ligadas ao cromossomo X, nunca haverá a
transmissão da doença de um homem para outro homem, fato que
só ocorre nas doenças ligadas a cromossomos autossômicos.
PINTO JR. & BEIGUELMAN (1994) enumeraram os critérios para
reconhecimento de herança dominante ligada ao cromossomo X
da seguinte maneira:
1. O fenótipo dominante será transmitido de anômalo para
anômalo sem saltar gerações.
2. A proporção de filhos anômalos e normais, bem como a
razão de sexo entre os filhos anômalos depende de ser o pai
ou a mãe o transmissor da anomalia:
a) Mulheres com o fenótipo anômalo casadas com homens
normais poderão ter filhos e filhas com a anomalia. A propor-
ção, em cada sexo, de anômalos e normais será de 1:1.
b) Mulheres com fenótipo normal casadas com homens
anômalos terão todas as filhas anômalas, sendo os
filhos sempre normais.
3. Na população encontrar-se-ão aproximadamente duas
vezes mais mulheres do que homens com o fenótipo anor-
mal. Isso porque as mulheres podem herdar um cromosso-
mo X mutante tanto do pai quanto da mãe, enquanto os
homens só podem herdá-lo de suas mães.
Perda Auditiva de Origem Genética 35

I
1 2

II
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

III 2 2 2
1 2 3 6 7 8 11 12 13 14 15 16 19 20 21 22
4-5 9-10 17-18

FIGURA 2.8 – Heredograma de uma genealogia com padrão de herança dominante ligada ao X. As
mulheres portadoras apresentam quadro clínico mais brando (cortesia do Prof. Dr. BERNARDO
BEIGUELMAN).

A Figura 2.8 mostra uma genealogia dominante ligada ao X em


que mulher e homem são afetados.

HERANÇA MONOGÊNICA RECESSIVA LIGADA AO


SEXO
As genealogias que incluem indivíduos com alguma doença
monogênica recessiva ligada ao sexo são facilmente identificadas
porque, salvo raríssimas exceções, acometem apenas indivíduos
do sexo masculino. Isso porque, como os homens possuem
apenas um cromossomo X, basta um único gene mutante para
que a doença se manifeste (hemizigoto). O indivíduo portador da
mutação terá filhos do sexo masculino sempre normais, enquanto
todas as suas filhas serão portadoras obrigatórias do gene em
questão, porque herdaram o cromossomo X de seu pai. Por outro
lado, as mulheres portadoras do gene não manifestarão a doença
porque o outro cromossomo X é normal e a doença é recessiva,
mas, em média, 50% de suas filhas serão portadoras do gene e
50% de seus filhos serão afetados porque a probabilidade da
portadora transmitir o cromossomo X com o gene mutante é 50%.
PINTO JR. & BEIGUELMAN (1994) resumiram os critérios para
reconhecimento de herança recessiva ligada ao sexo da seguinte
maneira:
1.O fenótipo anômalo salta gerações.
2.Os homens afetados, em geral, não têm filhos anômalos,
pois isso só ocorre se a mulher for heterozigota (portadora
do gene da anomalia).
3. Os afetados são filhos de mulheres normais, heterozigotas.
Os homens afetados transmitem o gene responsável pela
anomalia a seus netos por intermédio de suas filhas.
4. Na irmandade de um homem afetado, a proporção de
irmãos do sexo masculino com e sem a anomalia é de 1:1.
5. As mulheres anômalas, quando ocorrem, são filhas de um
homem afetado e de uma mulher heterozigota.
6. Na população haverá mais homens do que mulheres anô-
malas, pois será pouco provável a homozigose de um gene
muito raro, como são os genes causadores de anomalias.
36

II

III 3

IV

2 2 3 2 2
V

FIGURA 2.9 – Heredograma de uma genealogia com padrão de herança recessiva ligada ao X (cortesia
do Prof. Dr. BERNARDO BEIGUELMAN).

A Figura 2.9 mostra dois heredogramas típicos de anomalia


recessiva ligada ao sexo.

DEFICIÊNCIA AUDITIVA GENÉTICA ISOLADA


A maioria das deficiências auditivas possui padrão de herança
autossômica recessiva, sendo que aproximadamente 50% de
todos os tipos de perda de origem autossômica recessiva são
deficiências isoladas. Como mencionado anteriormente, as defi-
ciências auditivas isoladas são congênitas quando presentes
desde o nascimento, e tardias quando aparecem e progridem em
qualquer idade após o nascimento.

Congênita
A maior parte dessas perdas são de natureza sensorioneural,
decorrentes de alterações estruturais e(ou) funcionais do ouvido
interno, de forma que apenas o estudo histopatológico é capaz de
identificar o local da lesão primária que compromete a parte óssea
ou membranosa do labirinto, mas podem resultar de alterações
dos centros corticais cerebrais.
Vários estudos da Biologia Molecular têm analisado famílias de
deficientes auditivos na tentativa de identificar a localização dos
genes responsáveis pela perda auditiva. A identificação desses
genes e de seus produtos permitirá maior compreensão da fisiologia
e da fisiopatologia da audição, além de possibilitar o diagnóstico pré-
natal da deficiência auditiva, um tratamento específico para cada
tipo de deficiência e, futuramente, a terapia gênica.
STEEL & BOCK (1983), baseando-se em modelos animais,
propuseram uma classificação das deficiências auditivas genéti-
cas congênitas em três categorias: morfogenéticas, neuroepite-
liais e cocleossaculares.
As alterações da morfogênese incluem defeito ósseo e
membranoso do ouvido interno. As alterações do labirinto
Perda Auditiva de Origem Genética 37

membranoso constituem a grande maioria (80%) dos recém-


nascidos com deficiência auditiva, podendo estar associadas a
alterações neuroepiteliais e cocleossaculares.
Desse grupo são exemplos a síndrome de Michel (1863),
caracterizada por aplasia ósseo-membranosa do ouvido interno,
sendo o ouvido médio e o conduto externo, geralmente normais.
A síndrome de Mondini (1791), conhecida como Mondini-Alexander,
apresenta desenvolvimento ósseo-membranoso incompleto do
labirinto. A cóclea pode estar representada por um simples tubo
curvo ou apenas uma e meia volta da espiracoclear. O saco e o
ducto endolinfáticos podem estar bem dilatados. Ambas as sín-
dromes são causadas por genes com padrão de herança
monogênica autossômica dominante, determinando um risco de
recorrência de 50% para a prole do afetado.
A primeira displasia cocleossacular descrita em seres humanos
foi a de SHEIBE (1892). O osso labiríntico é normal, assim como o
utrículo e os canais semicirculares, mas a parte inferior (sáculo e
ducto coclear) é representada por um grupo de células indiferencia-
das, e a membrana tectória apresenta-se com tamanho reduzido.
Quando essa condição está presente desde o nascimento, ela
é denominada displasia congênita cocleossacular . Quando ocor-
re mais tardiamente, esse achado histopatológico é denominado
degeneração cocleossacular e representa a alteração histopato-
lógica mais comum da surdez hereditária, estando presente em
cerca de 70% dos casos.
A displasia de Scheibe pode ocorrer isoladamente ou fazer parte
de muitas outras síndromes com múltiplas anomalias associadas.
Vários modelos animais apresentam displasia cocleossacular, como
o gato branco surdo, o cão da raça Dálmata, ratos, etc. Com raras
exceções, em animais, a displasia de Sheibe está associada a
manchas ou defeitos localizados de pigmentação decorrentes da
ausência de melanócitos e não por defeitos bioquímicos da produ-
ção de melanina (responsável pelo albinismo). A ausência de
melanócitos pode ocorrer por defeitos na migração, diferenciação
ou sobrevivência celular. Têm-se demonstrado que células seme-
lhantes a melanócitos, derivadas da crista neural, migram para o
ouvido interno para formar a camada intermediária de células da
estria vascular. A alteração dessas células ou a ausência da camada
intermediária pode afetar a estria vascular e explicar a displasia
cocleossacular. Esse raciocínio é reforçado pelo estudo da síndro-
me de Waardenburg, freqüentemente associada à displasia cocle-
ossacular, em que ocorre alteração da migração das células da
crista neural. Nessa síndrome, ainda são observadas alterações na
camada intermediária da estria vascular.
A displasia de Sheibe isolada parece ser condicionada por
um gene com padrão de herança monogênica autossômica
recessiva , o que determina um risco de recorrência de 25% para
a prole de um casal que já apresentou uma criança afetada, mas
sem risco aumentado de recorrência da anomalia para a prole
38

do indivíduo afetado, se os casamentos consangüíneos forem


evitados.
A síndrome de Alexander (1904) caracteriza-se pela aplasia
parcial do ducto coclear, determinando queda da audição em
freqüências altas. Bing-Siebmann é uma outra afecção, ca-
racterizada pelo hipodesenvolvimento do aparelho vestibular
membranoso, sendo que a cóclea membranosa pode estar
normal.

Tardia
Enquanto as deficiências auditivas congênitas de etiologia
genética são resultantes de fenômenos de aplasia, aquelas que
aparecem após o nascimento apresentam degeneração progres-
siva do órgão de Corti, que já estava totalmente desenvolvido.
As principais deficiências auditivas isoladas tardias são doen-
ça sensorioneural progressiva familial, otosclerose e presbiacusia.
A doença sensorioneural progressiva familial, por apresentar
início insidioso, exige maiores cuidados na anamnese e valoriza-
ção dos antecedentes familiais para que o clínico afaste uma série
de diagnósticos diferenciais. Essa anomalia acomete crianças na
pré-puberdade ou adolescentes e progride, com gravidade, na
idade adulta. Freqüentemente essa doença é confundida com a
otosclerose coclear, guardando com ela muitas semelhanças.
Segundo PAPARELLA (1973), o estudo do osso temporal mostra
ausência do órgão de Corti e degeneração do gânglio espiral,
ambas alterações na porção basal da espira coclear, além de
degeneração irregular da estria vascular.
Na espécie humana, a incidência de perda da audição aumen-
ta progressivamente após os 55 anos de idade, pela interação de
fatores genéticos e ambientais. CAMP e cols. (1995) estudando
uma família alemã, na qual a deficiência auditiva com início em
altas freqüências tinha padrão dominante, concluíram que ela
deve ter sido causada por um gene localizado no cromossomo 7.
Antes de finalizar este tópico, parece-nos oportuno tecer
algumas considerações sobre genocópias e fenocópias. Genes
diferentes que determinam heredopatias aparentemente idênti-
cas são chamados genocópias. Exemplo clássico é o que ocorre
com a deficiência auditiva de etiologia autossômica recessiva.
Alguns casais de deficientes auditivos, pertencentes a famílias
diferentes, geram todos os filhos com audição normal, ao invés de
todos deficientes, como era de se esperar. A explicação plausível
é que, nesse caso, a deficiência auditiva do cônjuge feminino foi
determinada por um gene autossômico (a ) diferente daquele que,
em homozigose, produziu a deficiência auditiva no cônjuge mas-
culino (b). Assim, o cônjuge feminino tem constituição genotípica
aaBB, e o cônjuge masculino, AAbb. Dessa união, todos os filhos
serão duplos heterozigotos (AaBb) e, portanto, portadores dos
genes da deficiência auditiva, porém nenhum será afetado.
Perda Auditiva de Origem Genética 39

Fenocópias são anomalias congênitas de etiologia exógena


que mimetizam defeitos genéticos. Quando esse fenômeno é
detectado, diz-se que tal anomalia é uma fenocópia. A fenocópia
resulta, pois, de um genótipo que é capaz de interagir com um
ambiente mais comum para produzir um indivíduo normal, mas
que acaba produzindo um indivíduo anômalo em um ambiente
que foi alterado. Exemplo de fenocópia é a surdez por infecção
durante a gravidez (BEIGUELMAN, 1995).

DEFICIÊNCIA AUDITIVA ASSOCIADA A OUTRAS


ANORMALIDADES
Serão mencionadas as síndromes com comprometimento da
audição, que surgem com maior freqüência na prática otorrinola-
ringológica.

Síndromes com padrão de herança


monogênica

Síndrome de Waardenburg
É uma anomalia com padrão de herança autossômica domi-
nante, cujos genes mutantes responsáveis já foram localizados,
permitindo o diagnóstico pré-natal para casais de risco. Esses
genes apresentam alta penetrância e expressividade variável, o
que quer dizer que, quando presentes, os genes mutantes quase
sempre se manifestam, porém, a intensidade do quadro clínico
entre seus portadores é muito variável. Essa anomalia apresenta
três formas clínicas. No Tipo I (Fig. 2.10), os pacientes apresen-
tam deficiência auditiva sensorioneural uni ou bilateral, epicanto,
deslocamento lateral do canto interno dos olhos, heterocromia ou
bicromia de íris, faixa branca no cabelo, que pode aparecer com
qualquer idade, e alteração da pigmentação da pele (cerca de

A B

FIGURA 2.10 – Síndrome de Waardenburg. A) Heterocromia da íris. B) Mecha branca no cabelo na


região frontal.
40

10% dos pacientes). A mutação responsável pela síndrome


localiza-se no braço longo do cromossomo 2 e determina a perda
de função do gene (TASSABEHJI e cols., 1992).
O Tipo II é semelhante ao Tipo I, excetuando-se pela ausência
de epicanto. A mutação localiza-se no gene que condiciona a
microftalmia no braço curto do cromossomo 3. A idade paterna
avançada está associada aos casos de mutação nova (TASSABEHJI
e cols., 1994).
O Tipo III, também chamado de síndrome de Klein-
Waardenburg, é uma forma mais rara que apresenta, além das
manifestações oculoauditivas e de pigmentação do Tipo I,
malformações de membros superiores, microcefalia e deficiên-
cia mental. O gene mutante tem a mesma localização do Tipo I
(HOTH e cols., 1993).
Em todos os tipos, a perda auditiva é sensorioneural, podendo
variar de unilateral moderada com comprometimento somente em
altas freqüências, até bilateral profunda. A gravidade da perda
auditiva varia significantemente entre as famílias.

Síndrome de Crouzon e síndrome de Apert


A síndrome de Crouzon é uma disostose craniofacial, com
padrão de herança autossômica dominante, sendo que a deficiên-
cia auditiva, geralmente mista, está presente em um terço dos
casos. Os pacientes apresentam turricefalia, órbitas rasas com
conseqüente exoftalmia, estrabismo, hipertelorismo, nariz em
“bico de papagaio”, seios paranasais pequenos, lábio superior
fino, prognatismo, maxila pequena e conduto auditivo externo às
vezes atrésico (Fig. 2.11). O aspecto do crânio se deve à
cranioestenose prematura, geralmente das suturas coronal e
sagital. A cranioestenose pode provocar deficiência mental. Cer-
ca de 50% dos casos correspondem a mutações novas, freqüen-
temente associadas à idade paterna avançada, porém, como a

A B

FIGURA 2.11 – Síndrome de Crouzon. A) Turrecefalia, exoftalmia e hipertelorismo. B) Occipito


achatado, hipoplasia de maxilar, nariz tipo “bico-de-papagaio” e lábio superior curto.
Perda Auditiva de Origem Genética 41

FIGURA 2.12 – Síndrome de Apert. Sindactilia extensa e


simétrica em quirodáctilos (“mãos em colher”).

expressividade clínica é muito variável, deve-se proceder a um


minucioso exame clínico e radiológico dos parentes consangüí-
neos do afetado, antes de concluir o risco de recorrência da
anomalia para outros irmãos que o paciente venha a ter. O risco
de recorrência da anomalia para a prole do afetado é 50%.
A síndrome de Apert, ou acrocefalopolissindactilia é uma
disostose craniofacial, autossômica dominante, caracterizada pela
perda de audição do tipo condutiva (curva achatada por fixação do
estribo), turricefalia, cranioestenose geralmente de sutura coronal,
hipoplasia do maxilar, exoftalmia, órbitas rasas, frontal proemi-
nente, nariz em sela, palato alto, sindactilia extensa e simétrica de
quirodáctilos, conhecida como “mãos em colher” e sindactilia de
pododáctilos (Fig. 2.12).
As síndromes de Apert e Crouzon e as cranioestenoses de
Pfeiffer e de Jackson-Weiss foram identificadas como sendo
resultado de mutações no gene que determina a produção do
receptor tipo 2 de fator de crescimento de fibroblastos (FGFR2).
Esse gene localiza-se no braço longo do cromossomo 10 e sua
identificação permite a realização do diagnóstico pré-natal, por
biologia molecular, numa fase bem precoce da gestação (GORRY
e cols., 1995; SCWARTZ e cols., 1996).

Síndrome de Klippel-Feil
A fusão de vértebras cervicais é o único sinal constante
dessa anomalia e determina, clinicamente, pescoço curto com
limitação da movimentação e implantação baixa de cabelos na
nuca (Fig. 2.13). As fusões vertebrais podem ocorrer também
na coluna torácica e lombar, além de serem freqüentes hemivér-
tebras e spina bifida. Malformação de vias urinárias, agenesia
renal unilateral, hipospadia, alterações oculares, fenda palati-
na, anomalias do ouvido médio e atresia do conduto auditivo
externo são achados comuns. A perda auditiva, quando presen-
te, é do tipo sensorioneural, condutiva ou mista.
Vários casos foram descritos como tendo ocorrência esporá-
dica, porém o estudo de famílias mostrou que a síndrome de
Klippel-Feil pode manifestar-se com padrão de herança autossô-
mica dominante ou recessiva. Por essa razão, o estudo minucioso
42

A B

FIGURA 2.13 – Síndrome de Klippel-Feil. A) Pescoço curto devido à fusão das vértebras cervicais. B)
Pescoço curto, anomalia de ouvido externo e pavilhão.

dos parentes consangüíneos é fundamental para a conclusão do


padrão de herança e a realização do aconselhamento genético.

Síndrome de Duane
Caracteriza-se pela alteração da movimentação ocular, com
dificuldade para aduzir ou abduzir os olhos, estreitamento da
fenda palpebral e retração do globo ocular à adução do olho.
Outros achados incluem torcicolo, costela cervical e a perda
auditiva condutiva (Fig. 2.14).
A maioria dos casos parece ser esporádica, sendo que apenas
5 a 10% apresentam recorrência familial. Quando associada à
síndrome de Klippel-Feil e na presença de deficiência auditiva, o
padrão de herança é autossômica dominante.

A B
FIGURA 2.14 – Síndrome de Duane. Pálpebra estreita, estrabismo com inabilidade para abduzir os
olhos. A) Antes da cirurgia para correção do estrabismo e da timpanotomia exploradora. B) Correção
do estrabismo e recuperação da perda condutiva da audição com fechamento do gap aéreo-ósseo.
Perda Auditiva de Origem Genética 43

Síndrome de Treacher Collins (disostose mandibulofacial)


Conhecida também como síndrome de Treacher Collins-
Franceschetti e síndrome de Franceschetti-Zwahlen-Klein, carac-
teriza-se por deficiência auditiva do tipo condutiva, hipoplasia da
mandíbula, maxila e zigomático, “boca de peixe”, fenda palpebral
oblíqua para baixo, coloboma das porções laterais das pálpebras
inferiores, diminuição da quantidade de cílios, fístulas pré-auricu-
lares, deformidade auricular (microtia ou anotia), malformação do
canal auditivo externo (agenesia ou estenose) e malformação da
cadeia ossicular, sendo o estribo geralmente normal (Fig. 2.15). O
acometimento é, usualmente, bilateral. Não há comprometimento
da inteligência.
A síndrome de Treacher Collins possui padrão de herança
autossômica dominante, sendo que o gene responsável pela
anomalia está situado no braço longo do cromossomo 5.

A B
FIGURA 2.15 – Síndrome de Treacher Collins. A) Fenda palpebral antimongolóide com defeito na
pálpebra inferior, hipoplasia da mandíbula e do zigomático. B) Agenesia do conduto auditivo externo.
Ouvido interno normal.

Síndrome de van der Hoeve (osteogênese imperfeita)


Os portadores dessa anomalia apresentam óssos frágeis e
osteoporóticos, fraturas freqüentes, esclerótica azulada,
dentinogênese imperfeita, frontal alto, face triangular e perda
auditiva condutiva por fixação do estribo ou por fratura da cadeia
ossicular (Fig. 2.16). A perda auditiva atinge 60% dos pacientes
e inicia-se após os 20 anos de idade. O termo síndrome de van
der Hoeve é geralmente utilizado para descrever a osteogênese
imperfeita associada à otosclerose.
Essa anomalia apresenta padrão de herança autossômica
dominante com expressividade variável, de modo que numa
mesma família podemos encontrar indivíduos com fraturas, otos-
clerose, escleróticas azuladas e dentinogênese imperfeita, ou
combinações desses sinais.
44

FIGURA 2.16 – Síndrome de van der Hoeve. Esclerótica azul,


ossos quebradiços e perda condutiva da audição.

Síndrome da disostose cleidocraniana


A disostose cleidocraniana é uma anomalia autossômica
dominante com expressividade muito variável e alta penetrância.
O indivíduo que possui o gene sempre manifesta algum sinal da
anomalia, porém, dentro de uma família, a intensidade do quadro
clínico dos portadores varia consideravelmente.
Clinicamente, os pacientes apresentam braquicefalia, frontal
abaulado, atraso do fechamento das fontanelas e suturas, aplasia
de uma ou ambas as clavículas, com movimentação anormal dos
ombros, que conseguem se encontrar anteriormente, alteração
da dentição, inclusive com dentes supranumerários e hiperteloris-
mo ocular (Fig. 2.17). Do ponto de vista otorrinolaringológico, é
comum a disacusia sensorioneural. No adulto, os sinais clínicos
não são tão evidentes. Por essa razão, é muito importante que os
genitores do paciente sejam examinados cuidadosamente para
que se proceda a um aconselhamento genético preciso.

FIGURA 2.17 – Síndrome da disostose cleidocraniana. Macrocrânia,


tuberosidades frontais e parietais, assim como depressão acima da
glabela. Displasia das clavículas.

Síndrome de Albers-Schonberg (síndrome da


osteopetrose ou doença marmórea)
Trata-se de uma anomalia com padrão de herança autossômica
recessiva, em que a perda auditiva é mista ou condutiva. Os pacientes
apresentam ossos escleróticos, aumento do número de fraturas,
Perda Auditiva de Origem Genética 45

A B C

FIGURA 2.18 – Síndrome de Albers-Schonberg. A) Baixa estatura, hepatomegalia. B) Radiografia de


seios da face mostrando osso esclerótico, quebradiço, com aspecto marmóreo. C) Pontos de
drenagem por foco de osteomielite na face.

maior risco de osteomielites, macrocefalia, paralisia facial recidivante,


atrofia do nervo óptico, atresia dos seios paranasais e de coanas,
comprometimento ocasional dos pares cranianos II, V e VII, anemia
e hepatoesplenomegalia (Fig. 2.18). A síndrome da osteopetrose
benigna, como o próprio nome diz, é uma anomalia com quadro clínico
mais brando e com padrão de herança autossômica recessiva.

Síndrome de Usher
É uma anomalia autossômica recessiva que se caracteriza por
retinite pigmentosa associada a deficiência auditiva congênita
sensorioneural grave (Fig. 2.19).
De acordo com GORLIN e cols. (1979), a síndrome de Usher
pode ser classificada clinicamente em quatro subgrupos:
Tipo I – Ausência de função vestibular, deficiência auditiva
congênita profunda e início da retinose pigmentar aos 10 anos de
idade. Constitui quase 90% dos casos.
Tipo II – Função vestibular normal ou diminuída, queda da
audição em altas freqüências e retinose pigmentar de início na
adolescência ou por volta dos 20 anos. Constitui quase 10% dos
casos.
Tipo III – Disfunção vestibular, perda progressiva da audição,
retinose pigmentar iniciando na puberdade ou após décadas. É
responsável por 1% dos casos.
Tipo IV – Único com padrão de herança recessiva ligada ao
sexo, sendo o fenótipo semelhante ao Tipo II.
A síndrome de Usher determina perda progressiva da visão,
de forma que, até o final da segunda ou terceira década de vida,
estão completamente cegos. Por essa razão, os pacientes devem
ser orientados e treinados para que estejam adaptados antes da
perda completa da visão.
46

F IGURA 2.19 – Síndrome de Usher. Retinite pigmen-


tosa.

Síndrome de Hurler
Também conhecida como mucopolissacaridose tipo I, é um
erro inato do metabolismo, de etiologia autossômica recessiva,
na qual o defeito primário é a deficiência de uma enzima
lisossômica, a alfa-L-iduronidase, responsável pela degradação
dos glicosaminoglicanos, sulfato de heparan e sulfato de
dermatan. O quadro clínico resulta do acúmulo de mucopolissa-
carídeos nos tecidos. Os pacientes apresentam face progressi-
vamente grosseira, macrocefalia, lábios grossos, macroglossia,
dentes afastados, cabelos grossos, abdome proeminente, ore-
lha de implantação baixa, hipertelorismo, prega epicântica,
turvação da córnea, hepatoesplenomegalia, baixa estatura e
involução do desenvolvimento neuropsicomotor (Fig. 2.20). A
mucosa do ouvido médio apresenta células grandes esponjo-
sas, chamadas células gargóilicas, que se coram pelo PAS. O
diagnóstico pré-natal é possível por intermédio da dosagem da
alfa-L -iduronidase em cultura de amniócitos.

FIGURA 2.20 – Síndrome de Hurler (mucopolissacaridose). Nariz


largo, achatado, hipertelorismo, bochechas “cheias”, lábios grossos
e macroglossia.
Perda Auditiva de Origem Genética 47

FIGURA 2.21 – Síndrome de Hunter. Nanismo, hepatoesplenome-


galia.

Síndrome de Hunter
É conhecida como mucopolissacaridose tipo II, causada pela
deficiência da sulfatase de iduronato, com excesso de sulfato de
dermatan e sulfato de heparan. O quadro clínico é semelhante ao
descrito para a síndrome de Hurler, diferindo apenas pela ausência
de opacidade de córneas, por apresentar uma evolução mais lenta
e pelo padrão de herança recessiva ligado ao sexo, comprometendo
apenas indivíduos do sexo masculino (Fig. 2.21).

Síndrome de Alport
A síndrome de Alport é responsável por 1% das perdas auditivas
hereditárias (Fig. 2.22), caracterizando-se pela associação de perda
auditiva sensorioneural e glomerulonefrite. A deficiência auditiva é
bilateral e simétrica, desenvolve-se nos primeiros anos de vida e
afeta principalmente as freqüências mais agudas. As provas calóri-
cas mostram hipofunção vestibular. Histologicamente, há degene-
ração do órgão de Corti e da estria vascular.
A nefrite é progressiva, com hematúria e proteinúria que se
iniciam na primeira ou segunda década de vida.
Alterações oculares, como lenticone, esferofaquia e catarata
estão presentes em 15% dos pacientes.
Na maioria das famílias com a síndrome de Alport, o padrão de
herança é dominante ligado ao X, e por essa razão, as mulheres

FIGURA 2.22 – Síndrome de Alport. Paciente do sexo


masculino portador de nefrite progressiva e perda
sensorioneural na vigência de tratamento através de
hemodiálise. As cicatrizes no braço são seqüelas do
referido tratamento.
48

manifestam quadro clínico mais brando do que os homens. O gene


responsável pela anomalia situa-se no braço longo do cromossomo X.
Nas famílias, deficiência auditiva e glomerulonefrite podem ocorrer em
associação ou independentemente entre os portadores da anomalia.
Algumas famílias com a síndrome de Alport apresentaram genealogia
compatível com padrão de herança autossômica dominante.

Síndrome de Goldenhar
Trata-se de uma associação de malformações que resultam de
defeitos na morfogênese do primeiro e segundo arcos branquiais,
freqüentemente associados a anomalias oculares e vertebrais. Os
pacientes apresentam hipoplasia da região malar e maxilar, assime-
tria facial, macrostomia, microtia, apêndices pré-auriculares, ano-
malia do ouvido médio, podendo haver deficiência auditiva do tipo
condutivo, diminuição da secreção da parótida, hemivértebras,
dermóide epibulbar, além de malformações cardíacas e genituriná-
rias (Fig. 2.23). A deficiência mental está presente em cerca de 13%
dos casos. Ocasionalmente, pode haver malformação do ouvido
interno com deficiência auditiva do tipo sensorioneural. A etiologia
é desconhecida, sendo a maioria dos casos esporádica. O risco de
recorrência da anomalia para parentes em primeiro grau do afetado
é aproximadamente 2%. Raros casos foram descritos compatíveis
com herança autossômica dominante.

FIGURA 2.23 – Síndrome de Goldenhar. Assimetria fa-


cial, anomalia ocular e apêndices múltiplos que se si-
tuam na linha traçada entre o trago e a comissura labial.

Síndrome de Möbius
A síndrome de Möbius é caracterizada por paralisia do VI e do
VII pares cranianos, com conseqüente amimia. Pode haver para-
lisia de outros pares de nervos cranianos, além de estrabismo,
micrognatia e deformidades do pavilhão auricular e do conduto
auditivo externo (Fig. 2.24). Essa síndrome tem ocorrência fami-
lial, sendo que, em algumas genealogias, é compatível com
padrão de herança autossômica dominante. Quando associada a
malformação reducional de membros, é conhecida como seqüên-
cia de Möbius e tem ocorrência esporádica. Acredita-se que seja
decorrente de fenômenos isquêmicos ocorridos no feto.
Perda Auditiva de Origem Genética 49

A B
FIGURA 2.24 – Síndrome de Möbius. A) Diplegia facial. B) Deformidade de pavilhão.

Síndrome de Pierre Robin


A alteração inicial deve ocorrer antes da nona semana de
gestação, com a localização posterior da língua impedindo o
fechamento adequado do palato. Os pacientes apresentam, além
de fenda palatina, hipoplasia da mandíbula, micrognatia, glossopto-
se, malformação do pavilhão auricular e deficiência auditiva mista
(Fig. 2.25). Acredita-se que seja resultante de um efeito mecânico
e, portanto, extrínseco, ocorrido durante a formação fetal.

FIGURA 2.25 – Esquema da síndrome de Pierre Robin.


Micrognatia, glossoptose e fenda palatina.

SÍNDROMES CAUSADAS POR ABERRAÇÕES


CROMOSSÔMICAS
De cromossomos autossômicos

Trissomia do cromossomo 21 (síndrome de Down)


A trissomia do cromossomo 21 (Fig. 2.26) ocorre em 1 em
cada 650 recém-nascidos (THERMAN & SUSMAN, 1993), sendo a
causa mais comum de retardamento mental de etiologia genética.
50

1 2 3 4 5

6 7 8 9 10 11 12 X

13 14 15 16 17 18

19 20 21 22
A B

FIGURA 2.26 – Síndrome de Down (trissomia do 21). A) Fenda palpebral oblíqua para cima, hipotonia
e dismorfismos característicos da síndrome. B) Cariótipo de uma mulher com síndrome de Down,
47,XX,+21.

Os portadores dessa anomalia apresentam hipotonia ao nasci-


mento e dismorfismos bem característicos como braquicefalia,
occipital plano, orelhas dismórficas e de implantação baixa, hiper-
telorismo ocular, fendas palpebrais mongolóides, prega epicântica,
dorso nasal rebaixado, nariz pequeno, manchas de Brushfield na
íris, boca constantemente entreaberta com protrusão da língua,
que é freqüentemente geográfica, palato alto, decréscimo da
pneumatização ou ausência do seio frontal e esfenoidal, pescoço
curto com sobra de pele, mãos pequenas e largas, prega palmar
única, padrão dermatoglífico peculiar, clinodactilia de quinto dedo,
aumento da distância entre o hálux e o segundo pododáctilo, sulco
plantar profundo, hiperextensibilidade articular e baixa estatura.
As cardiopatias congênitas, principalmente a comunicação inter-
ventricular e interatrial, estão presentes em cerca de um terço
desses pacientes. Hipotireoidismo, infecções pulmonares e leu-
cemia são alterações que incidem com freqüência maior nessas
crianças e devem ser diagnosticadas e tratadas precocemente. A
deficiência mental está sempre presente (QI variando entre 25 e
50), mas muitas vezes, o atraso do desenvolvimento só é notado
pelos familiares ao final do primeiro ano de vida, sendo que a
estimulação global deve ser iniciada o mais precocemente possí-
vel. Os pacientes do sexo masculino são estéreis por apresenta-
rem hialinização dos túbulos seminíferos, mas os do sexo femini-
no podem procriar e apresentam um risco de 50% de gerarem uma
criança igualmente afetada.
Apesar de não determinar deficiência auditiva, 50% dos pa-
cientes apresentam orelhas dismórficas, o que, aliás, é achado
comum nas trissomias de cromossomos autossômicos.
É importante ressaltar que a denominação “mongolismo” para
essa síndrome foi utilizada por causa da aparência oriental dessas
crianças devido à fenda palpebral mongolóide e à prega epicântica,
Perda Auditiva de Origem Genética 51

porém o seu uso é desaconselhado atualmente por causa da


conotação racial indevida.
A maioria dos pacientes (95%) é portadora de trissomia livre,
ou seja, um cromossomo 21 excedente em decorrência da falta de
disjunção desses cromossomos durante a meiose I. Nesses
casos, podemos orientar a família que o risco de recorrência da
anomalia para outros filhos que venham a ter é, geralmente, igual
ao da população geral da mesma faixa etária da genitora, existin-
do um risco progressivamente maior de cromossomopatia com o
avanço da idade materna, a partir dos 30 anos de idade.

Síndrome de Edwards (trissomia do cromossomo18)


Os pacientes apresentam hipertonia ao nascimento, orelhas de
implantação baixa, atresia do conduto auditivo externo, fenda
palatina e(ou) labial, coloboma de pálpebras, microftalmia, aplasia

A B

1 2 3 4 5

6 7 8 9 10 11 12 X

13 14 15 16 17 18

19 20 21 22
C

FIGURA 2.27 – Síndrome de Edwards (trissomia do 18). A) Criança com microcefalia, implantação baixa
do pavilhão auricular, fendas palpebrais curtas, microstomia. B) Dedo “em gatilho”. C) Cariótipo de uma
mulher com síndrome de Edwards, 47,XX+18.
52

do nervo óptico, hipertelorismo, micrognatia, esterno curto, cardiopatia


congênita (principalmente comunicação interventricular e persis-
tência do canal arterial), posição peculiar das mãos com o terceiro
e o quarto dedos cerrados contra a palma e o segundo e quinto sobre
eles, pelve pequena com limitação da abdução do quadril, deficiên-
cia mental grave e deficiência auditiva mista (Fig. 2.27). A síndrome
de Edwards também apresenta associação com a idade materna
avançada e o prognóstico dos pacientes é muito reservado.

Síndrome de Patau (trissomia do cromossomo 13)


Os sinais clínicos mais importantes são implantação baixa de
orelhas, micrognatia, palato ogival, occipital proeminente, defeitos
do prosencéfalo (holoprosencefalia, arrinencefalia), microcefalia,
microftalmia, fenda labial e(ou) palatina, cardiopatia congênita,
principalmente comunicação interventricular, persistência do canal
arterial e anomalias de rotação, hérnias, criptorquidia, malforma-
ções renais, pés em cadeira de balanço, polidactilia, atresia do
conduto auditivo externo, disacusia mista (Fig. 2.28). A síndrome de
Patau também apresenta associação com a idade materna e o

A C

1 2 3 4 5

6 7 8 9 10 11 12 X

13 14 15 16 17 18

19 20 21 22

B D
FIGURA 2.28 – Síndrome de Patau (trissomia do 13). A) Recém-nascido com fenda palatina e labial,
com proeminência da pré-maxila. B) Múltiplas anomalias incluindo micrognatia. C) Microftalmia. D)
Cariótipo de uma mulher com síndrome de Patau, 47,XX,+13.
Perda Auditiva de Origem Genética 53

prognóstico dos pacientes é extremamente reservado, sendo que a


maioria dos pacientes falece antes do primeiro ano de vida.

De cromossomos sexuais

Síndrome de Turner
A síndrome de Turner (45,X) caracteriza-se pela monossomia
do cromossomo X na ausência de cromossomo Y. Cabe ressaltar
que a monossomia do cromossomo Y, na ausência de cromossomo
X, é incompatível com a vida. Os pacientes freqüentemente apre-
sentam ao nascimento sinais sugestivos dessa alteração, como
baixa estatura, linfedema transitório de pés e mãos, fendas palpe-
brais antimongolóides, orelhas discretamente rotadas para trás,
pele redundante na nuca, implantação baixa de cabelos na nuca e
aumento da distância intermamilar. Muitas vezes, o linfedema pode
ser observado durante a gestação pela detecção ultra-sonográfica
do higroma cístico, que corresponde à pele redundante na nuca
observada após o nascimento. Essa pele redundante dá origem,
posteriormente, às pregas pterigonucais (pescoço alado). As mal-
formações internas principais são as gônadas disgenéticas, que
apresentam folículos durante a vida embrionária, mas sofrem
hipoplasia, dando origem a ovários vestigiais. Além dessas, podem
ocorrer malformações renais, como rins em ferradura e duplicação
ou separação do bacinete e malformações cardiovasculares, sobre-
tudo coarctação da aorta, que corresponde a 70% das cardiopatias
na síndrome de Turner. Cerca de 50% das pacientes apresentam
deficiência auditiva de percepção. Essas pacientes são mais susce-
tíveis à tireoidite, hipertensão arterial e diabetes mellitus, devendo
ser acompanhadas periodicamente. A inteligência costuma ser
normal, porém, problemas psicológicos decorrentes do fenótipo são
comumente relatados.
Apesar da síndrome de Turner apresentar um quadro clínico
compatível com a vida, existe seleção natural muito grande
contra os fetos portadores da anomalia, sendo muito elevada a
freqüência da síndrome de Turner (18%) em material de aborto.
GRAVHOLT e cols. (1996) em um estudo realizado na Dinamarca
entre 1970 e 1993 observaram uma freqüência de síndrome de
Turner de 32/100.000 nascimentos, enquanto entre fetos do
sexo feminino, cujas mães se submeteram à amniocentese no
segundo trimestre de gestação para detecção do cariótipo fetal,
essa freqüência foi de 176/100.000, e de 392/100.000 quando
o estudo foi realizado em mães que se submeteram à punção
das vilosidades coriônicas no primeiro trimestre de gravidez.
Geralmente o cromossomo X é de origem materna, o que
significa que a falta de disjunção ocorre durante a meiose II
paterna. Em geral, as aberrações de cromossomos sexuais não
têm associação com a idade materna avançada, excetuando-se
quando ocorrem na meiose I materna.
54

1 2 3 4 5

6 7 8 9 10 11 12 X

13 14 15 16 17 18

19 20 21 22
A B
FIGURA 2.29 – Síndrome de Turner. A) Baixa estatura, fenda palpebral oblíqua para baixo, orelhas
rotadas para trás, B) Cariótipo de uma paciente com síndrome de Turner, 45,X.

FATORES PREDISPONENTES A ANOMALIAS


GENÉTICAS
É importante procurar identificar os casais ou indivíduos que
estão mais sujeitos a gerarem ou serem portadores de anoma-
lias genéticas. PINTO J R. & BEIGUELMAN (1994) descreveram as
seguintes situações anamnésticas que podem ter peso impor-
tante para a indicação do estudo genético de um indivíduo ou de
um casal.
1. Parente consangüíneo com anomalias congênitas e(ou)
retardamento mental.
2. Parentes consangüíneos com uma anomalia sabidamente
de origem genética.
3. Um dos genitores portador de uma doença genética ou de
um gene que possa causar uma doença genética.
4. Parentes consangüíneos com anomalia semelhante.
5. Genitores com algum grau de consangüinidade.
6. Genitores pertencentes a um mesmo grupo racial de risco
para determinada anomalia genética e que desejam ter mais
filhos.
7. Genitores que, além da criança com anomalia, apresentam
história de abortamento habitual.
8. Criança, filha de mãe com mais de 35 anos, ou de pai com
mais de 55 anos, que desejam mais filhos.
9. Criança, filha de casal em que pelo menos um dos genitores
esteve ou está exposto a radiações, produtos químicos
diversos, uso crônico de drogas ou medicamentos poten-
cialmente teratogênicos.
10. Criança com anomalia a respeito da qual não se sabe se a
etiologia é genética, mas cujos pais apresentam grande
ansiedade por temer gerar outra criança com problema
semelhante.
Perda Auditiva de Origem Genética 55

TRATAMENTO
Inicialmente, deve-se buscar o diagnóstico precoce da deficiência
auditiva e defini-la como sendo de origem genética. O tratamento
dependerá do tipo de perda, e deve ser iniciado o mais breve possível.
A grande maioria das deficiências auditivas é do tipo sensorio-
neural e, portanto, o tratamento deve ser direcionado através da
protetização e acompanhamento fonoterápico.
Quando a perda for do tipo condutiva ou mista, com um
componente condutivo com bom intervalo aéreo-ósseo, pode-se
protetizar num primeiro tempo, em se tratando de crianças, para
num segundo tempo, em época oportuna, submetê-las à cirurgia
funcional. Esta conduta é aconselhável em alguns casos, como
nas síndromes de Treacher Collins, Duane ou van der Hoeve.
Naquelas síndromes com perda auditiva bilateral associada a
malformação do conduto auditivo externo e ouvido médio, porém
com o ouvido interno normal, há necessidade de corrigir um dos
lados, ou pelo menos tornar pérvio o conduto auditivo externo para
a protetização. Essa cirurgia costuma oferecer melhor resultado
quando a criança é operada por volta dos 5 anos de idade.

ORIENTAÇÃO FAMILIAR
Feito o diagnóstico de deficiência auditiva, o clínico deverá
realizar uma anamnese bem direcionada aos antecedentes pes-
soais e familiais, além de caracterizar com o máximo de precisão,
o tipo de deficiência e as características da perda auditiva. Deverá,
ainda, pesquisar outras malformações e caracterizá-las bem. No
caso das deficiências de etiologia genética, o otorrinolaringolo-
gista deverá fazer um estudo criterioso dos genitores do afetado,
inclusive com audiometria, que será muito útil para concluir a
respeito do padrão de herança.
Cabe ainda ao otorrinolaringologista orientar os pacientes e
seus familiares sobre a possibilidade de recorrência da anomalia
em outros descendentes e encaminhar a família ao geneticista
para uma avaliação e aconselhamento genético.
O aconselhamento genético pode ser definido como um proces-
so de comunicação sobre o risco de ocorrência ou recorrência
familial de anomalias genéticas, com a finalidade de fornecer a
indivíduos ou famílias ampla compreensão de todas as implicações
relacionadas às doenças genéticas em discussão, as opções que a
medicina atual oferece para a terapêutica ou para a diminuição dos
riscos de ocorrência ou recorrência da doença genética em questão
e eventual apoio psicoterapêutico (BEIGUELMAN, 1982).
O objetivo principal do aconselhamento genético é o bem-estar
do paciente e da família que está procurando o aconselhador. Ao
contrário dos princípios eugênicos, os do aconselhamento genético
visam, pois, primordialmente, à defesa dos interesses dos indiví-
duos e das famílias, e não os da sociedade (BEIGUELMAN, 1982).
56

É inadmissível que o aconselhador oriente um casal a não ter


mais filhos. O aconselhador deverá explicar aos genitores o que
é a doença, quais os riscos de recorrência, as possibilidades de
diagnóstico pré-natal, a resposta dos pacientes à terapia disponí-
vel e toda e qualquer informação que o casal necessite para tomar
a decisão.
A biologia molecular vem trazendo enorme benefício para o
aconselhamento genético pela possibilidade de diagnóstico pré-
natal. Com o mapeamento do genoma humano, previsto para
estar completo até o início do próximo século, todas as doenças
genéticas serão passíveis de diagnóstico. Conselhos do tipo
esterilização permanente não devem ser dados, também pela
possibilidade de, num futuro próximo, ser possível estudar deter-
minado gene deletério no corpúsculo polar. Assim, se um casal for
heterozigoto de um gene recessivo, poder-se-á pesquisar a pre-
sença do gene em questão no corpúsculo polar e, se a pesquisa
for positiva, significará que o gene não foi transmitido para o óvulo,
o qual poderá ser fertilizado in vitro, originando um embrião normal
em relação àquela característica.
Para que se faça o aconselhamento genético preciso, é
necessário esgotar todas as possibilidades para que se chegue ao
diagnóstico da anomalia. Quando isso não for possível, o médico
deverá armazenar o tecido do afetado para que, tão logo se tenha
a possibilidade de estudo por biologia molecular, haja DNA
suficiente para dar prosseguimento à pesquisa diagnóstica e,
assim, completar a orientação familiar. Esse material poderá ser
sangue, soro (congelado) ou 1 cm3 de pulmão, rins, fígado ou pele
(em caso de óbito). É necessário, ainda, arquivar raios X e
fotografias de corpo inteiro e do rosto do paciente. Em caso de
óbito, por mais constrangida e abalada que a família esteja, o
médico não deverá abrir mão de solicitar a necropsia, pois será
fundamental para a orientação dos genitores quando desejarem
ter outro filho, ou para o aconselhamento genético dos irmãos
normais da criança afetada.
O aconselhamento genético é fundamental, pois a prevenção
é a principal conduta a ser tomada em relação à deficiência
auditiva de etiologia genética, cujo tratamento está frequentemen-
te bastante restrito.

AGRADECIMENTO
Prof. Dr. BERNARDO BEIGUELMAN , pela revisão do capítulo.

Leitura recomendada
ARNOS, K.S.; ISRAEL, J.; DEVLIN, L.; WILSON, M.P. – Genetics
counseling for the deaf. Otolaryngol. Clin. North Am., 25:953-971,
1992.
BEIGUELMAN, B. – Citogenética Humana . 1ª ed. Guanabara Koogan,
Rio de Janeiro, 1982.
Perda Auditiva de Origem Genética 57

BEIGUELMAN, B. – Genética Médica. Dinâmica dos Genes nas Famí-


lias e nas Populações. Vol. 2, Edart, São Paulo, 1995.
GRAVHOLT, C.H.; JUUL, S.; NAERAA, R.W.; HANSEN, J. – Prenatal
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GORLIN, R. J. – Usher’s syndrome type III - Arch. Otolaryngol., 105:353,
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LOSKEN, H.W.; PARKER, M.G.; NWOKORO, N.A.; POST, J.C.;
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Deficiência Auditiva 1
Noções Básicas sobre Acústica, Psicoacústica e Calibração 59

3
Noções Básicas sobre
Acústica, Psicoacústica e
Calibração

Iêda Chaves Pacheco Russo

INTRODUÇÃO

O conhecimento de como é o universo e de como a natureza


opera é o objeto da Física, a mais geral e ampla das ciências, que
pode nos fornecer uma base segura, bem como uma lógica
adequada para o desenvolvimento filosófico a respeito de nossa
própria existência e de outros aspectos humanos importantes
que, há milhares de anos, vêm intrigando a mente humana.
A Física é a mais fundamental e a mais geral das ciências. Na
verdade, a Física é o equivalente atual da antiga Filosofia Natural,
da qual provém a maior parte das ciências modernas. A Física
pode fornecer dois tipos diferentes de contribuição para outras
ciências: teóricas e técnicas.
As contribuições teóricas auxiliam diretamente na compreensão
de um determinado fenômeno. Por exemplo, consideremos a Biolo-
gia: se olharmos mais de perto os processos biológicos dos seres
vivos, veremos que existem muitos fenômenos físicos envolvidos: a
circulação do sangue, bombeamento, a pressão sangüínea, etc. Por
outro lado, as contribuições técnicas compreendem o desenvolvi-
mento de aparelhos e equipamentos (mecânicos e eletrônicos) que
auxiliam no desenvolvimento e aperfeiçoamento de recursos espe-
cíficos das mais diversas áreas, dentre elas: Medicina, Fonoaudiologia,
Engenharia, Pedagogia, Psicologia, Computação, etc.
Sendo um ramo da Física, a Acústica pode ser definida como a
ciência que se preocupa com o estudo do som, tanto em sua
60 Fonoaudiologia Prática

produção, transmissão quanto na detecção. Usualmente a Acústica


pode ser estudada segundo dois aspectos: Acústica Física, que
trata das vibrações e ondas mecânicas e a Acústica Fisiológica ou
Psicoacústica, relacionada à sensação que o som produz nos
indivíduos (RUSSO, 1993).
A Audiologia, por sua vez, é a ciência da audição e tem a sua
base científica na Psicoacústica. Os testes audiométricos subje-
tivos utilizados na Audiologia, com o intuito de medir a acuidade
auditiva do indivíduo, são chamados testes psicométricos ou
psicoacústicos e só foram possíveis a partir de estudos
psicoacústicos, os quais, além de outros aspectos, determinaram
a área de sensibilidade do ouvido humano.
Para o fisiologista alemão HERMANN VON HELMHOLTZ, nossas
percepções sensoriais não são apenas sensações do nosso siste-
ma nervoso, “havendo ainda a participação de uma atividade
característica da alma, para se chegar da sensação dos nervos até
a representação daquele objeto que provocou a sensação”.
Este capítulo fornecerá as noções básicas das ciências que
fundamentam e constituem a base do conhecimento para a Audio-
logia, estando dividido em três partes. A primeira abordará as
noções básicas da Acústica Física, com ênfase na caracterização
da onda sonora, seus aspectos, dimensões mensuráveis, qualida-
des e processos de mensuração. Na segunda parte, serão enfocados
alguns temas relacionados à Acústica Fisiológica ou Psicoacústica,
que incluem a faixa de audição humana, determinação do nível de
audição e sensação e aspectos psicoacústicos da percepção do
som. Finalmente, a terceira parte tratará do processo de calibração
e sua importância na obtenção precisa dos resultados obtidos na
avaliação audiológica.

NOÇÕES BÁSICAS SOBRE ACÚSTICA FÍSICA


Onda sonora e as propriedades de
transmissão
De acordo com DAVIS (1970), se perguntarmos a um indivíduo o
que é som ele responderá: som é tudo aquilo que ouvimos. Para o
Físico o som é uma forma de energia vibratória que se propaga em
meios elásticos. Para o Psicólogo o som é uma sensação inerente
a cada indivíduo. Ao Fisiologista interessa a maneira pela qual o
som caminha pelas vias auditivas até atingir o cérebro. Se analisar-
mos cada uma das respostas dadas, verificaremos que todas estão
corretas, pois cada profissional lida com o conceito de som de acordo
com o interesse e a necessidade de sua área de conhecimento.
Entretanto, observamos uma interdependência destas áreas, ou
seja, o Psicólogo necessita das informações do Físico para poder
comparar as sensações de freqüência e intensidade com os atributos
físicos mensuráveis do som que, por sua vez, as propiciam. A
abordagem psicológica na definição do som parece ter um apelo
Noções Básicas sobre Acústica, Psicoacústica e Calibração 61

intuitivo, pois parece ser mais fácil a compreensão dos eventos


físicos que caracterizam o som, tendo como referência as sensações
que estão associadas à variedade de sons que nos estimulam
diariamente. Entretanto, se uma árvore cai em uma floresta e não há
ninguém por perto para ouvir, ainda assim existe som, pois as
propriedades físicas da fonte que gerou este evento e do meio no qual
ele foi transmitido não podem ser esquecidas na definição de som.
Muitos corpos podem servir como fontes sonoras: as cordas de
um instrumento musical como o violão, uma membrana de um
tambor, uma barra no xilofone, etc. Todavia, há um pré-requisito
indispensável para um corpo funcionar como fonte sonora: precisa
ser capaz de vibrar. Se um corpo pode ser posto em movimento
vibratório ele necessita de duas propriedades físicas que são
inerentes a cada corpo: massa e elasticidade (SPEAKS, 1992).
Quando um abalo faz com que uma fonte sonora vibre ou
oscile, um evento sonoro ocorreu e este pode ser transmitido para
algum meio. O ar é provavelmente o meio mais comum de ser
encontrado, mas outros meios como, por exemplo: água, fios,
cordas, aço também são capazes de transmitir som. Devido ao
fato das estruturas moleculares terem massa e elasticidade finitas,
elas são capazes de funcionar tanto como fonte de um som quanto
meio para sua transmissão (RUSSO, 1993).
A onda sonora é, então, produzida por um elemento vibrador ou
fonte que, quando estimulado, é capaz de produzir perturbações ou
variações na densidade do meio ao seu redor, como conseqüência
do aumento ou diminuição da pressão sonora. É mecânica, pois
necessita de um meio material para propagar-se, não o fazendo no
vácuo; é tridimensional, pois sua propagação se dá em todas as
direções. Caracterizada, primordialmente, por sua(s) freqüência(s)
e pela amplitude de cada uma delas, a onda sonora pode assumir
várias formas, desde senoidal, quadrada, triangular até complexa,
periódica ou aperiódica e apresentar espectros discretos ou contí-
nuos; pode, ainda, diferir em altura, intensidade e timbre em função
das características físicas da fonte sonora e dos respectivos compo-
nentes tonais por ela gerados (Fig. 3.1).

Violino 1,0

1.000 2.000 3.000 4.000


Hz
Amplitude

Piano 1,0

1.000 2.000 3.000 4.000


Hz
1,0
Diapasão
1.000 2.000 3.000 4.000
Freqüência Hz

FIGURA 3.1 – Representação esquemática de três ondas sonoras: forma de onda e espectro de
amplitude.
62 Fonoaudiologia Prática

Dimensões das ondas sonoras


Freqüência
Chama-se freqüência (f) o número de ciclos que as partículas
materiais realizam na unidade de tempo (segundo). A expressão
ciclos por segundo foi substituída por hertz (Hz) em homenagem
ao físico alemão HEINRICH HERTZ, sendo esta a unidade de medida
usada internacionalmente. As ondas sonoras propagadas através
do ar ocorrem em sincronia com a vibração de uma fonte sonora.
A taxa na qual a fonte sonora vibra em hertz (Hz) é conhecida
como a sua freqüência (Fig. 3.2).

+
Amplitude

– FIGURA 3.2 – Representação de


dois movimentos ondulatórios de
0,0005 0,001 0,0015 0,002 diferentes freqüências.
Tempo (s)

Amplitude
A outra dimensão da onda sonora é a chamada amplitude (A)
que é a medida do afastamento ou deslocamento horizontal das
partículas materiais de sua posição de equilíbrio. A amplitude
pode ser instantânea, quando é medida em um tempo ou ângulo

(A) (P-P)
Pico máximo Pico a pico
Pressão sonora instantânea em Pa

B
4

A
2

0
A

–2

–4
B
90 180 270 360
θ em graus

FIGURA 3.3 – Representação de dois movimentos ondulatórios de mesma freqüência com diferentes
amplitudes.
Noções Básicas sobre Acústica, Psicoacústica e Calibração 63

de rotação definidos; pode ser máxima, também denominada de


amplitude de pico e corresponde em uma onda senoidal a 90° ou
270°; e, finalmente relacionada à raiz média quadrática (rms) dos
desvios da pressão sonora. A amplitude relaciona-se à intensida-
de sonora, sendo um dos processos físicos utilizados na medida
desta, juntamente com a pressão efetiva e a energia transportada
pelo som (Fig. 3.3).

Qualidades da onda sonora


Às dimensões ou atributos da onda sonora estão relacionadas
as qualidades: altura, intensidade e timbre, embora este último
seja uma qualidade não do som, mas da fonte sonora que o
produziu.
A altura é a qualidade relacionada à freqüência da onda
sonora que, por sua vez, nos permite classificá-la em uma escala
que varia de grave a agudo . Quanto mais alta for a freqüência,
mais agudo é o som. Quanto mais baixa for a freqüência, mais
grave ele o será. Ainda com relação à freqüência, é importante
observarmos que os termos alto e baixo referem-se a ondas
sonoras de alta e baixa freqüência, sendo, portanto, equivalentes
aos termos agudo e grave e não à intensidade sonora, como
geralmente são empregados.
A intensidade é uma qualidade relacionada tanto à amplitude
da onda sonora quanto à sua pressão efetiva e sua energia
transportada, permitindo-nos classificá-la dentro de uma escala que
varia de fraco a forte. Desta maneira, quanto maior forem a ampli-
tude, a pressão efetiva e a energia transportada pela onda sonora,
mais forte é o som. Quanto menor forem, mais fraco ele o será.
O timbre não é uma qualidade do som, mas sim da fonte
sonora. Através dele podemos diferenciar, por exemplo, a mesma
nota musical emitida por instrumentos diferentes, graças à contri-
buição das diversas freqüências harmônicas de que se compõe
um som denominado complexo (RUSSO, 1993).

Tipos de ondas sonoras


Dependendo do número de freqüências presentes na onda
sonora ela pode ser classificada em senoidal ou complexa perió-
dica ou aperiódica.

Onda senoidal (tom puro)


Denomina-se onda senoidal a onda sonora que resulta de um
movimento harmônico simples, proveniente de uma relação que
contém uma função de seno. Dela se origina o chamado tom puro,
constituído por uma única freqüência. O tom puro não é encontra-
do na natureza, sendo gerado apenas eletronicamente, embora o
som do diapasão pareça com um tom puro. Encontra grande
aplicação na área de Audiologia, mais especificamente na mensu-
64 Fonoaudiologia Prática

+
Amplitude


FIGURA 3.4 – Representação grá-
0,0005 0,001 0,0005 0,002 fica de uma onda senoidal (tom
Tempo (s) puro).

ração da acuidade auditiva, isto é, na determinação dos limiares


tonais do indivíduo, realizada com o uso de audiômetros calibra-
dos, segundo padrões internacionais (Fig. 3.4).

Onda complexa
Uma onda complexa pode ser definida como sendo qualquer
onda sonora composta de uma série de senóides simples que
podem diferir em amplitude, freqüência ou fase. A voz humana e
o som produzido por instrumentos musicais constituem alguns
exemplos de sons complexos, ou seja, constituídos por mais de
uma freqüência (Fig. 3.5).
“O grau de complexidade de uma onda sonora complexa
depende do número de ondas senoidais combinadas, bem como
dos valores dimensionais específicos de amplitude, freqüência e
fase dos componentes senoidais”. Este teorema foi primeiramen-
te proposto por um matemático francês que viveu na época de
Napoleão I, chamado JOSEPH FOURIER. A série de ondas senoidais
que combinadas formam a onda complexa é conhecida como
série de Fourier, em homenagem a este matemático. Desta série
deriva um processo denominado análise de Fourier que significa
que qualquer forma de onda complexa, pode ser decomposta ou

λ
Deslocamento (cm)

2
λ

1 5

0
0 5 10
λ

3
Distância (cm)

FIGURA 3.5 – Representação gráfica de uma onda complexa.


Noções Básicas sobre Acústica, Psicoacústica e Calibração 65

analisada para determinar as amplitudes, freqüências e fases das


ondas senoidais que a compõem.
Todas as ondas sonoras podem ser classificadas com relação
à presença ou ausência de periodicidade e ao grau de complexi-
dade da onda.

Onda periódica
Quando a onda sonora se repete a iguais intervalos de tempo
ela é conhecida como onda periódica, isto é, as características do
ciclo da onda são duplicadas exatamente nos demais ciclos.
De acordo com o teorema de Fourier, qualquer onda complexa
consiste de um número de ondas senoidais simples somadas.
Entretanto, para que uma onda complexa seja periódica, seus
componentes senoidais não podem ser selecionados ao acaso.
Ao invés disso, precisam obedecer a um requisito matemático
chamado de relação harmônica.
O termo relação harmônica quer dizer que as freqüências de
todas as senóides que compõem a série devem ser múltiplas integrais
(números inteiros) da freqüência senoidal de mais baixa freqüência da
série. Todas as senóides incluídas na série harmônica são chamadas
de harmônicos. Estes, por sua vez, são numerados, consecutiva-
mente, a partir da freqüência mais baixa da série – freqüência
fundamental (f0) conhecida como primeiro harmônico de f1, f2, f3....
até a mais alta, ou até o último componente da série harmônica.
Assim, para compreendermos melhor o conceito de timbre,
suponhamos agora que a nota musical lá, cuja freqüência predomi-
nante e fundamental é de 440 Hz, seja tocada em um instrumento
como o violão e, ao mesmo tempo, ao piano e no diapasão. Certa-
mente, ao ouvi-las, não teremos maiores dificuldades em diferenciá-
las, pois apesar de sabermos que se trata da mesma nota musical,
a quantidade e a qualidade dos harmônicos irão variar em função
das características físicas de cada fonte sonora (RUSSO, 1993).

Onda aperiódica
A principal característica distintiva das ondas periódicas com-
plexas é a sua regularidade no tempo ou periodicidade. Elas se
repetem indefinidamente. A onda aperiódica, contudo, é uma se-
gunda categoria de forma de onda e seu nome deriva exatamente
da falta de periodicidade. Assim, é muito difícil e quase impossível
prever a forma da onda num intervalo de tempo a partir do conhe-
cimento de suas características durante outro intervalo de tempo de
igual duração. O movimento vibratório de uma onda aperiódica é, ao
acaso, aleatório e, por esta razão, imprevisível.
As ondas aperiódicas são encontradas diariamente e exem-
plos familiares são os ruídos produzidos por aviões, automóveis,
cachoeiras e, até mesmo, alguns sons de fala, principalmente os
sons sibilantes são caracterizados por movimentos vibratórios
aleatórios, isto é, aperiódicos (RUSSO, 1993).
66 Fonoaudiologia Prática

Processos de medida da intensidade sonora


A intensidade de uma onda sonora pode ser medida através de
processos absolutos e relativos. Quando medimos o afastamento
da partícula material de sua posição de equilíbrio, medimos a sua
amplitude em metros ou centímetros. Também podemos fazê-lo
através da energia que atravessa uma área na unidade de tempo,
ou seja, em watt/m2 ou erg/cm2s. Finalmente, através da força
exercida pela partícula material sobre uma superfície na qual incide,
isto é, pela pressão efetiva, usando como unidades o Pascal, o
Newton/m2 ou dina/cm2. Os três processos são denominados
processos absolutos de medida da intensidade, pois fornecem
diretamente os valores através das respectivas unidades.
Quando usamos um processo de medida de intensidade
sonora, tomando um valor de referência que estabeleça uma
razão ou relação entre os valores de energia ou pressão, este é
denominado processo relativo de medida da intensidade.
Quando a pressão ou a energia sonora de um ruído decrescem,
nossa sensação auditiva também o faz, da mesma forma que
quando ambas aumentam, existe um aumento em nossa sensação
de intensidade sonora. Entretanto, intensidade sonora e auditiva
não variam linearmente. Podemos aumentar a pressão sonora de
um tom de 1.000 Hz um milhão de vezes a partir de 20 µPa até que
este seja incômodo aos nossos ouvidos.
A energia sonora é proporcional ao quadrado da pressão
sonora de forma a relação que para a pressão é de 1: 1.000.000,
para a energia é de 1:1.000.000.000.000 ou 1:10 12 para o mesmo
tom de 1.000 Hz, sendo a menor energia necessária para ser
ouvida da ordem de 10–16 watt/cm2 ou 10–12 watt/m2.
De acordo com a lei de Fechner-Weber, um indivíduo, ao
receber um estímulo (E), a sensação (S) não é proporcional ao
estímulo, mas diretamente proporcional a uma constante (K) multipli-
cada pelo logaritmo do estímulo, tomando por base um estímulo
preexistente (E ref), isto é, um valor de referência. Matematicamente:

S = K log E/E ref

Neste caso, se substituirmos o estímulo pela energia ou pela


pressão, podemos afirmar que a sensação produzida pelo som
não é diretamente proporcional à pressão ou à energia, mas a uma
constante multiplicada pelo logaritmo da pressão ou da energia,
tomando por base uma pressão ou uma energia de referência, que
são, respectivamente, 20 µPa e 10–12 watt/m2 ou 10–16 watt/cm2.
Os processos que tomam por base esta lei são chamados de
processos audiológicos ou relativos de medida da intensidade
sonora, ou seja, o nível de intensidade sonora (NIS) e o nível de
pressão sonora (NPS), cuja unidade de medida é o decibel, em
homenagem a Alexander Graham Bell, inventor do telefone. O Bel
era uma unidade usada para medições de perdas nas linhas
Noções Básicas sobre Acústica, Psicoacústica e Calibração 67

telefônicas, nos EUA, da qual derivou o decibel (dB), ou seja, a


décima parte do Bel, definido como uma raiz que nos diz em que
razão um valor é maior ou menor do que outro, sendo este último,
tomado como referência.

Nível de intensidade sonora (NIS) (sound


intensity level – SIL)
O decibel é uma unidade de medida ambígua, a menos que
a intensidade de referência seja especificada. Qualquer con-
fusão pode ser evitada se uma intensidade convencional de
referência for comparada a alguma intensidade absoluta e se
pudermos calcular a intensidade relativa. Quando a referência
for igual a 10–16watt/cm 2 ou 10 –2watt/m2, o resultado é ex-
presso em dB NIS.
Consideremos um som cuja intensidade sonora seja I. Cha-
ma-se nível de intensidade sonora (NIS) desse som o resultado
numérico da expressão:

NIS =10 log I


I0

onde I0 é igual ao menor valor de intensidade de energia


audível, isto é: 10–16 watt/cm 2, devendo ser especificado o resul-
tado em decibel NIS (dB NIS).
Sendo o decibel uma unidade relativa, a intensidade de energia
de referência deve ser sempre especificada, uma vez que se tal
referência for modificada o resultado será diferente. Sendo assim,
escreve-se da seguinte forma: NIS = 100 dB relativo a
10–16 watt/cm2 ou simplesmente, NIS = 100 dB re 10–16 watt/cm2.
A relação entre intensidade absoluta em watt/cm 2 e dB NIS é
mostrada na Tabela 3.1.

TABELA 3.1- Relação entre intensidade absoluta em watt/cm2 e dB


NIS.
dB NIS Intensidade absoluta
(re 10–16 watt/cm2) (watt/cm2)
0 10–16
10 10–15
20 10–14
30 10–13
40 10–12
50 10–11
60 10–10
70 10–9
80 10–8
90 10–7
100 10–6
110 10–5
120 10–4
68 Fonoaudiologia Prática

Nível de pressão sonora (NPS) (sound pressure


level – SPL)
O decibel é uma unidade relativa sendo, portanto, impres-
cindível especificarmos o valor tomado como referência. No
caso do nível de pressão sonora, o padrão de referência
equivale à menor pressão sonora audível, ou seja, 20 µPa que,
por sua vez, equivale à menor intensidade de energia audível:
10–16 watt/cm2.
Consideremos agora um som cuja pressão sonora seja P.
Chama-se nível de pressão sonora o resultado da expressão
numérica:
P
NPS = 20 log 
P0

onde P0 é igual ao menor valor de pressão sonora audível, isto é:


20 µPa, sendo o resultado especificado em decibel NPS (dB NPS).
A relação entre pressão sonora e dB NPS pode ser encontrada na
Tabela 3.2.

TABELA 3.2 – Relação entre pressão sonora e dB NPS.


dB NPS Pressão sonora
(re 20 µPa) (Pa)
0 20 µ
20 200 µ
40 0,002
60 0,02
80 0,2
100 2
120 20

Relação entre NPS e NIS


Operando com NIS e com o NPS, por não serem processos
lineares ou absolutos de medida da intensidade sonora, não
permitem, pois, adições ou subtrações comumente utilizadas. Ao
invés disto, é necessário o trabalho com logaritmos.
Quando a intensidade de energia é duplicada, o NIS aumenta
em 3 dB e quando a pressão sonora é duplicada, o NPS aumenta
em 6 dB. Para sabermos o porquê desta diferença de aumento
entre os dois processos relativos de medida da intensidade,
calculemos, primeiramente, o que acontece quando a intensidade
de energia é duplicada. Matematicamente:

I
NIS =10 log 
I0
Noções Básicas sobre Acústica, Psicoacústica e Calibração 69

Duplicando-se a intensidade de energia (2I), o NIS2 será:

NIS2 = 10 log 2I/I0


NIS2 = 10 log (2 x I/I 0) = 10 log 2 + 10 log I/I 0
ora: log 2 = 0,3 e 10 log I/I0 = NIS1
Portanto: NIS2 = 10 x 0,3 + 10 log I/I0
NIS2 = 3 dB + NIS 1

Portanto, ao duplicarmos a intensidade de energia, o NIS é


acrescido em 3 dB.
Vejamos agora o que acontece quando dobramos a pressão
sonora, calculando a variação no NPS:

P
NPS1 = 20 log 
P0

Ao duplicarmos a pressão (2P), o NPS2 será:

NPS2 = 20 log 2P/P0


NPS2 = 20 log (2 x P/P0) = 20 log 2 + 20 log P/P0
(log 2 = 0,3) NPS2 = 20 x 0,3 + 20 log P/P0
NPS2 = 6 dB + NPS1

Concluindo, ao duplicarmos a pressão sonora, o NPS aumen-


ta em 6 dB.

NOÇÕES BÁSICAS SOBRE ACÚSTICA FISIOLÓGICA

Psicoacústica
Durante toda a vida o homem recebe uma corrente contínua
de informações sonoras que são captadas por seus ouvidos,
classificadas e arquivadas na memória de seu cérebro. Desde o
batimento cardíaco no peito de nossas mães, a cantiga de ninar,
a música preferida, até um grito de socorro, a buzina de um carro,
o disparo de um canhão, a decolagem de um avião a jato... nada
escapa ao sensível ouvido humano, considerado como uma das
mais perfeitas obras de engenharia da qual somos dotados.
Dependendo do indivíduo, os sons podem provocar as mais
diversas reações físicas e emocionais: sustos, risos, lágrimas,
sensações de prazer ou desprazer, participação e segurança
vitais, as quais compartilhamos com os nossos semelhantes,
principalmente por intermédio da linguagem falada, adquirida
basicamente através da audição. Como se fosse um radar, nossa
audição estende-se em todas as direções e a grandes distâncias,
fornecendo-nos informações sobre a localização e a distância que
nos encontramos da fonte sonora, constituindo, assim, um meca-
nismo de defesa e alerta extremamente importante para nossa
70 Fonoaudiologia Prática

segurança vital. Centenas de milhares de sinais sonoros, cujo


fluxo não cessa nem mesmo quando dormimos, são captados por
nossos ouvidos que permanecem em constante vigília.
A Audiologia é a ciência da avaliação da audição e tem sua
base científica na Psicoacústica que, por sua vez, está relacio-
nada àquilo que ouvimos, descrevendo as relações existentes
entre nossas sensações auditivas e as propriedades físicas de um
estímulo sonoro, como por exemplo: sua freqüência, intensidade,
forma de onda, velocidade, etc. A Psicoacústica lida com os
atributos da sensação do indivíduo para freqüência (pitch), para a
intensidade (loudness) e, ainda, em relação a ruídos, sons musi-
cais, vozes humanas. Está relacionada à habilidade dos ouvintes
em distinguir diferenças entre os estímulos e não diretamente aos
mecanismos fisiológicos que servem de base para a detecção ou
diferenciação dos sons, mas a relatos dos ouvintes sobre tais
sons.
Os testes audiométricos subjetivos utilizados em Audiologia,
com o intuito de medir a acuidade auditiva do indivíduo, só foram
possíveis a partir das pesquisas psicoacústicas realizadas no final
do século passado por HELMHOLTZ, FECHNER e WEBER e, neste
século, principalmente na década de 30, por FLETCHER & MUNSON,
STEVENS & NEWMAN, DAVIS & GLORIG, SIVIAN e WHITE & BÉKÈSY,
cujos resultados são perfeitamente válidos nos dias de hoje.
A diferença básica entre a Audiologia e a Psicoacústica reside
na metodologia empregada. A Psicoacústica interessa-se por pe-
quenas diferenças e efeitos sutis, podendo submeter os pacientes
a inúmeros testes, horas a fio, para determinar a média dos resultados
obtidos para um grande número de indivíduos a fim de investigar
estes efeitos. A Audiologia, por outro lado, utiliza-se de testes
simples, de rápida aplicação a um indivíduo em particular, a fim de
determinar a natureza do distúrbio e o local da lesão na via auditiva.
A diferença de abordagem, contudo, não impede o intercâm-
bio de idéias entre as duas disciplinas, o que efetivamente
ocorreu, pois uma é a base da outra (RUSSO, 1993).

Aspectos psicoacústicos da percepção do som


Na percepção auditiva dos sons, em geral, desde puros ou
complexos, periódicos ou aperiódicos, o ouvido humano necessi-
ta de algumas informações básicas referentes a quatro aspectos:
“pitch” – sensação subjetiva de freqüência ; duração – tempo em
segundos da vibração sonora; “loudness” – sensação subjetiva
de intensidade; e timbre – qualidade fornecida pela combinação
harmônica do som, decorrente das características da fonte sonora
que o produziu (RUSSO, 1993).

Sensação de freqüência – “pitch”


A sensação de freqüência é um atributo da impressão auditiva
que mostra uma elevação ou diminuição na percepção da escala
Noções Básicas sobre Acústica, Psicoacústica e Calibração 71

musical e está sujeita, primeiramente, à altura, tonalidade das


ondas sonoras, ou seja, da sensação auditiva em termos de que
sons podem ser ordenados, variando de graves a agudos. A
sensação de freqüência está relacionada à taxa de repetição da
forma da onda de um som. Para um tom puro isto corresponde à
sua freqüência e para uma onda complexa periódica corresponde
à freqüência fundamental (MOORE, 1989). Uma vez que é um
atributo subjetivo, não pode ser medido diretamente, embora
tenha sido criada uma unidade denominada sone para medir a
sensação de freqüência.
Pesquisas têm mostrado que o ouvido humano é notavelmen-
te sensível às diferenças de freqüência, podendo detectar na faixa
de 20 a 20.000 Hz, mudanças de freqüência da ordem de 1% (o
intervalo entre uma nota musical branca e uma preta do piano é da
ordem de 6%), dando-nos cerca de 1.000 intervalos discrimináveis
nesta faixa (BOOTHROYD, 1986).

Duração
Os indivíduos diferem extraordinariamente nas suas habilida-
des para julgar intervalos de tempo em segundos, minutos ou dias.
A duração está relacionada à habilidade em detectarmos diferen-
ças nos estímulos sonoros em função do tempo. Podemos detec-
tar diferenças de cerca de 10 milionésimos de segundo de
intervalo de tempo entre os estímulos sonoros que atingem
nossas orelhas, graças à audição estereofônica. Com apenas um
ouvido podemos detectar mudanças temporais da ordem de 1
milionésimo de segundo, percebendo a ordem de dois eventos
sonoros distintos, separados por apenas 1/50 de segundo
(BOOTHROYD, 1986).
STEVENS & D AVIS revelaram que o ouvido humano muito
aguçado pode detectar uma diferença no tempo de duas notas
musicais da ordem de 0,01 segundos. Por outro lado, ouvidos
menos sensíveis podem requerer 0,10 ou 0,20 segundos para
perceberem a diferença.

Sensação de intensidade – “loudness”


É também uma impressão subjetiva relacionada à intensidade
de um som a partir de sua pressão, energia ou amplitude. Em
geral, podemos dizer que quanto maior a amplitude de um som
mais intensamente o ouvimos, embora não haja linearidade neste
processo e variações existam, dependendo da freqüência. Quan-
do a pressão sonora é reduzida, a sensação de intensidade
também decresce e, abaixo de certo nível de pressão, o som não
é mais ouvido. A menor pressão sonora capaz de impressionar o
ouvido humano é de 20µPa para um tom de 1.000 Hz e podemos
aumentá-la um trilhão de vezes até que atinjamos o limiar da dor.
A loudness é definida como sendo o atributo da sensação
auditiva em termos de quais sons podem ser ordenados em uma
72 Fonoaudiologia Prática

escala que varia de fraco a forte (MOORE, 1989). Nossa sensibili-


dade auditiva para mudanças na intensidade sonora é menos
precisa do que para as de freqüência. Precisamos de pelo menos
1 dB de intervalo para percebermos diferenças na intensidade, o
que corresponde a uma mudança de 10%, dando-nos na faixa
audível cerca de 100 intervalos discrimináveis entre o limiar de
audibilidade e o de desconforto (BOOTHROYD, 1986). A unidade de
medida da loudness é o fone, que equivale à sensação de
intensidade em dB produzida para um tom de 1.000 Hz, a partir
das curvas de igual audibilidade ou isofônicas, determinadas em
experiências realizadas por FLETCHER & MUNSON, ilustradas na
Figura 3.6.

140
Nível de pressão sonora (dB) Ref. 2.10 –5 N/m 2

130 130
120 120

110 110
100
90
80 80
70 70
60 60
50 50
40 40
30 30
20 20
Limiar da 10
10
Audibilidade
0 Fone

20m 30 40 60 80 100 200 300 400 600 800 1.000 2m 3 4 6 8 10 15


(C/S) (KC/S) Freqüência

FIGURA 3.6 – Curvas de igual audibilidade ou isofônicas (FLETCHER & MUNSON, 1933).

A fim de saber quantas vezes um som é mais audível do que


outro, foi decidido que o nível correspondente a 1 sone seria igual
a 40 fones, com base no conhecimento de que cada aumento ou
diminuição do nível de audibilidade de um som em 10 fones
corresponde ao dobro ou à metade da audibilidade, sendo possí-
vel, assim, determinar a associação entre essas duas unidades
(G ONZALEZ, 1980).

Timbre
Na natureza pode ser encontrada uma infinita série de
variedades na qualidade de um tom e, ainda é possível desco-
brir neles uma base fundamental e relativamente simples para
sua classificação e descrição. O que torna possível a distinção
entre a mesma nota musical executada em instrumentos dife-
rentes depende da qualidade e da quantidade de harmônicos
presentes na onda sonora complexa, modificados pela sensa-
ção de freqüência absoluta e pela intensidade total, é definido
Noções Básicas sobre Acústica, Psicoacústica e Calibração 73

como timbre. Sendo também uma impressão subjetiva, não


pode ser medido diretamente, e sabe-se que o timbre de um som
pode ser alterado por mudanças na intensidade e/ou no número
dos seus componentes harmônicos, ou seja, alterações no
modelo sonoro. O timbre está diretamente relacionado à nossa
habilidade de analisar freqüências e depende das várias combi-
nações de freqüências e intensidades no modelo físico da
estimulação acústica (D AVIS, 1970).

Faixa de audição humana


O ouvido humano não é igualmente sensível para todas as
freqüências e vários experimentos psicoacústicos foram reali-
zados com o intuito de esclarecer as relações existentes entre
as alterações nas propriedades físicas das vibrações sonoras
e as correspondentes alterações subjetivas na sensação audi-
tiva.
Teoricamente existem ondas sonoras de qualquer freqüência.
Entretanto, o ouvido humano é sensível somente aos sons cuja
faixa de freqüências situa-se entre 20 e 20.000 Hz, denominada
faixa audível. Ondas sonoras situadas abaixo de 20 Hz são
chamadas de infra-som e acima de 20.000 Hz de ultra-som. A
faixa de freqüências audíveis difere para alguns animais, tais
como: gatos = 10 Hz a 60 kHz; cães = 15 Hz a 50 kHz; morcegos
= 10 kHz a 120 kHz; golfinhos = 10 kHz a 240 kHz (OKUNO,
CALDAS, CHOW, 1982).
Nestes experimentos foi determinada a faixa de audição hu-
mana, que compreendia a área de freqüências de 20 a 20.000 Hz,
incluindo o limiar mínimo de detecção ou audibilidade, isto é, a mais
fraca intensidade sonora capaz de impressionar o ouvido humano
para um tom puro, em 50% das vezes em que o estímulo sonoro é
apresentado, tomando por base a freqüência de 1.000 Hz e a
pressão sonora de referência de 20 µPa.
Este valor de pressão determinou o estabelecimento do
0 dB NA (nível de audição). O procedimento foi empregado para
as demais freqüências e foi construído um gráfico onde, na
abscissa, eram dispostas as freqüências, e na ordenada, os
valores de pressão sonora. Neste mesmo gráfico foram, também,
registrados os limiares de desconforto que, para um tom de 1.000
Hz encontra-se a 120 dB e dor a 140 dB.

Determinação do nível de audição


A área de audibilidade, ou o nível de audição, foi determina-
da para um grupo de indivíduos otologicamente normais, com
idades variando entre 18 e 25 anos, inicialmente para tons puros
apresentados em campo livre e, posteriormente, com o uso de
fones, no Laboratório Nacional de Física, na Inglaterra. Os
mesmos testes foram, também, realizados nos Laboratórios
Telefônicos Bel nos EUA.
74 Fonoaudiologia Prática

Pascal dB (NPS)

Dor
200 140
Intolerância
Desconforto
20 120

2 100
Área dos sons audíveis
Sons audíveis
0,2 80
Sons inaudíveis
0,02 60
Área da fala
0,002 40

200µ 20
Zonas de limiar
20µ 0

62,5 125 250 500 1k 2k 4k 8k 16k 20k Hz

FIGURA 3.7 – Campo dinâmico de audição.

Na Figura 3.7 podemos observar várias linhas; a linha


contínua representa a mediana da população (50%) e as
tracejadas representam o restante desta, criando-se, portanto,
uma zona de limiares de audibilidade, ao invés de uma única
linha marcando o limiar mínimo para tons puros. Observa-se,
também, que a área da fala concentra energia na faixa de
freqüências entre 400 e 4.000 Hz, embora inclua freqüências
mais baixas (área da freqüência fundamental) e mais altas
(formantes de várias consoantes), iniciando, portanto, em torno
de 100 Hz e indo até aproximadamente 8.000 Hz, com intensi-
dades variando de 40 a 65 dB NA.
O audiômetro de tons puros foi projetado como um instru-
mento eletrônico calibrado de tal forma que a leitura zero para
cada freqüência correspondesse a um nível de audição médio
para jovens adultos normais. Os valores de nível de pressão
sonora eram, pois, diferentes para cada freqüência e a audiome-
tria tonal mediria, por sua vez, o número de dB em que o limiar do
indivíduo se situasse com relação a cada valor médio. O resultado
era anotado em um gráfico que horizontalizou os limiares de
audibilidade – o audiograma.
Níveis de audição positivos representariam a pressão
adicional necessária para ser ouvida por ouvidos menos
sensíveis do que a média da população e foram colocados
para baixo para expressar a idéia de redução na sensibilidade
auditiva, ao contrário dos gráficos físicos. No audiograma, as
freqüências variam de 125 a 8.000 Hz em intensidades que
vão desde –10 dB a 120 dB NA.
A razão de existirem valores negativos (–5 e –10 dB NA)
justificou-se pelo fato de existirem indivíduos que ouviram valores de
pressão sonora inferiores ao valor de referência, ou seja, 20 µPa,
sendo sua audição considerada como acima do normal.
Noções Básicas sobre Acústica, Psicoacústica e Calibração 75

Se levarmos em consideração a variação individual encontra-


remos o nível de sensação, ou seja, o zero audiométrico de cada
indivíduo; é um valor subjetivo e depende do nível de audição
individual. Se, por exemplo, imaginarmos três indivíduos com
níveis de audição médios de 20, 40 e 60 dB expostos a um som
de 100 dB NA, seus respectivos níveis de sensação serão 80, 60
e 40 dB NS, isto é, a diferença entre o seu nível de audição e o
estímulo sonoro apresentado (SANTOS & RUSSO, 1993).

A IMPORTÂNCIA DA CALIBRAÇÃO
Por que calibrar?
A calibração é um processo que visa controlar as características
de freqüência, intensidade e tempo e verificar o funcionamento dos
equipamentos utilizados em Audiologia. Ela é necessária para
assegurar que um audiômetro produza um tom puro em um nível e
freqüência específicos e que este sinal esteja presente somente no
transdutor ao qual foi direcionado, estando livre de distorção ou
interferência de ruído indesejável (WILBER, 1994).
Equipamentos calibrados com a freqüência exigida podem
contribuir para aumentar a confiabilidade do fonoaudiólogo nos
resultados dos testes audiométricos realizados, uma vez que a
calibração periódica determina se o equipamento está de acordo
com os padrões apropriados para cada um dos instrumentos ou se
sofreram alterações com o tempo de uso.

Equipamento para a calibração


O equipamento básico para calibração dos níveis de saída
incluem: um voltímetro, um microfone de condensador (pressão e
campo livre), um acoplador de 6 ml (NBS-9A para a ANSI e 318
para a IEC), um peso de 500 g, um acoplador mecânico para
mensuração do vibrador ósseo (mastóide artificial), um medidor
de nível sonoro ou analisador de espectro. O processo de calibração
eletroacústica deve ser realizado por um técnico habilitado pelo
próprio fabricante do equipamento.

Processo de calibração
O primeiro passo para aprender como verificar o funciona-
mento e calibrar o equipamento é a leitura do manual de instru-
ções que o acompanha. Algumas vezes os resultados dos testes
por si mesmos revelam a necessidade de calibração do instru-
mento. É preferível assumir que o problema é do equipamento
antes de atribuí-lo ao paciente sob teste.
Inicialmente, é recomendável que o fonoaudiólogo faça a
calibração biológica do audiômetro, verificando com o uso de seu
próprio ouvido, a saída do sinal acústico nos diferentes transduto-
res: fones, alto-falantes e vibrador ósseo.
76 Fonoaudiologia Prática

Não é necessário ser portador de um ouvido especial ou


absoluto para fazê-lo, pois com um pouco de prática qualquer
profissional pode ouvir falhas básicas no instrumento. A seguir,
deve ser feita a inspeção do audiômetro a fim de verificar possíveis
fontes de mau funcionamento, tais como: plugs e tomadas; fios
enrolados ou partidos dos fones e vibrador ósseo; botões e
interruptores quebrados ou fora de alinhamento; cliques mecâni-
cos audíveis através dos fones, quando os atenuadores ou
osciladores são manipulados.
Geralmente, há duas abordagens para a calibração dos fones
do audiômetro. Uma é a biológica, que utiliza o ouvido humano
como referência e a outra a artificial ou eletroacústica, feita no
acoplador de 6 ml.
A calibração biológica é feita quando 10 indivíduos otolo-
gicamente normais de 18 a 25 anos de idade são submetidos, no
mínimo mensalmente, à audiometria tonal para verificar se a média
de sua audição está em 0 dB para cada freqüência, obedecendo a
referência de limiares proposta pela norma ANSI S3.6–1989. Embo-
ra seja possível de ser realizada, a calibração biológica não é
considerada tecnicamente correta por referir-se a um nível de
audição arbitrariamente aceito por normas de padronização, sendo
preferível a calibração eletroacústica dos fones do audiômetro,
através do uso do acoplador de 6 ml, também chamado de “ouvido
artificial”.
A calibração eletroacústica consiste no uso de um microfo-
ne de condensador ligado a um acoplador de 6 ml, volume
semelhante ao do ouvido humano quando o fone está colocado
(CORLISS & BURKHARD, 1953).
O fone é colocado no acoplador e sobre ele é depositado
um peso de 500 g. A seguir é gerado no fone um tom de baixa
freqüência (125 ou 250 Hz) até que a intensidade mais elevada
seja atingida. A saída é registrada em voltagem e depois
transformada em dB (re 20 µPa) e comparada com os valores
de NPS esperados para cada freqüência, segundo os padrões
ISO 7566 – 1987, antiga ISO- 1964 ou ANSI S3.6 – 1989.
Diferenças de até 15 dB devem ser levadas em consideração
através do uso de um cartão de correção que mostra a discre-
pância entre a saída do audiômetro e os padrões de calibração.
Quando tais diferenças excederem os 15 dB em qualquer
freqüência ou 10 dB em três ou mais freqüências, o audiômetro
deve ser calibrado pelo próprio fabricante (WILBER , 1994).
Para a calibração do vibrador ósseo é empregada uma mastóide
artificial, pressupondo que os limiares para as vias aérea e óssea
são equivalentes. Neste procedimento também são avaliados os
parâmetros de intensidade, freqüência e tempo, mas a ênfase é
dada à obtenção dos níveis de distorção do vibrador ósseo nas
várias freqüências. O padrão ANSI S3.43 – 1992 fornece os valores
apropriados para o vibrador ósseo do tipo B-71 usado com uma
haste P-3333, atualmente em uso (WILBER, 1994).
Noções Básicas sobre Acústica, Psicoacústica e Calibração 77

Padrões de calibração para audiômetros e


cabinas acústicas
FOWLER e WEGEL, em 1922, descreveram o primeiro audiômetro
eletrônico produzido comercialmente nos EUA: o modelo “Western
Electric 1A”, que gerava oitavas de freqüências entre 32 e 16.384 Hz
e possuía um atenuador logarítmico. Este modelo de audiômetro foi
substituído pelo “Western Electric 2A”, mais econômico, criado nos
Laboratórios Telefônicos Bell, abrangendo a faixa de freqüências de
64 a 8.192 Hz (OLSEN, 1991).
Quando os audiômetros foram introduzidos no mercado, cada
indústria fabricava o modelo cujas especificações audiométricas
mais se adequassem aos julgamentos de seus engenheiros e
consultores. Tal situação, contudo, levou à incerteza e confusão
quanto aos valores a serem tomados como referência na escala
de intensidade para especificar a normalidade auditiva, ou seja, o
0 dB nível de audição.
Em 1951, a American Standards Association (ASA) determi-
nou experimentalmente para cada freqüência os valores de pres-
são sonora que correspondessem aos limiares de audibilidade
normais, empregando fones do tipo WE 705 A. Foram, então,
selecionados 85 jovens adultos, todos funcionários dos Laborató-
rios Bell, sem qualquer passado otológico, os quais foram subme-
tidos aos testes audiométricos que fixaram para o zero dB os
valores de pressão sonora constantes na Tabela 3.3.

TABELA 3.3 – Valores obtidos para o zero dB audiométrico, se-


gundo o padrão ASA – 51.
Freqüência (Hz) 125 250 500 1.000 2.000 3.000 4.000 6.000 8.000
NPS (dB) 54,5 39,5 25,0 16,5 17,0 16,0 15,0 17,5 21,0

A fixação destes valores, contudo, não foi considerada defini-


tiva e os estudos prosseguiram até que, em 1964, a International
Standards Organization (ISO), composta por representantes de
vários países, propôs novos valores para o nível de referência
zero do audiômetro, levando em conta o tipo de fone empregado,
o coxim no qual o fone está embutido e o equipamento usado na
calibração, denominado de “ouvido artificial” (modelo NBS 9A).
Como os valores entre os dois padrões diferiram, para converter-
se os valores de perdas auditivas obtidas no padrão ASA – 51 para
o padrão ISO – 64 bastava adicionar para cada freqüência os
valores encontrados na Tabela 3.4.

TABELA 3.4 – Valores de conversão do padrão ASA – 51


para ISO – 64.
Freqüência (Hz) 125 250 500 1.000 2.000 3.000 4.000 6.000 8.000
Diferença (dB) 9 15 10 10 8,5 8,5 6 9,5 11,5
78 Fonoaudiologia Prática

TABELA 3.5 – Valores obtidos para o zero dB audiométrico nos


padrões de calibração ASA – 51, ISO – 64 e ANSI – 69.
Freqüência (Hz) 125 250 500 1.000 2.000 4.000 8.000
ASA – 51 (dB) 51,8 39,5 24,1 17,2 18,0 14,3 26,8
ISO – 64 (dB) 42,8 24,5 10,1 7,2 9,5 8,3 15,3
ANSI – 69 (dB) 45,0 25,5 11,5 7,0 9,0 9,5 13,0

Em 1969, a antiga ASA, denominada American National


Standards Institute (ANSI), realizou novo experimento com o uso
do fone modelo TDH – 39, embutido no coxim MX 41/AR, medido
no ouvido artificial NBS – 9A, fixando novos valores para o nível
zero de referência para audiômetros em sua norma regula-
mentadora ANSI S3.6 – 1969. Entretanto, estes valores pratica-
mente coincidiram com aqueles obtidos no padrão ISO – 64,
variando menos de 5 dB, vigorando até o presente e podem ser
encontrados na Tabela 3.5.
As normas ANSI S3.6 – 1989, IEC 1988 e ISO 7566 – 1987 são
as que atualmente regem a calibração dos parâmetros acústicos
dos fones dos audiômetros utilizados no processo de avaliação
audiológica.
A Tabela 3.6 mostra os níveis de pressão sonora que deverão
constar na calibração dos fones TDH 49 e TELEX 1470 dos
audiômetros, segundo a norma ANSI S3.6 – 1989, usando o
acoplador NBS-9A.
Portanto, ao se anotar no audiograma os níveis de audição de
um indivíduo é importante especificar o padrão de calibração ao
qual o audiômetro foi submetido, uma vez que os valores de
referência para o zero dB diferem de padrão para padrão.
O audiograma, por sua vez, permite o registro dos limiares de
audibilidade do indivíduo, e suas especificações básicas são
recomendadas pela American Speech Hearing and Association
(ASHA – 1974 e 1988) e adotadas pela ANSI S3.21 – 1978 e R –
1986. Estas recomendações se referem à construção do gráfico,

T ABELA 3.6 – American National Standards Institute


(ANSI S3.6 – 1989).
Freqüência (Hz) Nível de pressão sonora (dB)

TDH 49 TELEX 1470
125 47,5 47,0
250 26,5 27,5
500 13,5 13,0
1.000 7,5 6,5
2.000 11,0 8,0
3.000 9,5 7,5
4.000 10,5 9,0
6.000 13,5 17,5
8.000 13,0 17,5
Noções Básicas sobre Acústica, Psicoacústica e Calibração 79

TABELA 3.7 – Valores permitidos para o vibrador ósseo do tipo


B-71 usado em haste P-3333, acoplado na mastóide
(ANSI S3.43 – 1992).
Freqüência (Hz) 250 500 1.000 2.000 3.000 4.000
NPS (dB) 41,0 29,0 19,0 12,5 8,0 11,0

mantendo as freqüências (Hz) na abscissa em escala logarítmica,


enquanto o nível de audição (dB NA) deve estar na ordenada,
expresso linearmente. Além disso, a ASHA recomenda que uma
divisão de uma oitava na escala de freqüência seja equivalente a
20 dB na escala do nível de audição em dB (JACOBSON &
NORTHERN, 1991).
O padrão ANSI S3.43 – 1992 fornece os valores em nível de
pressão sonora apropriados para o vibrador ósseo do tipo B-71
usado com uma haste P-3333, empregados atualmente, confor-
me mostra a Tabela 3.7.
A determinação dos limiares de audibilidade ou do nível de
audição do indivíduos deve ser feita em local apropriado, isto é,
em uma cabina acústica. Esta deverá ter paredes constituídas de
várias camadas de material isolante a fim de impedir a entrada de
som para o seu interior e absorvente, para dissipar as ondas
sonoras em sua estrutura. Contudo, não poderá ser totalmente à
prova de som, uma vez que o indivíduo examinado poderá ouvir
ruídos provenientes de seu próprio organismo, distraindo sua
atenção dos estímulos sonoros utilizados na audiometria tonal.
Desta forma, é recomendável que exista um nível de ruído para
mascarar estes sons, específico para cada freqüência ou banda
de oitava, obedecendo a norma ANSI S3.1 – 1991. Estes valores
foram obtidos tanto para fones quanto para alto-falantes empre-
gados nos testes em campo livre e podem ser observados na
Tabela 3.8.
A cabina acústica deverá estar situada no local menos exposto
a ruídos, longe de ruas movimentadas, elevadores, ventiladores,

TABELA 3.8 – Nível máximo permissível de ruído ambiental no


interior de cabinas acústicas (ANSI S3.1 – 1991).
Bandas de oitavas Nível de pressão sonora (dB)

(Hz) Fones Alto-falantes
125 34,5 28,0
250 22,5 18,5
500 19,5 14,5
1.000 26,5 14,0
2.000 28,5 8,5
3.000 34,5
4.000 37,0 9,0
6.000 36,0
8.000 43,5 20,5
80 Fonoaudiologia Prática

etc. Deve possuir uma janela de observação, contendo três vidros,


se possível, unidirecionais e será fechada através de porta dupla ou
bastante espessa que utilize trinco do tipo usado para portas de
frigoríficos. Seu tamanho poderá variar de 1x1, 2x2, 2x1, etc., de
acordo com as limitações de espaço físico disponível no local de sua
construção. Entretanto, para a realização de audiometria tonal com
o uso de alto-falantes ou caixas acústicas, simulando a situação de
campo livre, o indivíduo testado deverá estar sentado a uma
distância de pelo menos um metro destas (HODGSON, 1980).

Calibração dos analisadores de orelha média


(imitanciômetros)
O padrão empregado na obtenção das medidas da imitância
acústica é o ANSI S3.39 – 1987, que descreve quatro tipos de
unidades para mensuração, listados simplesmente como tipos 1,
2, 3 e 4. Os requerimentos mínimos são: tom de sonda de pelo
menos 256 Hz, um sistema pneumático (manual ou automático),
um modo de medir a imitância acústica estática, a timpanometria
e o reflexo acústico. Assim, para verificar um imitanciômetro é
necessário um analisador de freqüência para determinar o(s)
tom(s) de sonda, cuja precisão deve situar-se entre ±3% do valor
nominal. A distorção harmônica não deverá exceder a 5% da
fundamental quando medida em um acoplador de 2 ml. O tom de
sonda não poderá exceder a 90 dB no acoplador. Isto é feito,
conectando-se a sonda do equipamento às cavidades de teste e
verificando a precisão da saída em temperaturas específicas e
pressões barométricas ambientais, descritas por LILLY (1984). A
pressão de ar pode ser medida conectando-se a sonda a um
manômetro ou tubo “U” e determinando-se o deslocamento em
deca-Pascals (daPa), que não deve diferir do que está no equipa-
mento: +200 daPa em mais de ±10 daPa ou ±15% da leitura. O
padrão determina que a medida da pressão de ar deve ser
realizada em cavidades de 0,5 a 2cm3 (WILBER, 1994).
O sistema de elicitação do reflexo acústico contralateral pode
ser medido no acoplador NBS-9A e o do ipsilateral no acoplador
do tipo HA-1. As tolerâncias para freqüência, intensidade e
distorção harmônica deverão ser as mesmas esperadas para os
fones dos audiômetros, ou seja, ±3% do valor esperado para
freqüência e distorção harmônica e 5% ou menos para o transdu-
tor da sonda. O NPS dos ativadores tonais deve estar entre ± 3 dB
do valor declarado para as freqüências de 250 a 4.000 Hz e ±5 dB
para freqüências de 6.000 e 8.000 Hz e para ruído (WILBER, 1994).
Os imitanciômetros ou analisadores de orelha média vêm acom-
panhados de uma cavidade metálica de calibração que deve ser
utilizada semanalmente, ou diariamente, a fim de assegurar o fun-
cionamento adequado do equipamento. Novamente, é imprescindí-
vel que o audiologista leia o manual do fabricante com atenção antes
de manipular o equipamento. Isto poderá evitar erros desnecessários
Noções Básicas sobre Acústica, Psicoacústica e Calibração 81

na obtenção dos resultados dos testes e poderá fazer com que o


instrumento possa funcionar bem por um maior período de tempo.

SUMÁRIO
Este capítulo procurou fornecer as noções básicas da Acústi-
ca Física e da Psicoacústica e sua importância para a Audiologia,
uma vez que constituem a pedra fundamental sobre a qual esta
ciência foi edificada. Aspectos acústicos da onda sonora, tais
como: suas características, atributos físicos mensuráveis, bem
como aspectos psicoacústicos da percepção auditiva e a determi-
nação do nível de audição foram aqui enfatizados.
Finalmente, o capítulo ressaltou a responsabilidade do audiolo-
gista na verificação da saída do equipamento de teste usado na
avaliação audiológica. Mesmo que alguns dos problemas possam
ser detectados por ouvidos humanos treinados e mais sensíveis,
isto não é suficiente para garantir a precisão necessária para
assegurar o funcionamento adequado dos instrumentos. Desse
modo, verificações eletroacústicas periódicas são imprescindíveis
uma vez que os resultados obtidos nos testes espelham, dentre
outros, o funcionamento dos equipamentos utilizados na avaliação
audiológica rotineira.

Leitura recomendada
AMERICAN STANDARDS ASSOCIATION – American standards
specification for audiometers for general diagnostic purposes: ASHA
Z, 24:5, 1951.
AMERICAN NATIONAL STANDARDS INSTITUTE – Specification for
audiometers. ANSI, S3:6, New York, 1969.
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audiometric evaluation. Guidelines for audiometric symbols. Rockville,
ASHA, 17(5):260-264, 1974.
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e R-1986.
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instruments to measure aural acoustic impedance and admittance –
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AMERICAN SPEECH-LANGUAGE-HEARING ASSOCIATION –
Commitee on audiometric evaluation. Guidelines for audiometric
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permissible ambient noise for audiometric testing – ANSI, S3:1, New
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zero for the calibration of pure-tone bone-conduction audiometers.
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82 Fonoaudiologia Prática

BOOTHROYD, A. – Speech Acoustics and Perception. The Pro-Ed


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CORLISS, E.L.R. & BURKHARD, M.D. – A probe tube method for the
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Testes Básicos de Avaliação Auditiva 83

4
Testes Básicos de Avaliação
Auditiva

Maria do Carmo Redondo


Otacilio de C. Lopes Filho

Neste capítulo serão abordados os testes básicos de avalia-


ção auditiva em adultos. Estes consistem no uso dos diapasões,
na determinação dos limiares por via aérea e por via óssea,
limiar de recepção da fala e índice de reconhecimento de fala
(discriminação auditiva). A execução desta rotina básica de
testagem, em conjunto com a imitanciometria, permite avaliar
quantitativa e qualitativamente a audição, decidir sobre a neces-
sidade de exames complementares e estabelecer condutas
clínicas ou cirúrgicas.

DIAPASÕES
O exame audiométrico deve ser sempre precedido por uma
detalhada avaliação “acumétrica” pelo otorrinolaringologista, uti-
lizando-se dos diapasões. Cabe ao especialista a avaliação
prévia, de modo a ter uma idéia a respeito da audição de seu
paciente, qual o grau de perda (leve, moderada ou severa) e qual
tipo de perda (sensorioneural ou condutiva). Poderia parecer
extemporâneo recomendar o emprego destes testes numa época
em que dispomos de testes sofisticados como a audiometria tonal,
a audiometria de respostas evocadas (audiometria de tronco
cerebral, eletrococleografia) e mesmo a imitanciometria. No en-
tanto, há ainda um grande número de otorrinolaringologistas que
não dispõe de um audiômetro em seu consultório, ou mesmo em
84 Fonoaudiologia Prática

serviços ambulatoriais, e nestes casos o uso do diapasão torna-


se fundamental para uma suspeita diagnóstica. Parece ter sido
BEZOLD, que em 1898, mandou construir os primeiros diapasões,
procurando estabelecer as perdas auditivas de seus pacientes.
Outros relatos do emprego de diapasões são encontrados com a
descrição de WEBER , posteriormente R INNE e mais tarde
SCHWABACH.
O diapasão oferece uma avaliação qualitativa da audição,
podendo dar apenas uma idéia grosseira a respeito de sua
quantidade, mas oferece uma certa segurança na determinação,
do tipo de perda (se é sensorioneural ou condutiva). Nem sempre
será possível determinar pelo diapasão se é mista e, quando
sensorioneural, se é coclear ou retrococlear. Além disso, pode-se
observar o fenômeno da diplacusia, uma vez que o paciente
escutará o mesmo diapasão de forma diferente nas duas orelhas
e também o recrutamento, quando se compara a audição binaural
na apresentação de sons de forte e média intensidade.
O emprego do diapasão oferece muita segurança ao examina-
dor, pois ele não sofre alterações como o audiômetro que, por ser
eletrônico, pode ter sua sensibilidade alterada, descalibrando-se.
Com o diapasão, o otorrinolaringologista poderá ter uma idéia do
gráfico audiométrico de seu paciente. Caso a audiometria não cor-
responda às suas expectativas deverá ser refeita, pois erros serão
mais freqüentes no exame audiométrico que com os diapasões.
Pode-se comparar a audição por via aérea e via óssea do
examinador e do paciente, saber qual orelha do paciente tem melhor
audição, se a deficiência, quando apresentada, é sensorioneural ou
condutiva e se a orelha boa do paciente é realmente normal (pois
será comparada à do examinador – que se supõe ser normal).
Utilizam-se os diapasões de 512 e 1.024 Hz que são mais
seguros, pois, sendo de freqüência mais alta não apresentam a
possibilidade do paciente confundir a sensação de som com a

FIGURA 4.1 – Diapasão.


Testes Básicos de Avaliação Auditiva 85

sensação vibratória, o que ocorre com os diapasões de freqüência


mais baixa. O de 256 Hz é empregado mais raramente e sempre
com cuidado, podendo ser utilizado para verificar a audição do
paciente pela via aérea. Estes testes devem ser realizados em
ambiente de consultório, em que se supõe que o ruído de fundo seja
pouco intenso. Se feito em local muito ruidoso ou mesmo em local
anecóico (como numa sala acústica), seus resultados poderão
confundir o examinador. O diapasão de 2.048 Hz é empregado
apenas para a via aérea e tem o objetivo de determinar se o paciente
ouve melhor os sons graves ou agudos, quando comparado com o
de 256 Hz. Se houver necessidade de escolher apenas um diapa-
são, deve-se escolher o de 512 Hz, porque é menos influenciado
pelo ruído ambiente. Basicamente, empregam-se os seguintes
testes de modo rotineiro: Weber, Rinne, Schwabach e Friedreich.
Existem inúmeros outros testes que podem ser feitos com o diapa-
são, mas que hoje perderam a importância (como os de Bing, Gellé,
Bonnier, Runge, etc.). Quando houver necessidade de se escolher
apenas dois testes, deve-se dar preferência ao Weber e ao Rinne.

Teste de Weber
Neste teste verifica-se em que orelha o paciente escuta melhor
o diapasão quando encostado na fronte (ou na região da raiz do nariz
ou junto aos dentes incisivos). Antes de fazer este teste, deve-se
verificar em que orelha ele tem melhor audição pela via aérea.
Nos casos em que a audição é normal ou existe perda igual em
ambas as orelhas, ele dirá que escuta apenas no local em que o
diapasão foi colocado (na fronte); diz-se que o Weber foi central.
Quando o paciente escuta melhor o diapasão na mesma
orelha em que tem melhor audição, diz-se que o Weber lateraliza
para o lado melhor e é característico de lesão sensorioneural no
lado comprometido. Se, no entanto, o Weber lateralizar para o
lado em que o paciente escuta pior, diz-se que a perda de audição
na orelha comprometida é de condução.

Orelha pior Orelha melhor


Tom referido à Tom referido à
orelha pior orelha melhor
indica dano indica dano
condutivo perceptivo

FIGURA 4.2 – Teste de Weber.


(Apud CIBA Symposium.)
86 Fonoaudiologia Prática

Teste de Rinne
O teste de Rinne permite comparar a audição pela via aérea
e pela via óssea de uma orelha. O diapasão (em indivíduos com
audição normal) pode ser ouvido pela via aérea pelo dobro do
tempo em que é ouvido pela via óssea. O diapasão é colocado
a vibrar (cada especialista tem sua maneira para isto) e é posto
pela sua base na região retroauricular, na parte mais saliente da
mastóide (via óssea) e em seguida seus arcos são colocados
defronte ao meato acústico externo a mais ou menos 2 cm deste
(via aérea), evitando-se tocar a pele do paciente. Os arcos do
diapasão não devem estar paralelos ao plano do pavilhão da
orelha e sim perpendicular a ele. Quando apresentado parale-
lamente ao pavilhão, pequenos movimentos de lateralidade
podem determinar o aparecimento de uma “zona muda” em que
nenhum som é ouvido (experimente em sua orelha, movendo os
arcos do diapasão quando colocados paralelamente ao pavi-
lhão auditivo).
Quando o paciente escuta mais forte pela via aérea do que
pela via óssea, diz-se que o Rinne é positivo, se o paciente escuta
apenas pela via aérea diz-se que é positivo patológico. O Rinne
positivo costuma ser compatível com audição normal ou com
perdas sensorioneurais moderadas e o Rinne positivo patológico
com perdas mais severas.
Quando o paciente escuta melhor pela via óssea do que pela
aérea, diz-se que o Rinne é negativo. Eventualmente o paciente
poderá ouvir apenas pela via óssea, o que caracteriza o Rinne
negativo patológico. Esta eventualidade deve ser analisada com

Estágio 1 Estágio 2

Tom ouvido mais tempo pela via aérea = Rinne positivo: indica perda perceptiva
Tom ouvido mais tempo pela via óssea = Rinne negativo: indica perda condutiva

FIGURA 4.3 – Teste de Rinne. (Apud CIBA Symposium.)


Testes Básicos de Avaliação Auditiva 87

cuidado, pois o paciente poderá estar escutando pela orelha


oposta (audição contralateral). Nestes casos, deve-se verificar
como foi a resposta ao teste de Weber. No caso de um paciente
apresentar um teste de Rinne negativo patológico (por exemplo,
escuta apenas por via óssea na orelha esquerda) e o Weber
lateralizar para a orelha melhor (orelha direita), pode-se com alto
grau de certeza afirmar que naquela orelha (esquerda) não existe
audição e que a resposta ao teste de Rinne foi lateralizada para
a orelha melhor.
Deste modo, a associação dos testes de Weber e Rinne são
importantes para o diagnóstico correto.
O encontro de Rinne negativo é característico de perdas
auditivas de condução ou mistas. Volta-se a insistir que o Rinne
negativo unilateral deverá ser interpretado juntamente com o
resultado do teste de Weber. Outra possibilidade é a do paciente
escutar de maneira igual quer seja na mastóide, via óssea, ou
orelha, via aérea, e diz-se que o Rinne foi igual. Isto pode suceder
em pacientes com lesões mistas ou quando o gap aéreo-ósseo é
menor que 15 ou 20 dB NA.

Teste de Schwabach
O teste é realizado colocando-se a base do diapasão sobre a
mastóide do paciente e do examinador de modo alternado.
Poderá ocorrer que o paciente escute o diapasão por um tempo
menor que o examinador (o que caracteriza o Schwabach encur-
tado) ou que o examinador escute-o por um tempo menor que o
paciente (Schwabach prolongado).
Este teste permite comparar a audição pela via óssea do
examinador com a do paciente. Considerando-se que o examina-
dor tenha audição normal, diz-se que o Schwabach é prolongado
quando a audição pela via óssea do paciente for mais prolongada
que a do examinador, e nestes casos será interpretado como
perda de audição condutiva. Quando for percebido por um tempo
menor (Schwabach encurtado) será interpretado como sendo
uma perda sensorioneural. Quando igual para ambos diz-se que
sua audição é normal ou muito próxima do normal.

Teste de Friedreich
Este teste permite confirmar se o paciente tem uma perda
predominantemente sensorioneural ou condutiva. O diapasão é
colocado (por sua base) inicialmente na mastóide e em seguida
sobre o trago, comprimindo-o sobre a abertura do meato acústico
externo de modo a fazer deste um tubo fechado. Isto fará com que
o som seja amplificado pela camada aérea da orelha externa. Em
pacientes sem deficiência de audição ou perdas sensorioneurais,
o diapasão será melhor escutado quando for colocado nesta
última posição e, quando a perda for condutiva, será mais audível
88 Fonoaudiologia Prática

na mastóide. Em perdas mistas, a tendência dos pacientes será


de escutar por igual em ambas as situações.

Mascaramento
Em certas situações, pode se tornar necessário o emprego de
um ruído mascarante na orelha oposta à que estamos testando
com os diapasões. Durante muitos anos utilizou-se o mascarador
de Barany, que hoje não está mais disponível no mercado.
Qualquer tipo de ruído feito próximo à orelha a ser mascarada
poderá ser eficiente. Recomenda-se que seja feito ruído próximo
à orelha com um pedaço de papel celofane ou de cigarros. Não se
deve tentar mascarar a orelha oposta colocando as mãos como
uma concha com o objetivo de vedar a orelha. Esta manobra
poderá favorecer a transmissão pela via óssea e confundir ainda
mais o exame. Neste mesmo capítulo será tratado o assunto do
mascaramento na audiometria tonal e justificados com maior rigor
as suas necessidades e cuidados.
Embora a grande maioria dos pacientes responda com bas-
tante precisão aos testes com diapasão, sempre haverá um grupo
de pacientes “difíceis” e com os quais não serão obtidas respostas
confiáveis.

AUDIOMETRIA TONAL
Embora existam inúmeros exames cujos resultados permitem
fazer afirmações precisas sobre a audição do indivíduo, a audio-
metria tonal é o teste mais freqüentemente usado para a avaliação
da função auditiva. Resultados de outros testes são geralmente
interpretados em conjunto com a audiometria de tom puro.
A finalidade da audiometria tonal é a determinação da menor
quantidade de energia acústica audível – o limiar auditivo. Observa-
ções na clínica diária e estudos experimentais mostram que quando
se procura estabelecer a menor quantidade de energia sonora que
provoca uma sensação auditiva, existe uma intensidade que ora
provoca resposta, ora não. Desta forma, limiar de audibilidade de um
estímulo sonoro deve ser definido como a menor intensidade sonora
para a qual o paciente responde a 50% das apresentações.
Para um estudo adequado do estado do sistema auditivo é
preciso o conhecimento dos limiares por via aérea e via óssea, que
são os meios possíveis de transmissão da energia sonora para a
cóclea. Através da via aérea, a energia sonora entra pelo meato
acústico externo e é transferida mecanicamente pelo sistema de
transmissão da orelha média para a cóclea, enquanto a energia
sonora conduzida por via óssea estimula diretamente a cóclea
através da vibração dos ossos do crânio, sem depender pratica-
mente da orelha externa e das estruturas da orelha média. Desta
forma, a análise dos limiares obtidos por estas duas vias fornece
informações sobre o tipo e grau da deficiência auditiva.
Testes Básicos de Avaliação Auditiva 89

FIGURA 4.4 – Audiômetro Beltone mo-


delo 114.

FIGURA 4.5 – Audiômetro Madsen OB


822, mais completo que o anterior, po-
rém mais dispendioso.

Método para a determinação do limiar


auditivo

a) Método ascendente
Neste método a pesquisa do limiar é feita partindo-se da
inaudibilidade para a audibilidade. Após a obtenção da primeira
resposta, o estímulo é diminuído em 10 dB e aumentado de 5 em
5 dB até o paciente apresentar novamente uma resposta. É
considerado como limiar a menor intensidade para a qual o
paciente responda, pelo menos 50% das vezes, quando o estímu-
lo for apresentado de maneira ascendente. Este método é reco-
mendado pela ASHA (1978) e é baseado nas recomendações de
CARHART & JERGER (1959).

b) Método descendente
Neste método a pesquisa do limiar é realizada partindo-se da
intensidade maior para a menor. O estímulo inicial deve ser apresen-
tado numa intensidade audível, porém não muito intenso para não
provocar desconforto. Recomenda-se 30 a 40 d BNA para indivíduos
com audição aparentemente normal e 70 d BNA para indivíduos com
90 Fonoaudiologia Prática

perda aparentemente moderada. Inicia-se a pesquisa do limiar


diminuindo-se a intensidade do estímulo em passos de 5 dB até que
não se obtenha mais resposta. O estímulo é então apresentado 10
dB acima deste nível e novamente diminuído em passos de 5 dB, até
novamente não se obter mais resposta. Considera-se como limiar a
menor intensidade em que o indivíduo apresente resposta 50% das
vezes, quando o estímulo for apresentado de maneira descendente.

c) Método descendente-ascendente
Neste método o limiar é pesquisado através da combinação das
duas técnicas anteriores. Inicia-se o teste sempre através da apre-
sentação de um som audível. É considerado limiar a intensidade em
que se obtiver resposta em 50% das vezes, independentemente se
a apresentação do som for ascendente ou descendente.
Seja qual for o método adotado, é importante muita habilidade
e rapidez na obtenção dos resultados para se evitar cansaço ou
distração por parte do paciente, especialmente os que apresen-
tam comprometimento físico, mental ou neurológico, uma vez que
se trata de um exame que exige muita atenção e concentração.

Instruções ao paciente
Num primeiro contato, o avaliador deve demonstrar interesse
pelo problema do paciente, através de perguntas sobre seus sinto-
mas (“qual a orelha melhor ?” “qual a orelha que prefere quando usa
o telefone ?” “sons intensos incomodam ?” “ tem zumbido?”), as
quais, além de fornecerem dados importantes para o conhecimento
do caso, colaboram para diminuir a ansiedade que geralmente
antecede qualquer testagem. O audiologista deve aproveitar este
diálogo, modificando a intensidade de voz, alternando presença e
ausência de pistas visuais, observando a qualidade da voz e articu-
lação da fala do paciente. Estas observações auxiliam na escolha do

FIGURA 4.6 – Audiômetros mais sofisticados (Siemens


mod. SD-25) podem ser conectados a computadores.
Testes Básicos de Avaliação Auditiva 91

método a ser empregado na testagem e na melhor forma de instruir


o paciente quanto à realização do exame. Fornecem ainda informa-
ções importantes quanto ao nível de audição, que ajudarão a
complementar e/ou confirmar os resultados obtidos nos testes.
Muito do sucesso na execução da audiometria tonal depende
da forma e clareza com que as instruções são transmitidas ao
paciente. Todo tempo e atenção dispensados neste primeiro
contato certamente serão compensados com respostas mais
rápidas e seguras, o que, além de diminuir o tempo gasto na
realização do teste, propiciarão resultados mais fidedignos.
O paciente deve ser informado que ouvirá uma série de sons, e
que precisará sempre acusar a presença de cada um deles por mais
fraco que seja. A forma de sinalização da resposta pode variar de
acordo com a preferência do examinador, porém sempre conside-
rando o nível sócio-econômico, intelectual e auditivo do paciente.
Pode-se solicitar que o paciente levante o dedo indicador ou a mão
do lado que ouvir para indicar a presença do som. Este procedimen-
to tem a vantagem de poder oferecer indícios da aproximação do
limiar, quando a amplitude do movimento tende a diminuir, e
também indicar o lado em que o som está sendo percebido. Esta
técnica não é recomendada em pacientes idosos e crianças pelo
eventual cansaço que acarreta, e evidentemente naqueles que
apresentem problemas motores.
Outra forma de resposta seria a verbalização através do
microfone. Este procedimento, como o anterior, também fornece
pistas quanto à aproximação do limiar através da voz do paciente,
que tende a diminuir ou se tornar hesitante. É bem-aceito em
qualquer idade sendo que a única restrição ao seu uso é quanto
ao paciente com alterações severas de fala.
Pressionar um botão, que faz acender uma lâmpada no painel
do audiômetro, também pode ser uma forma de sinalização. Este
procedimento, porém, não fornece informações quanto a aproxi-
mações do limiar.

FIGURA 4.7 – Dois tipos de fones usualmente empregados. O da direita tem um abafador de ruído e pode
ser útil quando a cabine não é muito eficaz.
92 Fonoaudiologia Prática

FIGURA 4.8 – Vibrador para via óssea.

Todas as instruções, independentemente do tipo de resposta


solicitada, devem ser dadas ao paciente de forma simples,
enfatizando a importância de sua atenção e esforço em responder
aos menores sons perceptíveis.

Audiometria tonal por via aérea


Deve-se iniciar a avaliação através da obtenção dos limiares
por via aérea. Para tanto, depois de fornecidas as instruções,
colocam-se os fones no paciente, observando-se a correspon-
dência das cores com as orelhas (vermelho – direita, azul –
esquerda).
Usualmente pede-se ao paciente que retire os óculos, brincos
ou qualquer acessório que torne desconfortável a colocação dos
fones. Especial cuidado, principalmente em pacientes idosos,
deve ser tomado quanto a forma do meato acústico externo. Se o
exame desta cavidade evidenciar um estreitamento quando se
pressiona levemente o trago, algumas manobras devem ser feitas
para se evitar que, com a colocação dos fones, haja um
colabamento: introdução de molde auricular ou oliva de borracha
(como a usada na imitanciometria) no meato acústico externo ou
colocação de um chumaço de gaze atrás do pavilhão. Um
colabamento pode acarretar um componente condutivo irreal da
ordem de 15 a 30 dB NA.
Testa-se então cada orelha separadamente, sendo que a
primeira será aquela referida como melhor pelo paciente. O
método normalmente mais utilizado na prática clínica é o des-
cendente-ascendente. O exame audiométrico é iniciado na
freqüência de 1.000 Hz, numa intensidade presumivelmente
audível (estimada pelo audiologista pelas informações colhidas
do paciente e observação do comportamento auditivo no conta-
to inicial). Os estímulos são apresentados durante 1 a 2 segun-
dos, com pequenos intervalos irregulares de silêncio para evitar
que o paciente se condicione. Alguns profissionais preferem
utilizar o tom pulsátil ao invés do contínuo por permitir uma
apresentação mais longa e ser mais facilmente percebido,
principalmente em portadores de zumbido.
Testes Básicos de Avaliação Auditiva 93

Estabelecido o limiar na freqüência de 1.000 Hz, repete-se o


procedimento para as freqüências de 2.000, 4.000, 8.000, 500 e 250
Hz. Sempre que houver uma diferença de 20 dB NA ou mais entre
os limiares de duas destas freqüências próximas, quando houver
queixa de zumbido ou quando representar um dado importante para
o diagnóstico médico (ex: perda auditiva induzida por ruído), deve-
se estabelecer também o limiar da freqüência intermediária (750,
1.500, 3.000 e 6.000 Hz). Quando se suspeita que o paciente seja
portador de uma deficiência auditiva profunda ou uma perda auditiva
com queda acentuada nas freqüências agudas, é aconselhável
iniciar-se a testagem em freqüências mais graves como 250 ou 500
Hz, por serem aquelas em que geralmente existem melhores restos
auditivos.

Audiometria tonal por via óssea


Para a determinação dos limiares por via óssea utiliza-se um
vibrador posicionado sobre a mastóide ou na fronte do paciente.
Embora os dois locais de colocação apresentem vantagens e
desvantagens, a mastóide tem sido a localização de escolha para
os testes de via óssea, principalmente pelo fato da maioria dos
vibradores virem calibrados para esta colocação. O vibrador
permite a obtenção dos limiares por via óssea somente nas
freqüências de 250 a 4.000 Hz, pois estímulos nas freqüências
abaixo de 250 e acima de 4.000 Hz são difíceis de serem
produzidas devido a limitações eletroacústicas.
Na prática clínica testa-se preferencialmente as freqüências de
500 a 4.000 Hz, nas quais, na maioria dos audiômetros, a intensida-
de máxima possível é de 70 dB NA. Usualmente não se pesquisa a
freqüência de 250 Hz pois, além de permitir uma intensidade
máxima de apenas 45 dB NA, proporciona uma sensação tátil
acentuada. Esta sensação também pode ocorrer nas freqüências
de 500 a 1.000 Hz em fortes intensidades (em torno de 70 dB NA).
Desta forma, quando são obtidas respostas somente para estas
freqüências, especialmente em pacientes portadores de perdas
auditivas acentuadas, é necessário uma interpretação cuidadosa
dos resultados, que podem estar refletindo uma sensação puramen-
te tátil ao invés de auditiva. Este fenômeno não é observado em
freqüências mais altas.
A pesquisa dos limiares por via óssea segue o mesmo critério
da pesquisa dos limiares por via aérea, inclusive na necessidade
da testagem de freqüências intermediárias.

Audiograma
Os limiares determinados pela audiometria tonal são coloca-
dos em um gráfico adotado universalmente denominado audio-
grama. Ele expressa, na abscissa, as freqüências sonora em Hz,
variando de 250 a 8.000 Hz, dispostas de forma logarítmica, ou
seja, as freqüências são apresentadas em intervalos regulares.
94 Fonoaudiologia Prática

Limiares auditivos em dB (ANSI-1969) 250 500 1.000 2.000 4.000 8.000 Hz

0
10
20
30
40
50
60
70

80
90
100
110 FIGURA 4.9 – Audiograma com via aérea e
via óssea.

Assim, devido a essa disposição, as freqüências intermediárias


como 1.500, 3.000 e 6.000 Hz encontram-se mais próximas de
2.000, 4.000 e 8.000 Hz respectivamente. Na ordenada encontra-
se a escala da intensidade sonora, em dB, variando de –10 a 110
dB, graduada de 10 em 10 de forma linear, uma vez que esta
unidade já é logarítmica. Utiliza-se uma simbologia padronizada
internacionalmente:

o – via aérea da orelha direita


x – via aérea da orelha esquerda
< – via óssea da orelha direita
> – via óssea da orelha esquerda

Quando os limiares forem obtidos com mascaramento na


orelha contralateral, pode-se utilizar a simbologia representada
na Tabela 4.1.

TABELA 4.1 – Simbologia empregada quando os


limiares forem obtidos com mascaramento.
∆ via aérea da orelha direita
h via aérea da orelha esquerda
[ via óssea da orelha direita
] via óssea da orelha esquerda

As anotações referentes à orelha direita são grafadas na cor


vermelha e as da esquerda na cor azul. Os símbolos da via aérea
da orelha direita são unidos por linhas contínuas enquanto os da
orelha esquerda por linhas tracejadas.
Quando não se detecta resposta no máximo de intensidade
permitida pelo aparelho em uma determinada freqüência, esta
ausência de resposta é expressa no local do gráfico relativo à
intensidade máxima testada, acrescendo-se uma seta à simbologia
anterior (Tabela 4.2).
Testes Básicos de Avaliação Auditiva 95

TABELA 4.2 – Anotação na ausência de resposta às


intensidades máximas.

Mascaramento
Durante a realização da audiometria tonal, quando houver assi-
metria entre os limiares auditivos de uma orelha a outra, podem
ocorrer situações em que as respostas encontradas não representem
a audição real da orelha pior, mas sim respostas da orelha contrala-
teral. Isto ocorre quando o estímulo apresentado à orelha pior é de tal
intensidade que é percebido pela orelha melhor, antes mesmo de
atingir o limiar da orelha testada. Esta situação é denominada
lateralização (ou audição contralateral) e aparece no audiograma
como um traçado semelhante à curva audiométrica da orelha melhor,
porém num nível de intensidade mais elevado (curva sombra).
Um som, quando apresentado a uma orelha, pode atingir a
orelha oposta, mas perde uma certa quantidade de energia. Esta
perda de energia é denominada atenuação interaural.
Um som intenso, quando apresentado por via aérea a uma
orelha, pode estimular a cóclea da orelha contralateral por via aérea
ou por via óssea. Estudos realizados por CHAIKLIN (1967) demonstra-
ram que a lateralização (ou audição contralateral) de um som
apresentado por via aérea se processa por via óssea antes de ocorrer
por via aérea, isto é, a atenuação interaural para a transmissão do
som por via óssea (através dos ossos do crânio) é menor do que a
atenuação interaural por via aérea (ao redor da cabeça). Quando o
som é apresentado por via aérea a uma orelha, o fone pode transmitir
uma certa energia, como vibração, através dos ossos do crânio, para
a cóclea da outra orelha, com uma atenuação interaural que varia de
40 a 85 dB. Esta grande variação de intensidade foi observada em
estudos realizados por alguns autores (LIDÉN, NILSSON, ANDERSON,
1959; CHAIKLIN, 1967; COLES & PRIEDE, 1970; SMITH & MARKIDES,
1981) e é decorrente do tipo de fone utilizado, da freqüência testada
e de variações anatômicas individuais.
Um som, mesmo de fraca intensidade, quando apresentado
através do vibrador ósseo colocado em qualquer ponto do crânio,
estimula ambas as cócleas simultaneamente o que torna a atenua-
ção interaural por via óssea praticamente igual a zero dB.
Desta forma, sempre que houver possibilidade de ocorrer uma
lateralização do som, devemos utilizar o mascaramento que é a
elevação artificial dos limiares da orelha não-testada, para que
esta não interfira nas respostas da orelha que se quer testar.

Tipos de ruídos mascarantes


Existem basicamente dois tipos de ruídos mascarantes que
são os de banda larga e o de banda estreita. O ruído de banda
96 Fonoaudiologia Prática

larga é um ruído que contém todas as freqüências do espectro


audível com a mesma quantidade de energia. Nesta categoria
pode-se incluir o “White Noise” (WN) que possui espectro acústico
linear de 250 Hz até 6.000 Hz e o “Speech Noise” (SN), cujo
espectro abrange de 250 a 4.000 Hz. O ruído de banda estreita ou
“Narrow Band” (NB) é um ruído mascarante com uma faixa de
freqüência restrita para cada freqüência sonora testada. A esco-
lha de um deles irá depender do exame que se está realizando, de
eficiência do ruído e da disponibilidade do audiômetro.
Para se entender o que torna um ruído mascarante efetivo em
relação ao tom puro que se pretende mascarar, dois aspectos
básicos devem ser levados em conta. O primeiro é o conceito de
faixa crítica pelo qual, em qualquer ruído mascarante, somente as
freqüências contidas dentro de uma certa faixa, centrada ao redor
do tom puro testado, contribuem efetivamente para seu mascara-
mento. A presença de outras freqüências na composição do ruído
mascarante, além desta faixa, será inútil e desnecessária. O
segundo aspecto importante é que quanto maior o número de
freqüências presentes num ruído mascarante, maior será a sen-
sação de intensidade que ele provocará. A partir disso, chega-se
à conclusão que o melhor ruído mascarante é aquele que possui
maior efetividade com menor sensação de intensidade.
Para o mascaramento de tons puros, o ideal é a utilização do
NB, já que possui uma faixa de freqüência restrita (centrada no
tom puro a ser mascarado), necessitando menor quantidade de
energia sonora. No caso do uso do WN para esse fim, será
necessária uma quantidade maior de energia para o mesmo grau
de efetividade, o que ocasionará um maior desconforto para o
paciente, isto é, uma maior sensação de intensidade.
Para os testes de fala pode-se utilizar o WN ou o SN. Se houver
disponibilidade no audiômetro, a escolha deve recair sobre o SN,
por ser um ruído mascarante com faixa de freqüência específica
para a fala.
Um ponto essencial na questão da utilização do mascaramen-
to é o conhecimento que o audiologista pode ter da efetividade dos
ruídos mascarantes do seu próprio aparelho.
Os audiômetros modernos já vêm calibrados de fábrica, mas
esta calibração deve ser verificada periodicamente, pois deve-se
sempre considerar a possibilidade de haver pequenas variações.
Uma maneira eficiente e rápida para verificar esta efetividade é a
apresentação de um tom puro numa determinada intensidade e,
a seguir, a introdução do ruído mascarante no mesmo fone,
observando-se qual a intensidade de ruído necessária para que o
tom puro deixe de ser percebido. Por exemplo, apresenta-se a um
indivíduo com audição normal, um tom puro de 30 dB NA, e vai-
se introduzindo aos poucos o ruído mascarante na mesma orelha,
até o ponto em que o tom puro não seja mais percebido. O ideal
é que exista uma exata relação entre o nível de ruído e o limiar
mascarado, isto é, que a quantidade de ruído necessária seja
Testes Básicos de Avaliação Auditiva 97

também de 30 dB. Isso caracteriza um mascaramento efetivo.


Caso seja necessária uma maior intensidade de ruído, por exem-
plo, 50 dB, pode-se dizer que esse ruído apresenta 20 dB de
mascaramento não efetivo, o que deverá ser levado em conta no
cálculo da intensidade necessária para sua utilização.
Essa forma de calibração só pode ser feita em audiômetros que
tenham dois canais, o que possibilita a apresentação dos dois tipos
de estímulos sonoros (tom puro e ruído mascarante) no mesmo
fone. Nos audiômetros em que isto não é possível, a verificação da
eficiência do ruído mascarante pode ser convenientemente obser-
vada em indivíduos com audição normal em uma orelha e perda total
de audição na outra. Para isso, obtém-se os limiares tonais na orelha
normal e em seguida na orelha anacúsica, sem mascaramento. Os
limiares obtidos na orelha anacúsica representam uma “curva
sombra” e a diferença entre as duas orelhas é o resultado da
atenuação interaural daquele indivíduo. Vai-se introduzindo, então,
o ruído mascarante na orelha normal (em passos de 5 dB) e
retestando o limiar da outra orelha. No momento em que se observar
uma mudança no limiar da orelha anacúsica, significa que o ruído
mascarante começou a tornar-se eficiente, pois conseguiu-se uma
mudança no limiar da orelha pior.
Os mesmos procedimentos podem ser utilizados em relação
à calibração dos ruídos mascarantes empregados nos testes de
fala.
Outro ponto essencial a considerar quando se utiliza o masca-
ramento é que, quando se introduz uma quantidade de mascara-
mento efetivo em uma orelha por via aérea, o limiar de condução
aérea desta orelha será deslocado nesta mesma quantidade. Isto
nem sempre ocorre com a via óssea. Tome-se como exemplo um
caso, no qual o limiar por via aérea numa determinada freqüência
seja igual a 40 dB e o limiar por via óssea igual a 10 dB. Se 60 dB
de ruído mascarante efetivo for apresentado, o limiar da via aérea
será elevado para 60 dB, porém o limiar da via óssea será
deslocado para somente 30 dB. Isso acontece porque, embora 60
dB de ruído mascarante tenha sido introduzido por via aérea,
somente 20 dB realmente alcançaram a cóclea.

Mascaramento na audiometria tonal por via aérea


Ao se testar a via aérea deve-se sempre mascarar a orelha
melhor quando houver uma diferença maior ou igual a 40 dB entre
a resposta obtida na pior orelha e o limiar da via óssea da orelha
melhor numa mesma freqüência. Embora a atenuação interaural
apresente variações de 40 a 85 dB, como já citado anteriormente,
deve-se tomar como base o menor nível encontrado (40 dB),
evitando-se possíveis erros. Este procedimento levará muitas
vezes o audiologista a mascarar quando não é necessário, porém
nunca deixará de utilizar o mascaramento nos casos em que ele
é imprescindível.
98 Fonoaudiologia Prática

Limiares auditivos em dB (ANSI-1969) 250 500 1.000 2.000 4.000 8.000 Hz

0
10

20
30
40
50
60

70
80
90
100

110 FIGURA 4.10 – Gráfico audiométrico nor-


mal.

Como a seqüência natural na realização da audiometria tonal é


primeiramente a testagem das vias aéreas e posteriormente as vias
ósseas, a comparação entre a via aérea da orelha pior e a via óssea
da orelha melhor só será possível após a obtenção dos limiares
destas duas vias. Para facilitar a decisão da necessidade da
aplicação do mascaramento na testagem da via aérea, antes da
testagem da via óssea, deve-se como primeiro passo comparar os
limiares entre as vias aéreas dos dois ouvidos em cada freqüência.
Havendo uma diferença de pelo menos 40 dB entre as duas vias
aéreas é necessário utilizar o mascaramento, pois isto já indica uma
diferença entre VA e VO de no mínimo 40 dB, no caso da orelha
melhor apresentar uma deficiência auditiva sensorioneural, ou
ainda uma diferença maior no caso de uma deficiência auditiva
condutiva.
Quando não se observar uma diferença maior ou igual a 40 dB
entre as duas vias aéreas deve-se, após a determinação dos
limiares da via óssea da orelha melhor, comparar-se VA e VO e,
então, reavaliar a necessidade do uso do mascaramento.

Mascaramento na audiometria tonal por via óssea


Quando se pesquisam os limiares por via óssea deve-se
sempre usar o mascaramento no ouvido não-testado, pois a
atenuação interaural por via óssea é praticamente nula.
Algumas situações porém não necessitam do mascaramento,
representando exceções:
a) quando os limiares por via óssea, testados sem mascaramen-
to no ouvido oposto, resultarem iguais aos obtidos por via aérea, isto
é, quando os limiares de VO estiverem acoplados aos de VA.
b) quando os limiares ósseos da orelha não-testada forem bem
piores que os da orelha testada. Exemplo: indivíduo que apresenta
na orelha direita uma perda sensorioneural severa/profunda e na
orelha esquerda uma perda leve sensorioneural ou condutiva;
quando se testar a via óssea da orelha esquerda não haverá
Testes Básicos de Avaliação Auditiva 99

necessidade de se mascarar a orelha direita, pois esta não poderá,


em hipótese alguma, estar interferindo nas respostas da orelha
esquerda.

Intensidade de mascaramento
Quando se trata de excluir uma orelha para testar a outra,
poder-se-ia pensar que o ideal fosse a utilização do máximo de
ruído disponível no aparelho para evitar qualquer participação
da orelha não-testada. Entretanto, não se pode esquecer que o
fenômeno da lateralização ocorre com qualquer som apresen-
tado por via aérea com a mesma atenuação interaural. Conse-
qüentemente, o ruído mascarante pode cruzar o crânio da
mesma forma que o tom puro, atingir a orelha que está sendo
testada, e, erroneamente, elevar seus limiares. Este fenômeno
é denominado supermascaramento.
Portanto, ao se considerar a quantidade de mascaramento
que deve ser empregada, é importante conhecer qual o mínimo e
o máximo de ruído mascarante que pode ser utilizado, isto é, qual
a intensidade de ruído que efetivamente começa a mascarar a
orelha não-testada e a intensidade onde o ruído passa a
supermascarar a orelha testada.
Vários métodos e fórmulas foram descritos para a determina-
ção da quantidade de mascaramento a ser utilizada. No entanto,
a técnica introduzida por HOOD, também conhecida como método
do plateau, tem sido a preferida pela maioria dos audiologistas
devido a sua eficácia e facilidade de entendimento.
Nesta técnica, o limiar é obtido inicialmente sem mascara-
mento. O ruído mascarante é então apresentado numa intensi-
dade de 10 dB acima do limiar da orelha não-testada,
pesquisando-se novamente o limiar. Aumentos sucessivos de
mascaramento são apresentados, em passos de 10 em 10 dB,
com redeterminação do limiar em cada nível de ruído mascarante.
A finalidade é encontrar um limiar na orelha testada que não
sofra modificações com os incrementos de ruído mascarante na
orelha não-testada. A seguir, são apresentados alguns exem-
plos para melhor demonstrar esta técnica:

Exemplo 1 (mascaramento da via aérea)


Orelha direita Orelha esquerda
via aérea 0 dB 40 dB (limiar sem mascaramento)
Ruído mascarante (NB) Reteste do limiar
10 dB 50 dB
20 dB 60 dB
30 dB 70 dB
40 dB 80 dB
50 dB 90 dB
60 dB 90 dB
70 dB 90 dB
100 Fonoaudiologia Prática

Determinados os limiares e verificada a necessidade de masca-


ramento, o ruído mascarante (NB) é introduzido no ouvido direito, e
é retestado o limiar da orelha esquerda, que aumenta para 50 dB.
Observa-se que o limiar auditivo sofre um aumento proporcional a
cada incremento de ruído até uma intensidade de 90 dB. A partir de
então, aumentos consecutivos de ruído na orelha direita não mais
provocam mudanças no limiar da orelha esquerda (plateau), signi-
ficando que foi atingido o verdadeiro limiar da orelha esquerda.

Exemplo 2 (mascaramento da via óssea)


Orelha direita Orelha esquerda
via aérea 0 dB 40 dB (com mascaramento)
via óssea 0 dB 0 dB (sem mascaramento)
Ruído mascarante (NB) Reteste do limiar
10 dB 10 dB via óssea
20 dB 10 dB via óssea
30 dB 10 dB via óssea
40 dB 10 dB via óssea
50 dB 10 dB via óssea

Neste segundo exemplo, após a obtenção dos limiares de via


aérea (com mascaramento) testou-se a via óssea (sem mascara-
mento) obtendo-se limiares de 0 dB para ambas as orelhas. Um
ruído mascarante de 10 dB (NB) é introduzido na orelha direita,
elevando assim os seus limiares de VA e VO para 10 dB. Observa-
se então que a VO da orelha esquerda, quando retestada, também
apresenta uma piora de 10 dB. A partir desta intensidade, novos
incrementos de ruído apresentados na orelha direita não modificam
o limiar da VO da orelha esquerda, significando que, embora ambas
as cócleas sejam estimuladas pela mesma intensidade, foi atingido
o verdadeiro limiar da VO da orelha esquerda, uma vez que o limiar
da direita foi elevado artificialmente pelo mascaramento para 50 dB.

Exemplo 3 (supermascaramento)
Orelha direita Orelha esquerda
via aérea 0 dB 40 dB (sem mascaramento)
via óssea 0 dB 0 dB (com mascaramento)
Ruído mascarante (NB) Reteste do limiar
10 dB 50 dB
20 dB 60 dB
30 dB 60 dB
40 dB 60 dB
50 dB 70 dB
60 dB 80 dB
70 dB 90 dB

Neste exemplo observa-se que, ao introduzir 10 dB de ruído


mascarante na orelha melhor, houve uma elevação correspon-
dente do limiar da orelha pior.
Testes Básicos de Avaliação Auditiva 101

Aumentos sucessivos de mascaramento até 40 dB NB não


modificaram o limiar da orelha pior, o que demonstra que foi
encontrado o verdadeiro limiar da orelha esquerda. Porém obser-
va-se que com a elevação do mascaramento a partir de 50 dB NB,
ocorre uma piora proporcional dos limiares da orelha testada, o
que indica a ocorrência de um supermascaramento, ou seja, o
ruído mascarante desde o nível de 50 dB NB está atingindo, por
via óssea, a cóclea da orelha testada, provocando um rebaixa-
mento nos limiares auditivos.

AUDIOMETRIA VOCAL
A comprensão da fala é um dos requisitos fundamentais
para a eficiência da comunicação. Desta forma, a avaliação da
capacidade auditiva de um indivíduo não pode ser restrita
apenas à sua habilidade para captar os tons puros. Mesmo
sendo enormemente influenciada pela configuração do audio-
grama (nível de perda, graves x agudos, etc.), a compreensão
da fala nem sempre pode ser presumida somente pelos limiares
tonais, o que torna a audiometria vocal um instrumento clínico
indispensável.
Os testes básicos para esta avaliação são: limiar de recepção
de fala e índice de reconhecimento de fala.

LRF (limiar de recepção da fala) ou SRT


(speech reception threshold)
É definido como a menor intensidade na qual o indivíduo
consegue identificar 50% das palavras que lhe são apresenta-
das.
Para a pesquisa deste limiar devem-se selecionar palavras
familiares de fácil reconhecimento pela maioria das pessoas. Na
língua inglesa são utilizadas as palavras espondáicas (vocábulos
dissílabos com dupla tonicidade). Já na língua portuguesa, como
estas palavras não existem, utilizam-se normalmente vocábulos
trissílabos ou polissílabos. Em algumas situações (como por
exemplo, pacientes com vocabulário reduzido, problema acentua-
do de fala, crianças tímidas), o LRF pode ser obtido através de
solicitação de figuras, perguntas ou ordens simples.
O teste, quando se utilizam vocábulos, pode ser realizado com
apresentação através de fitas gravadas ou à viva voz, uma vez
que estudos realizados demonstram que não existe uma diferen-
ça significativa entre os resultados dos dois tipos de apresenta-
ção. Um aspecto mais vantajoso da fita é reduzir a variabilidade
da voz do avaliador propiciando uma maior padronização na
aplicação do teste. Já a apresentação à viva voz é mais utilizada
por ser mais flexível e permitir maior rapidez e facilidade na
execução, porém deve-se estar atento ao VU Meter, monitorando-
102 Fonoaudiologia Prática

o de forma a localizar a agulha próxima ao zero quando as


palavras forem apresentadas.
De forma geral, o procedimento normalmente utilizado em
nosso meio para a realização deste teste é a apresentação das
palavras à viva voz pelo método descendente-ascendente. O
paciente deve ser cuidadosamente instruído quanto à realização
do teste e quanto à necessidade de repetir o vocábulo mesmo
quando escutado em fraca intensidade.
Inicia-se a apresentação das palavras numa intensidade au-
dível, estimada a partir dos limiares tonais. Para não tornar o teste
cansativo, apenas um vocábulo pode ser apresentado a cada
diminuição de intensidade de 10 dB. No momento em que o
paciente não mais repetir corretamente, aumenta-se 5 dB e são
então apresentados 4 vocábulos. Diminui-se e aumenta-se a
intensidade de 5 em 5 dB (sempre com apresentação de 4
vocábulos), até se estabelecer o limiar, isto é, a intensidade na
qual 50% das respostas sejam corretas (2 em 4 vocábulos).
Muitos estudos foram realizados com o objetivo de estabe-
lecer uma relação entre os limiares tonais e o LRF A média dos
resultados obtidos nas freqüências de 500, 1.000 e 2.000 Hz
tem sido apontada como a que mais se aproxima do LRF, que
deve ser encontrado em níveis de até 10 dB acima desta média
(ENGELBERG, 1965; SATALOF, 1966; H OPKINSON, 1972). Na prá-
tica clínica, no entanto, observa-se que a relação entre o LRF e
esta média não se verifica em casos de audiogramas não-
lineares. Nos casos de perdas auditivas com queda acentuada
em agudos, geralmente se encontra o LRF em níveis melhores
que a média de 500, 1.000 e 2.000 Hz e, neste caso, se utiliza
a média dos 2 melhores limiares (FLETCHER, 1950).
CARHART (1971) estabeleceu uma equação de regressão
considerando 500 e 1.000 Hz como as freqüências mais importan-
tes para a predição do LRF em qualquer tipo de perda.
No Setor de Audiologia Clínica da Santa Casa de São Paulo
(1989), foi realizado um trabalho com o propósito de pesquisar a
relação entre o LRF e a média dos limiares tonais, considerando
diferentes freqüências (250 a 2.000 Hz e 500 a 2.000 Hz) em
diferentes configurações de curvas audiométricas (plana, ascen-
dente e descendente). Os resultados encontrados mostraram
uma importância relevante das freqüências graves na determina-
ção do LRF. Nas três configurações audiométricas observou-se
uma maior concordância (diferenças até 10 dB) entre o LRF e a
média das freqüências de 250, 500, 1.000 e 2.000 Hz, principal-
mente nas curvas ascendentes.
Como um dos principais objetivos do LRF é a confirmação
dos dados obtidos por via aérea na audiometria tonal, estas
observações devem ser levadas em conta quando se realiza a
comparação entre estes dois limiares. Além desta confirmação
de dados, o LRF também é importante na seleção de aparelhos
auditivos, no diagnóstico das deficiências auditivas funcionais
Testes Básicos de Avaliação Auditiva 103

ou psicogênicas e na determinação do nível de intensidade mais


favorável para a realização do teste de reconhecimento da fala.
Nos casos em que não é possível a obtenção do LRF (pacien-
tes com deficiências auditivas acentuadas, dificuldade de com-
preensão da fala, etc.) pode-se estabelecer o Limiar de
Detectabilidade da Fala (LDF). Na realização deste teste, embora
o estímulo apresentado seja a fala, o paciente não precisa
necessariamente reconhecê-lo como tal. O LDF é estabelecido
quando se encontra o nível de intensidade em que o paciente
refere a presença do estímulo em 50% das apresentações. Este
limiar deve coincidir com o melhor limiar tonal encontrado.

Índice de reconhecimento de fala


A habilidade de compreender a fala é muito importante para a
eficiência da comunicação e pode ser investigada através do
teste, atualmente denominado Índice de Reconhecimento de Fala
(outros termos já foram utilizados: discriminação auditiva, teste de
reconhecimento da palavra). Todos os testes até aqui considera-
dos são testes liminares, ou seja, consistem na determinação do
menor nível de intensidade em que o indivíduo percebe um tom
puro ou sons de fala. O Índice de Reconhecimento de Fala é
supraliminar e seus resultados são expressos em porcentagem de
acerto no reconhecimento de palavras.
Para sua realização são empregadas listas de vocábulos
que serão ditos pelo examinador e repetidos pelo paciente.
Cada lista consta de 25 vocábulos e, desta forma, o resultado irá
variar de 0 a 100%. A grande maioria dos autores recomenda o
uso de listas de monossílabos foneticamente balanceados para
a execução deste teste. Outros defendem que, mais importante
que o balanceamento fonético, é a familiaridade e o significado
dos vocábulos para o paciente (CARHART, 1965 e PENROD,
1994). Em nossa prática clínica, utilizamos listas de vocábulos
elaboradas com base no critério de familiaridade e com a
preocupação de conter todos os fonemas da língua portuguesa.
Utilizamos listas de vocábulos monossílabos, dissílabos e,
quando necessário, trissílabos, pois, quanto maior o número de
sílabas de uma palavra, mais inteligível ela se torna (H IRSCH,
1952). Os vocábulos trissílabos são utilizados especialmente
em pacientes com perdas severas, perdas com queda acentua-
da nos agudos ou que apresentem porcentagens muito baixas
no Índice de Reconhecimento de Fala, principalmente para se
obter mais dados para a seleção de aparelhos auditivos.
Neste teste, assim como na pesquisa do LRF, as listas de
palavras podem ser apresentadas através de fitas gravadas ou à
viva voz. Aqui também é mais utilizada a apresentação da palavra
à viva voz (sempre tomando-se cuidado com a monitorização do VU
Meter), por ser mais fácil, rápida, flexível e permitir uma maior
interação entre audiologista e paciente. Alguns autores recomen-
104 Fonoaudiologia Prática

dam a realização do teste a 40 dB acima do LRF (HARRIS,1965;


NEWBY,1965). Porém, não é possível precisar um nível fixo sobre o
LRF ou os limiares de tom puro para ser utilizado para todos os tipos
de perda auditiva (CARHART, 1965). A lista de palavras deve ser
apresentada na intensidade referida como de maior conforto pelo
paciente, para propiciar o melhor desempenho. Em pacientes com
audição normal ou com perdas puramente condutivas, essa inten-
sidade encontra-se normalmente em torno de 40 dB acima da média
dos limiares da fala. Porém, em pacientes que apresentam perdas
sensorioneurais recrutantes, é preciso muito cuidado na seleção da
intensidade para a realização do teste, pois seu nível de maior
conforto se encontra bem mais abaixo, geralmente em torno de 20
a 25 dB acima da média dos limiares tonais nas freqüências da fala.
O que se observa nestes casos é uma piora acentuada dos
resultados com aumentos sucessivos da intensidade a partir deste
nível. Pacientes com comprometimento retrococlear apresentam
resultados sempre prejudicados, qualquer que seja o nível de
intensidade empregado.

Mascaramento na audiometria vocal


Deve ser utilizado na determinação do LRF e do Índice de
Reconhecimento de Fala sempre que a diferença entre o nível de
apresentação dos estímulos na orelha testada e a média dos
limiares tonais por via óssea nas freqüências de 500 a 2.000 Hz da
orelha não-testada for maior ou igual a 45 dB (atenuação interaural
para os sons de fala). Na obtenção do Limiar de Detectabilidade da
Fala deve-se considerar esta diferença como de 40 dB, já que a
atenuação interaural, neste caso, é menor, por não exigir o reconhe-
cimento, mas apenas a detecção dos estímulos.
O nível de intensidade do ruído mascarante a ser utilizado deve
ser calculado em função da intensidade na qual os estímulos de fala
são apresentados à orelha testada, descontando-se a atenuação
interaural. Desta forma, o ruído mascarante deve ser superior à
intensidade em que os sons de fala (apresentados por via aérea na
orelha testada) chegam pela via óssea à orelha não-testada.
Por exemplo, num paciente com a configuração audiométrica
a seguir (Fig. 4.11):

• Média dos limiares tonais por via aérea:


orelha direita = 20 dB
orelha esquerda = 30 dB
• Média dos limiares tonais por via óssea:
orelha direita = 0 dB
orelha esquerda = 30 dB

Se a intensidade para a realização do Índice de Reconhecimen-


to de Fala na orelha direita for de 60 dB, diminuindo-se a intensidade
perdida pela atenuação interaural para os sons de fala (45 dB), nota-
se que estes chegam à cóclea da orelha esquerda numa intensidade
Testes Básicos de Avaliação Auditiva 105

250 500 1.000 2.000 4.000 8.000 Hz

Limiares auditivos em dB (ANSI-1969)


0
10
20

30
40
50

60
70
80
90
100
110

FIGURA 4.11

de 15 dB (intensidade menor que a média dos limiares de via óssea


da orelha esquerda). Portanto, não será necessária a utilização do
mascaramento. Para a realização do Índice de Reconhecimento de
Fala na orelha esquerda, utilizando-se a intensidade de 70 dB,
descontando-se a atenuação interaural, os sons da fala chegarão à
cóclea da orelha oposta numa intensidade de 25 dB (intensidade
maior que a média dos seus limiares da via óssea). Portanto, será
necessário elevar os limiares da via óssea da orelha direita para uma
intensidade superior a 25 dB (pelo menos 30 dB para que a via óssea
não interfira nos resultados dos testes de fala da orelha esquerda).
A intensidade de mascaramento irá depender do ruído
mascarante que é utilizado (isto é, da efetividade do ruído) e do
limiar da via aérea da orelha não-testada (onde será introduzido
o ruído que irá rebaixar a via óssea até o nível desejado).
No exemplo: se quisermos elevar os limiares da via óssea da
orelha direita para 30 dB, precisamos introduzir 50 dB de ruído
mascarante na via aérea da orelha direita (média dos limiares
tonais + 30 dB). Esta seria a mínima intensidade necessária
para mascarar, caso o ruído utilizado seja efetivo. No caso do
mesmo, por exemplo, apresentar 20 dB de não-efetividade, será
necessário pelo menos 70 dB.

INTERPRETAÇÃO DOS TESTES BÁSICOS DA


AVALIAÇÃO AUDITIVA
Na interpretação dos testes básicos há necessidade da aná-
lise conjunta dos dados obtidos em cada um deles, ou seja,
nenhum dado deve ser considerado isoladamente. Os resultados
obtidos nos testes básicos da avaliação auditiva permitem deter-
minar o nível de audição (normal, leve, moderada, severa e
profunda) e tipo de deficiência auditiva (condutiva, sensorioneu-
ral, mista).
106 Fonoaudiologia Prática

Limiares auditivos em dB (ANSI-1969) 250 500 1.000 2.000 4.000 8.000 Hz

10
20

30
40
50
60
70
80
90
100
110 FIGURA 4.12 – Audiograma – Deficiência
auditiva condutiva.

250 500 1.000 2.000 4.000 8.000 Hz


Limiares auditivos em dB (ANSI-1969)

0
10
20

30
40

50
60
70
80
90
100
110 FIGURA 4.13 – Audiograma – Deficiên-
cia auditiva sensorioneural.

250 500 1.000 2.000 4.000 8.000 Hz


Limiares auditivos em dB (ANSI-1969)

0
10
20
30

40
50
60
70

80
90
100

110 FIGURA 4.14 – Audiograma – Deficiên-


cia auditiva mista.
Testes Básicos de Avaliação Auditiva 107

Classificação das perdas auditivas quanto ao


grau
A classificação das perdas auditivas quanto ao grau é basea-
da na média dos limiares da via aérea nas freqüências de 500,
1.000 e 2.000 Hz (SILMAN & SILVERMAN, 1991).

normal: até 25dB


leve: de 26 a 40 dB
moderada: de 41 a 55 dB
moderadamente/severa: de 56 a 70 dB
profunda: maior que 91 dB

Um sistema de classificação semelhante é utilizado para


crianças exceto que a audição é considerada normal quando a
média for igual ou menor a 15 dB.

Tipos de deficiência auditiva


Deficiência auditiva condutiva – Três condições são es-
senciais para classificar uma deficiência auditiva como de
natureza condutiva: limiares tonais por via óssea preservados,
gap entre limiares de via aérea e de via óssea maior que 10 dB
e Índice de Reconhecimento de Fala com resultados em torno
de 100%.
Deficiência auditiva sensorioneural – Neste tipo de deficiên-
cia auditiva são encontrados limiares de via aérea e via óssea acima
dos limites normais, porém equivalentes, sem presença de gap
entre eles. Os resultados do Índice de Reconhecimento de Fala são
mais baixos do que o normal e o condutivo pela distorção decorrente
do comprometimento sensorioneural.
Deficiência auditiva mista – Neste tipo de deficiência audi-
tiva há um componente condutivo associado a um sensorioneu-
ral. Assim, pode-se encontrar um gap entre via aérea e via óssea
em todas as freqüências ou somente em algumas delas. Os
resultados do Índice de Reconhecimento de Fala são bons, porém
prejudicados em relação ao normal ou condutivo pela presença do
componente sensorioneural.

Os testes básicos de avaliação auditiva são essenciais, porém


nem sempre suficientes para a elucidação diagnóstica. Podem
significar um alerta para a necessidade de exames complementa-
res (psicoacústicos, eletrofisiológicos e radiológicos).

Leitura recomendada
ALMEIDA, K.; RUSSO, I.C.P.; SANTOS, T.M. – A aplicação do masca-
ramento em Audiologia. São Paulo, Ed. Lovise Ltda, 1995.
AMERICAN ACADEMY OTOLARYNGOLOGY & HEAD NECK
SURGERY – Clinical Auditory Evaluation , 1981.
108 Fonoaudiologia Prática

CHAIKLIN, J.B. et al. – Hearing Measurements. Massachusetts, Addison


- Wesley Pub. Co., 1982.
DAVIS, H. & SILVERMAN,S.R. – Hearing and Deafness. 4ª ed. New
York, Holt,Rinehardt & Wilson, 1978.
DENNIS, J. M. & NEELY, J.G. – Basie Learing Tests. Clin. Audiol. Otol.
Clin. N. Am., 24:2, 1991.
HUNGRIA, H. – Otorrinolaringologia. 6ª. ed. e Rio de Janeiro, Guanabara
Koogan, 1991.
KATZ, J. – Handbook of Clinical Audiology. Baltimore, Williams & Wilkins
Co., 1972.
KATZ, J. – Handbook of Clinical Audiology. 4ª ed. Baltimore, Williams &
Wilkins Co., 1994.
SANTOS, T.M.M. & RUSSO, I.C.P. – A Prática da Audiologia Clínica.
São Paulo, Editora Cortez, 1986.
SATALOF, J. – Hearing Loss. Philadelphia, J.B.Lippincott Co. 1966.
SCOTT-BROWN’S – Otolaryngology. 5ª ed. London, Butterworth, 1987.
SILMAN, S. & SILVAMAN C.A. – Auditory Diagnosis. San Diego. Academic
Press, Inc. 1991.
Avaliação do Processamento Auditivo Central 109

5
Avaliação do Processamento
Auditivo Central

Liliane Desgualdo Pereira

A avaliação do Processamento Auditivo Central é um proce-


dimento muito útil para diagnosticar o uso funcional correto e
eficiente da audição nos indivíduos de diferentes faixas etárias.
Ouvir é uma habilidade que depende da capacidade biológica
inata e da experienciação do indivíduo no meio ambiente. Este
processo torna-se importante no aprendizado da linguagem e
quando ocorre prejuízo nesta habilidade de ouvir também podem
ocorrer dificuldades com a linguagem receptiva ou expressiva.
Portanto, é de fundamental importância realizar-se o diagnóstico
sobre as condições da audição de um indivíduo, principalmente
para orientação do processo de reabilitação fonoaudiológica e/ou
prevenção de distúrbios da comunicação.

CONCEITUAÇÃO
Processamento auditivo central é o termo utilizado para se
referir à série de processos que envolvem predominantemente
as estruturas do sistema nervoso central: vias auditivas e córtex.
A desordem do processamento auditivo central é um distúrbio da
audição no qual há um impedimento da habilidade de analisar e/
ou interpretar padrões sonoros. O processamento auditivo, se-
gundo PHILIPS (1995), envolve a detecção de eventos acústicos;
capacidade de discriminá-los quanto ao local, espectro, amplitu-
de, tempo; habilidade para agrupar componentes do sinal acús-
110 Fonoaudiologia Prática

tico em figura-fundo, como por exemplo: separar o violino de um


piano em uma música ou uma voz de outra voz; habilidade para
identificá-los, isto é, denominá-los em termos verbais e ter
acesso à sua associação semântica (significado), além de pre-
sumivelmente também ter a capacidade de introspecção consci-
ente acerca de perceber a si mesmo. Estes processos, segundo
a literatura especializada, (M USIEK, BARAN, PINHEIRO, 1994;
KANDEL, SCHWARTZ, JESSEL, 1995) têm lugar no sistema auditivo
periférico (orelha externa, orelha média, orelha interna, VIII par)
e no sistema auditivo central (tronco cerebral, vias subcorticais;
córtex auditivo/lobo temporal, corpo caloso) podendo envolver
também áreas não-auditivas centrais (lobo frontal, conexão
temporal-parietal-occipital). As atividades periféricas referem-se
ao processamento periférico dos códigos. A atividade central em
áreas auditivas, segundo o modelo de reconhecimento de fala de
HUMES (1990) apud SCHOCHAT (1996), envolve a armazenagem
dos códigos que entram (inputs) numa forma específica de
memória sensorial, a transferência de alguma parte da informa-
ção armazenada na memória sensorial para a memória imediata
(primária). Além disso, através da atividade central envolvendo
áreas auditivas e não-auditivas será realizada a integração das
informações de diferentes modalidades sensoriais. Assim, como
propôs PHILIPS (1995), ao se escutar um sinal acústico, um
indivíduo realiza a análise auditiva e a sua primeira decisão se
refere a: Este som é um som de fala? A seguir, o sinal de fala
é processado em termos fonológicos, léxico e semântico, a partir
da qual é realizada a segunda decisão: Qual o significado
deste som de fala? A partir desses processos ocorre a produção
motora da resposta.

CUIDADOS NA AVALIAÇÃO DO PROCESSAMENTO


AUDITIVO CENTRAL
Na avaliação do processamento auditivo central, recomenda-
se a utilização de estímulos verbais e não-verbais, além de um
conjunto de testes ao invés de procedimentos únicos. Para se
realizar esta avaliação, alguns cuidados devem ser levados em
conta:
1. Com o material dos testes – Os estímulos verbais gravados
em fita cassete para serem apresentados em tarefas monóticas e
dióticas devem ser transmitidos via audiômetro, em cabina acústica,
de modo a permitir que se tenha conhecimento dos níveis de
apresentação sonora dos estímulos em decibel. Além disso, a sala
tratada acusticamente permite que sejam controladas e conhecidas
as condições de escuta difícil a que o teste se propõe.
2. Com as modalidades sensoriais envolvidas na solicita-
ção da resposta do paciente ao teste – Ter em mente que se o
indivíduo tem que ouvir e produzir oralmente a resposta, apenas
Avaliação do Processamento Auditivo Central 111

a modalidade sensorial auditiva está envolvida; se o indivíduo tem


que ouvir e apontar uma figura ou palavra escrita para produzir a
resposta, então duas modalidades sensoriais estão envolvidas, a
auditiva e a visual.
3. Com o comportamento do indivíduo durante os testes –
Ter em mente se o teste em questão é sensível a outras exigências
tais como: motivação, atenção e habilidades motoras. Estar
atento a estas questões que podem interferir no desempenho de
alguns indivíduos, não por problema perceptual específico, po-
dendo levar a falsos diagnósticos de desordem do processamento
auditivo central.

AVALIAÇÃO DO PROCESSAMENTO AUDITIVO


CENTRAL E GNOSIA AUDITIVA
A avaliação do processamento auditivo central permite o
diagnóstico do processo gnósico auditivo do indivíduo. Conside-
ra-se agnosia auditiva como uma desordem no reconhecimento
auditivo resultante de lesões nas vias auditivas e ao nível cortical,
conforme referido por M CFARLAND & CACACE (1995), podendo ser
verbal para sons ambientais ou ambos.
A seguinte categorização foi proposta (PEREIRA, 1996a) para
classificar as desordens do processamento auditivo central e
melhor conduzir as habilidades que deverão ser enfatizadas na
terapia fonoaudiológica. A categorização apresentada foi feita
baseando-se na proposta de KATZ (1992) para o teste SSW da
seguinte forma: aplicou-se o teste SSW em português em indiví-
duos com distúrbios da comunicação humana; fez-se a classifica-
ção segundo KATZ (1992); nos protocolos analisados em que foi
realizada apenas uma categorização estudou-se o desempenho
nos outros testes especiais procurando-se questões em comum.
Sendo assim, três foram as categorizações propostas por PEREI-
RA (1996a).
Decodificação (este som é um som de fala?) – Nesta catego-
ria, acredita-se que o processo gnósico auditivo prejudicado se
refere à inabilidade para atribuir significado à informação sensorial
auditiva, quanto à análise do sistema fonêmico da linguagem.
Codificação (qual o seu significado?) – Nesta categoria,
acredita-se que o processo gnósico auditivo prejudicado se refere
à inabilidade de integrar informações sensoriais auditivas e associá-
las a outras informações sensoriais.
Organização (como foi a ordem em que este som ocorreu?) –
Nesta categoria acredita-se que o processo gnósico auditivo preju-
dicado se refere à inabilidade de representar eventos sonoros no
tempo.
Podem-se observar os seguintes testes especiais alterados
por categoria. Na categoria de decodificação , aqueles com
tarefa envolvendo modalidade auditiva e de produção motora da
112 Fonoaudiologia Prática

fala, tais como: localização em cinco direções; testes monóticos


de baixa redundância: fala com ruído branco; teste diótico
consoante-vogal; teste SSW em português com alterações
quantitativas de grau moderado a severo (principalmente na
condição direta competitiva) e com alterações qualitativas mos-
trando efeito de ordem baixo-alto ou efeito auditivo alto-baixo
significantes; teste de integração binaural: fusão binaural. Na
categoria de codificação, aqueles com tarefa envolvendo a
modalidade auditiva e visual de apontar figuras ou palavras
escritas, tais como: 1. testes monóticos com figuras – monossí-
labos com ruído branco ou com mensagem competitiva
ipisilateral, PSI ou SSI; 2. testes dióticos com figuras – sons
ambientais competitivos com escuta direcionada; 3. testes com
tarefa envolvendo a modalidade auditiva e de produção motora
da fala , tais como SSW com alterações qualitativas do tipo efeito
de ordem alto-baixo ou efeito auditivo baixo-alto significantes ou
mesmo a presença significante do tipo A associado ao teste de
fala com ruído branco alterado, e dificuldade na escuta direcio-
nada no teste diótico consoante-vogal. Na categoria organiza-
ção, o teste de memória seqüencial instrumental com tarefa
envolvendo a modalidade auditiva e visual de apontar objetos
barulhentos na ordem ouvida e os testes com tarefa envolvendo
a modalidade auditiva e de produção motora da fala denomina-
dos de teste de memória seqüencial verbal, teste de fala filtrada
e alteração qualitativa do tipo inversões significantes no teste
SSW em português.

AVALIAÇÃO DO PROCESSAMENTO AUDITIVO


CENTRAL E AS PERDAS AUDITIVAS
A avaliação do processamento auditivo central deve ser posterior
à avaliação audiológica básica. Quando o sistema auditivo periférico
encontra-se dentro da faixa da normalidade não se encontram
dificuldades com a aplicação dos testes especiais. Quando o sistema
auditivo periférico encontra-se prejudicado (perdas auditivas
neurossensoriais ou condutivas) há que se levar em conta os
seguintes critérios para a realização da avaliação do processamento
auditivo central através de testes com estímulos verbais:
1. Testes dióticos – Segundo recomendação do Prof. Dr.
JACK KATZ, a média de audição para tom puro deve ser de até 40
dB NA; simétrica preferencialmente; discriminação vocal de no
mínimo 70% de acertos em cada orelha; a diferença entre as
orelhas do índice percentual de reconhecimento de fala –
discriminação vocal convencional – não exceda 20%, como por
exemplo: 80% orelha direita e 100% orelha esquerda não dá
para fazer, mas 92% OD e 96% OE dá para fazer; nas perdas
condutivas se ocorrer um diferencial aéreo-ósseo de 30 dB ou
mais, realizar o teste diótico a 30 dB em nível de sensação.
Avaliação do Processamento Auditivo Central 113

2. Testes monóticos – Teste de fala com ruído branco: a


média de audição para tom puro deve ser de até 60 dB NA;
discriminação vocal de no mínimo 70%; os testes de localização
sonora, SSI ou PSI e o teste de fala filtrada podem ter seus
resultados modificados na presença de perda auditiva sem níveis
de referência.
3. Sempre fazer a discriminação vocal convencional com
gravação e as medidas de imitância acústica no mesmo dia da
avaliação do processamento auditivo central. Ter cuidado redo-
brado ao fazer interpretações dos testes especiais na presença de
perdas auditivas.

AVALIAÇÃO DO PROCESSAMENTO AUDITIVO


CENTRAL – TESTES ESPECIAIS
Existe na literatura especializada vários estudos mostrando a
utilização de estímulos verbais com redundâncias reduzidas para
serem identificados através de tarefas monóticas ou dióticas. Não se
pretende neste capítulo revisar estes estudos, recomenda-se aos
interessados a leitura de alguns textos clássicos, tais como: BOCCA,
CALEARO, CASSINARI, 1954; SPEAKS & JERGER, 1965; KEITH, 1977;
JERGER e cols., 1980; JERGER, 1982; KONKLE & RINTELMAN, 1983;
PINHEIRO & MUSIEK, 1985; KATZ, 1989; MUSIEK, BARAN, PINHEIRO,
1994; KATZ, 1994. Apresentar-se-ão, neste capítulo, sucintamente,
os procedimentos mais freqüentemente utilizados no Ambulatório
dos Distúrbios da Audição da Universidade Federal de São Paulo –
Escola Paulista de Medicina. Os procedimentos em detalhes estão
descritos em PEREIRA & SCHOCHAT (1996).

Teste de fala com ruído branco


Os estímulos verbais utilizados são 25 monossílabos propos-
tos por PEN & MANGABEIRA-ALBERNAZ (1973), que são mixados a
um ruído branco através de um audiômetro. Este estímulo de fala
distorcido é apresentado a uma orelha de cada vez. Trata-se,
portanto, de um teste com tarefa monótica, ou seja, o estímulo
verbal é distorcido por um ruído branco e apresentado a uma só
orelha por vez. O nível de apresentação do estímulo de fala é de
40 dB NS, tendo-se como referência os limiares tonais médios
obtidos através da audiometria tonal liminar. Este nível é fixo.
Simultaneamente, apresenta-se um ruído branco cujo nível de
pressão sonora é variado, de modo que seja dada uma relação
fala/ruído de +5 dB (cinco decibels positivos) denominada de
condição boa de escuta e de –5 dB (cinco decibels negativos)
denominada condição regular de escuta. Este teste foi estudado,
no Brasil, em indivíduos jovens normais por PEREIRA, 1993a;
ZULIANI, 1994; DIBI, R EZENDE, PEREIRA, 1996; em idosos normais
por SCHOCHAT, 1994; em perdas auditivas condutivas por GORDO
(1994); e em perdas auditivas neurossensoriais por MARQUES &
114 Fonoaudiologia Prática

IORIO, 1995; SCHOCHAT (1994); e em lesados cerebrais por DIBI,


REZENDE, PEREIRA, SABA (1996). Espera-se que o desempenho
na condição boa de escuta seja superior a 70% de identificações
corretas e na condição regular de escuta seja superior a 50%.
Deve-se verificar também se ocorreu uma melhora à segunda
orelha testada na condição regular de escuta. Além disso, ao se
comparar os índices percentuais de reconhecimento de fala (teste
de discriminação vocal convencional) com os índices percentuais
de fala com ruído na condição boa de escuta, deve-se observar se
os valores da diferença entre eles não excedem a 20%, que foi a
faixa de variação observada em indivíduos normais. As perdas
auditivas do tipo condutivo e neurossensorial de grau leve a
moderado não interferem no desempenho de um indivíduo neste
teste. Observou-se em indivíduos normais, quanto aos estímulos
verbais utilizados, que as palavras [jáz], [gim], [tem], [dil] foram as
de maior dificuldade para serem identificadas à primeira orelha
testada e à condição regular de escuta. Além disso, as palavras
[rol] [pus] [faz] [gim] [rir] [vai] [nú] [lhe] [tom] foram as que se
mostraram mais difíceis à condição regular de escuta em relação
à condição boa de escuta. Em indivíduos lesados cerebrais, cuja
faixa etária variou de 8 a 15 anos de idade, operados de tumor nas
vias do sistema nervoso central ou córtex, com lesão comprovada
através de tomografia, verificou-se que o teste foi sensível para
identificar 5 dos 10 sujeitos avaliados.

Teste de fala filtrada e de fusão binaural


Os estímulos verbais são 25 monossílabos propostos por PEN
& MANGABEIRA-ALBERNAZ (1973), que foram distorcidos em um
estúdio de áudio. Na condição passa-baixo foi feita uma atenuação
progressiva de 400 a 800 Hz, totalizando 24 dB de atenuação nas
freqüências acima de 800 Hz. Na condição passa-alto foi feita uma
atenuação progressiva de 2.500 a 800 Hz, totalizando 24 dB nas
freqüências abaixo de 800 Hz. Considera-se apenas a condição
passa-baixo para realizar o teste com tarefa monótica. E, quando se
consideram as duas condições, isto é, apresenta-se ao indivíduo os
estímulos verbais na condição passa-baixo a uma orelha e na
condição passa-alto à outra orelha. Simultaneamente, realiza-se o
teste de fusão binaural, que prevê tarefa diótica. O nível de apresen-
tação do teste de fala filtrada é de 50 dB NS e do teste de fusão
binaural é de 35 dB NS, tendo-se como referência os limiares médios
tonais. Este teste foi estudado no Brasil em indivíduos normais por
PEREIRA e cols., 1993; cujo experimento encontra-se descrito em
detalhes por PEREIRA & SCHOCHAT (1996); e em crianças por
CÂMARA, IORIO, PEREIRA (1995). Espera-se como desempenho
normal no teste de fala (tarefa monótica) identificações corretas de
cerca de 70%, e ainda uma melhora à segunda orelha testada em
relação à primeira. No teste de fusão binaural (tarefa diótica),
espera-se como desempenho normal identificações corretas supe-
Avaliação do Processamento Auditivo Central 115

riores a 80%. No teste de fusão binaural, a orelha sob teste é aquela


em que se apresenta a condição passa-baixo. As alterações no teste
de fala filtrada sugerem disfunção no processo gnósico auditivo
denominado de organização.

Teste diótico consoante-vogal


Os estímulos verbais são as sílabas [pa] [ta] [ca] [ba] [da] [ga]
combinadas entre si, formando 12 pares de sílabas diferentes.
Estes pares foram gravados em uma fita cassete de modo que
cada elemento do par estivesse em um canal e sincronizados no
tempo. Este teste prevê uma tarefa diótica. A tarefa do sujeito
sob teste é identificar uma das sílabas do par apresentado de
forma diótica. São realizadas três etapas, sendo uma denomi-
nada de etapa de atenção livre e duas de escuta direcionada,
uma de atenção para a orelha esquerda e outra de atenção para
a orelha direita. Em cada etapa apresenta-se a lista de doze
pares duas vezes, totalizando 24 estímulos. O teste é apresen-
tado a 50 dB NS com referência aos limiares tonais médios. Este
teste foi estudado no Brasil em indivíduos normais por PINTO,
1991; ORTIZ , 1995; TEDESCO , 1995; em gagueira por MAIORINO ,
1993; e em distúrbio do aprendizado por PEREIRA, 1993. Através
deste teste pode-se avaliar a dominância hemisférica esquerda
para estímulos verbais através da presença de vantagem da
orelha direita na etapa de atenção livre em crianças a partir dos
8 anos de idade. Além disso, as crianças a partir dos 10 anos de
idade já são capazes de modificar esse padrão de assimetria
perceptual. Isto é, ao ser solicitada a direcionar a escuta à orelha
direita ou esquerda são capazes de melhorar o seu desempe-
nho de acertos das sílabas apresentadas à orelha solicitada
quando comparada com os valores de identificações corretas à
mesma orelha na etapa de atenção livre. Sendo assim, a partir
dos 10 anos de idade, pode-se avaliar o desempenho da criança
quanto à solicitação de atenção para a orelha direita, dominante
para estímulos verbais e para a orelha esquerda. Adultos
apresentam vantagem da orelha direita à etapa de atenção livre
e são capazes de modificar essa assimetria perceptual quando
solicitados. Os índices de identificações corretas das sílabas
apresentadas, independentemente de qual orelha foi estimula-
da, são superiores a 80% para cada uma das etapas do teste.
Este índice de reconhecimento (IR) é calculado somando-se as
identificações corretas da orelha esquerda (OE) e da orelha
direita (OD) e dividindo-se este valor pelo total de estímulos
dados, que são 24. A este valor multiplica-se por 100 para
calcular a porcentagem de acertos. Abaixo apresenta-se a
fórmula para este cálculo:

(OD + OE)
IR =  × 100
24
116 Fonoaudiologia Prática

Alterações quanto ao índice de reconhecimento sugerem


alteração no processo gnósico auditivo denominado de decodi-
ficação. As alterações neste teste quanto à escuta direcionada à
orelha não-dominante, orelha esquerda, sugerem disfunção em
nível do corpo caloso, e quanto à escuta direcionada à orelha
dominante para estímulos verbais, orelha direita, sugerem disfun-
ção no centro de recepção auditiva do hemisfério esquerdo.

Teste diótico com sons não-verbais


competitivos
O estímulos são três sons ambientais: barulho do trovão,
barulho do sino da igreja, barulho de uma porta batendo; e três
sons onomatopéicos: som de um gato miando, um cachorro
latindo e um galo cacarejando. Estes sons foram combinados
entre si e sincronizados no tempo de modo a formar 12 pares.
Semelhantemente à combinação feita no teste diótico consoante-
vogal, as etapas de apresentação também são três, sendo uma de
atenção livre e duas de escuta direcionada, uma de atenção para
a orelha esquerda e outra de atenção para a orelha direita. O nível
de apresentação do teste é de 50 dB NS, tendo-se como referên-
cia os limiares tonais médios. Este teste foi estudado em indiví-
duos normais por ORTIZ (1995) e em lesados cerebrais por
REZENDE, DIBI, COSTA e cols. (1996). A tarefa do indivíduo na
etapa de atenção livre é associar um dos dois sons ouvidos, o que
for mais confortável, a uma figura com uma representação pictó-
rica deste som. E, na etapa de atenção para a orelha direita,
associar cada um dos sons ouvidos nesta orelha a uma figura que
o represente. E, na etapa de atenção à orelha esquerda, associar
cada um dos sons ouvidos nesta orelha a uma figura que o
represente. O resultado esperado em indivíduos normais na eta-
pa de atenção livre é a presença de uma simetria de acertos em
cada orelha, perfazendo um total superior a 11 associações
corretas por orelha, podendo então apresentar no máximo dois
erros. É considerado erro quando ocorre uma associação comple-
tamente diferente de cada um dos dois sons apresentados como
estímulo, um em cada orelha. Na etapa de escuta direcionada, ou
para a orelha direita ou para a orelha esquerda, o normal esperado
é que haja associações corretas iguais ou superiores a 23 estímu-
los para o lado solicitado. Alterações quanto à escuta direcionada
para sons não-verbais apresentados à orelha direita sugerem
disfunção nos centros de associação do hemisfério esquerdo e/ou
corpo caloso, e apresentados à orelha esquerda sugerem disfun-
ção em nível do hemisfério direito. A conseqüência do prejuízo
nesta habilidade auditiva se refere à compreensão da prosódia de
uma mensagem lingüística fornecida pela entonação, tonicidade
e intensidade das palavras. Este teste necessita de mais pesqui-
sas para ampliar o conhecimento da interferência das perdas
auditivas e do topodiagnóstico.
Avaliação do Processamento Auditivo Central 117

Teste de escuta monótica e diótica com


sentenças e teste de escuta monótica de
baixa redundância, através de identificação
de figuras
PSI em português. Os estímulos verbais utilizados na aplica-
ção do PSI são 10 frases que devem ser identificadas através de
figuras na presença de mensagem competitiva ipsilateral e contra-
lateral. O estímulo verbal que serve de mensagem competitiva é
uma história infantil. Este teste foi elaborado em português por
ALMEIDA, CAMPOS, ALMEIDA (1988). O nível de apresentação das
sentenças é fixado em 40 dB NS, tendo-se como referência os
limiares médios tonais. O nível de apresentação da mensagem
competitiva é variado de modo que sejam estabelecidas as
relações fala/ruído de zero e de –40 dB na condição de competi-
ção contralateral e de zero, –10 dB e de –15 dB nas condições de
competição ipsilateral. A faixa etária recomendada é para crian-
ças a partir de 4 anos até cerca de 7 a 8 anos de idade. No entanto,
em nosso meio pode-se estender a aplicação por faixa etária em
indivíduos difíceis de serem testados, como por exemplo, aqueles
com distúrbios da comunicação humana. Este teste foi estudado
no Brasil em indivíduos normais por ALMEIDA, CAMPOS, ALMEIDA
(1988) E KALIL (1994); e em indivíduos com distúrbios do aprendi-
zado por PEREIRA (1993b). Além desta etapa com sentenças,
também faz parte deste teste a utilização de palavras como
estímulos verbais que deverão ser identificadas através de figuras
na presença de mensagem competitiva. São 10 palavras, duas
dissílabas e oito monossílabas que devem ser apresentadas em
um nível de pressão sonora fixado em 40 dB NS, tendo-se como
referência os limiares médios tonais. Recomenda-se a utilização
da mensagem (história infantil) competitiva ipsilateral na relação
fala/ruído de +5 dB e também a utilização de um ruído branco
competitivo na relação fala/ruído de +5 dB. Os procedimentos
detalhados para a utilização deste teste estão referidos em
ZILIOTTO, KALIL , ALMEIDA (1996). Os resultados normais espera-
dos variam de acordo com a condição da mensagem e com a
utilização de sentenças ou palavras. Alterações neste teste suge-
rem prejuízo do processo gnósico auditivo denominado de codifi-
cação.

Teste de escuta monótica e diótica com


sentenças
SSI em português. Os estímulos verbais utilizados são 10
sentenças sintéticas de terceira ordem elaboradas em espanhol
pelo próprio Prof. JAMES JERGER e entregues ao Dr. CLEMENTE
ISNARD RIBEIRO DE ALMEIDA. Como mensagem competitiva, os
autores do teste em português, ALMEIDA & C AETANO (1988),
utilizaram um texto da História do Brasil. O teste é realizado
118 Fonoaudiologia Prática

apresentando-se as sentenças em um nível fixo de pressão


sonora de 40 dB NS, tendo-se como referência os limiares médios
tonais. Varia-se o nível de pressão sonora de apresentação da
mensagem (história) competitiva de modo que sejam estabeleci-
das as relações fala/ruído de zero e –40dB na condição de
competição contralateral e de zero, –10 e –15dB na condição
ipsilateral. Os procedimentos estão referidos em KALIL , ZILIOTTO,
ALMEIDA (1996). Os resultados esperados em indivíduos normais
estão dentro da mesma faixa de variação do teste na sua versão
em língua inglesa. Este teste foi estudado no Brasil em indivíduos
normais por AQUINO, ALMEIDA, OLIVEIRA (1993) e OSTERNE e cols.
(1994), em lesados cerebrais comprovados por tomografia por
AQUINO e cols. (1995); R EZENDE e cols. (1996) e DIBI e cols. (1996).
Alterações neste teste sugerem prejuízo do processo gnósico
auditivo denominado de codificação.

Teste SSW em português


Os estímulos verbais utilizados são palavras dissílabas com-
postas do português brasileiro. São 40 itens compostos de 4
dissílabas cada um, totalizando 160 palavras-estímulo. O nível de
apresentação do teste, em ouvintes com acuidade normal, é de
50 dB NS, podendo-se realizar o teste em indivíduos com perda
auditiva de grau leve a 35 dB NS, tendo-se como referência os
limiares médios tonais. Vinte itens (os de números ímpares) são
apresentados iniciando-se pela orelha direita e 20 itens (os pares)
são apresentados iniciando-se pela orelha esquerda. A primeira
palavra dos itens ímpares é apresentada isolada à orelha direita,
e vai formar a condição direita não-competitiva, segue duas
palavras diferentes e apresentadas simultaneamente uma à
orelha direita e outra à orelha esquerda que formarão as condi-
ções direita competitiva e esquerda competitiva e a última palavra
é apresentada sozinha à orelha esquerda e constituirá a condição
esquerda não-competitiva. Os itens pares terão as condições
esquerda não-competitiva (primeira palavra do item apresentada
isolada à orelha esquerda), seguindo-se as condições esquerda
competitiva e direita competitiva (segunda e terceira palavras
dissilábicas apresentadas simultaneamente uma à orelha es-
querda e a outra à orelha direita) e finalmente a condição direita
não-competitiva (última palavra do item apresentada isolada à
orelha direita). A apresentação de cada item é precedida da frase
introdutória, preste atenção, que fornece a pista de qual orelha se
iniciará o teste. As respostas para cada uma das 160 palavras
devem ser consideradas individualmente como certas ou erra-
das. Consideram-se erros: omissão, substituição, distorção da
palavra. A seqüência de repetição das palavras é uma alteração
qualitativa denominada de inversão. Um item fora da seqüência
contendo no máximo uma palavra errada é considerado inversão.
Se ocorrer alteração na seqüência das palavras com mais de uma
Avaliação do Processamento Auditivo Central 119

palavra errada, contam-se os erros e não se anota a inversão.


Computam-se os erros para cada uma das condições dos itens
que iniciaram pela orelha direita e também dos itens que iniciaram
pela orelha esquerda. Sendo assim, teremos oito valores de erros
de cada condição por orelha que o teste iniciou. Somam-se os
números de erros por condição semelhante, por exemplo: direita
competitiva iniciando pela orelha direita; direita competitiva
iniciando pela orelha esquerda; e esquerda competitiva iniciando
pela orelha direita; e esquerda competitiva iniciando pela orelha
esquerda. Transformam-se estes valores das condições compe-
titivas em porcentagem de acertos e classifica-se a normalidade
ou a desordem do processamento auditivo central baseando-se
em valores de referência para indivíduos normais. Em crianças de
8 anos ou mais, os valores de referência obtidos foram de índices
de acertos maiores ou iguais a 90% nestas condições competiti-
vas. Classifica-se como Desordem do Processamento Auditivo
Central de grau leve quando os índices percentuais de
acertos da condição competitiva variaram entre 80 e 90%, de
DPAC de grau moderado para valores de acertos de 60 a 80%, e
DPAC de grau severo para valores percentuais de acertos inferio-
res a 60 %. Em adultos ou indivíduos maiores de 12 anos de idade,
a análise dos valores dos erros segue a recomendação do Prof.
KATZ e então faz-se a análise combinada denominada de análise
TEC. A primeira análise é feita considerando-se cada um dos
erros, em porcentagem, de cada condição, competitiva e não-
competitiva, fazendo-se a correção – ou seja – subtraem-se
destes valores em porcentagem os erros obtidos no teste de
discriminação convencional. A segunda análise é baseada na
média dos valores da condição não-competitiva e competitiva de
cada orelha, denominado de porcentagem de erros da orelha
direita e da orelha esquerda. Finalmente, analisa-se a média de
erros da orelha direita e da orelha esquerda que corresponde ao
total de erros, em valores percentuais. Através de uma tabela
proposta pelo Prof. KATZ, classifica-se cada um destes valores
por condição, orelha e total de erros. A letra inicial ou medial de
cada uma destas palavras forma a denominação da análise:
análise T (total) E (Orelha) C (condição). Nesta análise, devem-
se levar em conta os valores mais extremos, tanto posititvos como
negativos. Quando os valores extremos forem positivo e negati-
vo, trabalha-se com duas categorias. Combinam-se as pontua-
ções da análise TEC levando-se em conta a categoria que mais
se repete, exceção é feita quando coexistir por exemplo uma
categoria alterada e mais de uma normal que se deve considerar
categoria combinada àquela alterada. Quando classifica-se
DPAC pode-se avaliar o local da disfunção segundo KATZ (1994).
Resumidamente, pode-se dizer que, na classificação normal, o
sistema auditivo periférico e central estão normais; na classifica-
ção leve podem ocorrer disfunções em áreas corticais não-
auditivas ou ainda na região anterior do corpo caloso; na catego-
120 Fonoaudiologia Prática

ria moderada/severa podem ocorrer disfunções em áreas auditi-


vas, área cortical de recepção auditiva ou subcorticais e ainda, em
alguns casos, pode envolver também porção posterior do corpo
caloso. No quadro abaixo, mostram-se os valores utilizados pelo
Prof. KATZ para a categorização segundo a análise TEC:

Erros (%) Categoria


Normal Leve Moderada Severa

Total –4 a 5 6 a 15 16 a 35 36 a 100

Orelha –6 a 10 11 a 20 21 a 40 41 a 100

Condição –9 a 15 16 a 25 26 a 45 46 a 100

Algumas vezes, ao se corrigirem os valores do SSW em


cada condição, podem-se encontrar valores negativos abaixo
dos considerados normais. Esta categoria é denominada de
supercorrigida. Ocorre em casos em que a pontuação do índice
do reconhecimento de fala (valor da discriminação convencio-
nal), em valores percentuais de erros, encontra-se superior à
pontuação do índice percentual de erros por condição obtido no
teste SSW. Este tipo de problema, segundo a literatura especia-
lizada, está associado a uma disfunção do VIII par crânico, ou
em casos de patologias cocleares ou, por vezes, em alterações
de tronco cerebral baixo.
Além da avaliação quantitativa do teste SSW, deve-se fazer a
análise qualitativa que envolve dois processos: um que é denomi-
nado de tendência das respostas e outro que é denominado de
qualificadores. Quanto às tendências das respostas, avalia-se a
presença significante de:

• Inversões – Ocorrem quando a seqüência dos itens de


palavras apresentadas é repetida fora da ordem, desde que
não haja mais de um erro no item.
• Efeito auditivo – Significa apresentar mais erros quando o
teste é iniciado pela orelha direita, denominado de efeito
auditivo alto-baixo, ou ainda apresentar mais erros quando
o teste é iniciado pela orelha esquerda denominado de efeito
auditivo baixo-alto.
• Efeito de ordem – Significa errar mais as primeiras e
segundas palavras do item que as terceiras e quartas
palavras; denominado de efeito alto-baixo. Ou ainda, ao
contrário, denomina-se efeito baixo-alto.
• Padrão de resposta tipo A – Ocorre quando detectamos
um grande número de erros e o maior numa mesma coluna
Avaliação do Processamento Auditivo Central 121

do teste SSW, ou direita competitiva iniciada pela orelha


direita ou esquerda competitiva iniciada pela orelha esquer-
da, quando comparado aos erros de outra coluna também
com um grande número de erros.

Para cada uma destas tendências de respostas, há um possí-


vel local de envolvimento da disfunção, segundo dados da litera-
tura especializada:

→ efeito de ordem baixo-alto região temporal posterior – cór-


tex auditivo
→ efeito de ordem alto-baixo metade anterior do cérebro
→ efeito auditivo alto-baixo região temporal posterior – cór-
tex auditivo
→ efeito auditivo baixo-alto região frontotemporal
→ inversões região temporal anterior, região
frontal adjacente
→ tipo A não é muito efetivo para topo-
diagnóstico, parece ocorrer em
disfunção do corpo caloso e do
tálamo

Além disso, os qualificadores caracterizam um padrão de


respostas comportamentais que devem ser anotadas, pois auxi-
liam a interpretação dos resultados que são:
a) presença de uma resposta excessivamente rápida – que
ocorre quando há problemas de memória;
b) presença de uma resposta excessivamente lenta – pacien-
tes com decodificação fonêmica lenta.
Os resultados esperados em indivíduos normais estão dentro
da mesma faixa de variação do teste na sua versão em língua
inglesa. Este teste SSW foi adaptado para o português pelas
fonoaudiólogas ALDA CHRISTINA L. CARVALHO BORGES e ISA
SCHINEIDER. Os procedimentos estão em BORGES (1996).

Localização sonora e de memória seqüencial


Além destes testes especiais que devem ser feitos em
cabina acústica e apresentados através de um gravador acoplado
a um audiômetro, também utilizam-se no Serviço de Avaliação
do Processamento Auditivo Central do Ambulatório dos Distúr-
bios da Audição da UNIFESP-EPM, os testes dióticos denomi-
nados de Teste de Localização Sonora em cinco direções, Teste
de Memória Seqüencial Verbal e Não-verbal (PEREIRA, 1993b;
TONIOLO e cols.,1994; Z ANCHETTA, BORGES, PEREIRA , 1994;
CRUZ & P EREIRA, 1996; PEREIRA, 1996a). Estes três procedi-
122 Fonoaudiologia Prática

mentos utilizados em conjunto apresentam uma sensibilidade


de identificação de Desordem do Processamento Auditivo Cen-
tral da ordem de 80% em indivíduos na faixa etária de 4 a 6 anos
de idade. Por isso, se tornam muito úteis para a utilização em
serviços públicos e em consultórios de fonoaudiologia que não
dispõem de equipamento sofisticado para a utilização dos
testes especiais anteriormente descritos. Em faixas etárias
superiores a 6 anos, a sensibilidade destes procedimentos
dióticos cai para 50%. Sendo assim, ao se avaliar um indivíduo
com os procedimentos dióticos de localização sonora e memó-
ria seqüencial e se estes estiverem alterados pode-se afirmar
que existe uma desordem do processamento auditivo central.
Quando a alteração encontra-se na habilidade de localizar sons,
o prejuízo do processo gnósico é do tipo decodificação e quando
encontra-se na habilidade de memória seqüencial, o prejuízo
funcional encontra-se no processo gnósico auditivo denomina-
do de organização.
Utilizando-se testes com estímulos verbais podemos inferir,
através da habilidade de identificação destes estímulos por um
indivíduo, como se encontra a sua compreensão de linguagem
(PEREIRA, 1996b). Algumas vezes, as alterações de linguagem de
um indivíduo podem ter como causa uma desordem do processa-
mento auditivo central, e este distúrbio de audição pode ter como
causas, privações sensoriais, perdas auditivas, mesmo as leves
e transitórias no início do desenvolvimento, ou mesmo alterações
genéticas. Por vezes, ocorre que a desordem do processamento
auditivo central seja decorrente de outros problemas orgânicos ou
afetivo-emocionais.

CLASSIFICAÇÃO DA DESORDEM DO
PROCESSAMENTO AUDITIVO CENTRAL E TERAPIA
FONOAUDIOLÓGICA
A fonoterapia deverá realizar o treinamento auditivo verbal
envolvendo as habilidades auditivas de atenção seletiva, localiza-
ção, memória, fala e linguagem, desenvolvendo estratégias de
seqüencialização sonora, figura-fundo auditivo, monitoração au-
ditiva da produção de fala, ampliação do vocabulário (treino do
léxico); melhorar o conhecimento das regras da língua (treino da
sintaxe); discriminação auditiva, associação fonema-grafema. Ao
se preparar um plano de fonoterapia, o objetivo é o de criar
condições para que o indivíduo possa se reorganizar quanto aos
aspectos envolvidos na comunicação no que se refere à utilização
dos fonemas e regras da língua. Para cada tipo de distúrbio do
processamento auditivo central, alguns aspectos deverão ser
predominantemente treinados.
Nos distúrbios do processamento auditivo central classifica-
dos como:
Avaliação do Processamento Auditivo Central 123

Decodificação – A terapia fonoaudiológica deverá enfatizar o


treino das habilidades auditivas de consciência fonológica (análi-
se e síntese) associada à leitura.
Codificação – A fonoterapia deverá enfatizar o treino da
compreensão de linguagem no ruído (figura-fundo).
Organização – Treinar predominantemente a memória para
sons em seqüência. Utilizar sons verbais visando à seqüência
lógica temporal de um texto. Usar sons não-verbais visando à
prosódia da fala.

COMENTÁRIO FINAL
Acredita-se que a classificação da Desordem do Processamen-
to Auditivo Central auxilia a compreensão dos problemas que um
indivíduo possa apresentar no que se refere ao seu sistema de lin-
guagem. Além disso, possibilita o planejamento de estratégias que
podem ser utilizadas no processo de reabilitação fonoaudiológica.
Cabe, neste momento, pesquisar mais amplamente estas ques-
tões para que se possa rever a metodologia tradicional de reabilita-
ção fonoaudiológica, objetivando uma fonoaudiologia cada vez
melhor. Além disso, acredita-se que a ampliação do conhecimento
da importância e dos processos envolvidos na audição poderá levar
a uma atuação em fonoaudiologia educacional, visando à melhora
da comunicação entre pais e filhos, professores e alunos.

Leitura recomendada
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Testes Audiológicos para a Identificação de Alterações Cocleares e Retrococleares 127

6
Testes Audiológicos para a
Identificação de Alterações
Cocleares e Retrococleares

Maria Valéria Schmidt Goffi Gomez


Maria Elisabete Bovino Pedalini

INTRODUÇÃO

Até meados da década de 40, os testes acumétricos (com


diapasão) eram o único instrumento para o diagnóstico diferen-
cial. Em 1936, FOWLER descreveu o alternate binaural loudness
balance test (ABLB) e em 1959 foi criado o short increment
sensitivity index (SISI), iniciando-se assim a investigação do
fenômeno de recrutamento, que se acreditava ser encontrado
apenas em lesões cocleares. Em 1948, com os trabalhos de D IX,
HALLPIKE e HOOD, na Inglaterra, constatou-se que o recrutamen-
to, medido pelo ABLB, era sinal positivo em pacientes com
doença de Ménière e negativo em tumores do nervo VIII estabe-
lecendo-se uma diferenciação entre os achados nas lesões
cocleares e retrococleares. Em 1955, HOOD propôs a aplicação
do tone decay test (TDT) para a investigação do fenômeno de
adaptação em pacientes portadores de lesão retrococlear. Três
linhas paralelas no diagnóstico audiométrico surgiram então,
em 1960: 1. a avaliação da adaptação como fenômeno especí-
fico de envolvimento retrococlear, especialmente de nervo VIII;
2. o desenvolvimento de testes vocais para diferenciar alteração
periférica da central; e 3. o desenvolvimento da imitanciometria.
Em 1969, ANDERSON acrescentou à pesquisa do reflexo estape-
diano, o teste de medida do declínio do reflexo, também criado
para a investigação de lesão retrococlear. Finalmente, nos anos
128 Fonoaudiologia Prática

70, com o desenvolvimento da tecnologia, surgiu a audiometria


de tronco cerebral (ABR), contribuindo no estudo audiológico,
permitindo um avanço no diagnóstico diferencial de lesões da
orelha interna (JERGER , 1987).
A bateria de testes para localização da lesão, sensorial ou
neural (TDT, SISI, Fowler, Békésy), foi incessantemente aplicada
durante mais de duas décadas. Entretanto, diversos trabalhos
(CLEMIS & MASTRICOLA, 1976; JOHNSON , 1977; HOMBERGEN, 1984;
MATTOX, 1987; PEDALINI e cols., 1989; PEDALINI e cols., 1991)
relataram que os resultados dos testes audiométricos supralimiares
não seriam suficientemente precisos para a diferenciação entre a
lesão coclear e a retrococlear.
Os principais testes usados na bateria audiológica foram
aqueles que tentavam determinar: 1. o crescimento anormal da
sensação de intensidade (fenômeno do recrutamento) como o
SISI, ABLB e audiometria automática de Békésy; e 2. testes que
tentavam identificar a queda rápida anormal na resposta a
estímulos contínuos (fenômeno da adaptação patológica) como
o TDT e audiometria de Békésy. Pelo fato de aproximadamente
20% dos pacientes com neurinoma do acústico manifestarem
perda auditivas do tipo coclear, em vez de retrococlear, os
testes topodiagnósticos como SISI, TDT, ABLB e audiometria
de Békésy têm sido abandonados para fins topodiagnósticos
(THOMSEN & TOS, 1993). Estes testes têm sido substituídos pela
pesquisa do reflexo estapediano e o declínio do reflexo (BECK e
cols., 1986; STELMACHOWICZ & GORGA , 1993).
Independentemente da origem da lesão, o envolvimento do
sistema auditivo pode abranger tanto a cóclea como o VIII par,
descartando-se a possibilidade de usar testes que diferenciem as
lesões. Atualmente, a pesquisa audiológica de uma perda senso-
rioneural deve enfatizar a busca de sinais retrococleares e não a
diferenciação entre as lesões.
Neste capítulo, temos como objetivo apresentar critérios para
a interpretação da avaliação audiológica, que poderão nortear o
diagnóstico da perda sensorioneural, já que segundo L ASSMAN &
ALDRIDGE (1989), diagnóstico é o processo que determina através
de exames a causa ou natureza do problema. A contribuição do
audiologista não é a determinação da causa nem da natureza,
mas o auxílio no direcionamento dessa investigação.

Alterações da fisiologia coclear e retrococlear


A função primária da avaliação audiológica é a medida da
audição periférica, e pode fornecer informações não só quanto ao
grau de perda, mas também quanto ao local da lesão. Permitindo,
dessa forma, que a perda auditiva periférica possa ser categorizada
como condutiva, sensorioneural, ou mista.
Este capítulo enfocará as perdas do tipo sensorioneural. Esta
perda ocorre diante de uma alteração envolvendo as estruturas
Testes Audiológicos para a Identificação de Alterações Cocleares e Retrococleares 129

sensoriais (células ciliadas da cóclea) e/ou neurais (VIII par


craniano, nervo vestibulococlear), daí a denominação neurossen-
sorial ou sensorioneural. Embora os dois sistemas estejam fisio-
logicamente relacionados, para efeitos didáticos, passaremos a
discuti-los independentemente com o intuito da melhor compreen-
são de seus sinais. Dividiremos em envolvimento coclear (senso-
rial) e envolvimento retrococlear (neural).

Disacusia sensorioneural com envolvimento


coclear
A cóclea (Fig. 6.1) é um dos órgãos mais complexos
e sensíveis do organismo. Sua função, creditada como de
simples transdutor do estímulo elétrico, revelou-se muito mais
ampla. Hoje sabe-se que as células ciliadas externas (CCE)
exercem: 1. a função de amplificar a vibração da membrana
basilar e permitir que as células ciliadas internas (CCI) sejam
ativadas, levando o estímulo ao nervo auditivo; e 2. a função de
protegê-las diante de estímulos intensos, interrompendo o efei-
to “estimulador” (HUDSPETH , 1989; D ALLOS, 1992; OLIVEIRA ,
1993). Isso se dá graças à capacidade contrátil das CCE,
descrita por BROWNELL, 1984 apud O LIVEIRA , 1993.
A cóclea é suscetível não apenas a agressões estruturais
mas também a alterações bioquímicas que podem ter conse-
qüências profundas sobre a audição (L ASSMAN & ALDRIDGE ,
1989). A função coclear depende da manutenção da homeosta-
se interna dos componentes sólidos e líquidos. O enrijecimento
da porção membranosa da cóclea por envelhecimento ou por
doenças resulta em distorção da audição (L INTHICUM e cols.,
1975; SWARTZ e cols., 1985), assim como as alterações da

Ducto coclear Rampa do vestíbulo


Parede externa do Parede vestibular do
ducto coclear ducto coclear

Órgão espiral, Membrana tectória


Membrana reticular Sulco espiral interno
Proeminência espiral Lábio do limbo vestibular

Estria vascular Lâmina espiral óssea


Sulco espiral externo (R. do nervo coclear)
Crista espiral
Gânglio coclear
(Lig. espiral)
Limbo da lâmina espiral
Parede timpânica do óssea
ducto coclear Lábio do limbo timpânico
Lâmina basilar Rampa do tímpano

FIGURA 6.1 – Corte transversal ligeiramente esquemático através de uma espira da cóclea. (PUTZ, R.
& PABST, R. Cabeça e pescoço e extremidade superior. Sobotta. Atlas de Anatomia Humana. Vol. 1.
Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1995.)
130 Fonoaudiologia Prática

composição da endolinfa e perilinfa resultantes de uma doença


sistêmica podem provocar uma disfunção importante da orelha
interna (HAUPT e cols., 1993; HARRIS & O´D RISCOLL, 1993).
Disso decorre que não se devem considerar perdas sensorio-
neurais cocleares como decorrentes apenas de lesão das célu-
las ciliadas.
Entre as causas de envolvimento coclear estão as alterações
metabólicas, hidropisia endolinfática, malformações congênitas,
trauma cranioencefálico, exposição a ruído, infecções virais ou
bacterianas, ototoxicidade, disfunções auto-imunes e alterações
próprias de idade avançada.
A cóclea é então um órgão transdutor, com um processo
altamente diferenciado para a detecção e discriminação precisa
dos sons, com o poder de responder a mais de 100.000 vezes por
segundo (HUDSPETH, 1989), e necessita de uma série complexa
de acontecimentos bioquímicos e metabólicos para seu perfeito
funcionamento (LASSMAN & ALDRIDGE, 1989).
A falha da amplificação mecânica dada pelas CCE acarre-
ta uma perda auditiva, pois provoca a não-estimulação, em
intensidades fracas, das células ciliadas internas (CCI), cujos
esteriocílios em repouso não estão em contato com a mem-
brana tectória. Acredita-se que somente ondas a partir de 50
dB seriam capazes de movimentar a membrana basilar o
suficiente para colocar os cílios das CCI em contato com a
membrana tectória e aí estimulá-las diretamente (PORTMANN
& P ORTMANN, 1993). Além da perda auditiva, a alteração das
CCE poderá produzir uma sensação de distorção de intensi-
dade conhecida como fenômeno do recrutamento. O recru-
tamento é definido como um aumento anormal do loudness
para sinais supralimiares em intensidade (B RUNT, 1994). Por
exemplo, se tomarmos um ouvido normal, com média para
tons puros nas freqüências de 500, 1 k e 2 kHz (PTA) a 20 dB
e um ouvido com uma perda sensorioneural de 45 dB, os tons
são percebidos igualmente em ambos os ouvidos no limiar. Se
ao apresentarmos 70 dB NA correspondente a 50 dB NS para
o ouvido normal e 25 dB NS para o ouvido com disacusia
sensorioneural e se, o indivíduo considerá-los de igual loudness,
então, o ouvido deficiente mostrou um aumento rápido de
sensação de intensidade ( loudness), ou fenômeno de recruta-
mento. Foi necessário um aumento de somente 25 dB acima
do limiar no ouvido pior para fazê-lo parecer igual ao do lado
normal que necessitou 50 dB acima do limiar tonal (PORTMANN
& PORTMANN , 1993) (Fig. 6.2).
A falta das CCE leva a uma não estimulação a intensidades
fracas, mas não impede a estimulação direta das CCI, a partir de
certa intensidade. O fenômeno do recrutamento, característico de
lesão das CCE, pode ser explicado tanto pela estimulação direta
das CCI, quanto pela não inibição dos estímulos fortes, pela falha
da contração lenta das CCE.
Testes Audiológicos para a Identificação de Alterações Cocleares e Retrococleares 131

OD OE
dB dB
0 0
10 10
20 20
30 30
40 40
50 50
60 60
70 70
80 80
90 90
100 100
FIGURA 6.2 – Gráfico exemplificando o fenômeno do recrutamento.

Disacusia sensorioneural com envolvimento do


nervo auditivo e/ou ângulo pontocerebelar
O nervo vestibulococlear é um nervo sensitivo, que penetra na
ponte pela porção lateral do sulco bulbopontino, entre a emergên-
cia do VII par e o flóculo do cerebelo, região denominada ângulo
pontocerebelar (APC) (Fig. 6.3). Compõem-se de uma parte
vestibular (nervos vestibular superior e inferior) e outra parte
coclear, embora unidas em um tronco comum, têm origens,
funções e conexões centrais diferentes (M ACHADO, 1977).
Dois tipos de lesões são as mais encontradas acometendo as
estruturas neurais: os processos expansivos (neoplasias) e as
doenças desmielinizantes. A maioria das lesões que acometem o
tronco cerebral estão associadas a sintomas neurológicos, en-
quanto os tumores do ângulo pontocerebelar e o nervo propria-
mente dito têm como queixa principal a perda de audição e o
zumbido (JAHRSDOERFER, 1981).
Entre as doenças desmielinizantes, destaca-se a esclerose
múltipla que, havendo perda de mielina, afeta a transmissão

FIGURA 6.3 – Corte mostrando região do ângulo ponto-


cerebelar. (JACKLER, R.K. & SELESNICK, S.H. Clinical
manifestations and audiologic diagnosis of acoustic
neuroma. Otolaryngol. Clin. North Am., 25(3):1995.
132 Fonoaudiologia Prática

neural do impulso. Aproximadamente 30% dos pacientes com


esclerose múltipla podem apresentar zumbido, vertigem e perda
de audição, que variam de intensidade no decorrer da evolução da
doença, e podem desaparecer espontaneamente (JAHRSDOERFER,
1981).
Contudo, a maioria das alterações retrococleares (envolvi-
mento de nervo e/ou ângulo pontocerebelar) é proveniente de
processos expansivos no conduto auditivo interno (CAI) e APC,
entre elas podemos destacar os neurinomas do VIII ou do VII
pares cranianos, meningioma, lipoma, cisto epidermóide, coles-
teatoma, glomo jugular. O neurinoma do acústico corresponde a
75% dos tumores que acometem o APC (MARTUZA e cols., 1985;
VELLUTINI, 1994). O meningioma do APC é o segundo tumor mais
comum, representando entre 3 e 12% dos tumores do APC (HART
& LILLEHEI, 1995). Estes tumores são benignos, mas devido à sua
localização, seu crescimento pode trazer conseqüências impor-
tantes se não diagnosticados precocemente.
O meningioma é um tumor de crescimento lento que se origina
da célula meningotelial muito comum nos nichos aracnóideos
(L ALWANI, 1992).
O neurinoma é um tumor que cresce da bainha de Schwann
do VIII par craniano. Caracteristicamente, o tumor se desenvolve
dentro do CAI, da porção vestibular do VIII par (daí a denominação
mais correta ser schwannoma do vestibular). Com o aumento de
tamanho, o tumor pode se estender do meato acústico interno
para o APC (JERGER & JERGER, 1981).
O ramo coclear do nervo vestibulococlear é sempre mais
vulnerável, sendo o zumbido a primeira manifestação, seguida de
perda auditiva do tipo sensorioneural. Em relação à função
vestibular, a sua maior tolerância pode ser explicada pela provável
compensação central. Essa característica promove pequena sin-
tomatologia vestibular, mas a diminuição funcional poderá ser
identificada na eletronistagmografia (CRUZ & A LVARENGA, 1996).
Os sintomas associados ao crescimento do neurinoma do
acústico podem ser devidos à compressão, atrofia e invasão do
tronco dos nervos coclear e vestibular, interferência na vasculariza-
ção da cóclea, distúrbios bioquímicos dos líquidos cocleares (JERGER
& JERGER, 1981), podendo causar sinais de envolvimento predomi-
nantemente coclear (HIRSCH & ANDERSON, 1980). Reforçando o fato
de que a presença de sinais de comprometimento coclear não afasta
a presença de uma alteração de origem retrococlear.
Quando o envolvimento atinge o tronco cerebral, surgem
sintomas neurológicos, como cefaléia e sintomas de hipertensão
intracraniana, conseqüentes à pressão sobre os nervos cranianos
adjacentes e/ou compressão e deslocamento de estruturas do
próprio tronco cerebral.
Os tumores do nervo VIII são de ocorrência unilateral, mas em
5% dos casos eles podem ser bilaterais (DAMASCENO e cols.,
1984; HOLT, 1987; NEARY e cols., 1996) em pacientes sofrendo de
Testes Audiológicos para a Identificação de Alterações Cocleares e Retrococleares 133

neurofibromatose central, com algumas características da doen-


ça descrita por VON RECKLINGHAUSEN (MARTUZA e cols., 1985).
As lesões do VIII par e/ou APC podem levar à perda auditiva
do tipo neural, com queda do limiar aéreo-ósseo, acompanhadas
ou não de distorção da sensação de tempo, fenômeno conhecido
como adaptação patológica. Isso se deve ao fato de que a
transmissão do estímulo elétrico no nervo auditivo é dada por
impulsos que caminham em descargas de diferentes fibras do
nervo (HENDERSON e cols., 1994). Se uma pequena porção do
nervo estiver parcialmente comprimida, poderá haver uma falha
no revezamento das descargas de uma seqüência rápida de
impulsos, fazendo com que o início de um estímulo contínuo seja
bem conduzido, havendo uma interrupção na manutenção do
impulso, o que pode explicar o fenômeno de adaptação (HOMBERGEN,
1984). Além disso, cada feixe de fibras carrega impulsos de
diferentes freqüências. Se um ou mais feixes de fibras estiverem
danificadas, somente essas freqüências estarão comprometidas.

TESTES AUDIOLÓGICOS – TÉCNICA E


INTERPRETAÇÃO
Os resultados da avaliação audiológica básica, audiometria
tonal limiar, audiometria vocal e imitância acústica têm-se mostra-
do suficientes para nortear investigações nas perdas auditivas
sensorioneurais, tanto aquelas mostrando envolvimento coclear
como retrococlear. A avaliação inicial associada ao alto grau de
suspeita médica têm sido colocados como os principais instru-
mentos de diagnóstico precoce de neurinoma do acústico (KVETON,
1993).
Considerando-se a importância da detecção precoce dos
processos expansivos que envolvem o nervo VIII e ângulo
pontocerebelar, serão enfatizados os sinais que podem levar à
suspeita de acometimento dessas estruturas, ressaltando-se que
estes resultados atuam como indicadores de envolvimento e não
determinantes da origem da lesão.

Audiometria tonal limiar


A audiometria tonal é considerada um teste que indica apenas
o grau e o tipo de perda. Entretanto, inúmeros trabalhos (JOHNSON,
1977; JERGER, 1983; MARTUZA e cols., 1985; BECK e cols., 1986;
KANZAKI e cols., 1991; YANAGIHARA & ASAI, 1993; GANANÇA e cols.,
1994; NEARY e cols., 1996) mostraram que um dos indícios de
lesão envolvendo o VIII par é a perda auditiva sensorioneural
assimétrica (Fig. 6.4). BECK e cols. (1986) sugeriram que a
audiometria tonal é essencial no screening e diagnóstico do
neurinoma do acústico.
Em 38 pacientes portadores de neurinoma do acústico estu-
dados por CRUZ e cols. (1993), 98% apresentaram perda auditiva
134 Fonoaudiologia Prática

Audiometria tonal Audiometria tonal


250 500 1000 2000 4000 8000 Hz 250 500 1000 2000 4000 8000 Hz
dB dB
0 0
10 10
20 20
30 30
40 40
50 50
60 60
70 70
80 80
90 90
100 100

FIGURA 6.4 – Audiograma de disacusia sensorio- FIGURA 6.5 – Audiograma de disacusia sensorio-
neural leve bilateral, mostrando assimetria discre- neural descendente assimétrica de um indivíduo
ta em um indivíduo apresentando neurinoma do apresentando neurinoma do acústico do lado
acústico do lado direito. direito.

sensorioneural assimétrica, sendo a morfologia descendente o


segundo achado mais freqüente. Segundo CLEMIS & MASTRICOLA
(1976), BECK e cols. (1986) e G ANANÇA e cols. (1994), esta
assimetria pode ser até mesmo leve, eventualmente mostrando
resultados normais bilateralmente (Fig. 6.5).
Por outro lado, GATES & C HAKERES (1988) descreveram a
freqüência de ocorrência de diferentes configurações audiométri-
cas, ascendentes, em sino, planas e descendentes, mostrando
que não há morfologia audiométrica específica nos casos de
processos expansivos de VIII par. HART & L ILLEHEI (1995), anali-
sando os resultados de pacientes portadores de meningioma,
encontraram resultados audiométricos com configuração normal
e com perda simétrica de grau leve.

Audiometria vocal
A bateria vocal básica inclui a medida do limiar de recepção de
fala (speech reception threshold – SRT), o índice de reconheci-
mento de fala (IRF) e a curva de inteligibilidade (PI-PB – perfor-
mance/intensity with phonetically balanced words).
Como rotina são usados o SRT e o IRF, sendo a curva PI-PB
um teste de escolha para complementação da investigação inicial.
O SRT representa o limiar para materiais de fala e não tem
valor diagnóstico, entretanto, sua contribuição está na confirma-
ção dos limiares tonais, sendo precioso naqueles casos de
respostas assistemáticas ou duvidosas.
O IRF é determinado pela habilidade de identificar corretamente
palavras monossilábicas. Indivíduos normais podem reconhecer
palavras facilmente, quando apresentadas em intensidade onde
possam ser ouvidas claramente. O IRF normal, ou seja, um reconhe-
cimento de fala normal é esperado entre 88 e 100% de identificação
correta, quando apresentadas a 40 dB NS (GATES & CHAKERES,
Testes Audiológicos para a Identificação de Alterações Cocleares e Retrococleares 135

1988). Uma diminuição no desempenho do IRF pode ser encontra-


da tanto em pacientes com alterações cocleares como retrococlea-
res (Fig. 6.6). Em alterações cocleares, por exemplo, doença de
Ménière, podem-se esperar valores de discriminação entre 60 e
80% com limiar tonal de 50 dB NA (GATES & CHAKERES, 1988).
Quando a discriminação vocal baixa é desproporcional ao limiar
tonal deve-se suspeitar de comprometimento retrococlear.
Durante muito tempo acreditou-se que os resultados obtidos
pelo IRF pudessem diferenciar a perda sensorioneural coclear da

Audiometria tonal Audiometria tonal


250 500 1000 2000 4000 8000 Hz 250 500 1000 2000 4000 8000 Hz
dB dB
0 0
10 10
20 20
30 30
40 40
50 50
60 60
70 70
80 80
90 90
100 100

SRT (A) IRF (A) SRT (C) IRF (C)

OD: 45 dB OD: 75 dB = 64% OD: 20 dB OD: 50 dB = 100%


A OE: 50 dB OE: 80 dB = 52% C OE: 85 dB OE: 110 dB = 76%

Audiometria tonal Audiometria tonal


250 500 1000 2000 4000 8000 Hz 250 500 1000 2000 4000 8000 Hz
dB dB
0 0
10 10
20 20
30 30
40 40
50 50
60 60
70 70
80 80
90 90
100 100

SRT (B) IRF (B) SRT (D) IRF (D)

OD: 50 dB OD: 80 dB = 88% OD: 15 dB OD: 55 dB = 92%


B OE: 50 dB OE: 80 dB = 88% D OE: 60 dB OE: 80 dB = 52%

FIGURA 6.6 – Audiogramas com resultados tonais de disacusia sensorioneural mostrando diferentes
resultados de IRF. A) Um caso de um senhor de 74 anos de idade, com diagnóstico audiológico de
presbiacusia neural. B) Uma senhora de 61 anos de idade, com hipótese diagnóstica de otosclerose
coclear. C) Um caso de neurinoma do acústico à esquerda. D) Um caso de neurinoma do acústico à
esquerda. OD = ( ) ; OE = ( ).
136 Fonoaudiologia Prática

retrococlear, ou seja, os resultados mostrando porcentagens


inferiores a 50% (THOMSEN e cols., 1981) ou a 30% (TURNER e
cols., 1984) seriam patognomônicos de lesão retrococlear.
Com a experiência clínica, constatou-se que o valor absoluto
nem sempre é significativo, mas sim a relação %/grau de perda.
A porcentagem de IRF em perda sensorioneural está diretamente
relacionada ao grau e configuração da perda (Fig. 6.7). Quando
houver envolvimento coclear isolado, a porcentagem de IRF
variará de acordo com a configuração e grau da perda tonal.
Quanto maior a perda, sobretudo das freqüências médias, menor
a porcentagem esperada (PAULER e cols., 1986). Toda despropor-
cionalidade entre grau de perda e porcentagem de discriminação
(IRF) deve ser levada em consideração como sugestiva de envol-
vimento retrococlear (JOHNSON, 1977; OWENS, 1981), embora,
segundo KANZAKI e cols. (1991), seja difícil muitas vezes julgar os
limites dessa proporção. O IRF ou PB máx (JERGER & JERGER,
1981) pobre só seria considerado um indicador altamente suges-
tivo quando da presença de audição praticamente normal (THOMSEN
& TOS, 1993). Este fato se deve a que seriam necessárias poucas
fibras para transmitir o estímulo tonal enquanto muitas fibras
seriam necessárias para levar padrões neurais complexos de fala
(BERG e cols., 1986).
Como na audiometria tonal, toda assimetria deve ser conside-
rada suspeita para envolvimento retrococlear. Também na audio-
metria vocal, uma discrepância de valores de IRF entre os ouvi-
dos, mesmo na presença de perdas auditivas bilaterais simétri-
cas, também deve ser considerada suspeita, sugerindo uma
investigação de um possível envolvimento retrococlear.
Os valores de discriminação dependem também da intensida-
de de apresentação. Geralmente, quanto mais forte a intensidade,
melhores os valores de IRF. Entretanto, para indivíduos apresen-
tando perda de audição sensorioneural, o desempenho pode
estar comprometido quando o estímulo for apresentado em forte
intensidade. Assim, acredita-se que o nível confortável para a
realização do IRF esteja em torno de 30 dB NS.

Audiometria tonal
250 500 1000 2000 4000 8000 Hz
dB SRT IRF
0
10 OD: 55 dB OD: 85 dB = 12%
20 OE: 20 dB OE: 50 dB = 100%
30
40
50
60
70
80 FIGURA 6.7 – Resultado audiológico de um pa-
90 ciente portador de neurinoma do lado direito,
100 mostrando desproporcionalidade entre a porcen-
tagem de IRF e a média tonal (PTA).
Testes Audiológicos para a Identificação de Alterações Cocleares e Retrococleares 137

A função PI-PB baseia-se na utilização de palavras para a


avaliação da inteligibilidade de fala em diferentes intensidades,
fornecendo dados para o traçado de uma curva denominada curva
de inteligibilidade. Segundo nossa experiência, basta a pesquisa
de três intensidades para o traçado da curva de inteligibilidade
tornando a avaliação mais breve. O primeiro ponto corresponde ao
SRT (50% de acertos), em seguida é apresentada uma lista de
vocábulos monossílabos a 30 dB NS, correspondendo à pesquisa
do ponto de máxima inteligibilidade (IRF ou PB máx), e outra lista no
último ponto, a 90 dB NA ou mais forte (máximo do equipamento).
O ponto de maior relevância desta curva é a porcentagem de
acerto nas fortes intensidades. Este ponto é relatado como
estando prejudicado em relação ao PB máx em pacientes apre-
sentando neurinoma do acústico, caracterizando o fenômeno de
rollover (JERGER & JERGER, 1981; NORTHERN & ROUSH, 1985)
(Fig. 6.8). Considera-se presença de rollover o declínio do desem-
penho de inteligibilidade de fala à medida que a intensidade do
sinal é aumentada acima do nível onde foi obtida a porcentagem
máxima de IRF (PB máx). Quando a diferença entre a porcenta-
gem de PB máx e a obtida na máxima intensidade do aparelho for
maior que 20%, fica caracterizado o rollover positivo (Fig. 6.9),
sugestivo de alteração retrococlear (JERGER & JERGER, 1981;
NORTHERN & ROUSH, 1985).
CRUZ e cols. (1993) identificaram a curva de inteligibilidade,
com presença de rollover positivo, como sendo um dos achados
mais significativos de sinal do envolvimento do VIII par, principal-
mente nos pacientes com perdas auditivas leve a moderada.
Atualmente é um dos testes de escolha quando há indicação de
pesquisa complementar sobre o envolvimento retrococlear.
A ausência do fenômeno de rollover na curva de inteligibilidade
não exclui o envolvimento retrococlear, mas sua presença é um forte
indicativo para uma investigação clínica mais aprofundada com
outros testes que evidenciem envolvimento retrococlear.
A complementação da pesquisa audiológica com a curva
logoaudiométrica sofre limitações no caso de pacientes, por
exemplo, apresentando perdas auditivas de grau severo ou pro-
fundo, por impossibilitarem o aumento da intensidade necessária.

Curva de inteligibilidade de fala


%
90
80
70
60
50
FIGURA 6.8 – Curva PI-PB mostrando 40
a morfologia normal e a morfologia 30
com queda do desempenho de 20
inteligibilidade de fala em fortes in- 10
tensidades, caracterizando o fenô- 0
10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 dB
meno de rollover do lado direito.
138 Fonoaudiologia Prática

Audiometria tonal
250 500 1000 2000 4000 8000 Hz
dB
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100

SRT IRF

OD: 30 dB OD: 70 dB = 100%


OE: 40 dB OE: 80 dB = 96%

Curva de inteligibilidade de fala


100 %
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
10 20 30 40 50 60 70 80 90 100dB

FIGURA 6.9 – Resultado audiológico de um paciente portador de meningioma de APC à esquerda,


exemplificando a importância da pesquisa do fenômeno de rollover. OD = ( ) ; OE = ( ).

Imitanciometria
A imitância acústica é um teste que fornece informações obje-
tivas e eficientes sobre a integridade funcional do sistema auditivo,
através da timpanometria e da pesquisa do reflexo estapediano. Tem
sido largamente aplicada na avaliação de lesões do ouvido interno,
do VIII par e do ângulo pontocerebelar (NORTHERN & ROUSH, 1985).
A timpanometria é utilizada para a avaliação das condições do
ouvido médio. Portanto, não discutiremos sua interpretação.
Entretanto, é necessário lembrar que a análise dos limiares do
reflexo estapediano tem relação direta com a integridade do
sistema tímpano-ossicular. O exame otológico cuidadoso, asso-
ciado a timpanometria normal e ausência de gap aéreo-ósseo,
permitirá a validade da pesquisa das vias aferente e eferente do
reflexo estapediano. Caso contrário, a ausência do mesmo será
atribuída a alterações do ouvido médio que impediram sua capta-
ção, e não de alteração em outras estruturas.
Testes Audiológicos para a Identificação de Alterações Cocleares e Retrococleares 139

A intensidade necessária para que a contração reflexa dos


músculos estapedianos ocorra varia entre 70 e 100 dB NA
(JERGER & JERGER, 1981; NORTHERN & ROUSH, 1985; GATES &
CHAKERES, 1988; PORTMANN & PORTMANN, 1993). Orelhas com
lesão coclear apresentam limiares inferiores ao esperado em
indivíduos normais, ou seja, 60 dB NS ou menos (Fig. 6.10).
Comparando-se estas observações com os resultados de outros
testes de recrutamento, acreditou-se tratar do mesmo fenômeno,
estabelecendo-se bases atuais do que convencionou chamar-se
de Recrutamento de Metz (LASMAR e cols., 1993).

Audiometria tonal Audiometria tonal


250 500 1000 2000 4000 8000 Hz 250 500 1000 2000 4000 8000 Hz
dB dB
0 0
10 10
20 20
30 30
40 40
50 50
60 60
70 70
80 80
90 90
100 100

SRT (A) IRF (A) SRT (B) IRF (B)

OD: 45 dB OD: 85 dB = 84% OD: 40 dB OD: 80 dB = 60%


OE: 40 dB OE: 80 dB = 84% OE: 20 dB OE: 60 dB = 100%

Timpanometria Timpanometria

8 8
7 7
6 6
5 5
4 4
3 3
2 2
1 1

– 400 – 300 – 200 – 100 0 +100 +200 daPa – 400 – 300 – 200 – 100 0 +100 +200 daPa

Reflexo estapediano contralateral Reflexo estapediano contralateral


500 Hz 1000 Hz 2000 Hz 4000 Hz 500 Hz 1000 Hz 2000 Hz 4000 Hz
OD 90 90 90 80 OD 85 90 90 110
OE 95 90 85 80 OE 85 80 90 110

A B
FIGURA 6.10 – Resultado audiológico mostrando a presença de alteração coclear pela presença de
recrutamento de Metz. A) Um indivíduo apresentando meningioma do lado direito. B) Um indivíduo
apresentando neurinoma do acústico do lado direito. OD = ( ) ; OE = ( ).
140 Fonoaudiologia Prática

Nas alterações retrococleares observou-se que ocorria o


inverso, um aumento do diferencial (limiar de reflexo-limiar tonal)
e/ou a ausência dos limiares do reflexo estapediano (Fig. 6.11).
Atualmente, com poucas exceções, os trabalhos publicados
suportam a concepção de que o reflexo estapediano é o mais
sensitivo indicador para identificação de casos de tumor do nervo
VIII, quando comparados aos testes psicoacústicos diferenciais
(HIRSCH & ANDERSON , 1980; SAUNDERS & J ACKSON, 1981;
NORTHERN & ROUSH, 1985; MATTOX, 1987).
PAGE (1978) afirmou que se o reflexo estiver ausente na
presença de perda auditiva sensorioneural leve suspeita-se de

Audiometria tonal Audiometria tonal


250 500 1000 2000 4000 8000 Hz 250 500 1000 2000 4000 8000 Hz
dB dB
0 0
10 10
20 20
30 30
40 40
50 50
60 60
70 70
80 80
90 90
100 100

SRT (A) IRF (A) SRT (B) IRF (B)

OD: 30 dB OD: 70 dB = 92% OD: 40 dB OD: 70 dB = 56%


OE: 25 dB OE: 65 dB = 96% OE: 10 dB OE: 50 dB = 100%

Timpanometria Timpanometria

8 8
7 7
6 6
5 5
4 4
3 3
2 2
1 1

–400 –300 –200 –100 0 +100 +200 daPa –400 –300 –200 –100 0 +100 +200 daPa

Reflexo estapediano contralateral Reflexo estapediano contralateral


500 Hz 1000 Hz 2000 Hz 4000 Hz 500 Hz 1000 Hz 2000 Hz 4000 Hz

OD 110 100 90 90 OD ↓ ↓ ↓ ↓
OE ↓ ↓ ↓ ↓ OE 80 85 80 80
A B

FIGURA 6.11 – Ausência do reflexo estapediano. A) Um indivíduo apresentando meningioma do lado


esquerdo. B) Um indivíduo apresentando neurinoma do acústico do lado direito. (Continua)
Testes Audiológicos para a Identificação de Alterações Cocleares e Retrococleares 141

Audiometria tonal Timpanometria


250 500 1000 2000 4000 8000 Hz
dB 8
0 7
10 6
20 5
30 4
40 3
50 2
60 1
70
80 – 300 – 200 – 100 0 +100 +200 daPa
90
100 Reflexo estapediano contralateral
500 Hz 1000 Hz 2000 Hz 4000 Hz
SRT (C) IRF (C)
OD ↓ ↓ ↓ ↓
OD: 25 dB OD: 65 dB = 96%
OE 115 110 105 ↓
C OE: 25 dB OE: 65 dB = 96%

FIGURA 6.11 (Cont.) – Ausência do reflexo estapediano. C) Em indivíduo apresentando esclerose


múltipla. OD = ( ) ; OE = ( ).

envolvimento retrococlear; segundo nosso procedimento a sus-


peita é mais importante quando a ausência é unilateral.
No caso de estar presente procede-se à realização da pesquisa
do declínio do reflexo como complementação. Esta pesquisa é
realizada pela medida da queda da amplitude do reflexo estapedia-
no diante da manutenção de uma estimulação sonora, apresentada
a 10 dB acima do limiar do reflexo estapediano, durante 10s. Espera-
se que ocorra a contração simultânea e equivalente do músculo em
indivíduos normais, enquanto houver estímulo. Entretanto, em
indivíduos com alteração retrococlear, essa manutenção pode não
ocorrer, havendo uma queda da amplitude maior que 50% antes de
5s de estimulação (Fig. 6.12). Deve-se proceder à pesquisa em

Reflex: Decay Left CONTRA TDH39 Reflex: Decay Left CONTRA TDH39
Speed: Fast Speed: Fast
500 Hz 95 dB 500 Hz 110 dB
+ 150 + 150

ul 12s ul 12s

–150 –150

Reflex: Decay Right CONTRA TDH39 Reflex: Decay Right CONTRA TDH39
Speed: Fast 1000 Hz 90 dB Speed: Fast 1000 Hz 110 dB
+150 +150

ul 12s ul 12s

–150 –150

A B

FIGURA 6.12 – Exemplo de pesquisa do declínio do reflexo estapediano. A) Normal. B) Patológico.


142 Fonoaudiologia Prática

Audiometria tonal
250 500 1000 2000 4000 8000 Hz
dB
SRT IRF 0
10
OD: 10 dB OD: 50 dB = 100% 20
OE: NPE OE: 110 dB = 0% 30
40
50
60
FIGURA 6.13 – Resultado audiométrico mostrando 70
a limitação da pesquisa de outros sinais audiológi- 80
cos devido à presença de disacusia sensorioneural 90
severa, em um paciente portador de neurinoma do 100
lado esquerdo. NPE = não pode ser estabelecido.

freqüências graves (500 e 1 kHz) já que a presença do declínio do


reflexo em freqüências agudas (2 e 4 kHz) pode ocorrer em
indivíduos normais, não representando um sinal de significado
clínico.
A pesquisa do declínio do reflexo estapediano é mais sen-
sível para a identificação da adaptação patológica do que as
medidas audiométricas convencionais (CLEMIS & MASTRICOLA ,
1976; PAGE, 1978), motivo pelo qual a pesquisa com TDT foi
abandonada.
Da mesma forma que os testes vocais, estes testes somente
são aplicáveis em pacientes com audição melhor que 70 a 80 dB NA
(THOMSEN & TOS, 1993) (Fig. 6.13).
Por esse motivo exclusivo, em alguns casos, pode-se fazer
necessária a pesquisa da adaptação patológica com os testes
audiométricos. Lembrando que é grande a possibilidade de
encontrar estes testes com resultados normais na presença de
alteração comprovada retrococlear (falsos negativos), assim
como pode-se encontrar resultados indicativos de alteração
retrococlear em indivíduos sem qualquer alteração comprovada
(falsos positivos). São eles:

Tone decay test (TDT)


O TDT tenta quantificar a habilidade de perceber e manter um
estímulo de tom puro contínuo por um determinado período de
tempo.
CARHART, em 1957, desenvolveu o tone decay test limiar que
consiste na sustentação de um tom contínuo, apresentando ao
indivíduo na intensidade limiar individualmente de cada lado; cada
vez que o paciente sinaliza que o tom torna-se inaudível, o estímulo
é aumentado em 5 dB e assim por diante até que se encontre um
nível onde o tom seja ouvido sem interrupção por 60s completos, ou
até que seja atingido o limite do aparelho. A diferença em decibels
entre o limiar inicial e a intensidade final do tom-teste é registrada
como sendo o tone decay para aquela freqüência. Uma diferença de
Testes Audiológicos para a Identificação de Alterações Cocleares e Retrococleares 143

30 dB que tenha sido necessária para a manutenção dos 60s é


considerada positiva para alteração retrococlear.
O tone decay test pode ser realizado tanto a partir do limiar
como com a técnica modificada descrita por OLSEN & NOFFSINGER
(1974), que sugere o início da pesquisa em 20 dB NS, e permite
apenas uma elevação do limiar para a manutenção dos 60s.
Caso o paciente não consiga escutar o estímulo durante os 60s
de apresentação em 30 dB NS, o teste é considerado positivo
para alteração retrococlear.

Suprathreshold adaptation test (STAT)


JERGER & JERGER, em 1975, baseados em suas experiências de
que os sinais mais importantes das alterações retrococleares apa-
recem em intensidades supralimiares, propõem que a pesquisa da
adaptação patológica seja feita a 100 dB NA por 60s, em 500 e 1000
Hz. Pede-se ao paciente que responda apertando um botão en-
quanto estiver ouvindo o som. Caso o paciente não consiga perce-
ber o estímulo durante todo o tempo do teste, é considerado positivo
para a alteração retrococlear. A apresentação de 100 dB NA deve
representar pelo menos 20 dB NS para a freqüência testada.
Sempre lembrando que a administração de testes monoaurais em
intensidades fortes exigem o uso do mascaramento contralateral.

Além da pesquisa da adaptação patológica para fins diagnósti-


cos, a identificação do recrutamento, quando da impossibilidade de
obtenção do reflexo estapediano, pode auxiliar, por exemplo, na
adaptação de prótese auditiva.
Os testes que podem ser realizados nesta circunstância são:

Alternate binaural loudness balance test


(ABLB)
No teste ABLB, o ouvinte precisa combinar o loudness de um
tom de intensidade variável em uma orelha com um outro, de
referência, na outra orelha, na mesma freqüência. A aplicação
clínica do ABLB requer uma diferença de limiar entre as orelhas de
pelo menos 20 a 25 dB, com audição essencialmente normal na
melhor orelha. Além disso, como os tons são apresentados alterna-
damente às duas orelhas, é necessário um audiômetro de dois
canais. O procedimento mais eficiente de administração do teste é
iniciar a 20 dB acima do limiar do lado pior e, então, fazer a
combinação. O paciente identifica em um lado a intensidade que lhe
parece igual à sensação de intensidade que percebeu do outro lado.
Isto é repetido em aumentos de 20 dB até alcançar o limite do
aparelho. Em cada nível, o tom é alternado e comparado entre os
dois lados até estabelecer a equivalência do loudness. Se a diferen-
ça em decibels permanecer constante com o aumento da intensida-
de do tom, o recrutamento não está presente. Entretanto, se a
diferença em decibels diminuir entre os níveis das duas orelhas, ou
144 Fonoaudiologia Prática

seja, se mais intensidade for necessária na orelha normal para


parecer o mesmo loudness do tom da orelha pior, isto demonstra a
presença do recrutamento (ver Fig. 6.2).

Short increment sensitivity index (SISI)


O SISI, embora não sendo um teste diretamente para pesqui-
sar o fenômeno do recrutamento provou, no passado, ser útil
como parte da bateria audiométrica diferencial. Quando se admi-
nistra o SISI, apresenta-se um tom de determinada freqüência, a
20 dB NS, acima do limiar do paciente naquela freqüência, por
aproximadamente 2min. A cada aproximadamente 5s, o audiômetro
superpõe, ao estímulo contínuo, um incremento de 1 dB, e o
paciente deve sinalizar quando ouvi-lo. São apresentados vinte
incrementos de 1 dB e para cada reconhecimento correto do
incremento é dado o valor de 5%. Qualquer freqüência pode ser
testada, de preferência uma aguda e uma grave (por exemplo, 4k
e 500 Hz). Para familiarizar o paciente com o teste, pode-se iniciar
dando-lhe alguns incrementos de 5 dB. Considera-se que entre 70
e 100% o resultado indicaria a presença de alteração coclear, e
resultados entre 0 e 20% indicariam cocléa normal. O teste está
limitado a freqüências onde o limiar é de pelo menos 40 dB NA.

Outros testes foram propostos para a investigação e determina-


ção da presença de alterações cocleares e retrococleares, além da
audiometria de Békésy como o SISI modificado (THOMPSON, 1963),
ou o estudo da latência do reflexo estapediano (COLLETTI, 1974),
entretanto, estes testes não conquistaram o interesse dos pesquisa-
dores tendo sido também abandonados.

CONCLUSÃO
Hoje sabemos que os testes básicos como audiometria tonal
limiar, índice de reconhecimento de fala e imitância acústica
podem trazer informações suficientes quanto a presença ou não
de envolvimento retrococlear, evitando a aplicação de uma bateria
exaustiva e contraproducente.
As alterações assimétricas diante de uma perda auditiva
sensorioneural tanto na audiometria tonal, audiometria vocal ou
medida do reflexo estapediano, serão os sinais que levantarão
hipóteses diagnósticas, conduzindo a escolha apropriada de
testes audiológicos complementares. Na avaliação comple-
mentar, a utilização de testes em intensidades fortes como a
pesquisa do fenômeno de rollover e do declínio do reflexo
estapediano mostraram-se como os melhores testes nesta
investigação. Essa escolha está em concordância com JERGER
(1987), onde ele afirma que a lição mais importante que a prática
pode nos dar é de que os melhores sinais de envolvimento
retrococlear são dados em intensidades fortes.
Testes Audiológicos para a Identificação de Alterações Cocleares e Retrococleares 145

Na análise da avaliação audiológica como um todo, a presen-


ça de uma ou mais anormalidades nos resultados (Fig. 6.14) será
um alerta para o otorrinolaringologista para a necessidade da
reavaliação do paciente em intervalos periódicos e/ou proceder
com outras avaliações como audiometria de tronco cerebral e
exames neurorradiológicos. Outro motivo que justifica o segui-
mento desses pacientes é o fato de que a progressão da perda é
um sinal freqüente nos tumores desta região (SANDERS e cols.,
1974; KANZAKI e cols., 1991).

Audiometria tonal Audiometria tonal


250 500 1000 2000 4000 8000 Hz 250 500 1000 2000 4000 8000 Hz
dB dB
0 0
10 10
20 20
30 30
40 40
50 50
60 60
70 70
80 80
90 90
100 100

SRT (A) IRF (A) SRT (B) IRF (B)

OD: 45 dB OD: 75 dB = 92% OD: 30 dB OD: 60 dB = 88%


OE: 45 dB OE: 75 dB = 96% OE: 25 dB OE: 55 dB = 100%

Timpanometria Timpanometria

8 8
7 7
6 6
5 5
4 4
3 3
2 2
1 1
0 0
–200 0 +200 –200 0 +200

Reflexo estapediano contralateral Reflexo estapediano contralateral


500 Hz 1000 Hz 2000 Hz 4000 Hz 500 Hz 1000 Hz 2000 Hz 4000 Hz
OD Ausente Ausente Ausente Ausente OD Ausente Ausente Ausente Ausente

OE 95 95 105 115 OE 110 105 100 Ausente


A B

FIGURA 6.14 – Exemplo de resultado audiológico. A) Um indivíduo apresentando meningioma do lado


direito, com apenas um resultado alterado, ausência do reflexo estapediano contralateral com
aferência do lado do tumor. B) Um indivíduo apresentando neurinoma do acústico do lado direito, com
um resultado alterado, ausência do reflexo estapediano contralateral com aferência do lado do tumor,
além da assimetria. OD = ( ) ; OE = ( ) . (Continua)
146 Fonoaudiologia Prática

Audiometria tonal Timpanometria


250 500 1000 2000 4000 8000 Hz
dB 8
0 7
10 6
20 5
30 4
40 3
50 2
60 1
70 0
80 –200 0 +200
90
100 Reflexo estapediano contralateral
500 Hz 1000 Hz 2000 Hz 4000 Hz
SRT (C) IRF (C)
OD 90 85 80 90
OD: 15 dB OD: 45 dB = 100%
OE Ausente Ausente Ausente Ausente
C OE: 30 dB OE: 60 dB = 36%

FIGURA 6.14 (Cont.) – Exemplo de resultado audiológico. C) Em indivíduo apresentando processo


cístico de APC à esquerda, com três achados audiológicos alterados, assimetria na audiometria tonal,
porcentagem de discriminação incompatível com limiar tonal, ausência do reflexo estapediano
contralateral com aferência do lado do tumor.

Leitura recomendada*
BRUNT, M.A. – Tests of cochlear function. In: KATZ, J. Handbook of
Clinical Audiology. 4ª ed. Baltimore, Williams & Wilkins, 1994.
CLEMIS, J.D. & MASTRICOLA, P.G. – Special audiometric test battery in
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DALLOS, P. – The active cochea. J. Neuroscience., 12(12):4575-4585,
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Schwannoma vestibular: sintomas e sinais típicos e atípicos. Acta
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HIRSCH, A. & ANDERSON, H. – Audiologic test results in 96 patients’
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HOMBERGEN, G.C.J.H. – Audiometry: cochlear versus retrocochlear
pathology. Adv. Oto-rhino-laryng., 34:39-46, 1984.
HUDSPETH, A.J. – How the ear’s works work. Nature, 341:397-404, 1989.
JERGER, J. & JERGER, S. – Audiological comparison of cochlear and
eight nerve disorders. Ann. Otol., 83:275-285, 1974.
JERGER, J. & JERGER, S. – Auditory Disorders. Boston, Little Brown
Co., 1981.

* Nota – As referências bibliográficas das citações apresentadas no capítulo


estão disponíveis com os autores.
Testes Audiológicos para a Identificação de Alterações Cocleares e Retrococleares 147

JERGER, J. – Strategies for neuroaudiological evaluation. Seminars in


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PEDALINI, M.E.B.; CAMPOS, M.I.; GOFFI GOMEZ, M.V.S. – SISI
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1993.
Deficiência Auditiva 1
Perda Auditiva Funcional 149

7
Perda Auditiva Funcional

Teresa Maria Momensohn dos Santos

O termo “perda auditiva funcional” é utilizado quando se


descreve o quadro audiológico de um sujeito cujo comportamento
não está de acordo com o grau de perda auditiva por ele apresen-
tado em uma avaliação audiológica.
Muitas vezes, na prática clínica diária, encontram-se pacien-
tes, adultos ou crianças, que respondem de forma duvidosa a um
teste audiológico. Diversos são os fatores que podem levar um
sujeito a se comportar desta maneira: dificuldades para entender
o procedimento proposto devido a questões intelectuais, culturais
ou sociais; dificuldades relacionadas a problemas dos níveis mais
altos da audição – distúrbios perceptuais e lingüísticos; desmoti-
vação para responder ao teste; problemas de ordem emocional –
chamar a atenção sobre si, despertar sentimentos de piedade e
comiseração devido à sua dificuldade e interesse financeiro-
simulador consciente. É importante que o fonoaudiólogo que atua
na área da audiologia clínica esteja atento à possibilidade de que
uma destas situações anteriormente descritas ocorra.
Muitos têm sido os termos descritos para definir este quadro
audiológico: – pseudo-hipoacusia; disacusia psicogênica; perda
auditiva funcional; perda auditiva não-orgânica; simulador; todos
considerados pouco adequados para definir esta situação. No
Brasil, temos usado com mais freqüência os nomes pseudo-hipoa-
cusia e perda auditiva funcional, mas tal como MARTIN (1994),
acredita-se que o termo pseudo-hipoacusia é o que melhor se
aplica, pois denomina todos os tipos de sujeitos cujas respostas
150 Fonoaudiologia Prática

audiométricas estão em desacordo com o seu verdadeiro limiar


audiométrico, não importando o motivo que os leva a agir assim.
É importante lembrar que o papel do fonoaudiólogo é determi-
nar a extensão do componente orgânico que pode estar ou não
associado ao quadro comportamental apresentado, e não se
preocupar em esclarecer qual a razão dos resultados falseados.
Selecionar a estratégia de teste e estabelecer procedimentos
podem ser muito úteis para o fonoaudiólogo e ajudá-lo a determi-
nar o verdadeiro diagnóstico audiológico.
É importante lembrar que, no que diz respeito à perda auditiva
funcional ou pseudo-hipoacusia, devemos diferenciar os casos de
simulação consciente dos casos de simulação inconsciente. Nes-
te quadro, podemos encontrar sujeitos portadores de diferentes
problemas: deficiência mental, distúrbios emocionais graves, dis-
túrbios de processamento auditivo central, agnosia auditiva. Es-
tes indivíduos não respondem aos estímulos sonoros, simples-
mente porque não conseguem fazê-lo de forma voluntária. O
simulador consciente esconde sua audição, não quer que perce-
bam que é capaz de ouvir, pois busca alguma compensação
financeira para sua “perda auditiva”. Existem também os indiví-
duos que não querem mostrar sua deficiência – os dissimuladores,
pois se esta for detectada poderão ser discriminados, diferencia-
dos de alguma maneira e não aceitam a idéia – negam sua
incapacidade.
Crianças em situação emocional de grande sofrimento podem
agir como “surdas”, negam-se a se relacionar com o mundo
sonoro, pois este só lhe traz más notícias, pesares, para se defen-
derem, se protegerem, passam a não responder ao som. Portado-
res de distúrbio de processamento auditivo central podem muitas
vezes ser confundidos com crianças com deficiência auditiva
moderada: respondem de forma inconsistente para o estímulo
sonoro, parecem estar sempre distraídos, desligados; o mundo
sonoro não lhes parece interessante – não tem muito significado.
Deficientes mentais podem não responder ao som da forma como
estamos acostumados a ver uma criança fazê-lo – não conse-
guem estabelecer ligação entre o que ouvem e a fonte produtora
deste som.
QUIRÓS & D’ELIA (1974) estabeleceram diferentes tipos de
pseudo-hipoacusia na população infantil, dentre elas, citam:

• a pseudo-hipoacusia psicogênica, nestes casos a criança


parece ter uma perda auditiva associada a problemas esco-
lares ou lúdicos; em geral, estes casos são encontrados em
famílias cujo nível de exigência é muito alto;
• a pseudo-hipoacusia disfásica é a denominação dada às
crianças que, em idade escolar, apresentam sintomas
disfásicos – dificuldades para a leitura, alterações perceptuais
auditivas e visuais, alterações de esquema corporal, de
lateralização, de atenção e de memória;
Perda Auditiva Funcional 151

• a pseudo-hipoacusia por “desinibição perceptual” se carac-


teriza pela impossibilidade de dirigir a atenção, de forma
adequada para o estímulo sonoro, durante o tempo neces-
sário para se realizar a audiometria.
No Quadro 7.1, pode-se visualizar de forma sintética como
QUIRÓS caracteriza cada uma das pseudo-hipoacusias encontra-
das na população infantil.
Adultos podem simular perda auditiva por razões financeiras,
como um meio de receber indenização por trabalharem em
lugares ruidosos, por estarem próximos a uma explosão. Outros
podem simular ouvir bem, pois se apresentarem qualquer perda
auditiva podem ser demitidos, ou não admitidos, ou perderem
uma promoção dentro da empresa em que trabalham. Outros
apresentam quadros psiquiátricos severos que justificam seu
comportamento ausente, como se não ouvissem nada.

QUADRO 7.1 – Sinais e sintomas das diferentes pseudo-hipoacusias infantis.


(Adaptado de QUIRÓS & D’ELIA – La Audiometria del Adulto y del Niño. 13:265, 1974.)
Exames realizados Psicogênica Disfásica Com desinibição
perceptual
Provas perceptuais:
distúrbios de percepção
e de atenção
Audiometria tonal Flutuação diária Flutuação entre Flutuações diárias
sessões de teste devido à falta
de atenção
Colaboração Aparentemente boa Às vezes boa Inconstante
Fatigabilidade durante + ++ +++
as provas
Testes psiconeurológicos: +++ + +
distúrbios psicológicos
Esquema corporal Geralmente normal Alterado Alterado
Distúrbios neurológicos Parecem não ter + ++
e motores
Provas lingüísticas, Parecem não ter +++ +
sociais e escolares
Conversação normal Boa Regular Com fantasias
Ordens comuns Às vezes responde, Parecem responder Distrai-se
outras não
Problemas sociais + ++ ++
Aquisição de novos Parece ser boa Regular ou Regular por
conhecimentos nenhuma distração
Motivação para o estudo Tem vontade Às vezes tem É distraído
vontade
Legenda + leve ++ médio +++ severo
152 Fonoaudiologia Prática

Como podemos estabelecer a verdadeira audição neste grupo


de sujeitos? Como podemos determinar se o seu comportamento
é fruto de uma simulação consciente? Quais os testes que
podemos usar ? Que pistas estes sujeitos podem nos dar?
TRIER & LEVY (1965) apresentaram os resultados de um
estudo das características sociais e psicológicas de um grupo de
adultos do sexo masculino com pseudo-hipoacusia. Relataram
índices mais baixos em todos os testes que avaliavam o estado
sócio-econômico e estes índices eram significativamente mais
baixos nas avaliações da inteligência verbal. Mostravam distúr-
bios emocionais significantes. Estes pacientes, parecem ter sua
autoconfiança diminuída, o que dificulta sua habilidade para
encontrar soluções para suas necessidades diárias e, por isso,
podem achar que podem ganhar alguma coisa com sua perda
auditiva.
Respostas auditivas inconsistentes durante a avaliação au-
diológica podem ser influenciadas por fatores psicodinâmicos –
comportamento social inadequado, desajustamento à perda audi-
tiva, forma de justificar problemas de comportamento, etc.

Sintomas comportamentais
A entrevista que precede qualquer exame audiológico deve
ser um bom momento para observar a atitude geral do sujeito a ser
examinado. Perguntas detalhadas sobre o problema do paciente
são sempre de grande valor e o examinador deve ser perspicaz
para poder detectar pistas discretas que o paciente pode apre-
sentar.
Durante esta anamnese é importante conhecer a história
pregressa relativa à relação empregado-empregador, quando e
como surgiu o problema em questão, como o sujeito se encontra
atualmente. É importante observar como são as respostas e se
são seguidas de informações adicionais, como se o paciente
tentasse convencer o examinador da veracidade de suas queixas:

• parece mais surdo que um deficiente auditivo real, exagera


suas atitudes, coloca a mão em concha para ajudar a ouvir,
substitui palavras, como se não as tivesse ouvido, por outras
semanticamente adequadas ao contexto;
• responde de forma evasiva sobre a origem de seu problema
e de suas dificuldades auditivas, comporta-se de forma
exagerada na sua dependência de usar a visão como meio
de obter informações.

Na literatura temos encontrado descrição de inúmeras pistas


que podem alertar o examinador sobre uma possível perda
auditiva funcional em um adulto. Muitas vezes, o sujeito portador
de perda auditiva unilateral age como se apresentasse o problema
nos dois ouvidos.
Perda Auditiva Funcional 153

Os sintomas comportamentais mais comuns são:


1. apresenta expressão facial estúpida – exagera sua dificul-
dade de entender as informações pela pista visual;
2. evita contato visual, abaixa seus olhos o tempo todo ou,
parece totalmente dependente da leitura orofacial;
3. pede para que escrevam o que querem dele;
4. apresentam inconsistência entre as respostas de audiome-
tria tonal e suas habilidades de conversação fora da situação de
teste;
5. parecem apresentar distúrbio emocional sério;
6. exageram nas suas tentativas para ouvir ou entender;
7. usam a voz exageradamente intensa ou qualidade tonal e
de intensidade normal em presença de surdez profunda;
8. parecem muito nervosos;
9. não apresentam qualquer alteração articulatória – degene-
ração – mesmo em presença de perda auditiva acentuada.

PISTAS AO EXAME MÉDICO


Ao examinar o paciente, o médico não encontra base orgânica
para a queixa auditiva – não há referência a dor de ouvido, o meato
acústico externo, a membrana timpânica e o ouvido médio têm
aparência normal; não há história de infecção ou de patologia
nasofaríngea ou de vertigem; exames laboratoriais e clínicos não
estão alterados.

Como identificar a perda auditiva funcional


O sujeito portador de perda auditiva funcional freqüentemente
apresenta respostas inconsistentes à audiometria tonal, à repetição
do exame não consegue manter suas respostas nos mesmos
padrões de intensidade – é clinicamente aceitável uma variabilidade
de 10 dB entre os limiares obtidos nos diversos exames. Acima
disto, pode-se acreditar em exame errado. Pode-se suspeitar que
algum problema ocorreu, isto pode ser conseqüência de defeito no
equipamento, erro no procedimento ou paciente não-cooperativo.
Um paciente não-cooperativo pode levar a dois tipos de
resultados:

• falso negativo – o paciente não responde mesmo quando o


som é suficientemente intenso;
• falso positivo – o paciente responde a todo e qualquer som
que ouve, mesmo muito fraco ou quase inaudível;

Sujeitos portadores de perdas auditivas funcionais costumam


agir como falsos negativos, evitando manifestar qualquer reação
mesmo que o som esteja a níveis desconfortáveis; em outros mo-
mentos, podem mostrar lentidão em suas respostas, como se esti-
vessem estudando quando e como devem mostrar que ouviram.
154 Fonoaudiologia Prática

TESTES COMPORTAMENTAIS INFORMAIS


O examinador, seja ele, médico ou fonoaudiólogo, deve ser
um observador contumaz, deve procurar encontrar pistas
indicativas que possam orientá-lo e ajudá-lo a estabelecer o
verdadeiro diagnóstico audiológico do paciente. Ao conversar
com um sujeito que se queixa de não ouvir bem, o examinador
pode, por exemplo, virar ou abaixar o rosto e, dessa forma, retirar
o apoio visual – o deficiente auditivo real mostraria grande
dificuldade em seguir a conversação normal, o portador de perda
auditiva funcional poderia continuar falando normalmente.
A pesquisa do reflexo cocleopalpebral (RCP) também pode
ser uma maneira de estabelecermos a presença ou não de perda
auditiva real. Ao estimularmos o ouvido com um estímulo muito
intenso (110 dB NPS) e rápido, provocamos esta resposta reflexa.
Uma batida de tambor, apresentada fora do campo visual do
paciente, a 20 cm do pavilhão auricular e em momento inespera-
do, provoca o RCP em sujeitos ouvintes normais. A ausência
deste reflexo pode ser encontrada em portadores de problemas
condutivos ou de perdas auditivas moderadas, severas e profun-
das. É muito difícil inibir este reflexo.
QUIRÓS & D’ELIA (1974) sugerem a prova de repetição de
números. Neste teste, o examinador cobre os olhos do paciente
com suas mãos e pede a ele para repetir os números que ouve. Em
momento inesperado, o examinador pode falar: “O que está
acontecendo?”, “Quem está entrando?”, “Abra os olhos”. Como
suas mãos estão sobre os olhos do sujeito, pode perceber
qualquer movimento involuntário que ocorra nas pálpebras e
dessa forma detectar mudança na atividade motora em presença
de mudança de estímulo.
A Prova de Resposta de Surpresa também sugerida por
QUIRÓS & D’ELIA (1974) pode nos fornecer informações bastante
úteis sobre a capacidade de ouvir de um paciente. Para realizar-
mos esta prova, deve-se vedar os olhos do paciente e solicitar que
fique andando para a frente e para trás. Durante este período,
inesperadamente, o examinador fala: “Cuidado!” Se o paciente
ouve, pode apresentar reação de susto, de surpresa, levantando
os braços ou parando de repente.

AVALIAÇÃO AUDIOLÓGICA FORMAL


Diversos autores (SEMENOV, 1947; FOURNIER, 1958) têm su-
gerido que a perda auditiva funcional apresenta configuração
audiométrica característica já que o portador deste tipo de proble-
ma costuma apresentar a mesma quantidade de perda em todas
as freqüências. Outros (VENTRY & CHAIKLIN, 1965) não acreditam
que a configuração audiométrica seja um indicativo da presença
de pseudo-hipoacusia.
Perda Auditiva Funcional 155

Uma das melhores indicações de que uma perda auditiva


não é orgânica é a inconsistência das respostas auditivas
obtidas durante diversos exames audiométricos. O mesmo
paciente, avaliado em dias diferentes ou em horários diferentes
do mesmo dia, pode apresentar mudanças extremamente signi-
ficativas em suas respostas, apresentando muitas vezes altera-
ções de 15, 20 dB entre um exame e outro e, entre uma resposta
para determinada freqüência e outra. Tal resultado é quase
improvável de ser obtido, principalmente se os exames são
realizados no mesmo dia. Em pacientes pediátricos, este tipo de
comportamento ainda pode ser justificado, pois muitas vezes a
criança não entende muito bem o procedimento proposto ou não
se encontra em estado psicofisiológico satisfatório no momento
do exame. No adulto, este tipo de resposta é quase impossível.
Temos observado que, muitas vezes, ao perceber que o exami-
nador detectou sua pseudo-hipoacusia, o paciente passa a ter
comportamento agressivo, como se estivesse intimidando-o para,
dessa forma, não ser identificado como ouvinte. Cabe ao examina-
dor explicar ao sujeito quais as conseqüências clínicas e legais de
seu comportamento – cirurgia desnecessária, tratamento inadequa-
do, aparelho auditivo desnecessário, crime de fraude, etc.
A audição por via óssea é bem pouco conhecida entre a
população, pessoas portadoras de perda auditiva unilateral tendem
a apresentar curva sombra, tanto na via aérea quanto na via óssea,
pois apresentam o fenômeno da lateralização da audição. Respon-
dem pelo ouvido melhor a sons apresentados acima dos valores da
atenuação interaural. Se o paciente simula perda auditiva unilateral,
evita responder para qualquer som apresentado no ouvido que
refere como surdo; o que pode caracterizá-lo como simulador.
Uma outra maneira de avaliarmos este tipo de paciente é através
do teste de Weber audiométrico. Neste procedimento, o paciente é
instruído a apontar para o lado em que ouve o som mais forte, o
vibrador é colocado na fronte e os fones são colocados sobre os
pavilhões auriculares. O estímulo sonoro é apresentado de forma
alternada, primeiro em um dos fones, depois no vibrador e por último
no outro fone. O examinador pode e deve variar a forma de
apresentação, a fim de que o paciente não fique esperando o
estímulo e, dessa maneira, não fique preparado para responder. O
resultado do teste pode mostrar respostas confusas, incertas, que
variam de um lugar para outro, ou respostas localizadas na fronte,
o que não é esperado em portadores de perda unilateral.

AUDIOMETRIA TONAL E O LIMIAR DE


RECEPÇÃO DE FALA
A pesquisa do limiar de recepção da fala (LRF) tem sido
internacionalmente reconhecida como uma das melhores estraté-
gias para confirmarmos limiares audiométricos obtidos com tom
156 Fonoaudiologia Prática

puro. SIEGENTHALER & STRAND (1964) relataram que é esperado


que o LRF esteja compatível com a média das duas melhores
respostas obtidas em 500, 1.000 e 2.000 Hz. Considera-se correto
o resultado de uma avaliação audiológica, quando a média do
limiar tonal nas freqüências acima citadas e o valor obtido para o
LRF estejam entre 5 e 10 dB um do outro. Em geral, o LRF está
acima do valor obtido na audiometria tonal, ou seja, um paciente
que apresenta média tonal na via aérea em 40 dB NA deve
apresentar LRF entre 45 e 50 dB NA para que se considere seu
exame clinicamente adequado.
Quando esta concordância não acontece pode ser indicativo
de erro na audiometria tonal, de problemas de calibração do
equipamento, ou de dificuldades do próprio paciente em respon-
der ao teste. Nos pacientes pediátricos é comum encontrar LRF
melhor que a média tonal – as crianças respondem melhor a
estímulos significativos, tais como os da fala. No adulto, pode ser
indicativo de problemas psicológicos ou de tentativa de manipular
os resultados do exame. VENTRY & CHAIKLIN (1965) encontraram
discrepâncias entre o LRF e a média tonal em 70% dos pacientes
com perda auditiva funcional confirmada.
Este tipo de problema ocorre porque para o paciente é mais
fácil controlar a sensação de intensidade para estímulos simples
como o tom puro, mas torna-se bastante mais complicado fazê-lo,
quando o estímulo apresentado é complexo, como o sinal de fala.
Uma outra estratégia que pode ser usada nestes casos é a de
se usar a técnica ascendente, tanto para a apresentação dos
estímulos de tom puro quanto para os de fala. É muito difícil
controlar a resposta a uma intensidade, quando este vem do
silêncio, do fraco para o forte – o sujeito em questão perde
parâmetros, não consegue comparar e as respostas entre fre-
qüências e entre exames podem variar muito.
O uso do estímulo pulsátil, intermitente ou mesmo do tom
modulado (warble tone), a apresentação de forma alternada das
freqüências (agudo/grave/agudo/médio), das intensidades (fraco/
forte/forte/fraco) e da duração da apresentação (curto/longo) tam-
bém podem auxiliar nesta tarefa de surpreender o paciente, de difi-
cultar sua tarefa de manipular o resultado, de controlar suas res-
postas. Estímulos desconhecidos, diferentes, com características
acústicas diversas podem e devem ser utilizados nestes casos.
KINSTLER (1971) relatou alguns sintomas comportamentais
que podem ocorrer durante a audiometria tonal e que são comuns
em portadores de perda auditiva funcional:

• Atitude que mostra grande esforço para ouvir o sinal.


• Ajusta freqüentemente os fones como se estivesse fazendo
esforço para ouvir.
• Levanta o dedo lentamente tentando mostrar sua resposta,
ao mesmo tempo que faz movimento muito discreto com o
dedo quando detecta o som.
Perda Auditiva Funcional 157

• Discreta contração do dedo assim que o sinal é apresenta-


do, mas sem resposta definida até que a intensidade do sinal
tenha sido aumentada.
• Respostas inconsistentes seguidas de melhora na consis-
tência depois que o examinador aventou a possibilidade de
que o paciente não entendeu bem as instruções.
• O paciente, usando os fones, responde a perguntas à viva
voz e baixa intensidade, por exemplo. “De que lado você
está ouvindo?”
• O sujeito que alega perda total de audição apresenta hesi-
tação ou nervosismo quando o examinador introduz estímu-
los muito rápidos mas de forte intensidade.
• Utilizar a apresentação de fala em situação de surpresa,
através dos fones, em intensidade abaixo da necessitada
pelo paciente, por exemplo: “Levante-se”, “Abra a boca”,
“Feche os olhos”, “Sua calça está aberta”.
• O paciente responde à apresentação do segundo ou terceiro
estímulo em uma intensidade menor do que a limiar previa-
mente determinado.

Os pacientes com perda auditiva funcional, durante a aplica-


ção do teste de limiar de recepção da fala (LRF) ou mesmo durante
o teste de reconhecimento de palavras (IRF), freqüentemente
repetem apenas parte da palavra a eles apresentada. Por exem-
plo: para a expressão “não sei” reproduzem “sei”, para a expres-
são “está bem” repetem “bem”, embora tenham sido adequada-
mente instruídos. Algumas vezes repetem a primeira palavra,
outras vezes, a segunda, nem sempre falam a palavra que
acusticamente é mais intensa e muitas vezes deixam de repetir a
palavra em um nível de intensidade em que já mostraram ter
ouvido três ou quatro.
CHAIKLIN & VENTRY (1965) observaram que encontraram dife-
renças significantes (P < 0,001) em:
1. o número de erros ocorrendo na primeira ou na segunda
palavra de uma expressão;
2. ocorrência de erros em uma sílaba que não faz parte das
palavras apresentadas;
3. ocorrência de substituição por outra palavra parecida que
consta da lista utilizada, por exemplo: “panela” por “janela”.
Baseados nestes achados, CHAIKLIN E VENTRY (1965) elabo-
raram uma fórmula, a qual denominaram de SERI (índice de erros
espondaicos):
NRE + OS – SL
SERI =  × 100
TE

NRE = índice de erros por não responder; OS = resposta para uma sílaba; SL =
resposta com uma palavra que consta da lista; TE = total de erros.
Avaliação: índices de 86 ou mais são considerados positivos; 85 ou menos são
considerados negativos.
158 Fonoaudiologia Prática

Ao avaliarem os achados de um grupo de sujeitos, veteranos


americanos, encontraram índices positivos em 85% dos sujeitos
(N = 20) com perda auditiva funcional e índices negativos em 87%
dos sujeitos com perda auditiva não-funcional.
Em vista da dificuldade que o sujeito tem em controlar a
intensidade e a qualidade de suas respostas quando o sinal apre-
sentado é o da fala, diversos autores recomendam começar o
exame audiológico com a pesquisa do limiar de recepção da fala,
especialmente em situações em que há suspeita de perda auditiva
funcional. Atualmente, quando se avalia a população infantil, é
aconselhável começarmos com a pesquisa do LRF ou do limiar de
detecção da fala, porque serve como parâmetro para o examinador
saber qual o provável limiar auditivo do paciente sob teste.
A pesquisa do índice de reconhecimento de fala (IRF), em
campo, também pode ser bom indicativo da qualidade e da
quantidade de perda auditiva apresentada pelo sujeito sob teste.
Se apresenta bom índice de resposta (90 a 100%) a um nível de
35 a 40 dB NA, está claro que sua audição binaural está próxima
do normal. Se obtém este índice para fala a 55 dB NA, podemos
dizer que seu limiar tonal não deve estar acima de 20 a 25 dB nas
freqüências da fala (500 a 3.000 Hz).
CAMPBELL (1965) realizou análise dos erros apresentados ao
se pesquisar o IRF e a partir desta análise desenvolveu o “Índice
de Perda da Pseudodiscriminação” (IPPD). Segundo este autor,
os erros nas respostas dos pacientes podem ser divididos em
quatro categorias:

1. Erros típicos ou característicos.


2. Erros incomuns.
3. Perda de palavras fáceis.
4. Não responde.

O IPPD seria obtido dividindo-se a soma das últimas três


categorias (2, 3 e 4) pela categoria 1. Valores obtidos abaixo de 0,7
são negativos; valores entre 0,6 e 1,7 são marginais; e valores acima
de 1,7 são considerados indicativos de influências extra-auditivas.
SCHLAUCH e cols. (1996) realizaram um estudo em 60 sujeitos
ouvintes normais que simulavam perda auditiva. Em um dos
grupos aplicaram audiometria tonal e LRF através da técnica
ascendente. No segundo grupo, a audiometria tonal foi feita com
a técnica ascendente e o LRF com a técnica descendente. No
terceiro grupo, o procedimento foi invertido, ou seja, o LRF foi feito
de forma ascendente e o limiar tonal de forma descendente.
Constataram que a diferença média entre a média tonal para as
freqüências da fala (PTA) e o LRF foi de 10,6, 2,3 e 41,6 dB para
os três grupos respectivamente. A comparação dos SRTs e PTAs
de um grupo de pacientes com perda auditiva mostrou que é mais
efetivo se usarmos a média tonal de duas freqüências do que de
três. Concluíram que a melhor maneira de obter pistas sobre uma
Perda Auditiva Funcional 159

possível perda auditiva funcional seria o uso combinado da


técnica ascendente para obter o LRF e a técnica descendente
para o limiar tonal.
Outra recomendação feita pela maior parte dos autores con-
sultados diz respeito ao uso preferencial da voz ao vivo ao invés
de testes com voz gravada, esta estratégia permite maior flexibi-
lidade em relação ao material de exame.

Procedimentos especiais
Teste de Lombard
Baseado no princípio de que uma pessoa monitora sua voz
a partir do feedback acústico, ou seja, a partir do que consegue
ouvir do que produz, L OMBARD elaborou o seguinte procedi-
mento:
O paciente é colocado na cabina acústica com os fones sobre
os ouvidos, e é solicitado a ler em voz alta, um trecho de um livro.
Ao começar a fazê-lo, introduz-se nos fones ruído mascarante de
banda larga que vai sendo aumentado progressivamente. Ao
mesmo tempo, através de um microfone e de um medidor de
volume, controla-se a mudança na intensidade da voz do exami-
nado. Se o aumento da voz ocorre ao mesmo tempo que o
aumento da intensidade do ruído acontece, é porque o sujeito sob
teste está sofrendo os efeitos do ruído e perdendo sua capacidade
de automonitorar sua produção vocal.

Teste de Lee-Azzi ou teste do feedback acústico


atrasado
O fenômeno do feedback acústico atrasado é bastante conhe-
cido, já foi sugerido como técnica para reabilitação de pessoas
portadoras de gagueira e é bastante freqüente quando temos o
fenômeno do eco presente em um ambiente.
LEE (1950) criou esta prova e AZZI (1952) aplicou-a posterior-
mente com o objetivo de identificar pessoas que simulavam
surdez. Esta prova consiste em observar se o examinado altera
sua qualidade de fala quando exposto à própria voz apresentada
com pequeno atraso de tempo (± 30s). Em um primeiro momento,
solicita-se ao examinado que leia, em voz alta, um texto que será
gravado. Em seguida, o examinado é colocado na cabina acústi-
ca, com os fones sobre as orelhas, e é solicitado a ler o mesmo
texto novamente. Ao mesmo tempo, através do gravador, no fone
do ouvido que considera surdo, sua fala gravada é apresentada a
60 dB NS, com pequeno atraso de tempo. O sujeito que simula
deficiência auditiva poderá começar a ter dificuldades para ler o
texto, apresentando trocas, hesitações, confusões. Se, por outro
lado, continua a ler normalmente, é interessante começar a
aumentar a intensidade do sinal do gravador até que o examinado
aumente a intensidade de sua voz. Ao conhecermos a intensidade
160 Fonoaudiologia Prática

que interfere em seu feedback acústico podemos deduzir qual seu


verdadeiro limiar auditivo, sabe-se que para monitorar nossa voz
é necessário que esta alcance nossos ouvidos com intensidades
entre 25 e 35 dB NS.
RHUM & COOPER (1962 – 1964) propuseram uma modifica-
ção deste teste. Ao invés de utilizar sinal de fala, estes autores
utilizaram o ritmo de uma batida de tecla de máquina de
escrever. Neste procedimento, o paciente é treinado a reprodu-
zir com pequenas batidas de mão, as batidas rítmicas que lhe
são apresentadas, por exemplo: s s sss s ss. Assim que se
observa que o examinado consegue repetir o ritmo de forma
adequada, é colocado na cabina acústica com os fones sobre as
orelhas e lhe é solicitado repetir o exercício anterior. À medida
que começa a “batucar” o ritmo apresentado, este sofre um
atraso na sua apresentação – é como se a pessoa ouvisse o eco
de seu próprio som. Observa-se que o paciente perde o ritmo,
atrasa suas batidas, altera seu ritmo, começa a errar. RHUM &
COOPER acreditam que neste procedimento é mais difícil o
examinado conseguir controlar suas respostas. Observaram
que quase todos os pacientes testados apresentaram altera-
ções mensuráveis de sua performance motora.

Teste de Doerfler-Stewart
Consiste em observar a alteração que se produz na
inteligibilidade da palavra, quando se mistura a voz com o ruído.
O princípio do teste está na dificuldade que indivíduos com
audição normal têm em manter respostas supraliminares consis-
tentes quando em presença de ruído competitivo ipsilateral,
porém o que chama mais a atenção é o fato de que portadores de
perdas auditivas funcionais costumam apresentar dificuldades
maiores que os indivíduos normais. Exageram sua dificuldade.
Neste procedimento, determina-se em primeiro lugar a curva
logoaudiométrica do examinado sem ruído competitivo, em segui-
da, a mesma curva é obtida, porém com ruído de banda larga
homolateral ao ouvido onde as palavras estão sendo apresenta-
das. O simulador, tão logo o ruído é apresentado (às vezes abaixo
do nível de audição apresentado na audiometria), mostra queda
na sua habilidade de repetir o sinal de fala introduzido.
Em trabalho publicado por VENTRY & CHAIKLIN (1965), os
autores referiram que o teste de Doerfler-Stewart (teste D-S)
identificou incorretamente 50% do grupo com perda auditiva
orgânica como funcional e 58% do grupo com perda auditiva
funcional como orgânica. M ENZEL (1960) encontrou resultados
indicadores de perda funcional em 58% dos pacientes testados
(n = 83).
O teste D-S deve ser considerado um teste de triagem, e se os
resultados são positivos, este paciente deve ser submetido a
outras avaliações com outros procedimentos.
Perda Auditiva Funcional 161

Teste da voz alternada (swinging speech test)


Indicado para pacientes com queixa de perda auditiva unilate-
ral ou com problemas bilaterais assimétricos.
O princípio deste procedimento consiste em mudar a fala ou
o tom rapidamente de uma orelha para outra, na expectativa de
que o paciente com perda funcional fique confuso e responda ao
estímulo, apresentado a níveis menos intensos do que os limiares
apresentados pela orelha pior.
Este teste necessita de audiômetro de dois canais. O proce-
dimento a ser observado é o seguinte:
1. ler partes de uma estória, para o paciente, a 10 dB NS
acima do limiar da orelha normal ou melhor (por exemplo: 10 dB
acima do LRF) através de um canal;
2. outros trechos serão lidos para o outro ouvido, porém a
intensidades abaixo do limiar nela obtido (por exemplo: 10 dB
abaixo do LRF);
3. apresentar outros trechos da mesma estória simultanea-
mente através dos dois canais.
MARTIN (1994) propõe a seguinte história, a ser apresentada
da seguinte maneira (Quadro 7.2).

QUADRO 7.2 – Sugestão de estória para realização do teste de voz alternada. (Adap-
tada de MARTIN – Pseudohypoacusis. In: KATZ, J. Handbook of Clinical Audiology. 4ª
ed. Cap. 36, 1994. p. 560.)
Ouvido ruim Ambos ouvidos Ouvido bom
1. Lyons aproximava-se na floresta
silenciosa e perigosamente
de sua presa
2. carregando seu rifle Seu instinto animal e anos de experiência
confiantemente.
3. reforçados pela inteligência deixaram-no confiante através da caminhada.
educada
4. Jim Lyons era há muito reconhecido como o mais esperto caçador
da floresta.
5. Exceto por aqueles que vivem sobre quatro patas Lyons nunca voltou para casa
insatisfeito
6. ou com as mãos vazias. Os veados eram sua presa devido à sua carne suculenta
preferida
7. e sua bela pele.

Para que o teste funcione, é necessário que a estória seja


alternada rapidamente de um ouvido para o outro e para ambos.
O ideal é que seja apresentada através de um gravador, mas pode
ser feita à viva voz.
Pede-se ao paciente que repita a estória; se o paciente relata
qualquer trecho dentre os que foram apresentados ao ouvido
ruim, pode-se ter a prova de que o limiar auditivo por ele apresen-
tado, para aquela orelha, não foi verdadeiro, deve ser melhor.
162 Fonoaudiologia Prática

Testes das palavras foneticamente balanceadas


a baixa intensidade (low level phonetically
balanced word tests)
Segundo HOPKINSON (1978), a capacidade de reconhecer cor-
retamente as palavras de uma lista foneticamente balanceada
diminui à medida que a intensidade da voz é menor, podendo ser
possível encontrar os seguintes índices de acertos (Tabela 7.1).
Pacientes que apresentam índices de reconhecimento muito
altos, quando supostamente a fala está sendo apresentada a
níveis de sensação pouco adequados ao paciente, podem ser
portadores de perda auditiva funcional.

Métodos ascendentes e descendentes


O uso combinado das técnicas ascendentes e descendentes
para a obtenção do limiar tonal pode ser uma técnica rápida e
muito eficiente. Pacientes com problemas reais de audição ten-
dem a apresentar limiares piores quando se usa a técnica ascen-
dente, às vezes com diferenças de 10 a 15 dB entre os dados
obtidos através da técnica descendente. M ARTIN (1994) referiu ter
encontrado diferenças de até 30 dB entre os limiares obtidos com
estas duas técnicas, com limiares melhores na técnica ascendente.

Teste de Stenger
É um dos testes mais antigos para a identificação de perdas
auditivas funcionais. Foi inicialmente elaborado por STENGER
(1907) para ser usado com um par de diapasões, cujas freqüên-
cias sejam idênticas.
O teste de Stenger se baseia nos princípios de que: 1.
quando um som com diferença de intensidade de 5 a 10 dB é
apresentado simultaneamente aos dois ouvidos de um indiví-
duo com audição normal, este sujeito é capaz de localizar qual
o lado em que o som foi apresentado mais forte; 2. quando o
mesmo procedimento é realizado em um paciente com perda
auditiva unilateral, ele referirá como, mais forte, o lado em que
tem sua audição preservada.

T ABELA 7.1 – Índice de reconhecimento de palavras


foneticamente balanceadas em função do nível de
sensação (HOPKINSON , 1978).
Nível de sensação (dB) Índice de reconhecimento (%)

5 25
10 50
20 75
28 88
32 92
40 100
Perda Auditiva Funcional 163

O procedimento a ser seguido é o seguinte:


1. apresentar um tom aos dois ouvidos simultaneamente;
2. no ouvido pior, apresenta-se um estímulo forte o suficiente
para ser ouvido;
3. no ouvido melhor, apresenta-se o mesmo estímulo, porém
com intensidade 10 dB acima do limiar deste ouvido;
4. pede-se ao paciente para localizar qual o som mais forte:
• se é simulador, não refere ouvir nada, pois está ouvindo
somente pelo ouvido que diz ser pior;
• se realmente apresenta perda auditiva, responderá que
ouve pelo ouvido melhor;
5. diminui-se a intensidade do lado em que refere a perda
auditiva, até que chega um momento em que a diferença de
intensidade subjetiva é inferior a 5 a 10 dB, e então passa a referir
audição no ouvido melhor.
MONRO & MARTIN (1977) relataram que o teste de Stenger,
usado como triagem, era virtualmente imbatível em indivíduos
normais que simulavam perdas auditivas unilaterais.
O equipamento necessário para usar este procedimento é um
audiômetro que permita a apresentação de sinais sonoros para os
dois ouvidos ao mesmo tempo, isto significa que deve ser de dois
canais. É importante também que o examinador tenha treinamen-
to na sua aplicação para que não dê pistas (ritmo, padrão de
apresentação) que possam, de alguma maneira, revelar suas
intenções.
FELDMAN (1963) propôs três modificações para o teste de
Stenger:
1. Variar a intensidade paralelamente em ambos ouvidos,
com estimulação ascendente a partir de intensidades sub-
liminares. Manter uma diferença de intensidade constante entre
os dois ouvidos a favor do ouvido “bom”, embora o tom apresen-
tado no ouvido “ruim” esteja, subjetivamente, mais intenso; o
limiar verdadeiro deste ouvido pode ser o valor da diferença
constante. Repete-se o procedimento com intensidade constan-
te cada vez menor até que se consiga que o indivíduo escute
pelo “ouvido bom”.
2. Fixar no ouvido “bom” uma intensidade forte e constante
acima do limiar e se varia a estimulação, através da técnica
ascendente e descendente do som apresentado no ouvido pior.
3. Fixar no ouvido “ruim” uma intensidade forte e constante, e
através da técnica ascendente e descendente, varia-se a estimu-
lação do ouvido “bom”.
Diversas outras variações do teste de Stenger foram propos-
tas, algumas relacionadas ao tipo de estímulo a ser usado, tal
como o teste de Stenger com ruído, no qual o ruído branco, ruído
complexo ou ruído de banda estreita é usado. Existe também o
teste de Stenger com fala, onde o material utilizado é uma lista de
palavras, no inglês são usados as espondaicas, no português
pode-se usar dissílabos ou a lista de espondaicas proposta por
164 Fonoaudiologia Prática

MACHADO (1988). VENTRY & C HAIKLIN (1965) consideram o teste


de Stenger com fala positivo, quando este apresenta, no seu
resultado final, diferença de 15 dB ou mais abaixo do LRF obtido
no teste “voluntário” da orelha pior.

Audiometria automática de Békésy


A audiometria automática de Békésy tem sido citada na
literatura como um importante instrumento de análise da função
auditiva. Através da comparação das respostas auditivas voluntá-
rias a estímulos sonoros e intermitentes ou pulsáteis, podem-se
detectar perdas auditivas funcionais.
A discrepância entre os achados é determinada pela “...dificul-
dade que tais pacientes têm em igualar a sensação de intensidade
de um tom contínuo com a de um tom que pulsa rapidamente.”
(JERGER & HERER, 1961).
RINTELMANN & HARFORD (1963) encontraram traçado do Tipo V
(Fig. 7.1) em 9 sujeitos, em pelo menos uma orelha, quando
examinaram 10 crianças com perda auditiva funcional. PETERSON
(1963) relatou que encontrou traçado Tipo V em quatro casos de
crianças que apresentavam evidências de perda auditiva funcional.
Chamou a atenção para o fato de que, nestes pacientes, as respostas
obtidas para som contínuo são melhores que para som pulsátil.

0
10
20
30
40 traçado para som
mcontínuo
50 traçado para som
60 mintermitente

70
80
90
100
110
125 250 500 1k 2k 4k 8k Hz

FIGURA 7.1 – Traçados obtidos à audiometria automática de Békésy – classificados como (Tipo V) por
JERGER & HERER, 1961.

Prova de Carhart
CARHART (1945) elaborou este procedimento que permite ob-
servar a relação entre a perda auditiva para tom puro e a perda
auditiva para fala. Tal relação tem mostrado que a perda auditiva
para tom é igual à perda para fala, com uma margem de diferença
de até 5 dB.
Perda Auditiva Funcional 165

O procedimento é aplicado da seguinte maneira:


1. determinar a curva audiométrica tonal de ambos ouvidos;
2. determinar a curva logoaudiométrica de ambos ouvidos;
3. apresentar 10 palavras à intensidade supraliminar, em
intensidade confortável para o paciente;
4. apresentar 10 palavras à intensidade subliminar, quase
inaudível.
Continuar o procedimento alternando-se a intensidade entre
supra e infraliminar, diminuindo progressivamente, de 5 em 5 dB,
a intensidade das apresentações. Deste modo, o paciente se
desconcentra e perde o controle do teste, mostrando a discrepân-
cia entre os achados da curva logoaudiométrica e os achados
obtidos com esta manobra.

Exames objetivos da função auditiva


Podemos chamar de métodos objetivos aqueles em que o
paciente não precisa colaborar, ou seja, independem da vontade
do sujeito – não podem ser controlados pela vontade, não podem,
desta forma, ser manipulados.

Medida da imitância acústica


A medida do nível mínimo de resposta do reflexo acústico do
músculo estapédio é uma das melhores e mais valiosas contribui-
ções na identificação de pacientes portadores de perda auditiva
funcional.
Sabe-se que em pessoas com audição normal é possível
registrar a resposta reflexa acústica para sons com intensidade
superior a 70 dB NS (nível de sensação), portanto, é esperado que
em pacientes portadores de problemas auditivos de grau modera-
do, severo ou profundo, o reflexo acústico não seja registrado.
Quando isto ocorre, pode ser o resultado de patologia coclear – o
paciente apresenta recrutamento, ou de perda auditiva funcional
– o paciente respondeu mal ao exame subjetivo da audição, pois
sabe-se que não é possível obter reflexo acústico a níveis de
intensidade infraliminares. Nestes casos, não há dúvidas de que
o sujeito está simulando uma perda auditiva, não importa qual seja
o motivo que o levou a isto.
No caso descrito a seguir, podemos ver o relato de uma
pessoa do sexo feminino, 25 anos de idade, e que referia não
ouvir nada no ouvido esquerdo. À audiometria tonal, encontra-
mos os seguintes limiares tonais (Fig. 7.2): os achados para os
testes com fala mostraram-se consistentes com os achados
audiométricos. Para nossa surpresa, ao fazermos a pesquisa do
limiar do reflexo acústico contralateral, encontramos, ao estimu-
larmos a via aferente esquerda, respostas reflexas para sons
em torno de 90 dB NA (decibel nível de audição). Com este
método, rapidamente e sem qualquer dúvida, pode-se constatar
que a paciente estava apresentando perda auditiva funcional;
166 Fonoaudiologia Prática

Audiometria tonal
Hz .25 .5 1K 2K 3K 4K 6K 8K LRF IRF MONO DIS
OD 20 20 15 15 10 10 10 15 15 dB 55 dB 100% 100%

OE 95 100 110 110 115 115 115 100↓ 90 dB 110 dB 0% 0%


↓ ↓ ↓ ↓ ↓

Medida da imitância acústica


Reflexo acústico
0 OD Hz OE
1 LA cont ipsi dec LA cont ipsi dec
20 90 90 .5 100 90 90
2
15 95 90 1k 110 95 90
3
15 100 90 2k 110 100 90
4 10 105 90 4k 115 105 90
5 85 WN 85
6
7
8
9
10
–500 400 300 200 100 0 +100 200 daPa

FIGURA 7.2 – Nesta figura pode-se visualizar a discrepância entre os resultados obtidos à audiometria
tonal e a medida do reflexo acústico contralateral.

orientada sobre os resultados contraditórios dos exames reali-


zados, a paciente foi retestada e apresentou limiares auditivos
compatíveis.
O uso da medida do reflexo acústico tanto para tons puros
quanto para ruído de banda larga – white noise – foi sugerido por
JERGER e cols. (1974) como meio de predição do limiar auditivo.
Este teste recebeu a denominação de “Predição da Sensitivi-
dade Auditiva através do Reflexo Acústico” (SPAR – sensitivity
prediction from the acoustic reflex) e tem como princípio a
pesquisa da diferença de resposta reflexa que ocorre em ouvi-
dos normais quando estimulados com ruído e com tom puro.
JERGER e cols. (1974) observaram que as respostas reflexas
para tom puro estão em torno de 15 a 20 dB acima das obtidas
com ruído de banda larga, e sugeriram a pesquisa de ambas
respostas para que se pudesse fazer um predição do limiar
auditivo.
M ARTIN (1994) sugere que a pesquisa das medidas
timpanométricas e do reflexo acústico sejam feitas antes da
bateria audiométrica; ele acredita que, se o paciente é simulador,
se sentirá desencorajado a falsear suas respostas, já que foi
submetido a um teste objetivo que avalia seu ouvido mesmo sem
sua participação.
Perda Auditiva Funcional 167

Audiometria de tronco cerebral


Considerada a grande arma na identificação das perdas
auditivas, sejam elas do tipo que forem, a audiometria de tronco
cerebral – BERA – é um método de fácil aplicação cujas respostas
são estáveis e reprodutíveis, o que a tem tornado um método de
eleição em pacientes não cooperativos.
Na audiometria de tronco cerebral, o examinador deverá
avaliar cinco padrões principais:

• o formato das curvas;


• a presença ou não de cada onda nas várias intensidades;
• o período de latência;
• o valor da amplitude de cada onda considerada e;
• a correlação entre os dados obtidos com estímulos unilate-
rais e bilaterais.

A onda V é a resposta a que se atribui maior valor, isto porque,


em via de regra, é a onda maior, menos variável e que tem maior
persistência, mesmo para pequenas intensidades (DOBIE, 1980).
Os achados da audiometria de tronco cerebral refletem a
integridade do sistema auditivo periférico, visto que perdas auditivas
cocleares e retrococleares resultarão em menor estimulação das
vias auditivas nervosas centrais que passam pelo tronco cerebral;
isto significa que pacientes portadores de deficiência auditiva peri-
férica mostrarão alteração nas ondas do BERA e que, pacientes que
apresentam pseudo-hipoacusia mostrarão registros eletrofisioló-
gicos compatíveis com os de uma pessoa com audição normal.

Emissões otoacústicas
Segundo NORTON & STOVER (1994), emissões otoacústicas
são os sons gerados dentro de uma cóclea normal que podem ser
registrados no conduto auditivo externo. KEMP (1978) foi o primei-
ro pesquisador a registrar e medir as emissões otoacústicas.
Acredita-se que as emissões otoacústicas refletem a atividade de
mecanismos biológicos ativos que existem dentro da cóclea,
responsáveis pela sua extrema sensitividade em relação à fre-
qüência e intensidade do estímulo.
Existem dois tipos de otoemissões: 1. a espontânea, que
ocorre na ausência de estimulação externa e; 2. a evocada, ocorre
durante ou após estimulação acústica externa.
Por ser uma técnica não invasiva e por serem muito sensíveis
ao estado da cóclea, as emissões otoacústicas evocadas são um
instrumento muito valioso na clínica audiológica. Tem sido de-
monstrado que sujeitos, com audição periférica normal, apresen-
tam, na maior parte dos casos, registros de emissão otoacústica
com alta reprodutibilidade e baixa distorção, e que pacientes
portadores de perda auditiva periférica coclear têm seus registros
alterados ou ausentes.
168 Fonoaudiologia Prática

Em pacientes pseudo-hipoacúsicos, não importa a razão


desta sua manifestação, o uso das emissões otoacústicas evocadas
será de grande auxílio, pois a sua presença indica normalidade da
função coclear e, portanto, audição periférica normal.

Potenciais auditivos evocados de latência


média
Os testes eletrofisiológicos que estudam a função auditiva
têm, em geral, dois objetivos: a) determinar o limiar de detecção
do sinal; e b) fazer inferências no que se refere a integridade
funcional e estrutural dos componentes das vias nervosas auditi-
vas (KRAUS, KILENY, MCGEE, 1994).
São definidas como respostas evocadas auditivas de latên-
cia média, a série de ondas que ocorrem entre 10 e 80 milisse-
gundos (ms) após a apresentação do estímulo auditivo. O
sistema responsável pela geração destas ondas envolve a
interação de muitas estruturas cerebrais, que incluem estrutu-
ras auditivas centrais e do mesencéfalo, e também de estruturas
que se encontram fora da via auditiva primária.
O uso clínico das respostas evocadas de latência média inclui
a determinação eletrofisiológica do limiar auditivo para freqüên-
cias baixas, a avaliação dos limiares auditivos em todas as
freqüências do som em pacientes com BERA anormal devido à
lesão neurológica do tronco cerebral e monitoração de pacientes
pré e pós-implante coclear.
A pesquisa das respostas auditivas de latência média pode ser
mais um recurso na avaliação de pacientes que apresentam
pseudo-hipoacusia, já que permite a determinação dos limiares
auditivos sem a participação subjetiva do sujeito sob teste.

Aspectos médico-legais da perda auditiva


funcional
Uma das maiores dificuldades de um fonoaudiólogo, envolvi-
do em perícia médica, é a seleção de procedimentos que possam
ter validade frente a juízes nos processos de indenização para
compensação de invalidez. Se consegue estabelecer uma bateria
de testes, que entre si comprovam seus achados audiológicos, é
mais provável que seja validado em nível da corte judicial.
As baterias de exame devem incluir testes voluntários ou
subjetivos, tais como a audiometria tonal por via aérea e por via
óssea, limiar de recepção da fala (LRF), índice de reconhecimento
da fala a 40 dB NS (IRF), teste de Doerfler-Stewart, teste de
Stenger e teste de feedback acústico atrasado. A audiometria
automática de Békésy, a audiometria de tronco cerebral e a
pesquisa das emissões otoacústicas também devem fazer parte
deste conjunto de procedimentos associados à pesquisa do limiar
do reflexo acústico da via aferente contralateral.
Perda Auditiva Funcional 169

O fonoaudiólogo, em sua clínica privada, independente de seu


treinamento e experiência, não tem outra qualificação oficial nas
cortes e nos julgamentos de indenização, além de ser uma
“testemunha especializada” no assunto. Os resultados de seus
exames devem ser encaminhados diretamente ao solicitante,
obedecendo o sigilo exigido pelo juiz, advogado ou determinação
de autoridade judicial.
Neste relatório, deve-se ter muita cautela no que se refere ao uso
de expressões exageradamente técnicas, que não estejam suficien-
temente claras para o leitor. Devem-se evitar opiniões pessoais que
não estejam fundamentadas em resultados de testes ou de avaliações.

CONCLUSÃO
A audiologia clínica dos últimos 20 anos trouxe muitas
novidades tecnológicas que facilitaram a vida dos examinado-
res que atuam na área da perícia médica, onde avaliam simula-
dores voluntários ou involuntários que examinam pacientes com
distúrbios psicológicos, perceptuais, com deficiências neuroló-
gicas e/ou sensoriais associadas.
O desenvolvimento de procedimentos tais como: audiometria
de tronco cerebral, pesquisa da emissão otoacústica e pesquisa
do reflexo acústico permitiram ao fonoaudiólogo concluir com
mais segurança e confiança se determinado paciente é ou não
portador de pseudo-hipoacusia.
A observação cuidadosa do comportamento, das atitudes, da
qualidade da voz, da fala, da linguagem oral e corporal do paciente
podem fornecer pistas importantes para que o examinador venha
a suspeitar de audição normal, quando a queixa é de dificuldade
parcial ou total para ouvir.

Leitura recomendada
AZZI, A. – Le prove per svelare la simulazione di sordita. Riv. Audiologia
Prat., 5-6:23-55, 1952.
CAMPBELL, R. – Na index of pseudo-discrimination loss. J. Speech
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system. In: KEITH, R. Audiology for the Physician. Baltimore, Williams
and Wilkins Co.(5), 1980.
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170 Fonoaudiologia Prática

KEMP, D.T. – Stimulated acoustic emissions from within the human


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Imitância Acústica: Aplicações Clínicas 171

8
Imitância Acústica:
Aplicações Clínicas

Otacilio de C. Lopes Filho

A determinação do grau de uma deficiência da audição, na


maioria das vezes, tem deixado de ser um problema para os
audiologistas. A determinação das causas destas deficiências, no
entanto, é que se apresenta ainda como um problema difícil de ser
resolvido.
A evolução das técnicas cirúrgicas da orelha média – cirurgia
funcional – começou a exigir o aperfeiçoamento dos métodos de
diagnóstico. Repetidas intervenções sobre a orelha média têm
revelado lesões diferentes das inicialmente supostas.
A necessidade do diagnóstico diferencial entre as hipoacusias
mistas e puramente sensorioneurais tornou-se grande em vista
das possibilidades cirúrgicas das primeiras. Mesmo entre as
hipoacusias de condução, nas quais a membrana do tímpano
apresenta-se íntegra, torna-se imperioso um diagnóstico dife-
rencial.
Os testes usados para o diagnóstico baseiam-se no fato de
que nas deficiências auditivas mistas ou de condução, a audição
por via óssea é melhor que pela via aérea. Isto exige do paciente
uma comparação e, até certo ponto, uma habilidade na percep-
ção de sons pelas vias aérea e óssea. De todos os testes
usados, a audiometria é o mais importante e o mais precioso. O
diagnóstico audiométrico é baseado em dois conceitos funda-
mentais:
172 Fonoaudiologia Prática

a) O nível da audição obtido por via aérea representa a


audição global, incluindo perdas condutivas ou sensorioneurais.
b) O nível da via óssea é tomado como critério da avaliação da
função sensorioneural.
A diferença entre os dois níveis obtidos (gap) é considerada
como comprometimento condutivo. Sentimos que é pré-requisito
fundamental para o perfeito diagnóstico audiológico que ambos
os níveis sejam obtidos com grande rigor e precisão. Se a medida
da audição por via aérea nos oferece certa segurança, o mesmo
não ocorre com a da via óssea. O vibrador que é usado para sua
avaliação apresenta distorções em freqüências baixas, não res-
pondendo com a mesma linearidade para freqüências acima de
4 kHz. Segundo L ILLY (1972), o modo e o local da aplicação do
vibrador podem oferecer condições para erros de interpretação.
As características de transmissão sonora do crânio apresentam
problemas difíceis de resolver na prática. Variações individuais
destas propriedades são suficientes para produzir alterações de
significação clínica.
Do ponto de vista prático, no entanto, o maior problema que a
audição óssea nos oferece é o da audição cruzada, pelo mascara-
mento insuficiente, ou em certos casos até mesmo impraticável. O
vibrador ósseo quando em contato com o crânio faz com que sejam
transmitidas às duas cócleas o estímulo sonoro. Pela dificuldade de
exclusão da cóclea não-testada, uma disacusia sensorioneural
poderá, em certos casos, ser considerada erroneamente como
condutiva ou mista, o que ocorre com certa freqüência.
O estudo das características da imitância da orelha média, isto
é, da oposição que oferece à transmissão das ondas sonoras que
incidem na membrana do tímpano, veio em parte nos auxiliar a
resolver estes problemas.
Parece ter sido SCHUSTER (1934) quem pela primeira vez
aplicou clinicamente os conhecimentos de imitância da orelha
média, através de uma ponte mecânica construída para outros
fins. M ETZ, aperfeiçoando a ponte de Schuster, fez o primeiro
estudo sistemático a respeito da imitância da orelha média em
pacientes normais e com deficiência auditiva, comparando os
resultados obtidos. A ponte de Metz foi mais recentemente aper-
feiçoada por ZWISLOCK que conseguiu, através de um aparelho do
formato de uma seringa e tamanho bem reduzido, atrair a curiosi-
dade dos audiologistas em relação ao problema, já que a ponte
original de Metz havia caído no esquecimento pela sua impratica-
bilidade clínica.
Tanto METZ quanto ZWISLOCK já haviam notado em seus
estudos que orelhas com deficiências auditivas sensorioneurais
ou normais eram bem diferentes daquelas com problemas de
condução, embora a faixa de normalidade fosse bastante ampla.
Com a construção de novos equipamentos de uso mais
simples, como a ponte de TERKILDSEN e cols., a medida daquelas
propriedades da orelha passou à prática clínica. Seu uso, embora
Imitância Acústica: Aplicações Clínicas 173

muito difundido nos países escandinavos, ainda não tinha ampla


aceitação na América do Norte, até que os trabalhos de ALBERTI
& JERGER, despertaram os audiologistas para o problema.
O estudo da imitância da orelha média nos oferece um
grande número de aplicações práticas. Informa-nos com certa
precisão a integridade funcional do conjunto membrana tímpa-
no-ossicular, possibilitando o diagnóstico diferencial entre as
deficiências auditivas puramente sensorioneurais das mistas e
condutivas. Mesmo dentre as condutivas com membrana do
tímpano íntegra, o método nos possibilita o diagnóstico diferen-
cial da otosclerose, interrupção da cadeia ossicular e otites
médias secretórias (presença de fluido na orelha média). A
pesquisa objetiva do fenômeno do “recrutamento”, como descri-
to por METZ nos fornece ainda maiores subsídios, quando da
avaliação da audição de crianças e, principalmente, na prescri-
ção de suas próteses auditivas. O mesmo se pode dizer em
relação a adultos, em que portadores de perdas auditivas
bilaterais e iguais à pesquisa do fenômeno do “recrutamento”
pelos métodos usuais se torna mais difícil.
Nas paralisias faciais periféricas possibilita não só o diagnós-
tico topográfico da lesão, mas também a avaliação clínica de sua
evolução, pois segundo KRISTENSEN a função do músculo estapé-
dio é das primeiras a se recuperar na evolução de uma paralisia
facial para a cura clínica.
A possibilidade do estudo objetivo e quantitativo da função da
tuba auditiva, tanto em orelhas com membranas do tímpano
íntegras, como naquelas com membranas do tímpano perfuradas,
significou um grande passo nas possibilidades terapêuticas da-
queles distúrbios. Como demonstra HOLMQUIST, o estudo pré-
operatório da função tubária nos casos de timpanoplastia é de
máxima importância na avaliação das possibilidades do sucesso
cirúrgico.
Inúmeras outras aplicações clínicas do método justificam sua
adoção como de fundamental importância na avaliação de nossos
pacientes com afecções otológicas.

IMITÂNCIA ACÚSTICA DA ORELHA MÉDIA


A audição do ponto de vista filogenético é de desenvolvimento
mais recente que o equilíbrio. Esta, propriamente dita, só se
formou quando alguns peixes adquiriram bexigas natatórias.
Eram órgãos primitivos que serviam para a orientação dos peixes
com uma audição rudimentar. A orelha média no entanto só
começou seu desenvolvimento quando estes animais se torna-
ram anfíbios. A orelha primitiva sofreu uma série de transforma-
ções a fim de se adaptar às novas condições de vida. Na água, o
som é transmitido de um para outro meio líquido, o que resulta
numa oposição pouco acentuada à sua passagem. Com a nova
condição de vida – terrestre – a onda sonora do meio aéreo se
174 Fonoaudiologia Prática

projetava ao meio líquido – a orelha interna – sofrendo uma grande


perda de sua energia pela oposição na transmissão de um meio
ao outro. Cerca de 99,9% deste som é refletido.
Dos ossos maxilares do peixe começaram a se formar estru-
turas que dariam origem à orelha média, meio que a natureza
magistralmente encontrou para solucionar o problema da oposi-
ção ao som – a fim de adaptar a energia sonora – diminuindo-o.
Segundo MÖLLER, a principal função da orelha média seria a de
melhorar a transmissão sonora do ar para a orelha interna, pois
sua transmissão direta – para a perilinfa – iria resultar naquela
grande perda de energia.
Imitância é o termo utilizado para indicar a transferência de
energia sonora. Imitância expressa a imitância e a admitância
acústica. Imitância é, portanto, o termo usado para expressar a
imitância e a admitância.
Segundo FELDMAN , os termos imitância e admitância são
complexos, pois múltiplos fatores contribuem para seus valores.
Eles são a conseqüência:
1. do retorno à fonte geradora, da energia sonora acumu-
lada em um mecanismo de massa helicoidal (spring like mass);
2. da dissipação da energia devido à fricção do sistema.
Conhecendo as características da onda sonora que incide na
membrana do tímpano, através daquela porção que for refletida,
podemos conhecer as propriedades acústicas do aparelho condutor
do som da nossa orelha. Aquela oposição à passagem do som é
conhecida como imitância da orelha média. Num aparelho condutor
de som a imitância seria definida, segundo HARPER, como a “oposi-
ção oferecida por ele à passagem da energia sonora e que depende
das características vibratórias do sistema”. Aplicando-se à nossa
orelha poderíamos, ainda com HARPER, definir a imitância como “a
oposição revelada pelo aparelho condutor do som na orelha à onda
sonora que penetra no meato acústico externo”.
Graças ao estudo daquela fração não-aproveitada pela orelha
média, podemos, por diversos meios, saber com certa precisão as
características de transmissão do sistema tímpano-ossicular.
Se a imitância acústica (Z) é definida como a oposição que o
aparelho de condução do som oferece à passagem da energia
sonora na nossa orelha, a admitância (Y) é o seu inverso, isto é,
a facilidade que esta mesma energia encontra em nossa orelha.

Imitância (Z) Admitância (Y)


A) Energia retornada Energia armazenada
(reactância) (susceptância)
Rigidez (-X) Complacência (B)
Massa (X) Massa recíproca (-B)
B) Energia dissipada na fricção Fluxo de energia num
Resistência (R) elemento resistivo
Condutância (G)
C) Unidade de medida: ohm Unidade de medida:
mho
Imitância Acústica: Aplicações Clínicas 175

“Os fabricantes de diversos instrumentos expressam o que


ocorre com o mecanismo de audição em parâmetros diferentes,
porém relacionados entre si. Alguns fabricantes relatam resulta-
dos referentes à imitância acústica (Z) e complacência acústica
(B), os quais são expressos através de ohms acústicos ou centí-
metros cúbicos equivalentes. Outros relatam medidas em
admitância acústica (Y) ou seus componentes: susceptância e
condutância (G). Estes são expressos em miliohms acústicos.
A relação recíproca entre imitância acústica já foi demons-
trada. A razão pela qual estes parâmetros podem ser usados
quase como substitutos um do outro é que quando a imitância
é medida com um tom de baixa freqüência, os resultados
devem-se essencialmente à rigidez do sistema. Portanto, um
instrumento pode medir imitância, admitância ou susceptância
e utilizar formas diversas de descrever o resultado. A admitância
acústica pode ser relatada em miliohms acústicos ou conver-
tida à unidade ohm de imitância recíproco. Da mesma forma,
tanto a imitância quanto a admitância acústicas podem ser
compostos apenas de susceptância, complacência e reactância”
(FELDMAN).
Se aplicarmos uma força alternada a um sistema mecânico,
ela induzirá a uma vibração daquele sistema, e sua magnitude
dependerá da força aplicada e da mobilidade do sistema conside-
rado. A mobilidade, por sua vez, é governada pela fricção, massa
e rigidez do sistema, da mesma maneira que num circuito elétrico
é pela resistência, indutância e capacitância.
A imitância da orelha média é determinada por dois fatores
fundamentais: a resistência e a reactância. A resistência é a parte
da imitância que, por definição, independe da freqüência sonora.
Numa orelha normal, é produto da fricção da cadeia ossicular. Em
eletricidade, é representada pelo quociente da diferença de po-
tencial pela intensidade da corrente, enquanto em mecânica
também é a expressão da oposição criada pela fricção.
A reactância é a parte da imitância tributária da freqüência
sonora. Em eletricidade, é representada pela indutância e capa-
citância, sendo que em mecânica, como em acústica, é represen-
tada pela massa e pela rigidez do sistema. Na orelha, a maior
contribuição do fator massa é o peso combinado do martelo e
bigorna, enquanto a de rigidez é devida aos ligamentos e outras
estruturas de suporte.
A imitância acústica, devido a estas duas propriedades, varia
com a freqüência da onda incidente. O mecanismo de condução
do som tende a ser, para baixas freqüências, controlado principal-
mente pela rigidez, enquanto para altas, pela massa. Existe uma
freqüência em que os fatores massa e rigidez se anulam mutua-
mente e esta freqüência denomina-se freqüência de ressonância.
Ela situa-se em torno de 2.500 Hz.
Nestas freqüências de ressonância, a reactância é pratica-
mente nula (nesta zona a imitância depende da resistência,
176 Fonoaudiologia Prática

portanto independente da freqüência sonora). Acima da freqüên-


cia de ressonância, o sistema da orelha média é controlado pela
massa, enquanto que abaixo, pela rigidez.
Dos três fatores: resistência, massa e rigidez, é o último o que
se reveste de maior importância. Nas afecções da orelha média é
a rigidez que se modifica de maneira mais significativa. Assim
sendo, a medida da imitância oferece maiores informações clíni-
cas quando considerada nas freqüências mais graves. Neste
caso, a imitância obtida será uma expressão da rigidez do sistema
tímpano-ossicular. O inverso da rigidez é definido como compla-
cência (compliance) ou elasticidade.
Assim sendo, podemos definir:
Imitância acústica (Z) – É a expressão da oposição que o
sistema tímpano-ossicular oferece à passagem da energia sono-
ra. O recíproco é a admitância acústica.
Admitância acústica (Y) – É a expressão da facilidade que o
sistema tímpano-ossicular oferece à passagem da energia sono-
ra. Seu recíproco é imitância.
Reactância acústica – É o componente imaginário da imitância
acústica. É a resultante da rigidez e massa do sistema e é o
componente que expressa o armazenamento e o retorno da
energia.
Susceptância acústica – É a expressão do armazenamento
de energia como ação recíproca da reactância acústica.
Resistência acústica – É o componente real da imitância
acústica que é a responsável pela dissipação da energia.
Complacência (B) – É a expressão da facilidade ou magnitu-
de do movimento tímpano-ossicular (é o inverso da reactância de
rigidez).
A maioria das pontes eletroacústicas usadas atualmente (por
exemplo, a ponte eletroacústica de Madsen) medem a energia
que é refletida pelo conjunto tímpano-ossicular no plano da
membrana do tímpano, ou melhor, medem o inverso da reactância
de rigidez (complacência) expressa em centímetro cúbico equiva-
lente. São os impedanciômetros.
As técnicas de imitância acústica são usadas clinicamente
para medir a oposição oferecida pela face externa da membrana

FIGURA 8.1 – Imitanciômetro Madsen mo-


delo ZS77MB.
Imitância Acústica: Aplicações Clínicas 177

FIGURA 8.2 – Imitanciômetro Madsen mo-


delo ZO72.

do tímpano, no plano do meato acústico externo, à transmissão


integral da vibração sonora. Essas medidas podem ser classifica-
das como dinâmicas ou estáticas. Estática é a medida da compla-
cência da membrana do tímpano; dinâmicas são a timpanometria
e a medida do reflexo do músculo do estribo.

Timpanometria
Timpanometria é o método utilizado para a avaliação da
mobilidade da membrana do tímpano e das condições funcionais
da orelha média. É realizada medindo-se a capacidade que tem a
membrana de refletir um som introduzido no meato acústico
externo, em resposta a graduais modificações de pressão no
mesmo conduto.
JERGER, estudando mais de 400 pacientes, determinou três
tipos fundamentais de curvas timpanométricas, conforme a afec-
ção encontrada na orelha média:
a) A curva A é caracterizada por um pico máximo ao redor de
0 (zero) decaPascal de pressão, e foi encontrada em indivíduos
normais ou em portadores de otosclerose.
b) Na curva do Tipo B não existe aquele pico de máxima
complacência e a curva se mostra inalterável, mesmo que as
variações de pressão no meato acústico externo sejam grandes.
Estas foram encontradas em pacientes portadores de otite média
secretória.
c) O terceiro tipo foi denominado de C e seu ponto mais alto,
isto é, de máxima complacência, estava deslocado para pressões
muito negativas, em torno de –100 daPa. Foi encontrado em
pacientes portadores de malfuncionamento tubário.
O mesmo JERGER e cols., após a realização de mais de mil
timpanometrias em pacientes com vários tipos de alterações da
orelha média e com membrana do tímpano normal, descrevem
duas outras curvas classificadas dentro do Tipo A:
• Uma delas, a denominada de Ar (curva de rigidez) mostra-
se achatada, porém seu perfil é semelhante ao da curva A,
que passou a ser denominada An. Esse tipo Ar foi achado
em pacientes com otosclerose, timpanosclerose ou com
membranas timpânicas espessas.
178 Fonoaudiologia Prática

• A outra, que foi denominada curva Ad, revela uma compla-


cência extremamente grande. Esta curva não possui o ponto
de máxima complacência, pois seus dois ramos ultrapas-
sam o ponto zero do gráfico. Foi encontrada em pacientes
com interrupção da cadeia ossicular ou com membranas
timpânicas muito flácidas.

–400 –300 –200 –100 0 100 200

1
2
3
4
5
6
7
8
9 FIGURA 8.3 – Timpanograma Tipo A. Encontrado
10 em pacientes com orelha média normal.

–400 –300 –200 –100 0 100 200

1
2
FIGURA 8.4 – Timpanograma Tipo B. Encontrado
3 em pacientes portadores de otite média secretória
4
com fluido na orelha média. Esta curva também
5
6 poderá ser observada em pacientes com peque-
7 nas perfurações da membrana do tímpano com
8
9 tuba auditiva obstruída ou ainda em otuloses,
10 porém sem valor diagnóstico.

–400 –300 –200 –100 0 100 200

1
2
3
4 FIGURA 8.5 – Timpanograma Tipo C. É encontra-
5
6 do em pacientes com disfunção da tuba auditiva.
7 Semelhante ao Tipo A, porém com o ponto de
8
9 maior complacência deslocado para o lado de
10 pressões negativas.

–400 –300 –200 –100 0 100 200

1
2
3
4
5
6
7
8
9
FIGURA 8.6 – Timpanograma Tipo Ar. Encontrado
10 em pacientes portadores de otosclerose.

–400 –300 –200 –100 0 100 200

1
2
3
4
5
6 FIGURA 8.7 – Timpanograma Tipo Ad. É encontra-
7 do em pacientes portadores de hipoacusia condu-
8
9 tiva causada por disjunção traumática da cadeia
10 ossicular.
Imitância Acústica: Aplicações Clínicas 179

Complacência estática
A expressão complacência estática é usada em contraste com
a da medida de complacência dinâmica, exemplificada pela
timpanometria e pesquisa do reflexo do músculo do estribo.
Usando a ponte eletroacústica, é medida no ponto de máxima
complacência do timpanograma. No caso de uma orelha normal
este ponto deverá ser encontrado próximo da pressão zero daPa,
podendo ser ligeiramente negativo.

Reflexo muscular acústico da orelha média


Para BURKE e cols., a presença do reflexo muscular acústico
da orelha média (reflexo do músculo do estribo) é um elemento
essencial para se considerar uma orelha média como normal. A
ausência do reflexo do músculo do estribo pode significar uma das
seguintes eventualidades: paralisia do nervo do músculo do
estribo (nervo facial), deficiência auditiva de condução, severa
deficiência sensorioneural ou más condições de registro (apare-
lho defeituoso).
Segundo KLOCKHOFF, o valor diagnóstico do reflexo do mús-
culo do estribo prende-se ao fato que, quando registrado pelo
método da imitância, é um indicador muito importante de função
normal da orelha média. Por outro lado, as características de
contração daquele músculo podem ser modificadas por altera-
ções da orelha média, doenças cocleares ou lesões do nervo
facial.

IMITANCIOMETRIA NO DIAGNÓSTICO OTOLÓGICO


Diagnóstico diferencial entre hipoacusias de
condução (com membrana do tímpano íntegra)
A otosclerose clínica, a interrupção da cadeia ossicular e a oti-
te média secretória podem ser facilmente distinguidas pelas me-
didas da imitância acústica da orelha média. A relação entre os

–80 2

–60 4

–40 10
–20 10

Zero 55

+20 16

+40 2
FIGURA 8.8 – Medida das pressões encontra- +60
das na orelha média num grupo de pacientes
0 20 40 60 80
normais. Notar a variação de pressões des-
de negativas a positivas observadas naque- Pacientes %
les pacientes.
180 Fonoaudiologia Prática

dados obtidos em pacientes com audição e orelhas médias


normais e aqueles portadores de otosclerose é oposta à obtida em
pacientes portadores de hipoacusia por disjunção da cadeia
ossicular. A combinação de teste negativo para o reflexo do
músculo do estribo com um positivo para o músculo tensor do
tímpano (obtido por meios não-acústicos) é um índice objetivo de
fixação do estribo.
FARRANT, estudando pacientes portadores de deficiências
auditivas profundas, tanto em adultos como em crianças, pôde
diagnosticar em alguns casos um componente condutivo com o
auxílio da imitanciometria. Esses pacientes, submetidos à inter-
venção cirúrgica para correção do defeito que acarretava o
componente condutivo, beneficiam-se com a intervenção de tal
modo que tiveram a adaptação de suas próteses auditivas muito
facilitada. BROOKS, estudando grupos de escolares, pôde diag-
nosticar com grande precisão um alto número de otites secretórias,
sem sintomatologia clínica.
Em estudo que realizamos em 1972, encontramos valores de
complacência estática bastante diversos para pacientes portado-
res de otosclerose, interrupção da cadeia ossicular e otite média
secretória. Em pacientes com otite média secretória, apresentan-
do pressões negativas maiores que –300 daPa, não encontramos
reflexo do músculo do estribo na orelha comprometida (eferente)
em nenhum caso, mesmo que não houvesse sinais de outra
afecção.
A timpanometria nos oferece alguns elementos importantes
para o diagnóstico diferencial entre os três tipos de alterações
consideradas. Enquanto nos pacientes portadores de otosclerose
ela é do Tipo Ar (rigidez) ou A (normal), na otite média secretória
é do Tipo B e na interrupção ossicular é do Tipo Ad (disjunção).

Normais
Otite média secretória
Sensorioneurais
60% Otosclerose

50%

40%

30%

20%
10%
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1,0
1,1
1,2
1,3
1,4
1,5
1,6
1,7
1,8
1,9
2,0

FIGURA 8.9 – Curva de distribuição das freqüências das complacências encontradas em pacientes com
orelhas médias normais, portadores de disacusias sensorioneurais, otosclerose e otite média secretória.
Imitância Acústica: Aplicações Clínicas 181

Segundos Normal

Flexão →

Otosclerose

On Off

1,5s Tempo

FIGURA 8.10 – Registro do efeito on-off num paciente com


otosclerose em fase inicial.
–300 –200 –100

Os valores da complacência estática, embora possam ofere-


cer alguns dados importantes para o diagnóstico diferencial, não
devem ser considerados isoladamente, dadas as variações en-
contradas. As otites médias secretórias apresentam valores muito
baixos de complacência, enquanto na interrupção ossicular estes
valores são bem altos.
Em nenhuma das afecções consideradas encontraremos o
reflexo do músculo do estribo. Já assinalamos que, por menores
que sejam as alterações no conjunto tímpano-ossicular, são
suficientes para abolir o reflexo. Em pacientes portadores de
otosclerose clínica, numa fase inicial, com perdas auditivas dis-
cretas, podemos encontrar uma resposta ao estímulo sonoro
denominada efeito on-off. Nesta resposta há uma discreta varia-
ção negativa da imitância no início e no fim do estímulo. É
necessário o emprego de um registrador gráfico para melhor
análise deste achado. As explicações para o efeito on-off ainda
não foram satisfatórias, mas parece haver um discreto movimento
da base do estribo no seu eixo longitudinal, que resulta naquele
achado.
Muitos autores consideram que a presença do reflexo do
músculo do estribo seria um índice muito preciso de normalidade da
orelha média. Apenas em um caso poderemos encontrar o reflexo
do músculo do estribo, numa hipoacusia de condução e muito
exaltado. Isto sucederá quando houver uma fratura dos arcos do
estribo, abaixo da inserção do músculo estapédio. Nestes casos,
embora a hipoacusia seja de condução (falta de contato dos arcos
com a base do estribo), o reflexo estará presente na orelha eferente
(onde se encontra a sonda), desde que na orelha aferente haja
limiares tonais compatíveis com a elicitação do reflexo.
182 Fonoaudiologia Prática

Avaliação quantitativa da função tubária


THOMSEN foi um dos primeiros a estudar a função da tuba
auditiva empregando a ponte de imitância. Modificando o método
original, HOLMQUIST fez algumas observações muito interessan-
tes a respeito, principalmente relacionadas à evolução pós-opera-
tória, em pacientes submetidos à cirurgia funcional da orelha
média. Este autor verificou que aqueles que revelaram má ou
nenhuma função da tuba auditiva em exame pré-operatório, foram
justamente os que obtiveram os piores resultados cirúrgicos.
Em pacientes portadores de perfuração da membrana do
tímpano poderemos empregar para o teste uma parte do imitan-
ciômetro, isto é, aquela que pode medir as pressões. Selamos o
meato acústico externo com uma sonda de tamanho adequado, e
introduzimos uma pressão positiva de 200 daPa. Ao introduzirmos
aquela pressão, solicitamos ao paciente para não deglutir (o que
provocaria a abertura da tuba auditiva pela contração dos mús-
culos tensores e elevadores do véu palatino). Em seguida, damos
um copo com água ao paciente e solicitamos que tome um gole.
Após a tomada do gole, verificamos qual o escape de ar é
determinado pela abertura da tuba auditiva na deglutição. Repe-
timos a cada gole a leitura do manômetro. Em pacientes com tuba
auditiva funcionante, após 3 ou 4 goles, as pressões entre a orelha
média e a rinofaringe se igualam em zero. Em pacientes com
hipofunção, após 5 ou 6 goles permanece uma pressão residual
em torno de 50 ou 80 daPa. Quando há um bloqueio total da tuba,
por maior número de goles que o paciente tome, não haverá
modificação na pressão inicial, isto é, a agulha do manômetro
continuará registrando 200 daPa.
M OORE e cols., verificaram que pacientes submetidos a
intenso regime alimentar e com grande perda de peso, ou ainda
aqueles que sofreram ou sofrem de moléstias graves, com
grande queda do estado geral, podem apresentar uma maior
permeabilidade da tuba auditiva (normalmente está sempre
fechada e só se abre durante as deglutições), permanecendo
com a mesma continuamente aberta. A sintomatologia apresen-
tada é, segundo aquele autor, muito mais incômoda do que a da
tuba obstruída. Estes pacientes se mostram excessivamente
nervosos e a princípio parecem portadores de psiconeuroses.
Os sintomas mais importantes são: autofonia e a percepção
sonora de sua própria respiração. Alguns se queixam de orelha
tapada e outros de hiperacusia. Parece-nos que a raridade
desta afecção está muito mais ligada à dificuldade de seu
diagnóstico. Pelo método da imitanciometria, torna-se muito
simples o diagnóstico desta disfunção tubária. Os movimentos
respiratórios dos pacientes provocam alterações da imitância
da orelha média que são sincrônicas com os movimentos
respiratórios (determinando o deslocamento da agulha do ba-
lanceômetro, junto com os movimentos de respiração).
Imitância Acústica: Aplicações Clínicas 183

+200

daPa
+100

FIGURA 8.11 – Prova de função tubária. Re- 0


sultado em um paciente com tuba auditiva
bem permeável. Deglutições

+200

daPa
+100
Pressão
residual
FIGURA 8.12 – Prova de função tubária em um 0
paciente com obstrução parcial da tuba audi-
tiva. Deglutições

+200 Pressão
residual
daPa

+100

0
FIGURA 8.13 – Prova de função tubária em um
paciente com obstrução da tuba auditiva. Deglutições

Pesquisa do “recrutamento” objetivo de Metz


M ETZ verificou que pacientes portadores de deficiências
auditivas sensorioneurais e que apresentavam o fenômeno do
“recrutamento” determinado pelo método de Fowler, revelaram
os mesmos níveis do reflexo do músculo do estribo que pacien-
tes com audição normal. Para ele, esta conformidade de acha-
dos justificava o reconhecimento de uma mesma afecção para
os dois fenômenos e esta deveria estar localizada no órgão de
Corti.
A pesquisa do fenômeno do “recrutamento” pela imitanciometria
oferece várias vantagens sobre o método de Fowler:
• É objetiva, não necessitando da colaboração do paciente.
• É aplicável tanto a casos de deficiências auditivas unilate-
rais como em bilaterais simétricas.
• Em deficiências auditivas bilaterais assimétricas, pode ser
pesquisado também na melhor orelha (pelo método de
Fowler só seria possível na pior).
• Sua determinação é mais rápida que pelo método de Fowler.
Em lesões cocleares as perdas auditivas são acompanhadas do
fenômeno de “recrutamento”, de modo que a diferença de intensida-
de entre os níveis para os tons puros (nível tonal) e os níveis para
o reflexo do músculo do estribo está realmente encurtada (normal-
mente a diferença entre ambos é de 70 a 90 dB NA).
184 Fonoaudiologia Prática

0
Caso Data
Segundos Tempo
1
Examinador
RF
2 2

3 3

4 4
R
Segundos
5 5

6 6

7 7
SR

FIGURA 8.14 – Registro das modificações da imitância em um paciente com tuba auditiva muito
permeável: RF = em respiração forçada; R = em respiração normal; SR = paciente sem respirar, não
há modificação da imitância da orelha.

Para ALBERTI, o estreitamento daquele intervalo (diferença


entre o nível tonal e nível para o reflexo) para 60 dB NA ou menos
é sinal de lesão coclear.

Pesquisa do declínio (“decay”) do reflexo do


músculo do estribo
Segundo ANDERSON, a medida do tempo de contração do
músculo do estribo, determinada por um estímulo sonoro, é um
dado muito importante no diagnóstico diferencial entre lesões
sensorioneurais cocleares e retrococleares. A contração do
músculo do estribo, determinada por um estímulo sonoro a 10
dB NA acima de seu nível, nas freqüências de 500 e 1.000 Hz,

250 500 1K 2K 4K 8K Hz

10
E.B.A. = completo
20
I.S.I. = 100%
30
40

50

60

70
80
FIGURA 8.15 – Níveis do reflexo do músculo
90 R R do estribo em um paciente que apresenta o
R R
100 fenômeno do “recrutamento”. Há uma acen-
110 tuada redução dos valores diferenciais entre
os níveis tonais e para o reflexo (recrutamen-
dB NA Doença de Ménière to de Metz).
Imitância Acústica: Aplicações Clínicas 185

não sofre uma queda significativa nos primeiros 20s em que o


tom puro é apresentado. Se, no entanto, houver um declínio da
contração maior que 50% nos primeiros 5s, será altamente
sugestivo de lesão retrococlear. Este autor, estudando 21 pa-
cientes (16 com schwannona vestibular e 5 com tumores de
fossa posterior) com perdas auditivas não superiores a 60 dB
NA, verificou que o declínio da contração do músculo do estribo
foi o sinal audiológico encontrado mais precocemente. Destes
21 pacientes, 7 ainda tinham níveis tonais dentro dos limites da
normalidade e em todos eles houve uma queda da contração do
músculo do estribo maior que 50% nos primeiros 5s, com tons
puros a 500 e 1.000 Hz.
Para o estudo do declínio da contração do músculo do estribo
oferecemos um tom puro 10 dB acima do nível obtido para o
reflexo nas freqüências de 500 e 1.000 Hz. Anota-se quanto de
declínio da contração máxima houve em 5s. Não é indispensável
o emprego de um registrador gráfico, porém seu uso tornará o
teste mais seguro e oferecerá medidas mais corretas. Para tanto,
pode-se adaptar qualquer eletronistagmógrafo ao imitanciômetro,
o que permitirá, além da medida do declínio, a timpanometria e o
reflexo do músculo do estribo.

IMITANCIOMETRIA NO DIAGNÓSTICO
OTONEUROLÓGICO
GREISEN e cols. descreveram dois casos de pacientes porta-
dores de tumor do tronco cerebral, nos quais não se conseguiu
obter o reflexo do músculo do estribo (contralateral), embora a
audição de ambos estivesse dentro dos limites da normalidade. A
despeito de apresentarem níveis normais e de não haver paralisia
facial, o reflexo contralateral se encontrava abolido em ambas

%
100

% Normal
100

50
50

0
0
0 5 10 15 20 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Segundos Segundos
1.000 Hz intensidade 100 dB 100 Hz intensidade 100 dB

FIGURA 8.16 – Registro da contração do músculo FIGURA 8.17 – O mesmo registro num paciente
do estribo. Observar que o músculo permanece com afecção retrococlear (neural). Há uma acen-
contraído durante o tempo do estímulo sonoro tuada queda da contração (> 50%) após 5s de
(100 dB NA a 1.000 Hz). estímulo sonoro (100 dB NA a 1.000 Hz).
186 Fonoaudiologia Prática

orelhas. Utilizando estímulos ipsilaterais os reflexos apresenta-


vam-se normais. A presença do reflexo do músculo do estribo por
estímulo ipsilateral em ambas orelhas e sua ausência por estímulo
contralateral é um sinal muito importante para o diagnóstico de
lesões na altura do tronco cerebral.
O estudo do reflexo do músculo do estribo pode também nos
auxiliar no diagnóstico topográfico das lesões periféricas do nervo
facial. Quando a lesão do nervo encontra-se abaixo da emersão
do ramo para o músculo do estribo, o reflexo poderá estar
presente e normal. Em lesões situadas acima daquele ponto não
poderemos obter o reflexo do músculo do estribo, quer por
estímulo contralateral, quer por estímulo sonoro ipsilateral.
Segundo alguns autores, a função do músculo do estribo é
uma das primeiras a se recuperar na evolução para a cura de uma
paralisia facial periférica.
No topodiagnóstico das paralisias faciais periféricas, além da
pesquisa do reflexo do músculo do estribo, emprega-se o teste do
lacrimejamento e a eletrogustometria, a fim de se poder estudar
aquele nervo em seus vários níveis dentro do osso temporal.
Como havíamos assinalado, a ausência ou presença do reflexo do
músculo do estribo, associada aos achados do lacrimejamento e
da eletrogustometria, podem nos dar informações muito importan-
tes em relação ao provável local da lesão do nervo. O aparecimen-
to do reflexo em um paciente com paralisia facial periférica, em
que um exame anterior revelara ausência do reflexo, pode signi-
ficar uma evolução favorável com tendência à recuperação es-
pontânea da atividade motora do nervo.
Em pacientes portadores de quadro vertiginoso podemos utilizar
o imitanciômetro a fim de pesquisar o fenômeno de Túlio (apareci-
mento de vertigem seguida à apresentação de um som intenso). Os
equipamentos modernos dispõem de intensidades sonoras em 500,
1.000, 2.000 e 4.000 Hz, até 125 dB NA; portanto, suficientemente
intensas para provocar o fenômeno. Como sabemos, o fenômeno de
Túlio é indicativo de fístula perilinfática. Atualmente, com a experiên-
cia ganha com as observações de pacientes portadores de fístulas,
acredita-se que o fenômeno de Túlio tem uma importância muito
menor que se supunha. Trabalhos têm revelado que o fenômeno
pode ser observado mesmo em pacientes nos quais a fístula não foi
encontrada cirurgicamente. Estudos recentes mostram que a maioria
dos pacientes portadores de fístula perilinfática não apresentava o
fenômeno e a maioria dos que o apresentavam não tinha fístula.
Podemos ainda, para pesquisar a presença de fístulas, utilizar
variações de pressões no meato acústico externo, empregando o
imitanciômetro. Selamos o meato acústico externo com as sondas
especiais que acompanham o aparelho e provocamos rápidas
variações de pressões. Em pacientes portadores de fístula pode-
mos determinar com estas manobras o aparecimento de vertigem.
Este teste é hoje de valor muito maior que o do fenômeno de Túlio,
para a suspeita diagnóstica de fístula perilinfática.
Imitância Acústica: Aplicações Clínicas 187

Surdez psicogênica. Simuladores


Os distúrbios psicogênicos têm sido motivo de inúmeras
pesquisas e discussões, especialmente na literatura americana.
Este interesse parece ter sido despertado pelos vários casos
surgidos após a Segunda Grande Guerra Mundial. JEPSEN acre-
dita que o estudo dos níveis do reflexo do músculo do estribo é um
elemento muito importante para afastar os casos de fundo
psicogênico ou ainda de simuladores (em deficiências auditivas
muito profundas, com níveis tonais maiores que 90 ou 95 dB, o
reflexo do músculo do estribo costuma estar ausente, mesmo que
haja “recrutamento”).
O achado de respostas para o reflexo do músculo do estribo
dentro dos limites normais (num paciente com deficiência auditiva
severa) seria indicativo de que o paciente simula ou apresenta
uma surdez psicogênica.

Diagnóstico de pequenos tumores glômicos


da orelha média
Descrevemos pela primeira vez, em 1972, a possibilidade de
se fazer o diagnóstico da presença de pequenos tumores
glômicos na orelha média, num período muito inicial de seu
crescimento e sem manifestações clínicas muito evidentes de
sua presença, pela imitanciometria.
O tumor pulsátil, embora muito pequeno, pode, quando
pulsa, determinar modificações da imitância da orelha média,
facilmente observadas pela timpanometria. Durante a timpano-
metria, mesmo com sensibilidade mínima no imitanciômetro, a
agulha do balanceômetro desloca-se sincronicamente com o
pulso periférico, o que pode ser registrado com facilidade.
Nem sempre uma pulsação registrada durante a timpano-
metria significa a presença de um tumor glômico . Temos encon-
trado pulsações semelhantes em pacientes com hipertensão
arterial, com hipertensão endocraniana e mesmo em alguns
casos sem qualquer afecção aparente. No entanto, sua observa-

FIGURA 8.18 – Pequeno tumor do glomo


timpânico, cujo diagnóstico pela timpa-
nometria foi descrito pela primeira vez
por LOPES FILHO e cols., em 1972.
188 Fonoaudiologia Prática

ção será um dado de importância na suspeita diagnóstica de


tumor glômico da orelha média.
Em casos de suspeita de pequenos tumores glômicos locali-
zados na orelha média, este teste poderá ser sensibilizado pela
introdução de uma pressão positiva na orelha externa, o que
provocará um deslocamento da membrana do tímpano para
dentro. Este deslocamento poderá colocar a membrana em maior
proximidade com o tumor e suas pulsações poderão ser detecta-
das com maior precisão.

Predição do nível auditivo em deficiências


auditivas sensorioneurais
NIEMEYER e cols. demonstraram a possibilidade de predição
do nível auditivo em pacientes portadores de disacusia sensorio-
neural com o emprego da imitanciometria, de modo objetivo.
Segundo aquele autor, é possível determinar-se o nível auditivo
aproximado destes pacientes, com erro máximo de 20 dB (NA) em
100% dos casos.
Os estudos de NIEMEYER , juntamente com os de D EUTSCH,
demonstraram que o emprego de ruídos era mais efetivo para a
obtenção do reflexo do músculo do estribo que um tom puro. Em
seu trabalho, DEUTSCH demonstrou que para freqüências de 2 e
4 kHz era necessária uma energia sonora de 81 dB NPS em
média para a obtenção dos reflexos (em pessoas com audição
e orelhas médias normais), enquanto que empregando um ruído
de faixa estreita (narrow band), a energia necessária era redu-
zida para 62 dB NPS. NIEMEYER utilizou-se destes achados para
avaliar a audição em pacientes portadores de deficiências
auditivas sensorioneurais, de modo objetivo, através da pesqui-
sa do reflexo do músculo do estribo.
Estudando uma série de 223 orelhas e analisando a relação
entre o nível do reflexo acústico para tons puros e para um ruído
branco (a soma de todos os tons puros do audiômetro), estes
autores puderam predizer o nível auditivo destas 223 orelhas
em freqüências de 500 a 4.000 Hz. Considerando um erro de 20
dB, o resultado foi positivo em 100% dos casos, e quando o erro
considerado era de 10 dB, seu acerto foi de 70%.
Um ruído branco apresenta N freqüências que provocariam
uma sensação central de “somação de intensidade”, dando a
impressão de um som com uma intensidade maior que a real,
em pacientes com orelha média e audição normais. O mesmo
não sucederia com pacientes portadores de disacusia sensorio-
neural. Quanto maior a perda sensorioneural, menor o número
de freqüências audíveis (do ruído branco) e menor a sensação
de somação central. Quanto maior a perda sensorioneural, mais
se aproximam os níveis de reflexo obtido com o tom puro e com
o ruído branco.
Imitância Acústica: Aplicações Clínicas 189

A possibilidade da obtenção dos níveis auditivos por este


método é baseada na hipótese de Niemeyer, de que na orelha
normal o nível do reflexo é obtido quando qualquer ruído excede
ao “volume crítico” para aquela orelha. Se denominarmos o
“volume crítico” para tons puros de Ltp e para o ruído branco de
Lrb, teremos por definição que:

Ltp = Lrb

Tanto Ltp como Lrb representam a quantidade mínima de


energia sonora necessária para desencadear o reflexo; portanto,
são iguais do ponto de vista psicoacústico. Pelo fato de um tom
puro ser limitado a uma única freqüência e o ruído branco
constituído por N freqüências, este necessita de menor intensida-
de física de ruído que o tom puro para determinar o reflexo.
Em casos de pacientes portadores de deficiências auditivas
sensorioneurais, há uma redução no aproveitamento da energia
do ruído branco (até certo ponto proporcional à perda auditiva).
Assim se faz a hipótese de que o número de freqüências disponí-
veis para a somação do volume, nos portadores de deficiências
auditivas, fique reduzida de N para M (ver Fig. 8.19). O resultado
final é que a diferença do nível do reflexo determinado pelo ruído
e pelo tom puro é menor em pacientes com perdas auditivas
sensorioneurais que em normais.
A possibilidade de se avaliar a audição destes pacientes e
principalmente em crianças, por este método – que é objetivo –
representa uma vantagem da imitanciometria na prática clínica.
JERGER prefere oferecer a predição das perdas auditivas, não em
decibels, mas sim em grupos, como na Tabela 8.1.

Normal Sensorioneural

LD LDA

Nível Tom
Tom
puro
puro

Limiar para
ruído branco

N M

FIGURA 8.19 – Diferenças entre os níveis para o reflexo do músculo do estribo para um tom puro e para
o ruído branco em paciente com audição normal e com disacusia sensorioneural (adaptado de
JERGER).
190 Fonoaudiologia Prática

TABELA 8.1
Categoria Nível auditivo predito
Normal perdas menores de 20 dB (NA)*
Suave a moderada perdas entre 20 e 49 dB (NA)*
Severa perdas entre 50 e 84 dB (NA)*
Profunda perdas maiores de 85 dB (NA)*
* Média das freqüências 500, 1.000 e 2.000 Hz.

Como calcular o nível auditivo


Após a timpanometria e a medida das complacências nas duas
orelhas, devem ser anotados, para cada orelha, os seguintes dados:
A = nível do reflexo para 500 Hz;
B = nível do reflexo para 1.000 Hz;
C = nível do reflexo para 2.000 Hz;
D = média aritmética dos três níveis citados;
E = nível do reflexo para o ruído branco;
F = fator de correção para o ruído branco.

disacusia prevista = D – E + F

O valor da deficiência auditiva prevista (DP) é realmente a


média das diferenças entre o nível do reflexo para o ruído e para
os tons puros, acrescida do valor do nosso fator de correção para
o ruído branco (que será detalhado mais adiante).
Se o valor de DP (deficiência auditiva predita) é maior que 20,
a audição é normal. Se DP estiver entre 10 e 19, a deficiência
auditiva será de suave a moderada, e se menor que 10 será
severa. Naqueles casos em que não conseguimos obter o reflexo
do músculo do estribo em todas as três freqüências, a deficiência
auditiva será considerada profunda.
Se, por outro lado, o valor absoluto do reflexo para o ruído
branco for de 90 dB ou menos, mesmo que o valor de DP esteja
entre 15 e 19, considera-se como audição normal. No entanto, se
for maior que 90 dB, a perda será considerada de suave a
moderada.
Quando o valor de DP for menor que 10, mas o nível para o
ruído branco for menor que 100, será considerada como suave a
moderada. A Tabela 8.2 resume estes valores.
É possível também a predição da inclinação da curva audio-
métrica nestas deficiências auditivas. Para tanto, é necessário
que o imitanciômetro disponha de filtros especiais. Verificam-se
os níveis para o reflexo, empregando-se um ruído de faixa larga
(white noise) com filtro de passa-baixo (low pass filtered noise –
LPFN) em 2.600 Hz e com filtro de passa-alto (high pass filtered
noise – HPFN), também em 2.600 Hz.
JERGER, estudando 1.043 orelhas, obteve uma predição per-
feita em 60% dos pacientes e um erro moderado em 36%. JERGER
Imitância Acústica: Aplicações Clínicas 191

TABELA 8.2
Valor do DP Valor de Lrb Nível predito
20 ou mais qualquer normal
15 a 19 90 dB ou menos normal
15 a 19 mais de 90 dB suave a moderada
10 a 14 qualquer suave a moderada
menos que 10 100 dB ou menos suave a moderada
menos que 10 mais de 100 dB severa
ausência de reflexos qualquer profunda
Nota – Adaptada de JERGER.

considera um erro moderado quando o resultado da predição


discorda em uma escala de sua classificação (Tabela 8.1). Por
exemplo, se a deficiência auditiva realmente era suave a modera-
da, e a predição foi de audição normal, o erro era considerado
moderado.

Fator de correção (calibração fisiológica)


É de fundamental importância a “calibração fisiológica” do
ruído branco de nosso imitanciômetro. É sabido que nem sempre
estes equipamentos têm calibração idêntica do ruído branco (em
NPS), podendo sofrer pequenas variações de um aparelho para
outro, ainda que de mesma fabricação. Assim sendo, é importante
fazer inicialmente um levantamento, em pacientes com audição
normal, da quantidade média em dB para a obtenção do reflexo do
músculo do estribo para tons puros e para o ruído branco. Tomam-
se 10 pacientes jovens (com audição normal e orelhas médias
normais) e verifica-se a média em dB necessária para a obtenção
do reflexo em 500, 1.000 e 2.000 Hz. Repete-se o mesmo para o
ruído branco nos 10 pacientes. Em nosso equipamento, a diferen-
ça foi de 14 dB. Estes valores devem ser adaptados à Tabela 8.2.
Para JERGER, a diferença entre estes valores foi de 25 dB; se em
nosso aparelho ela foi de 14 dB, nosso fator de correção será a
diferença entre eles, isto é, 11 (25-14). Este número deverá ser
utilizado para permitir a utilização da Tabela 8.2 proposta por
JERGER.
Por exemplo, em um paciente do qual desejamos conhecer a
perda auditiva, obtivemos os seguintes valores
A = 90 dB (nível do reflexo para 500 Hz)
B = 110 dB (idem para 1.000 Hz)
C = 110 dB (idem para 2.000 Hz)
D = (média de A + B + C) 103
E = 110 dB (idem para WN)
F = 11 (nosso fator de correção)
DP = 103 – 110 + 11 = 4,0
O valor 4 na Tabela 8.2 corresponde à deficiência auditiva
severa. Na realidade, os níveis auditivos deste paciente eram de
50, 65 e 80 dB, respectivamente em 500, 1.000 e 2.000 Hz. A
192 Fonoaudiologia Prática

média dos três níveis tonais é de 65 dB, portanto corresponde


ao conceito de deficiência auditiva severa na Tabela 8.1. Nossa
predição foi correta.

Nossos resultados
Estudamos um grupo de 82 orelhas, sendo 47 com audição
normal e 35 portadores de deficiência auditiva sensorioneural.
Em nossos estudos tivemos um acerto de 76,8% na predição
dos níveis auditivos e um erro moderado de 21,9%. A Tabela 8.3
oferece em detalhes os resultados de nosso estudo.
Se considerarmos a simplicidade do método da imitancio-
metria e seus resultados na predição da audição do nível
auditivo, verificamos o horizonte que nos abre na possibilidade
da avaliação da audição, principalmente em crianças pequenas
com deficiências auditivas. Em nenhum caso de perda severa
ou profunda foi feita predição de audição normal, assim como o
inverso também foi verdadeiro. Se associarmos os dados obti-
dos por este método com as informações conseguidas da
anamnese, exame físico e outros dados obtidos por métodos
convencionais, poderemos valorizá-lo dentro de uma correta
interpretação. A precisão do método é surpreendentemente
boa, pois raros foram os erros graves (1,3%). Esta técnica é
especialmente útil na confirmação de audição normal em crian-
ças que, tendo sido submetidas a fatores determinantes de
lesão do aparelho auditivo na gestação, parto ou ainda nos
primeiros meses de vida, trazem sérias preocupações à família
quanto à possibilidade da existência de uma deficiência auditi-
va. Embora pareça ser difícil e demorado, pelos cálculos neces-
sários, o método é simples e pode ser realizado em menos de
10min. Algumas vezes e principalmente em crianças pequenas,
é necessária uma sedação que não prejudica os resultados,
como já havíamos estudado em trabalho anterior. É óbvio que
os resultados não podem ser considerados isoladamente, sem
uma avaliação global, como também o resultado de uma audio-
metria de tronco cerebral ou eletrococleografia (que são muito
mais precisos) não podem ser aceitos em separado.
A predição obtida pela imitanciometria deve fazer parte de
um conjunto de dados na avaliação global do paciente com

TABELA 8.3
Nível previsto
Nível medido Normal Suave a Severo Profundo
moderado
Normal 41 (87,2%) 6 (12,7%) — —
Suave a 9 (36%) 15 (60%) 1 (4%) —
moderado
Severo — 1 (16,6%) 5 (83,3%) —
Profundo — 1 (25%) — 3 (75%)
Imitância Acústica: Aplicações Clínicas 193

deficiência auditiva. Por outro lado, este método só poderia ser


empregado quando ambas orelhas médias estiverem normais,
o que poderá ser suspeitado na timpanometria. Em presença
de afecção da orelha média, a ausência do reflexo do músculo
do estribo (na orelha eferente) poderia trazer erros de interpre-
tação.

Diagnóstico clínico da hipertensão


endocraniana
L OPES FILHO & CAMPOS, em 1977, demonstraram a possi-
bilidade do diagnóstico clínico da hipertensão endocraniana
através da imitanciometria. Num grupo de 30 indivíduos nor-
mais e 30 portadores de hipertensão endocraniana (encami-
nhados pela Clínica de Neurologia da Santa Casa de São
Paulo), os autores verificaram a presença de alterações na
timpanometria dinâmica daqueles pacientes. No grupo normal,
em apenas dois casos encontraram alterações na timpanome-
tria, enquanto no grupo de hipertensão o mesmo fenômeno foi
encontrado em 13 pacientes. O método, embora não seja
específico, constitui-se em mais um dado para aquele diagnós-
tico em pacientes suspeitos.

REFLEXO IPSILATERAL EM IMITANCIOMETRIA


Dentre os dados fornecidos pelo exame imitanciométrico, o
reflexo do músculo do estribo tem sido o de maior utilidade na
avaliação de pacientes portadores de lesões, quer da orelha
média, quer sensorioneurais cocleares ou retrococleares.
Ao fazermos a pesquisa do reflexo do músculo do estribo,
podemos empregar métodos tradicionais em que o tom puro é
apresentado a uma das orelhas (aferente) e o reflexo é observado
no lado oposto (eferente), onde se encontra a sonda.
Nos aparelhos mais modernos, pode-se obter o reflexo na
mesma orelha em que o tom puro é apresentado, sem a
utilização da orelha e das vias auditivas do lado oposto. A
obtenção do reflexo desta maneira denomina-se ipsilateral, ao
passo que quando empregamos uma orelha aferente (lado do
fone) e outra eferente (lado da sonda) do lado oposto como
indicador, denominamos de contralateral. No estudo do reflexo
contralateral utilizamos as duas orelhas e no ipsilateral apenas
a orelha examinada.

Limitações do reflexo ipsilateral


Uma de suas grandes limitações é a possibilidade da exis-
tência de artefatos, que podem nos levar a interpretações
errôneas. O reflexo ipsilateral, por este fato, tem sido visto sob
suspeita por alguns investigadores (NISWANDER , 1976). O que é
um artefato? Na cavidade de calibração (que é uma cavidade de
194 Fonoaudiologia Prática

paredes rígidas e de volume conhecido), não se deve obter a


movimentação da agulha (como quando se obtém o reflexo) ao
estímulo sonoro. Em alguns aparelhos (de menor qualidade), a
apresentação de um estímulo sonoro (naquela cavidade rígida)
pode resultar numa deflexão da agulha como quando se obtém
o reflexo (particularmente em 500 Hz). Esta deflexão pode ser
registrada num registrador XXYY e o fenômeno é denominado
de artefato e pode levar a erros diagnósticos. Este fato pode
ocorrer especialmente em aparelhos que empregam freqüênci-
as acima de 275 Hz na sonda, determinando interferências
inerentes ao sistema.
Outro fator importante para que estes artefatos não ocorram
é que os tons puros ou ruídos utilizados na pesquisa do reflexo
ipsilateral não devem ultrapassar certos limites, sob o risco de
determinarem interferências e promoverem artefatos. Assim
sendo, os equipamentos mais confiáveis não devem ter intensi-
dades maiores que 110 dB NPS para os tons puros, 90 dB NPS
para ruído branco e 85 dB NPS para os filtrados de passa-alto
e passa-baixo. São, como vemos, intensidades sonoras bem
inferiores às que empregamos no reflexo contralateral que
chegam a 125 dB NA para tons puros e 125 dB NPS para o ruído
branco.

Vantagens do reflexo ipsilateral


Em várias circunstâncias o reflexo ipsilateral é de utilidade,
principalmente quando o empregamos em conjunto com o
contralateral, desde que levadas em consideração suas limita-
ções:
1. Em casos que apenas há audição em uma única orelha
– Nestes casos permite o estudo da orelha oposta: se portador de
audição normal; se a orelha média é normal; ou se portador
de uma lesão sensorioneural: se é recrutante (coclear) ou não
(retrococlear).
2. Pacientes com perda auditiva condutiva em uma
orelha (maior que 40 dB) – Nestes casos, a pesquisa do
reflexo contralateral revelaria ausência em ambas orelhas.
Quando estimulada a orelha com perda condutiva (maior que
40 dB) não obteremos o reflexo do lado oposto (orelha eferen-
te), por falta de intensidade no lado aferente (necessitaria de
mais que 125 dB). Quando estimulada a orelha normal, ou o
lado oposto ao da lesão condutiva, não haverá reflexo na
orelha com lesão condutiva (eferente) pelo comprometimento
da cadeia; embora o lado aferente tenha condições para
desencadear o reflexo, o mesmo não pode ser detectado na
orelha eferente. Empregando-se o reflexo ipsilateral podemos
estudar o lado oposto ao da perda condutiva, aplicando-se o
som e colhendo a resposta no mesmo lado. No caso de uma
orelha normal ou com perda sensorioneural recrutante (desde
Imitância Acústica: Aplicações Clínicas 195

que a perda não seja muito grande) obteríamos o reflexo


ipsilateral. Se naquele lado houvesse uma perda condutiva ou
mista não haveria o reflexo, ou mesmo se a perda fosse
sensorioneural retrococlear (com perda auditiva maior que 40
dB). Entre estas lesões (condutiva e sensorioneural), a timpa-
nometria poderia oferecer dados para um diagnóstico diferen-
cial.
Em crianças em que pretendemos fazer a predição do nível
auditivo e nas quais a timpanometria revela uma otite secretória
em uma das orelhas, o reflexo ipsilateral permite que estudemos
a orelha com timpanometria normal, independente da oposta,
possibilitando-nos de reconhecer uma orelha normal ou sensorio-
neural, recrutante ou não.
3. Em suspeita de lesão central – Em 1970, GREISEN e
RASMUSSEN relataram uma discrepância entre a obtenção dos
reflexos por via contra e ipsilateral. Estas observações nos possi-
bilitam um novo teste para o diagnóstico de lesões ao nível de
tronco cerebral.
Aqueles autores verificaram que em lesões na altura do tronco
cerebral as vias cruzadas se encontram comprometidas. Deste
modo, não encontramos os reflexos quando pesquisados pelo
estímulo contralateral e os mesmos encontram-se presentes
quando utilizados os estímulos ipsilaterais.
Permite-nos também diferenciar entre lesões cocleares e
retrococleares. Nas lesões cocleares, a presença do recrutamen-
to permite obter o reflexo tanto no estímulo contra quanto no
ipsilateral, enquanto nas retrococleares o reflexo estará ausente
em ambas, quer contra, quer ipsilateral. Fazem exceção as lesões
cocleares com perda acima de 85 dB NA.
4. Pesquisa do declínio da contração do músculo do
estribo (“decay” imitanciométrico) independentemente do
lado oposto
a) Em pacientes portadores de paralisia facial periférica pode-
se pesquisar a presença ou não do decay do reflexo do músculo
do estribo no lado oposto ao da paralisia.
b) Em portadores de perdas auditivas muito acentuadas em
uma orelha, o decay poderá ser pesquisado com o estímulo
ipsilateral do lado oposto.

Configurações que podem ser obtidas


combinando-se os resultados dos reflexos ipsi e
contralaterais
A associação dos resultados do estímulo contra e ipsilateral
nos oferece algumas configurações já estudadas (JERGER) e que
constituem padrões para um diagnóstico diferencial entre os
vários tipos de deficiências auditivas, desde que se obedeça a
uma conotação gráfica adaptada de JERGER e cols.
196 Fonoaudiologia Prática

Padrões de respostas Presente


Horizontal Ausente
Contralateral

Ipsilateral

Diagonal
Contralateral

Ipsilateral

L invertido
Contralateral

Ipsilateral

Vertical
Contralateral

Ipsilateral

Normal
Contralateral
FIGURA 8.20 – Padrões de respostas que podem ser
Ipsilateral obtidas através do reflexo ipsilateral combinado com
o contralateral.

Configuração horizontal
A configuração horizontal é aquela obtida quando não encon-
tramos os reflexos contralaterais em ambas orelhas.
Contralateral

Ipsilateral

Configuração diagonal
Neste tipo de configuração, os reflexos estão ausentes quan-
do a orelha lesada é a orelha eferente (isto é, orelha oposta no
estímulo contralateral e orelha comprometida no ipsilateral).
Contralateral

Ipsilateral

Configuração em L invertido
Na configuração em L invertido, o reflexo encontra-se ausente
em ambos estímulos contralaterais e ausente na orelha lesada,
quando do estímulo ipsilateral.
Contralateral

Ipsilateral

Configuração vertical
Neste tipo de configuração, o reflexo encontra-se ausente
quando a orelha lesada é a eferente (no estímulo contralateral e
ipsilateral).
Imitância Acústica: Aplicações Clínicas 197

Contralateral

Ipsilateral

Configuração normal
Na considerada normal, todos os reflexos estão presentes,
quer no estímulo contra, quer no ipsilateral.
Contralateral

Ipsilateral

Exemplos das configurações


Horizontal
Num paciente com lesão em nível de tronco cerebral, não
encontramos os reflexos contralaterais e encontramos os mes-
mos quando do estímulo ipsilateral. É uma configuração horizon-
tal, que só poderá ser encontrada em casos de lesão ao nível de
tronco.
Fone dir. (aferente) Fone esq. (aferente)
Sonda dir. (eferente) Sonda esq. (eferente)

Contralateral
Sonda e Fone dir. Sonda e fone esq.

Adaptado de JERGER. Ipsilateral

Diagonal
Num paciente com uma lesão sensorioneural não-recrutante
numa orelha (por exemplo, um schwannona vestibular) ou ainda
com uma lesão sensorioneural com perdas maiores que 85 dB NA,
encontraremos o reflexo contralateral quando a orelha normal for
estimulada e o ipsilateral apenas na orelha normal.
A configuração é diagonal e só poderá ser obtida nestes dois
tipos de lesões.
Fone dir. (aferente) Fone esq. (aferente)
Sonda dir. (eferente) Sonda esq. (eferente)

Contralateral
Sonda e Fone dir. Sonda e fone esq.

Adaptado de JERGER. Ipsilateral


198 Fonoaudiologia Prática

L invertido
Um paciente portador de uma deficiência auditiva condutiva
unilateral, por exemplo, do lado esquerdo, e com orelha direita
normal teria a seguinte configuração (desde que sua perda
auditiva do lado comprometido seja maior que 45 dB NA) ausência
de reflexos em ambas orelhas no contralateral (na aferente
esquerda por falta de nível auditivo para desencadear o reflexo e
na aferente direita pela presença de uma lesão condutiva na
eferente esquerda). Quando da pesquisa do ipsilateral, haverá o
encontro de reflexo normal na orelha direita (a normal) e ausência
na esquerda (pelos dois fatores, falta de nível e presença de uma
lesão na orelha média). Este paciente teria uma configuração
denominada de L invertido. Este tipo de configuração só poderá
ser encontrada em um paciente com uma lesão condutiva unila-
teral com perda maior que 45 dB NA.
Fone dir. (aferente) Fone esq. (aferente)
Sonda dir. (eferente) Sonda esq. (eferente)

Contralateral
Sonda e Fone dir. Sonda e fone esq.

Adaptado de JERGER. Ipsilateral

Vertical
Se um paciente tiver uma perda condutiva leve (menor que 45
dB NA) em um das orelhas, a pesquisa dos reflexos mostrará o
seguinte quadro:
Fone dir. (aferente) Fone esq. (aferente)
Sonda dir. (eferente) Sonda esq. (eferente)

Contralateral

Sonda e Fone dir. Sonda e fone esq.

Adaptado de JERGER. Ipsilateral

No contralateral, ausência do reflexo quando estimulada a


orelha normal (aferente) pela presença de uma lesão condutiva
na orelha comprometida (eferente). Quando estimulada a orelha
comprometida (aferente) poderemos encontrar o reflexo na
orelha normal (eferente), embora obtido com intensidades maio-
Imitância Acústica: Aplicações Clínicas 199

res (por exemplo, se a perda for de 35 dB NA o reflexo será obtido


a 120 dB NA). No ipsilateral só obteremos o reflexo quando for
estimulado e colhido na orelha normal, uma vez que no lado
comprometido há uma lesão condutiva que impede o desenca-
deamento do reflexo. Esta será uma configuração vertical.
Num paciente com paralisia facial periférica supra-estapedia-
na também poderemos encontrar uma configuração vertical. Se a
lesão for do lado esquerdo, quando for estimulada a orelha direita,
contralateral, a orelha esquerda (eferente) não mostrará o reflexo
pela lesão do nervo facial). No ipsilateral o reflexo só poderá ser
encontrado quando estimulado e colhido no lado oposto ao da
paralisia (no caso o lado direito). Esta também será uma configu-
ração vertical. Deste modo verificamos que só poderemos encon-
trar uma configuração vertical em casos de lesão condutiva leve
unilateral e em casos de paralisia facial periférica supra-estape-
diana.

Normal
Será configuração normal quando o reflexo for encontrado em
ambas orelhas, quer no estímulo contra quer no ipsilateral. Este
achado será possível em pacientes normais ou naqueles com
perdas sensorioneurais recrutantes uni ou bilaterais, menores
que 85 dB NA.
Fone dir. (aferente) Fone esq. (aferente)
Sonda dir. (eferente) Sonda esq. (eferente)

Contralateral
Sonda e Fone dir. Sonda e fone esq.

Adaptado de JERGER. Ipsilateral

Resumo e interpretação
Configuração Interpretação
Horizontal Apenas em lesões do tronco cerebral
Diagonal Lesão sensorioneural
retrococlear unilateral
Lesão sensorioneural coclear
unilateral com perdas maiores
que 85 dB NA
L invertido Lesão condutiva unilateral
(perdas maiores que 45 dB NA)
Vertical Lesão condutiva unilateral
leve (menor que 45 dB NA)
Paralisia facial supra-estapediana
200 Fonoaudiologia Prática

Normal Sensorioneural coclear uni


ou bilateral
Normal bilateral
Normal numa orelha e
coclear na outra
Reflexos ausentes Lesão condutiva bilateral
Retrococlear bilateral
Mista bilateral
Coclear bilateral com
perdas maiores que 85 dB NA
Anacusia bilateral
Aparelho defeituoso

Leitura recomendada
ANDERSON, H. et al. – The early detection of acoustic tumours by the
stapedius reflex test. In: WOLTENHOLME, G.E. & KNIGHT, J.
Sensorial Hearing Loss. London, J.A. Churchil, 1970.
FELDMAN, A.S. & WILBER, L.A. – Acoustic Impedance & Admittance.
The Measurement of the Middle Ear Function. Baltimore, The Williams
& Wilkins Co., 1976.
HOLMQUIST, J. – Eustachian tube function assessed with tympanometry.
Acta Otolaryng., 68:501-508, 1969.
JERGER, J. et al. – Studies in impedance audiometry. Arch. Otolaryng.,
96:513-523, 1972.
JERGER, J. et al. – Handbook of Clinical Impedance Audiometry. New
York, American Eletromedical Co., 1975.
KIRIKAE, I. – The structure and function of the middle ear. Tesis
University. Tokyo Press, 1960.
KLOCKHOFF, I. – Middle ear reflex in man. Acta Otolaryng., Suppl. 162,
1961.
LOPES FILHO, O. – Contribuição ao Estudo Clínico da Imitância Acús-
tica. Tese Universidade de São Paulo, 1972.
LOPES FILHO, O. – The early diagnosis of a glomic tumor in the middle-ear
by means of acustic impedance. Impedance New letter, 1:1-5, 1972.
LOPES FILHO, O. – Da imitância acústica do ouvido médio e do
diagnóstico otológico. Rev. Brasil. O.R.L., 39:66-76, 1973.
LOPES FILHO, O. – Estudo clínico da atividade dos músculos do ouvido
médio, pelo método da imitância acústica. Rev. Brasil. O.R.L.,
41:111-140, 1975.
LOPES FILHO, O. – Método objetivo no diagnóstico otológico. Atual em
Otol. e Fon., 2:113-126, 1973.
LOPES FILHO, O. – Predição do nível auditivo por meio da impedancio-
metria. Rev. Brasil, O. R. L., 41:238-246, 1975.
LOPES FILHO, O. & CAMPOS, C.A.H. – Estudo clínico de alterações na
imitância do ouvido médio em pacientes com hipertensão intracra-
niana. Rev. Bras. O.R.L., 43:154-160, 1977.
LOPES FILHO, O. et al. – O reflexo ipsilateral em impedanciometria.
Rev. Brasil O.R.L., 44:54-64, 1978.
METZ, O. – The acoustic impedance measured on normal and pathological
ears. Acta Otolaryng., Suppl., 63, 1946.
Audiometria Eletrofisiológica 201

9
Audiometria
Eletrofisiológica

Ney Penteado de Castro Jr.


Marina Stela Figueiredo

INTRODUÇÃO
A audiometria de respostas elétricas (Electric Response
Audiometry – ERA) é o conjunto de métodos que avaliam a
atividade eletrobiológica ao longo do sistema auditivo, da orelha
interna ao córtex cerebral. Atualmente ela apresenta grande
interesse, pelo seu emprego em Audiologia, como exame comple-
mentar em diversas situações da audiologia clínica.
Os primeiros potenciais evocados auditivos no ser humano
foram captados e reconhecidos como respostas a estímulos
acústicos em 1939, por DAVIS. Estas respostas, denominadas na
época de “complexo K”, de origem provável no córtex cerebral,
eram modificações do traçado do eletroencefalograma, que ocor-
riam de forma inespecífica a uma série de estímulos sensoriais,
tais como à luz e ao som. Em 1945, LEMPERT e cols. obtiveram com
sucesso potenciais sensoriais do ouvido interno no transcurso de
cirurgias otológicas e com eletrodo implantado diretamente na
janela redonda. Nesta época, a análise dos potenciais era feita por
superposição de imagem fotográfica e a diminuta amplitude dos
mesmos impediu uma aplicação clínica imediata dos potenciais
gerados pelo sistema auditivo.
Na década de 60, com a introdução de promediadores desti-
nados a evidenciar as respostas do sistema auditivo, através da
extração das respostas eletrobiológicas e do ruído de fundo, a
ERA adquiriu grande desenvolvimento.
202

No início de 1960, DAVIS introduziu a audiometria cortical; no


final da década de 60, YOSHIE e cols.; ARAN e cols. desenvolve-
ram a eletrococleografia (ECochG); em 1971, JEWETT & WILLITSON
desenvolveram a audiometria de tronco encefálico (BSER).
A evolução da ERA, ao longo deste período, apresentou três
dificuldades. A primeira, a prevalência da deficiência auditiva
infantil que é relativamente baixa e dispersa geograficamente,
sendo a ERA considerada como um exame confiável e destina-
do a esta classe de população. A segunda , a audiometria
eletroencefálica, a forma pioneira de ERA, apresentava dificul-
dades de interpretação em testes de crianças, devido à variabi-
lidade de respostas, que são dependentes do grau de vigília,
sedação e/ou imaturidade do sistema nervoso central (SNC). A
terceira, as aplicações clínicas iniciais da ERA foram destinadas
à investigação neurológica, juntamente com os potenciais vi-
suais e somatossensoriais.
Com a evolução técnica dos equipamentos na década de 80,
estes exames tornaram-se muito confiáveis como complemento
da avaliação de pacientes com deficiência auditiva sensorioneu-
ral, facilitando o topodiagnóstico das lesões auditivas; novas
aplicações destes exames em pacientes de clínica neurológica e
pediátrica ampliaram as indicações da ERA, além dos limites
clássicos da audiologia.

ANATOMOFISIOLOGIA APLICADA À ERA


Iremos presumir que o leitor tenha conhecimentos básicos da
anatomofisiologia do sistema auditivo, que não será abordada.
Entretanto, certos conceitos básicos relativos aos potenciais
evocados do sistema auditivo devem ser apresentados para
melhor compreensão do assunto.

Da orelha interna
Do ponto de vista fisiológico, o ducto espiral da cóclea é
dividido em dois compartimentos, pela membrana basilar: a esca-
la vestibular e o ducto coclear de um lado e a escala timpânica de
outro. A escala vestibular e ducto coclear são separados pela
membrana de Reissner, delgada e flexível, e sua função pode ser
considerada desprezível considerando as propriedades acústicas
da onda de propagação na orelha interna.
A membrana basilar, que separa o ducto coclear da escala
timpânica e aonde se situa o órgão de Corti, é muito importante do
ponto de vista fisiológico. Ela é espessa, estreita e rígida na espira
basal, tornando-se fina, larga e flexível na espira apical da cóclea.
Quando a orelha interna é estimulada acusticamente, via janela
oval, ocorre ao longo da membrana basilar um movimento
sinusoidal que progride da espira basal à espira apical da cóclea,
denominado de onda de propagação coclear. A amplitude da onda
Audiometria Eletrofisiológica 203

FIGURA 9.1 – Corte histológico conven-


cional transversal da cóclea, demons-
trando as escalas vestibular e timpânica,
o ducto coclear, o órgão de Corti com a
membrana tectória.

de propagação é maior no local da freqüência de maior ressonân-


cia da membrana basilar. A localização da freqüência de resso-
nância ao longo da membrana basilar para sons de alta freqüência
é na espira basal e para sons graves é na espira apical. A
velocidade da onda de propagação é inversamente proporcional
à freqüência do estímulo sonoro; na freqüência de 1 kHz é de
aproximadamente 1ms e para a freqüência de 500 Hz é de
aproximadamente 2ms; a onda de propagação desloca-se rapida-
mente na espira basal (altas freqüências) e gradualmente menos
veloz na espira apical (baixas freqüências). O fenômeno de
latências muito longas, na ECochG e BSER em deficiências
auditivas sensorioneurais em alta freqüência (audiometria tonal
de perfil descendente), é conseqüência do maior período de
tempo necessário para a onda de propagação atingir as espiras
média e/ou apical da cóclea.
O órgão de Corti apresenta dois tipos funcionais de células
ciliadas. As células ciliadas internas, globosas, nas quais 90% das
fibras neuronais aferentes fazem sinapse. Elas são estimuladas
com sons de moderada/alta intensidade (acima de 40 a 60 dB). Da
mesma forma que a membrana basilar, apresentam uma freqüên-
cia característica específica; a distribuição tonotópica por fre-
qüência das células ciliadas internas é semelhante à da membra-
na basilar, isto é, membrana basilar e células ciliadas internas
apresentam locus semelhantes de excitação para uma freqüência
característica específica. As células ciliadas internas são relativa-
mente resistentes a condições de hipoxemia, ototóxicos e trauma
acústico; quando lesadas funcionalmente, há uma modificação no
perfil da curva de freqüência característica. As alterações da curva
de freqüência característica justificam o fenômeno do recruta-
mento na orelha interna. As células ciliadas externas, cilíndricas,
mais numerosas, apresentam apenas 10% de sinapse com as
fibras neuronais aferentes; em contrapartida, as sinapses eferen-
tes correspondem a 90% das fibras. As células ciliadas externas
são estimuladas em baixa intensidade sonora (abaixo de 40 dB)
e são particularmente suscetíveis a condições de anoxia, ototóxicos
e trauma acústico. O conjunto de células ciliadas externas e sua
204

organização de fibras neuronais sugerem a função de um comple-


xo sistema amplificador ativo, interagindo com o sistema das
células ciliadas internas, tornando-as excitáveis para estímulos
de baixa intensidade sonora.
Desta forma, as células sensoriais do órgão de Corti apresen-
tam dois sistemas funcionais: o sistema de “alta intensidade”
formado pelas células ciliadas internas, conectado à maior parte
das fibras neuronais aferentes; o sistema de “baixa intensidade”
formado pelas células ciliadas externas, que constitui o amplifica-
dor coclear ativo, e que interage com o sistema de “alta intensida-
de”, sensibilizando-o para responder a estímulos de baixa inten-
sidade. Uma característica do sistema de “baixa intensidade” é
que ele necessita de um período de tempo para sensibilizar o
sistema de “alta intensidade”, prolongando a latência às baixas
intensidades do estímulo sonoro.

Estimulação das fibras neuronais


A estimulação das células ciliadas ocorre durante uma fase
particular da onda de propagação, com os estereocílios incli-
nando-se em uma direção própria. As células ativadas liberam
mediadores químicos na sinapse neuronal, desencadeando os
potenciais neuronais. Cada fibra neuronal responde de forma
clássica, com impulso “tudo ou nada” e possui período refratá-
rio. As fibras neuronais de uma mesma célula possuem diferen-
tes estágios de excitação de tal forma que ocorrem descargas
seqüenciais de atividades neuronais; desta forma, um conjunto
de neurônios está habilitado a apresentar descargas neuronais
de alta freqüência. A freqüência das descargas neuronais cor-
responde à freqüência do estímulo sonoro, fornecendo a discri-
minação em freqüência do sistema auditivo.
A discriminação em freqüência também é fornecida pela
orelha interna, através de locais específicos na membrana basilar

3
2
1

OP IHC
NF FIGURA 9.2 – Microscopia eletrônica de
SN
varredura (SEM) do órgão de Corti, de-
TC monstrando as células ciliadas internas
NP
(IHC), as células ciliadas externas (1/2/3),
a célula do pilar (OP), feixes de fibras
neurais (NF), o espaço de Nuel, o túnel
BM de Corti (TC) e a membrana basilar (BM).
Nas setas os estereocílios das células
ciliadas.
Audiometria Eletrofisiológica 205

, 0,6
mm

OHC

FIGURA 9.3 – Diagrama da distribuição do ?


sistema neural aferente/eferente da có- ?
clea, cuja estrutura anátomo-funcional
sugere os dois sistemas de recepção da
SG
orelha interna: o de “baixa intensidade”,
Contralateral IHC
formado pelas células ciliadas externas
(OHC) e o de “alta intensidade”, formado Homolateral
pelas células ciliadas internas (IHC). (Apud , 95% , 5%, 0,5% , 80% , 20%
PORTMANN, M.; GALAMBOS, R.) Neurônios aferentes Neurônios eferentes

e células sensoriais com freqüência característica corresponden-


tes, e pelas descargas síncronas das unidades neuronais do
nervo coclear. A discriminação em intensidade está relacionada
ao número de fibras neuronais ativadas simultaneamente. A
forma como o SNC processa estas informações não é ainda clara.

Sincronização da atividade neuronal


A unidade neuronal é ativada pela despolarização celular
sensorial. A atividade de um único neurônio é extremamente débil
para ser captada por eletrodos à distância da fibra neuronal. Para
que se possa estudar a atividade neuronal é necessária a ativação
síncrona e um número significativo de neurônios nas diversas
estações neuronais ao longo do nervo coclear e do tronco
encefálico. Atualmente, considera-se que a atividade bioelétrica
das sinapses neuronais também auxiliam na composição dos
potenciais neuronais da ECochG e da BSER.
Os potenciais neuronais percorrem os diversos núcleos das
vias auditivas e apresentam um período de retardo sináptico de
aproximadamente 1ms em cada etapa neuronal; apresentam
atividade síncrona até o tronco encefálico alto. Constituem os
principais potenciais da ECochG e da BSER.
A estimulação síncrona das diversas estações neuronais é
obtida através da aplicação de transitórios acústicos de
microssegundos de duração, da ordem de 100 a 200 µs. São
estímulos acústicos ricos em tons de alta freqüência, produzindo
ondas de propagação extremamente rápidas e concentradas
principalmente na espira basal da cóclea. Estes estímulos cons-
tituem-se nos cliques e nos logons, que possuem diferentes
características físicas.

Potenciais sinápticos
Outra forma de atividade neuronal são os potenciais pós-
sinápticos oriundos dos dendritos e dos corpos celulares da
substância cinzenta do SNC. Os potenciais sinápticos represen-
tam a atividade de integração entre os diversos núcleos do
206

Tipo Provável origem Latência Resposta típica ERA


(ms)
ECochG

Órgão de Corti 0 M.C. (AC) ?


1ª S.P. (DC)
NVIII 1–6 P.A. (N1) §§

Rápida Tronco cerebral 2 –12 P5 – P6 §§


Potenciais de vértice

Média Neural-córtex I 12 – 50 P35 §


miogênica ?

Córtex II 50 –300 N90-P180-N250 §§


Lenta (vigília)
Córtex III 200 – 800 P200-N300 §
(dormindo) N600 -P

Tardia Córtex IV 250 – 600 P300 CNV ?


FIGURA 9.4 – Quadro sinóptico das mo-
(expectativa)
dalidades de ERA.

sistema auditivo ao nível do SNC. Possuem uma latência longa e


são oriundos do mesencéfalo e córtex cerebral. Constituem a
principal atividade eletrobiológica da audiometria cortical, do
potencial contingente negativo e do P-300.
Para a obtenção de tais potenciais são utilizados como estí-
mulo os bursts e tone pips que possuem duração mais longa e
variável, da ordem de milissegundos.

CLASSIFICAÇÃO DOS POTENCIAIS


Os potenciais auditivos podem ser agrupados segundo vários
critérios, sendo os mais freqüentes: 1. a latência da resposta; 2. seu
potencial mais característico; 3. a origem das respostas ao nível do
sistema auditivo; 4. e a natureza do potencial no sistema neuronal.
As respostas são analisadas a uma intensidade moderada,
em média de 60 dB NA a 80 dB NA.
O quadro sinóptico das várias formas de ERA encontra-se na
Figura 9.4.
A nomenclatura do potencial positivo (P) ou negativo (N) é em
referência ao eletrodo de vértice craniano (Cz), à exceção dos
potenciais cocleares da ECochG, que é em referência ao eletrodo
auricular.

POTENCIAIS AUDITIVOS
Potenciais cocleares
Eletrococleografia (ECochG)
A ECochG caracteriza-se por avaliar o receptor periférico da
audição, a orelha interna e nervo coclear, sendo a resposta mais
característica o potencial de ação global do nervo coclear.
O eletrodo de captação, usualmente empregado, é um eletrodo
transtimpânico, com formato de uma agulha, que se insere ao nível
Audiometria Eletrofisiológica 207

do promontório da cóclea. Apesar de ser um método considerado


invasivo, a morbidade de tal procedimento é mínima. A
microperfuração timpânica oclui em 48h e infecções da orelha
média são excepcionais. Existem outras formas de eletrodos ativos,
como o justatimpânico, o de conduto e o do lobo do pavilhão
auricular; entretanto, tais eletrodos captam com maior dificuldade o
potencial de ação global do nervo coclear, o que dificulta a avaliação
da morfologia do mesmo, em algumas situações.
Em pacientes pediátricos a ECochG necessita de anestesia
geral sendo obrigatório o uso de ambiente hospitalar e de pessoal
médico treinado para este exame.
Os potenciais evocados são da ordem de 10 a 80 µV neces-
sitando de uma série relativamente pequena de estímulos para
obtenção dos mesmos, em torno de 250 a 500 estímulos. A
ECochG fornece informações da orelha interna e nervo coclear
restritos à espira basal da cóclea, na região de alta freqüência,
entre 1 e 4 kHz, pela própria natureza do estímulo acústico
empregado, que são os cliques e logons.
Os potenciais de ação são estudados em sua amplitude e
latência e relacionados à intensidade do estímulo acústico, cons-
tituindo as curvas de entrada-saída/amplitude-latência – ES/AL.
Segundo ARAN, existem quatro tipos básicos de curva ES/AL na
ECochG:
Normal – Encontrada em orelhas com audição normal. É
caracterizada por limiar eletrofisiológico baixo e variação da curva
de ES/AL gradual e em dois patamares. O potencial de ação é
monofásico às fortes intensidades.
Condutiva – Encontrada em orelhas com deficiência auditiva
condutiva. É semelhante à curva ES/AL normal, à exceção do
limiar eletrofisiológico que é elevado.

5
2

4
3

FIGURA 9.5 – Diagrama da posição dos eletrodos na


ECochG. O eletrodo ativo, em forma de agulha,
repousa sobre o promontório, por via transtimpânica.
208

dB NA dB NA
110 1 µV
110 1 µV

100
100
90
90
80

80
70
1 µV
60 70 1 µV

50 60

40
50
30
40
20
15
1 µV Sem estímulo 1 µV
Sem estímulo
Tempo
Tempo (ms)
0 10 0 10 (ms)
Estímulo Estímulo

FIGURA 9.6 – Respostas ECochG normal, com FIGURA 9.8 – Respostas de ECochG recrutante,
limiar eletrofisiológico a 15 dB NA. com limiar eletrofisiológico a 40 dB NA. Notar a
pequena variação dos valores da latência, das
altas intensidades ao limiar eletrofisiológico.

dB NA dB NA

110
1 µV 110
1 µV
100 100

90
90

80
80
70
1 µV
70
60

60
50

50 40

30
40
Sem estímulo 1 µV
Tempo (ms)
0 10
Sem estímulo 1 µV Estímulo
Tempo
F IGURA 9.9 – Respostas de ECochG dissocia-
0 10 (ms)
Estímulo
da, com limiar eletrofisiológico a 50 dB NA.
Notar o potencial com duplo pico negativo e a
FIGURA 9.7 – Respostas de ECochG condutiva, latência extremamente prolongada ao limiar
com limiar eletrofisiológico a 40 dB NA. eletrofisiológico.
Audiometria Eletrofisiológica 209

PS

Normal

PA

PS

hidropisia endolinfática

PS > 30% PA

PA

FIGURA 9.10 – Potencial de ação largo na hidropisia FIGURA 9.11 – Potencial de ação anormal. Notar a
endolinfática. Notar a amplitude do potencial de morfologia larga e a presença do pico positivo
somação significativa (amplitude relativa maior precoce.
que 30%), negativo e precedendo o potencial de
ação.

Recrutante – Própria de orelhas com deficiência auditiva


sensorial. É caracterizada por possuir limiar eletrofisiológico ele-
vado, variação da curva ES/AL rápida. O potencial de ação é
difásico às fortes intensidades.
Dissociada – Própria das orelhas com deficiência auditiva
sensorial e em freqüências acima de 1 kHz. Caracterizada por
limiar eletrofisiológico moderadamente elevado, variação da cur-
va ES/AL em 2 patamares. O potencial de ação é usualmente
bifásico, com 2 picos negativos ou monofásico largo.
A morfologia do potencial de ação tem particular importância
na deficiência auditiva sensorial provocada pela hidropisia
endolinfática e na deficiência auditiva neural.
Na hidropisia endolinfática, a morfologia do potencial de ação
é alterada pela superposição do potencial de somação ao poten-
cial de ação, configurando uma forma alargada do potencial de
ação do nervo coclear. Este fato se deve à hipertensão do sistema
endolinfático que produz modificações na hidrodinâmica da onda
de propagação ao longo do ducto coclear, o que faz evidenciar um
potencial de somação negativo.
Na deficiência auditiva neural, o potencial de ação pode
apresentar morfologia anormal e /ou larga. A morfologia anormal,
caracterizada pelo pico positivo precoce, é atribuída à lesão do
sistema eferente coclear; a morfologia larga é atribuída à
dessincronização dos potenciais neuronais pela lesão neuronal,
e pelo comprometimento do sistema eferente coclear.
210

Potenciais auditivos rápidos


Audiometria de tronco encefálico (BSER)
A BSER é a forma de ERA que avalia a atividade do sistema
auditivo desde a orelha interna até o tronco encefálico alto. As
respostas ocorrem nos 12ms após a estimulação acústica e é
constituída por um potencial polifásico de 7 ondas, sendo a mais
característica e freqüente a P:V. As ondas são classicamente
denominadas em algarismos romanos, cada uma corresponden-
do à atividade neuronal síncrona e seqüencial do sistema auditivo.
A origem dos potenciais é atualmente motivo de revisão e discus-
são e a que apresenta maior aceitação é a seguinte:

P:I – nervo coclear distal.


P:II – nervo coclear proximal.
P:III – núcleo coclear.
P:IV – núcleo do complexo olivar superior.
P:V – núcleos do lemnisco lateral e do colículo inferior.
P:VI e P:VII – núcleos da radiação talâmica.

Pairam dúvidas quanto à real atividade neuronal de cada onda


da BSER; no consenso geral, comprovado por experimentos
estereotáxicos em animais de laboratório e por observações
clínicas de traçados de BSER, em sujeitos com lesões bem-
definidas do sistema auditivo, as ondas representam a atividade
neuronal acima descritas. No indivíduo adulto jovem e com
audição normal, submetido a uma estimulação de intensidade
moderada (acima de 80 dB NA), o período de tempo necessário
para que a atividade neuronal percorra cada um dos núcleos
auditivos é em média de 1ms, de tal forma que a latência interpico
P:I-V é em média de 4ms.
A BSER é uma ERA “à distância” com distribuição do eletrodo
ativo no vértice craniano (Cz) e o eletrodo referencial na mastóide
ipsilateral (M1 ou M2) ao estímulo sonoro. Os potenciais obtidos
são da ordem de 2 a 5 µV, necessitando, portanto, de uma
seqüência de 1.000 a 4.000 estímulos para uma resposta confiá-
vel. Movimentos cervicofaciais interferem de forma crítica na
resposta obtida e, assim sendo, a sedação em adultos ansiosos

V
III
IV

I
II
VI
VII

FIGURA 9.12 – Potencial da BSER a 80


dB NA, com eletrodo ativo em Cz. As
ondas são enumeradas em algaris-
0 5 10
mos romanos.
Audiometria Eletrofisiológica 211

ou tensos se torna necessária para a obtenção de respostas


satisfatórias. Na avaliação pediátrica, de acordo com cada caso,
a BSER pode ser obtida em boas condições técnicas com o sono
pós-prandial, ou com sedação, e/ou de forma semelhante ao
adulto, em crianças colaboradoras.
Pela natureza da estimulação da BSER (cliques e logons),
também não é possível a obtenção de uma ERA tonal; a atividade
eletrofisiológica principal é restrita à espira basal da cóclea, na
área entre 1 e 4 kHz.
A BSER é utilizada principalmente para o topodiagnóstico da
lesão auditiva, sendo um método muito sensível nesta aplicação.
Usualmente são considerados os seguintes parâmetros: limiar
eletrofisiológico, latências absolutas de P:I e P:V e latências
interpicos P:I-V, P:I-III e P:III-V. Em um adulto jovem, podem ser
considerados os seguintes tipos de resposta:
Normal – Limiar eletrofisiológico baixo, latência absoluta de P:V
menor que 5,5ms e período interpico P:I-V usualmente menor que 4 ms.
Condutiva – Limiar eletrofisiológico moderadamente eleva-
do, latência absoluta de P:V elevada e latência interpico P:I-V
menor que 4ms.
Sensorial – Limiar eletrofisiológico elevado, latência absoluta
de P:V normal e latência interpico P:I-V menor que 4ms.
Retrococlear e central – Limiar eletrofisiológico usualmente
elevado, latência absoluta de P:V acima de 6ms, latência interpico
P:I-V acima de 4,5ms.
Nas BSER de deficiência auditiva retrococlear e central, os
traçados com indícios mais usuais de afecção neuronal apresen-
tam as seguintes características:

• Presença apenas de P:I


Indicando bloqueio neuronal ao nível de nervo coclear distal.
• Latência interpico P:I-V elevada, de forma uniforme
Indicando comprometimento difuso das vias auditivas no
tronco encefálico.
• Latência interpico P:I-V elevado à custa de P:I-III
Indicando comprometimento de vias auditivas de tronco
encefálico baixo.
• Latência interpico P:I-V elevada à custa de P:III-V
Indicando comprometimento de vias auditivas de tronco
encefálico alto.

Um dos potenciais componentes da BSER, tardio, denomina-


do de SN10 (Slow Negative 10) caracterizado por ser uma onda
vértice-negativa que ocorre após o complexo polifásico da BSER,
com latência de 10ms às fortes intensidades, tem despertado
interesse do ponto de vista clínico. O complexo P:V-SN10 é um
dos mais constantes até o limiar eletrofisiológico e possibilita
caracterizar com mais facilidade, o limiar eletrofisiológico. A SN10
é oriunda de potenciais pós-sinápticos do tronco encefálico.
212

I III V

BSER normal

I III

DA neural

I III V

DA central (tronco cerebral)


80 dB NA – 20est./s – 20 ms FIGURA 9.13 – Respostas da BSER a 80 dB NA em
ouvido normal, e em ouvidos com deficiência audi-
0 10 20 tiva neural e central.

0 5 10

Esclerose múltipla

FIGURA 9.14 – Respostas à BSER de


características centrais em um portador
de esclerose múltipla. Observa-se a in-
constância da morfologia do traçado da
BSER, principalmente nas ondas mais 80 dB
tardias, como reflexo da dessincro-
nização neuronal aleatória dos poten-
ciais ao nível do tronco encefálico, nas
três amostragens efetuadas.
Audiometria Eletrofisiológica 213

Potenciais auditivos de latência média


40 Hz MLR
As respostas de latência média são constituídas por um
potencial polifásico com duração de 10 a 50ms e compostas pela
atividade de potenciais pós-sinápticos da radiação talâmica (tron-
co encefálico alto) e a resposta inicial do córtex auditivo. As
respostas de latência média, do ponto de vista clínico, ainda estão
sob investigação e também são denominadas de 40 Hz MLR (40
Hz Middle Latency Responses) por sua semelhança morfológica
com uma onda sinusóide de período igual a 40 Hz.
As respostas de latência média são superpostas a respostas
do reflexo sonomotor, de origem predominantemente miogênica;
suas amplitudes ficam muito reduzidas quando obtidas em pa-
cientes sedados ou sob anestesia, o que dificulta tecnicamente
sua aplicação clínica.

Potenciais auditivos lentos


Audiometria cortical
São os potenciais pós-sinápticos gerados no córtex auditivo
temporal, com latência variando de 50 a 300ms. São obtidos pela
estimulação com burst e tone pip e possibilitam a investigação do

SN10

20 dB

40 dB

60 dB

FIGURA 9.15 – Variação da onda SN10 em um


neonato de 4 meses de idade cronológica, do
limiar eletrofisiológico a 80 dB NA. O complexo 80 dB
P:V-SN10 facilita a identificação do limiar ele- 0 10 20
trofisiológico.
214

sistema auditivo nas diversas freqüências. É um potencial polifá-


sico, cuja morfologia e amplitude variam de acordo com a matu-
ridade do SNC, grau de vigília, grau de sedação do paciente, o que
dificulta sua aplicação clínica de forma rotineira.
A audiometria cortical avalia de forma global a função do
sistema auditivo, sendo o teste ideal a ser empregado nas
deficiências auditivas funcionais, e permite a execução de uma
audiometria tonal eletrofisiológica.

Potenciais auditivos tardios


Estes potenciais, com latência acima de 300ms, são oriundos
de atividades pós-sinápticas de áreas associativas do córtex
encefálico auditivo, principalmente com a área frontal. São deno-
minados de P-300 (potencial vértice-positivo com 300ms de
latência) e a CNV (contigent negative variation) e representam
uma atividade de expectativa do córtex cerebral a um estímulo
auditivo prévio e repetitivo. Apresentam interesse clínico na área
de psicofisiologia auditiva.

APLICAÇÕES CLÍNICAS DA ERA


Classicamente a indicação geral da ERA seria de uma
complementação aos testes audiológicos convencionais, quan-
do estes forem insuficientes para a definição da deficiência
auditiva. De uma forma geral, as deficiências auditivas sensorio-
neurais e centrais apresentam séria dificuldade diagnóstica aos
testes convencionais pelo fato de possuírem baixa sensibilidade
e/ou especificidade para o topodiagnóstico de tais lesões; a
ERA por outro lado, na análise qualitativa das ondas, principal-
mente da morfologia e das latências dos potenciais, permite a
definição do topodiagnóstico das deficiências auditivas. A latên-
cia dos potenciais, principalmente dos potenciais neuronais
(ECochG e BSER) é indicada da velocidade de condução da
atividade neuronal ao longo do SNC, permitindo o topodiagnós-
tico da lesão auditiva, e demonstra maior sensibilidade e espe-
cificidade. Deve ser enfatizado que pela ERA não existe um
único teste que seja ideal para todas as situações; todos os
testes são úteis e se complementam.

P2

P1
4 µV

N1
N2

800ms FIGURA 9.16 – Potencial auditivo cortical de um


indivíduo acordado.
Audiometria Eletrofisiológica 215

A ERA apresenta indicações específicas para as populações


adulta e pediátrica; sua aplicação clínica atualmente é mais
abrangente, atingindo áreas como a neurologia, neurocirurgia e
neonatologia. São comentadas brevemente as indicações das
duas formas de ERA mais freqüentemente empregadas na atua-
lidade: da ECochG e da BSER.

Indicações em adultos
A deficiência auditiva sensorioneural apresenta, em muitas
ocasiões, um sério desafio para a definição do topodiagnóstico
correto. Em audiologia clínica, estas são situações em que a
ECochG e a BSER são muito úteis, principalmente pela observa-
ção da velocidade de condução central.
A ECochG avalia principalmente a orelha interna e o nervo
coclear; os potenciais do nervo coclear podem ser estudados
principalmente nas curvas de entrada/saída da latência. As for-
mas das curvas de entrada/saída da latência, associadas à
variação morfológica do potencial de ação, permitem estabelecer
as quatro curvas básicas da ECochG: 1. normal; 2. condutiva; 3.
recrutante; e 4. dissociada. A morfologia do potencial de ação
permite, em certas circunstâncias, o diagnóstico da deficiência
auditiva. Os potenciais de ação largos, caracterizados pela super-
posição de um potencial de somação negativo a um potencial de
ação normal, são característicos de hidropisia endolinfática e,
portanto, de uma deficiência auditiva sensorial; os potenciais de
ação largos, com morfologia bizarra, são característicos de lesão
neural ao nível do nervo coclear. A ECochG pode ser particular-
mente útil para a obtenção do potencial de ação de nervo coclear,
a P:I da BSER nas situações em que pela BSER não foi possível
a obtenção dos potenciais, particularmente da P:I.
As deficiências auditivas sensorioneurais com velocidade de
condução central atestada pela BSER normais são compatíveis
com lesões predominantemente sensoriais; por outro lado, defi-
ciências auditivas com velocidades de condução central altera-
das, atestadas pelo aumento significativo da latência interpico P:I-
V, são compatíveis com lesões neurais e/ou centrais.
Como foi comentado, a velocidade de condução central de P:I-
V é em média de 4ms às estimulações ao redor de 60 a 80 dB NA;
aumento de P:I-V (acima de 4,5ms) à custa de P:I-III indica lesões
neurais e/ou de tronco encefálico baixo: aumento de P:I-V à custa
de P:III-V é sugestivo de lesão de tronco encefálico alto, pela
BSER.
Alterações na morfologia da BSER também são sugestivas de
lesões neurais; a ausência de todas as ondas; a ausência de P:III
e/ou P:V são as alterações morfológicas mais comumente encon-
tradas.
A associação dos dois exames permite alta sensibilidade e
especificidade no topodiagnóstico das deficiências auditivas sen-
sorioneurais.
216

De forma resumida as principais indicações em adultos são:

• para o topodiagnóstico das deficiências auditivas sensorio-


neurais;
• para a confirmação da hidropisia endolinfática, pela presen-
ça do potencial de ação do nervo coclear largo, na ECochG;
• para a obtenção do potencial de ação do nervo coclear, a P:I
da BSER, pela ECochG, nos casos em que este potencial
não for detectado pela BSER;
• para a detecção do neurinoma do acústico, com alterações
demonstradas pela ECochG e BSER;
• para a detecção de afecções de tronco encefálico, como a
esclerose em placas, leucodistrofias, doença de Alzheimer
e tumores de fossa posterior, afecções estas que envolvem
as vias auditivas no tronco encefálico e ocasionam altera-
ções à BSER;
• em deficiência auditiva funcional, a ECochG e a BSER
permitem, quando analisadas com outras formas de avalia-
ção objetiva, como a imitanciometria, a conclusão de uma
deficiência auditiva funcional.

Indicações em crianças
A ERA tem se revelado um exame extremamente útil na
avaliação audiológica da população pediátrica, permitindo deter-
minar a natureza da deficiência auditiva e a predição do limiar
auditivo. Especificamente, a ECochG e a BSER sempre devem
ser consideradas em conjunto com a avaliação audiológica con-
vencional; a avaliação isolada de tais testes pode incorrer em
erros diagnósticos, em determinadas situações.
A ECochG permite a avaliação mais precisa do limiar eletro-
fisiológico, por ser um teste monoaural, por avaliar o fenômeno do
recrutamento coclear e pela proximidade dos geradores dos
potenciais com os eletrodos. Deve ser utilizada nos casos de
indicação de aparelhos de amplificação sonora individual, tendo
em vista a orelha mais adequada para a protetização, e a escolha
adequada das características eletroacústicas da prótese auditiva
a ser selecionada.
A BSER permite uma avaliação mais ampla do sistema
auditivo, da orelha interna ao tronco encefálico. Além de poder ser
utilizada para a predição do limiar psicoacústico, tendo em vista
uma possível adaptação de aparelho de amplificação sonora
individual, permite a detecção de anormalidades ao nível de
tronco encefálico, por imaturidade, lesões degenerativas e/ou
tumorais ao nível do SNC. Especificamente, ao neonato de alto
risco, é nosso pensamento que, para a detecção de provável
deficiência auditiva, deve ser estabelecido um programa de teste
tipo Passa/Falha, a ser aplicado a cada quadrimestre até os 12
meses de idade. Deve ser salientado que neonatos de alto risco
Audiometria Eletrofisiológica 217

Efeito da idade do RN na BSER


I III V

RN de 30 semanas

FIGURA 9.17 – Curvas de BSER de um


neonato de alto risco de 35 semanas de
idade gestacional, com logon a 2 kHz a 80
dB NA. A execução do exame foi feita na 1ª
e na 12ª semanas de idade cronológica.
Observar a relativa imaturidade na 1ª se- 0 10 20
mana, caracterizada pela presença de P-III
com grande amplitude e P-I, P-III e P-V Após 3 meses
largas; a resposta semelhante à do adulto 80 dB NA – 20 est./s – 20ms
na 12ª semana de idade cronológica.

BSER – Efeito da hiperbilirrubinemia

Pré-exsangüíneo OD-L= 80 dB

I V
III

OE-L=?

Pós-exsangüíneo OD-L= 40 dB

I III

0 10 20

V OE-L= 40 dB
I III FIGURA 9.18 – Respostas pela BSER em
um neonato com hiperbilirrubinemia mode-
rada/severa (bilirrubina indireta em 20
mg/dl), pré e pós-exsangüineotransfusão.
Notar a melhora acentuada das respostas
80 dB NA - 20 est./s –20ms após correção dos níveis de bilirrubina.

portadores de prematuridade, baixo peso corporal, hipoxemia,


sepse e hiperbilirrubinemia apresentam elevado grau de disfun-
ção auditiva, com alterações de limiares e de latência à BSER e
que podem normalizar no segundo quadrimestre de idade crono-
lógica. De 5 a 10% desta população pediátrica irá apresentar
deficiência auditiva ao final do primeiro ano de vida. A interpreta-
218

ção dos resultados de testes realizados no primeiro quadrimestre


de vida deve ser cautelosa, em função da disfunção auditiva; o
rótulo de um neonato portador de deficiência auditiva sempre é
traumático e causa ansiedade aos pais. A repetição do teste no
segundo quadrimestre deve ser executada para afastar os efeitos
de uma disfunção auditiva em uma audição normal.
Em relação à hiperbilirrubinemia, a BSER tem se revelado um
exame extremamente sensível para a detecção da encefalopatia
bilirrubínica; tal quadro clínico determina precocemente altera-
ções dos limiares eletrofisiológicos e da latência interpico P:I-V.
Potencialmente, a BSER, associada à determinação laboratorial
da bilirrubinemia, pode ser um indicador precoce para a exsangüi-
neotransfusão.
Sendo um exame complementar, a ERA permite avaliar
neurofisiologicamente, segmentos do sistema auditivo, depen-
dendo da técnica empregada. Na ECochG, a avaliação é no
segmento mais periférico do sistema auditivo, constituído da
orelha interna e nervo coclear. Na BSER, a avaliação
abrange orelha interna, nervo coclear e vias auditivas ao longo
do tronco encefálico. Na audiometria eletroencefálica, o sistema
auditivo é avaliado globalmente. É importante este conceito
para evitar erros de interpretação da função auditiva com uma
forma específica de exame. Portanto, deve-se sempre ter em
mente, que uma ECochG e uma BSER podem ser essencial-
mente normais em um paciente que apresenta um distúrbio
central da audição, pois a lesão é em nível cortical.

PERSPECTIVAS DA ECOCHG E BSER


Embora ambos os métodos de ERA estejam na prática audio-
lógica há 20 anos, eles apresentam certos aspectos que merecem
investigação.
Em relação à ECochG, os potenciais sensoriais são captados
ainda de forma imperfeita, sendo a resposta principal, o potencial
de ação global do nervo coclear. A investigação dos potenciais
sensoriais poderia ser extremamente útil nas patologias tipica-
mente cocleares, como a ototoxicose, surdez súbita, hidropisia
endolinfática. Atualmente as Emissões Otoacústicas Evocadas
têm se revelado um exame extremamente útil para a investigação
da orelha interna, principalmente da função das células ciliadas
externas do órgão de Corti; este exame detecta de forma precoce
as alterações ainda que funcionais das células ciliadas externas
do órgão de Corti.
A investigação dentro da BSER é potencialmente mais ampla.
Em neonatologia, a BSER pode ser empregada no estudo do
desenvolvimento da maturidade do sistema auditivo, na toxicose
provocada pela hiperbilirrubinemia e na detecção de deficiência
auditiva. Em neurologia, a BSER pode ser útil na investigação
futura de doenças desmielinizantes do SNC, principalmente em
Audiometria Eletrofisiológica 219

nível de tronco encefálico; em pacientes comatosos, como exame


auxiliar na determinação do grau de coma; em neurocirurgia, na
monitoração de cirurgias de fossa craniana posterior, que envol-
vem procedimentos próximos ao tronco encefálico.
As outras formas de ERA não foram explanadas de forma
detalhada por serem métodos ainda em desenvolvimento, à
exceção da audiometria eletroencefálica. Deve ser enfatizado que
cada método de ERA possui vantagens e críticas; o paciente
portador de uma deficiência auditiva pode e deve ser testado
pelos diferentes métodos de ERA e que cada examinador tenha
experiência para a elucidação do topodiagnóstico da mesma.

Leitura recomendada
DAVIS, H. – Principles of electric response audiometry. Ann. Otol.,
Rhinol. & Laryngol ., 28(Suppl):95, 1976.
HALL III, J.W. – Handbook of Auditory Evoked Response. Massachussets,
Alyn & Bacon, 1992. 871 p.
HYDE, M.L. – Objective tests of hearing – Auditory evoked potentials. In:
Adult Audiology. Otolaryngology. 5ª ed. Scott-Brown’s London,
Butterworths, 1987. pp. 272-297.
KEIDEL, W.D. & NEFF, W.D. – Handbook of Sensory Physiology. Vol. 3.
Berlin, Springer-Verlag, 1976. 811 p.
OWEN, J.H. & DAVIS, H. – Evoked Potential Testing – Clinical Applications.
New York, Grune & Stratton, Inc., 1985. 259 p.
RUTH, R.A. & LAMBERT, P.A. – Auditory evoked potentials. In:
Otolaryngol. Clin. of North Amer., 24(2):349-370, 1991.
Deficiência Auditiva 1
Emissões Otoacústicas 221

10
Emissões Otoacústicas

Otacilio de C. Lopes Filho


Rosimeire Cezar Carlos

INTRODUÇÃO

A cada dia os avanços tecnológicos proporcionam novos


recursos auxiliares no diagnóstico topográfico das doenças, o que
é muito importante à medida que conduz nossa atuação como
profissionais voltados a cura ou reabilitação, de maneira mais
segura e precisa.
Hoje, com o subsídio de equipamentos modernos, podemos
avaliar o funcionamento de componentes cocleares bastante
sensíveis às agressões ao ouvido interno que causam as deficiên-
cias sensorioneurais.
Já em 1948, GOLD relatava em seus estudos a hipótese de que
nosso ouvido seria um órgão voltado não somente à captação de
estímulos, mas também à produção de sons. O que no início foi
recebido pelo mundo científico com desconfiança, passou a ter
credibilidade com o trabalho de KEMP (1978) que constatou a
presença de uma energia acústica produzida no ouvido interno de
forma espontânea ou em resposta a um estímulo sonoro.
Essa energia foi denominada emissões otoacústicas (EOA).
Gerada no ouvido interno, mais especificamente nas células
ciliadas externas, caminha de forma retrógrada pelo ouvido médio
e é captada, com o auxílio de um microcomputador, por uma
pequena sonda adaptada ao canal auditivo externo de forma
rápida e não-invasiva. Quando presentes, representam um forte
222 Fonoaudiologia Prática

indicativo de função coclear normal ou próxima do normal, tornan-


do-se assim uma ferramenta indispensável na avaliação objetiva
das deficiências auditivas sensorioneurais.

ORIGEM DAS EMISSÕES OTOACÚSTICAS


Foi com os estudos de BÉKÉSY (1960) que iniciamos a compre-
ensão que temos hoje a respeito dos mecanismos que envolvem a
função coclear. Através deles pudemos entender como se dá o
princípio da captação do som que chega à cóclea para ser posterior-
mente transformado em energia elétrica e enviado ao córtex.
Sua teoria relata a existência da chamada “onda viajante” que
seria um movimento sinusoidal que se forma a partir da vibração
da membrana basilar e da membrana de Reissner, quando a
orelha interna é estimulada. Essa onda possui um ponto onde a
amplitude de vibração é mais intensa ocorrendo aí, portanto,
maior estimulação das células sensoriais. A localização deste
ponto varia de acordo com a freqüência do estímulo, isto é, as
freqüências mais altas têm seu ponto de maior vibração na espira
basal da cóclea e as freqüências mais baixas na espira apical.
Assim seria iniciado o desmembramento da informação sonora.
Estudos mais recentes promoveram uma maior compreensão
do funcionamento das estruturas do órgão de Corti, especialmen-
te das células ciliadas externas, indicando a existência de um
processo ativo dentro da cóclea.
As ondas viajantes descritas por BÉKÉSY seriam em primeira
instância as responsáveis pela excitação das células ciliadas exter-
nas situadas no órgão de Corti. “O sistema de células ciliadas
externas apresenta 10.000 a 14.000 células no homem. Estas
células têm a forma cilíndrica e estão dispostas em três fileiras ao
longo das espiras cocleares... As células ciliadas externas são
banhadas pela endolinfa no pólo ciliar e pela perilinfa nas paredes
laterais... Estas células são envolvidas parcialmente pelas células
de sustentação, ficando os espaços de Nuel entre elas permitindo
o movimento das mesmas. No pólo basal há ligação firme das
células ciliadas externas com as células suporte de Deiters que
estão ancoradas sobre a membrana basilar, permitindo que os
movimentos das células ciliadas externas possam repercutir sobre
a membrana basilar e estrutura do canal coclear” (OLIVEIRA, J.A. in
OTACILIO & CAMPOS, 1995). Este autor relata ainda, na região apical
de cada célula, a presença de diversos estereocílios dispostos em
três fileiras e unidos entre si através de ligamentos.
Sabemos, hoje, que a grande maioria das fibras neuronais
aferentes, responsáveis pelo envio da mensagem sonora às vias
auditivas superiores, não se encontram nas células ciliadas exter-
nas, mas sim nas células ciliadas internas e, que estas seriam
estimuladas diretamente somente com sons de moderada/alta
intensidade. Assim, para que sejam excitadas até mesmo com
sons de baixa intensidade, há necessidade de uma ampliação dos
Emissões Otoacústicas 223

movimentos de vibração da membrana basilar. “As células cilia-


das externas tornam a cóclea um verdadeiro amplificador mecâ-
nico que permite o aumento de até 50 dB de intensidade de um
estímulo” (OLIVEIRA, 1995).
O movimento dos líquidos, causado pela onda transmitida na
membrana basilar, faz com que haja uma excitação das células
ciliadas externas com conseqüente movimentação dos ligamen-
tos existentes entre elas e abertura dos canais de potássio. Com
isso, são desencadeados potenciais elétricos que terão ação
direta sobre a célula produzindo movimentos de contração, deno-
minados contração rápida. Esses movimentos ocorrem devido às
características particulares das células ciliadas externas que ao
mesmo tempo que são rígidas para manter sua estrutura, têm uma
flexibilidade capaz de permitir seu alongamento e encurtamento.
Com esta contração rápida será desencadeada uma amplificação
da onda e, ao mesmo tempo, uma força mecânica no sentido do
conduto auditivo externo que poderão ser captadas sob a forma
de emissões otoacústicas.
Os experimentos que buscam comprovar a origem coclear
das emissões otoacústicas enfocam o comportamento destas
mediante agentes que danificam provisória ou permanentemente
as células ciliadas externas, tais como ruídos ototóxicos e hipoxia.
Seus achados evidenciam uma diminuição ou até mesmo aboli-
ção das EOA, quando células ciliadas externas são lesadas
(ZUREK e cols., 1982; LONSBURY-MARTIN e cols., 1987; MCFADDEN
& PLATTSMIER, 1984).
Outros fatores que demonstram sua origem estariam relacio-
nados às próprias características das EOA, tais como ausência de
resposta em regiões de freqüência com deficiência auditiva co-
clear maior que 40/50 dB NA, latência inversamente proporcional
à freqüência, ou seja, quanto mais alta a freqüência da emissão,
menor será a latência, e seu crescimento não-linear com relação
ao estímulo, atingindo um nível de saturação a partir do qual não
haverá influência da intensidade do estímulo.
As EOA são energias sonoras de baixa intensidade e que,
portanto, para que sejam captadas no canal auditivo externo,
necessitam de absoluta integridade da orelha média. Assim,
qualquer alteração da transmissão poderá acarretar diminuição
ou ausência de respostas comprometendo assim a análise do
exame (OWENS e cols., 1993).
Até o presente foram estudados dois tipos básicos de EOA
que serão descritos posteriormente: as EOA espontâneas e as
EOA evocadas.

Emissões Otoacústicas Espontâneas


Por definição, as emissões otoacústicas espontâneas (EOAE)
são energias acústicas de banda estreita, provenientes da cóclea,
sem que haja estimulação específica.
224 Fonoaudiologia Prática

Ainda hoje existem controvérsias quanto à sua origem.


Alguns autores acreditam que sejam resultado de um processo
natural do mecanismo de amplificação coclear e que possam
estar relacionadas ao funcionamento de alguma estrutura espe-
cífica do órgão de Corti. Estudos com animais demonstraram a
possibilidade de explicarmos as EOAE através da disposição
das células ciliadas externas. Uma outra hipótese seria a pre-
sença de microlesões provocando alterações na função coclear
e conseqüentemente as EOAE.
Trata-se de sons de intensidades muito pequenas e que,
portanto, necessitam de um microfone altamente sensível para
que sejam registradas. As EOAE captadas por este microfone
misturam-se a outros sons do nosso corpo, tais como aqueles
emitidos pela corrente sangüínea, respiração e contrações mus-
culares, que normalmente encontram-se na faixa das freqüências
graves. Assim, há necessidade de filtros e de uma análise fre-
qüente, que é realizada através da FFT (Fast Fourier Transformer),
que irá possibilitar de forma eficiente a supressão de artefatos, e
ruídos e a captação da resposta através de pequenas amostras.
Observadas através de um espectro fornecido pelo analisador
coclear, as EOAE manifestam-se sob a forma de “picos de
freqüência” e podem ser observadas em uma mesma pessoa
por muitos anos permanecendo quase que constantes, ou
seja, com pequenas variações de algumas de suas caracterís-
ticas individuais. Como características individuais básicas,
temos o nível de pressão sonora, largura de banda, freqüência
de aparecimento, intervalo de freqüência e binauralidade.
Estudos têm demonstrado que o nível de pressão sonora varia
consideravelmente, estando em sua maioria entre –10 e 20 dB
NPS. Como foi citado anteriormente, são sinais de banda
estreita que apresentam um ponto de freqüência acústica
(“pico”) onde o nível de pressão sonora é máximo. Estes
“picos” também variam de pessoa para pessoa e são normal-
mente encontrados na faixa de 500 a 6.000 Hz com maior
concentração entre 1.000 e 2.000 Hz. Uma outra propriedade
individual que também apresenta variações seria a freqüência
de aparecimento, ou seja, a quantidade de picos registrados
que usualmente está entre 1 e 10, sem que haja uma consis-
tência no intervalo entre a freqüência de um pico e outro.
Dentre todas essas características, a freqüência acústica é a
que se mantém com modificações pouco significativas quando
o exame é repetido por diversas vezes, durante anos. Cabe
ressaltar que as mudanças ocorridas podem também estar
relacionadas às características e qualidade do equipamento
de mensuração utilizado.
A Figura 10.1 mostra a presença de EOAE nas freqüências
de 1.328,8 e 1.621,2; com amplitudes de 0 e 4 dB NPS. A seguir,
na Figura 10.2 temos um gráfico onde não foram observadas
EOAE.
Emissões Otoacústicas 225

Diversos foram os estudos voltados a este tipo de emissão


onde observaram que estão presentes em apenas uma parcela,
aproximadamente 30 a 60%, dos ouvidos com limiares auditivos
melhores que 25/30 dB NA (ZUREK, 1981; STRICKLAND e cols.,
1985; BONFILS, 1989; M ARTIN, e cols. ,1990). Entretanto, em
alguns casos, foram também encontradas em orelhas com
perdas auditivas porém com preservação das células ciliadas

CELESTA 503 Frequency Ampl. NF NF-SD Frequency Ampl. NF NF-SD


Spontaneous Emissions
1328,8 0 –5 1
SUBJECT DATA 3757,5 –5 –8 0
LN: 3522,2 –5 –8 0
FN: 1621,2 4 –7 1
ID:18975 >
Ear: Right AMPLITUDE SPECTRUM
Date:April 7, 1996 dB
File:AN18975 .300 SPL
Path:d:\CELESTA\DATA 30
SYSTEM PARAMETERS
Max Frq. : 5000 Hz
20
Gain (A) : 66 dB
Prg. Swp : 1000
Acc. Swp : 210
Rej. Swp : 41 10

CURSOR (dB,Hz)
Freq.: 69,9 NF: 3 dB 0
Level: 2 dB SPL

F1: Start F6: Load –10


F2: F7: Mark
F3: L/R F8:
F4: Subject F9: Setup
–20
F5: Save F10: Pr.Scr 1,5 2,0 kHz 2,5
0,0 0,5 1,0
PgUp: f-low PgDn: f-high

FIGURA 10.1 – Esta figura representa a tela do monitor de vídeo com as informações que são fornecidas
pelo exame, no caso mostrando um paciente com emissões espontâneas bem significativas. No
quadro principal, o maior, temos então um espectro que relaciona a amplitude da emissão nas diversas
freqüências. Notar a presença de dois picos, sendo o maior e mais significativo em torno de 1.621, 2
Hz com uma amplitude de 4 dB NPS e um menor de 0 dB NPS na freqüência de 1.328,8 Hz; resultados
que podem ser lidos no quadro menor acima e à esquerda.

CELESTA 503 Frequency Ampl. NF NF-SD Frequency Ampl. NF NF-SD


Spontaneous Emissions

SUBJECT DATA 1341,5 0 –3 1


LN: >
FN:
ID:14702
Ear: Right
dB AMPLITUDE SPECTRUM
Date:March 16, 1995
SPL
File:AM14702 .300
30
Path:d:\CELESTA\DATA

SYSTEM PARAMETERS
Max Frq. : 5000 Hz 20
Gain (A) : 57 dB
Prg. Swp : 1000
Acc. Swp : 251 10
Rej. Swp : 235

CURSOR (dB,Hz) 0
Freq.: 1.551,3 NF: –4 dB
Level: –4 dB SPL

F1: Start F6: Load –10


F2: F7: Mark
F3: L/R F8:
–20
F4: Subject F9: Setup
F5: Save F10: Pr.Scr 0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 kHz 2,5
PgUp: f-low PgDn: f-high

FIGURA 10.2 – Representação da tela do analisador num caso onde não encontramos emissões
espontâneas.
226 Fonoaudiologia Prática

externas de determinadas regiões da cóclea (TYLER & C ONRAD-


ARMES, 1982).
No que diz respeito ao sexo, são preponderantes nas mulhe-
res (ZUREK, 1981; STRICKLAND e cols., 1985; PROBST e cols.,
1986). Ainda não se sabe ao certo a causa, porém existem
hipóteses de que seria pelo fato da mulher em nossa sociedade
encontrar-se menos exposta a riscos de danos no aparelho
auditivo ou até mesmo devido a uma suposta disposição das
células ciliadas externas femininas.
Com relação à influência da idade cronológica sobre as EOAE,
estudos como o de L ONSBURY-MARTIN e cols. (1991) não encon-
traram diferenças significativas nas diversas faixas etárias avalia-
das, embora tenha sido observada uma diminuição quanto à
quantidade de picos. Em discordância com esses achados outros
ainda, como o de BONFILS (1989), relataram decréscimo da
incidência com o decorrer da idade.
Até o presente, a importância clínica das EOAE é desconhe-
cida especialmente pelo fato de não estarem presentes na maioria
dos indivíduos com audição normal e também por não serem
indicativas de limiares auditivos normais, uma vez que podem
surgir em perdas auditivas sensorioneurais. Grande ênfase foi
dada aos trabalhos que tentaram relacioná-las ao zumbido, acre-
ditando que o mecanismo gerador de ambos seria o mesmo.
Porém, nenhuma ou pouca semelhança (cerca de 4 a 5%) foi
encontrada. A justificativa poderia estar na dificuldade de se obter
EOAE nas freqüências mais agudas, isto é, regiões da cóclea
onde estariam localizados os danos que poderiam ser responsá-
veis pelo zumbido (CERANIC e cols., 1995).

Emissões otoacústicas transitórias


As emissões otoacústicas transitórias (EOAT) representam
uma subclasse das emissões otoacústicas evocadas, ou seja,
necessitam de um estímulo acústico para que sejam desencadea-
das. Após estudos com diferentes tipos de estímulos, observou-
se que as respostas são obtidas em função destes e que uma
maior quantidade de informação é conseguida quando se utiliza
o click que é um transitório acústico de curta duração com faixa de
freqüência bastante abrangente. Assim, a terminologia hoje ado-
tada (emissões otoacústicas transitórias) está diretamente rela-
cionada ao tipo de estímulo que é caracteristicamente transitório,
passageiro.
Para análise das emissões otoacústicas transitórias, temos a
necessidade de um equipamento um pouco mais sofisticado que
aquele usado para a captação das EOAE pois, além do cancela-
mento do ruído de fundo, incluindo os originados no organismo, no
ambiente e até mesmo nos componentes do instrumento de capta-
ção, há ainda a necessidade de controle do estímulo sonoro e
diferenciação entre este e a resposta real do ouvido interno. Para
Emissões Otoacústicas 227

auxiliar nesta tarefa, além de componentes de alta precisão, são


utilizados cálculos matemáticos tais como FFT (Fast Fourier
Transform) e também diferentes técnicas de apresentação do
estímulo.
As EOAT são registráveis na quase totalidade das orelhas
com limiares auditivos de até 25 dB NA. Estudos internacionais
realizados com indivíduos jovens, com audição normal (até
15 dB NA) e sem passado otológico encontraram uma incidência
de EOAT de, em média, 98% na população estudada, o que
coincide com os achados de um trabalho realizado por LOPES e
cols. (1995) com uma população brasileira submetida à condições
similares de avaliação. Contudo, elas não são dependentes de
uma conservação total das células ciliadas externas uma vez que
também podem ser encontradas em orelhas com deficiência
auditiva, porém com preservação da audição na faixa de 1.000 e
2.000 Hz. Assim, a presença de EOAT pode indicar com certa
precisão a existência de limiares auditivos de até 25 dB NA
especialmente nas freqüências ao redor de 1.000 e 2.000 Hz.
Falhas na detecção das EOAT também não representam neces-
sariamente limiares abaixo deste nível, pois podem existir proble-
mas individuais ou até mesmo técnicos relacionados à sensibilida-
de do equipamento.
Este tipo de otoemissão tem como características básicas
uma discreta latência em relação ao estímulo, à dispersão de
freqüência e um crescimento não-linear, saturando em níveis
moderados de estimulação (PROBST, 1971).
As EOAT iniciam-se quase que imediatamente após o estímu-
lo, com uma pequena latência, e podem durar de poucos
milissegundos até vários centésimos de milissegundos. Os pri-
meiros 5ms, após a apresentação do estímulo, representam não
somente a resposta acústica do ouvido, mas também, e principal-
mente, componentes gerados pelos transdutores. Assim, usual-
mente a análise mais fidedigna da emissão otoacústica transitória
é realizada a partir dos 5 até 20ms que seria a faixa de concentra-
ção de maior energia da resposta.
O click utilizado nas EOAT é composto por freqüências que,
dependendo do equipamento situam-se entre 500 e 4.000 Hz
ou 600 e 6.000 Hz. Portanto, por ser um estímulo de banda
larga, ocorre excitação de células ciliadas localizadas desde a
espira basal até a espira apical da cóclea. Conseqüentemente,
a resposta obtida também terá uma composição multifreqüente
que irá variar de indivíduo para indivíduo. As freqüências
obtidas nas respostas estarão dentro da faixa do estímulo
utilizado, sendo que normalmente concentram-se entre 1.000
e 2.000 Hz que seria onde o ouvido médio apresenta uma maior
eficácia na transmissão sonora. A morfologia da onda desta
resposta apresentar-se-á de modo que a fração inicial, nos
primeiros milissegundos, representará o componente das fre-
qüências mais altas.
228 Fonoaudiologia Prática

A amplitude da resposta também é outra característica que


varia, porém de forma não-linear. Ela aumenta de modo propor-
cional ao acréscimo da intensidade do estímulo até um determina-
do valor, onde ocorre a saturação. Contudo, KEMP (1978) verificou
que nas latências de 5 a 15ms não ocorria variação das respostas
mais significativas mesmo com mudanças na intensidade do
estímulo empregado.
O analisador coclear permitirá, durante a realização do exa-
me, a visualização da representação gráfica das respostas que
estão sendo captadas no tempo desejado (normalmente no
período de 5 a 20ms). Essas respostas são armazenadas em duas
unidades de memória (A e B) para que possam ser comparadas
e decompostas na formação de um gráfico final onde podemos
avaliar as amplitudes nas determinadas freqüências e o ruído de
fundo.
A Figura 10.3 demonstra um exame de EOAT na tela do
computador.
No pequeno quadro superior esquerdo temos os dados do
paciente, que no caso foram omitidos em parte.
No quadro superior central temos as características do tipo e
quantidade de estímulos assim como as amostras aceitas e
rejeitadas:

• Stim suppress – Representa o tempo após o estímulo a


partir do qual será avaliada a resposta.
• Stim duration – Duração do estímulo.
• Aquis. mode – Pode ser linear (quando o estímulo for
unipolar) e não-linear (quando forem apresentados três
clicks de mesma polaridade e um de polaridade oposta).
• Stim polarity – Representa a polaridade do estímulo que
pode ser condensado ou rarefeito. Cada um determinará um
tipo diferente de movimentação da membrana timpânica e
membrana basilar.
• Stim level – Intensidade do estímulo.
• Input gain – Ganho que se modifica automaticamente no
sentido de ajustar o estímulo a cada orelha.
• Progr. sweeps – Número de amostras programadas.
• Accept sweeps – Número de amostras aceitas.
• Reject sweeps – Número de amostras rejeitadas.
• FFT smothing – Cálculo matemático utilizado para formar
a onda da resposta.

Nesta Figura 10.3 podemos ainda observar um grande quadro


inferior onde temos as respostas sob três configurações:
A&B – Apresentação da sobreposição das ondas das respos-
tas captadas nas unidades A e B através da qual o equipamento
analisará a reprodutibilidade do sinal obtido que terá seu valor
percentual fixado no canto superior direito deste mesmo quadro
(r = 0,76).
Emissões Otoacústicas 229

CELESTA 503 SYSTEM PARAMETERS c


Transient Evoked OAE Stim. Suppres. : 5.00 mS dB TEOAE SPECTRUM
Stim. Duration : 80 µS 5
SUBJECT DATA Acquis. Mode : Non-Lin.
LN: Stim. Polarity : Condens. –5
FN: Stimulus Level : 80 dB –15
ID: Input Gain : 12, 39 dB
Ear: Left Progr. Sweeps : 3000 –25
Date:July 31, 1995 Accept. Sweeps : 3000 –35
File:RN3 .000 Reject. Sweeps : 617 0 1 2 3 4 kHz
Path:d:\CELESTA\DATA FFT Smoothing : ON
Oct. Band
T: 13,1 dB
1: 7,8 dB TEOAE RESPONSE
500 200 r = 0,76
2: 10,2 dB µPa
3: 4,9 dB µPa

CURSOR
0,00 mS
A&B
Pa

F1: Start
F2:
F3: L/R A+B
F4: Subj.
F5: Save
F6: Load
F7: Adj. A–B
F8:
F9: Setup
F10: Prnt.
PgUp: ▲▲ 0 5 10 15 mS
PgDn: ▼▼

FIGURA 10.3 – Emissões otoacústicas transitoriamente evocadas, apresentando emissões com


aplitudes normais, conforme descrito no texto.

A+B – Representação da média das ondas obtidas nas


unidades A e B através da qual será realizado o cálculo da
amplitude das respostas.
A-B – Representação da subtração das ondas obtidas nas
unidades A e B, através da qual será realizado o cálculo da
quantidade de ruído de fundo.
Na parte superior direita da tela do computador encontramos o
espectro final das EOAT que seria a expressão de toda a análise
citada anteriormente através de um pequeno gráfico onde podemos
visualizar a amplitude das respostas nas diversas freqüências (linha
contínua) e, na região sombreada, o ruído de fundo.
Já na coluna da esquerda temos três quadros. No primeiro,
encontramos a energia total das respostas (T) e a energia em três
faixas de freqüência denominadas: 1. de 500 a 1.000 Hz; 2. de
1.000 a 2.000 Hz; e 3. de 2.000 a 4.000 Hz. No segundo, podemos
visualizar a resposta em uma determinada latência através da
inserção de um cursor. No terceiro, temos as opções e comandos
oferecidos pelo computador.
As respostas ao exame serão consideradas significativas
quando houver uma reprodutibilidade maior que 0,50 (50%).
Uma vez presentes, as EOAT podem perdurar durante anos
mantendo suas propriedades individuais sem mudanças signifi-
cantes. Contudo, sabe-se que há uma prevalência em pessoas
com idade cronológica aproximada de até 60 anos, a partir da qual
há uma diminuição de sua incidência, provavelmente explicada
pela diminuição dos limiares tonais ocasionada por danos às
células ciliadas externas.
230 Fonoaudiologia Prática

Emissões otoacústicas freqüência dependente


As emissões otoacústicas freqüência dependente (EOAFD)
representam um segundo tipo de emissões otoacústicas evocadas.
Elas são obtidas através da apresentação de um tom puro
contínuo de baixo nível de modo que ocorra a excitação coclear,
e seja produzida uma resposta na mesma freqüência do estímulo.
São geradas no momento da estimulação e por tal motivo e
também por representarem uma energia adicional na própria
freqüência de estimulação, necessitam de um equipamento alta-
mente sofisticado para que sejam colhidas com fidedignidade.
A amplitude da resposta varia entre –20 e +10 dB NPS e possui
uma prevalência inferior à EOAT (cerca de 93%). Podem ser
encontradas em pessoas com limiar auditivo melhor que 20 dB NA.
Especialmente pelas dificuldades apresentadas em sua cap-
tação e análise, e pelo custo do equipamento, não são utilizadas
na prática clínica.

Emissões otoacústicas produtos de distorção


Um outro tipo de emissão otoacústica evocada e que hoje tem
sido o foco das pesquisas nesta área devido à sua relevância no
diagnóstico da surdez sensorial é a denominada emissão
otoacústica produto de distorção (EOAPD).
KEMP (1979) definiu as EOAPD como sendo a “energia
acústica, medida no canal auditivo externo, originando-se da
cóclea pela interação não-linear de dois tons puros aplicados
simultaneamente”.
A cóclea, em seu mecanismo ativo, comporta-se como um
amplificador não-linear, ou seja, ao ampliar um estímulo acústico
bitonal para que seja enviado ao sistema nervoso central, produz
sons com características distintas deste. Estes sons que não
constavam do sinal inicial são os chamados produtos distorcidos.
Devido à tonotopia existente na cóclea, através das EOAPD,
temos agora a oportunidade de avaliar a função coclear de forma
objetiva e em pequenas frações, desde a espira basal até a espira
apical, através da variação das freqüências dos estímulos.
Pesquisas realizadas com EOAPD indicam que estão presen-
tes na quase totalidade de indivíduos com audição normal. Em
indivíduos com perdas auditivas podem ser encontradas quando
os limiares forem melhores que 45 dB NA.
Os produtos de distorção costumam apresentar amplitudes 45
a 50 dB NPS, menores que o nível do estímulo empregado,
revelando pequenas variações em função da freqüência estu-
dada.
Assim como nas EOAT, para que sejam registradas, há
necessidade de um equipamento de precisão, capaz de produzir
sons controlados, desprezar o ruído de fundo e amplificar as
energias acústicas vindas da cóclea para sua captação no condu-
to auditivo externo.
Emissões Otoacústicas 231

Quando desejamos avaliar a resposta das células ciliadas


externas a um estímulo de determinada freqüência sonora (F), o
equipamento deve ser programado para emitir dois tons, sendo
um de freqüência mais baixa que F (chamado F1) e outro de
freqüência mais alta (F2). Para que se consiga uma maior quan-
tidade de energia nas respostas, deve haver uma razão fixa entre
as freqüências primárias (normalmente F2/F1 entre 1,2 e 1,25)
(NIELSEN e cols., 1993). As EOAPD produzidas terão uma relação
direta com F1 e F2, uma vez que os produtos distorcidos mais
significativos são dados pela diferença cúbica das freqüências,
isto é, encontram-se normalmente nos dois pontos de freqüência
resultantes das equações matemáticas 2 (F1 – F2) e 2 (F2 – F1).
Existem controvérsias quanto às intensidades ideais (L1 =
intensidade de F1 e L2 = intensidade de F2) a serem empregadas
em F1 e F2. Alguns estudiosos acreditam que seja importante
manter uma diferença de 5 a 10 dB onde F1 > F2 para que o teste
se torne mais sensível. Outros acreditam que L1 e L2 devam ser
iguais. Os equipamentos disponíveis no mercado comercial ofe-
recem escolha de 0 a 70 dB NPS.
A amplitude das respostas irá sofrer variações inter e intra-
individuais que dependerão da função auditiva sensorial de cada
orelha, assim como das freqüências e níveis dos estímulos
primários. Em consonância com trabalhos internacionais, um
estudo realizado por L OPES FILHO e cols. (1995) com 74 orelhas de
indivíduos de nacionalidade brasileira, jovens, com limiares audi-
tivos dentro dos padrões de normalidade, sem passado otológico
e antecedentes familiares de perdas auditivas, mostrou uma
grande variabilidade das amplitudes não somente entre as fre-
qüências, que foi de –4 a 30 dB NPS, mas também nas respostas
encontradas em um mesma freqüência, nas diversas orelhas.
Através do analisador coclear podemos realizar o exame
de EOAPD de duas formas. Uma delas nos fornece o gráfico
input/output (entrada/saída), e a outra o gráfico denominado
audiococleograma (L OPES FILHO , 1995), que seria o corres-
pondente ao DP Gram no idioma Inglês.
a) Audiococleograma (DPGram) – É a representação gráfica
das EOAPD obtidas em diversas freqüências, porém em intensi-
dades fixas de L1 e L2.
A Figura 10.4 nos mostra a imagem da tela do computador. No
quadro maior temos um gráfico relacionando freqüência e ampli-
tude. Observa-se no centro deste uma faixa sombreada que
representa 50% (incluindo a média + 1DP e – 1DP) das respostas
normais, de um estudo realizado na Dinamarca. Os pequenos
círculos indicam as respostas em cada freqüência. Mais abaixo
encontramos ainda uma linha pontilhada mais clara que represen-
ta a intensidade do ruído de fundo. Acima deste quadro verifica-
mos ainda dois outros, porém, no audiococleograma iremos
considerar apenas o da esquerda (DP- Recording) onde são
registradas as amplitudes ao término da avaliação de cada
232 Fonoaudiologia Prática

DISTORTION PRODUCTS DP–Recording (dB SPL) f1 DP NF f1 DP NF


Freq. DP Freq. DP
SUBJECT DATA 70: 40:
LN: *2000: 8 65: 35:
FN: * 500: 8 3000: 60: 30:
ID: * 750: 14 *4000: 13 55: 25:
Ear: Left *1000: 20 *6000: 13 50: 20:
Date:July 29, 1996 1500: *8000: 8 45: 15:
File:TESTE3 .401
Path:d:\CELESTA\DATA

SYSTEM PARAMETER c
f2/f1 : 1,22 dB DP-GRAM
f0 : 500 Hz SPL
f1 : 452 Hz 50
f2 : 553 Hz
2*f1–f2 : 351 Hz 40
2*f2–f1 : 654 Hz 30
f1 Level : 70 dB SPL
f2 Level : 70 dB SPL 20
Gain (A) : 30 dB
Acc.Swp : 200 (200) 10
Rej.Swp : 31 SD3 0
CURSOR (dB,Hz) –10
Freq.: 654,9 NF: –16 dB
Level: 8 θ: 184 Dg –20

F1: Start F6: Load –30


F2: F7: DP-Rec. –40
F3: L/R F8: D-Mode▲
F4: Subject F9: Setup –50
F5: Save F10: Pr. Scr 250 [Hz] 500 750 1k 1k5 2k 3k 4k 6k 8k
:Rej. ↔:Curs. ESC:Exit

FIGURA 10.4 – Audiococleograma.

freqüência. Temos, portanto, um exame com EOAPD dentro dos


padrões de normalidade.
A coluna vertical da esquerda contém 4 quadros. No primeiro,
(superior) encontramos os dados do paciente. No segundo, temos
as características do estímulo e das respostas colhidas que irão
variar de acordo com a freqüência testada. No caso, mostrando
apenas em 500 Hz:
f2/f1 – representa a relação entre F1 e F2 que neste equipa-
mento possui um valor fixo de 1,22;
f0 – freqüência que está sendo testada; no caso 500 Hz;
f1 – freqüência do estímulo inferior a f0; no caso 452 Hz;
f2 – freqüência do estímulo superior a f0; no caso 553 Hz;
2(f1-f2) : 351 Hz – freqüência esperada para um dos produtos
distorcidos;
2(f2-f1) : 654 Hz – freqüência esperada para outro produto
distorcido;
f1 level – nível de f1;
f2 level – nível de f2;
gain (dB) – ganho fornecido automaticamente no sentido de
adequar o estímulo a cada orelha.
acc.swp: amostras aceitas. O número (200) seria o limite
máximo de amostras desejado, conforme programado previamente;
rej swp – amostras rejeitadas;
SD – relação entre a resposta e o desvio padrão;
θ – ângulo de fase.
No terceiro quadro encontramos as características da respos-
ta na freqüência escolhida. No caso, temos uma resposta com
amplitude de 8 dB SPL, na freqüência de 654,9 Hz, ruído de fundo
Emissões Otoacústicas 233

de –16 dB NPS e ângulo de fase de 184 Dg. Por fim, no quarto


quadro (inferior) temos os comandos do aparelho.
Já a Figura 10.5 nos mostra um exemplo onde não foram
observadas EOAPD. Note que as emissões assinaladas pelo
equipamento encontram-se consideravelmente abaixo dos limi-
tes da normalidade e abaixo da linha de ruído de fundo.
b) Gráfico input/output (entrada/saída) – É a representação
gráfica das respostas obtidas a uma freqüência fixa, porém com
variação das intensidades do estímulo. Seria a busca do “limiar”
das EOAPD.
Na Figura 10.6, no quadro maior, como no exemplo anterior,
temos a faixa de normalidade (faixa sombreada) e as amplitudes
das respostas representadas pelos círculos e também no quadro
superior à direita. Neste caso o “limiar” das EOAPD na freqüência
de 1.006 Hz (f0) foi de 40 dB NPS.
Existe ainda uma terceira maneira de visualizarmos o espec-
tro da resposta em uma determinada freqüência e intensidade.
Essa possibilidade existe em ambos gráficos citados anteriormen-
te. Trata-se do espectro de amplitude (Fig. 10.7).
No quadro maior temos o espectro relacionando freqüência
e amplitude. Nele podemos observar dois grandes picos que
seriam os estímulos que estão sendo apresentados (f1 = 910
kHz e f2 = 1.112 kHz). Ao lado destes picos encontramos dois
outros (708 kHz = 2(f2-f1) no valor de 16 dB NPS e 1.314 kHz =
2(f1-f2) no valor de 10 dB NPS), porém de menor amplitude que
representam as EOAPD nesta freqüência e intensidade.

DISTORTION PRODUCTS DP–Recording (dB SPL) f1 DP NF f1 DP NF


Freq. DP Freq. DP
SUBJECT DATA
70: 40:
LN:silva
FN:olinda pereira
*2000: –22 65: 35:
ID:retro? 500: *3000: –22 60: 30:
Ear: Right 750: *4000: –20 55: 25:
Date:March 15, 1996 *1000: –17 *6000: –12 50: 20:
File:RC252871.500 *1500: –21 8000: 45: 15:
Path:d:\CELESTA\DATA

SYSTEM PARAMETERS c
f2/f1 : 1,22 DP-GRAM
f0 : 1006 Hz dB
f1 : 910 Hz SPL
f2 : 1112 Hz 50
2*f1–f2 : 708 Hz 40
2*f2–f1 : 1314 Hz
f1 Level : 70 dB SPL 30
f2 Level : 70 dB SPL
Gain (A) : 27 dB 20
Acc.Swp : 0 (200) 10
Rej.Swp : 0 SD3
0
CURSOR (dB,Hz)
Freq.: NF: –21 dB –10
Level: –17 θ: 24 Dg –20
F1: Start F6: Load –30
F2: F7: DP-Rec.
F3: L/R F8: D-Mode▲ –40
F4: Subject F9: Setup
F5: Save F10: Pr. Scr
–50
250 [Hz] 500 750 1k 1k5 2k 3k 4k 6k 8k

:Rej. ↔:Curs. ESC:Exit

FIGURA 10.5 – Audiococleograma de um paciente com grave disacusia sensorioneural. Notar a


ausência de produtos de distorção.
234 Fonoaudiologia Prática

DISTORTION PRODUCTS DP–Recording (dB SPL) f1 DP NF f1 DP NF


Freq. DP Freq. DP
SUBJECT DATA 40: 3 –10 100:
LN: *2000: 50: 10 –10 110:
FN: *500: *3000: 60: 13 –4 120:
ID: *750: *4000: 70: 16 –1 130:
Ear: Left *1000: *6000: 80: 140:
Date:November 12, 1996 *1500: *8000: 90: 150:
File:ROSI .400
Path:d:\CELESTA\DATA

SYSTEM PARAMETERS c
f2/f1 : 1,22 dB INPUT/OUTPUT GRAPH
f0 : 1006 Hz SPL
f1 : 910 Hz 40
f2 : 1112 Hz
2*f1–f2 : 708 Hz 30
2*f2–f1 : 1314 Hz 20
f1 Level : 40 dB SPL
f2 Level : 40 dB SPL 10
Gain (A) : 21 dB
Acc.Swp : 10 (100) 0
Rej.Swp : 9 SD3 –10
CURSOR (dB,Hz) –20
Freq.: NF: dB
Level: θ: Dg –30

F1: Start F6: Load –40


F2: F7: IO-Rec. –50
F3: L/R F8: D-Mode▲
F4: Subject F9: Setup 150 140 130 120 110 100 90 80 70 60 50 40 f1
F5: Save F10: Pr. Scr 150 140 130 120 110 100 90 80 70 60 50 40 f2
:Rej. ↔:Curs. ESC:Exit

Stimulus Level [dB SPL]

FIGURA 10.6 – Como nos exemplos anteriores, temos a faixa de normalidade (faixa sombreada) e as
amplitudes das respostas representadas pelos círculos e também no quadro superior à direita. Neste
caso, o “limiar” das EOAPD na freqüência de 1.006 Hz (f0) foi de 40 dB NPS.

DISTORTION PRODUCTS DP–Recording (dB SPL) f1 DP NF f1 DP NF


Freq. DP Freq. DP
SUBJECT DATA 40: 3 –10 100:
LN: *2000: 50: 10 –10 110:
FN: *500: *3000: 60: 13 –4 120:
ID: *750: *4000: 70: 16 –1 130:
Ear: Left *1000: *6000: 80: 140:
Date:November 12, 1996 *1500: *8000: 90: 150:
File:ROSI .400
Path:d:\CELESTA\DATA

SYSTEM PARAMETERS c
f2/f1 : 1,22 dB AMPLITUDE SPECTRUM
f0 : 1006 Hz SPL
f1 : 910 Hz
70
f2 : 1112 Hz
2*f1–f2 : 708 Hz 16 60
2*f2–f1 : 1314 Hz 10
f1 Level : 70 dB SPL
50
f2 Level : 70 dB SPL 40
Gain (A) : 21 dB
Acc.Swp : 10 ( 100) 30
Rej.Swp : 9 SD3 20
CURSOR (dB,Hz) 10
Freq.: 705,7 NF: –1 dB
Level: 16 θ: 42 Dg 0
F1: Start F6: Load –10
F2: DP 1-2 F7: Mark IO
F3: L/R F8: D-Mode▲
–20
F4: Subject F9: Setup –30
F5: Save F10: Pr. Scr 0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 kHz 2,5

:Rej. ↔:Curs. ESC:Exit

FIGURA 10.7 – Nesta figura temos o espectro relacionando freqüência e amplitude. Nele podemos
observar dois grandes picos que seriam os estímulos que estão sendo apresentados (f1 = 910 kHz e
f2 = 1.112 kHz). Ao lado destes picos encontramos dois outros menores (708 kHz = 2(f2-f1) no valor
de 16 dB NPS e 1.314 kHz = 2(f1-f2) no valor de 10 dB NPS), porém de menor amplitude que
representam as EOAPD nesta freqüência e intensidade.
Emissões Otoacústicas 235

APLICAÇÕES CLÍNICAS DAS EMISSÕES


O TOACÚSTICAS
As emissões otoacústicas (EOA), por fornecerem dados
sobre a função coclear de forma objetiva, rápida, segura e não-
invasiva, vêm se tornando uma ferramenta importante no diagnós-
tico das deficiências auditivas sensorioneurais. De todos os
tipos de EOA, as EOAT e EOAPD são as mais utilizadas na
prática clínica sendo esta última a preferida por estar presente
na quase totalidade dos ouvidos com limiares auditivos normais
e também por apresentar especificidade em uma faixa de
freqüência maior quando comparada à EOAT. Citaremos, a
seguir, alguns exemplos da utilização das EOA.
a) Screening auditivo em recém-nascidos – As EOA são
tidas hoje como um método de baixo custo e eficiente nas triagens
de recém-nascidos. Vários foram os trabalhos voltados a esta
população envolvendo EOAT e EOAPD. Entre outros temos, os
de STEVENS e cols. (1990, 1991), UZIEL & PIRON (1991), BONFILS
e cols. (1992), LOPES FILHO e cols. (1995), PARRADO (1994). Em
uma conferência realizada em 1993 nos EUA, o NATIONAL INSTITUTE
OF HEALTH (NIH), compreendendo a falta da identificação da
deficiência auditiva nos primeiros meses de vida como um proble-
ma de saúde pública e enfatizando a necessidade de uma
assistência precoce para um melhor desenvolvimento da fala e
linguagem, recomendou as emissões otoacústicas evocadas
como uma primeira avaliação auditiva para todos os bebês com
até 3 meses de vida.
b) Diagnóstico da porção sensorial de uma deficiência
auditiva – Uma vez que através deste exame estamos avalian-
do a função coclear, quando temos uma lesão de células
ciliadas externas esperamos encontrar respostas compatíveis
com os limiares tonais encontrados na audiometria tonal con-
vencional, ou seja, diminuição ou ausência de resposta. Assim,
quando os achados das EOA não forem compatíveis com os da
audiometria, quer dizer, quando as EOAT estiverem presentes
em limiares tonais piores que 30/35 dB NA (nas EOAT) e 45/50
dB NA (nas EOAPD), suspeita-se que haja um comprometimen-
to retrococlear.
c) Avaliação da audição em pacientes “difíceis de serem
avaliados” através de métodos subjetivos – Àqueles que
apresentam alguma dificuldade para responder a uma audiome-
tria tonal por problemas motores, de comportamento, cognitivos e
até mesmo simuladores, as EOA têm prestado grande auxílio por
ser um método objetivo e de fácil aplicação.
d) No prognóstico evolutivo da hidropisia endolinfática
ou na doença de Ménière
Podemos observar na prática clínica pacientes portadores de
hidropisia endolinfática com as seguintes características:
236 Fonoaudiologia Prática

1. Queixa de surdez súbita com gráfico audiométrico mos-


trando perda auditiva predominante nas freqüências graves,
sensação de pressão nos ouvidos, acompanhada ou não de
vertigens, zumbido.
• Pacientes que apresentam um audiococleograma com am-
plitudes melhores que as esperadas em função da configu-
ração audiométrica. Nestes casos, as EOAPD podem suge-
rir apenas uma distorção da membrana basilar, sem lesão
de células ciliadas externas o que pode indicar uma recupe-
ração da audição.
• Pacientes com ausência de EOAPD ou amplitudes compa-
tíveis à perda auditiva. Aqui as EOAPD podem sugerir lesão
de CCE e, portanto, a não-recuperação da audição.
2. Perda de audição
• Estabilizada em diferentes níveis, apresentando configura-
ção audiométrica com perfis variados. Podem ser acompa-
nhadas de tonturas periódicas e zumbidos. Nestes casos,
costuma existir lesão de células ciliadas externas e portanto
não encontramos EOAPD ou a encontramos em níveis
compatíveis com a perda auditiva.
• Flutuante e com configuração audiométrica mostrando perda
predominantemente em graves. Quando encontramos produ-
tos de distorção pode significar que as alterações cocleares
sejam conseqüência apenas de distorção, mecânica, sem
lesão de células ciliadas podendo, portanto, haver reversão da
perda auditiva.
e) Acompanhamento de pacientes que utilizam drogas
ototóxicas – Devido à sua sensibilidade e função, as células
ciliadas externas são as primeiras estruturas do ouvido interno a
serem lesadas por agentes externos. Assim, as EOA, como
representantes das condições de funcionamento dessas células,
podem detectar sinais iniciais de danos cocleares e, desta forma,
atuar no monitoramento e até prevenção de danos por agentes
ototóxicos (HOTZ e cols., 1994).
f) Na prevenção das deficiências auditivas induzidas por
ruído – Ainda não se sabe ao certo a exata sensitividade das
EOA à exposição a ruído excessivo, nem tampouco quais os
parâmetros ideais no que diz respeito ao estímulo a ser utiliza-
do. Contudo, trabalhos relatam que, em pessoas suscetíveis a
DAIR, há uma diminuição da amplitude das respostas das EOA
quando o exame é realizado após exposição a ruído intenso
(SUTTON e cols., 1994; KEMP, 1982; DOLAN & ABBAS, 1985,
M ENSH e cols., 1993).
g) Monitorização de cirurgia de ouvido interno – Nos casos
onde o paciente apresenta EOA, durante uma cirurgia de ouvido
interno, recomenda-se a monitorização através das EOAPD, pois
eventuais danos causados por déficits no suprimento sangüíneo,
por exemplo, pode acarretar uma redução ou até mesmo desapa-
recimento das EOA (TELISCHI e cols., 1995).
Emissões Otoacústicas 237

Leitura recomendada
BONFILS, P. – Spontaneous otoacoustic emissions clinical interest.
Laryngoscope, 99:752-756, 1989.
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Deficiência Auditiva 1
Avaliação Audiológica no Primeiro Ano de Vida 239

11
Avaliação Audiológica no
Primeiro Ano de Vida

Marisa Frasson de Azevedo

IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO PRECOCE

A integridade anatomofisiológica do Sistema Auditivo, tanto


em sua porção periférica quanto central, constitui um pré-requisito
para a aquisição e desenvolvimento normal da linguagem.
Os primeiros anos de vida têm sido considerados como o
período crítico para o desenvolvimento das habilidades auditivas
e de linguagem. Durante o primeiro ano de vida ocorre o processo
de maturação do sistema auditivo central e a experienciação
neste período é crucial para o desenvolvimento da linguagem.
Avanços recentes na neurociência cognitiva demonstraram a
plasticidade funcional do sistema nervoso central, a existência de
períodos críticos e a possibilidade de fortalecimento das ligações
sinápticas pós-experienciação nestes períodos (CHERMAK &
MUSIEK, 1992). Tanto a plasticidade quanto a maturação são, em
parte, dependentes da estimulação, visto que a experienciação
auditiva ativa e reforça vias neurais específicas (AOKI & SIEKEVITZ,
1988; CHERMAK & MUSIEK, 1992).
Desta forma, torna-se extremamente importante investigar
como o Sistema Auditivo de uma criança recebe, analisa e
organiza as informações acústicas do ambiente. A criança deve
ser capaz de prestar atenção, detectar, discriminar e localizar
sons, além de memorizar e integrar as experiências auditivas,
para atingir o reconhecimento e a compreensão da fala.
240 Fonoaudiologia Prática

A avaliação comportamental da audição no primeiro ano de


vida pode fornecer importantes informações sobre o Sistema
Auditivo, possibilitando, juntamente com a avaliação eletrofisioló-
gica, o diagnóstico precoce dos distúrbios da audição, tanto de
acuidade auditiva quanto de processamento auditivo central.
O diagnóstico audiológico realizado durante o primeiro ano de
vida possibilita a intervenção, médica e/ou fonoaudiológica, ainda
no período crítico de maturação e plasticidade funcional do
Sistema Nervoso Central, permitindo um prognóstico mais favorá-
vel em relação ao desenvolvimento global da criança.
As alterações auditivas decorrentes de disacusia sensorioneu-
ral na infância restringem a experienciação auditiva no início da vida,
alterando o desenvolvimento auditivo e de linguagem e interferindo
no desenvolvimento mental, social e educacional da criança.
As alterações auditivas decorrentes de comprometimento do
sistema tímpano-ossicular, de caráter flutuante, podem comprome-
ter a habilidade de processamento dos estímulos sonoros cujos
parâmetros acústicos variam em função da diminuição temporária
e periódica da acuidade auditiva (BAMFORD & SAUNDERS, 1991).
As alterações auditivas decorrentes de comprometimento
anatomofuncional do Sistema Nervoso Central interferem direta-
mente na habilidade de processamento dos estímulos acústicos e
conseqüentemente no desenvolvimento da linguagem e do apren-
dizado.
Por esta razão, crianças consideradas de risco para distúrbios
de audição devem ser submetidas a uma avaliação auditiva no início
da vida e a um acompanhamento audiológico, que permite monito-
rar o desenvolvimento da audição e identificar qualquer tipo de
alteração auditiva ainda no período ideal de estimulação.

IDENTIFICAÇÃO PRECOCE: TRIAGENS


AUDITIVAS NEONATAIS
O objetivo de identificar precocemente as alterações auditivas
ainda não foi totalmente atingido. O período entre a suspeita da
deficiência auditiva pelos familiares e o diagnóstico audiológico
ainda permanece muito longo. Na maioria dos casos, apesar da
suspeita da perda auditiva ocorrer durante o primeiro ano de vida,
o diagnóstico ocorre apenas entre o segundo e terceiro ano de
vida e a intervenção fonoaudiológica após o terceiro ano, perden-
do-se assim o período crítico e optimal de estimulação.
Inúmeros programas de identificação e intervenção precoce têm
sido desenvolvidos com o objetivo de reduzir a idade média do
diagnóstico auditivo na infância. Desde a década de 60, propostas
de triagem auditiva em berçários vêm sendo descritas. As primeiras
propostas (DOWNS & STERRITT, 1964) sugeriam a triagem auditiva
comportamental ao nascimento para todas as crianças. Como a
prevalência de perda auditiva na população geral (1:1.000) era
Avaliação Audiológica no Primeiro Ano de Vida 241

muito menor do que na população considerada de risco (1:50),


optou-se por recomendar a triagem auditiva em berçários apenas
para as crianças que tivessem em sua história pregressa e clínica
algum dos fatores de risco para surdez descritos pelo JOINT COMMITTEE
ON INFANT HEARING (1982). Avanços tecnológicos possibilitaram a
substituição da triagem auditiva comportamental pela eletrofisioló-
gica (audiometria de respostas elétricas do tronco cerebral), man-
tendo-se como população-alvo a de risco para deficiência auditiva.
Nos últimos anos, verificou-se que o uso do registro de alto risco
para a seleção das crianças que deveriam ser triadas auditivamente
ao nascimento não era tão eficiente. Cerca de 30 a 50% das crianças
com deficiência auditiva não seriam consideradas de risco pelo
critério e, portanto, não seriam identificadas nos primeiros meses de
vida (NATIONAL INSTITUTES OF HEALTH, 1993).
Atualmente, recomenda-se a triagem auditiva universal atra-
vés das Emissões Otoacústicas Evocadas (WRITE, VOHR, BEHRENS,
1993). No Projeto de RHODE ISLAND (WRITE, VOHR, BEHRENS ,
1993), 1.850 recém-nascidos, sendo 1.454 do berçário comum e
304 da unidade de terapia intensiva neonatal, foram triados
auditivamente através das medidas das emissões otoacústicas
evocadas, obtendo-se uma prevalência de disacusia sensorio-
neural de 1,5 a 5,9 para 1.000 nascimentos e de perdas auditivas
condutivas de 20:1.000. A prevalência de alterações auditivas
variou e função do tipo de população testada. No berçário comum
a prevalência de disacusia sensorioneural foi de 2,59:1.000,
elevando-se para 23,03:1.000 nos recém-nascidos de UTI neona-
tal. A prevalência de comprometimento de orelha média também
foi maior em recém-nascidos de UTI neonatal (36,18:1.000) em
relação aos de berçário comum (16,18:1.000).
No Brasil, nos últimos anos, programas de identificação pre-
coce dos distúrbios de audição vêm sendo desenvolvidos junto à
população de alto e baixo risco, utilizando-se de procedimentos de
triagem comportamental e eletrofisiológica (AZEVEDO, 1991 a;
CHAPCHAP, 1994; BASSETTO, 1994; C ASTRO J R., 1991; AZEVEDO,
1996; CHAPCHAP, 1996; B ASSETTO & RAMOS, 1996). A ocorrência
de disacusia sensorioneural obtida nestes estudos nacionais
variou de 2,5 a 9% em crianças de alto risco e de 0,2 a 0,85% em
crianças de baixo risco. A ocorrência de comprometimento de
orelha média variou de 8,5 a 15% na população de baixo risco e
de 25 a 35% na população de alto risco.
No Programa de Acompanhamento Multidisciplinar de Neo-
natos de Alto Risco, desenvolvido desde 1987 na Universidade
Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina, a idade
média do diagnóstico audiológico obtida foi de 6,6 meses e a
idade média da intervenção (prótese auditiva e terapia) foi de
9,8 meses (AZEVEDO , 1996).
Desta forma, a implementação de programas de identificação
precoce dos distúrbios da audição possibilita a realização do diagnós-
tico audiológico e da intervenção fonoaudiológica ainda no primeiro
242 Fonoaudiologia Prática

ano de vida, conforme recomendação do HEALTH PEOPLE 2000 (U.S.


DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES –HHS, 1990).

POPULAÇÃO QUE DEVE SER AVALIADA DURANTE O


PRIMEIRO ANO DE VIDA
A avaliação audiológica comportamental e o acompanhamen-
to audiológico do desenvolvimento auditivo no primeiro ano de
vida permitem a identificação, tanto das alterações da acuidade
auditiva, detectando-se as perdas condutivas e sensorioneurais,
quanto das alterações do processamento auditivo central. Tal
avaliação torna-se imprescindível para a seleção de prótese
auditiva visto que fornece o tipo e o grau da perda, a configuração
audiométrica, a área dinâmica da audição e a informação sobre os
níveis de desconforto e de recrutamento.
A avaliação auditiva deve ser realizada durante o primeiro ano
de vida em:
1. crianças que apresentem em sua história pregressa e
antecedentes a presença de algum dos indicadores de risco para
a deficiência auditiva periférica e/ou central de acordo com o
critério adaptado da proposta do JOINT COMMITTEE ON INFANT
HEARING em 1994 (Quadro 11.1);
2. crianças que tenham permanecido em Unidade de Terapia
Intensiva Neonatal por mais de 5 dias;
3. crianças, com ou sem risco auditivo, que falharam em
triagens auditivas neonatais.
4. crianças que passaram na triagem auditiva neonatal, po-
rém, apresentam risco de:
• perda auditiva progressiva (história familiar, infecções con-
gênitas, neurofibromatose tipo II e distúrbios neurodegene-
rativos);
• perda auditiva transitória (otites persistentes ou recorrentes,
deformidades anatômicas e outros distúrbios que afetem a
função da tuba auditiva – Síndrome de Down/Treacher
Collins/lesões labiopalatais, etc.) ou
• distúrbio do processamento auditivo central (hemorragia
ventricular, asfixia perinatal, hiperbilirrubinemia, etc.).

ROTINA DE ATENDIMENTO RECOMENDADA


1. Anamnese e análise do prontuário hospitalar da criança.
2. Observação do desenvolvimento global.
3. Observação das respostas comportamentais a estímulos
sonoros.
4. Audiometria com reforço visual.
5. Observação das respostas a estímulos verbais: reação à
voz, detecção de voz e reconhecimento de comandos verbais.
6. Avaliação das condições da orelha média.
Avaliação Audiológica no Primeiro Ano de Vida 243

1. Anamnese e análise do prontuário


hospitalar da criança
A anamnese deve ser realizada com os familiares, registran-
do-se os dados de identificação, antecedentes familiares, históri-
co e evolução clínica da criança, além das informações sobre o
desenvolvimento motor, auditivo e de linguagem.
Procura-se verificar a presença de indicador de risco para
distúrbio da audição de acordo com o critério descrito no
Quadro 11.1.

QUADRO 11.1 – Indicadores de risco para deficiência auditiva periférica e central.


1. Antecedentes familiares de disacusia sensorioneural hereditária. Consangüinidade
materna.*
2. Infecções congênitas (rubéola, sífilis, citomegalovírus, herpes e toxoplasmose)
3. Malformações craniofaciais incluindo as de pavilhão auricular e meato acústico externo
4. Peso de nascimento inferior a 1.500 g. Criança pequena para idade gestacional*
5. Hiperbilirrubinemia – exsangüineotransfusão
6. Medicação ototóxica (aminoglicosídeos, associação com diuréticos, agentes quimio-
terápicos)
7. Meningite bacteriana
8. Apgar de 0 a 4 / 1º minuto ou 0 a 6 / 5º minuto
9. Ventilação mecânica (> 5 dias)
10. Síndromes
11. Alcoolismo materno ou uso de drogas psicotrópicas na gestação*
12. Hemorragia ventricular*
13. Permanência na incubadora (> 7 dias)*
14. Convulsões neonatais*
15. Otite média recorrente ou persistente para mais de 3 meses
16. Suspeita dos familiares de atraso de desenvolvimento de fala, linguagem e audição
17. Traumatismo craniano com perda de consciência ou fratura craniana
Adaptação do critério proposto pelo JOINT COMMITTEE ON INFANT HEARING , 1994.
* Itens acrescentados pelo autor.

2. Observação do desenvolvimento global


Antes da realização da avaliação audiológica recomenda-se a
observação e o registro do desenvolvimento global da criança,
incluindo os aspectos motores, mentais, auditivos e de linguagem.
Para tanto, o Roteiro de Observação do Desenvolvimento
Global, adaptado do proposto por COSTA e cols. (1992), pode ser
utilizado (Tabela 11.1). Este instrumento foi aplicado em 396
crianças, sendo 194 nascidas a termo e sem intercorrências e 202
nascidas pré-termo e atendidas em unidade de terapia intensiva
neonatal da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista
de Medicina. A porcentagem de ocorrência de cada comporta-
mento observado nas crianças estudadas encontra-se descrita ao
lado direito da tabela, assinalada com asterisco quando houve
diferença estatisticamente significante entre os grupos estudados.
244 Fonoaudiologia Prática

TABELA 11.1 – Roteiro de observação do desenvolvimento global.


0 – 3 meses Freqüência
Nº = 47 – T = 25/PT = 22 de ocorrência
Termo Pré-termo
(%) (%)
• Acorda ou assusta com barulho 100 100
• Deitado de costas, movimenta a cabeça de um lado para o outro 97,8 95,5
• De bruços, levanta momentaneamente a cabeça e move as pernas 88,2 63,6
• Move ambas as mãos ao mesmo tempo 97,8 86,4
• Olha para o seu rosto 100 95,5
• Sorri 91,1 72,7
• Produz sons 91,1 68,2

3 – 5 meses
Nº = 51 – T = 24/PT = 27

• Segue objeto em movimento 100 81,5


• Sustenta a cabeça 87,5 77,8
• De bruços, levanta a cabeça 90° 100 70,4
• Vocaliza 100 81,5
• Brinca com as mãos 100 77,8
• Grita 100 85,2
• Volta a cabeça quando chamado 79,2 55,6

5 – 7 meses
Nº = 58 – T = 27/PT = 31

• Senta-se com apoio 100 74,2*


• Levanta a cabeça e tronco apoiando-se nas mãos 100 71*
• Sustenta a cabeça quando sentado 100 74,2*
• Rola 92,6 58,1*
• Arrasta-se 81,5 45,2*
• Pega objetos (preensão palmar) 100 77,4
• Volta a cabeça quando chamado 100 48,4*
• Ri alto 100 96,8
• Vocaliza 100 90,3

7 – 9 meses
Nº = 56 – T = 28/PT = 28

• Transfere objetos de uma mão para outra 100 64,3*


• Senta-se sem apoio momentaneamente 96,4 53,5*
• Fica em pé momentaneamente ao ser segurado pelas mãos 92,9 53,6*
• Pega dois objetos um em cada mão 100 82,1
• Come bolacha sozinho 92,9 75
• Brinca chacoalhando um brinquedo 100 78,6
• Balbucia (produz sílabas) 100 78,6
• Aumenta o balbucio na presença de pessoas 100 78,6*

9 – 11 meses Freqüência
Nº = 60 – T = 37/PT = 23 de ocorrência

Termo Pré-termo
(%) (%)

• Senta sem apoio 100 78,3*


• Preensão em pinça 100 78,3
• Fica em pé com apoio 94,6 56,1*
• Levanta do berço 94,6 39,1*
• Engatinha 83,8 30,4*
• Brinca de esconde-esconde 94,6 73,9
• Balbucio duplicado (mama dada) 97,3 82,6
• Reconhece ordens simples 78,4 30,4*

11 – 13 meses
Nº = 50 – T = 28/PT = 22

• Senta sozinho 100 86,4


• Anda com apoio 100 63,6*
• Repete sons produzidos 94,4 72,7
• Emite palavras com significado 75 50
• Reconhece ordens, dá tchau, bate palmas 89,3 54,5*

* Diferença estatisticamente significante entre os grupos.


Avaliação Audiológica no Primeiro Ano de Vida 245

A observação do desenvolvimento global da criança torna-se


importante para que se possam adaptar os procedimentos de
avaliação audiológica às habilidades motoras e mentais da crian-
ça. Desta forma, se a criança não sustenta a cabeça, um apoio de
cabeça deve ser fornecido para que se possa observar a localiza-
ção sonora.

3. Observação das respostas


comportamentais a estímulos sonoros
Descrição do procedimento
A observação das respostas comportamentais a estímulos
acústicos parte do princípio de que um estímulo sonoro produz
uma mudança detectável de comportamento na criança (NORTHERN
& DOWNS, 1991).
Para que esta observação seja fidedigna, alguns cuidados
devem ser tomados:
a) Realizar a observação preferencialmente em sala acustica-
mente tratada. No caso da observação estar sendo realizada em
berçários ou consultórios, o nível de ruído ambiental da sala deve
ser medido e registrado.
b) Registrar os espectros dos estímulos acústicos utilizados,
à distância específica de testagem, mantendo-se a mesma força
de percussão.
c) Verificar o estado da criança pré-estimulação.Recomenda-
se utilizar os estados de consciência descritos por BRAZELTON
(1984):
Estado 1 – Sono profundo – Neonato com respiração
regular, olhos fechados (sem movimentos sob as pálpebras)
sem atividade espontânea, com exceção de estremecimentos
ou movimentos equivalentes em intervalos regulares, rapida-
mente inibidos.
Estado 2 – Sono leve – Neonato de olhos fechados, com
movimentos rápidos de olhos observáveis sob as pálpebras
fechadas, baixo nível de atividade, respondendo a estímulos
externos com movimentos de sobressalto ou mudança de estado.
Estado 3 – Sonolência – Neonato com olhos abertos ou
fechados, pálpebras em movimentação constante, nível de ativi-
dade variável com leves sobressaltos reagindo a estímulos exter-
nos com certa demora e mudando de estado pós-estimulação.
Estado 4 – Alerta – Neonato com olhar luminoso, focalizando
a atenção na fonte do estímulo visual ou auditivo,com atividade
motora mínima.
Estado 5 – Olhos abertos – Com atividade motora razoável
e movimentos bruscos de extremidades, incluindo sobressaltos
espontâneos e choramingo.
Estado 6 – Choro – Neonato em choro intenso, difícil de ser
interrompido por apresentação de estímulo.
246 Fonoaudiologia Prática

Não se recomenda observação das respostas comportamen-


tais frente a estímulos sonoros nos estados 1, 5 e 6 descritos por
BRAZELTON.
As crianças de até 3 meses devem ser avaliadas preferen-
cialmente em estado de sono leve conforme recomendação de
TAYLOR & M ENCHER (1972) e NORTHERN & DOWNS (1991) para
redução da probabilidade de respostas ao acaso. Entretanto,
para se pesquisar as respostas de orientação ao som conforme
proposto por MUIR & F IELD (1979) e COSTA e cols. (1993), o
recém-nascido precisa estar em estado de alerta. A partir dos 3
meses de idade as crianças são testadas sempre em alerta,
sentadas ou apoiadas no colo da mãe.
d) Verificar na apresentação dos estímulos:
• Ordem de apresentação – os estímulos devem ser apresen-
tados em ordem crescente de intensidade.
• Distância da fonte sonora – 20 cm do pavilhão auricular.
• Duração do estímulo – varia em função da idade da criança:
recém-nascido – 20s
até 3 meses – 10s
a partir de 3 meses – 2s
• Intervalo entre os estímulos – 30s
• Posição da fonte sonora – lateral, 90° à direita e à esquerda
– a partir de 6 meses incluir abaixo e acima (20 cm) do pavilhão
e) Evitar a interferência dos pais na resposta da criança
através de orientação prévia ou uso de recursos, tais como o uso
de fone na mãe, com música, para evitar que perceba quando o
estímulo acústico está sendo eliciado próximo a seu filho.
f) Evitar pistas visuais – utilizar dois instrumentos sonoros
posicionados um de cada lado da cabeça da criança, acionando
apenas um.
g) Usar um brinquedo pouco atrativo para distrair a criança a
partir de 4 meses de idade.
h) Registrar a resposta quando houver concordância de dois
observadores em relação a sua ocorrência.

Classificação das respostas


As respostas obtidas são registradas na ficha de resposta, de
acordo com a classificação proposta por AZEVEDO (1991b):
• Respostas reflexas e/ou automáticas inatas:
Reflexo cocleopalpebral (RCP): contração do músculo orbi-
cular do olho que pode ser observada por meio da movi-
mentação palpebral.
Reação de sobressalto (Startle): reação corporal global que
pode aparecer como Reação de Moro (completo ou incom-
pleto) ou como um estremecimento corporal com movi-
mentação súbita de membros.
• Atenção ao som (A) – Respostas indicativas de atenção ao
som, tais como parada de atividade ou de sucção, abrir a
Avaliação Audiológica no Primeiro Ano de Vida 247

rima palpebral ou movimentos faciais como o franzir da testa


ou o elevar das sobrancelhas.
• Procura da fonte sonora (PF) – Considerada quando a
criança busca a direção da fonte sonora, olhando ao redor,
sem entretanto localizá-la corretamente.
• Localização lateral (LL) – Quando a criança volta a cabeça
ou o olhar imediatamente na direção da fonte sonora.
• Localização de sons para baixo (LB) – Quando a criança
localiza a fonte sonora situada 20 cm abaixo do pavilhão
auricular no plano lateral.
• Localização de sons para cima (LC) – Quando a criança
localiza a fonte sonora situada 20 cm acima do pavilhão
auricular no plano lateral.
• Localização da fonte sonora situada abaixo e acima do
pavilhão auricular – Pode ser indireta (quando a criança
olha primeiramente para o lado e depois para a fonte) ou
direta (quando a criança olha diretamente para a fonte).
Nas crianças de até 3 meses, a pesquisa do fenômeno de
habituação também é realizada conforme descrito por SACALOSKI,
SUZUKI, AZEVEDO (1993).

Descrição dos procedimentos por faixa etária e


dos resultados obtidos em população de baixo e
de alto risco
Aplicando o procedimento descrito para observação compor-
tamental frente a estímulos sonoros em 396 crianças, 194 nasci-
das a termo sem intercorrências e 202 nascidas pré-termo aten-
didas em UTI neonatal, observou-se que as respostas variam em
função do estímulo eliciador. Os estímulos sonoros superiores a
90 dB NPS eliciam preferencialmente respostas reflexas e auto-
máticas inatas, enquanto que os inferiores a 90 dB NPS eliciam
respostas mais elaboradas.

Recém-nascido a 3 meses
• Procedimento
A criança, em estado de sono leve, é colocada deitada, livre de
cobertas para facilitar a observação das respostas corporais.
Os estímulos sonoros de 70 a 80 dB NPS (guizo e sino) são
acionados em ordem crescente de intensidade,no plano lateral
à direita e à esquerda, com 10 a 20s de duração, à distância de
20 cm do pavilhão auricular. Espera-se observar respostas de
atenção . Quando a criança estiver em alerta, verificar a ocorrên-
cia de resposta de orientação ao som, acionando o estímulo por
20s, estando a criança na posição facilitadora (com apoio de
cabeça). A resposta de orientação ao som aparece em 50 a 70%
dos neonatos, sendo que há decréscimo de resposta com o
aumento da idade (MUIR & FIELD, 1979; FIELD e cols, 1980;
COSTA, 1993; C OSTA e cols., 1993).
248 Fonoaudiologia Prática

Os estímulos sonoros de 90 a 100 dB NPS (black-black e


agogô) devem ser acionados da mesma forma, com 2s de dura-
ção. Espera-se observar resposta reflexa (reflexo cocleopalpebral)
e automática inata (reação de sobressalto).
Pesquisa-se também a habituação a estímulos repetidos.
Espera-se que a reação de sobressalto diminua ou desapareça na
segunda apresentação realizada com curto espaço de tempo
(SACALOSKI e cols., 1993; AZEVEDO, 1996).

• Resultados
Respostas observadas por AZEVEDO (1993) em 50 crianças
nascidas a termo sem intercorrências de até 3 meses de idade:
Idade Crianças Sobressalto Atenção RCP
(meses) (nº) (%) (%) (%)
0–1 16 56,3 25 100 Habituação
1–2 21 33,3 38 100 2º
2–3 13 23 76,9 100 estímulo

Respostas observadas por AZEVEDO (1993) em 70 crianças


nascidas pré-termo e atendidas em UTI neonatal de até 3 meses
de idade.

Idade Crianças Sobressalto Atenção RCP


(meses) (nº) (%) (%) (%)
0–1 25 52 8 96 Habituação
1–2 23 43,4 30,4 100 3º
2–3 22 36,3 45,5 100 estímulo

A análise estatística realizada demonstrou não haver diferen-


ças significantes em relação ao sexo e entre os grupos.

De 3 a 6 meses
• Procedimento
Criança em alerta, recostada ou sentada no colo da mãe, com
brinquedo pouco atrativo à frente para distrair sua atenção.
Estímulos sonoros de 60 a 70 dB NPS são acionados em
ordem crescente de intensidade, no plano lateral, à direita e à
esquerda, com 2s de duração, à distância de 20 cm do pavilhão
auricular. Espera-se observar, nas crianças de 3 meses, respos-
tas de atenção e nas crianças de 4 e 5 meses respostas de procura
da fonte e localização.
Pesquisa do reflexo cocleopalpebral com estímulos de 90 a
100 dB NPS (black-black e agogô), que deve estar presente.

• Resultados
Respostas observadas por AZEVEDO (1993) em 37 crianças
nascidas a termo e sem intercorrências de 3 a 6 meses:
Avaliação Audiológica no Primeiro Ano de Vida 249

Idade Crianças Atenção Procura Localização RCP


(meses) (nº) (%) da fonte (%) (%) (%)
3–4 11 81 9 0 100
4–5 13 23 15,3 46,1 100
5–6 13 0 0 100 100

Respostas observadas por AZEVEDO (1993) em 42 crianças


nascidas pré-termo e atendidas em UTI neonatal:

Idade Crianças Atenção Procura Localização RCP


(meses) (nº) (%) da fonte (%) (%) (%)
3–4 15 46,6 0 0 100
4–5 12 50 25 8,3 100
5–6 15 60 26,6 13,3 100

A análise estatística realizada demonstrou não haver diferen-


ças estatisticamente significantes em relação ao sexo, havendo,
entretanto, diferenças significantes entre os grupos: predomínio
das respostas de localização nas crianças de baixo risco.

De 6 a 9 meses
• Procedimento
Criança em alerta, sentada no colo da mãe com brinquedo
pouco atrativo distraindo-a.
Estímulos sonoros de 50 a 60 dB NPS (guizo único) são
acionados em ordem crescente de intensidade, no plano lateral,
à direita e à esquerda, e 20 cm abaixo e acima do pavilhão
auricular. Espera-se observar respostas de localização (direita e
esquerda) e localização indireta para baixo e para cima.
Pesquisa do reflexo cocleopalpebral com estímulo sonoro de
100 dB NPS (agogô), que deve estar presente.

• Resultados
Respostas observadas por AZEVEDO (1993) em 42 crianças
nascidas a termo sem intercorrências:

Idade Crianças Localização Indireta Indireta RCP


(meses) (nº) (%) para baixo para cima (%)
(%) (%)
6–7 15 100 50 0 100
7–8 14 100 71,4 35,7 100
8–9 13 100 100 100 100

Respostas observadas por AZEVEDO (1993) em 44 crianças


nascidas pré-termo e atendidas em UTI neonatal:
250 Fonoaudiologia Prática

Idade Crianças Localização Indireta Indireta RCP


(meses) (nº) (%) para baixo para cima (%)
(%) (%)
6–7 16 17,6 0 0 100
7–8 14 100 21,4 7,1 100
8–9 14 100 50 28,6 100

A análise estatística demonstrou não haver diferenças de


respostas entre os sexos, havendo diferença estatisticamente
significante entre os grupos. O grupo de baixo risco apresentou
respostas mais elaboradas.

De 9 a 13 meses
• Procedimento
Criança em alerta, sentada no colo da mãe com brinquedo
pouco atrativo em sua frente.
Estímulos sonoros de 40 a 50 dB NPS (guizo único com
aumento da distância) são acionados em ordem crescente de
intensidade, no plano lateral, à direita e à esquerda, abaixo e
acima do pavilhão auricular. Espera-se observar respostas de
localização à direita e à esquerda, direta para baixo e indireta para
cima. A partir dos 12 meses pode-se encontrar a localização direta
para cima.
Pesquisa do reflexo cocleopalpebral com estímulo sonoro de
100 dB NPS (agogô), o qual deve estar presente.

• Resultados
Respostas observadas por AZEVEDO (1993) em 64 crianças
nascidas a termo e sem intercorrências:

Idade Crianças Loc/D/E Direta/baixo Direta RCP


(meses) (nº) (%) Indireta/cima baixo/cima (%)
(%) (%)
09 – 10 26 100 34,6 0 100
10 – 11 12 100 100 0 100
11 – 12 11 100 100 0 100
12 – 13 13 100 84,6 15,4 100

Respostas observadas por AZEVEDO (1993) em 46 crianças


nascidas pré-termo e atendidas em UTI neonatal:

Idade Crianças Loc/D/E Direta/baixo Direta RCP


(meses) (nº) (%) Indireta/cima baixo/cima (%)
(%) (%)
09 – 10 13 100 15,4 0 100
10 – 11 11 100 27,3 0 100
11 – 12 11 100 63,6 0 100
12 – 13 11 100 81,8 18,2 100
Avaliação Audiológica no Primeiro Ano de Vida 251

A análise estatística revelou que as crianças de baixo risco


apresentam respostas mais elaboradas do que as de alto risco,
sendo que existe uma tendência à recuperação do atraso de
respostas das crianças de alto risco no final do primeiro ano de vida.
As respostas comportamentais observadas em crianças de
baixo e alto risco durante o primeiro ano de vida aparecem
resumidas na Tabela 11.2.

TABELA 11.2 – Resumo das respostas a sons de crianças de baixo e alto risco
(AZEVEDO, 1993).
Idade Estímulos acústicos Respostas
meses (NPS)
Termo Pré-termo
Recém-nascido – 3 70 – 80 dB Atenção Atenção
Orientação
90 – 100 dB Sobressalto Sobressalto
RCP RCP
3–6 60 – 70 dB Atenção (3 meses) Atenção
Procura fonte Procura fonte
local. (5 meses) *
90 – 100 dB RCP RCP
Sobressalto
6–9 50 – 60 dB Local. lateral Local. lateral
Indireta baixo Indireta baixo
Indireta cima *
100 dB RCP RCP
9 – 13 40 – 50 dB Local. lateral Local. lateral
Direta baixo Direta baixo
Indireta cima Indireta cima
100 dB RCP RCP
* Diferença estatisticamente significante.

Análise da qualidade da resposta: sinais


sugestivos de alteração do processamento
auditivo central
Na observação das respostas comportamentais a estímulos
sonoros deve-se também verificar a ocorrência de sinais sugesti-
vos de alteração do processamento auditivo central,conforme
proposto por AZEVEDO e cols. (1995):
1. Respostas exacerbadas – quando ocorre desproporção
entre a magnitude da resposta e o nível de pressão sonora do
estímulo acústico. Presença de reflexo cocleopalpebral ou reação
de sobressalto para sons inferiores a 90 dB NPS.
2. Dificuldade de localização sonora com acuidade auditiva
normal.
3. Ausência de habituação a estímulos repetidos.
4. Aumento da latência de resposta, na ausência de compro-
metimento do sistema tímpano-ossicular.
252 Fonoaudiologia Prática

5. Ausência de reflexo cocleopalpebral com acuidade auditiva


normal.
6. Inconsistência de respostas a tons puros, com melhores
respostas para sons de espectro amplo.
7. Necessidade de aumentar a duração do estímulo acústico
para eliciar resposta.
Trabalhos realizados demonstraram existir correlação positi-
va entre a presença destes sinais e resultados anormais à
avaliação neurológica (ZANCHETTA e cols., 1995; AZEVEDO, 1996)
e um predomínio destes sinais em crianças com asfixia e hemor-
ragia ventricular ao nascimento (AZEVEDO, 1996).

Estudo do desenvolvimento auditivo


A avaliação audiológica realizada periodicamente durante o
primeiro ano de vida permite verificar a evolução das habilidades
de resposta a estímulos acústicos com o aumento da idade, que
reflete a processo de maturação do Sistema Nervoso Central.
Desta forma, avaliações audiológicas periódicas possibilitam ca-
racterizar o desenvolvimento auditivo de cada criança classifican-
do-o em:
Normal – Quando as respostas obtidas em todas as avalia-
ções realizadas encontram-se dentro do padrão de normalidade.
Freqüentemente encontrado em crianças ouvintes normais nasci-
das a termo e sem intercorrências (AZEVEDO e cols., 1995).
Atraso de desenvolvimento – Quando as respostas obtidas
nas avaliações encontram-se abaixo do padrão de normalidade,
alcançando-o porém, no último trimestre do primeiro ano. Fre-
qüentemente encontrado em crianças ouvintes nascidas pré-
termo que necessitaram de cuidados intensivos neonatais (AZE-
VEDO e cols., 1995). Este atraso pode estar relacionado ao
processo de maturação do sistema nervoso central e/ou a altera-
ções transitórias do sistema nervoso central decorrentes das
intercorrências clínicas neonatais.
Distúrbio do desenvolvimento – Quando as respostas obti-
das em todas as avaliações se mantêm sempre abaixo do padrão
de normalidade. Freqüentemente encontrado em crianças ouvin-
tes com alteração do processamento auditivo central (AZEVEDO e
cols., 1995).

4. Audiometria com reforço visual


A Audiometria com Reforço Visual é realizada através de
condicionamento estímulo-resposta-reforço visual, conforme pro-
posto por SUZUKI & OGIBA (1961) e LIDÉN & KANKKUNEN (1969).
Desta forma, decrescendo-se o nível de intensidade dos tons
puros modulados,obtém-se os níveis mínimos de resposta para
cada freqüência sonora pesquisada.
MATKIN (1977) recomenda o uso do termo “nível mínimo de
resposta” ao invés de “limiar auditivo” na avaliação audiológica
Avaliação Audiológica no Primeiro Ano de Vida 253

realizada nos primeiros anos de vida, devido a melhora de


respostas que ocorre com a maturação: os níveis de respostas a
tons puros tendem a se aproximar dos níveis dos adultos com o
aumento da idade.
A Audiometria com Reforço Visual é indicada para crianças
nascidas a termo a partir de 5 ou 6 meses de idade (L IDÉN &
KANKKUNEN, 1969; THOMPSON & WEBER, 1974; M OORE, e cols;
1975; MOORE, WILSON, THOMPSON, 1977; ASHA , 1991; AZEVE-
DO ,1993; AZEVEDO , 1996) e para crianças nascidas pré-termo a
partir de 8 meses de idade corrigida, 6 meses de idade mental
(HIRSCH, 1991; MOORE, THOMPSON, FOLSON, 1992) ou 9 meses de
idade cronológica (AZEVEDO, 1993).
O tipo de reforço visual utilizado na Audiometria com Reforço
Visual pode ser simples (luz que acende) ou complexo (brinquedo
animado ou filme). Estudos têm demonstrado que o tipo de reforço
interfere na ocorrência de resposta, principalmente entre 5 e 11
meses de idade, sendo que o reforço visual animado propicia
melhores respostas que o estímulo luminoso, que, por sua vez,
elicia melhores respostas que o reforço social (MOORE, THOMPSON,
THOMPSON, 1975; MOORE, WILSON, THOMPSON, 1977).
No Programa de Acompanhamento Multidisciplinar de Neona-
tos de Risco da Universidade Federal de São Paulo/Escola
Paulista de Medicina, a audiometria com reforço visual é realizada
com o audiômetro pediátrico, modelo PA-2, da Interacoustics, que
produz tons puros modulados (warble) nas freqüências de 500 Hz,
1.000 Hz, 2.000 Hz e 4.000 Hz a 80 dB NA, 60 dB NA, 40 dB NA
e 20 dB NA. Os tons puros modulados são apresentados em
intensidade decrescente, a 20cm do pavilhão auricular, à direita e
à esquerda, nas freqüências de 1.000 Hz, 2.000 Hz, 4.000 Hz e
500 Hz, nesta ordem. A resposta de localização sonora de virar a
cabeça em direção ao som é reforçada acionando-se o estímulo
luminoso. Considera-se como nível mínimo de resposta a menor
intensidade em que a localização de tons puros ocorreu para cada
freqüência sonora testada.
Desta forma, a Audiometria com Reforço Visual pôde ser
aplicada em 94% das crianças de 6 a 9 meses de idade e em
todas as crianças a partir de 9 meses de idade, no grupo de
baixo risco e em 45% das crianças de 6 a 9 meses e 94% das
crianças de 9 a 13 meses, na população de alto risco (AZEVEDO,
1993; AZEVEDO e cols., 1995). Tais níveis de resposta variaram
em função do sexo, (as meninas deram melhores respostas), da
freqüência sonora (melhores respostas para as freqüências de
1.000 e 2.000 Hz) e em função da idade (melhores respostas
com aumento da idade).
Os valores recomendados como níveis mínimos de resposta
para tons puros para cada faixa etária (AZEVEDO, 1993) aparecem
na Tabela 11.3.
Através da Audiometria com Reforço Visual pode-se também
obter os níveis mínimos de resposta por via óssea. As respostas
254 Fonoaudiologia Prática

por via óssea através da Audiometria com Reforço Visual pude-


ram ser obtidas em 83% das crianças de 7 a 20 meses em trabalho
realizado por REIS (1996). Os níveis mínimos de resposta médios
obtidos foram de 35 dB para as freqüências de 500 e 1.000 Hz, de
40 dB em 2.000 Hz e 45 dB em 4.000 Hz.

T ABELA 11.3 – Audiometria com reforço visual: níveis mínimos de resposta espera-
dos por faixa etária (AZEVEDO, 1993).
Idade (meses) Nível mínimo de resposta (dB NA)
3–6 60 – 80
6–9 40 – 60
9 – 13 20 – 40

5. Observação das respostas a estímulos


verbais: reação à voz, detecção de voz e
reconhecimento de comandos verbais
Reação à voz familiar
A pesquisa da reação à voz familiar é indicada para crianças
de até 6 meses de idade. Observa-se e registra-se a reação da
criança diante da fala materna, que normalmente é rica em
entonação, emitida lateralmente, à direita e à esquerda do
pavilhão auricular da criança, sem fornecer pistas visuais. A
ocorrência de reação à voz em crianças de até 6 meses é
superior a 78% (AZEVEDO, 1993) e o tipo de resposta varia em
função da idade da criança. As crianças de até 3 meses
apresentam respostas de atenção, principalmente parada de
atividade e acalmar-se diante da voz materna. As crianças de 3
a 6 meses apresentam respostas de procura da fonte e localiza-
ção .
A partir dos 6 meses, a criança responde tanto à voz materna
quanto para a voz do examinador. Portanto, a partir desta idade,
é possivel obter-se os níveis mínimos de resposta no qual a
criança é capaz de detectar sons.

Pesquisa do nível de detecção da voz


A partir de 6 meses, a criança é colocada sentada no colo da
mãe entre dois alto-falantes posicionados a 50 cm de seu pavilhão
auricular. O estímulo sonoro utilizado é o nome da criança emitido
pelo examinador através do alto-falante, com técnica de apresen-
tação ascendente, do silêncio para o som. A primeira resposta de
localização, virar de cabeça em direção ao estímulo verbal, é
considerada o nível da detecção da voz. Estudo realizado em
crianças normais demonstrou que crianças de 6 a 13 meses
Avaliação Audiológica no Primeiro Ano de Vida 255

apresentam níveis de detecção da voz de 30 a 35 dB NA (SOARES,


RIBEIRO, AZEVEDO, 1996).

Pesquisa do reconhecimento de comandos


verbais
A pesquisa do reconhecimento de comandos verbais pode ser
realizada a partir de 9 meses de idade, conforme sugerido por
AZEVEDO (1991). Tal reconhecimento parece evoluir, dos níveis
mais simples para os mais complexos: as crianças de 8 a 10
meses inibem suas atividades ao reconhecer a palavra “não”
(COPLAN, 1983; BOONE & PLANTE, 1993). Entre 9 e 13 meses as
crianças são capazes de reconhecer comandos verbais simples,
tais como: “dá tchau! joga beijo! bate palma!” (HODGSON , 1985;
AZEVEDO, 1991; AZEVEDO, 1993).
O procedimento de avaliação para pesquisa do reconheci-
mento de comandos verbais consiste na verificação da ocorrên-
cia do reconhecimento e do nível de comandos verbais reconhe-
cido. Para tanto, a classificação de comandos verbais descrita
por AZEVEDO (1991) pode ser utilizada (Tabela 11.4).
Na avaliação de 65 crianças nascidas a termo e sem
intercorrências de 9 a 13 meses de idade, AZEVEDO (1993)
observou um aumento da ocorrência de reconhecimento com o
aumento da idade da criança: 36%, nas crianças de 9 meses;
83,3% aos 10 meses; 86,6% aos 11 meses e 92,3% aos 12
meses. Das 65 crianças avaliadas, 44 (67,7%) foram capazes
de reconhecer comandos verbais Níveis I e II e 3 crianças (4,6%)
conseguiram reconhecer comandos verbais Nível III.
Além disto, a partir de 12 meses pode-se também verificar se
a criança consegue reconhecer seu próprio nome. Na prática
clínica tal reconhecimento ocorre entre 12 e 18 meses.
O resumo das respostas obtidas a estímulos verbais na
avaliação de 65 crianças normais (AZEVEDO e cols., 1995)
encontra-se descrito na Tabela 11.5.

T ABELA 11.4 – Apresentação das solicitações verbais utilizadas em nosso serviço


em relação à faixa etária.
Níveis de solicitação Exemplos de ordens verbais Faixa etária (meses)
I Dá tchau!
Joga beijo! 9 – 12
Bate palma!
II Cadê a chupeta?
Cadê a mamãe? 12 – 15
Cadê o sapato?
III Cadê o cabelo?
Cadê a mão? 15 – 18
Cadê o pé?
256 Fonoaudiologia Prática

TABELA 11.5 – Respostas a estímulos verbais.


Idade Tipo de Nível de detecção de voz
(meses) resposta em campo livre (dB)
0–3 Orientação ao som 50 – 60
Atenção
3–6 Procura ou localiza voz familiar 40 – 50
6–9 Localiza a voz familiar e do examinador 30 – 40
09 – 13 Reconhece comandos verbais Nível I 20 – 30
13 – 18 Reconhece o nome 20 – 00
Reconhece comandos verbais Níveis I e II

6. Avaliação das condições da orelha média


Para identificação das alterações da orelha média recomenda-
se a aplicação das medidas da imitância acústica. A literatura a
respeito do uso das medidas de imitância acústica em recém-
nascidos durante o primeiro semestre de vida é controvertida.
A validade da utilização da imitância acústica em crianças de até
7 meses de idade tem sido motivo de controvérsia. PARADISE e cols.
(1976) observaram baixa correlação entre curvas timpanométricas
e achados otoscópicos em crianças de idade inferior a 7 meses.
Como encontraram curvas timpanométricas normais em crianças
com líquido na orelha média confirmado por miningotomia, os
autores passaram a não recomendar a aplicação das medidas de
imitância acústica em crianças com idade inferior a 7 meses.
Por outro lado, G ROOTHUIS e cols. (1979) obtiveram boa
correlação entre curvas timpanométricas e achados otoscópicos
tanto em crianças acima de 7 meses quanto em crianças com
idade inferior a 7 meses.
ZARNOCH & BALKANY (1978), avaliando recém-nascidos de
berçário comum e de risco, observaram que 6 dos 7 neonatos de
risco, com presença de secreção na orelha média confirmada por
timpanocentese, apresentavam curvas timpanométricas normais.
Os autores concluíram que a otoscopia foi mais efetiva na identifica-
ção de comprometimento de orelha média do que a timpanometria.
Curvas timpanométricas com duplo pico têm sido observadas
em 20 a 80% dos recém-nascidos, sendo que sua ocorrência
diminui com o aumento da idade (KEITH, 1973; KEITH, 1975,
SPRAGUE, 1985).
Curvas timpanométricas com picos em pressões positivas
também foram obtidas em recém-nascidos (BARAJAS e cols.,
1981). Os valores de compliância obtidos na avaliação de recém-
nascidos variam de 0,48 a 1,2 ml (KEITH, 1973; KEITH, 1975;
BARAJAS e cols., 1981).
No Brasil, CAPELLINI (1996) observou baixa concordância entre
curvas timpanométricas e achados otoscópicos em recém-nasci-
dos, com elevada ocorrência de curvas do tipo B nos primeiros
Avaliação Audiológica no Primeiro Ano de Vida 257

meses de vida, diminuindo com o aumento da idade. Por outro lado,


CARVALLO (1992) encontrou curvas timpanométricas tipo A e pre-
sença de reflexo acústico (70 a 110 dB) em 50 crianças de 0 a 8
meses de idade. Entretanto, outros estudos realizados no Brasil têm
revelado ausência de reflexo acústico em recém-nascidos com um
aumento da ocorrência do reflexo e diminuição dos níveis de reflexo
com o aumento da idade (SANTOS, 1980; CAPELLINI, 1996).
Estudos têm enfatizado a necessidade de se realizar timpano-
metria e pesquisa do reflexo acústico conjuntamente para se efetuar
o diagnóstico (KEITH, 1975; SCHWARTZ & SCHWARTZ, 1978).
CARVALLO (1992) observou que a associação entre achados
timpanométricos normais e presença de reflexo acústico (com
sonda 226 Hz) seria um forte indicador de integridade do sistema
tímpano-ossicular.
No Programa de Acompanhamento Multidisciplinar de Neona-
tos de Risco da Universidade Federal de São Paulo/Escola
Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM), a identificação de compro-
metimento de orelha externa e/ou média é realizada através da
otoscopia, registro da curva timpanométrica e a presença ou
ausência do reflexo acústico ipsilateral nas freqüência 500 Hz,
1.000 Hz, 2.000 Hz e 4.000 Hz em 95 dB NPS, utilizando-se do
aparelho portátil HandtympTM .
Tais procedimentos visam identificar alterações do sistema
tímpano-ossicular, tais como as otites médias, muito freqüentes
nos primeiros anos de vida, principalmente em crianças de alto
risco que necessitaram de ventilação mecânica prolongada
(ZARNOCH & BALKANY, 1978).
As dificuldades para realização das medidas de imitância acústica
em crianças muito pequenas, tais como a vedação e o ajuste do fone
e da sonda na cabeça do neonato, foram em parte superadas com a
utilização do aparelho portátil HandtympTM, que possibilita rápida
execução tanto da curva timpanométrica quanto da pesquisa do
reflexo acústico (apenas a 95 dB NPS, ipsilateral, de 500 a 4.000 Hz).
Para validar o procedimento, 42 crianças de 0 a 12 meses de
idade foram avaliadas por diferentes examinadores, utilizando o
HandtympTM e o procedimento convencional de medida da imitância
acústica. A concordância entre os resultados foi de 97,6%.
Desta forma, nas avaliações audiológicas de neonatos e
acompanhamento audiológico de crianças de alto risco da
UNIFESP, foi possível a obtenção de curvas timpanométricas e a
pesquisa de reflexo acústico em 98% das crianças de até 3 meses
de idade nascidas a termo sem intercorrências e em 76% das
crianças de até 3 meses nascidas pré-termo e atendidas em UTI
neonatal. A maior dificuldade na aplicação do procedimento em
recém-nascidos pré-termo foi a vedação devido às reduzidas
dimensões do meato acústico externo e a presença de líquido
(vérnix) no conduto. A partir de 3 meses de idade todas as crianças
puderam ser submetidas à avaliação das condições da orelha
média através da imitância acústica.
258 Fonoaudiologia Prática

Novas pesquisas tornam-se necessárias para elucidar as


questões sobre o uso das medidas de imitância acústica em
neonatos e a correlação clínica entre achados otoscópicos e
imitanciométricos.

DIAGNÓSTICO AUDIOLÓGICO: CRITÉRIOS


UTILIZADOS PARA ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO
DOS RESULTADOS

A análise dos resultados é realizada a partir dos níveis de


referência obtidos utilizando os procedimentos de avaliação au-
diológica descritos, em crianças ouvintes de 0 a 18 meses de
idade, eutróficas nascidas a termo sem intercorrências, com
exame pediátrico e desenvolvimento normal (AZEVEDO, 1991a,
1993, 1995), resumidos na Tabela 11.6.

TABELA 11.6 – Níveis de referência das respostas auditivas de crianças normais


(AZEVEDO, 1993).
Faixa Padrão de resposta Nível mínimo Padrão de resposta Ocorrência do
etária esperado a sons de resposta na a estímulos verbais reflexo cocleo-
(meses) instrumentais ARV (tons puros palpebral
dB NA) (100 dB NPS)
0–3 Sobressalto – Acalma-se com a voz +
Atenção da mãe

3–6 Atenção 60 – 80 Procura ou localiza a +


Procura da fonte voz da mãe
Localização lateral
(D/E)

6–9 Localização lateral 40 – 60 Localiza a voz da mãe +


(D/E) e do examinador
Localização indireta
para baixo e indireta
para cima

9 – 13 Localização lateral 20 – 40 Reconhece comandos +


(D/E) verbais
Localização direta Nível I
para baixo e indireta
para cima

13 – 18 Localização lateral 20 Reconhece comandos +


(D/E) verbais
Localização direta Níveis II / III
para baixo e para
cima
Avaliação Audiológica no Primeiro Ano de Vida 259

A interpretação dos resultados para estabelecimento das


hipóteses diagnósticas é realizada através da análise dos seguin-
tes parâmetros:
1. Padrões de resposta a estímulos sonoros e sua adequação
à faixa etária da criança de acordo com critério de referência
descrito na Tabela 11.6.
2. Análise da qualidade da resposta a estímulos sonoros,
listando os sinais sugestivos de alteração do processamento
auditivo central.
3. Análise dos níveis mínimos de respostas a tons puros de
500 a 4.000 Hz obtidos na audiometria com reforço visual e
adequação à faixa etária da criança de acordo com os níveis de
referência descritos na Tabela 11.6.
4. Ocorrência do reflexo cocleopalpebral a sons intensos
(superiores a 90 dB NPS).
5. Tipo de curva timpanométrica e ocorrência do reflexo
acústico à 95 dB NPS ipsilateral verificados através do aparelho
HandtympTM .
6. Análise das respostas a sons verbais: reação à voz familiar
e reconhecimento de comandos verbais de acordo com os níveis
de referência estabelecidos para cada faixa etária (Tabela 11.6).
7. Estudo do desenvolvimento auditivo.
A interpretação dos resultados, realizada a partir dos parâme-
tros descritos, possibilita levantar-se hipóteses diagnósticas quanto
ao tipo de distúrbio auditivo e grau da perda auditiva (Quadro 11.2).

QUADRO 11.2 – Interpretação dos resultados da avaliação audiológica.


Padrão de Nível mínimo Reação à voz Reconheci- Reflexo Resultados Sugestivo
resposta a de resposta natural mento de cocleopalpe- do de:
sons instru- para tons ordens bral “Handtymp”
mentais puros (ARV)
Adequado Adequado Presente Adequado Presente Curvas n/s Audição
reflexos normal
presentes
Adequado Alterado (um Presente Adequado Ausente Curvas planas Perda de
nível acima reflexos grau leve a
do esperado) ausentes moderado
condutiva
Adequado Alterado (um Presente Alterado Presente Curvas n/s Disacusia
nível acima reflexos n.sens.
do esperado) presentes moderada
recrutante
Adequado Alterado (2 Ausente Alterado Ausente Curvas n/s Disacusia
níveis ou mais Aumentado reflexos n.sens.
acima do ausentes severo a
esperado) profundo
Alterado + Inconsistência Presente Alterado Presente ou Curvas n/s Alteração do
sinais de respostas ausente reflexos processa-
centrais ausentes ou mento
aumentados auditivo
central
260 Fonoaudiologia Prática

Aplicando-se o procedimento descrito neste capítulo, SUZUKI


(1996) realizou um estudo comparativo entre avaliação comporta-
mental e eletrofisiológica em 101 crianças de 1 mês a 3 anos e
11 meses de idade, analisando a compatibilidade em relação ao
diagnóstico do tipo de distúrbio auditivo e do grau da perda. A
autora observou total compatibilidade diagnóstica (100%) nos
casos de deficiência auditiva periférica, ou seja, sempre que
houve suspeita de deficiência auditiva periférica, houve confirma-
ção pela audiometria de tronco cerebral.
Além disto, houve compatibilidade de 91,3% quanto ao grau
da perda auditiva nos resultados de ambas as avaliações. Nos
casos de alterações auditivas centrais, a compatibilidade diagnós-
tica entre os dois tipos de avaliação foi de 72,3%.
Para realização de um diagnóstico mais efetivo dos distúrbios
da audição, o ideal seria a realização de uma bateria completa de
testes, incluindo as medidas de Emissões Otoacústicas (nível
coclear), a Audiometria de Tronco Cerebral (nervo e vias auditivas
no tronco cerebral) e Avaliação Comportamental (sistema auditivo
como um todo).
A avaliação audiológica completa favoreceria o tipo diagnós-
tico e diagnóstico diferencial (Quadro 11.3), possibilitando uma
indicação mais específica de terapia fonoaudiológica.

QUADRO 11.3 – Avaliação audiológica na infância: diagnóstico diferencial.


Imitância Emissões BERA Comportamental Diagnóstico
acústica otoacústicas audiológico
nl nl nl nl Normal
alt alt alt alt Condutivo
nl alt alt alt Sensorioneural
(cóclea)
nl nl alt alt Retrococlear
Nervo
Vias auditivas
centrais
nl nl nl ou alt alt Psíquico
(autismo)
nl nl nl alt Central
Agnosia
auditiva

Leitura recomendada
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Deficiência Auditiva 1
Avaliação da Audição na Criança 265

12
Avaliação da Audição na
Criança

Katia Rabinovich

INTRODUÇÃO

A avaliação da audição na criança é uma área altamente espe-


cializada e um desafio à audiologia clínica. Dadas as características
próprias de cada criança, adquire aspectos pluridimensionais.
Muitas das técnicas empregadas na medida da audição em
adultos não se aplicam às crianças, particularmente àquelas com
problemas na área de comunicação, isto é, atraso no desenvolvi-
mento de linguagem e fala. Os problemas da avaliação são ainda
complicados pela presença associada de outras entidades pato-
lógicas, que não a determinante da deficiência, como: deficiência
mental, distúrbios psicológicos graves, distúrbios do sistema
nervoso central; e que contribuem para a piora das condições de
comunicação e interação com o examinador. As crianças com
outras deficiências que não somente a auditiva, devem ser logo de
início diferenciadas daquelas crianças cujo problema é unicamen-
te relacionado à audição.
A detecção e identificação precoce da deficiência auditiva vai
permitir um trabalho imediato, oferecendo condições para o
desenvolvimento de fala, linguagem, social, psíquico e educacio-
nal da criança.
As técnicas utilizadas para avaliar a audição de uma criança
devem ser simples e fáceis de se realizar, flexíveis o suficiente
para se adequar às necessidades de cada criança e adaptadas à
266 Fonoaudiologia Prática

habilidade individual em responder aos estímulos apresentados


pelo examinador.
O processo de avaliação envolve vários aspectos do desen-
volvimento neuropsicomotor, de fala, de linguagem e que poderão
facilitar ou dificultar a testagem. Deve-se criar um ambiente
agradável com a criança, para que a obtenção das respostas seja
possível, sempre tendo em mente a idade cronológica e mental,
dos estados neurológico, psicológico e fisiológico da criança. É
importante que o ambiente de testagem seja adequado, numa
sala acusticamente tratada e que o examinador tenha um bom
conhecimento do equipamento a ser utilizado.
Este capítulo tem como objetivo fornecer informações sobre os
métodos mais utilizados para avaliar a audição de crianças a partir
de 1 ano de idade até a idade escolar. Os procedimentos descritos
a seguir, nem sempre vão ser fáceis de ser realizados, pois tudo vai
depender da criança, e da prática e experiência do examinador.
Baseando-se em todos estes aspectos, a avaliação audiológi-
ca pode ser realizada de forma confiante para que se possa
chegar a um diagnóstico mais corretamente possível (LOPES
FILHO & RABINOVICH, 1994).

DESENVOLVIMENTO NORMAL DO
COMPORTAMENTO AUDITIVO
Antes do examinador iniciar a avaliação audiológica da crian-
ça é essencial que se tenha um bom conhecimento e experiência
na observação das respostas comportamentais a estímulos sono-
ros apresentados em crianças com desenvolvimento normal da
função auditiva. Também, durante a avaliação deve-se observar
o desenvolvimento motor, mental, de fala e linguagem, sempre
levando-se em consideração o nível de maturação da criança.
NORTHERN & DOWNS (1985) descreveram o desenvolvimento
normal do comportamento auditivo em crianças de 13 a 24 meses
da seguinte forma:

TABELA 12.1 – Índice de respostas comportamentais em crianças: estímulos e nível


de respostas (NORTHERN & DOWNS, 1985).
Idade Instrumentos Tom puro Fala Respostas
(meses) Ruídos: dB NA dB NA dB NA esperadas
13 – 16 25 – 30 dB 32 dB 5 dB localização direta dos estímu-
los sonoros no plano lateral,
acima e abaixo
16 – 21 25 dB 25 dB 5 dB localização direta dos estímu-
los sonoros no plano lateral,
acima e abaixo
21 – 24 25 dB 25 dB 3 db localização direta dos estímu-
los sonoros no plano lateral,
acima e abaixo
Avaliação da Audição na Criança 267

SUSPEITA DA DEFICIÊNCIA AUDITIVA


Todas as crianças que apresentarem os critérios de alto risco
nos períodos pré, peri e pós-natal; e nas seguintes situações
comportamentais descritas a seguir, sugere-se que sejam avalia-
das auditivamente para identificação de possíveis comprometi-
mentos auditivos.

• Não atende a voz materna.


• Não movimenta a cabeça em direção à fonte sonora.
• Choro descontrolado.
• Parada do balbucio quando há o aparecimento do feedback
auditivo.
• Não acorda com sons intensos.
• Desinteresse por ruídos provocados pela movimentação do
berço.
• Não se alegra na hora das mamadas.
• Não ri.
• Não adquire fala e linguagem segundo os padrões espera-
dos, dependendo do grau da perda auditiva.
• Acentuado uso de gestos indicativos, representativos e/ou
simbólicos, para expressar suas necessidades e se comu-
nicar com o meio.
• Alteração do sistema fonêmico-fonológico (trocas, omis-
sões, substituições, distorções).
• Desatenção.
• Necessidade de aumentar volume do rádio ou televisão.

AVALIAÇÃO AUDIOLÓGICA EM CRIANÇAS DE 13 A


30 MESES

Audiometria de observação comportamental


A avaliação da audição em crianças pequenas, na faixa etária
entre 1 e 2 anos e meio de idade é realizada através da observa-
ção das respostas comportamentais evidentes aos estímulos
sonoros. Este tipo de avaliação tem característica mais qualitativa
do que quantitativa.
Durante a apresentação dos estímulos sonoros, devem-se
observar respostas reflexas (reflexo cocleopalpebral, reação de
Startle), procura e localização da fonte sonora, cessação da
atividade corporal, mudança na expressão facial e visual, choro,
risos, etc. (LOPES FILHO & RABINOVICH, 1994).
Foram observadas respostas de movimento de cabeça para
sons de baixa intensidade em crianças, mas os níveis de intensi-
dade em que ocorre a resposta vão ser também influenciados pela
idade da criança (HOVERSTEIN & MONCUR, 1969; THOMPSON &
THOMPSON, 1972; THOMPSON & WEBER, 1974).
268 Fonoaudiologia Prática

O contato inicial com a criança é muito importante, devendo a


testagem ser feita com a criança acordada, bem-alimentada,
limpa e sentada numa cadeira ou no colo da mãe (ou acompa-
nhante). O ambiente de testagem deve ser em uma sala acustica-
mente tratada, e não ter muitos estímulos visuais espalhados pela
sala para não dispersar a atenção da criança. Escolher o material
lúdico (Fig. 12.1) compatível com o desenvolvimento cronológico,
mental e motor da criança, e que este não crie muita distração
durante a avaliação.

FIGURA 12.1 – Exemplo de brinquedos usados na audiometria de observação


comportamental.

Os examinadores devem ter conhecimento dos dados de


anamnese, exame otorrinolaringológico e, se necessários, outros
(neurológico, pediátrico, genético, psicológico, etc.) e uma boa
experiência em observação de respostas comportamentais em
crianças desta faixa etária. Tudo isso será necessário para que
haja um bom desenvolvimento do trabalho.
THOMPSON & WEBER (1974) descreveram alguns fatores que
influenciam as respostas comportamentais das crianças, entre
eles, preocupação da criança em relação ao tempo de estímulo,
atividade motora que inibe a resposta comportamental, habituação
da resposta que contribui para elevação dos limiares e a idade da
criança que está sendo testada. A interpretação dos resultados
devem ser baseados nos valores comparados com crianças de
idade e desenvolvimentos normais.
A seguir serão analisados os procedimentos mais utilizados
nesta faixa etária.

Procedimentos
1. Avaliação instrumental.
2. Observação do reflexo cocleopalpebral.
3. Reação à voz.
4. Técnicas de condicionamento operante – reforço visual.
Avaliação da Audição na Criança 269

1. Avaliação instrumental
Para avaliarmos crianças pequenas (entre 6 meses e 2 anos
de idade), crianças difíceis e/ou com outros comprometimentos,
em que não se consegue o condicionamento, podemos utilizar
sons não-calibrados (ambientais e instrumentais). Este tipo de
testagem também vai ajudar na avaliação auditiva, seleção de
aparelhos auditivos e no trabalho de estimulação auditiva em
crianças com deficiência auditiva.
DOWNS (1978) estabelece uma relação entre os limiares
auditivos e os espectros dos sons apresentados na testagem de
indivíduo, concluindo que é possível prever quais as faixas de
freqüências mais comprometidas; desde que estes sons não
tenham um espectro muito amplo. Alguns destes sons têm
características muito semelhantes, isto é, abrangem as mes-
mas faixas de freqüências e atingem as maiores intensidades
aproximadamente nas mesmas áreas, o que torna redundante
o uso dos mesmos instrumentos na avaliação. Os instrumentos
apresentam faixa de freqüência de banda muito larga quando
comparados aos sons calibrados (tons puros e ruído de banda
estreita – narrow band ).
O uso de sons não-calibrados é um procedimento de fácil
realização, rápido e de baixo custo, pois não requer aparelha-
gem sofisticada. Têm sido indicados como estímulos sonoros
muito eficientes na obtenção de respostas comportamentais
(OLIVEIRA e cols.).
Em nosso trabalho realizado atualmente no Setor de Audiolo-
gia Clínica do Departamento de Otorrinolaringologia da Irmanda-
de da Santa Casa de São Paulo utilizamos instrumentos musicais
(Fig. 12.2) com características acústicas diferentes entre si, em
que foram medidas suas faixas de freqüências e intensidades por
um aparelho de medição sonora (decibelímetro) na própria sala de
avaliação, acusticamente tratada.

FIGURA 12.2 – Instrumentos usados na avaliação instrumental.


270 Fonoaudiologia Prática

Os instrumentos mais utilizados são: guizo, sino, clave-de-


rumba, reco-reco, castanhola, agogô, ganzá, pratos e tambor.
A testagem se inicia pelos instrumentos de sons mais
agudos variando até os de sons mais graves. Começa-se a
percurtir os instrumentos na intensidade mais fraca e progres-
sivamente vai-se aumentando a intensidade. Durante a varia-
ção de intensidade, será observada em qual intensidade a
criança apresentará resposta (Fig. 12.3). É importante estar
atento às respostas comportamentais da criança (já menciona-
das anteriormente). Para que a obtenção dessas respostas
sejam confiáveis, é necessário que haja sistematicidade nas
mesmas. Para reduzir a possibilidade de respostas antecipa-
das, e identificar e controlar qualquer tendência a respostas
impulsivas, deve-se realizar um intervalo entre um estímulo e
outro. Também, convém salientar, que a repetição do estímulo

FIGURA 12.3 – Avaliação instrumental em uma criança de 2 anos.

pode provocar a inibição ou desinteresse da criança pelo som


produzido (LOPES & RABINOVICH , 1994).
Outro fator importante para que a obtenção dos resultados
sejam confiáveis é tomar cuidado com as pistas visuais (movi-
mentos do examinador e modificações de luminosidade), táteis
(deslocamentos de ar produzidos por alguns instrumentos) e
olfativas (perfume do examinador), e interferência dos pais.
Segue adiante uma tabela com a faixa de freqüência e pico
de maior intensidade; e gráficos (espectogramas) dos instru-
mentos utilizados no Setor de Audiologia da Santa Casa de São
Paulo (Figs. 12.4 – 12.13).
A intensidade mínima medida nestes instrumentos foi em
torno de 60 dB NPS, abrangendo a mesma faixa de freqüência
descrita anteriormente.
Avaliação da Audição na Criança 271

TABELA 12.2 – Instrumentos caracterizados quanto à faixa de freqüência e pico de


maior intensidade.
Instrumentos Faixa de freqüência dB NPS
de maior intensidade (Hz)
Guizo 10.000 – 12.000 80
Sino 5.000 – 8.000 90
Clave-de-rumba 2.500 – 3.150 95
Reco-reco 1.250 – 5.000 80
Castanhola 1.600 – 6.300 85
Ganzá 1.600 – 6.300 90
Agogô (campânula pequena) 2.000 – 3.150 90
Agogô (campânula grande) 4.000 – 5.000 95
Pratos 600 – 800 105
Tambor 125 – 250 110

Intensidade em dB Intensidade em dB
80 90
70 80

60 70
60
50
50
40
40
30
30
20 20
10 10
0 0
1.250 2.500 3.150 8.000 10.000 16.000 20.000 800 1.250 5.000 8.000 10.000 20.000
Percussão forte Freqüência em Hz Freqüência em Hz
Percussão forte

FIGURA 12.4 – Espectograma do instrumento guizo. FIGURA 12.5 – Espectograma do instrumento sino.

Intensidade em dB Intensidade em dB
100 80
90 70
80 60
70
50
60
50 40
40 30
30 20
20
10
10
0 0
1.250 2.500 3.150 6.300 20.000 800 1.250 1.600 5.000 8.000 10.000 20.000
Percussão forte Freqüência em Hz Percussão forte Freqüência em Hz

FIGURA 12.6 – Espectograma do instrumento cla- FIGURA 12.7 – Espectograma do instrumento reco-
ve-de-rumba. reco.
272 Fonoaudiologia Prática

Intensidade em dB Intensidade em dB
90 90
80 80
70 70
60 60
50 50
40 40
30 30
20 20
10 10
0 0
250 800 1.600 6.300 16.000 20.000 800 1.500 3.150 6.000 10.000 20.000
Freqüência em Hz Freqüência em Hz
Percussão forte Percussão forte

FIGURA 12.8 – Espectograma do instrumento FIGURA 12.9 – Espectograma do instrumento


castanhola. agogô campânula pequena.

Intensidade em dB Intensidade em dB
100 100
90 90
80 80
70 70
60 60
50 50
40 40
30 30
20 20
10 10
0 0
1.000 1.250 2.500 5.000 8.000 20.000 125 1.600 6.300 8.000 20.000
Percussão forte Freqüência em Hz Freqüência em Hz
Percussão forte

FIGURA 12.10 – Espectograma do instrumento FIGURA 12.11 – Espectograma do instrumento


agogô campânula grande. ganzá.

Intensidade em dB Intensidade em dB
120 120

100 100

80 80

60 60

40 40

20 20

0 0
200 400 800 3.500 5.000 20.000 125 250 400 800 6.300 12.500
Percussão forte Freqüência em Hz Percussão forte Freqüência em Hz

FIGURA 12.12 – Espectograma do instrumento FIGURA 12.13 – Espectograma do instrumento


pratos. tambor.
Avaliação da Audição na Criança 273

2. Observação do reflexo cocleopalpebral


O reflexo cocleopalpebral (RCP) consiste no movimento de
fechar e abrir rápido (piscada) os olhos (pálpebras) imediata-
mente após um estímulo sonoro de alta intensidade e curta
duração.
É importante evitar a ocorrência simultânea de movimenta-
ção normal de pálpebras com o RCP. Durante a realização do
RCP, os olhos devem estar parados e os músculos faciais
relaxados, não devendo ser testados quando a criança estiver
chorando (M ILLER & POLISAR , 1964).
A estimulação geralmente é feita com os instrumentos agogô,
pratos e tambor percutidos em forte intensidade numa sala
acusticamente tratada.
Observa-se RCP em crianças com audição normal ou com
perdas auditivas até o nível moderado, se estas forem
recrutantes. O RCP estará ausente nas perdas auditivas mode-
radas não-recrutantes, severas e profundas. Também observa-
se a ausência de RCP em crianças com presença de líquido em
orelha média.
A presença do RCP é um dado muito significativo, porém para
se chegar a uma conclusão necessita-se a complementação com
outros testes.

3. Reação à voz
A avaliação é feita com o examinador atrás da criança, sendo
chamada pelo nome, oferecendo um brinquedo ou fazendo algu-
ma pergunta de seu interesse.
A testagem da reação à voz é iniciada com voz sussurrada
variando a intensidade até a criança reagir.
Além da obtenção da intensidade de reação à voz, também
se observa se a criança é capaz de compreender e obedecer
ordens simples, e em que intensidade isto ocorre, ou se faz
necessário o uso de gestos para se comunicar.

TABELA 12.3 – Intensidades em dB NA da voz.

• voz em intensidade sussurrada: em torno de 40 – 45 dB NA


• voz em fraca intensidade: em torno de 50 – 55 dB NA
• voz de fraca para média intensidade: em torno de 60 dB NA
• voz em média intensidade: em torno de 65 – 70 dB NA
• voz de média para forte intensidade: em torno de 70 – 75 dB NA
• voz em forte intensidade: em torno de 80 – 85 dB NA
274 Fonoaudiologia Prática

4. Técnicas de condicionamento operante –


reforço visual
A) CONDICIONAMENTO DO REFLEXO DE ORIENTAÇÃO (COR)
Técnica de SUZUKI & OGIBA
Esta técnica foi descrita por SUZUKI & OGIBA , em 1960, para
avaliar a audição de crianças de 6 meses a 3 anos de idade. Esta
técnica, chamada de condicionamento do reflexo de orientação,
baseia-se na apresentação simultânea de um estímulo sonoro
e visual estranho à criança, fazendo-a procurar e localizar a
fonte do estímulo. Este fenômeno é chamado de “reflexo de
orientação”.
O objetivo do teste é que a criança faça a associação entre um
estímulo sonoro apresentado e o estímulo visual que é dado como
reforço (Fig. 12.14).
A testagem é feita numa sala acusticamente tratada, com a
criança sentada no colo da mãe (ou acompanhante) ou em uma
cadeira. Para obtenção dos limiares auditivos, realiza-se em campo
livre ou através do uso de fones. Em campo livre, coloca-se a criança
entre dois alto-falantes para obtenção dos limiares auditivos da
melhor orelha. Através do uso de fones, os limiares auditivos são
obtidos separadamente em cada orelha.
Como já foi descrito anteriormente, os estímulos sonoros e
visuais são apresentados simultaneamente para que a criança
possa fazer a associação. Os estímulos sonoros para realizar o
exame são os tons puros (contínuos ou modulados), warble tone
e os ruídos de banda estreita (narrow band), e os estímulos visuais
podem ser bonecos luminosos, lâmpadas coloridas, filmes, etc.
Após a associação dos estímulos sonoros e visuais, obtêm-se os
limiares auditivos das freqüências de 250, 500, 1.000, 2.000 e
4.000 Hz.

FIGURA 12.14 – Técnica de SUZUKI & OGIBA sendo realizada em uma criança de
2 anos de idade.
Avaliação da Audição na Criança 275

Durante a avaliação, o examinador tenta interagir com a


criança, distraindo-a com brinquedos compatíveis com o seu
desenvolvimento. Deve-se estar atento a todas as respostas
comportamentais da criança. A motivação, dinamismo e paciên-
cia por parte do examinador são fundamentais para que a criança
mantenha interesse nas atividades propostas e não disperse
durante a testagem.
É importante orientar a mãe (ou acompanhante) para não
interferir no exame para que se possa obter as verdadeiras
respostas da criança.

B) AUDIOMETRIA DE CONDICIONAMENTO OPERANTE COM REFORÇO


REAL
TROCA (Tangible reinforcement operant
conditioned audiometry)
Em 1968, esta técnica foi elaborada por LLOYD, SPRADLIN e
REID. O termo TROCA foi usado para referir um sistema de reforço
real usado na avaliação auditiva. Esse reforço real é representado
por balas, doces, cereais, comidas, etc.; sendo dado à criança
toda vez que apresentar uma reação a um estímulo sonoro e
também entre os intervalos destes estímulos.
A criança é instruída e treinada a apertar um botão de um
equipamento em que fornece o reforço comestível cada vez que ouvir
o estímulo sonoro, sendo esta técnica realizada em campo livre.
Este procedimento foi estruturado para crianças difíceis de
serem testadas e para aquelas com deficiência mental, mostrando
resultados melhores do que com o uso de reforços visuais na
obtenção dos limiares (MARTIN & COOMBES, 1976).
Em 1975, FULTON, e cols. aplicaram esta técnica em 12 crianças
pequenas entre 9 e 25 meses de idade, encontrando sucesso na
testagem com crianças a partir de 12 meses de idade em diante.

C) AUDIOMETRIA DE REFORÇO VISUAL


VRA (Visual reinforcement audiometry)
LIDÉN & KANKKUNEN (1969) basearam-se na técnica de SUZUKI
& OGIBA, modificando e propondo um método não-direcional,
aceitando quatro tipos diferentes de respostas à estimulação
sonora: comportamento reflexo, investigação, orientação e res-
postas espontâneas.
O comportamento reflexo foi classificado como o mais primi-
tivo tipo de resposta. É dado um estímulo sonoro intenso e
observa-se a mudança de expressão facial da criança.
As crianças muito pequenas não associam o estímulo sonoro
ao visual imediatamente, vão aprendendo de forma gradual. O
primeiro passo para compreensão é procurar a fonte sonora e
associar ao examinador, como se estivesse questionando (“O que
é isso?”), e é caracterizado como resposta de investigação.
276 Fonoaudiologia Prática

Algumas crianças aprendem rapidamente, isto é, após o


estímulo sonoro aparece o estímulo visual, e já movimentam a
cabeça em direção ao estímulo, sendo classificado como orienta-
ção reflexa.
A resposta espontânea é a mais altamente desenvolvida,
significa que a criança responde diretamente ao som ouvido
através de procura da fonte sonora, imitação do estímulo sonoro,
sorrisos, aponta com o dedo, etc.
A testagem é feita com a criança sentada no colo da mãe (ou
acompanhante), entre dois alto-falantes e numa sala acustica-
mente tratada.
Usam-se brinquedos compatíveis com o desenvolvimento da
criança para distrai-la. O procedimento não é explicado, apenas
treina-se a criança a responder o estímulo sonoro que aparece do
mesmo lado do estímulo visual.
Realiza-se em campo livre ou através do uso de fones,
iniciando a testagem com uma intensidade audível variando-a até
chegar ao limiar. As freqüências geralmente usadas são de 250 a
4.000 Hz. Tom puro (contínuos ou modulados), ruído de banda
estreita (narrow band) ou warble tone são os estímulos sonoros
mais utilizados. Os estímulos visuais são bonecos iluminados,
luzes coloridas, filme, etc.
A essência do VRA é reforçar uma resposta de observação
comportamental (geralmente movimento de virar a cabeça) para
sons de freqüência específica associados a estímulos visuais
(M CCORMICK, 1993).

AVALIAÇÃO DA AUDIÇÃO DE 2 A 6 ANOS


DE IDADE

Nesta faixa etária começa a aprendizagem das técnicas de


condicionamento. Nem todas as crianças estão preparadas e são
capazes de se submeterem às técnicas que serão descritas,
sendo necessário, às vezes, utilizar procedimentos anteriormente
descritos. O examinador deve ser flexível e adequar uma técnica
compatível com o caso a ser avaliado.

Procedimentos
1. Técnica do peep-show.
2. Audiometria lúdica ou condicionada.
3. Uso de mascaramento.
4. Testes de fala.

1. Técnica do peep-show
DIX & HALLPIKE (1947) elaboraram esta técnica como exemplo
de audiometria lúdica, para crianças de 2 a 6 anos de idade,
baseando-se no princípio de condicionamento de Pavlov. Para
obtenção das respostas desejadas, a criança tem de associar
Avaliação da Audição na Criança 277

estímulos sonoros aos visuais. Nesta técnica, a criança é ensina-


da a apertar um botão diante da apresentação simultânea dos
estímulos sonoros e visuais. Os estímulos sonoros visuais mais
utilizados são: luzes coloridas, bonecos animados, autorama,
filmes, etc. A partir do momento em que a criança começar a
responder adequadamente, isto é, associar estímulo sonoro ao
visual, apenas o estímulo sonoro é dado; sendo assim, terá que
apertar o botão para receber o reforço visual.
Pode-se realizar a obtenção dos limiares auditivos através do
uso de fones ou em campo livre. Geralmente, as freqüências mais
utilizadas são as de 250, 500, 1.000, 2.000, 4.000 Hz.
RUSSO & SANTOS (1989) observaram bons resultados desta
técnica com crianças portadoras de deficiência auditiva severa e
com crianças com deficiência mental.

2. Audiometria lúdica ou condicionada


A audiometria lúdica envolve a aprendizagem da criança em
realizar um ato motor após a apresentação de um estímulo
sonoro. As respostas comportamentais têm que ser compatíveis
com o desenvolvimento neuropsicomotor da criança.
A audiometria deve ser realizada através de atividades lúdicas
que motivem a criança durante a testagem, isto é, que a criança
considere divertido e interessante. Geralmente, são usados brin-
quedos de encaixe (Fig. 12.15), mas isso não impede que o
examinador utilize sua criatividade para manter a atenção da
criança. Em algumas crianças o tempo de atenção é limitado,
tendo-se, muitas vezes, que mudar a atividade lúdica para que se
possa finalizar a testagem.
Uma boa orientação e instrução do exame é dada à criança,
por exemplo, através de uma estória, para que esta atividade
tenha um significado mais concreto, Muitas crianças, às vezes,
não estão aptas a responder aos estímulos sonoros através

FIGURA 12.15 – Exemplos de brinquedos para condicionamento na audiometria


lúdica.
278 Fonoaudiologia Prática

da tarefa de levantar a mão ou responder positivamente aos


estímulos no microfone, pois a presença do tom puro isolada-
mente não tem um significado contextual, tornando-se abstrato,
desse modo, sugere-se a audiometria condicionada (THORNE,
1962).
A partir dos 2 anos de idade as crianças já estão aptas a
cooperar na testagem, porém vai depender da habilidade e
paciência do examinador para que haja sucesso (HODGSON , 1985;
BELLMANN, 1987; WILSON & RICHARDSON, 1991).
Este procedimento é realizado com o ato motor de levar o
encaixe da orelha ao tabuleiro do jogo cada vez que ouvir o
estímulo sonoro. Inicialmente, o examinador executa a tarefa
juntamente com a criança, até que ela tenha entendido a ativida-
de, isto é, esteja condicionada a fazê-la sozinha.
Os limiares auditivos serão determinados somente quando a
criança estiver condicionada, podendo a testagem ser em campo
livre ou através do uso de fones. O tipo de testagem vai depender
da aceitação da criança em relação à colocação dos fones. Inicia-
se, então, a testagem com sons audíveis e progressivamente vai
-se diminuindo a intensidade sonora de 10 em 10 dB, até chegar
ao limiar auditivo (técnica descendente). Após a obtenção dos
limiares, retestar as freqüências através da técnica ascendente.
Tomar muito cuidado com as respostas falsas ou assistemáticas
que a criança apresentar, isto pode acontecer tanto por falta de
interesse e/ou atenção, como porque necessita ser condicionada
novamente.
As freqüências utilizadas durante a avaliação vão depender
da criança e de seu problema auditivo. Nas crianças portadoras de
deficiências auditivas severas e profundas, sugere-se iniciar a
testagem pelas freqüências mais graves (250 e 500 Hz), por ser
mais fácil perceber o estímulo sonoro, podendo ser pela vibração
que será produzida no fone e a criança perceberá por pista tátil, ou
porque apresenta somente respostas nestas freqüências. Em

FIGURA 12.16 – Criança de 3 anos e 8 meses realizando a audiometria lúdica com


fones e condicionamento com jogos de encaixes.
Avaliação da Audição na Criança 279

crianças com problema de orelha média deve-se ter em mente que


também será necessário realizar os limiares de via óssea com
mascaramento, e talvez também os limiares de via aérea
com mascaramento, podendo o exame se tornar longo e cansa-
tivo, sugerindo-se então, nesse caso realizar apenas as freqüên-
cias de 250, 500, 1.000, 2.000 e 4.000 Hz. Caso a criança não
esteja muito cansada e disposta a continuar o exame, então
realizamos as freqüências de 8.000 Hz.
Como já foi mencionado, tudo dependerá de como é a criança
e a sua maturação e interesse pelas atividades propostas, habili-
dade e paciência do examinador.

FIGURA 12.17 – Audiometria lúdica com fones através de condicionamento com


encaixes (jogo “pula-pirata”) em uma criança de 3 anos portadora da síndrome
de Treacher-Collins.

3. Uso de mascaramento
O uso de mascaramento na audiometria de crianças é tão
necessário quanto na audiometria de adultos e impede que a orelha
não-testada responda pela orelha testada (HODGSON, 1985).
Com crianças pequenas, ao se usar o ruído, deve-se contar
uma estória para que a atividade tenha um significado concreto,
e com crianças maiores pode-se realizar o uso do ruído como nos
adultos.
Em muitos casos, às vezes, não se consegue usar o masca-
ramento, sendo assim, o exame deve ser interpretado de acordo
com o caso e os dados obtidos.

4. Testes de fala
Muitos autores relatam que do ponto de vista funcional, a
medida mais importante da audição de uma criança é a habilidade
de ouvir, compreender e discriminar a fala (HODGSON, 1985;
BELLMANN, 1987; DOWNS, 1991).
280 Fonoaudiologia Prática

Os procedimentos para avaliar a audição de uma criança


através dos testes de fala vão depender do nível de desenvolvi-
mento de linguagem e fala apresentado pela criança, do tipo e
grau da perda auditiva, do comportamento na aceitação da
atividade proposta e interação com o examinador.
SPEAKS & JERGER (1965) incluem em suas pesquisas dos
testes de fala, materiais verbais como, por exemplo, sílabas sem
sentido, vocábulos monossilábicos foneticamente balanceados,
vocábulos dissilábicos, palavras espondaicas, sentenças e dis-
curso contínuo.

Procedimentos
a) Limiar de recepção da fala (LRF).
b) Limiar de detecção da fala (LDF).
c) Índice de reconhecimento da fala (IRF ou discriminação
auditiva).

a) Limiar de recepção da fala


Define-se LRF como a menor intensidade em que o indivíduo
consegue repetir 50% dos estímulos verbais (palavras) que lhe
são apresentadas.
O objetivo mais importante do LRF é a confirmação dos
limiares tonais de via aérea da audiometria tonal nas freqüências
de fala (250, 500, 1.000 e 2.000 Hz). Também vai ajudar na
seleção de aparelhos auditivos, determinar o nível de intensidade
mais favorável para a realização do índice de reconhecimento da
fala e no diagnóstico de deficiências auditivas funcionais ou
psicogênicas (REDONDO & LOPES FILHO, 1994).
Os critérios de avaliação são os mesmos usados com os
adultos, desde que a criança consiga repetir as palavras e que
seja possível entender sua fala, mesmo que haja a ocorrência de
trocas, omissões, distorções fonêmico-fonológicas. As palavras
apresentadas devem ser altamente inteligíveis e de igual dificul-
dade entre si.
O teste pode ser elaborado com palavras familiares e do
vocabulário rotineiro da criança, podendo ser vocábulos trissilábicos
ou polissilábicos.
Se a criança não consegue repetir palavras ou recusa-se a
colaborar nesta atividade, pode-se realizar o LRF através de
figuras (Fig. 12.18), de ordens simples e /ou de perguntas.
No LRF através de figuras, são apresentadas figuras em
cartelas coloridas para a criança, compostas de vocábulos
monossilábicos, dissilábicos, trissilábicos e polissilábicos e obser-
va-se quais figuras a criança reconhece e consegue nomear. A
partir deste momento, são escolhidas as figuras que a criança
reconheceu, e então, ensina-se a criança a apontar ou pegar a
figura que lhe é solicitada. Após este treinamento, o teste inicia-
se apresentando quatro figuras de cada vez para a criança
Avaliação da Audição na Criança 281

FIGURA 12.18 – Criança de 3 anos e 8 meses realizando LRF através de figuras.

apontar, pegar ou nomear cada vez que ouvir o nome da figura,


solicitada pelo examinador. Quando a criança acertar a figura
solicitada, troca-se esta por outra figura. O teste é realizado em
uma intensidade audível e variando-se a intensidade até chegar
ao limiar.
No LRF através de ordens simples, solicita-se à criança
mostrar as partes do corpo (cabelo, pés, mãos, olhos, nariz,
orelha, etc.), mostrar a mãe, dar “tchau”.
No LRF através de perguntas, a criança responde perguntas
feitas pelo examinador, por exemplo: “Qual é o seu nome?”,
“Quantos anos você tem?”, “Onde você mora?”,etc.
Os resultados do LRF são obtidos de 0 a 10 dB acima da média
das freqüências de fala (250, 500, 1.000 e 2.000 Hz) dos limiares tonais
de via aérea. Não esquecer de sempre monitorar o VU meter.

b) Limiar de detecção da fala


É realizado quando não se consegue obter o LRF, pois a
criança pode apresentar limitação de linguagem e fala, como nos
casos de deficiências auditivas mais graves e nas dificuldades de
compreensão da fala.
O LDF pode ser estabelecido como procedimento semelhante
à audiometria tonal condicionada.
Através de estímulos verbais (pápápá, popopo ou pipipi), a
criança tem que responder a 50% do estímulos apresentados e
que irão coincidir com o melhor limiar tonal de via aérea entre as
freqüências de fala (250, 500, 1.000, 2.000 Hz).

c) Índice de reconhecimento da fala


No teste de reconhecimento de palavras são apresentadas
uma lista de 25 palavras em cada orelha, podendo ser a viva voz
ou em fita gravada. As palavras dissilábicas e trissilábicas têm
282 Fonoaudiologia Prática

mais significado contextual e permitem identificar as alterações ao


nível do sistema fonêmico-fonológico (trocas, omissões, distor-
ções e/ou substituições) e se estão relacionadas ao problema
auditivo. Os critérios de seleção do material do IRF e LRF são
diferentes entre si. Apesar de ambos serem compostos por
palavras familiares e do vocabulário da criança; no IRF são
usadas palavras com composição fonética que abrangem os sons
da língua portuguesa.
Deve-se tomar alguns cuidados que possam afetar os resul-
tados deste teste:

• Nível da intensidade de apresentação.


• Ruído competitivo.
• Inteligibilidade na apresentação das palavras.
• Fechamento (suplência).
• Pistas visuais (principalmente em crianças que têm habilida-
de em realizar a leitura orofacial).
• Monitoração do VU meter.

HODGSON (1985) relata que crianças portadoras de deficiência


auditiva congênita, dependendo do grau de lesão, têm mais
dificuldade em repetir as palavras.
O IRF tem grande importância em também identificar altera-
ções ao nível de processamento auditivo central.
Os resultados são marcados em porcentagem de acertos das
palavras (de 0 a 100%).

Leitura recomendada
BELLMAN, S. – Testing and screening of hearing. In: KERR, A.G. Scott-
Brown’s Otolaryngology. 5ª ed. Vol. 3, Butterworth, 1987.
DIX, M. & HALLPIKE, C. – The peep show: a new technique for pure tone
audiometry in young children. Br. Med. J., 2:719, 1947.
FULTON, R.; GORZUCKI, P.; HULL, W. – Hearing assessment with
young children. J. Speech Hear. Dis., 40:397, 1975.
HODGSON, W.R. – Tests of hearing. In: MARTIN, F.N. Pediatric
Audiology. Prentice-Hall, 1978.
HODGSON, W.R. – Testing infants and young children. In: KATZ, J.
Handbook of Clinical Audiology. 3ª ed. Baltimore, Williams & Wilkins,
1985.
HOVERSTEIN, G. & MONCUR, J. – Stimuli and intensity factors in
testing infants. J. Speech Hear. Res., 12:687-702, 1969.
LIDÉN, G. & KANKKUNEN, A. – Visual reinforcement audiometry. Acta
Oto-laryngologica, 67:281-292, 1969.
LOPES FILHO, O. & RABINOVICH, K. – Avaliação da audição na
criança. In: OTACILIO & CAMPOS. Tratado de Otorinolaringologia.
1ª ed. Roca, São Paulo, 1994.
MARTIN, F.N. & COOMBES, S. – A tangibly reinforced speech reception
threshold procedure for use with small children. J. Speech Hear. Dis.,
41:333-338, 1976.
Avaliação da Audição na Criança 283

McCORMICK, B. – Pratical Aspects of Pediatric Audiology 0-5 Years.


2ª ed. Whurr Plubishers Ltd, 1993.
MOORE, J.M.; THOMPSON, G.; THOMPSON, M. – Auditory localization
of infants as a function of reinforcement conditions. H. Speech Hear.
Dis., 40(1):29-34,1975.
NORTHERN, J.L. & DOWNS, M.P. – Hearing in Children. 4ª ed. Baltimore,
Williams & Wilkins, 1991.
OLIVEIRA, T.M.T.; AZEVEDO, M.F.; VIEIRA, M.M.; AVILA, C.R.B. –
Triagem auditiva com sons não calibrados; detecção precoce da
deficiência auditiva infantil. Acta Awho, 14:88-92, 1995.
PRIMUS, M.A. & THOMPSON, G. – Response strength of young children
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REDONDO, M.C. & LOPES FILHO, O. – Testes básicos da avaliação
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1ª ed. Roca, São Paulo, 1994.
RUSSO, I.C.P. & SANTOS, T.M.M. – Audiologia Infantil. 3ª ed. São
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THORNE, B. – Conditioning children for pure-tone testing. J. Speech
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WILSON, W.R. & RICHARDSON, M.A. – Behavioral audiometry. In:
Otolaryngol. Clin. of North Am., 24:285-297, 1991.
Deficiência Auditiva 1
Anamnese 285

Audiologia
Educacional
286 Fonoaudiologia Prática
Anamnese 287

13
Anamnese

Cilmara Cristina A. da Costa Levy


Patrícia Simonetti

O termo anamnese definido como “o relato dos padecimentos


feito pelo doente à cordialidade inquisidora do médico” (MIGUEL
TORGA, Diário, I, pp. 55-56) é muito pouco discutido.
A palavra anamnese se origina do grego:
ana = trazer de volta, recordar
mnese = memória
Ou seja, trazer de volta, recordar os fatos e eventos relaciona-
dos à doença e à pessoa doente.
À luz destes fatos, o profissional elabora as primeiras hipóte-
ses e traça as diretrizes dos exames físicos e conduta terapêutica
a seguir.
Classicamente, a anamnese engloba:
• Identificação do paciente (nome, idade, sexo, cor, estado
civil, profissão, residência).
• Queixa principal: (Q.D. = queixa e duração, H.P.M.A. =
história pregressa da moléstia atual) diz respeito aos sinto-
mas ou sensação subjetivas de anormalidade somática ou
psíquica, e ao início desses sintomas até a data presente.
• História clínica: levantamento geral e específico de aspectos
relacionados à “doença” (datas, recorrências).
• Antecedentes pessoais e familiares.
• Hábitos de vida e condição sócio-econômica-cultural do
paciente.
288 Fonoaudiologia Prática

Cada um destes itens anteriores tem grande importância para


se compreender as primeiras informações que poderão contex-
tualizar o paciente e sua queixa.
A identificação do paciente, por exemplo, pode parecer banal
aos olhos de quem lê, mas é muito relevante quando o profissional
refere-se ao paciente pelo nome (e não pelo número ou parentes-
co como “mãe” ou “pai”) pois poderá se criar neste momento uma
situação amigável e agradável. Dados como idade, cor, sexo,
profissão também auxiliam a investigação de possíveis doenças,
o estado civil indicará seus vínculos interpessoais e o endereço
trará noções de distância e tempo percorrido.
Toda essa procura de informações pode ser administrada de
várias formas, sendo a mais tradicional a entrevista pessoal direta
com o profissional, realizada geralmente na primeira consulta.
Perguntas por telefone, questionários escritos (quando muito
longos), antes da primeira consulta também são muitas vezes
utilizados porque poupam o tempo do entrevistado/ entrevistador
no contato pessoal.
CLARK (1994) coloca que “uma boa linha de trabalho para
obtenção de informações sobre o histórico do paciente é uma
entrevista aberta precedida de um questionário com perguntas
diretas e auto-avaliação que deve ser preenchido pelo paciente
antes da consulta”.
A entrevista médica é um dos procedimentos diagnósticos que
procuram respostas sobre como, quando e porquê o paciente ficou
doente, e estabelece um relacionamento médico-paciente
terapeuticamente eficaz. BLEGER (1984) refere-se à entrevista como
“fenômeno grupal que procura estudar o comportamento total do
entrevistado durante toda a relação estabelecida com o entrevista-
dor, onde este procura saber o que está acontecendo, atuando
segundo seu conhecimento”. Para ele, a relação entrevistado/
entrevistador é que “delimita e determina o campo da entrevista”.
No campo da psicoterapia, a entrevista clínica inicial é vista
como uma técnica, pois cumpre certos objetivos do processo
diagnóstico. Os critérios na interpretação da entrevista, por exem-
plo, devem coincidir com os testes que ainda serão aplicados.
Deve-se considerar o tempo de vínculo que o paciente estabelece
com o psicólogo, a transferência e a contratransferência, suas
relações interpessoais, as ansiedades e angústias, os aspectos
patológicos, o diagnóstico e prognóstico.
O indivíduo é um ser complexo que caminha conforme suas
necessidades e anseios, cada passo traz influência do meio no
qual está inserido e mudanças pessoais ocorrerão sempre que
houver relacionamento com o outro. Este ser herda um patrimônio
genético, cultural, emocional de seus antecedentes familiares que
será transformado a partir de suas experiências em vida. As
transformações provocadas por diferentes acontecimentos serão
marcantes para a sua formação pessoal. Nada disso é estático,
não conseguimos descrever um “estado” de coisas, cada minuto
Anamnese 289

que vivemos é um momento novo e fazemos isto de corpo e alma.


A cada instante, o ser humano reestrutura o seu organismo, tanto
em nível de sentimentos como fisicamente (tecidos, músculos,
células) respondendo assim de diferentes formas a diferentes
estímulos internos e externos. Portanto, é o estudo de uma pessoa
inserida no seu mundo, que se faz necessário para a compreen-
são das reações de seu corpo.
Tentaremos aqui discorrer sobre a anamnese principalmente
da criança deficiente auditiva, como o momento no qual conhece-
mos o paciente, sua família e os motivos que os levam a procurar
ajuda profissional. Obter dados sobre a etiologia, comportamento
verbal, não verbal, desenvolvimento cognitivo, etc. deve fazer
parte deste primeiro contato, para que se possa formular as
primeiras hipóteses e assim investigá-las.
No entanto, a prioridade é a atenção oferecida ao paciente e
não apenas ao problema ou à doença. Desta maneira, qualquer
forma padronizada de perguntas ou qualquer modelo de questio-
nário para coleta de dados de importância clínica está longe de ser
o alvo deste capítulo.

FORMAS DE ENTREVISTA
Pode-se conduzir a entrevista de forma diretiva e não diretiva. Na
primeira hipótese, as respostas objetivas vêm de perguntas também
objetivas. Já na segunda, há mudanças na forma, mas não no
conteúdo, pois são feitas questões mais amplas, deixando o paciente
ou pais à vontade para suas próprias colocações, o que já permite
maior aproximação do profissional. Na prática, essas duas formas de
entrevista podem e devem coexistir, pois quando não há uma
imposição seqüencial de questões ou tópicos, o paciente/pais discor-
rem sobre o “problema” com base nas informações que já possuem,
e suas necessidades emergenciais surgem com mais facilidade,
sendo possível a condução da entrevista. O paciente tem liberdade
para expor seus problemas reais, incluindo sentimentos em relação
a eles. Cabe ao profis-sional perceber o que é essencial entre
informação, orientação ou escuta. De qualquer forma, uma anamne-
se é sempre uma investigação para melhor conhecimento do pacien-
te, além de um momento que estabelece relação entre as partes.
Sendo assim, nada mais natural que transcorram perguntas e
respostas. Uma pergunta sempre induz ao diálogo e tem a finalidade
de descobrir algo. Geralmente provoca uma resposta, o que leva
também à reflexão, à colocação de sentimentos ou ponto de vista.
A principal vantagem de se fazer perguntas numa anamnese
é centrar a conversação no paciente. O modo como essa pergunta
é feita é que faz toda a diferença. Atrás de uma pergunta está o
conhecimento teórico do profissional, seu estilo pessoal, expecta-
tivas, forma de interação e vivência. O estado emocional deste
também pode influenciar na reação do paciente, e portanto, na
interpretação de suas respostas.
290 Fonoaudiologia Prática

Segundo TOMM (1988), existem quatro “tipos” de perguntas:


lineares, circulares, estratégicas, reflexivas.
• As perguntas lineares, onde o profissional se coloca como
investigador e tenta determinar dados específicos. São
perguntas diretivas com as quais geralmente se inicia a
entrevista. Exemplo: Quem fez? Onde? Quando? Por quê?
• Quando faz perguntas circulares, o profissional se comporta
como explorador e preocupa-se com a ocorrência e conexão
dos fatos. São interativas e pressupõem atitudes neutras do
terapeuta. Exemplo: O que o seu marido faz quando você
tem o problema?
• As perguntas estratégicas acabam influenciando o pacien-
te/ família. O profissional é um professor e supõe a dinâmica
familiar baseada numa hipótese já formulada. Podem inibir
e provocar uma ruptura na interação. Exemplo: Você olha
diferente para seu filho quando ele quer se comunicar?
• As perguntas reflexivas, como seu próprio nome diz, procu-
ram desencadear reflexões, o profissional é um guia e sua
intenção é facilitar a comunicação das partes envolvidas.
Exemplo: Numa situação de birra, seria diferente sua atitu-
de, caso seu filho não fosse surdo?
É importante estar atento, uma vez que os diferentes tipos de
perguntas, além da forma como são feitas, podem ter efeitos
diversos na conversação conduzindo a entrevista para novos cami-
nhos. Não se pode esquecer também que estando este paciente/
família sob efeito de um estresse emocional provocado por uma
recente revelação diagnóstica, pode interpretar de maneira errônea
perguntas ou colocações. A empatia e sensibilidade são fundamen-
tais neste momento de revelações, qualquer reação negativa do
paciente não deve ser interpretada como agressão ao profissional,
mas sim por dificuldades em lidar com sentimentos latentes e muitas
vezes reprimidos. As perguntas e respostas formuladas tornam
possível a construção da imagem do paciente e sua família, mas as
impressões verbais e não verbais devem tão-somente nos ajudar a
compreender o problema.
A interpretação da resposta é uma tarefa difícil, pois o profis-
sional sofre influência do meio, vivências pessoais, familiares e
profissionais. Saber ouvir, detectar, refletir sobre declarações
abordadas de uma forma global faz-se necessário. Se uma
determinada informação não coincide com a queixa inicial, mini-
mizar ou negar a importância de um fato implica numa quebra ou
na tentativa de aproximação deste paciente/família.
O relacionamento entre profissional e o paciente é cheio de
complexidades e perigos potenciais, sendo um poderoso instru-
mento no arsenal terapêutico. O paciente procura o profissional
movido por expectativas de grau variável, porém sempre existe
um “estado de fantasia” inconsciente (reconhecer a deficiência
auditiva pode ser um momento doloroso para o indivíduo e o medo
da destruição de sonhos e expectativas da mãe com relação a seu
Anamnese 291

filho). Assim, espera-se do profissional que entenda a “doença” e


saiba como tratá-la levando em consideração o indivíduo.
É importante que a investigação do caso seja feita de forma
qualitativa e não quantitativa. No enfoque metodológico-filosófico,
o compromisso da investigação é com a descrição do fenômeno,
sendo a entrevista uma das formas utilizadas para a coleta de
dados. LUDKE & ANDRÉ (1986) referem que “dentro de uma
investigação qualitativa é possível analisar as experiências vivi-
das através de entrevistas”. Muitas vezes, a maior preocupação é
a busca de informação para completar um quadro onde a etiologia
é desconhecida, ou para caracterizar o paciente dentro de pa-
drões pré-estabelecidos. Esta conduta, no entanto, ofusca nossa
sensibilidade, e abrir espaço e levantar questões sobre as emo-
ções e informações contidas no discurso facilita o profissional a
chegar o quanto antes à formação de hipóteses. Ou seja, no caso
de uma deficiência auditiva os familiares poderão encobrir alguns
dados significativos por apresentarem ainda medo ou negação
frente ao diagnóstico; neste sentido, numa entrevista apenas de
perguntas dirigidas e respostas curtas nada será obtido. Vale
ressaltar a importância de uma prévia leitura do material recebido,
em casos onde o paciente tenha que passar por vários profissio-
nais, e se o próximo tiver acesso a estes documentos deve ter em
mente que dando continuidade ao trabalho do outro estará ga-
nhando tempo e sobretudo a confiança do paciente.
Sabe-se pois, que nem sempre isto é possível mas, quando
o for, está-se trabalhando qualitativamente e principalmente
saciando as necessidades de cada área especificamente con-
sultada.
Segundo TOMM (1988), “estas entrevistas não são conversa-
ções comuns, já que são organizadas pelo desejo de aliviar o
sofrimento e produzir a cura”.
Esta cura tão desejada implica em sentimentos ansiosos que
interferem no relacionamento familiar. No entanto, a cura ainda é
uma fantasia alimentada pelo padrão de normalidade atribuído
pela sociedade e, neste caso, pode haver ignorância no que se
refere à habilitação ou reabilitação de indivíduos com limitações
sensoriais. No caso da deficiência auditiva, a cura seria voltar a
escutar e como isto ainda não é possível em sua íntegra, não
ocorrerá, e este indivíduo irá conviver com a deficiência auditiva,
necessitando de um ambiente que o conforte e o respeite indepen-
dentemente do trabalho terapêutico.

CONTEÚDO DA ANAMNESE DA CRIANÇA


DEFICIENTE AUDITIVA
É fundamental conhecer não somente a história relacionada à
queixa mas, também quem são estas pessoas que chegam
incluindo suas necessidades reais.
292 Fonoaudiologia Prática

A atenção estará voltada principalmente à anamnese da


criança deficiente auditiva. Facilitar a investigação de fatos que
acompanham a história da criança contribui para a realização da
avaliação e do trabalho terapêutico apropriado.
Sendo este o primeiro contato com os familiares e com a
criança deve-se dar atenção a alguns aspectos:

• Conhecer esta família.


• Conhecer a história desta criança.
• Dar oportunidade para que a família fale.
• Escutar o que a família tem a dizer.
• Solucionar dúvidas pendentes ao caso.
• Realizar um contrato de trabalho.

EHRLICH (1989) acredita que “este momento deva atingir um


equilíbrio entre calor humano, objetividade clínica e suas inten-
ções”.
Os acompanhantes da criança trazem expectativas variadas
para esta primeira entrevista e, diante de um olhar clínico, é
possível observar atitudes protetoras, ou de negação da doença,
que propiciará a melhor forma de conduzir o trabalho, contribuindo
para a coleta qualitativa dos dados. Este momento também
procura trazer a família como parte da “equipe” e não simplesmen-
te como fornecedora de informações sobre o desenvolvimento da
criança. Os papéis já podem então ser definidos e suas responsa-
bilidades também.
WEILER (1992) considera primordial que o processo terapêu-
tico realmente aconteça a partir da primeira entrevista, possibili-
tando ao fonoaudiólogo a construção e descoberta dos funda-
mentos da prática clínica e que a relação pais-terapeuta seja
construtiva. Cita com máxima importância aspectos como: “capa-
cidade do terapeuta aceitar os pais como demonstram ser, sem
julgar ou atribuir valores ao conteúdo de suas verbalizações e
sentimentos”.
O próximo passo será o de conhecer detalhadamente a
criança, suas condições de nascimento e seu desenvolvimento
até o momento dentro dos aspectos: físico, motor, intelectual,
emocional, social e qualquer intercorrência em seu crescimento.
Cada um destes terá relação entre si para a compreensão dos
fatos que não necessariamente devem seguir um padrão rígido. A
estratégia de cada fonoaudiólogo deverá ter caracterização pró-
pria que garanta o resultado almejado, pois o que valoriza o
trabalho é a análise dos dados. Isto promoverá as primeiras
hipóteses que implicarão nos encaminhamentos necessários.
A investigação neste momento deverá contar também com
dados da história circunstancial, relatórios escolares (se houver),
exames realizados ou outros atendimentos especializados.
A forma como chegou o diagnóstico da deficiência auditiva e,
de que forma foi recebido, dará mais dados de como está este
Anamnese 293

processo de aceitação e principalmente de compreensão do


problema. Sabe-se que o impacto do diagnóstico implica em uma
série de preconceitos e que, portanto, poderá gerar angústias nos
familiares no momento da devolutiva. Assim, amadurecer os
dados dependerá do momento de cada indivíduo. O fonoaudiólo-
go deverá procurar um equilíbrio emocional versus profissional.
Para isto é necessário adequar o vocabulário, não sendo tão
específico, mas procurar ser o mais completo possível.
M ARTIN (1994) coloca que “as pessoas não processam as
informações novas na mesma velocidade e precisão, o que um
clínico vê como simples transferência de informação pode ser
um golpe verbal ao receptor”.
Estar aberto para colocações vindas desta família e escutar
referências simples do cotidiano da criança que a diferenciam do
“esperado” valorizam o conteúdo da entrevista. É comum encon-
trar as seguintes frases ao perguntar sobre a queixa: “chamava a
criança e não respondia”, “não acordava com barulho”, “parece
que está no mundo da lua, só ouve quando quer...”, estas e outras
falas são observações geradoras de conflitos que se alimentam
de novas suspeitas até a procura de um profissional. Este, por sua
vez, deverá investigar o caso solicitando exames e criando a
imagem da criança com observações pertinentes. Muitas vezes é
necessária a presença dos pais para realização dos exames e,
toda esta bateria de testes continuará trazendo insegurança para
estes familiares.
Encontramos muitas vezes situações onde o acompanhante
justifica uma ausência de resposta da criança ao estímulo,
atribuindo sono ou fome e que talvez uma reavaliação traria
melhores resultados. Estes e outros comentários mostram o
quanto é importante um suporte à família não só no período da
investigação.
Estas especulações deverão ser abordadas de forma profis-
sional para que não pareçam uma invasão mas, pelo contrário,
uma acomodação dos fatos.
O trabalho de acomodação é aquele que acentua os dados
também para os familiares. As informações relacionadas à doen-
ça irão fazer sentido quando esclarecidas. Novas nomenclaturas
farão parte do vocabulário destes familiares e elas só serão
pronunciadas de forma efetiva quando estiverem no devido lugar
de seu raciocínio. Os diversos sentimentos serão amadurecidos
quando forem experienciados. As pessoas têm momentos dife-
rentes e só conseguirão efetivamente construir bons resultados
consigo mesmas e com seus filhos quando os dados estiverem
acomodados, ou seja, informações apresentadas, sentimentos
vivenciados e motivação alimentada.
É importante neste contato firmar um contrato de compromis-
so: de que maneira será o trabalho com a criança, o que se espera
em termos burocráticos, horário, presença e outras exigências
que se não firmadas implicarão no rendimento do trabalho.
294 Fonoaudiologia Prática

WEILER (1992) diz fundamental numa entrevista “definir suas


condições de trabalho, duração, preço a ser cobrado, forma de
pagamento e a forma como desenvolverá seu trabalho (outros
momentos com os pais, quem solicita freqüência de trabalho com
a criança e os princípios que caracterizam seu trabalho). A clareza
dessas condições de trabalho são os limites existentes para o
terapeuta e para os pais”.

APRESENTAÇÃO DE UM CASO
M.R. procurou o pediatra da filha M.G. (4 anos) porque esta
estava com febre muito alta, foi diagnosticada amigdalite aguda e
após tratamento com antibiótico o quadro regrediu. Nada mais foi
investigado, pois a queixa naquele momento era visível e se
resolvera com medicamento. Neste meio tempo, os pais resolve-
ram então assumir algumas dificuldades apresentadas pela filha:
falava pouco e muitas vezes de modo enrolado (sic).
Diante deste novo dado, o pediatra encaminhou-a para o
especialista que realizou uma série de exames diagnosticando uma
deficiência auditiva sensorineural moderadamente severa bilateral.
Imediatamente os pais realizaram uma campanha para a compra do
aparelho auditivo e em seguida vieram as terapias fonoaudiológicas.
As observações da fonoaudióloga foram se somando a um
questionamento constante com relação à “história da queixa da
deficiência auditiva” e o próprio desenvolvimento da mesma. Os
pais, por sua vez, relataram outros fatos que os perturbavam,
ocorridos no mesmo período da febre: “um tombo da grade do berço,
encontrando-a chorando; e um pouco depois estava no colo de uma
tia e sofreu um ataque de um cachorro (dogue alemão) e chorou sem
voz”. Estes eram os medos que assombravam a mãe ao tentar
aceitar a deficiência auditiva na rotina familiar.
Ainda que com certa timidez, os pais mencionavam cenas do
cotidiano quando a criança reagia mesmo sem o aparelho de
amplificação ao barulho do molho de chaves do pai, quando este
chegava em casa; fatos que fizeram com que o pai realizasse uma
série de imagens em vídeo da criança em situações rotineiras do
tipo: aniversário da criança e da prima, cenas de férias, na
tentativa de reunir dados e questionar sobre o diagnóstico. Rea-
lizada uma investigação aprofundada do caso, reunindo as obser-
vações da terapeuta ao relato dos pais, novos exames foram
realizados, chegando assim a um novo diagnóstico: Dispraxia
motora dos órgãos fonoarticulatórios. O aparelho auditivo foi
retirado e a criança vem apresentando uma melhora significativa
e os pais a confiança desejada.
Evidentemente, o que foi exposto não se trata de uma cena
comum. A idade da criança na época do primeiro diagnóstico (1
ano e 9 meses) poderia levantar dúvidas e a própria doença
causar dubiedade. Foram necessárias investigação minuciosa,
observações pertinentes e oportunidade para a família expor suas
Anamnese 295

dúvidas. A grande verdade, contudo, é que diante de uma história


relatada quase nunca se pensa em escutar o que vem por trás da
queixa, os pais geralmente guardam o enredo dos médicos
esperando as descobertas dos mesmos como se fossem atos
heróicos.
Uma anamnese bem-feita objetivando as queixas tornará o
trabalho mais efetivo e com menos chance de erros. No caso
citado anteriormente, foram feitas várias avaliações por diferen-
tes profissionais e mesmo assim 2 anos se passaram até se
obter um novo diagnóstico. Tudo a princípio parecia resolvido,
mas faltaram dos mesmos profissionais que solicitaram os
exames e dos que os realizaram, observações pertinentes e
anamnese buscando o conhecimento da história da criança, a
oportunidade para que os pais se posicionassem e disponibili-
dade para escutá-los.
Anamnese

Profissional Paciente



Vínculo ▲



Coleta de dados ▲

▲ ▲
Troca de informações



Conhecimento adquirido

Hipóteses diagnósticas


Encaminhamentos
necessários

Acomodação dos fatos

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma ocorrência sócio-patológica provoca instabilidade no
sistema em que estiver inserida. Trabalhar com o paciente requer
a inclusão de seus familiares como membros ativos no processo,
contribuindo com informações e incentivos.
A anamnese tem a função de levantar dados da história
clínica, circunstancial, relações pessoais e interpessoais.
O interesse voltado ao estudo da natureza e significado do que
traz o paciente ao profissional deverá ocorrer através de uma troca
entre ambos. O primeiro deverá abster-se de tirar vantagens e
296 Fonoaudiologia Prática

abusar do seu conhecimento pré-julgando, e sim, estar à disposi-


ção do paciente. Já o segundo deverá informar sobre sua queixa
e conhecer seu problema. Dentro destes objetivos, a troca forta-
lecer-se-á a cada novo encontro.
Por outro lado, se houver qualquer intercorrência neste rela-
cionamento que provoque uma quebra, ambos terão pouco su-
cesso. Para garantir este contato, se faz necessária, principal-
mente, a troca de olhares, evitando assim situações, como por
exemplo, ao obter informações do paciente, o profissional passe
a falar apenas com o computador, deixando de lado observações
comportamentais importantes. Ou, em serviços onde a burocracia
é ainda maior e o preenchimento de vários papéis prejudique este
envolvimento. Saber dosar este momento valoriza o conhecimen-
to de ambas as partes.
Assim, estabelecer um bom relacionamento levará a procedi-
mentos posteriores bem-sucedidos. Neste sentido, a anamnese
já é um momento terapêutico. O profissional contará com
informações qualitativas e cooperação para melhor conduzir seu
trabalho, e o paciente, por sua vez, sentirá a confiança necessária
para se engajar no processo de reabilitação.

Leitura recomendada
BLEGER, J. – Psicologia da Conduta. Porto Alegre, Artes Médicas, 1984.
CLARK, J.G. – Understanding, building, and maintaining relationships
with patients in effective counseling. In: Audiology. New Jersey
Simon & Schuster Company, 1994. pp. 18-37.
EHRLICH, C.H. – Anamnese da criança. In: Tratado de Audiologia
Clínica. 3ª ed. São Paulo. Editora Manole, 1989. pp. 617-630.
LUDKE, M. & ANDRÉ, M.E.D.A. – Pesquisa em Educação: Abordagens
Qualitativas. São Paulo, EPU, 1986.
MARTIN, F.N. – Conveying diagnostic information. In: Effective Counseling
in Audiology. New Jersey. Simon & Schuster Company, 1994. pp.
38-61.
TOMM, K. – Entrevistamento interativo. Parte III. Pretendendo Fazer
Questões, Lineares, Circulares, Estratégicas ou Reflexivas. Revista
Family Process, 1988. pp. 1- 9.
WEILER, M.C.C.R. – A primeira entrevista na clínica fonoaudiológica:
um estudo preliminar. Tese de Mestrado. PUC, São Paulo, 1992.
Importância do Diagnóstico Precoce na Deficiência Auditiva 297

14
Importância do Diagnóstico
Precoce na Deficiência
Auditiva

Anna Maria Amaral Roslyng-Jensen

INTRODUÇÃO
Este capítulo tem como objetivo servir de guia de orientação
para os profissionais da área de fonoaudiologia que têm contato
com crianças e pais, onde haja suspeita ou confirmação de uma
Deficiência Auditiva.
Os deficientes auditivos e os profissionais que trabalham
nesta área sabem da importância deste déficit sensorial no
comportamento do indivíduo. O ouvido é o órgão que possibilita
uma das nobres funções superiores do homem que é a comunica-
ção.
A criança com deficiência auditiva, pela impossibilidade de se
comunicar, pode tornar-se um indivíduo introvertido, com proble-
mas de origem nervosa, e acaba isolando-se do mundo que a
rodeia por não compreender e não ser compreendida. É essencial
que a criança, ao nascer, tenha audição normal para a aquisição
da fala durante seu desenvolvimento. A integridade periférica e
central do sistema auditivo é essencial para a aquisição da
linguagem verbal e para seu desenvolvimento (ZARNOCK &
NORTHERN, 1988).
Observando uma criança pequena em fase de aquisição de
suas funções, podemos nos maravilhar ao perceber que é através
da linguagem que ela consegue organizar o seu universo, enten-
der o mundo que a rodeia, compreender o outro, transmitir e
298 Fonoaudiologia Prática

abstrair pensamentos e sentimentos do outro, interagir no meio e


adquirir conhecimento.
As dificuldades que terá a criança com deficiência auditiva são
múltiplas. Além da falta de linguagem ou fala ou dificuldade no
desenvolvimento, haverá dificuldades sociais e de escolarização
desta criança.
Sabe-se que durante o desenvolvimento do sistema nervoso,
todos os sistemas sensoriais, especialmente as vias nervosas,
maturam ao mesmo tempo que o sistema motor e os processos
mentais. Deste modo, se existe uma deficiência auditiva não
corrigida na fase de maturação (compreendida entre 0 e 4 anos),
ocorrerão alterações que dificilmente serão corrigidas mais tarde.
O que é importante saber é que o deficiente auditivo quase
sempre apresenta vestígios de audição (resíduos auditivos, audi-
ção residual), especialmente para as freqüências graves, que
uma vez detectados precocemente poderão ser aproveitados
com o uso de próteses auditivas. Com a prótese, o deficiente
deverá passar por um processo de treinamento para compensar
uma perda quantitativa e qualitativa de sua audição. Esta estimu-
lação auditiva, com ou sem prótese, deve ser iniciada precoce-
mente, se possível no primeiro ano de vida.
Um dos grandes problemas para este diagnóstico precoce da
deficiência auditiva e a conseqüente estimulação auditiva precoce
é que as crianças chegam aos Audiologistas e Fonoaudiólogos
muitas vezes com idades de 3 a 6 anos, tendo já passado daquela
importante fase de maturação dos processos auditivos, tornando
todo o processo de reabilitação mais difícil.

Qual a eficácia da identificação precoce?


Esta questão apresenta um desafio significativo para os
profissionais de audiologia, de patologias de fala e linguagem e
para a própria comunidade surda.
A primeira justificativa para a identificação precoce de defi-
ciências auditivas está relacionada ao impacto desta na aquisição
de fala e linguagem e no desenvolvimento sócio-emocional. Os 3
primeiros anos de vida são fundamentais para aquisição de fala e
linguagem. Estudos em animais mostram que a privação auditiva
precoce interfere no desenvolvimento das estruturas neurais,
necessárias para a audição. Portanto, bebês com perdas auditi-
vas, particularmente os portadores das assim chamadas
neurossensoriais, podem passar por uma ruptura similar que terá
um impacto direto na aquisição normal da linguagem (NATIONAL
INSTITUTE OF CHILD HEALTH, USA, 1993).

Mudanças históricas
As variáveis que afetam a eficácia dos estudos em identifica-
ção precoce de perdas auditivas e o início de programas de
reabilitação, também precoces, são numerosas e complexas:
Importância do Diagnóstico Precoce na Deficiência Auditiva 299

1. A partir da década de 60 percebe-se um grande desenvol-


vimento da tecnologia de instrumentos de avaliação audiológica
em crianças, desta forma a idade de identificação de perdas
auditivas vem diminuindo desde então.
2. Estratégias de adaptação de próteses auditivas desenvol-
veram-se dramaticamente.
3. Outros avanços como amplificadores de telefone, sistemas
de FM (Freqüência Modulada) e o uso de computadores levaram
a mudanças nas propostas educacionais desde 1960.
4. Houve, ainda, vastas mudanças nas modalidades de comu-
nicação usadas na educação de crianças com perdas auditivas.
5. Retorno a programas de reabilitação centrados no lar e na
relação pais/filho.
6. Instrumentos de avaliação usados para estudos do desen-
volvimento infantil também se desenvolveram.
7. Mudanças e novos conhecimentos nas etiologias das
perdas auditivas.
8. Aumento da incidência de múltiplas deficiências (YOSHINAGA-
ITARO, 1995).
O leitor pode aqui estranhar, quando comentam-se mudanças
quanto a etiologias. Cabe então lembrar que a rubéola, com o
advento da vacina em 1967, deixou de ser, em países desenvol-
vidos, uma das causas de perdas auditivas em um número muito
grande de crianças, assim como a meningite em crianças acima
de 2 anos. Porém, sabe-se ainda que em nosso meio a vacina anti-
rubéola não faz parte dos programas de vacinação oferecidos à
população, apenas a de meningite, oferecida em conjunto com
outras vacinas que nossas crianças brasileiras recebem.
Outras etiologias surgiram, pois drogas como crack usadas na
gestação e o aumento de bebês prematuros que sobrevivem
graças à tecnologia e ao conhecimento também causam proble-
mas auditivos, assim como outras deficiências associadas.

Métodos atuais de screening


Desde o advento do Diagnóstico Precoce até o presente
momento, os métodos utilizados em vários serviços e de acordo
com os recursos disponíveis em cada comunidade são:
1º) Método baseado em critério de alto-risco – Nele se
enquadram itens familiares, gestacionais, peri e pós-natais, a
seguir:
• História de caso de surdez congênita ou desde a infância na
família.
• Infecção grave na gestação: rubéola, herpes, sífilis, citomega-
lovírus e toxoplasmose.
• Dificuldades no parto que tenham afetado a respiração do
bebê.
• Baixo peso, inferior a 1500 kg.
• Má-formação de crânio, rosto, pavilhão auricular, acompa-
nhadas ou não de outros sinais anormais no corpo.
300 Fonoaudiologia Prática

• Hospitalização prolongada ou necessidade de permanecer


em Unidades de Terapia Intensiva (por 2 ou mais dias após
o nascimento).
• Qualquer tipo de alteração neurológica ou infecção cerebral
(por exemplo, meningite bacteriana).
• Filhos de mães dependentes de crack e/ou cocaína (JOINT
COMMITTEE ON INFANT HEARING, 1994 – Position Statement).
Crianças que preencham um ou mais itens deste roteiro têm
direito a testes auditivos ao nascer e já em nosso meio, em muitos
Centros, são testadas. Porém, das crianças testadas, perdem-se
50% de portadores de perdas auditivas, devido às seguintes
razões:
• Hiperbilirrubinemia, onde o nível sorológico requeira trans-
fusão de sangue.
• Uso de medicações ototóxicas, incluindo mas não se limi-
tando aos aminoglicosídeos usados em muitas e variadas
infecções.
• Ápgar 0 – 4 no 1º minuto ou 0 – 6 no 5º minuto.
• Ventilação mecânica prolongada por 5 ou mais dias.
• Estigmas ou outros achados associados a síndromes co-
nhecidas onde se inclui perda auditiva neurossensorial e/ou
condutiva.
Além dos dados anteriores citados, crianças portadoras de
perdas auditivas leves e moderadas, como portadoras de otite
média, passam no teste, por ser do tipo comportamental e os
estímulos apresentados serem mais intensos.
Cerca de 50% dos recém-nascidos com perdas congênitas
não se incluem em registros de alto risco, por exemplo, perdas
genéticas.
Nem sempre os profissionais que aplicam o teste são bem
orientados e trabalham com bons recursos ambientais. É sempre
necessário testar os bebês em sono leve, conhecer bem as
reações a sons típicos do recém-nascido (aspectos do desenvol-
vimento), e muitos berçários serem extremamente ruidosos
(NORTHERN & HAYES, 1994).

2º) Audiometria de tronco cerebral – Quase todas as crianças


nascidas com perdas auditivas congênitas, poderiam ser detecta-
das no berçário, utilizando-se desta técnica (CHAPCHAP). Em 1970,
JEWETT e cols. descreveram o complexo de 7 ondas ou picos,
denominando-o Potencial Evocado Auditivo de Tronco Cerebral
(PEATC). O PEATC também pode ser chamado de Audiometria de
Respostas Elétricas de Tronco Cerebral ou BERA (Brainstem
Evoked Responses Audiometry). O PEATC reflete atividade elétrica
obtida durante os 10ms após a apresentação do estímulo auditivo.
Os picos de ondas podem ser representados por algarismos roma-
nos como sugeriram JEWETT & WILLISTON (1971).
Na década de 80, o PEATC ganhou dimensão diagnóstica que
transcende a barreira interdisciplinar. Os avanços tecnológicos e
Importância do Diagnóstico Precoce na Deficiência Auditiva 301

o desenvolvimento em pesquisas tornaram o PEATC uma avalia-


ção acessível. Estudos em animais e intra-operatórios em huma-
nos constataram que as ondas são geradas por uma ou mais
estruturas ao longo da via auditiva . A classificação dos geradores
pode variar entre os autores, e MOLLER e cols. (1981) descreve-
ram-na da seguinte forma:

Onda I Porção distal ao tronco cerebral do nervo


auditivo
Onda II Porção proximal ao tronco cerebral do
nervo auditivo
Onda III Núcleo coclear
Onda IV Complexo olivar superior
Onda V Lemnisco lateral
Onda VI Colículo inferior
Onda VII Corpo geniculado medial

Em adultos com audição normal as ondas podem ser obser-


vadas em intervalos de 1ms começando a partir de 1,5ms.
Há mais de 15 anos o PEATC vem sendo recomendado para
ser usado em unidades neonatais com o objetivo de detectar
precocemente as alterações auditivas (SCHULMAN-GALAMBOS &
G ALAMBOS, 1979). Desde então vem sendo amplamente utiliza-
do nas UTIs neonatais, principalmente nos Estados Unidos,
com sucesso. Existem muitos trabalhos descrevendo a utiliza-
ção do PEATC em neonatos. Apesar de cada trabalho trazer sua
contribuição à área, o descrito por GORGA e cols. (1987) é
muito importante e demonstrou de forma muito clara a normali-
dade das respostas de neonatos de diferentes idades gestacio-
nais. Segundo reuniões de especialistas (JOINT C OMMITTEE ON
I NFANT HEARING ) realizadas em 1982, 1991 e 1994, o PEATC
vem mantendo a posição de ser a metodologia mais específica
e sensível para a detecção precoce de alterações auditivas em
neonatos.

DEFINIÇÃO
O PEATC é o registro das respostas elétricas desencadeadas
por um estímulo sonoro ao longo da via auditiva até o tronco
cerebral. É também chamado de respostas de latências curtas e
rápidas, pois analisam o complexo de 5 a 7 ondas que ocorrem nos
10ms após a apresentação do estímulo. As respostas podem ser
consideradas de campo distante, pois os eletrodos estão coloca-
dos longe da origem de seus geradores. Os eletrodos de superfí-
cie captam o EEG, os artefatos e os PEATC. Essas respostas vão
para um pré-amplificador e são filtradas e ampliadas em uma
ordem de mil vezes. As respostas obtidas são promediadas por
meio de técnica específica que elimina os artefatos e soma as
respostas, sendo observadas em forma de registro no monitor.
302 Fonoaudiologia Prática

Desta forma, avalia-se a integridade neural das vias auditivas, da


sua porção periférica até o tronco cerebral, detectando perdas
auditivas leves a profundas, unilaterais ou bilaterais.
Além do aspecto auditivo, o PEATC nos dá informação sobre
a condução do estímulo apresentado, avaliando, assim, a matu-
ridade neurológica do neonato, pelo tempo de latência de suas
respostas.
É uma avaliação objetiva, eletrofisiológica, não-invasiva, indi-
cada para a avaliação da sensibilidade auditiva em neonatos, em
indivíduos que não colaboram na testagem do comportamento
auditivo e no diagnóstico diferencial de problemas audiológicos
e/ou neurológicos. Essa metodologia pode ser usada para avaliar
os neonatos pertencentes ao grupo de risco para surdez podendo
se estender a todos os demais, como ocorre na triagem auditiva
universal.
Apesar do PEATC ser uma metodologia cujos parâmetros não
estão padronizados, é muito importante que cada serviço tenha
seu padrão de normalidade e parâmetros pré-determinados.
Esses padrões e parâmetros devem ser anexados aos relatórios
e laudos dos exames, podendo assim ocorrer a interpretação
correta dos achados audiológicos dos pacientes que tiveram o
exame realizado em qualquer centro.
Na década de 90 surgiram aparelhos próprios para realizar a
triagem auditiva em neonatos. São portáteis, à bateria, possuem
sistema automático de rejeição de artefatos (elétricos, muscula-
res e ambientais), fone de ouvido pequeno e transparente (possi-
bilitando observar se o conduto auditivo externo está colabado) e
detecção automática da presença ou ausência das respostas a
35 dB NA (passa x falha). Foram testados 35 recém-nascidos
com audição normal e suas respostas foram colocadas na caixa
rígida do ALGO I (equipamento utilizado). Se a onda V do neonato
testado estiver dentro desse padrão de normalidade (com mar-
gem de mais ou menos 1,5ms) é considerado que passou na
triagem auditiva, do contrário é considerado que falhou. O ALGO
I apresenta a vantagem de ser rápido e pode ser usado por pessoa
não especializada, e a desvantagem de não se obter o registro das
respostas com suas latências. Mais detalhes ver KILENY (1987) e
PETERS (1986). MARLOWE (1993) utilizou-se deste aparelho para
realizar a triagem auditiva universal em berçário, na Flórida. Se
todas as variáveis estiverem controladas, o exame se torna rápido
e mais sensível. O PEATC é uma avaliação fidedigna desde que
realizada por pessoa com treinamento adequado, familiarizada
com o aparelho e com o procedimento, com o estabelecimento de
normalidade e com experiência. O PEATC alterado pode ser
devido à patologia auditiva; ao dessincronismo das fibras auditi-
vas em decorrência de problema neurológico, ao erro técnico ou
de interpretação. Sobre os limiares, LARY e cols. (1985) demons-
traram que o limiar eletrofisiológico em neonatos a termo (40s) era
entre 10 e 25 dB NA, enquanto em pré-termo (35s) era 40 dB NA.
Importância do Diagnóstico Precoce na Deficiência Auditiva 303

HAFNER (1993) observou respostas a partir de 26s de IC, apresen-


tando consistência a partir de 29s para intensidades fortes e
diminuição de limiares a partir de 34s. CASTRO JR. (1991) obser-
vou grande variabilidade na obtenção dos limiares entre neonatos
normais e de alto risco. Por existir muita variabilidade nas respos-
tas dos neonatos pré-termos e na maioria das vezes trata-se de
recém-nascidos com quadro clínico muito instável, é aconselhá-
vel realizar a triagem auditiva próxima à alta hospitalar, para
minimizar a influência da imaturidade (CHAPCHAP, 1996).

3º) Emissões otoacústicas evocadas (EOE) – É uma avalia-


ção mais moderna, rápida e não-invasiva, que também pode ser
realizada no próprio berçário durante o sono natural. O ouvido
interno (células ciliadas externas) de indivíduos com audição
normal tem a capacidade de reemitir, em forma de eco, a energia
sonora recebida através do ouvido externo. Esse eco, ou emis-
sões otoacústicas evocadas, pode ser captado por um microfone,
acoplado a uma sonda, colocado no conduto auditivo externo.
Essa metodologia avalia a via auditiva na sua porção pré-neural
ou coclear. EOE presente significa que o indivíduo apresenta
limiares auditivos menores ou iguais a 30 dB NA (CHAPCHAP,
1995).

4º) Testes comportamentais – Como por exemplo, audiome-


tria de reforço visual, usualmente só podem ser aplicados em
crianças ao redor de 6 meses ou mais; podem ser bastante
confiáveis, mas não são procedimentos de screening. Não iden-
tifica e nem permite tratamento até depois de 1 ano de idade.

5º) Diagnóstico na família – Sabe-se que 70% de crianças


com perdas auditivas não são identificadas por meio a preocupa-
ções e suspeitas dos próprios pais. Os profissionais que lidam
com crianças devem ser ouvintes de pai e mãe que sabem quando
algo está errado com seus filhos. E nestes casos, sempre orientar
quanto ao caminho para uma avaliação audiológica completa.
A incidência da deficiência auditiva, antes estimada em 1 para
cada 1.000 nascimentos, aumentou drasticamente nos últimos
anos. Dados mais atualizados, no período de abril de 1988 a
março de 1994, num programa de triagem auditiva em recém-
nascidos, na maternidade do Hospital Israelita Albert Einstein, em
São Paulo, onde são testados todos os bebês considerados de
risco para surdez, foram feitos 1.235 testes (TABELA 14.1).
Desses 1.237 recém-nascidos (RN), 27 apresentaram res-
postas alteradas na triagem auditiva, sendo 22 da UTI neonatal
(7 sem ARPS e 15 com ARPS) e 5 do berçário de normais com
ARPS. Considerando os RN pertencentes ao grupo de risco
para surdez, a incidência de respostas alteradas foi de 2,2 e
4,4% no berçário de normais e UTI neonatal, respectivamente.
É preciso salientar que houve 1,1% de respostas alteradas nos
304 Fonoaudiologia Prática

Tabela 14.1 – Recém-nascidos testados no período de abril de 1988


a março de 1994.
Com ARPS Sem ARPS Total

UTI neonatal 343 664 1.007


Berçário de normais 230 * 230
Total 573 1.237
ARPS = Recém-nascido com algum fator de risco para surdez segundo JCNH.
* Recém-nascidos testados devido à hiperbilirrubinemia isolada ou a pedido dos pais, não analisados nessa
apresentação.

RN da UTI neonatal, porém sem ARPS, confirmando a necessi-


dade de avaliação audiológica dessa população. Considerando
apenas os RN pertencentes à UTI neonatal, a incidência de
problemas auditivos é de 2,2% (22/1.007), compatível com a
encontrada na literatura (2 a 9%) (CHAPCHAP, 1995).
Espera-se portanto para o ano 2000, que os programas de
screening se tornem mais efetivos no mundo e que os diagnósti-
cos sejam feitos até os 3 meses de idade, e o intervalo entre
diagnóstico e início de uma proposta de reabilitação não exceda
outros 3 meses.

O que se considera uma perda auditiva?


Uma perda auditiva numa criança é qualquer grau de audição
que reduza a inteligibilidade da mensagem falada a um grau de
inadequação para interpretação apurada ou para aprendizagem.
Tal definição reconhece que não pode ser possível colocar
medidas específicas em handicaps em que resida a habilidade da
criança para aprender.
Muitas variáveis estão presentes no processo de aprendizagem
da criança: quantidade de estimulação da criança realizada pelos
pais, qualidade da mesma estimulação, inteligência inata, idade do
estabelecimento da perda auditiva, fatores da personalidade da
criança, condições de saúde física, em geral, e nível sócio-econômi-
co. Estas variáveis podem, então, afetar habilidades de aprendiza-
gem de crianças em que uma perda de 10 dB NA pode ser um
handicap comparado com outras, em que 25 dB NA de perda
auditiva não serão um handicap (NORTHERN & DOWNS, 1991).

Marcas observáveis nos primeiros meses de vida


na criança deficiente auditiva
Um pequeno bebê, ao nascer, sobrevive, pois há um ser
saudável e amadurecido que cuida, nutre, atende a suas neces-
sidades até se tornar independente. Este ser é a mãe. A mãe
natural ou aquela que irá criá-lo.
Desde o primeiro dia de vida estes dois indivíduos, mãe e filho,
irão estabelecer um código próprio. A mãe conversa, verbaliza
Importância do Diagnóstico Precoce na Deficiência Auditiva 305

tudo o que faz com seu filho na rotina dos primeiros meses de vida:
amamentação, troca de fralda, banho, adormecer, acordar, des-
coberta do ambiente, contato com os primeiros brinquedos, e sons
da casa, dor, etc.
O bebê por sua vez, produz sons, chora e murmura de forma
distinta quando tem fome, está desconfortável, tem dor, tem sono
ou quando acorda. A mãe identificando cada um destes sons
atende o bebê.
Porém, para que este processo ocorra normalmente, o bebê
necessita ouvir a voz materna, o que ocorre já na segunda
semana de vida (MAUK & B EHRNS, 1993), os bebês identificam
e reconhecem a voz materna, até gravada ou distorcida, neste
período.
Esta voz tem o poder de antecipar a presença materna, saciar
fome, sede e significa ainda aconchego e segurança.
Imagine um bebezinho que acorda, chora de fome e pelos
sons produzidos pela mãe na casa e sua voz, quando vai se
aproximando do bebê, este já se acalma e pára de chorar, mesmo
antes de vê-la. E, a mãe pode se afastar do quarto e o bebê se
tranqüiliza, pois sabe que ela vai e volta e percebe todas as
marcas maternas sonoras pelo ambiente.
O bebê vai crescendo, cada dia compreende mais e mais do
que é dito por sua mãe e desta forma mãe/bebê irão construindo
a linguagem no dia-a-dia.
Aos 6 meses, o bebê percebe que ouve sua própria voz, tem
prazer em produzir sons e ouvi-los. É o início do uso do feedback
acústico-articulatório que vai marcar o início do balbucio. Balbucio
este que vai se diferenciando, tornando-se mais e mais rico,
silábico até ao redor dos 12 meses, este ser tão pequeno, por ter
compreendido a linguagem materna e pelo fato de se ouvir vai
iniciar a produção de suas primeiras palavras.
Este processo fantástico do desenvolvimento da criança ou-
vinte não vai ocorrer da mesma forma com a criança deficiente
auditiva.
A mãe vai agir da mesma maneira, pois na maioria das vezes
não sabe, que seu bebê ao nascer não ouve. E este por não
perceber os sons da mãe, suas marcas no ambiente e sua voz, só
tem a sensação de ter a mãe, quando esta está no seu campo
visual. Não antecipa a presença materna e quando esta se afasta,
não tem a noção de que a mãe voltará. É uma criança que vai
demorar um tempo maior para incorporar a “mãe interna”, que é
um pré-requisito importante para o início da formação da identida-
de (DILORETTO).
Várias pesquisas foram feitas estudando-se o comportamento
destas crianças deficientes auditivas. E os relatos dos pais coin-
cidem com os estudos que mostram que estes bebês, por terem
a mãe só quando é possível vê-la, têm uma sensação de descon-
tinuidade materna e quando a mãe se ausenta, de abandono
precoce. São bebês classificados em dois grupos: os que choram
306 Fonoaudiologia Prática

muito, como forma de ter a mãe mais vezes perto e os que se


deprimem e dormem muito.
Este fenômeno é claramente observável e é um forte indício
para que o diagnóstico seja feito mais cedo e os pais possam ser
devidamente orientados para que voz e marcas na casa se tornem
mais intensas de modo que o bebê possa perceber e sentir a
presença materna.
Outra marca bastante visível e que os pais sempre percebem
é a ausência ou pobreza do balbucio.
É importante ouvi-los e mostrar os caminhos.
Indo mais além, é fundamental pensar em prevenção.
Prevenção ligada à atitude materna. A mãe que tem um bebê
deficiente auditivo e desconhece o fato nos primeiros meses de
vida, age como qualquer outra mãe, estimulando e conversando
com o bebê.
À medida que os meses passam, o bebê não responde como
outros: pelo sorriso, não acorda com sons e quase não emite sons;
a mãe vai notando que há algo de errado. Gradativamente sem
perceber vai parando de conversar com seu filho, pois não há troca.
Este algo errado é confirmado, quando o Diagnóstico de uma
Deficiência Auditiva é feito pelo especialista.
E, quando se fala em Diagnóstico Precoce, este só tem
validade se imediatamente tiver início o processo ou programa de
reabilitação. Não há tempo a perder.
E o primeiro passo, que pode ser considerado preventivo é
ajudar e encorajar à mãe para que recupere a atitude de mãe
estimulante, da mãe que conversa com seu filho, aquilo que ela faz
melhor do que ninguém, levando-a a entender que este é o
caminho de um desenvolvimento e de diminuição na defasagem
de seu bebê, quando comparado com crianças ouvintes de
mesma idade cronológica. É papel dos profissionais explicar à
mãe que o bebê não vai responder a seus estímulos imediatamen-
te, mas acumulando e armazenando o que recebe; aos poucos
dará sinais de compreender e ouvir.
Esclarecer de forma compreensível aos pais o que é com-
preender e ouvir dentro do contexto rico, que é a rotina da vida da
criança pequena e sua mãe.
Lembrar que é na repetição e verbalização constantes desta
rotina que o bebê aprende seu dia e se organizar.
O fato de aprender já está ligado à cognição, pois as raízes do
que pode ser considerado pedagógico estão no início da vida.
No ato de ser alimentado, adormecer, acordar, ser trocado,
banhado, numa atmosfera onde tudo é explicado e verbalizado
pela mãe, o bebê absorve e aos poucos vai ser capaz de antecipar
o que vai acontecer e consegue ficar mais tempo afastado da mãe
sem angústia.
Nesta fase descobre os brinquedos, os primeiros que manipula
enquanto está no berço. Surgem os brinquedos preferidos, aqueles
que o bebê conserva até para adormecer e carrega consigo onde vai.
Importância do Diagnóstico Precoce na Deficiência Auditiva 307

Esta é uma etapa de extrema importância no desenvolvimento


e tem que ocorrer natural ou terapeuticamente.
Pode parecer estranho para os profissionais da área de
fonoaudiologia a importância de se conhecer o brincar e o brinque-
do para a criança. Esta é a razão de investir numa ampla formação
na área de desenvolvimento infantil.
O brinquedo e o brincar têm uma função e são pré-requisitos
para que uma criança atinja outras etapas.
Nesta primeira etapa, para as crianças que não ouvem, o
objeto lúdico (brinquedo) cumpre também o papel de auxiliar na
construção dos códigos que não podem ser ouvidos. Com o
brinquedo, o bebê organiza-se, na ausência da mãe, atribuindo
significado a essa ausência.
Os profissionais devem contribuir para a construção, neste
processo. A organização destas informações para a mãe possibi-
lita que esta dupla mãe/filho construam um caminho de cumplici-
dade na compreensão da necessidade de cada um. E se bem
instrumentada por profissionais, a mãe mesmo frente ao impacto
da deficiência auditiva, aos poucos, vai agir com tranqüilidade.
Este processo flui e neste estão os alicerces para um futuro
melhor.

Nosso papel como profissionais desta área


Nossa meta como membros da área de Audiologia Educacional
deve ser a de isolar os parâmetros da deficiência auditiva, identificar
as deficiências educacionais e psicológicas que surgem em conse-
qüência da inabilidade auditiva, para ter acesso a essas deficiências,
uma vez que estão relacionadas a problemas únicos de pessoas em
particular e para desenvolver programas que poderão mais tarde ser
efetivos do ponto de vista funcional no mundo ouvinte (BERG, 1970).

CONCLUSÃO
Cabe, para concluir uma citação de VYGOTSKY (1934) que
afirmou ser a unidade básica do pensamento verbal o significado
de uma palavra. “Uma palavra sem significado é um som vazio.
Significado é um ato do pensamento semântico. Assim sendo, a
falta de tudo isto constitui um mundo vazio.”
E citando os próprios pais: em mais de 50% dos casos, nos
primeiros contatos, a frase que comumente ouvimos possui a
seguinte mensagem:
• a deficiência auditiva é invisível e a prótese auditiva torna-a
tão visível...
Anos mais tarde, essa mensagem se transforma:
• o que torna os nossos filhos diferentes das outras crianças
da mesma faixa etária é a defasagem no desenvolvimento
da linguagem e inadequação social e educacional, causa-
das pela dificuldade na comunicação.
308 Fonoaudiologia Prática

Muito ainda tem que ser feito para que mais e mais crianças
sejam diagnosticadas num período ideal, diminuindo a defasa-
gem de desenvolvimento entre crianças deficientes auditivas e
ouvintes de mesma faixa etária.
Somos responsáveis pela preocupação e divulgação do que
pode ser feito (ROSLYNG-J ENSEN, 1995).

Para finalizar:
“Qualquer coisa que façamos, é necessário ter em mente, que
quando testamos e tratamos uma criança pequena com deficiên-
cia auditiva, nós também estamos lidando com os pais, seus
sonhos por seu filho e, mais além, o que fazemos tem um impacto
que transcende tempo e lugar. São as crianças e suas famílias que
precisam viver com as conseqüências de nossas ações precoces”
(ROSS MARK, 1992).

Leitura recomendada
BERG, F.S. – O foco da educação da criança deficiente auditiva. In:
BERG, F.S. & FLETCHER, S.G. The Hard of Hearing Child. New
York, Grune & Straton, 1970. pp. 13-26.
CHAPCHAP, M.J. – Detecção Precoce da Deficiência Auditiva. In:
SEGRE, C.A.M.; ARNELLINI, P.A.; MARINO, W.T. RN. 4ª ed. São
Paulo, Sarvier Editora de Livros Médicos Ltda., 1995. pp. 564-567.
CHAPCHAP, M.J. – Potencial evocado auditivo de tronco cerebral (PEATC)
e das emissões otoacústicas evocadas (EOAE) em Unidade Neonatal.
In: TURQUIN DE ANDRADE, C.R. Fonoaudiologia em Berçário Nor-
mal e de Risco. Vol. I. São Paulo, Editora Lovise, 1996. pp. 171-183.
DiLORETTO, O.D.M. – Supervisor Clínico na Área de Desenvolvimento
e Psiquiatria Infantil, 1974-1979.
DOWNS, M.P. – Return to the Basic of Infant Screening. Department of
Otolaringology. University of Colorado Medical Center, Denver, 1979.
JOINT COMMITTEE ON INFANT HEARING – Position statement.
Audiology Today, 6(6):1994.
MAUK, W.G. & BEHRNS, R.T. – Conter – Histórico, político e tecnológico
associado com a identificação precoce de perdas auditivas. In:
Seminars in Hearing. Vol. 14, nº 1. New York, Thieme Medical
Publishers, Inc., 1993. pp. 1-17.
NATIONAL INSTITUTE OF CHILD HEALTH, U.S.A., 1993.
NORTHERN, J.L. & DOWNS, M.P. – Hearing in Children. Baltimore,
Williams and Wilkins, 1991.
NORTHERN, J.L. Ph.D. & HAYES, D., Ph.D. – Universal Screening for
Infant Hearing Impairment: Necessary, Beneficial and Justifiable in
Audiology Today. Vol. 6, nº 2. May/June, 1994.
OLIVEIRA, VASCONCELLOS e OLIVEIRA – Diagnóstico precoce da
deficiência auditiva na criança. Temas de Pediatria nº 46 – Nestlé,
Serviço de Informação Científica, 1990.
ROSLYNG-JENSEN, A.M.A. – Estudo Catamnéstico do Desenvolvi-
mento Lingüístico e Emocional da Criança Deficiente Auditiva,
Comparado com o da Criança Ouvinte. São Paulo, 1995. [Tese de
Mestrado – Universidade Federal de São Paulo-EPM]
Importância do Diagnóstico Precoce na Deficiência Auditiva 309

ROSS, M. – Amplification for children: the process begins. In: BERS-


GRAVEL-THARPE. Amplification for Children with Auditory Deficits.
Bill Wilberson Center Press, Nashville, Tennessee, 1996. p.1-28.
VYGOTSKY, S.L. – Pensamento e Linguagem. Livraria Martins Fontes
Editora Ltda., São Paulo, 1993.
YOSHINAGA-ITARO, Cristina – Efficacy of early identification and early
intervention. In: Seminars in Hearing. Vol. 16. New York, Thième
Medical Publishers, Inc., 1995.
ZARNOCK, M.J. & NORTHERN, L.J. – In: LASS, J.N.; McREYNOLDS,
V.L.; NORTHERN, L.J.; YODER, E.D. Handbook of Speech-Language
Pathology and Audiology. Toronto, Philadelphia, B.C. Decker Inc.
1988. pp. 1076-1093.
Deficiência Auditiva 1
Reabilitação Aural: a Clínica Fonoaudiológica e o Deficiente Auditivo 311

15
Reabilitação Aural: a Clínica
Fonoaudiológica e o
Deficiente Auditivo

Clay Rienzo Balieiro


Luisa Barzaghi Ficker

INTRODUÇÃO
Para melhor compreender a reabilitação aural na perspectiva
da terapia fonoaudiológica, é interessante lembrar de sua origem
na Educação Especial. No passado, na tentativa de organizar
procedimentos pedagógicos que resultassem no aprendizado
acadêmico, religioso ou de outra natureza, alguns educadores
fizeram propostas que tinham como finalidade ultrapassar em
alguma medida a barreira da ausência ou precariedade da lingua-
gem oral imposta pela surdez. Surgem então os chamados
métodos orais, bem como os gestuais. Convém lembrar que
essas propostas datam de uma época em que ainda não se
contava com a tecnologia para diagnóstico, nem tampouco com
recursos de amplificação do som.
Se, anteriormente, se contava apenas com outros sentidos,
principalmente a visão para o acesso à linguagem oral, atualmen-
te, para muitos indivíduos, a amplificação e, mais recentemente,
o implante coclear, possibilitam que a audição seja o canal
principal para acessá-la.
A reabilitação da criança surda esteve tradicionalmente sob a
responsabilidade da educação especial. Seus objetivos incluem,
além do desenvolvimento acadêmico dos alunos com deficiência
de audição, o desenvolvimento da linguagem, quer seja oral ou
gestual. Desta forma, na maior parte dos países, o trabalho com
312 Fonoaudiologia Prática

o deficiente auditivo é desenvolvido pelo professor. Isto também


é verdadeiro para o nosso país, onde o atendimento público
previsto por lei, voltado à população de surdos, se constitui da
escolaridade para crianças a partir da faixa etária aproximada de
3 anos, seja em escolas/classes especiais ou, excepcionalmente,
em sistema de integração em escolas regulares.
Sem dúvida, a educação especial influenciou a clínica
fonoaudiológica voltada para o surdo; porém, esta vem se modi-
ficando ao longo dos últimos anos, em busca de seus próprios
caminhos. Seu foco principal é o desenvolvimento da linguagem.
O atendimento terapêutico fonoaudiológico de pessoas sur-
das vem nos últimos 30 anos ganhando seu espaço. A possibili-
dade de realização do diagnóstico da deficiência auditiva, já na
primeira infância, criou uma nova demanda que não era absorvida
pela escola, em função da faixa etária, e passou a ser assumida
pelo fonoaudiólogo. Foram desenvolvidas propostas de trabalho
diferenciadas a partir da influência de autores como PERDONCINI
(1963), GUBERINA (1963), EWING (1963) e POLLACK (1985).
Neste capítulo, vamos discutir uma proposta de trabalho
fonoaudiológico, com ênfase no uso da audição residual, que visa
o desenvolvimento da linguagem oral. Esta foi inicialmente influ-
enciada principalmente por EWING e POLLACK. Estes autores se
diferenciavam quanto à sua proposta terapêutica, especialmente
no que se refere ao desenvolvimento da linguagem, uma vez que
não se apoiavam em estruturas lingüísticas a serem ensinadas à
criança surda, mas colocavam na relação com o adulto, a possi-
bilidade da aquisição da linguagem. Além disso, apontavam para
uma abordagem menos formal, individualizada, a partir da idéia de
que crianças desenvolvem linguagem com maior facilidade quan-
do envolvidas em situações do cotidiano.
Os fundamentos da proposta de cada um desses autores
baseiam-se no uso de amplificação sonora e na ênfase no uso
da audição residual como forma de aumentar as possibilidades
da criança surda de receber a maior quantidade de informações
acústicas possíveis dos sons da língua. Quanto melhor a crian-
ça puder se utilizar das informações acústicas, maiores chances
para o desenvolvimento de linguagem oral ela terá. Por trás
destas propostas, está a idéia de oferecer à criança surda as
melhores oportunidades para desenvolver suas habilidades
lingüísticas o mais completamente possível, de forma que
possa vir a ser lingüisticamente competente, pelo menos na
língua de sua família.
Os avanços do conhecimento na área da audiologia vão sendo
incorporados ao trabalho terapêutico e vêm corroborar com a
possibilidade de desenvolvimento de linguagem oral para crian-
ças com perdas de audição moderadas, em grande parte severas
e mesmo profundas, desde que tenham acesso a um trabalho
terapêutico apropriado a suas necessidades e possam fazer uso
adequado de aparelho de amplificação sonora.
Reabilitação Aural: a Clínica Fonoaudiológica e o Deficiente Auditivo 313

Quanto às crianças com pouco aproveitamento do resíduo


auditivo, também é possível desenvolver um trabalho terapêutico
com enfoque na linguagem oral, principalmente a partir do recurso
do implante coclear. Entretanto, deve-se estar constantemente
atento às eventuais necessidades de encaminhamento para
opções que privilegiem o uso de sinais.
O critério audiométrico não pode ser usado como indicador
do uso da audição residual, tampouco do desenvolvimento de
linguagem. Não é possível reduzir a criança às características
de seu quadro audiológico. A época em que a perda de audição
foi adquirida, sua identificação pela família, características
pessoais, familiares e sócio-culturais são fatores que interagem
com o quadro audiológico. Isto quer dizer que não se pode
atribuir somente às características da perda auditiva a maneira
como a criança vai se desenvolvendo. Ao contrário, o aprovei-
tamento do resíduo auditivo acaba sendo determinado por
todos esses fatores, os quais, por vezes, se sobrepõem ao
quadro audiológico. Isto não quer dizer que este não deva ser
cuidadosamente investigado para o esclarecimento do diagnós-
tico e para contribuição na seleção de recursos tecnológicos e
escolhas terapêuticas.
A discussão surdez, sociedade e linguagem, freqüentemente
traz à tona a polêmica oralidade e gestualidade. É por demais
simplista atribuir a propostas de trabalho, quer oral ou gestual (e
todas as combinações que ao longo do tempo foram propostas),
as dificuldades enfrentadas pelo indivíduo surdo. Como no passa-
do, posições radicais em favor de metodologias orais foram
evidenciadas, atualmente, também aparecem autores, cujo dis-
curso aponta o sinal como única possibilidade de linguagem para
os surdos.
Definir surdez ou deficiência de audição não é tarefa simples:
surdez, socialmente não se refere apenas a uma questão de
níveis de perda auditiva, mas envolve questões de natureza
extremamente complexa. A própria análise da perda auditiva e
suas implicações do ponto de vista exclusivamente perceptual
(quanto à percepção das características acústicas da fala) já é
tarefa bastante complicada. Mesmo contando-se com equipa-
mentos para análises acústicas da fala e com aparelhos de
amplificação sonora, não é possível fazer uma predição do
impacto da perda de audição sobre cada indivíduo. Se a definição
de surdez dependesse apenas do quadro audiológico, talvez esta
questão já estivesse resolvida.
Houve tempos em que se utilizava o termo surdo no sentido do
que se conhece popularmente como surdo-mudo: pessoas cuja
perda auditiva impediu o desenvolvimento de linguagem oral. Por
volta dos anos 40, quando se tornou possível fazer as primeiras
medidas audiométricas e surgiram os primeiros aparelhos de ampli-
ficação sonora eletrônicos, os autores da área de Audiologia se
utilizaram do termo deficiente auditivo na tentativa de diferenciar
314 Fonoaudiologia Prática

uma população anteriormente considerada homogênea do ponto de


vista de suas habilidades auditivas. Esta nomenclatura está vincu-
lada à classificação das perdas auditivas quanto ao tipo e grau.
Posteriormente, observamos uma preocupação, por parte dos
autores, em buscar uma diferenciação das pessoas com perdas
auditivas considerando o uso de sua audição residual com amplifi-
cação, o prognóstico ao nível da percepção auditiva da fala e do
desenvolvimento acadêmico. Mais recentemente, na tentativa de
marcar uma posição com relação a métodos educacionais e reco-
nhecimento da língua de sinais, as comunidades de surdos se
denominam Surdos com “S” maiúsculo.
A partir de nossa atuação clínica, atendendo pessoas que
apresentam diferentes tipos de alteração auditiva, sabemos como
é variado este universo. Vamos nos lembrar das crianças com
perdas moderadas; dos comprometimentos de ouvido médio; das
crianças que apresentam perdas progressivas e que ao longo de
sua infância perdem gradativamente a audição; das crianças mais
velhas ou adultos, ouvintes e falantes, que após um episódio de
doença, como meningite, passam a não ouvir mais como antes.
Com certeza, não existe um único rótulo que possa dar conta de
referir situações tão particulares. Estaremos usando, neste capí-
tulo, o termo surdo, ou deficiente auditivo, de forma equivalente.
Embora se reconheça a importância dos movimentos de
valorização da cultura do surdo e, portanto, da língua de sinais,
que advogam a visão deste enquanto minoria cultural e lingüística,
o acesso a determinados benefícios, resultantes da amplificação
e de propostas terapêuticas que visam a oralidade, também pode
ser visto como um direito da pessoa surda. A possibilidade de
adoção de um sistema educacional bilíngüe para crianças surdas,
no qual a língua de sinais seria a primeira língua, vem sendo
amplamente debatido na literatura. A investigação sobre este
tema também vem acontecendo em nosso país e, seguramente,
deverá influenciar as propostas educacionais.
Em nossa realidade, são os profissionais da área médica,
fonoaudiológica e educacional que, de um modo geral, têm atuado
mais diretamente com a pessoa deficiente auditiva. A surdez
também tem suscitado interesse de lingüistas, o que, sem dúvida,
poderá contribuir para o maior conhecimento da língua de sinais
e do processo de aquisição de linguagem pelo surdo.
Fonoaudiólogos e pedagogos, embora exercendo diferentes
papéis profissionais, têm tomado para si a tarefa de investir nas
potencialidades desses indivíduos, buscando seu desenvolvimento.
Cabe apontar que, neste texto, iremos discutir o processo
terapêutico com a criança surda, referindo-nos à clínica fonoau-
diológica, na qual terapeuta e criança percorrem um caminho
singular. A Fonoaudiologia tem procurado discutir e definir sua
área de atuação enquanto clínica, que intervém nas questões da
linguagem. Este processo se revela também, quanto ao papel
desta clínica, em relação à criança surda.
Reabilitação Aural: a Clínica Fonoaudiológica e o Deficiente Auditivo 315

Reabilitação Aural é o termo comumente utilizado na literatura


sobre deficiência de audição e sugere procedimentos específicos
para que os efeitos provocados pela deficiência de audição sejam
minimizados. Esta terminologia não define por si só o enquadra-
mento, cabendo aí propostas, tanto pedagógicas quanto clínicas.
Também não traduz os pressupostos teóricos adotados por cada
profissional na sua prática. Pode até mesmo se referir a propostas
que se limitam a discutir procedimentos que visam treinar o sujeito
naquilo que está privado pela patologia.
Neste capítulo, iremos enfocar o processo terapêutico na sua
singularidade e abordar alguns temas específicos, cujo conheci-
mento dá subsídios importantes para a nossa prática clínica.

PROCESSO TERAPÊUTICO
Diagnóstico
Em se tratando de crianças muito pequenas, é preciso ter em
mente que os limiares audiométricos podem não ficar totalmente
definidos a partir dos primeiros exames realizados. É de extrema
importância que elas sejam submetidas a avaliações eletrofisioló-
gicas, além dos outros exames que compõem a bateria de testes
audiológicos. A observação das mudanças de comportamento da
criança frente ao estímulo sonoro, com e sem amplificação, auxilia
na identificação dos resíduos auditivos presentes. É conveniente
observar que muitas crianças poderão não apresentar respostas
auditivas numa avaliação inicial, o que, no entanto, não significa
ausência de resíduo auditivo.
Poderiam ser necessárias inúmeras sessões de avaliação
para se observar respostas auditivas de crianças muito pequenas.
Neste sentido, é nossa opinião, que o conhecimento do compor-
tamento auditivo pode ser complementado no processo terapêu-
tico: terapia e uso de amplificação fazem parte do processo
diagnóstico. A prática clínica mostra que experiências auditivas
podem ser determinantes para que a criança volte sua atenção
para o som. É claro que o diagnóstico audiológico deve ser
criterioso, no entanto, é imprescindível, que o processo terapêu-
tico seja iniciado o mais cedo possível.
Portanto, a natureza da perda auditiva da criança, ou melhor
dizendo, suas possibilidades auditivas, irão melhor se configurando
a partir do momento em que a detecção do som esteja garantida pelo
uso de amplificação adequada, favorecendo o “e vir a dar atenção
ao som”, em função de um enfoque terapêutico que esteja voltado
também para os aspectos perceptuais auditivos.
Algumas crianças, cujos resultados da avaliação audiológi-
ca inicial apontavam para perdas auditivas profundas, podem
surpreender em relação ao aproveitamento do resíduo auditivo;
quer este funcione apenas como um importante vínculo com o
ambiente, quebrando barreiras para a aproximação da família
316 Fonoaudiologia Prática

com a criança; quer possa contribuir para a detecção de aspec-


tos acústicos da fala, que vão se constituindo numa fonte de
informação importante para o desenvolvimento da linguagem
oral.
Portanto essa combinação – amplificação e terapia – pode
auxiliar no esclarecimento do diagnóstico audiológico de uma
criança muito pequena, ao mesmo tempo em que a relação da
família com a criança e com a surdez vai se mostrando ao
terapeuta.

Uso da amplificação
Embora o tema seleção de aparelhos não seja assunto deste
capítulo, gostaríamos de fazer algumas considerações a respeito
de sua adaptação, uma vez que acreditamos que tal processo
esteja extremamente relacionado à atitude da família frente à
criança e frente à surdez.
Quanto à escolha do aparelho de amplificação sonora, esta
deve se basear em todos os dados provenientes dos exames
realizados, da história e de observações dos comportamentos
apresentados diante das experiências com amplificação.
Para algumas crianças, mais tarde, em processo de desenvol-
vimento de linguagem oral, a informação auditiva pode não ser a
única ou a principal pista. Isto se deve a fatores que vão desde as
características da perda auditiva, até aspectos de ordem relacional,
além da habilidade de integração de outras pistas sensoriais.
Entretanto, nos momentos iniciais de trabalho, principalmente
quando a criança é ainda muito pequena, o significado do uso da
audição, a partir do som amplificado, pode ter uma conotação que
vai além do sensório. O aparelho de amplificação sonora pode
passar a representar muito mais do que o auxílio auditivo imediato
que ele possa oferecer à criança. Pode ser, para uma determinada
família, a concretização da surdez através dele denunciada. Isto
pode interferir no processo de adaptação, mas, por outro lado, vai
permitir que esses conteúdos de caráter emocional sejam de
alguma forma trazidos pela família e possam ir sendo reconheci-
dos pelo terapeuta.
Para outras famílias, o aparelho poderá representar uma
possibilidade de atingir a criança. Poderá encobrir também, um
“não conformismo” com a condição de surdez e a busca de
caminhos que modifiquem, ou pelo menos minimizem, essa
condição. Poderá, quem sabe, dar uma “ilusão de audição”. O fato
é que esses aspectos, e mesmo outros, deverão ir sendo com-
preendidos pelo terapeuta e, dentro do possível, apontados para
a família, no sentido de ajudá-los em seus relacionamentos, uma
vez que dificuldades aparecem nessas situações.
Assim, a inclusão da adaptação do aparelho no processo
terapêutico dá condições ao terapeuta tanto para intervir junto à
família, quanto para “descobrir” o som com a criança.
Reabilitação Aural: a Clínica Fonoaudiológica e o Deficiente Auditivo 317

Audiograma
Na análise do audiograma deve-se levar em conta as caracte-
rísticas acústicas da fala em relação aos limiares auditivos da
criança com amplificação.
O princípio proposto por LING (1989) de se analisar o audiogra-
ma da criança a partir das pistas acústicas disponíveis a ela e, não
a partir do que ela não ouve, nos parece bastante apropriado.
Trata-se de olhar, não aquilo que falta, e sim, o que existe em
termos de audição, que poderá ser utilizado por cada criança de
maneira muito diversa.
O conceito de campo dinâmico de audição deve ser utilizado.
Entende-se por campo dinâmico de audição a área compreendida
entre o limiar de detecção e o limiar de desconforto. O objetivo é
colocar dentro do campo dinâmico de audição da criança o maior
número possível de informações acústicas da fala com o auxílio de
amplificação.
Outro tipo de análise pode ser feita, sobrepondo-se os
limiares de detecção com amplificação ao espectro de fala. A
partir disto, podemos fazer considerações sobre quais aspec-
tos acústicos da fala são detectados, e que tipo de ajustes
devem ser feitos no sistema de amplificação. Embora esta
medida seja de grande valia para que o terapeuta certifique-se
de que a criança está recebendo a melhor amplificação possí-
vel, ela não é o suficientemente sensível para fazer previsões
exatas sobre as habilidades perceptuais auditivas que a crian-
ça irá desenvolver.

AUDIÇÃO COMO UM SENTIDO PRESENTE


Em se tratando de crianças muito pequenas, é de fundamental
importância tentar perceber o funcionamento de cada uma em
particular. As diversidades encontradas no desenvolvimento de
crianças com perda de audição estão de certo modo relacionadas
aos efeitos da deficiência auditiva sobre elas, e também como vão
estabelecendo seus relacionamentos e organizando o mundo ao
seu redor.
Os estilos de apreender ou destacar os eventos que se
tornam relevantes para cada criança, à medida que ela cresce,
são extremamente particulares e, compreendê-los nas suas
diferenças constitui-se numa questão bastante desafiadora
para o terapeuta. Não há uma norma, uma maneira de ser,
determinada pela surdez, mas seus efeitos se relacionam a
aspectos de ordem pessoal, confirmando que cada ser humano
é único. Isto também se aplica ao uso do sentido da audição pela
criança.
É claro que proporcionar experiências auditivas para a criança
é de fundamental importância para o processo de desenvolvimen-
to das habilidades perceptuais. Entretanto, deve-se ressaltar que
318 Fonoaudiologia Prática

este é um processo particular, que se traduz muito mais pelo


conhecimento que o terapeuta tem em relação à percepção
auditiva e ao percurso de cada criança no desenvolvimento de
suas habilidades auditivas, do que pelo uso de estratégias de
“treinamento auditivo” baseadas em etapas estanques a serem
alcançadas.
No trabalho terapêutico, grande ênfase é dada ao uso da
audição, o que se evidencia pelo investimento na atenção
auditiva da criança, principalmente durante a época da adapta-
ção do aparelho. A situação terapêutica permeada por um jogo,
onde ouvir faz parte da interação, permite que a criança se volte
para o som e, junto com o terapeuta, chegue a partilhar seus
significados. Cabe aqui esclarecer que, a princípio, o som só
terá sentido para a criança se fizer parte de uma situação que
poderá se repetir com variações por conta da imaginação de
ambos, enquanto for prazerosa. O sentido do som vai sendo
modificado à medida que a criança percebe a sua presença em
outros contextos.
Quando das primeiras experiências da criança com amplifica-
ção, pode ser determinante que terapeuta e criança envolvam-se
num jogo intencional de alerta para o som de forma que esta
dimensão vá sendo ludicamente negociada. Se considerarmos a
fluidez da informação auditiva e a flutuação da atenção da criança,
fica mais clara a necessidade de se oferecer muitas oportunida-
des para que o contínuo sonoro da fala vá sendo segmentado. A
idéia é enfocar o jogo na sua totalidade, e não o som como um fato
em si. O aspecto a ser destacado é a relação dialógica estabele-
cida entre terapeuta e criança, na qual se introduz a dimensão
sonora.
É claro que todos os subprocessos do processamento
perceptual auditivo, como detecção, identificação, discriminação,
localização da fonte sonora, memória auditiva e figura-fundo
(BOOTHROYD, 1982) serão acompanhados cuidadosamente pelo
terapeuta. Não cabe, neste capítulo, determo-nos à conceituação
de cada um desses subprocessos, mas sim, situar o que quere-
mos dizer com acompanhamento do desenvolvimento do proces-
samento perceptual auditivo.
A nosso ver, o domínio dessas habilidades perceptuais, não
pode ser separado do processo de desenvolvimento de lingua-
gem e estarão sendo observadas pelo terapeuta, que deverá estar
afinado com o que se pode esperar de cada criança, tendo em
mente, tanto características pessoais, quanto tempo de trabalho
fonoaudiológico.
Algumas crianças podem requerer atenção especial e estra-
tégias específicas para o desenvolvimento dessas habilidades,
que será delineado, em parte, pelas características audiológi-
cas. Obviamente, uma criança que, por exemplo, não detecte
sons agudos mesmo com amplificação, estará impedida de
discriminar fonemas cuja energia acústica se concentra nas
Reabilitação Aural: a Clínica Fonoaudiológica e o Deficiente Auditivo 319

freqüências altas. Entretanto, poderá vir a discriminar palavras


usando outros recursos que vão sendo descobertos a partir do
conhecimento da língua. Claro está que há um limite auditivo,
desconhecido a priori , e que as informações visuais da fala,
poderão contribuir, sobremaneira, para o domínio da linguagem
oral.
O processo terapêutico está voltado basicamente para o
desenvolvimento de linguagem, porém cercado de cuidados que
visam minimizar a privação auditiva. A fonoaudiologia na sua
atividade clínica se apropria de algumas técnicas que tiveram
suas origens em diferentes métodos de reabilitação e, passa a
incorporá-las na prática terapêutica com crianças surdas, no
sentido de favorecer a utilização da audição.
A atenção em relação ao ambiente acústico, por exemplo,
faz parte desta clínica, embora nenhuma sofisticação exagera-
da neste sentido se faça necessária. Reverberação, distância
entre terapeuta e criança e ruído de fundo devem ser observa-
dos durante o trabalho. A sala de terapia deve ser silenciosa e
mobiliada de forma a aumentar as superfícies de absorção do
som, evitando a reverberação que interfere na percepção audi-
tiva da fala.
Na situação terapêutica, a distância entre os interlocutores
pode ser controlada pelo terapeuta e, portanto, não se constitui
num problema. Entretanto, na situação escolar, a distância entre
o professor e os alunos e o ruído ambiental podem interferir na
recepção do som de fala pela criança com deficiência de audição
mesmo com amplificação. Esse problema pode ser contornado
com o uso de aparelhos de amplificação com transmissão por
freqüência modulada, que podem favorecer muito o “ouvir” em
situações nas quais a relação sinal/ruído desfavorável dificilmente
poderia ser modificada. Este tipo de equipamento move eletroni-
camente o sinal de fala para uma distância muita próxima da
criança, favorecendo a percepção auditiva.
Ainda, para garantir que a criança tenha as melhores oportu-
nidades de acesso ao som, cuidados rotineiros devem ser toma-
dos em relação ao aparelho de amplificação sonora. A verificação
da adequação dos moldes quanto à adaptação no pavilhão
auricular, e conduto auditivo externo e a higiene devem ser
constantes. Isto também se aplica ao controle da qualidade do
som amplificado e da carga das baterias.
Além disso, devemos lembrar que problemas de ouvido mé-
dio, tão comuns na infância, podem provocar déficits auditivos de
natureza condutiva. A criança que tem uma perda de audição do
tipo neurossensorial também está sujeita a episódios desta natu-
reza, o que pode acarretar maior prejuízo de seus limiares de
detecção. Portanto, deve ser feito um controle médico e audioló-
gico freqüente, que vise identificar estas alterações. É óbvio que
o acúmulo de cerúmen também deve ser evitado por interferir na
audição e na amplificação.
320 Fonoaudiologia Prática

AUDIÇÃO E LINGUAGEM
Um bebê, quando nasce, tem seu mecanismo auditivo total-
mente formado, e poderá detectar todos os sons que sejam
audíveis para o ser humano. Para que estes sons e, mais
particularmente, a voz da mãe, sejam identificados pela criança,
é preciso que esta os experiencie em diferentes situações. Expe-
riências essas que não são puramente auditivas, mas são acom-
panhadas das sensações advindas de seus primeiros relaciona-
mentos. As experiências com o som vão tendo lugar e este, como
um dos objetos do mundo, vai sendo revestido de significados.
Assim, se inicialmente um ruído do ambiente faz a criança
interromper o seu choro, será provavelmente a voz da mãe que,
num outro momento, poderá acalmá-la, já que, pela audição, pode
inclusive antecipar sua presença.
Um bebê portador de uma deficiência auditiva, ainda não
suspeitada pela família, poderá interagir de forma comunicativa
independentemente da falta do sentido auditivo. É comum encon-
trar no relato de mães, quando falam dos primeiros meses de vida
da criança, referências a “algo de diferente” no comportamento de
seu bebê sem, no entanto, ter conseguido identificar a deficiência
de audição. Entretanto, a privação sensorial, mesmo que não
esteja permeando as relações da mãe e criança, pode significar
para a última, diferença de oportunidades quanto ao conhecimen-
to do mundo e aquisição de linguagem.
No caso de crianças surdas, filhas de pais surdos fluentes em
língua de sinais, os efeitos da privação sensorial não se fazem
sentir de maneira tão forte, uma vez que não implicará num déficit
de linguagem, já que interagem, desde o nascimento, com um
interloculor competente na língua de sinais.
Com certeza, o maior impacto da deficiência de audição
recai sobre filhos de pais ouvintes, devido principalmente, às
diferenças de “status” lingüístico (MEADOW, 1981). Estas crian-
ças apresentarão alterações de linguagem e requerem interven-
ção terapêutica.
A maior parte das crianças surdas, aproximadamente 95%,
são filhas de pais ouvintes. A maioria dessas famílias não teve, ou
teve muito pouca experiência com pessoas surdas. Na sua
maioria, também não fizeram reflexões aprofundadas sobre a
natureza do desenvolvimento da linguagem e podem fazer hipó-
teses equivocadas sobre a relação deste com a perda de audição.
Também não é incomum que façam associações entre o “não
ouvir e o não falar” com dificuldades de ordem intelectual. Assim
sendo, as mais diferentes representações de surdez podem ser
esperadas. É claro que a representação que os pais fazem de sua
criança, agora surda, poderá de alguma maneira influenciar no
desenvolvimento da linguagem. Na literatura sobre reabilitação
aural, o papel dos pais é bastante valorizado e encontramos
autores que sugerem orientações específicas a serem dadas aos
Reabilitação Aural: a Clínica Fonoaudiológica e o Deficiente Auditivo 321

pais na tentativa de “adequar” o discurso destes, visando favore-


cer o desenvolvimento da linguagem da criança. Crianças apren-
dem a linguagem mais facilmente quando estão envolvidas ativa-
mente em interações descontraídas, significativas com pais e
educadores dedicados (KRETSCHMER & KRETSCHEMER, 1978; LING,
1989; ROSS, 1990; ESTABROOKS, 1994 apud ESTABROOKS, 1996).
Apesar de reconhecermos que a família deve ser considerada
no processo terapêutico, não podemos partir do pressuposto que
as famílias têm uma mesma representação de surdez e,
desconsiderar, portanto, as diferenças individuais.
A representação que os pais fazem a respeito da criança surda
e como esta interfere na interação é sempre algo desconhecido e
que poderá ser clareado e modificado a partir do processo
terapêutico. Assim, não nos cabe, a priori, sugerir aos pais formas
de interagir com a criança, porém, procurar atuar ao nível de suas
necessidades, seja proporcionado esclarecimentos de natureza
técnica até identificando sinais que refletem seus sentimentos
diante do filho surdo.
A patologia de linguagem encontrada nos quadros de deficiên-
cia auditiva não pode ser compreendida somente sob o prisma da
privação sensorial, embora, para a maioria dos casos, não reste
dúvida de que esta é o seu determinante.
Assim, as dificuldades na aquisição de linguagem pela criança
surda não podem ser atribuídas apenas ao déficit sensorial; deve-
se considerar também as oportunidades restritas de interlocução,
uma vez que o estigma da incapacidade lingüística do surdo
interfere em suas relações com o outro. A partir da observação de
jovens pais, ou mesmo de estudantes, que estão entrando em
contato recentemente com a surdez e com a criança surda,
podemos perceber em suas atitudes os efeitos que esta provoca
sobre eles: muitas vezes demonstram idéias confusas em relação
às possibilidades ou não possibilidades da criança compreender
e ser compreendida. Também não é incomum ocorrer dificuldade
em interagir com a criança a partir de outros referenciais que não
a fala e podem ficar paralisados ao supor que, por não escutar, a
criança é incapaz de compreender a situação a partir da interação
não verbal. Ao contrário disto, por vezes, o adulto se dirige à
criança desconsiderando a privação sensorial ou o próprio desen-
volvimento.

TERAPIA
Passaremos a discutir o processo terapêutico, quanto às
diferentes formas de atendimento fonoaudiológico propostas para
a criança deficiente auditiva, nas quais flexibilidade tem sido a
tônica. O esquema de atendimento fonoaudiológico mais freqüen-
te (duas sessões individuais semanais), algumas vezes, limita a
ação do terapeuta junto à criança deficiente auditiva e, por isso,
temos procurado criar outras opções.
322 Fonoaudiologia Prática

Nossa experiência tem demonstrado que a proposta terapêu-


tica acaba sendo construída para e com cada criança. Há flexibi-
lidade nos arranjos no que se refere a tempo de atendimento,
número de sessões ou mesmo parcerias com outras crianças.
Sua efetividade é avaliada de forma constante e, sempre que o
terapeuta julgar conveniente, novas possibilidades são discutidas
com a família, com a própria criança e com outros profissionais.
Qualquer uma das formas de atendimento que iremos discutir
tem como pressuposto básico a necessidade de intervenção do
fonoaudiólogo, junto às crianças e suas famílias, visando: o
processo de aquisição de linguagem oral; a utilização da audição
residual para a percepção de padrões de fala a partir do uso de
aparelhos de amplificação sonora, de acordo com a melhor
tecnologia disponível; a inteligibilidade de fala; a aquisição da
leitura e escrita, inclusive suas relações com a escolaridade.
A partir de uma visão de aquisição de linguagem que pressu-
põe que esta se dá na interação com o outro, o momento
terapêutico inicial privilegia o reconhecimento, pelos pais, de sua
criança como um interlocutor em potencial. Tem sido “terapêutico”
para a maioria das famílias, no início do atendimento fonoau-
diológico, o convívio com outros pais e seus filhos deficientes
auditivos, tanto em encontros casuais quanto através de trabalhos
especialmente a eles direcionados. A família vai descobrindo,
através do relacionamento com seu próprio filho e com outras
crianças deficientes auditivas e seu pais, as diferentes implica-
ções da surdez.
À medida que a criança, apesar de suas limitações, vai
avançando no desenvolvimento de linguagem e suas capacida-
des vão sendo reconhecidas pela família, a atenção do terapeuta
passa a se concentrar mais no atendimento da criança. Não
queremos dizer com isto que o papel da família esteja minimizado
ou seus conflitos resolvidos.
A relação “um a um”, no caso terapeuta-criança, propiciada
pelo atendimento individual, tem sido a opção privilegiada. Na
verdade, tem sido vista por nós como condição, tanto para o
terapeuta como para a criança, no sentido da descoberta um do
outro, ou seja, no sentido de iniciar a interação.
A situação de atendimento individual (criança-fonoaudiólogo)
favorece uma “cumplicidade” entre eles, no que se refere à
explicitação, de que é a construção da linguagem e o aprimora-
mento de sua forma que estão em jogo.
Entretanto, é claro que, quando a criança é ainda muito
pequena, no primeiro e até no segundo ano de vida, pode ser
necessária, no início do atendimento, a presença dos pais na sala
de terapia. Isto porque não nos parece adequado interferir no
processo de separação do bebê de sua mãe. Além disso, a
presença dos pais na sala de atendimento pode-se constituir
numa oportunidade de conhecimento da criança na sua relação
com a família.
Reabilitação Aural: a Clínica Fonoaudiológica e o Deficiente Auditivo 323

Também, é nessa época, que o aparelho de amplificação


sonora está sendo selecionado e adaptado. Sem dúvida, o mo-
mento requer uma troca de informações muito grande entre
terapeuta e família acerca das modificações no comportamento
da criança com os diferentes modelos de aparelhos testados.
Precisam ser discutidas questões referentes ao manuseio e
manutenção, e principalmente os conteúdos de natureza emocio-
nal que surgem durante este processo.
Por outro lado, como o percurso terapêutico tem sido bastante
longo e muitas crianças deficientes auditivas freqüentam atendi-
mento fonoaudiológico até atingirem a vida adulta, outros arran-
jos, que não o atendimento individual, têm sido propostos, embora
este ocorra na maioria das vezes e durante o maior tempo.
Nossa experiência tem mostrado o quão interessante tem
sido agrupar crianças no trabalho fonoaudiológico. Com crian-
ças um pouco mais velhas, a partir de 5 a 6 anos de idade, a
terapia fonoaudiológica em pequenos grupos tem permitido
dinâmicas favoráveis para o desenvolvimento da linguagem.
Além disso, o convívio entre crianças deficientes auditivas, na
situação terapêutica, permite que estas encontrem pares na sua
diferença.
No que tange à tecnologia em aparelhos de amplificação
sonora, por mais aperfeiçoada que esta venha a ser, terá sempre
apenas a função de colocar o som ao “alcance do indivíduo”.
Quanto mais sofisticada for a qualidade desse auxílio, melhores
possibilidades para a percepção acústica da fala certamente
existirão. No mais, é a partir das vivências e experiências com os
sons do mundo, especialmente os de sua língua que a audição
residual da criança poderá vir a ser um sentido funcional e ter
papel no desenvolvimento da linguagem.
O trabalho de linguagem apóia-se na situação interacional e
terapeuta e criança constroem sua história a partir de situações
lúdicas; o conhecimento mútuo facilitando a atribuição de signifi-
cados. O terapeuta tem por desafio criar situações lúdicas das
quais emerja o diálogo descobrindo as estratégias de e para cada
criança. É desejável que ambos venham a se tornar parceiros num
jogo de múltiplos sentidos.
Quando a criança inicia um trabalho fonoaudiológico, apesar
de muitas delas poderem apresentar perdas auditivas aparente-
mente semelhantes, a forma pela qual elas interagem tanto com
os objetos, quanto com a família e mesmo com o terapeuta
costuma ser muito diferente, o que certamente torna o processo
terapêutico com cada uma delas, absolutamente particular, não
sendo possível, portanto, descrevê-lo de forma genérica.
A preocupação com a leitura e escrita começa desde cedo e
vai ganhando, à medida que a criança se desenvolve, cada vez
mais espaço dentro da proposta terapêutica. A leitura vai se
tornando uma grande aliada na aquisição da linguagem. Desde
muito cedo, faz parte da situação terapêutica o texto escrito,
324 Fonoaudiologia Prática

principalmente o livro infantil. Não há a preocupação com a


aquisição do código, mas sim com a vivência da criança com
a forma escrita da língua. Além disso, uma grande variedade de
experiências podem ser partilhadas a partir do material gráfico.
Observamos que, para muitas crianças, não é tarefa fácil ir se
tornando um leitor. Crianças e jovens deficientes auditivos, que
encontram muita dificuldade nesse processo, merecem um traba-
lho especial, no qual o terapeuta necessita lançar mão de estra-
tégias que favoreçam a compreensão e a produção de textos.
Parte das crianças com deficiência de audição, quando ini-
ciam a leitura de textos, apresentam particularidades no desen-
volvimento de linguagem, que podem se evidenciar também no
processo de leitura e escrita. Algumas crianças, nessa época,
encontram-se ainda muito dependentes do contexto não verbal
para suprir suas necessidades expressivas e de compreensão,
apresentando dificuldades de ordem semântica e sintática.
Apesar da escrita não ser uma transcrição da oralidade e a
leitura não ocorrer evidentemente palavra por palavra, o vocabu-
lário restrito que tais crianças apresentam interfere nesse proces-
so. Paradoxalmente é a partir da leitura que muitas crianças com
deficiência de audição conseguem alcançar níveis maiores de
conhecimento da própria língua. Observamos jovens com defi-
ciência de audição utilizando-se de expressões que seguramente
só puderam ser apreendidas a partir do texto escrito.
Nossa experiência tem mostrado que a intervenção terapêu-
tica visando o desenvolvimento do processo da leitura e da escrita
é decisiva para um maior domínio da língua. Sendo assim, tal
enfoque ocupa parte significativa do trabalho fonoaudiológico.
Neste sentido foi realizada uma experiência, a qual denomina-
mos Oficina de Leitura e Escrita, com jovens deficientes auditivos,
cujas dificuldades no processo de leitura e escrita eram acentua-
das em relação às exigências acadêmicas. O trabalho realizado
permitiu a identificação das estratégias de leitura utilizadas, as
quais, por vezes, comprometiam a relação com o material escrito.
A discussão com o grupo sobre as estratégias já utilizadas e a
descoberta de outras possíveis permitiu aos adolescentes uma
maior disponibilidade para lidar com o material escrito e como
conseqüência, um avanço na condição de leitor (MENDES, 1994).
O convívio destes jovens, neste espaço de trabalho, onde pude-
ram partilhar suas dificuldades, trouxe ainda experiências de outra
natureza: abriu um leque de possibilidades quanto a suas opções
de convívio com pessoas surdas e ouvintes.
Concluindo, queremos reafirmar que o processo terapêutico
com a criança surda, na perspectiva da proposta oral aqui discu-
tida, embora centrado no desenvolvimento da linguagem, deman-
da conhecimentos específicos relativos ao uso da audição
amplificada. O caminho percorrido por terapeuta e criança é único,
uma vez que vai sendo delineado pelas particularidades de cada
situação vivida na relação terapêutica.
Reabilitação Aural: a Clínica Fonoaudiológica e o Deficiente Auditivo 325

Leitura recomendada
BOOTHROYD, A. – Hearing Impairments in Young Children. N.J.,
Englewood Cliffs, Prentice Hall, Inc., 1982.
ESTABROOKS, W. – Auditory-verbal Therapy for Parents and
Professionals. Washington, D.C., Alexander Graham Bell Association
for the Deaf, 1994.
EWING, A.W.G. – Educational Guidance and the Deaf Child. 2ª ed.
Manchester, University Press, 1963.
GREGORY, S. & HARTLEY, G. – Constructing Deafness. London, Pinter
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Deficiência Auditiva 1
História e Educação: o Surdo, a Oralidade e o Uso de Sinais 327

16
História e Educação: o
Surdo, a Oralidade e o Uso
de Sinais

Maria Cecília de Moura


Ana Claudia B. Lodi
Kathryn M. P. Harrison

INTRODUÇÃO
A educação do surdo só pode ser compreendida a partir de
uma perspectiva mais ampla que abranja a sua história e que
mostre quais as fundamentações teóricas, filosóficas, políticas
e ideológicas que a embasaram desde o seu início. Nosso
espaço aqui é pequeno para podermos nos aprofundar nestes
aspectos, mas tentaremos, ainda que de uma forma resumida,
abordar a história e as suas conseqüências na educação do
surdo. Para tanto, lançaremos mão dos seguintes autores: PAUL
C. HIGGINS, autor de O UTSIDERS IN A HEARING WORLD (1990),
CARLOS SKLIAR com seu trabalho L A HISTORIA DE LOS SORDOS:
UNA CRONOLOGÍA DE MALOS ENTENDIDOS Y DE MALAS INTENCIONES
(1996) e H ARLAN LANE em seu livro WHEN THE MIND H EARS. A
HISTORY OF THE D EAF (1989). Num segundo momento estare-
mos discutindo alguns conceitos básicos que dizem respeito a
este trabalho. Passaremos então a relatar o status atual da
educação do surdo com Sinais e, finalmente, uma vez que o
objetivo maior deste texto é mostrar como se dá o trabalho com
surdos e qual é o papel da fonoaudiologia neste campo, expli-
citaremos a forma pela qual entendemos este papel.
328 Fonoaudiologia Prática

HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO DO SURDO

Antigüidade (4000a.C. – 476d.C.)


Segundo HIGGINS (op. cit., 1990), os ouvintes na antigüidade
greco-romana consideravam que os surdos não eram seres
humanos competentes. Isto decorria do pressuposto de que o
pensamento não podia se desenvolver sem linguagem e que esta
não se desenvolvia sem a fala. Uma vez que a fala não se
desenvolvia sem a audição, quem não ouvia, não falava e não
pensava, não podendo receber ensinamento e, portanto, apren-
der. Este argumento era usado pelos gregos e romanos para
aqueles que nasciam surdos, que inclusive em determinados
momentos nesta época eram sacrificados (MOORES, 1978). Os
que perdiam a audição após terem adquirido linguagem, por
falarem, não entravam nesta categorização. Aristóteles conside-
rava que a linguagem era o que dava condição de humano para
o indivíduo, portanto sem linguagem o surdo era considerado
não-humano e não tinha possibilidade de desenvolver faculdades
intelectuais. Não há referência de que os surdos usassem outro
tipo de comunicação naquela época, como Sinais, a única men-
cionada claramente é a fala. Aqui temos a primeira alusão histó-
rica que dá um valor de humanização para a fala e que vai servir
como base para o trabalho de recuperação dos surdos no decorrer
dos séculos.
Ainda neste período, os romanos privavam os surdos que não
podiam falar de seus direitos legais. Isto pode ser observado até
hoje no Código Civil Brasileiro, que considera os surdos incapa-
zes, comparados aos alienados mentais (OLIVEIRA, 1989). Vê-se
portanto o impacto que este período, tão remoto na história, teve
na categorização dos surdos até os dias atuais, onde eles são
considerados não-habilitados a gerir a sua própria vida (ainda que
esta legislação esteja em processo de uma possível mudança
atualmente). O que está escondido atrás deste conceito é o
mesmo que encontramos em Aristóteles, a ausência da fala. Mas
será a fala a única forma de comunicação dos surdos? É o que
veremos no decorrer desta história.

Idade média (476 – 1453)


Os surdos continuam a ser vistos como não-humanos neste
momento, a partir de uma visão religiosa, pois para a igreja
católica eles não poderiam ser considerados imortais já que não
podiam falar os sacramentos. Apenas no final da Idade Média,
segundo SKLIAR (op. cit., 1996), esboçava-se um caminho para a
educação do surdo que se colocava na forma de preceptorado,
isto é, um professor que se dedicava inteiramente a um aluno para
ensiná-lo a falar, ler e escrever para que ele pudesse ter o direito
de herdar os títulos e a herança familiar.
História e Educação: o Surdo, a Oralidade e o Uso de Sinais 329

A primeira alusão à possibilidade de que o surdo poderia


aprender através da Língua de Sinais ou da língua oral é citada por
SKLIAR (op. cit., 1996), como tendo sido encontrada na obra de
Bartolo della Marca d’ Ancona, no século XIV. Segundo d’Ancona
esta constatação deveria levar a mudanças do ponto de vista legal
para o surdo. Mas isto demorou muito tempo para acontecer,
devido às idéias enraizadas da incapacidade do surdo, que
conforme já vimos antes, encontram-se até hoje na nossa legisla-
ção, mas já em processo de uma possível modificação.

Idade moderna (1453 – 1789)


O início da verdadeira educação do surdo iniciou-se com
PEDRO PONCE DE LEÓN (1520 – 1584), ainda dirigida à educação
de filhos de nobres. Ele é considerado o primeiro professor de
surdos na história, cujo trabalho serviu de base para muitos outros
educadores de surdos (L ANE, op. cit., 1989). Ele conseguiu
ensinar os surdos a falar, ler, escrever e alguns chegaram a
aprender filosofia. Desta forma ele demonstrou a falsidade das
crenças existentes até aquele momento sobre os surdos: religio-
sas, filosóficas e médicas (pois os médicos afirmavam que os
surdos não podiam aprender porque tinham lesões cerebrais). O
interesse das famílias dos nobres, para que seus descendentes
surdos pudessem ter acesso aos direitos de herança, foi um fator
importante para o reconhecimento do surdo como capaz, sendo
as implicações legais mais importantes do que as religiosas ou
filosóficas no desenvolvimento de técnicas para a oralização do
surdo. Neste momento, a força do poder econômico da nobreza
teve um peso considerável como impulsionadora do oralismo que
começava a se estabelecer e que se estenderia até os dias de
hoje.
No início do século XVII, JUAN PABLO BONET (1579 – 1629)
retoma o trabalho de PONCE DE L EÓN, apesar de não haver
evidências de que este teria passado a sua forma de trabalho para
qualquer outra pessoa. BONET se aproveita da testemunha viva de
alguns nobres surdos (da família Velasco) que haviam aprendido
com PONCE DE LEÓN para tentar reproduzir o seu método. Ele
publica um livro em 1620 em que se apresenta como o inventor da
arte de ensinar o surdo a falar, lançando mão de um alfabeto
digital, da forma escrita e da Língua de Sinais para ensinar a leitura
ao surdo e, através de manipulação dos órgãos fonoarticulatórios,
ensinar a falar. Sem considerar a originalidade ou não deste
método, o seu livro chamou a atenção de intelectuais de toda a
Europa, encantados com a possibilidade de dar voz ao surdo. Esta
base oralista de seu trabalho serviu como modelo para três pilares
da educação oral: PEREIRE, nos países de língua latina, AMMAN,
nos de língua alemã e WALLIS nas ilhas Britânicas.
JACOB RODRIGUES PEREIRE (1715 – 1780) era defensor do
oralismo, mas utilizava no seu trabalho o alfabeto digital e os
330 Fonoaudiologia Prática

Sinais. Teve grande influência nos seus contemporâneos e inspi-


rou muitos outros a continuar o trabalho de perseguir a oralização
dos surdos. Aos seus olhos a fala do surdo o traria de volta à
família humana, seria a única forma de ele poder adquirir as
noções gerais e abstratas que lhe faltavam e se relacionar com
outros na sociedade. O interessante é que nos seus últimos anos
de vida ele parou de tentar converter sinalizadores em falantes,
mas aqueles que o seguiram guiaram-se pelas suas afirmações
anteriores e não consideraram a sua mudança radical com rela-
ção à educação do surdo.
JOHANN CONRAD AMMAN foi o principal expoente do movimento
oralista alemão que estabelecia a crença de que a humanidade
residia na possibilidade da fala do indivíduo. Ele não fundou uma
escola, mas seu livro, publicado em 1704, foi a semente para a
construção do modelo alemão para a educação institucionalizada
do surdo, iniciada por SAMUEL HEINICKE (1723 – 1790). AMMAN
também utilizava os Sinais e o alfabeto digital como instrumentos
para atingir a fala, abandonando-os quando não os considerava
mais necessários, pois acreditava que poderiam prejudicar o
desenvolvimento posterior da fala através do pensamento, pois
para ele a existência do pensamento derivava exclusivamente da
fala. Quase todos os países de língua alemã seguiram direta ou
indiretamente o seu método.
JOHN WALLIS (1616 – 1703) foi quem escreveu o primeiro livro
inglês sobre educação do surdo (1698), numa linha oral. Abando-
nou o trabalho numa abordagem oralista, lançando mão, como os
anteriormente citados, dos Sinais, pois os considerava importan-
tes para ensinar os surdos. Apesar de ter desistido de ensinar os
surdos a falar e de sua pouca experiência com o trabalho prático,
ele é considerado o elemento fundador do oralismo na Inglaterra.
É interessante notar que esses três grandes nomes, precurso-
res da educação oralista, ainda que com interesse de desenvolver
a oralidade e considerando que a verdadeira expressão da
humanidade era a fala, utilizaram os Sinais e o alfabeto digital em
algum estágio de seu trabalho, considerando-os fundamentais
para atingir os seus objetivos. Se eles os abandonavam depois e
não lhes davam o devido valor como os educadores que conside-
ravam a Língua de Sinais uma expressão verdadeira de uma
cultura minoritária (como veremos posteriormente), não lhes
negavam os valores de aliados importantes no trabalho com os
surdos.
Veremos agora como se iniciou o trabalho com Sinais, onde
eram utilizados como elemento prioritário da educação do surdo
e como o surdo passou a ser visto como passível de humanidade
e de adquirir conhecimentos sem ter que falar. O mérito deste
trabalho é de CHARLES-MICHEL DE l’ EPÉE (1712 –1789), que
iniciou o seu trabalho com duas irmãs surdas e que posteriormen-
te fundou a primeira escola pública para surdos do mundo, o
Instituto Nacional para Surdos-mudos em Paris, também conhe-
História e Educação: o Surdo, a Oralidade e o Uso de Sinais 331

cido como Instituto de Paris. O seu grande mérito foi ter reconhe-
cido que os surdos possuíam uma língua que servia para propó-
sitos comunicativos que ele usou para o ensino de surdos. Ele
considerava esta língua sem gramática e sem utilidade (na sua
forma normalmente usada pelos surdos) para o ensino da língua
escrita. Para poder adaptá-la a seus objetivos, ele construiu um
sistema baseado na Língua de Sinais, criando outros Sinais para
as palavras francesas que não eram representadas pela Língua
de Sinais e terminações que marcavam a gramática da língua oral
(que são representados na Língua de Sinais ou por sua caracte-
rística espacial ou por outras formas). Ele deu a este sistema o
nome de Sinais Metódicos. Através desta forma modificada da
Língua de Sinais ele ensinava os surdos a ler e a escrever
qualquer texto de forma gramaticalmente correta.
Para ele o treinamento da fala tomava tempo demais dos
alunos, tempo este que deveria ser gasto na educação. Além disto
considerava que, mesmo para aqueles que poderiam aprender a
falar, isto seria de pouca utilidade, considerando-se o tempo
despendido e a utilidade real que seria esta fala. Por esta razão ele
foi muito criticado por outros educadores de surdos, tanto na
época como posteriormente. Para estes outros educadores a
oralização deveria ser o objetivo principal do trabalho educativo do
surdo, por questões ainda de sua humanização, de inserção na
sociedade de ouvintes ou outras não tão claras e objetivamente
colocadas. Veremos, no momento em que nos referirmos ao
Congresso de Milão e à implantação definitiva do oralismo no
mundo, que razões foram estas.
O ABEÉ DE l’EPÉE é criticado nos dias de hoje por não ter
considerado a Língua de Sinais uma língua passível de ser
utilizada para o ensino da leitura e escrita, desde que modificada
para este fim. O importante, entretanto, foi o fato dele tê-la
reconhecido como uma língua, ter considerado os surdos como
humanos, apesar de não falarem, e ter propiciado a estes indiví-
duos um grande desenvolvimento onde eles puderam demonstrar
as suas habilidades em diversos campos, antes dominados
apenas pelos ouvintes. Foi a época de ouro para os surdos.

Idade contemporânea (1789 – 1900)


O trabalho numa linha de Sinais começou a ser realizado em
diferentes países da Europa, chegando inclusive aos EUA. Os
responsáveis pela introdução dos Sinais e pela educação
institucionalizada para surdos naquele país, foram o americano
THOMAS GALLAUDET (1787 – 1851) e o francês L AURENT CLERC
(1785 – 1869). THOMAS GALLAUDET, interessado na educação de
surdos, viajou à Europa para aprender um método que permitis-
se que ele implantasse um ensino especializado para surdos
nos EUA. Ele não conseguiu estas informações na Inglaterra,
pois BRAIDWOOD , a quem ele procurou, negou-se a lhe revelar o
332 Fonoaudiologia Prática

seu método (oralista). BRAIDWOOD tinha um grande interesse


financeiro em manter o seu método em segredo (como outros já
tinham tido antes dele). GALLAUDET não conhecia nada sobre a
educação do surdo nesta ocasião e tendo tomado conhecimen-
to do método desenvolvido por l’EPÉE, interessou-se e foi para
a França em 1816, onde realizou um estágio no Instituto Nacio-
nal para Surdos-mudos, começou a aprender os Sinais e o
Sistema de Sinais Metódicos de l’EPÉE. Seu instrutor foi LAURENT
CLERC , brilhante ex-aluno (surdo) daquela escola. CLERC foi
contratado por THOMAS e eles retornaram juntos para os EUA
naquele mesmo ano.
Em abril de 1817 foi fundada a primeira escola pública para
surdos, em Hartford, Connecticut, com o nome de THE CONNECTICUT
ASYLUM FOR THE EDUCATION AND INSTRUCTION OF THE DEAF AND
DUMB PERSONS (Asilo Connecticut para a Educação e Instrução
das Pessoas Surdas e Mudas). Posteriormente a escola recebeu
o nome de HARTFORD SCHOOL.
Os professores contratados aprenderam a Língua de Sinais
Francesa, os Sinais que os próprios alunos traziam, Sinais Metó-
dicos adaptados para o inglês, o alfabeto digital francês e a forma
de ensiná-los segundo o sistema utilizado por CLERC. A Língua de
Sinais Francesa foi sendo gradualmente substituída pelos alunos,
começando então a se formar a Língua de Sinais Americana (que
apresenta até hoje muitas semelhanças com a Francesa). Grada-
tivamente, os Sinais Metódicos foram abandonados e na sala de
aula passaram a ser utilizados a Língua de Sinais Americana, o
inglês escrito e o alfabeto digital. Com o decorrer do tempo, os ex-
alunos surdos da escola foram se juntando aos professores
ouvintes e foi se criando uma pequena comunidade surda dentro
e fora da escola. Mais tarde, outras escolas foram sendo fundadas
nos mesmos moldes da de HARTFORD, todas as escolas residenciais
que tinham o mesmo objetivo a educação dos surdos através da
Língua de Sinais, cada vez menos ligada ao sistema oral e cujo
objetivo era o ensino da língua escrita e o desenvolvimento de
conhecimentos que permitissem a independência e o trabalho de
surdos na comunidade.
Em 1864, o Congresso Americano autorizou o funcionamento
da primeira faculdade para surdos, localizada em Washington
(NATIONAL DEAF-MUTE COLLEGE, atualmente GALLAUDET UNIVERSITY).
Esta faculdade foi fundada por EDWARD G ALLAUDET, filho de
THOMAS GALLAUDET. Foi a primeira e é até hoje a única universi-
dade para surdos em todo mundo.
Entretanto, a utilização da Língua de Sinais nos EUA começou
a sofrer uma pressão contrária na segunda metade do século XIX,
fato este que pode ser atribuído à onda nacionalista que aconteceu
após a Guerra de Secessão, onde o desejo de reunificação do país
tinha como uma das vertentes a própria língua, o inglês. Desde que
a Língua de Sinais não era uma versão do inglês, ela começou a ser
rejeitada e forçou-se a sua substituição para o inglês oral.
História e Educação: o Surdo, a Oralidade e o Uso de Sinais 333

Um dos responsáveis por esta modificação foi HORACE MANN


(1796 – 1859), político e realizador de reformas na educação em
geral nos EUA, e que foi influenciado por SAMUEL HOWE (1801 –
1876), filantropo e adversário do uso de Sinais que desejava
montar uma escola oralista para surdos. MANN desatrelou o uso de
Sinais da educação do surdo nos EUA, baseando-se na visão
oralista dos países germânicos. Ele não conhecia as formas de
trabalho com o surdo, nem as suas fundamentações, mas a não
utilização de Sinais na educação do surdo ia de encontro aos
anseios políticos da época no seu país.
Na verdade a Alemanha tentava desde o século XVIII desalo-
jar os Sinais do lugar que tinham na educação do surdo. Havia um
desejo de unificação da língua alemã e a não-formação de grupos
minoritários que ameaçavam a sua unidade enquanto país. Além
disso, havia uma rejeição a todos os modelos franceses, dos quais
a educação do surdo através dos Sinais fazia parte. Vários
educadores alemães haviam tentado a implantação de um mode-
lo oralista sem a utilização de Sinais e alguns deles (JOHN GRASER,
MORITZ HILL) haviam concluído que isto não era possível. O
objetivo continuava sendo, neste país, a oralização do surdo, mas
sem banir o uso de Sinais.
Por causa do relatório de MANN, o conselho da escola de
Hartford enviou um representante, L EWIS WELD, à Europa para
verificar a situação da educação do surdo em alguns países. No
seu retorno, WELD concluiu que MANN não tinha razão e que não
havia motivo para que os Sinais fossem abolidos. Entretanto,
recomendou que fosse realizado treinamento de fala para os
semimudos, ou melhor, para aqueles que poderiam se benefici-
ar deste treinamento. Foi proposto também o treinamento em
leitura orofacial. A razão destas concessões era a necessidade
de satisfazer o Conselho de Educação (afinal havia necessida-
de de verbas governamentais) e de satisfazer os pais que
desejavam que seus filhos aprendessem a falar. As tentativas
de oralização e treinamento de leitura orofacial não tiveram os
resultados esperados, mas HOWE continuou insistindo na ne-
cessidade de uma escola oral, tendo sucesso em 1867, quando
da fundação da CLARK INSTITUTION .
EDWARD GALLAUDET também realizou uma viagem para a
Europa e ao retornar, numa Assembléia com os diretores de
diversas instituições americanas de educação para surdos, foram
tomadas algumas resoluções, sendo que a mais importante delas,
para a educação do surdo, foi a de que o papel da escola de surdos
seria fornecer treinamento em articulação e em leitura orofacial
para aqueles alunos que poderiam se beneficiar deste treinamento.
Esta parte da proposta, que deveria ser a menos importante,
tomou proporções muito grandes, contra as expectativas de
GALLAUDET, e o treinamento de fala passou a ser considerado
parte do curriculum das escolas. Isto acarretou grande desconten-
tamento em CLERC, que a considerou um desrespeito à Língua de
334 Fonoaudiologia Prática

Sinais. Além disto este treinamento ocuparia tempo que deveria


ser despendido na educação em geral. Entretanto, isto contenta-
va aos políticos porque contemplava a necessidade de se trans-
formar o surdo num indivíduo oralizado para ir de encontro com os
desejos do país naquele momento.
Um dos maiores expoentes para a implantação do oralismo
nos EUA foi ALEXANDER GRAHAM B ELL (1847 – 1922), um
ferrenho defensor do oralismo, que foi para os EUA vindo da
Escócia em 1871, onde sua família trabalhava com treinamento
de fala e com surdos. Ele era contra a Língua de Sinais, à qual
imputava a culpa de prejudicar o ensino do inglês além de não
a considerar como uma língua, julgando-a muito ideográfica,
imprecisa e inferior à fala. Para ele a língua oral era a única
língua perfeita e completa. Ele acreditava que todos os surdos
poderiam aprender a falar e lutou para que isto se tornasse
realidade, tanto nos EUA como em todos os outros países onde
pôde divulgar as suas idéias.
A forma de trabalho por ele defendida, preconizava o ensino
da leitura e escrita como instrumentos básicos, sendo que este
ensino teria como base a forma natural com que as crianças
ouvintes aprendem a fala. O fato de que a língua escrita não é uma
língua utilizada na comunicação social e que depende de um
conhecimento prévio de uma outra língua, não era considerado
por ele. As crianças deveriam ser educadas em classes de surdos
dentro de escolas normais e seus professores deveriam ser
treinados para poderem ensinar a articulação.
BELL era partidário da eugenia (“ciência que estuda as condi-
ções mais propícias à reprodução e melhora da raça humana” –
FERREIRA DE HOLANDA, 1975), o que explica sua posição contrária
à utilização da Língua de Sinais e a existência de escolas
residenciais, pois estas propiciariam o surgimento de comunida-
des de surdos, favorecendo o casamento e a reprodução entre
seus membros, o que seria um perigo para o resto da sociedade.
Ele foi contra a criação de uma lei que impedia o casamento entre
os surdos, mas foi partidário de que fossem criadas situações que
evitassem que isto acontecesse. Estas situações seriam, obvia-
mente, a abolição da Língua de Sinais e a mudança do meio social
onde os surdos cresciam, isto é, as escolas residenciais. Ele
aconselhava os próprios surdos a não se casarem entre si,
demonstrando que a surdez era um defeito e não uma variação de
como os seres humanos podem ser. Desta forma, tentava a
assimilação dos surdos pelo mundo ouvinte.
Consideramos importante colocar que estas posturas e outras
que já vimos anteriormente, têm uma fundamentação política,
ideológica, social e individual que as justifica e as define. Quando
estudamos a história da surdez (ou qualquer outra história), a
tentativa que devemos fazer é entender estas motivações e como
elas podem ser vistas nos dias atuais. Só assim poderemos fazer
as nossas próprias escolhas.
História e Educação: o Surdo, a Oralidade e o Uso de Sinais 335

Os Sinais haviam conquistado seu espaço na educação dos


surdos. O que havia se iniciado no século XVIII, com grandes
ganhos para os surdos estava para acabar. Os surdos que haviam
conseguido um lugar para desenvolver sua própria identidade,
devido ao convívio com iguais e a um sistema de ensino que lhes
havia propiciado a forma real de acesso ao conhecimento, seriam
arrancados desta posição pelo que estava por vir. É o momento do
Congresso de Milão.
O Congresso de Milão aconteceu em 1880, como resultado de
esforços de educadores de surdos oralistas, principalmente da
França e da Itália. Estes profissionais já haviam realizado outros
congressos em que defendiam a utilização de métodos exclusiva-
mente orais na educação dos surdos. Até 1880, as conclusões
destes encontros tinham sido a de que se deveria utilizar os Sinais
como apoio, sendo a oralidade a meta da educação. O caminho
estava aberto para que os Sinais passassem a não mais fazer
parte da educação do surdo, e isto veio a acontecer no Congresso
de Milão.
O Congresso não contou com a participação de mais de um
surdo. Os oralistas lá reunidos resolveram que (LANE , op. cit.,
1989):

• “Dada a superioridade incontestável da fala sobre os Sinais


para reintegrar os surdos-mudos na vida social e para dar-
lhes maior facilidade de linguagem,... (Este congresso)
declara que o método de articulação deve ter preferência
sobre o de Sinais na instrução e educação dos surdos-
mudos.
• O método oral puro deve ser preferido porque o uso simul-
tâneo de Sinais e fala tem a desvantagem de prejudicar a
fala, a leitura orofacial e a precisão de idéias.”

Nos EUA, mais ou menos nesta mesma época, aconteceu um


encontro de surdos (Convenção Nacional de Surdos-mudos), que
tinha como objetivo melhorar as condições de vida das pessoas
surdas. As idéias lá apresentadas eram bem diferentes daquelas
de Milão no que se referia ao que era melhor para o surdo. Um de
seus participantes, ROBERT P. MCGREGOR, diretor surdo da Esco-
la Ohio, declarou (LANE, op. cit., 1989):

“...na guerra dos métodos, o veredicto dos surdos educados


de todo mundo é: o método oral beneficia uns poucos, o sistema
combinado beneficia todos os surdos... Qualquer um que apóie o
método oral, como um método exclusivo, é seu inimigo.”

Depois do Congresso de Milão o oralismo puro invadiu a


Europa. LANE (op. cit., 1989) explica isto pela confluência do
nacionalismo, elitismo, comercialismo e orgulho familiar vigentes
na época. Para ele existia também o desejo do educador ter
336 Fonoaudiologia Prática

controle total das salas e não se sujeitar a dividir o seu papel com
um professor surdo. É a não-valorização do surdo enquanto
elemento capaz de educar e decidir, tanto sobre a sua própria
vida, como com relação à vida daqueles sobre sua tutela. Uma das
conseqüências do Congresso de Milão foi a demissão dos profes-
sores surdos e a sua eliminação como educadores. Era a forma de
impedir que eles pudessem ter qualquer tipo de força e de
poderem se organizar para qualquer tipo de manifestação ou
proposta que fosse contra o oralismo.
Segundo BERNARD MOTTEZ (1975), o Congresso de Milão
transformou a fala de uma forma de comunicação para a finalidade
da educação. Poderíamos acrescentar que para uma finalidade da
educação com objetivos de sujeição de uma classe minoritária à
maioria e aos seus desejos de equalização a qualquer custo,
inclusive da própria singularidade do surdo.
Para SKLIAR (op. cit., 1996), a Itália aprovou o oralismo para
facilitar o projeto geral de alfabetização do país, eliminando um
fator de desvio lingüístico (Língua de Sinais), uma vez que eles
procuravam uma unidade nacional e lingüística. As ciências
humanas e pedagógicas aprovaram porque o oralismo respeitava
a concepção filosófica aristotélica em que o mundo de idéias,
abstrações e da razão é representado pela palavra, enquanto o
mundo do concreto e do material o é pelos Sinais. Outro fator
importante para SKLIAR foi a força do clero, que num primeiro
momento rejeitou o oralismo como representante do poderio
alemão, mas que depois percebeu-o como uma força importante
por motivações espirituais e confessionais (e de controle).
Vamos, portanto, verificando que existem fatores filosóficos,
ideológicos e políticos que realmente interferem no modo de uma
sociedade se comportar. Isto é válido quando falamos do passado
e, também, do presente. Obviamente é mais fácil verificarmos a
ação destes fatores numa retrospectiva do que no momento em
que eles acontecem. Quando somos nós que estamos envolvidos
em determinado processo ou somos os seus personagens, os
comportamentos ficam sujeitos a julgamentos, que acreditamos
que sejam pessoais, mas que na verdade refletem uma estrutura
superior a nós. Por esta razão é que devemos sempre ter em
mente o que é melhor para os surdos (neste caso), não nos
esquecendo que estamos a serviço deles e não eles ao nosso.

1900 – aos dias atuais


Oralismo
No decorrer do século XX, o oralismo adotou novas técnicas.
O desenvolvimento da tecnologia eletroacústica (com aparelhos
de amplificação sonora individual e coletivo, para um melhor
aproveitamento dos restos auditivos), das investigações na reabi-
litação da afasia e dos trabalhos na clínica foniátrica (SÁNCHEZ,
1990), foram de grande ajuda e trouxeram grandes esperanças
História e Educação: o Surdo, a Oralidade e o Uso de Sinais 337

para a transformação do surdo num “ouvinte”. Todos se basea-


vam na necessidade de oralizar o surdo, não permitindo a utiliza-
ção de Sinais.
De acordo com NORTHERN & DOWNS (1975) foram quatro as
técnicas mais utilizadas nos EUA, todas perseguindo o objetivo de
fazer com que o surdo fizesse parte da sociedade ouvinte através
de boa fala e de boa leitura orofacial. O pressuposto básico delas
era o de que deveria ser dada a cada criança surda uma oportu-
nidade para se comunicar através da fala.
Não pretendemos fazer aqui uma longa exposição destas
técnicas, mas consideramos importante dar uma idéia de como
foi, e é visto até hoje, o trabalho com surdos que visa tão-somente
a sua oralização.
As principais formas de trabalhos orais descritos por NORTHERN
& DOWNS são Oralismo Puro ou Estimulação Auditiva, Método
Multissensorial/Unidade Silábica, Método de Linguagem por As-
sociação de Elementos ou Método da “Língua Natural” e Método
Unissensorial ou Abordagem Aural.

Oralismo puro ou estimulação auditiva


Foi desenvolvida na CLARK SCHOOL FOR THE DEAF no final do
século XIX. Para seus adeptos, a criança surda deve ser exposta
à língua falada e aos sons, sempre usar aparelho de amplificação
sonora, se possível, e sofrer treinamento auditivo. O trabalho
começa com o treinamento de atenção para a leitura orofacial e
inclui elementos sonoros isolados, combinações de sons, pala-
vras e finalmente a fala, devendo ter continuidade em casa,
através do envolvimento de toda a família. Esta participação
familiar contínua é uma das características do oralismo.
Quando a criança não desenvolve a fala de uma maneira
satisfatória através da estimulação auditiva e da leitura orofacial,
é usado o método que se segue.

Método multissensorial/unidade silábica


É realizado de forma semelhante ao anterior, acrescentando-
se a leitura e a escrita das formas ortográficas da língua. São
utilizadas outras pistas além da audição como: visão e tato. Este
é o sistema mais amplamente usado numa abordagem oral.

Método de linguagem por associação de elementos ou


método da “língua natural”
Foi desenvolvido por MILDRED GROHT (LEXINGTON SCHOOL FOR
THE DEAF IN NEW YORK) e baseia-se no pressuposto de que a criança
deve aprender a falar através da atividade. Desta forma tudo que é
feito deve ser cercado de linguagem, o professor fala sem parar e as
crianças são encorajadas a fazer perguntas através da fala. É
realizado igualmente treinamento de leitura orofacial e de fala.
338 Fonoaudiologia Prática

Alguns educadores utilizam um pouco de cada forma de


trabalho, adaptando-os de acordo com as necessidades das
crianças. As crianças que apresentam boa audição residual
mostram melhor rendimento com este método, mas também é
aplicado em crianças com perdas auditivas profundas com ou sem
aparelho de amplificação sonora individual. Algumas crianças
treinadas por estas técnicas, ou por uma combinação das mes-
mas, têm um rendimento muito bom, desenvolvendo a fala e
habilidades de leitura e escrita, independentemente da sua perda
auditiva, que às vezes pode ser muito grande. A maioria, entretan-
to, tem um rendimento muito abaixo do esperado, de acordo com
as propostas e objetivo destes programas (MOORES, 1978; MINDEL
& VERNON, 1971).
Muitos que se opõem a uma abordagem oralista colocam-se
contra o treinamento de leitura orofacial, pois este depende
pouco de treinamento. Ou a pessoa possui o “talento” para tal ou
terá dificuldade para desenvolvê-lo, sendo o treinamento muitas
vezes inútil ou de pouca utilidade em razão do tempo despendido
versus habilidade adquirida (muitos conseguem um bom resul-
tado em situações controladas, mas não em situações diárias de
conversação). Como resultado, muitos surdos acabam não a
dominando, o que provoca ansiedade. Além disto, não serve de
comunicação entre os surdos (imagine uma situação de dois
surdos conversando, com as suas restrições articulatórias indi-
viduais e tentando se entender mutuamente). Outra caracterís-
tica da leitura orofacial é que ela é ambígua, pois muitos sons
são parecidos na boca, muitos não são visíveis e muitas pesso-
as não falam de maneira clara. Ela não é útil em situações de
conversação com muitos falantes, em situações de ambiente
pouco iluminado ou em conferências. Um dos aspectos impor-
tantes a ser levantado é que o seu treinamento, muitas vezes
sem aproveitamento real, baseia-se na repetição e este tempo
seria melhor aproveitado para que se passasse maior conheci-
mento para a criança surda. Em casos em que a leitura orofacial
pode ser desenvolvida, acreditamos que o trabalho deva se
voltar para situações comunicativas reais e não para um treina-
mento descontextualizado.

Método unissensorial ou abordagem aural


Também conhecido como abordagem acupédica, refere-se a
um programa de reabilitação para a criança surda. Este envolve
a família e enfatiza o treinamento auditivo sem nenhum ensino
formal de leitura orofacial (POLLACK, 1970).
Esta abordagem depende de diagnóstico, orientação familiar,
indicação e adaptação de amplificação sonora individual o mais
cedo possível, assim como exposição total à estimulação de
linguagem normal. O objetivo mais uma vez é o da integração da
criança com prejuízo auditivo no mundo ouvinte.
História e Educação: o Surdo, a Oralidade e o Uso de Sinais 339

Os oralistas acreditam que todas as crianças surdas têm


alguma audição residual que pode ser aproveitada. É neste
sentido, o de uma perda, no caso da audição, que o surdo é
classificado pelos seguidores desta abordagem.
Este trabalho, portanto, baseia-se exclusivamente no desen-
volvimento de uma capacidade, se não ausente, pelo menos
muito prejudicada. O surdo não é visto dentro de suas possibilida-
des e de sua diferença, mas no que lhe falta e que deve ser
corrigido de qualquer forma para que ele possa se integrar e ser
“normal”.
Segundo MINDEL & VERNON (1971), o sistema educacional
baseado numa abordagem oralista força as pessoas surdas a se
adaptarem a uma imagem do que as pessoas ouvintes pensam
que elas deveriam ser. O homem surdo modelo é talhado a partir
da imagem que o ouvinte tem de si mesmo e a inabilidade em ouvir
faz com que a execução completa desta imagem seja impossível
de acontecer em qualquer circunstância. É nesta perspectiva que
vemos que todas estas tentativas de oralização do surdo cami-
nharam, numa busca incessante de transformação do surdo num
ouvinte que ele jamais poderá vir a ser. Uma vez que ele não pode
vir a ser, nem a se comportar, nem a aprender da mesma forma
que o ouvinte, as abordagens oralistas não alcançaram o resulta-
do desejado: desenvolvimento e integração do surdo na comuni-
dade ouvinte (LANE, op. cit., 1992). O princípio educacional não
estava baseado na real necessidade do surdo e numa compreen-
são verdadeira de suas necessidades e em sua forma de comu-
nicação.
Isto não quer dizer que muitos surdos trabalhados no oralismo
não tenham conseguido desenvolver linguagem e fala bastante
inteligível. O problema é que estes são poucos e a questão de
integração na comunidade ouvinte, mesmo para surdos muito
bem-sucedidos na oralidade, continuou existindo. A surdez nunca
é anulada, não importa os esforços feitos, tanto pelos profissionais
como pelos ouvintes e o surdo continua estigmatizado na socie-
dade ouvinte.

Comunicação total
Na década de 60, a insatisfação com os resultados do trabalho
de reabilitação dos surdos numa linha oralista era muito grande nos
EUA. Novos conhecimentos teóricos e a realização de pesquisas
levaram a questionar o trabalho feito até aquele momento, pois este
não levava ao desenvolvimento esperado de fala, leitura orofacial,
desenvolvimento de linguagem e habilidades de leitura.
Estas pesquisas baseavam-se em comparações de filhos
surdos de pais ouvintes (FSPO) com filhos surdos de pais surdos
(FSPS). Os FSPS eram expostos à Língua de Sinais desde o
nascimento e normalmente colocados em escolas oralistas. Os
resultados mostraram que eles tinham melhor desempenho aca-
340 Fonoaudiologia Prática

dêmico em matemática, leitura e escrita, vocabulário, sem diferen-


ças na leitura orofacial e na fala (MOORES, 1978).
Outro estudo de grande importância foi o de STOKOE em 1960
(SIGN LANGUAGE STRUCTURE), que estudando a Língua de Sinais
provou que ela tinha valor lingüístico semelhante às línguas orais,
cumprindo as mesmas funções, com possibilidades de expressão
a qualquer nível de abstração.
A partir do descontentamento com o desenvolvimento das
crianças surdas, da “redescoberta” da Língua de Sinais, agora
legitimada como língua e das pesquisas que demonstravam que
crianças expostas a ela tinham um desenvolvimento melhor do
que aquelas expostas só à oralidade, partiu-se para o desenvol-
vimento de uma nova forma de trabalho. Esta nova abordagem,
desenvolvida nos EUA, recebeu o nome de Comunicação Total.
Ela não foi considerada somente como uma metodologia, mas
“como uma filosofia que incorpora as formas de comunicação
auditivas, manuais e orais apropriadas para assegurar uma comu-
nicação efetiva com as pessoas surdas” (SCHINDLER, 1988).
A premissa básica é a utilização de toda e qualquer forma para
se comunicar com a criança surda, sendo que nenhum método ou
sistema particular deve ser omitido ou enfatizado. Para tanto,
devem-se usar gestos naturais, AMESLAN (American Sign Language
– Língua Americana de Sinais), alfabeto digital, expressão facial,
tudo acompanhado com fala ouvida através de um aparelho de
amplificação sonora individual. A idéia é usar qualquer forma que
funcione para transmitir vocabulário, linguagem e conceitos de
idéias entre o falante e a criança surda. O conceito fundamental é
fornecer uma comunicação fácil, livre, de dois caminhos entre a
criança surda e o seu ambiente mais próximo (NORTHERN &
DOWNS, 1975).
Os Sinais retornavam, portanto, à educação do surdo. Não
através da Língua de Sinais, que como veremos posteriormente,
iniciou a sua incursão na educação do surdo somente na década
de 80, mas de uma forma semelhante àquela utilizada por l’EPÉE
& EDWARD GALLAUDET nos séculos XVIII e XIX. Os Sinais serviam
para fazer com que a fala se tornasse visível, mas a estrutura
usada era a da língua oral. Isto significa que tudo que é falado é
acompanhado concomitantemente de Sinais, na estrutura da
língua oral. Ao mesmo tempo é realizado o treinamento em todos
os aspectos, já mencionados no oralismo, para propiciar o desen-
volvimento dos restos auditivos e da fala. A proposta inicial de se
usar a Língua de Sinais (que será explicada de forma mais
detalhada a seguir) foi abandonada e foram criados sistemas para
representar melhor a língua oral.
Esta filosofia contentava as necessidades americanas de
promover uma melhor educação e desenvolvimento para a crian-
ça surda, ao mesmo tempo em que a fala era contemplada. Não
interessava para a política americana o fortalecimento de uma
cultura dos surdos, cuja representação maior é a Língua de Sinais,
História e Educação: o Surdo, a Oralidade e o Uso de Sinais 341

pois o sistema de educação para surdos serve a uma instituição


maior, que é quem estabelece as regras e as formas de trabalho.
Enquanto filosofia, a Comunicação Total pretendia que qual-
quer forma de comunicação fosse usada e aceita, sendo que a
criança não seria discriminada por não dominar a oralidade. A
comunicação que se mostrasse mais eficaz com a criança seria a
escolhida (NORTHERN & DOWNS, 1975). Entretanto não foi isto que
aconteceu. A oralidade continuou a ser o objetivo principal do
trabalho. Segundo SCHLESSINGER & MEADOW (SCHINDLER, 1988),
o termo que melhor designa esta forma de atuação, para não
entrarmos nas questões controvertidas de método ou filosofia, é
o de Comunicação Bimodal.
A diferenciação que se pode fazer entre a Comunicação Total
e a Comunicação Bimodal é que a primeira não se refere a uma
técnica específica, desde que muitas formas de trabalho podem
ser adotadas, mas a uma filosofia de trabalho que, na sua
concepção original, privilegia a criança surda nas suas necessida-
des e aceita qualquer forma de comunicação da criança. Já a
Comunicação Bimodal refere-se à forma pela qual a língua é
apresentada à criança. É através da língua oral acompanhada de
Sinais que se espera que a criança venha a desenvolver suas
habilidades lingüísticas, sendo feito todo um trabalho de aprovei-
tamento de restos auditivos e de fala, como já descrevemos para
a Comunicação Total. Ela não prega uma filosofia de aceitação da
forma de comunicação da criança, mas o uso de uma técnica para
facilitar o desenvolvimento da fala.
Na aplicação tanto do Bimodalismo, como da Comunicação
Total, foram desenvolvidos marcadores e Sinais novos para
designar palavras ou elementos não contidos na Língua de Sinais
(que, por ser uma língua visual, tem uma característica diferente
da língua oral, como veremos com maiores detalhes mais adian-
te). Assim, aspectos gramaticais como tempos e pessoas verbais,
singular e plural, sufixos e prefixos, são feitos ou através do
alfabeto digital ou de Sinais criados, para que possam representar
a língua oral. Existem muitos destes sistemas nos EUA (Seeing
Essential English 1 – SEE 1; Seeing Essential English 2 – SEE 2;
Signing Exact English entre outros); eles são considerados Inglês
Sinalizado.
Outra forma de trabalho possível dentro da Comunicação
Total e do Bimodalismo é a não-utilização destes marcadores,
mas o acompanhamento da oralidade com Sinais retirados da
Língua de Sinais, sem nenhum acréscimo criado artificialmente.
Neste caso, a denominação passa a ser Inglês com Sinais (ou
Português com Sinais).
Os críticos aos sistemas combinados (outro nome dado para
as formas de trabalho que usam os Sinais em conjunto com a fala)
colocam que esta forma de trabalho não considera a Língua de
Sinais como uma língua real, portanto não a respeitando e não a
utilizando como poderia na educação do surdo.
342 Fonoaudiologia Prática

Este tipo de crítica é real, mas pensamos que é importante


tentar entender o quê as abordagens que utilizam Sinais visam
quando trabalham com crianças surdas. Se determinada institui-
ção, escola ou clínica, tem como objetivo, tão-somente, a oralização
na utilização de Sinais em conjunto com a fala, desprestigiando
outras formas de comunicação ou colocando a criança surda
numa posição de inferioridade frente ao seu desempenho ruim na
oralidade, esta postura tem que ser criticada. O objetivo do
trabalho quando se utilizam Sinais deve ser outro. Ele deve, na
verdade, propiciar o desenvolvimento global da criança, não
importando se ela utiliza esta ou aquela forma de comunicação.
Quando colocamos desenvolvimento global estamos nos referin-
do ao desenvolvimento lingüístico, intelectual, social, acadêmico
e principalmente de uma identidade preservada.
Podemos imaginar que uma criança que é vista como um
fracasso, por não ter desenvolvido a oralidade, mesmo exposta a
um método combinado, não terá chances de construir a sua
identidade e, talvez, muitos dos aspectos já mencionados. A
forma dela se comunicar será sempre julgada como não-adequa-
da, pois o objetivo colocado pelos educadores não foi alcançado.
Este tipo de postura com relação à criança trará prejuízos em
todos os aspectos do seu desenvolvimento. Ela considerará a si
mesma como incapacitada, portadora de uma deficiência que
jamais será superada, por mais esforços que faça. A sua identida-
de será organizada sobre a falta, mais uma vez. Uma vez que os
outros a identificam como “não-possível de”, será assim que ela
se perceberá.
Por outro lado, quando a opção da criança, quanto a sua forma
de comunicação, é aceita (apenas Sinais, Sinais acompanhados
de fala ou somente a oralidade), esta poderá constituir-se enquan-
to indivíduo íntegro e capaz, pois estará sendo respeitada em sua
diferença.
Ainda relacionado a este aspecto, temos o problema de como
a escola considera o ensino da leitura e escrita (ver Capítulo 17).
Se a forma de trabalho é modificada (de oral para um sistema
combinado), mas o trabalho pedagógico não o é, os problemas
podem ser sérios para o desenvolvimento do letramento (e poste-
riormente do acadêmico).
Temos, desta forma, a criação de uma nova forma de trabalho
(Bimodalismo), que não solucionou o problema do surdo. Se a
postura não é modificada, se os profissionais continuam vendo a
criança surda como um indivíduo que deve ser transformado num
surdo-falante, sem respeito pela sua identidade de diferente, a
dificuldade para muitas crianças permanecerá a mesma. Há
necessidade de que todos, que transitam pelo mundo da surdez,
reflitam sobre seus objetivos, formas de trabalho e de conceber o
surdo. Se a Comunicação Total, na sua concepção original, previa
este respeito pelo surdo, isto não veio a acontecer na maioria das
instituições.
História e Educação: o Surdo, a Oralidade e o Uso de Sinais 343

A Comunicação Total continua a ser utilizada nos EUA e em


muitos países do mundo. A pesquisa de BRASEL e QUIGLEY de
1977 (STEWART, 1993) demonstrou que um grupo que utilizava
inglês manual tinha uma pontuação maior em medidas de sintaxe,
leitura e produção acadêmica em geral. Várias outras demonstra-
ram a incorporação da gramática da Língua de Sinais na comuni-
cação por Sinais utilizados por estudantes expostos a sistemas de
Sinais, como observaram LIVINGSTON, 1983 e SUPALLA, 1991 (em
STEWART, op. cit.). A introdução da Comunicação Total na Dina-
marca mostrou que crianças que não conseguiam se comunicar
antes com adultos ouvintes o fizeram de uma forma não tinha sido
observada antes com o trabalho oralista. Apesar disto, as suas
habilidades em dinamarquês não melhoraram na mesma propor-
ção e eles passaram a se comunicar com os surdos adultos e com
seus colegas com um sistema de Sinais completamente diferente
daquele a que eles tinham sido expostos. As crianças tinham uma
nova língua, que não era a Língua de Sinais, nem a língua oral
sinalizada (HANSEN, 1990).
Na verdade, o desenvolvimento das crianças surdas melhorou
muito com o Bimodalismo, elas puderam se comunicar de uma
forma muito mais fluída, a comunicação oral não ficou prejudicada
como muitos dos opositores das línguas sinalizadas esperavam
que acontecesse, o desempenho acadêmico melhorou, mas nem
todos os problemas foram solucionados.

Língua de sinais e bilingüismo


A pesquisa de STOKOE sobre Língua de Sinais foi seguida por
muitas outras que analisaram a sua gramática, morfologia e sintaxe.
Como já assinalamos anteriormente, a Língua de Sinais é
estruturada de forma diferente da língua oral, por ser transmitida
por um canal visual. PEREIRA (1993) escreve que, segundo KLIMA
e BELLUGI, as Línguas de Sinais:

“...apresentam características diferentes das línguas orais, resul-


tantes da diferença de canal de transmissão-gestual/visual em opo-
sição ao canal oral/aural das línguas orais. A principal diferença é que,
nas línguas orais, os vocábulos são organizados seqüencialmente –
como uma seqüência linear de elementos sonoros – enquanto que
nas línguas de sinais os elementos são organizados como uma
combinação de componentes que ocorrem simultaneamente.”

Podemos citar alguns exemplos da forma que a Língua de


Sinais é organizada na LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais).
PEREIRA (op. cit., 1993), num estudo sobre a sintaxe desta língua,
declara que:

“...é possível afirmar ...que a ordem dos sinais segue, na maior


parte das vezes, a mesma ordem dos vocábulos do português
oral, ou seja, sujeito-verbo-complemento.
344 Fonoaudiologia Prática

Exemplos – PEGAR CIGARRO COLOCAR (boca) ACENDER


FUMAR

Um aspecto que chamou a atenção e que de certa forma


interfere na sintaxe, diz respeito ao uso simultâneo das duas
mãos, sendo que cada uma para produzir um sinal, o que parece
dar uma idéia de continuidade e concomitância.

...A repetição de sinais também foi observada, dando a idéia,


não de repetição, mas de manutenção de um estado de coisas.

Exemplos – FUMAR FUMAR FUMAR (interpretado como


continuar fumando ou fumar sem parar) ou COMER COMER
COMER (interpretado como comer sem parar).”

Verifica-se que esta forma diferente de organização da Língua


de Sinais, implica na não-possibilidade de acompanhamento dos
Sinais pela fala, como é feito nos sistemas bimodais.
Os estudos realizados sobre a Língua de Sinais elevaram-na
ao status de uma língua que foi reconhecida em diversos países.
Ainda que no Brasil isto ainda não tenha acontecido, aparecem os
primeiros movimentos neste sentido.
Estes estudos, além de uma modificação da postura frente aos
direitos das minorias, que aconteceu principalmente nos EUA,
mas também em outros países da Europa, tiveram e continuam
tendo até hoje grande influência nos caminhos da educação dos
surdos.
Os surdos, enquanto minoria, passaram a exigir o reconheci-
mento da Língua de Sinais como válida e passível de utilização em
sua educação, a reivindicar o direito de ter reconhecida sua cultura,
que é diferente da dos ouvintes, e a transmissão desta cultura às
crianças surdas. Eles saíram de uma situação de passividade, em
que suas vidas eram decididas pelos ouvintes, e iniciaram um
movimento que reivindicava que os seus direitos enquanto cidadãos
fossem respeitados (LANE, op. cit., 1992).
O movimento de reconhecimento da Cultura, Comunidade e
Identidade do Surdo, além de afirmar a sua autenticidade através
de trabalhos científicos, movimentos de protesto e culturais,
conseguiu mobilizar alguns responsáveis por sua educação para
que esta fosse reformulada. A nova proposta de trabalho recebeu
o nome de Bilingüismo.
O Bilingüismo foi implantado inicialmente na Suécia, com
amplo respaldo do Estado, que garante a educação Bilíngüe da
pré-escola ao término do secundário, sendo que aqueles que
passam a freqüentar a Universidade têm direito a um intérprete na
sala de aula (AHLGREN , 1990). Outros países também implanta-
ram o Bilingüismo, no ensino público, como a Dinamarca, Uruguai
(BEHARES, 1990) e Venezuela (SÁNCHEZ, 1990), sendo que nestes
dois últimos a proposta não sofreu continuidade. Em outros países
História e Educação: o Surdo, a Oralidade e o Uso de Sinais 345

o Bilingüismo foi aplicado de forma experimental, como a França


(BOUVET, 1990), Argentina (SKLIAR, 1990), Inglaterra (KYLE , 1990),
Itália (CASELLI e cols., 1994) e EUA (ERTING, KENDALL SCHOOL,
COMUNICAÇÃO PESSOAL, 1995).
O Bilingüismo, como forma de educação para surdos, pressu-
põe o ensino de duas línguas para a criança. A primeira é a Língua
de Sinais, que dará o arcabouço para a aprendizagem de uma
segunda língua que pode ser a escrita ou a oral, dependendo do
modelo seguido. Isto significa que a criança é exposta à Língua de
Sinais através de interlocutores surdos ou ouvintes que tenham
proficiência em Língua de Sinais. A língua oral ou escrita será
trabalhada seguindo os princípios de aprendizado de uma segun-
da língua. O princípio fundamental do Bilingüismo é oferecer à
criança um ambiente lingüístico, onde seus interlocutores se
comuniquem com ela de uma forma natural, da mesma forma que
é feito com a criança ouvinte através da língua oral. A criança
surda tem a possibilidade, desta forma, de adquirir a Língua de
Sinais como primeira língua, não como uma língua ensinada, mas
apreendida dentro de contextos significativos para ela.
O letramento parte da exposição das crianças a histórias
infantis, através da Língua de Sinais e de livros. Posteriormente,
a mesma história é apresentada na forma escrita, para que as
crianças possam começar a “lê-la”, para mais tarde poderem
tecer comparações sobre as características da língua ali repre-
sentada graficamente com a Língua de Sinais (DAVIES , 1994;
BOUVET, 1990).
Desta forma, a criança não apenas terá assegurada a aquisi-
ção e desenvolvimento de linguagem, como a integração de um
autoconceito positivo. Ela terá a possibilidade de desenvolver a
sua identidade como uma representação de integridade, não
como a de falta ou de deficiência. Ela terá modelos de adultos
surdos com os quais poderá se identificar, podendo se perceber
como capaz e passível de vir a ser. Ela não terá que ir atrás de uma
identidade que ela nunca consegue alcançar: a do ouvinte.
Podemos aqui citar HABERMAS (1990):

“ A identidade do Eu indica a competência de um sujeito capaz


de linguagem e de ação para enfrentar determinadas exigências
de consistência... A identidade é gerada pela sociabilização, ou
seja, vai se processando à medida que o sujeito – apropriando-se
dos universos simbólicos – integra-se antes de mais nada, num
certo sistema social, ao passo que, mais tarde, ela é garantida e
desenvolvida pela individualização, ou seja, precisamente por
uma crescente independência com relação aos sistemas sociais.”

O sistema social, que a escola Bilíngüe oferece à criança


surda, lhe fornece uma possibilidade de se ver a partir da “seme-
lhança de” e não da “impossibilidade de ser”. A linguagem, através
de um acesso pleno, e a sociabilização são elementos importan-
346 Fonoaudiologia Prática

tes para que esta formação inicial de identidade seja possível, e


elas devem estar acessíveis à criança surda, para que ela tenha
instrumentos para mais tarde adaptar-se a um mundo, que com
certeza, não será tolerante com seu estigma (GOFFMAN, 1988).
Não podemos esquecer de falar da família neste contexto tão
particular de forma de aceitação da criança surda. Os trabalhos
desenvolvidos até agora têm mostrado a importância de se
esclarecer a família de que a surdez não retira a capacidade da
criança de se tornar um ser falante (BOUVET, 1990). Por esta
razão, é explicada aos pais de crianças surda, logo após a
descoberta da surdez, a existência de uma comunidade minoritária,
capaz, que tem uma língua própria, onde os seus filhos terão a
possibilidade de se desenvolver se aceitos na sua diferença e
expostos à Língua de Sinais o mais precocemente possível
(DAVIES, 1994).
Esta não é uma tarefa fácil. A vinda de um filho cuja identidade
pressuposta (de ouvinte) não se confirma (CIAMPA, 1990) traz para
os pais uma grande indagação que não é respondida com facili-
dade. Somente a visão realista de profissionais que acreditam que
a educação Bilíngüe é a resposta para as necessidades da
criança surda e, posteriormente, o contato com a comunidade de
surdos, poderão levar os pais a entenderem a surdez como uma
diferença e não como uma deficiência a ser compensada a
qualquer custo.
Não podemos esquecer o papel que o Estado tem na criação
de possibilidades, tanto de implantação de um projeto Bilíngüe,
como na garantia de continuidade deste processo. Se o Estado
garante a educação, a boa formação de profissionais, a possibi-
lidade de trabalho e de subsistência aos indivíduos surdos, estará
auxiliando os pais, não só na aceitação do Bilingüismo, como
propiciará que estes venham a tornar-se elementos participativos
ativos no processo de adaptação de seus filhos aos dois mundos
aos quais eles pertencem.
Só que anteriormente ao problema de aceitação dos pais,
existe a dificuldade do Bilingüismo ser aceito pelos profissionais
e, conseqüentemente, pelos responsáveis pela educação do
surdo. A resistência é muito grande e os argumentos usados
podem ser buscados na história do surdo: não-humanização a
não ser através da fala, necessidade de integração na sociedade
ouvinte, a importância da linguagem oral para a estruturação do
pensamento, etc. Na realidade, a aceitação do surdo na socieda-
de ouvinte, proposta pelos que são contra os Sinais, não passa de
um discurso. GOFFMAN (1988) pode nos auxiliar a compreender
melhor estes aspectos:

“Por definição, é claro, acreditamos que alguém com um


estigma não seja completamente humano. Com base nisto, faze-
mos vários tipos de discriminações... Construímos uma teoria do
estigma, uma ideologia para explicar a sua inferioridade e dar
História e Educação: o Surdo, a Oralidade e o Uso de Sinais 347

conta do perigo que ela representa... (O indivíduo estigmatizado)


pode perceber geralmente de maneira bastante correta que, não
importa o que os outros admitam, eles na verdade não o aceitam
e não estão dispostos a manter com ele um contato em “bases
iguais”.”

Na verdade acreditamos que esta dificuldade de aceitação


do Bilingüismo esteja depositada na própria dificuldade das
pessoas de poderem aceitar o surdo como diferente, não defi-
ciente, com uma língua, uma cultura e pertencente a uma
comunidade própria. A necessidade de normalização do surdo,
até chamado de “deficiente” auditivo, se relaciona ao medo, à
colocação de desejos pessoais (se eu fosse assim eu preferiria
que...) e não ao que, aquele que nasceu surdo, necessita e
coloca como seu desejo.
Além disto o próprio Estado não deseja o fortalecimento de um
grupo que, quanto mais educado e consciente de seus direitos, irá
exigi-los e reivindicá-los como seus direitos de cidadão. Este
movimento não é interessante, nem do ponto de vista político nem
econômico.
Podemos imaginar, portanto, que esta realidade é inatingível
para a nossa sociedade. Isto, entretanto, não é absolutamente
verdadeiro. Pode ser difícil, mas não impossível.
Podemos considerar aqui duas formas possíveis para
implementá-la, uma não excludente da outra. Obviamente, antes
de mais nada é necessário aceitar plenamente o Bilingüismo em
todos aspectos relacionados anteriormente. Não existe uma for-
ma intermediária que possa contentar os que são partidários da
transformação do surdo num “ouvinte”. Isto exige reflexão, estudo
e compreensão das verdadeiras forças que levam os indivíduos a
se comportarem desta ou daquela maneira, mesmo quando se
imagina que estas posturas sejam elaborações próprias. A partir,
então, da aceitação do Bilingüismo, vamos verificar quais são as
duas formas de atuação.
O Bilingüismo exige que uma série de medidas sejam tomadas
para que possa se edificar com bases sólidas. Estas medidas
incluem o reconhecimento oficial da Língua de Sinais como uma
língua verdadeira (o que está se constituindo como possibilidade
no Brasil neste momento), a criação de centros de estudos e de
formação de profissionais que estejam habilitados a trabalhar
adequadamente (domínio de Língua de Sinais, treinamento de
surdos para trabalharem em salas de aula, formação de intérpre-
tes, etc.) e finalmente, mas não a última em importância, o
compromisso do Estado como fornecedor de subsídios para que
tudo isto aconteça e para que possam ser criadas escolas que
garantam a educação do surdo da pré-escola até a Universidade.
Isto tudo demanda tempo, dinheiro, esforço dos profissionais e
surdos envolvidos no processo e o rompimento de barreiras
institucionais e políticas. Não é uma tarefa fácil, mas já se vêem,
348 Fonoaudiologia Prática

atualmente, alguns trabalhos que têm mostrado resultados práti-


cos ou que caminham em direção desta mudança (reconhecimen-
to da Língua de Sinais, obrigatoriedade de formação de profissio-
nais na área de surdez em Língua de Sinais, oficialização de
cursos de intérpretes, trabalhos científicos voltados para a Língua
de Sinais, formação da identidade de surdos, etc.).
Entretanto, o fato de, em nosso país, estarmos apenas iniciando
este longo percurso que envolve uma alteração do processo educa-
cional dos surdos, não deve significar que os profissionais realmente
interessados numa educação real para os surdos e que estão
preocupados com o trabalho pouco eficaz que realizam, apesar de
seus esforços, devam esperar que os caminhos legais e científicos
estejam desbravados para então poder iniciar o seu trabalho prático.
Muito pelo contrário. As experiências que puderem ser realizadas,
documentadas e que mostrarem as dificuldades (ou não) neste
processo, assim como os resultados obtidos, poderão servir de
material importante para auxiliar a implantação do Bilingüismo.
Atualmente, já existe um trabalho realizado em Campina Gran-
de, na Paraíba, neste sentido. Ele deverá ser publicado brevemente
para que possamos verificar que a possibilidade de uma educação
Bilíngüe é viável se usarmos os recursos da comunidade.
De uma forma geral, a idéia é lançar mão da própria comunidade
surda da cidade, mesmo que seja uma cidade pequena (e talvez o
processo seja facilitado numa comunidade menor), para aprender a
Língua de Sinais usada pelos surdos adultos, treiná-los como
“professores” encarregados de falar a própria língua com os alunos
surdos. Estamos colocando apenas a idéia básica, é claro que há
necessidade de um embasamento teórico e de, pelo menos, alguns
recursos financeiros para que isto seja possível. Muitas vezes uma
Universidade vizinha ou entidades beneficentes podem estar inte-
ressadas num projeto deste tipo, podendo ajudar com recursos
científicos e financeiros. Esta não seria a solução para o problema
da educação do surdo, não garantiria a continuidade de trabalho,
mas permitiria que crianças, com pouca ou nenhuma possibilidade
de desenvolvimento atualmente, pudessem desenvolver sua lin-
guagem, a língua escrita, sua identidade de sujeitos “capazes de” e
posteriormente sobrepujar muitas das dificuldades hoje considera-
das intransponíveis nas suas vidas.
Portanto, por iniciativa estatal (como um caminho que se
inicia) ou de experiências isoladas, existe a “possibilidade de”,
tanto para os surdos, que assim teriam a chance de se desenvol-
verem, como para os profissionais, que poderiam realizar um
trabalho mais gratificante por ser produtivo.

PAPEL DO FONOAUDIÓLOGO
Com relação ao trabalho fonoaudiológico com indivíduos
surdos com a utilização de Sinais ou Língua de Sinais, existem
formas diferentes de atuação, referenciadas pela formação e
História e Educação: o Surdo, a Oralidade e o Uso de Sinais 349

compreensão que estes profissionais têm do surdo e do seu papel.


Vamos tentar fazer uma divisão, no que compete ao fonoaudiólogo
na abordagem Bimodal e no Bilingüismo, ainda que existam
sobreposições entre elas.

Abordagem bimodal
Como vimos anteriormente, na abordagem bimodal, a fala é
acompanhada de Sinais, tornando-a visível para o surdo. Os
aspectos relacionados à audição (indicação e adaptação de
aparelhos de amplificação sonora, aproveitamento de restos
auditivos) e treinamento de fala e leitura orofacial são realizados
de forma paralela, com o objetivo de fazer com que o surdo
desenvolva estas habilidades.
Como já vimos, a forma de trabalho vai refletir a visão que
o fonoaudiólogo tem do surdo. Queremos dizer com isto que o
profissional pode entender o seu trabalho como um treinamento
específico, técnico, ou como parte de um todo, relacionado a
características específicas de cada indivíduo.
No primeiro caso, ele pode não ter domínio da língua sinalizada
(ou com Sinais) a que a criança está sendo exposta, ou até ter, mas
o seu objetivo é realizar um treinamento por etapas, que obviamen-
te depende da sua visão teórica de aquisição de linguagem, fala e
habilidades auditivas. O objetivo maior é fazer com que o surdo
desenvolva a oralidade, sendo os Sinais um apoio que pode ou não
ser utilizado. Existem profissionais que acreditam que a ênfase
muito grande nos Sinais levará a criança a não desenvolver seus
potenciais auditivos e a fala, e daí não se valem dos Sinais na
terapia fonoaudiológica. A criança é treinada, então, para apresen-
tar respostas frente a estímulos auditivos ou a responder através
da repetição aos estímulos apresentados. A situação, muitas
vezes, não é contextualizada, ou quando o é, exige obrigatoria-
mente uma resposta-padrão da criança. A preocupação, neste
caso, é com uma performance isolada das habilidades trabalhadas
no contexto da linguagem oral.
Não consideramos que esta seja uma forma adequada de
trabalho, por ver o surdo como um indivíduo separado em duas
partes: a fala ou sua linguagem oral e a sua comunicação por
Sinais. Normalmente, nestes casos, o primeiro aspecto é valoriza-
do em detrimento do segundo. Em primeiro lugar, acreditamos ser
impossível dividir estes dois aspectos em qualquer indivíduo, eles
estão interligados, mesmo quando as modalidades de expressão
são tão diversas. O surdo fala a partir das representações internas
que tem de mundo, construídas através da linguagem. Não é
apenas um aspecto articulatório as ser trabalhado. Realizar esta
separação não tem fundamentação do ponto de vista teórico e
pode levar o surdo a sentir a sua forma de comunicação, através
de Sinais, como de “segunda categoria”. Ele pode também rejeitar
esta “oralidade”, negando-a como uma forma de comunicação
350 Fonoaudiologia Prática

válida. As conseqüências nestes dois casos podem ser catastró-


ficas para ele ou para a possibilidade de trabalho na oralização.
Assim, o trabalho, tão bem-delineado do ponto de vista técnico,
pode não atingir os resultados esperados, com o surdo negando-
se a realizar as tarefas a ele impostas porque não vê sentido no
que está sendo pedido. Recuperar este “desejo” pela oralidade
pode vir a ser muito difícil depois. Por outro lado, se o surdo passa
a perceber como está lhe sendo passado que a sua forma de
comunicação por Sinais não é válida, pode abandonar ou rejeitar
os Sinais, com prejuízo para o seu desenvolvimento. Este último
caso é mais raro. O surdo, mesmo quando ainda pequeno,
percebe a facilidade de comunicação que lhe é propiciada pelos
Sinais e dificilmente a abandona.
O trabalho fonoaudiológico, quando voltado para surdos
expostos a Sinais, deve pressupor, portanto, a aceitação dos
Sinais como uma comunicação válida e como um componente
importante para o desenvolvimento da oralidade, quando esta é
possível.
Neste caso, que é o segundo citado anteriormente, o trabalho
fonoaudiológico se inicia quando do encaminhamento do surdo,
não importando a sua idade. Este encaminhamento pode ocorrer
de diversas formas. Em algumas ocasiões, a família teve uma
indicação deste tipo de trabalho e está interessada em saber mais
a respeito. Geralmente isto ocorre quando o diagnóstico de surdez
da criança ocorreu há pouco tempo. Na maioria das vezes,
entretanto, a família já iniciou o trabalho com o seu filho surdo,
numa linha oralista, mas descontente com os resultados, ou
encaminhada pelo fonoaudiólogo daquela linha, procuram os
fonoaudiólogos que atendam com Sinais, também querendo ter
informações sobre este trabalho. A escola, ou outros profissionais
que trabalham com o surdo, numa linha de Sinais ou não, também
podem indicar uma terapia fonoaudiológica centrada em Sinais.
Em qualquer destes casos, é a família que vai ser objeto de
atenção do fonoaudiólogo neste momento.
As dúvidas em relação aos Sinais são muitas e o preconceito
está normalmente presente. Este preconceito pode decorrer de
diversos fatores: dificuldade de aceitação de uma forma de trabalho
(com Sinais) que explicita a condição de surdo da criança, da não-
representação desta criança como diferente e, portanto com outras
necessidades; da manutenção da identidade pressuposta (ouvinte)
que é perseguida a todo custo; etc. É neste momento que o
fonoaudiólogo deve estar preparado para responder a todas estas
questões, acreditar no trabalho e expô-lo da maneira mais honesta
possível.
Às questões como: “Meu filho vai falar?”, “Ele será normal?”,
“Como ele vai se comunicar com as outras pessoas?”, o profissio-
nal terá que mostrar que as respostas não podem ser conheci-
das a priori, mostrando as possibilidades que se abrem para a
criança com o uso de Sinais e não as suas “deficiências” ou
História e Educação: o Surdo, a Oralidade e o Uso de Sinais 351

“impossibilidades”. Não podemos saber se uma criança desen-


volverá fala ou não, qual será a qualidade e a função desta fala,
pois isto depende de muitas variáveis, nem sempre conhecidas
neste momento, mas ele terá uma forma de comunicação que
lhe permitirá entrar em contato com o mundo e consigo mesmo.
Nunca um surdo será normal, se pensarmos na normalidade
como vir a ser ouvinte ou a se comportar e ter uma identidade de
ouvinte. Entretanto, será normal na sua diferença, desde que
sejam dadas as condições para ele desenvolver linguagem e de
se ver como um indivíduo “capaz de”. A sua forma de comuni-
cação com pessoas ouvintes dependerá de como ele desenvol-
verá as habilidades de fala, mas esta não será diferente do que
seria se ele fosse trabalhado só na oralidade. A diferença está
no fato de que se estas habilidades não forem boas ele contará
com um arcabouço lingüístico que lhe será de grande utilidade
em muitas áreas. Ele poderá se ver como um indivíduo diferente
que conta com os seus pares e não como um indivíduo incapaz
de ter um contato social, isolado e discriminado. Claro que tudo
isto dependerá da forma como ele vai poder ser reconhecido
pela família, pela escola e pelo próprio fonoaudiólogo.
O que foi exposto anteriormente é apenas uma pequena
parte das dúvidas e ansiedades dos pais. Todos estes e outros
aspectos devem ser tratados paulatinamente, considerando-se
a visão dos pais e mostrando-lhes as outras possibilidades. O
mais importante é estar realmente convicto dos benefícios do
trabalho, e para isto, o fonoaudiólogo deve estar bem preparado
teoricamente. Esta é uma das condições mínimas indispensá-
veis para que a proposta de trabalho seja possível. A outra
condição é a aceitação dos pais e o seu envolvimento no
trabalho.
Iniciado o trabalho, as terapias se voltarão para o estabeleci-
mento de uma relação significativa com o surdo, sempre com a
utilização de Sinais e fala, avaliação da linguagem, indicação dos
aparelhos de amplificação sonora, adaptação dos mesmos, trei-
namento de fala e de leitura orofacial. Deve-se estar sempre
atento à necessidade de realizar os treinamentos específicos
tendo em vista a criança, suas motivações, seus interesses e
principalmente dentro de situações significativas para ela. Se o
objetivo é o trabalho auditivo, este deverá ser feito de forma que
a criança possa responder às situações mais próximas da realida-
de, mesmo que seja a sua realidade lúdica. A impossibilidade de
responder a qualquer um dos treinamentos, não deverá ser vista
como uma falha, mas como a sua possibilidade naquele momen-
to. Novamente repetimos: não é a criança que deve ter esta ou
aquela resposta, mas nós que devemos estar atentos às suas
possibilidades de resposta. O trabalho deverá ser moldado de
acordo com a criança, e não a criança ao trabalho. Esta é a única
forma desta proposta respeitar o surdo e dar-lhe possibilidade de
desenvolvimento.
352 Fonoaudiologia Prática

Em instituições, o fonoaudiólogo também pode atuar como


membro de uma equipe que vai auxiliar na avaliação da lingua-
gem, no desenvolvimento do surdo nos aspectos relacionados a
linguagem, fala e audição, sempre na postura descrita anterior-
mente. Esta participação depende da estrutura da instituição e do
papel destinado ao fonoaudiólogo na mesma. Esta atuação será
sempre realizada em conjunto com o professor e os outros
profissionais que trabalham na instituição.
Vemos, portanto, que nesta visão de Bimodalismo o papel do
fonoaudiólogo tenta resgatar a proposta de respeito à criança. Se
este trabalho não possibilita uma real apropriação do surdo de sua
língua, pelo menos garante a sua constituição como sujeito de
forma mais voltada às suas necessidades. Se não podemos
fornecer ao surdo uma cultura e o acesso à comunidade de
surdos, terá a possibilidade de fazer a sua escolha quando adulto,
sem preconceitos contra os outros surdos (e conseqüentemente
contra si mesmo).

Bilingüismo
Temos que considerar o trabalho do fonoaudiólogo no
Bilingüismo, tendo como base o referencial teórico e os trabalhos
realizados em outros países, uma vez que as propostas no Brasil
estão ainda em fase inicial.
Neste sentido, é importante observar que a proposta do
Bilingüismo é educacional, social e cultural, independente da manei-
ra como concebe a segunda língua a ser adquirida pelo surdo (como
veremos a seguir). Assim, o papel do professor, dos pedagogos e
dos lingüistas é muito maior do que o do fonoaudiólogo. Nada
impede que um fonoaudiólogo atue nos aspectos pedagógicos,
educacionais, lingüísticos e sociais, dentro da escola, mas o seu
trabalho clínico se torna muito mais restrito, uma vez que o ambiente
escolar é o que vai ser responsável pelo desenvolvimento global do
surdo. Portanto, este trabalho deve ser realizado numa equipe que
partilhe dos mesmos pressupostos teóricos.
Certamente há um espaço para o fonoaudiólogo, na clínica,
voltado para o desenvolvimento das habilidades orais. Vejamos
qual é este e em que circunstâncias pode ser realizado.
Muitas das colocações anteriores, que explicitam a forma do
fonoaudiólogo encarar o trabalho com Sinais no Bimodalismo, são
igualmente válidas para o Bilingüismo.
Entretanto, neste trabalho, existem outros condicionantes para
a atuação fonoaudiológica. A fundamentação teórica do Bilingüismo
pode levar a duas formas de implantação. As duas coincidem no que
tange à primeira língua a ser adquirida pela criança (Língua de
Sinais), mas diferem quanto à segunda. Para uma, a segunda língua
é a oral e para outra é a escrita. Esta última é uma visão mais radical,
que considera que o aprendizado da fala é muito demorado e não
compensa o trabalho despendido em relação aos resultados alcan-
História e Educação: o Surdo, a Oralidade e o Uso de Sinais 353

çados. Além disto, se o surdo é considerado como diferente e que


deve ser respeitado na sua diferença, a sua língua deverá ser a sua
forma de comunicação, não lhe devendo ser exigida a oralidade.
Nesta proposta não existe espaço para o fonoaudiólogo, pelo
menos no que diz respeito ao trabalho clínico. Não é feita a indicação
de aparelhos, o treinamento de fala ou de leitura orofacial, embora
a família do surdo, ou o próprio surdo (quando adulto) possa
procurar a ajuda do fonoaudiólogo.
A validade desta forma de ver o surdo e conseqüentemente a
sua educação, do ponto de vista teórico e de coerência com o
modelo social em que se apóia, nos parece inegável. Mas pode-
mos levantar algumas considerações sobre este tema. Para que
possa ser implantado desta forma, há necessidade de todo um
apoio governamental e social. Quando este apoio não está
presente, as dificuldades aparecem e não são poucas. Para a
nossa realidade, levando-se em conta as condições de vida e de
trabalho dos surdos, mesmo os bem-oralizados, a dificuldade de
se aceitar a diferença e não considerá-la uma deficiência, faz com
que uma proposta como esta se configure como impossível. A
literatura nos mostra que os surdos não foram considerados nas
escolhas históricas sobre a sua educação (LANE , op. cit., 1989 e
1992; SÁNCHEZ, 1990), portanto, vamos ouvi-los neste momento.
Se percorrermos os clubes e associações de surdos de São
Paulo, vamos verificar que eles se referem à oralidade como um
requisito importante para suas vidas, sendo que muitos dos
elementos que se destacam nestas instituições são surdos que
conseguem (em diversos graus de inteligibilidade) se expressar
através da fala. Eles se referem a esta habilidade como importante
para o seu trabalho, para a convivência dentro da sociedade
ouvinte e sabem que não podem contar com intérpretes de Língua
de Sinais em quase nenhuma situação. Podemos interpretar esta
valorização da oralidade de outras formas, mas nos parece que os
pontos práticos levantados por eles são válidos e, mesmo sem
considerar as outras interpretações, podemos aceitá-las para o
propósito da discussão aqui em pauta.
Não desconsiderando, portanto, esta forma de ver o surdo e
o Bilingüismo, passemos para a outra abordagem, em que a
segunda língua é a oral, sendo seguida pela escrita, que por sua
vez poderá ser utilizada para o desenvolvimento da língua oral.
Como já vimos anteriormente, ela não pode se dar apenas
clinicamente. Na verdade o fonoaudiólogo pode realizar o traba-
lho clínico, mas somente em conjunto com a escola (dentro ou fora
dela). O pré-requisito básico é saber a Língua de Sinais, que vai
permear a relação do profissional com o surdo e lhe dar instrumen-
tos para a execução do seu trabalho.
A orientação familiar, neste caso, pode acontecer nos mes-
mos moldes descritos para o Bimodalismo, mas o que tem
acontecido, nos lugares onde o Bilingüismo foi implantado, é que
esta orientação ou cabe à escola ou aos assistentes sociais.
354 Fonoaudiologia Prática

O trabalho com indicação e adaptação de aparelhos de


amplificação sonora, aproveitamento auditivo, fala e leitura
orofacial cabe ao fonoaudiólogo. O importante é saber o mo-
mento de realizar este trabalho e a forma de abordá-lo. O
trabalho não visa tão somente que a criança responda auditiva-
mente ou desenvolva as suas habilidades de fala e de leitura
orofacial, mas que se torne consciente da razão e da importân-
cia da língua oral e o seu papel na sociedade ouvinte. Afinal o
trabalho é voltado para duas línguas. Se a Língua de Sinais é a
primeira a ser adquirida e a proposta é respeitar a sua cultura e
forma diferente de ser, quando se considera que a língua oral
deve ser adquirida como uma segunda língua, ela também deve
ser valorizada. Isto não significa que ela vai ser considerada a
melhor ou a mais enfatizada, mas que ela faz parte de uma
realidade social do surdo.
Segundo BEAZLEY & DYAR (1988), um dos aspectos importan-
tes a ser considerado é o desenvolvimento de comportamentos
comunicativos:

“...uma abordagem bilíngüe pode ser usada efetivamente para


aumentar a consciência da criança surda do seu comportamento
comunicativo em cada língua. Habilidades sociais e estratégias...
são uma parte importante da comunicação e pode ser necessário
explorá-las no contexto de ambas as línguas, a falada e a de
Sinais.”

No trabalho com a inteligibilidade da fala, a Língua de Sinais


é utilizada para explicar aspectos relacionados ao trabalho. O
mesmo é feito para o trabalho auditivo. As considerações feitas
para este trabalho no Bimodalismo são igualmente válidas aqui
(motivação, interesse da criança, situações significativas).
O problema de quando iniciar este trabalho traz um desafio
a ser solucionado. Se por um lado é importante iniciar o mais
cedo possível, por outro a criança pode não estar motivada para
este trabalho e não poder processar a importância do mesmo
em razão da sua pouca idade. O fonoaudiólogo é que terá que
decidir, em conjunto com a família e a escola, qual será este
momento. Se a decisão for a de se iniciar quando a criança é
ainda muito pequena, as estratégias de atuação deverão ser
muito bem planejadas e destinadas a fazer com que a criança
veja a oralidade de uma forma positiva, da mesma forma que a
Língua de Sinais.
Os trabalhos Bilíngües realizados até este momento têm
demonstrado que a oralidade se desenvolve melhor após o
letramento das crianças, que usam o apoio da escrita para
construir as suas hipóteses sobre a língua oral (BOUVET ,
1990). Para mais detalhes sobre o letramento de crianças
surdas e as atividades metalingüísticas que elas realizam ver
Capítulo 17.
História e Educação: o Surdo, a Oralidade e o Uso de Sinais 355

CONCLUSÃO
Através de uma breve revisão histórica da educação dos
surdos tentamos mostrar os caminhos que esta percorreu, os
obstáculos que lhes foram impostos na manutenção da sua
comunidade, da sua língua e da sua cultura. Desde o início
desta história os princípios filosóficos, políticos, sociais, ideoló-
gicos e os interesses pessoais regeram os rumos desta educa-
ção e o destino dos surdos. Estamos atualmente em outro
momento, com os mesmos princípios atuando, ainda que de
forma diferente.
Enquanto profissionais que trabalham com surdos, temos que
estar conscientes da presença destes determinantes e escolher
uma forma de atuação que esteja de acordo com o que acredita-
mos. As nossas crenças são determinadas por princípios sociais
que estão acima de nós, mas somos livres para escolher aqueles
que nos fazem sentido e através deles delimitarmos nossa condu-
ta enquanto profissionais.
O que trouxemos neste capítulo reflete o nosso ponto de vista,
baseado nos princípios nos quais acreditamos. Existem outros,
que se baseiam em outras concepções de mundo e de indivíduos,
nos quais os profissionais que os defendem mostram outras
formas de atuação. A nossa compreensão do surdo não é a única.
Se a defendemos é porque acreditamos que ela contempla
aspectos lingüísticos, sociais, educacionais, e principalmente, o
respeito pela diferença.
O uso de Sinais na educação do surdo, a importância da
Língua de Sinais e da cultura do surdo, o movimento surdo, tudo
isto faz parte de um momento em que as minorias reivindicam a
sua cidadania e os seus direitos. A educação do surdo também é
um movimento político de grandes proporções para quem é surdo.
A grande questão é: estamos ou não envolvidos neste processo?
Na verdade estamos, e o problema se relaciona a outras ques-
tões: De que lado estamos? Por que? Como? Somente a resposta
a estas questões pode fazer com que possamos realizar bem o
nosso trabalho.
O nosso lado está definido. Esta definição veio através de
estudos, pesquisas, vivências, trabalho, pensamentos, análises e
questionamentos. Passamos os nossos conhecimentos, tentan-
do fundamentá-los e informar aos profissionais que existem estes
pontos de vista. Cabe agora a cada um realizar o seu próprio
processo e descobrir como vai conduzir seu trabalho.

Leitura recomendada
AHLGREN, I. – Swedish conditions: sign language in deaf education. In:
PRILLWITZ, S. & VOLLHABER, T. Sign Language Research and
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356 Fonoaudiologia Prática

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Deficiência Auditiva 1
Escolas e Escolhas: Processo Educacional dos Surdos 359

17
Escolas e Escolhas:
Processo Educacional dos
Surdos

Kathryn M. P. Harrison
Ana Claudia B. Lodi
Maria Cecília de Moura

INTRODUÇÃO

Este capítulo tem por objetivo discutir dados relacionados à


educação de crianças e adolescentes surdos. Em geral, ao ter
contato com um texto sobre educação, o leitor imagina que o autor
ou os autores são pedagogos. Porém, neste caso, este trabalho
foi escrito por três fonoaudiólogas.
Pode-se levantar questões a respeito desta escolha, mas a
resposta nos remete ao objetivo deste livro: um livro que sirva de
referência a estudantes e profissionais de fonoaudiologia, e
escrito, em sua maior parte, por fonoaudiólogos brasileiros.
Entendemos educação como um dos processos mais longos
por que passa o ser humano, que se inicia com o nascimento e se
estende por toda sua vida. Ao nos depararmos com o bebê
humano, podemos perceber que diferentemente do que acontece
com os pequenos filhotes de outros seres vivos, que nascem
dotados de um saber natural, instintivo, o nosso filhote vem ao
mundo desprovido dos aparatos necessários para responder às
“leis da natureza”. Para poder crescer e se desenvolver, tornando-
se um indivíduo adulto, este bebê precisa estar em contato com
adultos de sua espécie, que, além de garantirem sua sobrevivên-
cia biológica, alimentando-o, cuidando de sua higiene e de sua
saúde, abrigando-o do frio e dos perigos, vai colocar este bebê em
contato com a sua língua, com a sua cultura, com os outros
360 Fonoaudiologia Prática

membros de sua comunidade, no que pode ser chamado de


processo civilizatório. Este processo é um aprendizado, é o que
chamamos aqui de educação.
Neste trabalho, ao discutirmos a questão da educação, não
estaremos nos referindo aos métodos, à didática e às técnicas
pedagógicas, mas sim às concepções que a norteiam.
O fonoaudiólogo, como qualquer profissional, deve ter aces-
so durante sua formação a estudos teóricos que lhe permitam,
ao lado de sua experiência prática, julgar o que é importante
para o desenvolvimento dos indivíduos com quem trabalha.
Estas informações também são necessárias para que possa
esclarecer e discutir com os pais sobre o que se espera de
desenvolvimento e as perspectivas que se abrem para o
futuro de seus filhos. Isto para que eles possam fazer as esco-
lhas que precisam com base no maior número de dados de
realidade.
Enquanto autoras, temos algumas concepções sobre a sur-
dez e suas implicações na vida da criança e de sua família, o que
inclui sua educação. Não nos furtaremos a explicitá-las aos leito-
res. É por este motivo que há no título escolas e escolhas.
Pretendemos que possam, a partir da leitura deste texto e de
outros com os quais entrem em contato em sua vida acadêmica e
profissional, fazer também as suas escolhas.
Torna-se importante salientar, nesta introdução, que, quando
falamos de escolhas de escolas para surdos, estamos muito mais
voltados para a questão de escolha do que para a questão
metodológica, pura e simples, como já foi falado anteriormente. A
escolha da escola, quando pensada sobre o ideal para a criança,
reflete a concepção de surdo que o profissional tem. Por exemplo:
uma criança surda trabalhada numa linha oralista terá como
primeira opção a escola comum (onde estudam crianças ouvin-
tes); aquela exposta aos Sinais, a escola especial, como se verá
adiante. Isto não significa que devamos ignorar os métodos
pedagógicos, que, por sua vez, também estão relacionados às
escolhas.
Como propiciar, então, o letramento das crianças surdas,
respeitando suas diferenças, se há tantos pressupostos e concep-
ções subjacentes às escolhas realizadas?
Não podemos nos esquecer que uma criança não tem condi-
ções, por si só, de optar sobre o que é melhor para ela. Cabe,
então, aos profissionais indicar a melhor forma de trabalho,
esclarecendo à família e promovendo a educação destas crianças
de forma coerente com os pressupostos assumidos. Esta é uma
tarefa de grande responsabilidade e um dos motivos deste capí-
tulo: discutir sobre as escolhas que o fonoaudiólogo precisa fazer
no exercício de suas funções.
Passemos ao nosso tema – a educação de crianças e adoles-
centes surdos – do ponto de vista do fonoaudiólogo, para subsi-
diar as escolhas que terá de compartilhar com a família.
Escolas e Escolhas: Processo Educacional dos Surdos 361

EDUCAÇÃO DOS SURDOS


A educação de crianças surdas tem sido vista como uma meta
a ser alcançada. Uma meta ainda a ser alcançada, visto que as
tentativas educacionais feitas até o momento não têm se mostra-
do suficientemente eficientes (salvo algumas experiências que
serão relatadas mais à frente) para fazer com que crianças e
adolescentes surdos possam atingir o mesmo desenvolvimento
acadêmico, social, e futuramente profissional, que os ouvintes de
mesma faixa etária ou mesmo grau escolar. A preocupação em
atingir uma educação verdadeira, ou seja, fazer com que estas
crianças e adolescentes possam fazer uso de todas as suas
capacidades, tornando-se indivíduos surdos íntegros, participan-
tes dos fatos do mundo que os cerca, relacionando-se com outros
indivíduos, sejam surdos ou ouvintes, em igualdade de condições,
ultrapassa os limites de nosso país. Mobiliza educadores e pes-
quisadores em todo o mundo, para que este objetivo comum, de
rever e propor novas perspectivas educacionais aos surdos,
possa se tornar exeqüível.
Diversos estudos levantam questões sobre aspectos que
permeiam este aprendizado e pode-se observar que muitos deles
levantam hipóteses e fazem análises que convergem para um
ponto comum: onde reside o motivo do fracasso escolar das
crianças e adolescentes surdos?
Por muito tempo acreditou-se que o fracasso escolar vivido
pelas crianças surdas estava relacionado à própria surdez. Melhor
dizendo, acreditava-se que a surdez causava um déficit cognitivo
responsável, então, pela dificuldade escolar desta população
(SVARTHOLM, 1994; WATSON, 1994).
Hoje, entretanto, podemos entender que não é esta a realida-
de. Os surdos têm, potencialmente, as mesmas capacidades que
os ouvintes para o desenvolvimento da língua escrita, para o
raciocínio lógico e outras habilidades necessárias para o aprendi-
zado, mas para que isto ocorra, suas necessidades particulares
(por ter uma perda auditiva, por não ter acesso à língua oral da
mesma forma que as crianças ouvintes, por captar o mundo de
forma diversa dos ouvintes) devem ser consideradas e respeitadas.
Estudos recentes sobre o desenvolvimento da língua escrita
(L IST, 1990; SVARTHOLM, 1994; DAVIES, 1994) demonstraram que
este processo só ocorre se tiver como base um conhecimento
prévio de linguagem, ou seja, que esta aprendizagem se baseie
no desenvolvimento anterior de uma primeira língua, que, no caso
dos ouvintes, é a língua oral. Isto não quer dizer que a escrita seja
uma mera transposição do oral, mas que somente a partir de uma
primeira língua poderemos lidar com a cadeia de significações
que envolve um texto escrito. Mas, para os surdos, qual seria esta
primeira língua?
Para L IST (1990), os surdos, apesar de rodeados pela língua
escrita desde seu nascimento, mostram-se em desvantagem se
362 Fonoaudiologia Prática

comparados com a população de ouvintes pois, apesar da língua


escrita ter suas particularidades e características próprias, é
baseada num sistema alfabético que, por sua vez, é derivado dos
sons da fala, língua esta de difícil acesso aos surdos. Assim
sendo, eles devem aprender a ler e a escrever sem os benefícios
das experiências orais/auditivas (CRAIG & GORDON , 1988; TREIMAN
& HIRSH-PASEK, 1983) e por isto, precisam desenvolver estraté-
gias de aprendizado e códigos mnêmicos de forma particulariza-
da, distinta das utilizadas por ouvintes.
A questão que nos atinge é: será que os profissionais
envolvidos na educação destes indivíduos consideram estas
diferenças? Que tipo de concepção de surdez e de surdo estão
permeando a opção pelo processo educacional destas crian-
ças? Por que, no Brasil, ocorrem tão poucas pesquisas nesta
área? Qual deveria ser o papel da escola nestas questões
levantadas?
Exporemos a seguir, brevemente, as duas abordagens de
trabalho clínico e educacional mais conhecidas no Brasil, assim
como a proposta Bilíngüe para a educação de surdos (já que estas
foram detalhadamente discutidas no Capítulo 16), as escolhas
que delas decorrem, assim como as concepções subjacentes a
cada uma.
Após esta exposição, falaremos sobre os pontos positivos e
negativos relativos a cada uma destas opções, proporemos nossa
visão de “Escola Ideal” e, finalmente, discutiremos a realidade
brasileira.

LINHAS MAIS DISCUTIDAS NA ATUALIDADE


Oralismo
Como visto no Capítulo 16, a abordagem oralista tem como
pressuposto que as crianças com perda auditiva devem desenvol-
ver a língua oral como forma comunicativa primeira.
O método oral, seja ele acupédico ou multissensorial,
baseia-se em uma série de fundamentos para que a criança
possa desenvolver a fala e a audição. Desta forma, o apren-
dizado da língua escrita está inteiramente baseado na oralidade.
Como relatam CASELLI e cols. (1994), os fundamentos desta
abordagem são:
• diagnóstico precoce;
• avaliação precisa do grau e tipo da perda auditiva;
• adaptação do aparelho de amplificação sonora individual
adequado o mais breve possível;
• imediata reeducação ao som e à fala;
• colaboração máxima dos pais no processo de reabilitação;
• conviver com crianças ouvintes;
• inserção em escola normal, garantindo a compreensão e
colaboração dos professores.
Escolas e Escolhas: Processo Educacional dos Surdos 363

Segundo NORTHERN & DOWNS (1978), “o pressuposto funda-


mental do oralismo é que se deve dar a toda criança surda a
oportunidade de se comunicar através da fala. Estas crianças não
devem se misturar às crianças que se comunicam gestualmente,
para não perderem nenhuma oportunidade de se comunicar
oralmente. O treinamento na fala e na leitura oro-facial permitem
um ajustamento mais cedo ao mundo que a cerca, que é falante
e ouvinte.” Em decorrência destes pressupostos é que a visão
oralista prega a necessidade de inserir as crianças surdas na
escola comum, já que a fala é a base para todo aprendizado.
O oralismo tem diversas formas de trabalho, que variam de
acordo com os diferentes grupos que o empregam. Por exemplo,
na Itália, segundo relatos de CASELLI e cols. (op. cit. ), na reabilita-
ção fonoaudiológica, a leitura e a escrita são apresentadas desde
cedo. O terapeuta relaciona, gradativamente, cores a vogais,
ditongos e consoantes que a criança já consegue falar. Há, então,
uma associação do som à imagem, que se estende a frases
simples.
A escrita é considerada como parte fundamental do método
oral e segue um processo semelhante ao treinamento da fala e da
leitura oro-facial, onde se começa ensinando as vogais, depois os
ditongos, as consoantes mais fáceis de serem percebidas visual-
mente e as categorias gramaticais, sempre em associação a
cores.
É um método de grande apelo para a maior parte dos pais de
crianças surdas, que são ouvintes, “pois a criança que fala,
mesmo que seja com esforço e com dificuldade, representa a
‘normalidade’, enquanto aquela que fala e/ou sinaliza, acaba por
ressaltar sua diversidade” (CASELLI e cols., 1994).
Quando se faz a escolha pela escola comum, alguns profissio-
nais levam em conta as condições mencionadas anteriormente,
que são as que embasam o método aural-oral.
Os oralistas concebem a surdez como uma patologia que deve
ser “curada”, ou seja, tudo deve ser feito para que as crianças
alcancem a normalidade e se integrem à comunidade ouvinte.
Neste método, a criança surda só será encaminhada à escola
especial ou à classe especial se o seu desenvolvimento não for o
esperado na escola comum ou se a primeira opção se mostrar
difícil de ser efetivada, como quando não há escolas que aceitem
crianças com perda auditiva ou não haja escolas adequadas na
região em que a criança resida.

Bimodalismo
O Bimodalismo surgiu na década de 60 nos EUA como decor-
rência do desenvolvimento de pesquisas sobre a Língua de Sinais
(STOKOE, 1960) e de constatações sobre o melhor desenvolvimento
acadêmico de crianças surdas filhas de surdos, se comparadas aos
seus pares, filhos de ouvintes (MOORES, 1978). Entretanto, por trás
364 Fonoaudiologia Prática

destes estudos, há uma grande insatisfação com os resultados


obtidos durante quase um século de educação oralista.
Entendida “como uma filosofia que incorpora as formas de
comunicação auditivas, manuais e orais apropriadas para asse-
gurar uma comunicação efetiva com as pessoas surdas ”
(SCHINDLER, 1988), recebeu inicialmente o nome de Comunicação
Total.
Enquanto concepção original, a filosofia da Comunicação
Total propunha a exposição da criança ao maior número de
informações possível (auditiva, oral, sinalizada, escrita, etc.) para
que ela se apropriasse daquela que lhe fosse mais útil para seu
desenvolvimento global, sem qualquer valorização desta ou da-
quela forma, mas sim da possibilidade de desenvolvimento pleno,
de acordo com as possibilidades de cada criança. Entende-se por
desenvolvimento global o desenvolvimento lingüístico, intelec-
tual, social, acadêmico e emocional da criança.
Com o passar do tempo, pôde-se observar que a oralidade
continuou sendo privilegiada pelos profissionais que se intitulavam
adeptos da Comunicação Total. O uso dos Sinais apenas como
apoio ao desenvolvimento da oralidade descaracterizou as con-
cepções originais desta proposta tornando-se uma técnica para
facilitar o desenvolvimento da fala. Passaremos a denominar esta
forma de trabalho de Comunicação Bimodal ou Bimodalismo,
seguindo a denominação de SCHLESSINGER & MEADOW (em
SCHINDLER, op. cit.) ressaltando que, sob a denominação de
Comunicação Total há, no Brasil, as mais diversas concepções de
trabalho com o surdo, que variam desde a proposta filosófica
original, até as que se utilizam dos Sinais apenas como apoio para
desenvolvimento da oralidade.
Entendido desta forma, o Bimodalismo, então, é uma prática que
se utiliza de Sinais retirados da Língua de Sinais e da língua oral
concomitantemente. A estrutura de língua apresentada às crianças
é, portanto, a da língua oral. Não é utilizada a Língua de Sinais. Nesta
abordagem acredita-se na necessidade de uso de aparelhos de
amplificação sonora individual para aproveitamento dos restos
auditivos, desenvolvimento da leitura oro-facial, juntamente ao uso
da fala, dos Sinais e do alfabeto digital. Assim, considera-se impor-
tante o desenvolvimento da oralidade pelas crianças, embora a
ênfase dada a este processo difira da empregada no oralismo, na
medida em que se utiliza e se aceita o uso dos Sinais e do alfabeto
digital, respeitando-se, desta forma, as dificuldades de algumas
crianças no desenvolvimento da língua oral.
Assim sendo, as crianças expostas a esta abordagem pode-
rão ter seu desenvolvimento de leitura e escrita com base na
leitura oro-facial, na sua própria articulação, no uso de restos
auditivos, no alfabeto digital e nos Sinais. Poderão, segundo as
concepções de surdo e prioridades impostas pelos profissionais
envolvidos com a educação destas crianças, optar por cursar
escolas comuns, classes especiais ou escolas especiais.
Escolas e Escolhas: Processo Educacional dos Surdos 365

Existem críticas aos sistemas combinados, outra forma de se


chamar o Bimodalismo. A principal delas trata da questão da
apresentação concomitante da língua oral acompanhada de Si-
nais. Como a língua oral e a Língua de Sinais têm características
totalmente diferentes uma da outra, a segunda acaba sendo
“recortada” e “montada” na ordem do português falado, sendo,
desta forma, descaracterizada e desrespeitada.
Acreditamos que esta crítica é justa, pois pode gerar confusão
para algumas das crianças surdas expostas a esta modalidade de
comunicação que, ao se comunicarem com surdos adolescentes
e adultos, podem fazer uso de uma modalidade de língua que não
é nem a Língua de Sinais, nem a língua oral sinalizada, não
sabendo onde uma começa e a outra acaba. Tal confusão pode
aparecer quando não há clareza, para os profissionais que lidam
com as crianças, dos processos distintos utilizados por cada
língua e da importância de uma língua íntegra para o desenvolvi-
mento das crianças e, portanto, estas diferenças também não
podem ser explicitadas a elas ou a seus pais.
Porém, a maior crítica a ser levantada deve ser a que diz
respeito à concepção de surdo e surdez que possa estar subja-
cente a uma proposta que use o Bimodalismo como metodologia.
Se a proposta de uma instituição, clínica, escola ou profissio-
nal for a de utilizar os Sinais apenas como apoio à oralidade,
desprestigiando as formas usadas pela criança ou suas possibi-
lidades e aquisições, privilegiando a língua oral, novamente
encontramos um ambiente que coloca o surdo numa posição de
inferioridade e inadequação frente ao que é esperado, que é o de
torná-lo igual aos ouvintes. A não utilização de formas de trabalho
que levem em conta as características da criança e sua forma de
comunicação acabam por colocá-la em um lugar de fracasso por
seu desempenho ruim na oralidade. Esta situação deve ser
criticada, pois o objetivo deve ser o desenvolvimento global da
criança que, quando bem realizado, leva à possibilidade de
construção de uma identidade preservada.

Bilingüismo
A proposta educacional Bilíngüe, como o próprio nome diz,
pressupõe que os surdos desenvolvam competência em duas
línguas: a Língua de Sinais e a língua utilizada pela comunidade
majoritária ouvinte. Desta forma, como exposto no Capítulo 16,
não pode ser considerada como uma abordagem ou método
terapêutico/educacional. É fundamentalmente uma “postura” que
concebe os indivíduos surdos de uma forma distinta das discuti-
das até o momento neste texto, ou seja, enquanto indivíduos
diferentes (porque não ouvem), com as mesmas capacidades e
potencialidades que qualquer indivíduo ouvinte, pertencentes a
uma comunidade minoritária e usuários da Língua de Sinais. A
diferença destes indivíduos é, então, lingüística, ou seja, em sua
forma primeira de comunicação.
366 Fonoaudiologia Prática

Os estudos sobre as Línguas de Sinais tiveram seu início na


década de 60 com STOKOE, que, ao descrever a “American Sign
Language” (Língua Americana de Sinais – ASL), demonstrou que
ela é uma língua completa, com estrutura gramatical própria e
independente da língua oral. Este seu trabalho influenciou e estimu-
lou a realização de outras pesquisas sobre as Línguas de Sinais
existentes, estudos estes realizados em diversos países e à luz de
diversos paradigmas teóricos. Estes comprovaram que as Línguas
de Sinais possuem os mesmos princípios gerais de organização
encontrados nas línguas orais (BEHARES, 1993), as mesmas pro-
priedades e princípios universais das línguas faladas, diferindo
destas apenas na utilização visoespacial para o desenvolvimento de
todos os níveis lingüísticos como: fonologia, morfologia e sintaxe
(POIZNER e cols., 1987). Estes estudos demonstraram também, que
as Línguas de Sinais podem ser consideradas línguas naturais, do
ponto de vista biológico, por apresentarem representação cortical
similar às línguas orais (POIZNER e cols., 1987; RODRIGUES, 1993).
Desta forma, a partir da aquisição da Língua de Sinais como
primeira língua, está garantido, pelo menos potencialmente, o
desenvolvimento dos indivíduos surdos nos aspectos: lingüístico,
cognitivo e social. Assim sendo, será com base nesta primeira
língua que o aprendizado da segunda, ou seja, a língua utilizada
pela sociedade majoritária ouvinte, ocorrerá, tanto na modalidade
escrita como na modalidade oral, para aqueles que têm possibi-
lidade de fazê-lo.
Para garantir este desenvolvimento, torna-se de fundamental
importância, um trabalho de aconselhamento aos pais e a convi-
vência na comunidade de surdos.
Este trabalho de esclarecimento aos pais é realizado desde o
momento em que haja o diagnóstico da surdez. Isto porque não
podemos nos esquecer que a grande maioria das crianças surdas
são filhas de pais ouvintes, que desconhecem as implicações que
a surdez acarreta aos indivíduos e às suas famílias. Não é
incomum que, devido a este desconhecimento, a família tenha
uma imagem negativa de seu filho, como um indivíduo incapaz,
que terá grandes dificuldades para se desenvolver, ou seja, é
construída uma pré-concepção da criança surda como aquela que
tenderá ao fracasso escolar, acadêmico, profissional e social.
Cabe, então, aos profissionais explicar e aconselhar os pais
quanto ao uso da Língua de Sinais, mostrando que, somente
através de seu uso, as necessidades e particularidades de sua
criança estarão sendo satisfeitas e, conseqüentemente, garantido
seu desenvolvimento. Esta postura propiciará aos pais o desen-
volvimento de uma imagem positiva de sua criança, representan-
do-a internamente como uma criança capaz e completa.
Paralelamente, é incentivada a convivência destes pais na
comunidade de surdos. Será, então, neste espaço, no convívio
com surdos adultos, que os pais poderão vislumbrar o desenvol-
vimento de seus filhos e aprender a Língua de Sinais. A criança,
Escolas e Escolhas: Processo Educacional dos Surdos 367

por sua vez, poderá adquirir uma língua sem dificuldades, língua
esta utilizada e aceita socialmente e por seus pais. A própria
convivência da criança com adultos iguais a ela fará com que ela
possa ter modelos positivos para fazer as identificações necessá-
rias à sua constituição, podendo, portanto, construir sua identida-
de, constituindo-se como sujeito inteiro em sua diferença.
Estes princípios básicos, aqui brevemente discutidos, subja-
centes ao modelo Bilíngüe de educação, carregam em si uma
postura de respeito humano aos indivíduos portadores de surdez,
ou seja, demonstram que a diferença destes indivíduos pode ser
aceita, não sendo necessário, desta forma, “normalizá-los”. Assim
sendo, a única escolha educacional coerente dentro desta postu-
ra é a da escola especial.
Esta escola contará, em seu corpo docente, com indivíduos
surdos e ouvintes, sendo que todos eles deverão ser fluentes em
Língua de Sinais. Como já discutido anteriormente, será, então,
com base nesta língua que os conteúdos pedagógicos serão
apresentados às crianças, assim como ocorrerá o desenvolvi-
mento da leitura e escrita.
A língua escrita é apresentada desde cedo às crianças em sua
forma narrativa, ou seja, através de contos e de estórias infantis
(BOUVET, 1990; DAVIES, 1994). Estes, por sua vez, terão, inicial-
mente, seu significado e conteúdos apresentados e discutidos em
Língua de Sinais para posterior apresentação em sua forma
escrita. Como ocorre na educação da criança ouvinte, o tempo
individual das crianças quanto à maturidade para o desenvolvi-
mento nesta nova língua é respeitado pois, para que possam
dominar e desenvolver seus conhecimentos, deverão aprender as
diferenças estruturais entre a Língua de Sinais e a escrita.
SÁNCHEZ e cols. (1991), ao propor os fundamentos de uma
proposta educativa Bilíngüe para os indivíduos surdos na Venezuela,
descreve que esta deve contemplar os seguintes objetivos:

• Criar condições que garantam o desenvolvimento normal de


linguagem às crianças surdas e que facilitem seu ótimo
desenvolvimento cognitivo, afetivo-emocional e social.

• Criar as condições que permitam nas escolas de surdos a


aquisição eficaz de conhecimentos gerais e o aproveitamen-
to máximo do ensino curricular em todos os seus níveis,
mediante a utilização da Língua de Sinais Venezuelana.

• Facilitar o processo de aquisição da língua escrita por parte


das crianças e adultos surdos e sua utilização coletiva em
sua comunidade.

• Promover a comunidade de surdos em seus aspectos


educativos, culturais, laboratoriais, sócio-econômico e organi-
zacionais, e projetar sua imagem na macroestrutura ouvinte.
368 Fonoaudiologia Prática

• Propiciar a participação direta e efetiva da comunidade de


surdos no sistema educativo especial.

• Incrementar os intercâmbios, o conhecimento mútuo e a


cooperação entre surdos e ouvintes em todos os âmbitos da
vida da sociedade.

• Facilitar o aprendizado da língua oral como segunda língua.

O respeito quanto à diferença das crianças surdas propiciado


por este modelo, faz com que elas se desenvolvam como capazes.
São respeitadas as particularidades de cada uma no decorrer do
processo e incentivado seu desenvolvimento. Assim sendo, a criança
não se constitui, em nenhum momento, como aquela que tem uma
dificuldade, que tende ao fracasso, pelo contrário: ela se constitui
como um indivíduo completo na semelhança com seus iguais.

AS ESCOLHAS
Escola comum
Há várias denominações para as escolas de crianças ouvintes
(com audição normal), que cumprem o programa oficial determi-
nado pelas Secretarias de Educação dos Estados e Municípios:
escola comum, escola regular, escola normal.
Neste texto optamos por utilizar o termo escola comum para
nos referirmos às escolas que seguem este currículo e atendem
à população em geral, sejam elas municipais, estaduais ou
particulares.
Como já vimos anteriormente, a escola comum é uma das
escolhas possíveis quando se pensa na educação da criança
surda, sendo a opção preferencial para os que baseiam seu
trabalho no método aural-oral, mas podendo também ser uma
opção para os profissionais que trabalham numa linha bimodal.
Acreditamos que se deva levar em conta uma série de fatores,
sempre pensando sobre o que seria o melhor para cada criança
surda em idade escolar. Como em todas as escolhas feitas, há
pontos positivos e negativos a serem considerados, tentaremos
falar um pouco sobre cada um deles e das condições necessárias
para que esta escolha tenha os resultados esperados.
Um dos aspectos considerado positivo e bastante menciona-
do se refere à possibilidade da criança surda estar em contato com
crianças que ouvem e falam e, portanto, bons modelos para a
leitura oro-facial e a aquisição de vocabulário cotidiano. Ao
mesmo tempo, terá de se comunicar oralmente com elas, caso
queira ser entendida, o que fará com que tente melhorar sua
articulação e utilizar o vocabulário aprendido. Todo o ambiente da
criança será falante e ouvinte, o que pode vir a favorecer suas
relações na vida posterior à escola.
Escolas e Escolhas: Processo Educacional dos Surdos 369

Outro aspecto também considerado positivo é o de ser a


criança surda exposta a materiais orais e escritos utilizados com
todas as crianças, quer dizer, sem terem sido escolhidos ou
elaborados especialmente para elas, devido à facilidade de voca-
bulário, ou dificuldade que o professor ou a escola julguem que ela
possa vir a ter a priori, por ser surda. Desta forma, ela terá que
conhecer o significado das palavras e dos textos, esforçar-se para
poder acompanhar a classe, desenvolvendo uma atitude de
enfrentamento das dificuldades e lutar para se igualar aos compa-
nheiros.
Deve-se ter em mente que a criança surda numa escola
comum, por causa destes pontos considerados favoráveis, terá
uma grande e extenuante jornada pela frente, para poder se sair
bem.
Muitas vezes, há a necessidade de que a criança tenha outros
pontos de apoio, além do trabalho fonoaudiológico, imprescindí-
vel nesta escolha. Pode ser necessário que ela tenha apoio
específico na área pedagógica, com um trabalho em psicopeda-
gogia. Outras vezes, para lidar com a alta expectativa e a deman-
da escolar e social, é possível se pensar em apoio psicológico,
além de uma grande disponibilidade familiar para dar o suporte
necessário em casa.
Estas necessidades paralelas, em geral, não são oferecidas
pelos serviços públicos, e irão requerer dos pais um razoável
aporte de dinheiro para poderem acontecer e, portanto, tornam-se
proibitivas para a população de baixa renda, e difíceis de serem
mantidas até por parte da classe média, que terá de optar por um
ou outro serviço entre aqueles que são necessários para a criança
ou o adolescente.
Além disso, podemos pensar que esta criança deverá possuir
qualidades pessoais bastante definidas, como ser capaz e ter
disponibilidade de usar sua capacidade intelectual para utilizar
todas as pistas disponíveis, mesmo que insuficientes e por vezes
ambíguas, para compreender o que é falado em sala de aula e
perceber as diversas situações em que terá que se posicionar de
forma adequada. O que pressupõe, no mínimo, integridade inte-
lectual e emocional.
É importante que possamos falar agora da escolha da escola
propriamente dita, em termos físicos e pedagógicos, para que a
opção pela escola comum possa ser feita a partir de considera-
ções a respeito dos mais diversos aspectos.
Um deles se relaciona aos aspectos físicos. É importante que
a classe não seja muito grande, ou seja, com muitas crianças em
sala de aula. Sendo uma classe pequena, a professora pode
reservar mais tempo a seus alunos, conhecê-los melhor e ajudá-
los em suas dificuldades. Isto é de grande importância para a
criança surda na classe comum, pois poderá acompanhar melhor
auditiva e visualmente o que está ocorrendo. O posicionamento
da criança na sala deve ser o mais próximo possível da professora
370 Fonoaudiologia Prática

para poder ler os seus lábios quando ela expuser a matéria, e se


tiver bons restos auditivos, estar o mais próximo da fonte sonora
(no caso a voz da professora).
Quanto aos aspectos pedagógicos, há muito a se falar.
Em primeiro lugar, saber se a escola é receptiva a crianças com
perda auditiva. Algumas escolas resistem em aceitar crianças
surdas por desconhecimento ou pressuposições das dificuldades
que possam trazer para o processo educacional delas próprias e do
resto da classe; outras, devido a experiências anteriores que se
mostraram difíceis para a escola e para as crianças.
No caso de desconhecimento, quando a escola não teve
nenhuma vivência com crianças surdas e se propõe a realizar este
trabalho, o que pode ocorrer é a exposição da criança a professo-
res que nada conhecem das necessidades e dificuldades que ela
possa ter. O professor pode, por este motivo, ter dois tipos de
conduta: aceitar qualquer rendimento da criança, sem estimular
ou cobrar um desempenho que condiga com suas capacidades
reais ou exigir habilidades para as quais ela terá maiores dificul-
dades que as demais. Isto gera, no primeiro caso, uma ilusão para
os pais e para a criança de bons resultados, o que pode levar a
criança a posturas onipotentes, que depois serão confrontadas
com suas incapacidades para lidar, por sua própria conta, com os
desafios que lhe serão colocados no decorrer de sua vida. No
segundo caso, ou seja, de inadequada e exagerada exigência,
pode levar a criança a desenvolver sentimentos de inferioridade e
fracasso, passando a se desinteressar pela escola e por
atividades a ela relacionadas, podendo gerar um distúrbio de
aprendizagem, que acaba influindo em todas as situações em
que algo novo se apresente a ela.
Outras vezes, as crianças e os adolescentes surdos acabam
sendo promovidos de ano de forma indiscriminada. A causa deste
fato pode ser explicada por sentimentos de pena para com a
criança, que não consegue acompanhar o resto da classe. A
escola por não compreender as necessidades desta criança, tão
diferente das demais, e por não poder explicitar estas dificuldades
para os pais, as promovem como uma forma de se eximirem da
responsabilidade de uma reprovação.
Neste tipo de sentimentos e atitudes estão implicados dois
complicadores: em primeiro lugar a “pena”, pois tentam se colo-
car, de forma inadequada, no lugar da criança, e só podem
enxergar nela a falta, o sofrimento, a deficiência, e para “consolá-
la”, pouco exigem dela, reforçando para a família e para a própria
criança a imagem de incapaz. Em segundo lugar, a negação da
diferença fundamental, o não ouvir, com todas as conseqüências
que daí advêm, exigindo um desempenho de igual, sem que seja
feita qualquer consideração sobre como levar a criança surda
para o mundo do conhecimento.
Desta forma, é importante que os profissionais, antes de
fazerem este encaminhamento, conversem com a direção da
Escolas e Escolhas: Processo Educacional dos Surdos 371

escola, com a coordenação pedagógica, façam visitas à mesma


para ver se haverá ou não acolhimento a esta criança. Como
vimos, este acolhimento não se restringe ao aspecto afetivo, da
escola ser carinhosa e atenciosa para com a criança surda, mas
– principalmente – de não vê-la como incapaz, deficiente e nem
tampouco como absolutamente igual às crianças da classe.
Não podemos nos esquecer que quando se indica uma
criança surda para uma escola comum, está se pressupondo a
inserção dela na sociedade maior, de ouvintes. Todo o ambiente
estará preparado para crianças que ouvem e falam, todo o
material terá sido escolhido para este tipo de população, todo
professor terá sido formado para atuar com estas crianças. É
inegável que a criança estará sendo exposta ao mundo ouvinte
desde cedo, mas a que preço?
O preço pago pelas crianças e adolescentes surdos inseridos
em escolas comuns pode ser bastante alto, mesmo para aqueles
que conseguem ter um bom desenvolvimento acadêmico. BALIEIRO
(1989) faz uma análise cuidadosa de vários aspectos relaciona-
dos à experiência de pessoas com perda auditiva numa escola
comum, relatando as estratégias utilizadas em cada etapa do
processo pedagógico para poderem lidar com seus sentimentos
frente aos colegas e à situação de classe, às dificuldades em se
relacionar e fazer amigos, ao esforço para não perderem nada do
que se passa em sala de aula, até poderem se constituir em
pessoas que têm perda auditiva e poderem lidar, cada uma a seu
modo, com o fato.
Estudos recentes demonstram que crianças e adolescentes
surdos quando expostos a um processo educacional onde há uma
mudança significativa na maneira de se encarar o surdo, e quando
todo o pessoal ligado à educação trabalha com outros pressupos-
tos teóricos e metodológicos alcançam um grau de proficiência em
leitura e escrita nunca antes observados (SVARTHOLM, 1994),
como será exposto no tópico escolas especiais Bilíngües deste
capítulo.
O pressuposto, então, que permeia o discurso dos profissio-
nais que fazem a opção por escolas comuns não se sustenta por
dados factuais e, desta forma, precisa ser reformulado.
Por que existe tanta dificuldade no aprendizado destas crian-
ças inseridas na escola, numa abordagem oral?
Podemos citar aqui dois aspectos importantes. O primeiro se
refere ao fato da leitura oro-facial ser muito ambígua e pouco clara
para garantir a compreensão do que é dito, já que é realizada pela
modalidade visual, que não possibilita a percepção acurada de
todos os fonemas, dada a existência daqueles que sofrem efeito
de traços cuja diferenciação só é possível pela via auditiva. Além
disso, depende de diversos fatores, como habilidade individual em
ler lábios, da articulação da pessoa que fala e do ambiente em que
se fala (luz, distância, etc.). O segundo se relaciona ao tempo
despendido no treinamento auditivo e de fala que se dá com base
372 Fonoaudiologia Prática

na repetição, o que leva a uma baixa na motivação. Este tempo


poderia estar sendo utilizado no processo educacional e de conhe-
cimento do mundo destas crianças (NORTHERN & DOWNS, 1978).
Existem outros fatores, já mencionados, mas gostaríamos,
neste momento, de nos estender sobre os efeitos desta escolha pela
escola de crianças ouvintes: o que acontece se o desenvolvimento
da criança surda não for o esperado e desejado pelos pais, pela
professora, pelo fonoaudiólogo e pela própria criança?
Geralmente, o que sucede, então, é que a criança torna-se
culpada pelo seu baixo rendimento, sendo considerada lenta, com
outros déficits. A família também é responsabilizada como não
colaboradora no processo. Desta forma, a família carrega uma
culpa que é estendida à criança. Assim, as relações possíveis de
comunicação, muitas vezes já comprometidas pelo processo de
oralização, se esfacelam definitivamente. Isto coloca a criança na
situação de incapaz, daquele que não virá a ser, e o aprendizado
também fica prejudicado.
Como visto nestes estudos relatados anteriormente e no
Capítulo 16, o sistema educacional baseado numa abordagem
oralista, que pressupõe a inserção da criança surda na escola
comum, faz com que estas crianças tenham de se adaptar a uma
imagem elaborada pelas pessoas ouvintes: o surdo deve crescer
à imagem e à semelhança do ouvinte (pois esta é a imagem que
as pessoas ouvintes têm de si mesmas). O não ouvir inviabiliza,
de início, a possibilidade de completar esta imagem. As tentativas
de tornar o surdo “ouvinte” e falante, de fazê-lo aprender como o
ouvinte aprende, por conseguinte, não conseguem os resultados
desejados.
O desenvolvimento acadêmico em igualdade de condições
aos ouvintes da mesma faixa etária e a conseqüente integração –
em geral vista através do trabalho – na sociedade ouvinte não
ocorreram na maior parte das vezes.
Não que isto não seja possível. Muitas das crianças surdas
que foram trabalhadas desde muito novas no oralismo e que
freqüentaram escolas comuns conseguiram desenvolver lingua-
gem e fala bastante razoáveis, e algumas chegaram à faculdade.
Mas, frente ao contingente de adolescentes e adultos surdos que
não conseguiram chegar a este ponto ou a pontos aquém destes
mencionados, estes podem, sem sombra de dúvida, ser conside-
rados minoria. O problema da integração à sociedade ouvinte e da
construção da identidade não desaparecem, mesmo para estes
surdos que podem ser considerados bem-sucedidos.
Não nos estenderemos aqui sobre os conceitos de integração
e de identidade, pois são temas por si mesmos bastante comple-
xos e polêmicos, que mereceriam atenção específica (através de
publicação de artigos, capítulos e mesmo livros), mas pode-se
vislumbrar que uma pessoa surda, que cresça com a necessidade
de ser como as pessoas ouvintes, sem jamais poder sê-lo, vai ter
um grande problema em estabelecer uma identidade própria.
Escolas e Escolhas: Processo Educacional dos Surdos 373

Classe especial
Classes especiais são classes inseridas dentro de uma escola
comum, que atendem crianças com algum tipo de dificuldade para
acompanhar a classe regular. Esta dificuldade pode ser decorren-
te de problemas de aprendizado em geral, de problemas visuais
graves, perda auditiva acentuada, deficiência mental, ou outros
casos sem diagnóstico preciso.
A idéia surgiu pela primeira vez em 1911, no então Instituto
Nacional de Surdos Mudos, atual Instituto Nacional de Educação
de Surdos (INES), no Rio de Janeiro, com o planejamento de
abertura de um curso normal para professores de surdos. Como
o número de crianças surdas que chegavam ao Instituto aumen-
tava, era necessário que houvesse professores que pudessem
ser formados no país, pois todos os anteriores tiveram sua
formação realizada na Europa, principalmente na França, às
custas do governo.
Nesta época, já havia cursos para professores de surdos nos
EUA, no Uruguai e na Argentina, e se pensava em seguir o mesmo
currículo de formação destes países.
Houve um estudo que fez a primeira previsão demográfica
da população surda no país, e se constatou que esse número
seria grande num futuro próximo, inviabilizando que todos
fossem atendidos pelo Instituto. Além disso, esta população
estaria dispersa por todo o território nacional, e a construção de
escolas especiais em todos os grandes municípios seria muito
onerosa. Então se fez a opção de se formar professores de
surdos, não só para trabalharem no INES, mas para poderem
retornar a seus estados natais e lá abrirem classes especiais
inseridas em escolas comuns, tanto na rede pública como na
particular.
O princípio, portanto, era de que esta opção seria a ideal, por
ser econômica para o governo e colocar a criança surda em
contato com crianças ouvintes para o aprendizado da linguagem
falada (RIBEIRO, 1942).
As primeiras turmas foram formadas em 1951, comparáveis
ao atual segundo grau, o que permitiria a entrada das alunas na
faculdade posteriormente, se assim o desejassem. Alguns esta-
dos custearam a estada de professoras para fazerem este curso
no INES, para depois retornarem e desenvolverem suas funções
junto às escolas comuns (DÓRIA, 1958).
Hoje, o curso de formação de professores de surdos é um
curso superior, sendo uma habilitação do curso de pedagogia
(EDAC – Educação dos Distúrbios da Áudio-Comunicação).
Em São Paulo, existem dois tipos de classes especiais: as
classes inseridas na rede estadual de ensino e as inseridas em
escolas comuns particulares. Na rede municipal o que existe
são escolas especiais para deficientes auditivos, as EMEDAS
(Escolas Municipais de Educação de Deficientes Auditivos).
374 Fonoaudiologia Prática

No caso das classes especiais do Estado, o pressuposto é de


que a atenção especial aos portadores de deficiências deve se
restringir ao ensino elementar, de 1ª a 4ª séries, após o que, a
criança deve estar apta a freqüentar as classes comuns. Na rede
estadual existem classes especiais, tanto para deficientes auditi-
vos como para crianças com vários tipos de problemas de apren-
dizagem, o que pode significar crianças com problemas diferentes
na mesma classe, como: problemas emocionais, surdez, ceguei-
ra, deficiência mental, outros tipos de casos e crianças apenas
com um ritmo mais lento de aprendizagem.
Como as escolas da rede pública têm por obrigação atender
à demanda da população de sua região de abrangência, sempre
que houver o número mínimo de alunos com necessidades
especiais exigido para abertura de mais uma classe especial, esta
deve ser aberta. Quando dentro de uma classe especial há um
número suficiente de uma dada patologia, esta classe passa a
atender apenas este tipo de clientela, abrindo-se outra para os
casos que não se enquadrem nestas características.
Nas classes especiais para deficientes auditivos, pelos moti-
vos acima expostos, pode-se encontrar crianças de diferentes
idades e estágios de desenvolvimento na mesma classe, cabendo
à professora administrar tal discrepância com os poucos recursos
com que pode contar. Se analisarmos a situação do ensino público
em nosso país, município e estado para as crianças ouvintes,
podemos ter uma idéia do que estas professoras enfrentam em
seu cotidiano.
Na proposta pedagógica destas classes, há atividades que as
crianças realizam com as demais, como educação física e artes.
Nas outras disciplinas, desenvolvem seu trabalho na classe
especial. Em determinados horários, a criança, ou grupo de
crianças com a mesma faixa de desenvolvimento, vai para a sala
de reforço em uma área (por exemplo: português, matemática ou
geografia) com uma professora especializada naquela disciplina,
para trabalhar aspectos determinados pelo currículo para aquele
aluno.
Em geral, a professora de classe especial para deficientes
auditivos é uma pedagoga com habilitação em EDAC, mas a da
sala de reforço não tem esta habilitação, sendo formada em
licenciatura de sua área específica. Na proposta inicial, havia
equipes que deveriam visitar estas classes e dar assessoria à
professora e à escola.
Nas classes especiais para deficientes auditivos do Estado,
podemos apontar algumas dificuldades que a criança terá de
enfrentar.
Em primeiro lugar, a concepção de surdez e de educação que
a professora tem é extremamente variável, podendo acreditar na
abordagem oral ou na bimodal e trabalhar na linha escolhida, mas
tendo de cumprir o objetivo de encaminhar estas crianças para a
classe comum. Portanto, a oralidade será ponto essencial a ser
Escolas e Escolhas: Processo Educacional dos Surdos 375

desenvolvido, o que nos refere às questões levantadas e discuti-


das quando falamos da escola comum.
Em segundo lugar, a aglutinação de crianças de faixas etárias
e estágios de desenvolvimento diversos, fará com que a profes-
sora não possa voltar sua atenção para a classe como um
conjunto, mas terá de atender a uma diversidade de interesses e
estágios dentro de uma mesma classe. Esta situação pode gerar
dois tipos de atitudes: a professora centrar sua atenção nas
crianças com maiores dificuldades de aprendizagem ou de com-
portamento; e a professora dar mais atenção às crianças com
melhor potencial de desenvolvimento. De qualquer maneira, a
possibilidade de desenvolvimento em condições semelhantes se
torna dificultada.
Em terceiro lugar as salas de reforço, com professoras espe-
cialistas que, algumas vezes, conhecem muito pouco de surdez e
de suas conseqüências, podem levar a situações mencionadas
anteriormente como de desconhecimento: a criança pode ser
subexigida ou superexigida, dependendo da visão que a profes-
sora faça da surdez e do desenvolvimento da criança surda. A falta
de momentos destinados a trocas entre a professora da classe e
a professora especialista tende a acentuar esta condição, assim
como a rara presença de equipes de assessoria.
Compreendemos as dificuldades encontradas por professo-
res e alunos destas classes especiais, mas não podemos nos
esquivar de analisar o que vem ocorrendo nestas salas. Por outro
lado, conhecemos a dura realidade da maior parte das crianças
surdas, em que a pouca oferta de serviços a elas destinados faz
com que muitas vezes a classe especial seja a única opção
possível, mas que deveria ser repensada e reestruturada em
outros moldes.
A outra possibilidade de classes especiais mencionada ante-
riormente, as inseridas em escolas comuns particulares, se con-
figurou em um nicho de mercado claramente delineado pelo
exposto anteriormente, quando pensamos em crianças surdas
advindas de famílias de melhor poder aquisitivo. Para estas
famílias, muitas vezes a escola comum foi a primeira opção,
porém com resultados aquém dos desejados e esperados. A
classe especial não chegou a ser opção a ser considerada pelas
limitações já descritas, então surgiu no mercado educacional uma
demanda que paulatinamente vem crescendo: a de crianças com
dificuldades de aprendizado com as mais diversas etiologias.
Existem escolas que concebem um trabalho educacional de
integração de crianças com dificuldades variadas em classes
comuns, o que nos remete à discussão feita no item escola
comum. Porém, o aumento do número de pais à procura de
escolas que atendam às necessidades especiais de seus filhos
fez com que algumas destas escolas abrissem este tipo de classe
dentro de seu programa. O objetivo é o de dar atenção mais
cuidadosa a estas crianças, procurando atender suas necessida-
376 Fonoaudiologia Prática

des individuais, no ritmo de cada uma. A classe, em geral, é


menor, e o currículo desenvolvido em tempo diferente do usual.
Nestas classes aglutinam-se crianças com dificuldades de
aprendizado, como foi dito anteriormente, por diferentes causas e
com comprometimentos de graus variados. A organização das
classes pode se dar pela faixa etária, pelo nível de desenvolvimen-
to e, às vezes, por ambos. A professora pode ou não ser uma
professora especializada.
No que se refere à criança surda nesta classe, ela conta com
um professor que pode não conhecer a surdez e suas implicações,
o que nos leva novamente aos riscos já comentados quando
falamos da escola comum. O pressuposto básico é o de que a
criança surda desenvolverá suas habilidades de leitura e de
escrita como as crianças que ouvem, isto é, com base na oralidade.
Outra questão a ser analisada se refere ao status desta criança na
escola e na família. Ela traz uma marca acentuada de inadequação
e falha, que vem das experiências malogradas anteriormente, e
esta marca não tende a desaparecer nestas classes. A criança
desenvolverá atividades de cunho menos dirigido com as outras
e dependerá muito da concepção pedagógica da escola a forma
com que estas serão vistas pelas demais e por seus professores.
Como já foi bastante discutido, as dificuldades e riscos são
bastante semelhantes às enfrentadas pelas crianças surdas em
escolas comuns.

Escola especial
As escolas especiais surgiram em nosso país, em decorrência
da grande demanda de crianças e adolescentes com necessida-
des especiais e de experiências de deficientes de famílias ilustres
que estudaram no exterior e procuraram trazer para seus colegas
brasileiros a mesma possibilidade.
A primeira escola especial que se conhece foi o Instituto de
Ensino para Cegos, aberto em 1854, no Rio de Janeiro, por
iniciativa de ÁLVARES DE AZEVEDO, cego que estudou em Paris e
retornou ao Brasil em 1851.
Da mesma forma, teve início a educação especial dos surdos,
a partir da chegada à capital do império, em 1855, de um professor
surdo, o Sr. HUET, advindo do Instituto de Paris (para maiores
referências sobre o Instituto de Paris, ver Capítulo 16). Ele
pretendeu abrir um Instituto para Surdos no Brasil nos mesmos
moldes do francês, e apresentou um programa de ensino ao
Imperador em 1856.
Em 1857 é aprovada a abertura do Instituto Nacional de
Surdos Mudos, atual Instituto Nacional de Educação de Surdos –
INES – no Rio de Janeiro, sob direção de HUET. Não há referência
explícita ao método utilizado por HUET, mas acredita-se que tenha
sido o mesmo utilizado naquela época pelo Instituto de Paris,
fundado pelo ABBÉ DE l’EPÉE (ver Capítulo 16 para maiores
Escolas e Escolhas: Processo Educacional dos Surdos 377

informações sobre l’EPÉE ). De seu programa fazia parte a discipli-


na de linguagem articulada e leitura sobre os lábios para os alunos
que tivessem aptidão.
A história do INES foi tumultuada em sua fase inicial, com
constantes trocas de direção, mas mantendo o programa propos-
to por HUET até 1901. A cadeira de linguagem articulada e leitura
sobre lábios ficou vaga por muitos anos, e a experiência feita de
1883 a 1889, de aplicá-la a uma parte dos alunos, seguindo o
modelo europeu da época, foi considerada ruim pelo então diretor,
que assim relatou ao governo federal: “... os alunos que freqüen-
taram a aula de linguagem articulada nenhuma instrução haviam
adquirido, ao passo que os das classes de linguagem escrita
haviam aprendido muitas noções e apresentado notável adianta-
mento” (RIBEIRO, 1942).
A cadeira de linguagem articulada foi preenchida por um
professor enviado à Europa para estudar seus benefícios, e de
1901 a 1911, passa a ser esta a linha do Instituto: fazer uso da
linguagem articulada juntamente com a escrita e o alfabeto digital.
Em 1911, um decreto estabeleceu que o método utilizado será o
oral puro, sendo os professores de linguagem escrita destinados
a lecionarem a cadeira de linguagem articulada. Em 1914, novo
relatório observou que o resultado de tal mudança foi ruim: 60%
dos alunos não conseguiram obter nenhum grau de instrução, e se
determina que as cadeiras de fala articulada e leitura sobre
lábios devem estar equilibradas com as de linguagem escrita, bem
como se antecipar a idade de ingresso no Instituto para 6 a 10
anos, faixa considerada boa para haver algum ganho no desen-
volvimento de fala (RIBEIRO, 1942). Por muitos anos, a educação
especial foi influenciada pelo INES.
Em anos recentes vem havendo um movimento de renovação
nesta renomada Instituição de Ensino, graças à iniciativa de um
grupo de profissionais do INES, de outros profissionais compro-
metidos com as questões da surdez, de ex-alunos preocupados
com o abandono da escola. Este movimento acabou por conse-
guir tanto a dotação orçamentária devida há anos pelo governo
Federal, quanto dar início a projetos de pesquisa que devem vir a
enriquecer o conhecimento na área de educação dos surdos em
nosso país.
Segundo a Proposta Curricular para escolas especiais para
crianças e adolescentes surdos, “... a educação especial possui
os mesmos fins da educação geral estabelecida pela Lei Federal
nº 5692/71. Encara o princípio democrático de que cada indivíduo
deve receber atendimento educacional adequado às suas possi-
bilidades, conforme rege o artigo 9º da Lei acima citada” (MINISTÉ-
RIO DE EDUCAÇÃO E CULTURA, 1975). Define, ainda, como metas
prioritárias da reabilitação do excepcional “... a sua auto-realiza-
ção como indivíduo e sua inserção como ser produtivo e atuante.
Desta forma, toda Instituição que se dedicar à educação deste tipo
de clientela deve nortear suas atividades para a consecução
378 Fonoaudiologia Prática

destes objetivos básicos”. Desta forma, a educação especial para


portadores de deficiência auditiva está incluída nestes princípios
gerais anteriormente descritos.
Como vimos, a partir de 1914 a educação especial no Brasil
seguiu a abordagem oralista, por ser esta a concepção mundial-
mente predominante na época, momento que coincide também
com o invento dos primeiros aparelhos de amplificação sonora,
fato que abria novas perspectivas a respeito da reabilitação
auditiva e de fala.
Com o passar do tempo, os resultados educacionais foram se
mostrando defasados das expectativas da proposta de formar
indivíduos atuantes e produtivos, e vários estudos e pesquisas
foram realizados para compreender a razão de tal fracasso e
levantar soluções para os problemas detectados. A tendência foi
a de repensar a concepção deste trabalho, também por causa dos
estudos sobre as Línguas de Sinais e o desenvolvimento de
crianças surdas filhas de pais surdos realizados em outros países.
Com isso, os Sinais começaram a ser introduzidos em boa parte
das escolas, e os conteúdos escolares expostos aos alunos
através de sistemas combinados de fala e Sinais (Comunicação
Total e Bimodal). Hoje podemos encontrar no Brasil, escolas
adeptas da concepção oralista, da bimodal e da Bilíngüe (introdu-
zida há pouco tempo em alguns centros educacionais do território
nacional). Como se pode observar, não há consenso no que diz
respeito à linha educacional com crianças surdas em nosso país.
Discutiremos, então, as escolas especiais a partir da aborda-
gem por elas utilizada. Entretanto, acreditamos ser necessário
comentar algumas características que são comuns à maioria
delas, com exceção das escolas Bilíngües, devido às concepções
próprias do modelo, como visto no Capítulo 16 e no tópico
Bilingüismo deste capítulo.
Geralmente, os professores que atuam nas escolas especiais
são graduados em Pedagogia, com habilitação em EDAC. Infeliz-
mente este fato não é regra, havendo ainda professores formados
em magistério e professores com muitos anos de experiência
educacional, mas sem experiência ou formação sobre as neces-
sidades particulares e o processo de desenvolvimento por que
passam as crianças surdas.
Algumas escolas contam com fonoaudiólogos, psicólogos,
psicopedagogos e médicos em seu corpo de profissionais, atuan-
do como equipe multidisciplinar junto à equipe pedagógica. As
classes são constituídas por poucas crianças em sala de aula, em
geral divididas por faixa etária e nível de desenvolvimento, facili-
tando o trabalho do professor, que pode despender mais tempo
com os alunos, inclusive com aqueles que apresentam maiores
dificuldades.
Dada a diversidade de concepções que permeiam a atuação
dos profissionais, ficamos impossibilitadas de traçar um perfil
único das escolas especiais em nosso país, mas apresentaremos
Escolas e Escolhas: Processo Educacional dos Surdos 379

algumas das críticas levantadas às escolas especiais e faremos


comentários sobre elas, para melhor situar os leitores frente a
estas questões.
A primeira delas diz respeito ao programa curricular desenvol-
vido na escola. Pode-se encontrar crianças expostas a programas
cujo conteúdo seja reduzido quando comparados aos conteúdos
da mesma série escolar na escola comum. Outra crítica levantada
trata da seleção do material didático para o trabalho com as
crianças. Muitas vezes os textos escolhidos apresentam vocabu-
lário simples ou simplificado, com a justificativa de garantir a
compreensão do material escrito pelas crianças. A terceira diz
respeito à apresentação dos conteúdos, feita de forma a tal ponto
detalhada, que não incentiva a curiosidade e o raciocínio das
crianças.
Estas críticas, infelizmente, podem ser observadas em algu-
mas escolas especiais e fazem parte de nossa realidade de
educação especial. Demonstram que, independentemente da
abordagem de comunicação adotada, há a concepção de que a
criança surda apresenta um déficit cognitivo causado pela surdez,
de que o surdo tem uma incapacidade para o aprendizado.
Ao conceber a criança surda como “deficiente”, com dificulda-
des que a impedem de se desenvolver como uma criança ouvinte,
o resultado será filtrar a linguagem utilizada e as informações a
serem passadas. Desta forma, se nega a ela a possibilidade de
acesso aos conhecimentos necessários para seu desenvolvimen-
to lingüístico, cognitivo, social e futuramente profissional. A Pro-
posta Curricular, citada no início deste tópico, se descaracteriza.
Outro aspecto citado se refere à organização e divisão do
programa curricular até a 4ª série do primeiro grau (inclusive)
que faz com que a criança permaneça 2 anos em cada série
escolar.
Não se pode negar que algumas crianças necessitam perma-
necer no mesmo ano escolar para que possam apresentar desen-
volvimento suficiente para a fixação dos conteúdos necessários
para a sua promoção, como pode acontecer com crianças ouvin-
tes. O problema está em pressupor, como regra geral, que todas
as crianças surdas tenham o mesmo ritmo, mais lento. Desta
forma, há um desrespeito ao potencial individual de desenvolvi-
mento das crianças, desconsiderando a existência das que se
destacam ou se adaptam melhor às características e aos métodos
utilizados pela escola, apresentando desenvolvimento suficiente
para seguir a escolarização em tempo normal, desde que lhes seja
dada esta oportunidade.
A nosso ver, se as escolas se deparam com um grande
número de crianças que apresentam dificuldades que as impe-
dem de passar de ano ou de terem um desenvolvimento acadê-
mico adequado, deveriam repensar sua forma de atuação e
tentar compreender onde está a falha do sistema de ensino, e
não culpar as crianças. Se as crianças surdas forem considera-
380 Fonoaudiologia Prática

das em sua diferença, respeitando-se suas características pes-


soais, suas estratégias de aprendizado, seu desenvolvimento
de linguagem e sua forma de comunicação, este repensar pode
se tornar positivo.
Uma outra crítica realizada diz respeito à convivência das
crianças com seus pares, e sobre esta, discutem-se dois aspec-
tos: o primeiro refere-se ao pouco ou reduzido desenvolvimento
da oralidade por estes indivíduos, e o segundo está relacionado
à formação de uma comunidade isolada da sociedade majoritária
ouvinte.
Quanto ao primeiro ponto referente ao desenvolvimento da
oralidade, esta crítica freqüentemente é realizada tendo como
base observações de que, independente da abordagem comuni-
cativa utilizada pela escola, as crianças e adolescentes surdos
quando se comunicam entre si utilizam-se da Língua de Sinais,
mesmo que apresentem um bom nível de oralidade.
Está subjacente, também, na premissa da falta da oralidade
pelo uso dos Sinais, que a única forma pela qual uma criança
poderá aprender os conteúdos pedagógicos e, conseqüentemen-
te, desenvolver a leitura e a escrita, é a oralidade.
No entanto, há uma grande quantidade de estudos que vêm
sendo desenvolvidos desde a década de 70 que, demonstram
porque isto ocorre e quais a verdadeiras conseqüências do uso de
Sinais.
MOORES (1978) relata um estudo sobre crianças surdas filhas
de pais surdos (FSPS) que utilizam a Língua de Sinais com seus
filhos desde bebês (também chamada de comunicação manual).
Estas crianças (FSPS) foram pareadas a crianças surdas filhas de
pais ouvintes (FSPO), e seu desempenho em uma série de tarefas
e situações foi, depois, comparado. À guisa de introdução ao
estudo, acreditava-se que o uso de comunicação manual traria
conseqüências ruins para as crianças e, por isso, se esperava que
elas apresentassem piores aquisições em muitos dos campos
avaliados. Os dados revelaram exatamente o oposto: estas crian-
ças e adolescentes se saíram melhor em todos os campos. A
porcentagem das FSPS em relação às FSPO que foram para o
colegial era quatro vezes maior. Se saíram melhor na leitura, na
escrita, na leitura oro-facial, e se igualaram na inteligibilidade de
fala. No plano psíquico, tinham uma auto-imagem positiva, eram
mais maduras, responsáveis e independentes e, portanto, podiam
se relacionar melhor com outras pessoas. Seu desempenho
acadêmico se mostrou superior ao longo do tempo.
Este estudo demonstra que os Sinais, ao invés de inibir o
desenvolvimento da oralidade, interferem positivamente para que
este desenvolvimento ocorra, já que propicia um arcabouço
lingüístico que será utilizado como base para que a oralidade
possa aparecer de forma significativa, ou seja, não uma falsa
oralização onde as crianças só conseguem dizer vocábulos
isolados ou frases simples dentro de um contexto familiar.
Escolas e Escolhas: Processo Educacional dos Surdos 381

O segundo aspecto, que trata da segregação destes indiví-


duos em pequenas comunidades isoladas da sociedade ouvinte,
nos remete a algumas discussões que se referem ao conceito
oposto ao termo segregação, que é o conceito da integração,
freqüentemente utilizado quando se quer defender a educação
dos surdos nos moldes da educação do ouvinte.
Conforme comentado no tópico escola comum, quando é
imposta à criança surda uma convivência apenas com a comuni-
dade ouvinte, esta deve despender todo o seu tempo na busca de
“compensar” sua diferença, suas dificuldades. Ao invés de ter um
cotidiano organizado da mesma forma que é feito com as crianças
ouvintes de sua faixa etária, ou seja, um período escolar e outro
dedicado a atividades físicas, culturais, de lazer, é exigido da
criança surda uma dedicação exclusiva aos aspectos educacio-
nais e de desenvolvimento da oralidade. Desta forma, é negada à
criança surda, uma convivência social numa concepção mais
ampla do termo, ou seja, convivência com crianças e/ou adoles-
centes da mesma idade e com vida social ajustada. Perguntamos,
então: esta criança está integrada na sociedade ouvinte?
Outras vezes, algumas crianças ou adolescentes que conse-
guem desenvolver boa oralidade e alcançar bom desempenho
escolar (graças a várias horas de esforço e dedicação diários)
apresentam dificuldades de comunicação quando freqüentam
grupos de colegas ouvintes. Não podemos nos esquecer que as
crianças surdas, para compreenderem a fala, necessitam realizar
leitura oro-facial. Como fazer isto quando mais de uma pessoa
está falando, ou quando se está falando à distância?
Este fato acaba por dificultar a participação destes indivíduos
em reuniões sociais. Perguntamos novamente: este indivíduo
está integrado na sociedade ouvinte?
Por outro lado, ao estar com iguais que apresentam as
mesmas dificuldades e particularidades, que usam uma língua na
qual a comunicação pode efetivar-se, a integração social destes
indivíduos está garantida, a vida social pode desenvolver-se da
mesma forma como ocorre com crianças e adolescentes ouvintes.
A convivência com seus iguais faz com que eles possam
desenvolver uma representação interna de si mesmos em sua
diferença, enquanto aqueles que fazem parte de um grupo de
pessoas que se diferencia da maioria por não ouvir, podem, desta
forma, se constituir enquanto indivíduos surdos. Além disto,
poderão desenvolver uma comunicação plena com seus iguais,
entendendo e sendo entendidos em todas as situações que a eles
se apresentem. Estes fatores são fundamentais para o desenvol-
vimento global destes indivíduos.
Assim sendo, voltamos à questão da segregação. Possivel-
mente, ao estarem imersos apenas no mundo ouvinte, estas
crianças passam a ser segregadas pelos colegas, por sua própria
diferença. Desta forma, podemos observar que a questão se
inverte.
382 Fonoaudiologia Prática

Além disto, acreditamos que, apesar de estudarem em esco-


las onde todos os alunos são surdos, estes indivíduos não estão
isolados em hipótese alguma da comunidade ouvinte. Na convi-
vência com seus pais e familiares, em atividades extra-escolares,
e no dia-a-dia, esta relação está ocorrendo, tornando viável o
acesso à cultura e regras sociais da comunidade ouvinte, parale-
lamente ao acesso à cultura e regras da comunidade de surdos,
conseguido por este contato com os colegas.
A nosso ver, a escola especial tem um papel fundamental na
formação destes indivíduos, ao propiciar a convivência das crian-
ças e adolescentes com seus pares possibilitando que estes
possam vir a se desenvolver como indivíduos plenos e não, como
muito se acredita, prejudicando estes indivíduos.
Após estas considerações, passaremos a discutir as escolas
especiais conforme a abordagem comunicativa que se utilizam e
as que seguem o modelo Bilíngüe de educação.

Escolas especiais oralistas


O pressuposto destas escolas, como já vimos, é que as
crianças devem desenvolver a oralidade como forma comunicati-
va primeira e, a partir desta língua, ter seu aprendizado escolar
conforme os princípios básicos do oralismo discutidos anterior-
mente.
As implicações desta abordagem escolar são coincidentes
aos descritos para escolas comuns, ou seja, acredita-se que o
desenvolvimento das crianças surdas deve ser o mesmo das
crianças ouvintes, sendo desconsideradas, desta forma, as ne-
cessidades e particularidades da criança surda.
Assim sendo, todos os conteúdos são apresentados às crian-
ças através da fala e, espera-se que elas tenham condições de, a
partir da leitura oro-facial e aproveitamento auditivo, compreender
e desenvolver seu aprendizado. Durante o horário de aula, são
enfocados exercícios de articulação e de treinamento auditivo
visando, com isso, um melhor desenvolvimento das habilidades
auditivas e orais, imprescindíveis ao aproveitamento escolar das
crianças.
Tempo, então, que poderia ser aproveitado no ensino e
desenvolvimento de atividades escolares, é despendido em trei-
namento de linguagem oral, já que um desenvolvimento natural da
mesma é muito difícil para estas crianças. As impossibilidades ou
dificuldades de um desenvolvimento da fala que algumas crianças
apresentam são desconsideradas, assim como o baixo rendimen-
to que ocorre na grande maioria das vezes, é atribuído a um déficit
da criança.
Algumas escolas especiais oralistas utilizam-se ainda de
métodos silábicos visando à facilitação do desenvolvimento da
leitura e da escrita por estas crianças, esquecendo-se, desta
forma, que a percepção auditiva acurada que este método requer
Escolas e Escolhas: Processo Educacional dos Surdos 383

é muito difícil de ser conseguida pelas crianças que não podem


contar plenamente com a via auditiva.
Por todos estes fatores, podemos observar o desrespeito às
necessidades e possibilidades das crianças e uma postura que
visa à “normalização” destes indivíduos, ou seja, a “cura” da
surdez através da atuação com estas crianças como se fossem
ouvintes, esperando que, com isto, elas possam vir a se tornar ou
se comportar como uma criança que ouve.
Cabem aqui, considerações mais profundas sobre as possí-
veis conseqüências desta opção, e para isto nos reportamos a
estudos e pesquisas que falam sobre o processo de educação das
crianças e adolescentes surdos em outros países.
Pesquisas têm mostrado, desde os anos 70, que os resultados
educacionais e reabilitacionais das crianças surdas, que foram
para escolas especiais oralistas, não têm sido os esperados
(M OORES, 1978; MINDEL & VERNON, 1971).
MINDEL & VERNON (op. cit.) relatam algumas pesquisas que
mostram que, embora existam nos EUA adultos surdos que tenham
atingido o grau de doutor, o adulto surdo comum é subeducado. Esta
realidade demonstra uma falha no sistema educacional, que não
conseguiu desenvolver o potencial intelectual da média da popula-
ção surda.
Estas constatações são confirmadas por dados de pesquisas,
como as de BOATNER, 1965 e M CCLURE, 1966 (em MINDEL &
VERNON, op. cit.), que mostram que, de 93% dos estudantes
surdos dos EUA acima dos 16 anos, apenas 5% atingem o nível
de 1º grau completo ou mais, 60% atingem o nível de 5ª série ou
abaixo e 30% funcionam como analfabetos.
Outro estudo relatado por MINDEL & VERNON (SCHEIN &
BUSHNAK, 1962) nos dá conta de que 1,7% da população surda na
faixa etária adequada freqüenta o colegial. Estes estudos indicam,
também, que esta porcentagem vem caindo com o passar dos
anos, se comparada a estudos anteriores.
Esta situação pode ser percebida desde a pré-escola, onde
sempre houve o pressuposto de que uma educação oral pré-
escolar seria a forma de evitar este estado de coisas em crianças
mais velhas. Contrariamente ao esperado, o desempenho das
crianças que freqüentaram este tipo de programas não se diferen-
ciou daquele de crianças que não freqüentaram nenhum tipo de
escola, após alguns anos freqüentando a escola elementar, ou
seja, de 1ª a 4ª séries como mostra o estudo de CRAIG, 1964 (em
MINDEL & VERNON, op. cit.).
Na pesquisa de VERNON & KOH, 1970 (em MINDEL & VERNON,
op. cit.), conduzida com crianças saídas de um conceituado
programa americano de ensino oral pré-escolar, comparou seu
desempenho ao de crianças que tiveram contato desde pequenas
com a comunicação manual, por serem filhas de pais surdos, e
que não tinham freqüentado nenhuma pré-escola. Este estudo
mostrou que o grupo de crianças surdas filhas de pais surdos teve
384 Fonoaudiologia Prática

melhor desempenho do que o que havia freqüentado o programa


oral, no que se referia à aquisição acadêmica e habilidades em
linguagem, e tiveram o mesmo desempenho nas habilidades
orais. Crianças surdas que não haviam freqüentado qualquer pré-
escola e nem tinham sido expostas à comunicação manual
tiveram pontuações semelhantes às crianças que vieram deste
programa oral. Ambos os grupos estavam bastante aquém do
grupo que teve acesso à comunicação manual.
M OORES (op. cit.) nos traz dados bastante semelhantes com
relação ao desempenho de crianças surdas, onde levanta
algumas questões sobre a saúde mental destes indivíduos que
vale a pena serem mencionadas, antes do relato de seus
estudos.
O autor (op. cit.) nos coloca a par de sua própria experiência
como professor de surdos, dizendo que, considerando os obstá-
culos que estes indivíduos têm que enfrentar durante toda sua
vida, a verdade é que, enquanto um grupo, eles formam um
segmento da sociedade bem-ajustado, saudável, produtivo, está-
vel e contributivo.
Estas mesmas constatações podem ser observadas no estu-
do de MARZOLA (1996) sobre o desenvolvimento do psiquismo em
indivíduos surdos, onde se discute a existência ou não de uma
“personalidade surda” diferenciada da dos ouvintes.
M OORES (op. cit. ) comenta também sobre os mitos, meias-
verdades e distorções, que não se sustentam por qualquer
tipo de evidência. Idéias como a incapacidade em lidar com
pensamentos abstratos, de não terem linguagem, de suas
personalidades serem desviantes, influenciaram o desenvol-
vimento de estereótipos danosos a respeito da surdez, que se
sustentam por pessoas ouvintes que têm pouco ou nenhum
contato com surdos e por profissionais que, apesar de traba-
lharem com indivíduos surdos, tomam-nos como verdadeiros,
sem se questionarem. Estes mitos e deturpações atingem
diretamente os pais que estão sendo introduzidos a conceitos
sobre surdez por estes profissionais.
Nos programas de treinamento para professores de surdos
que o autor (MOORES, op. cit.) freqüentou, o maior problema
mencionado dos surdos era, inicialmente, a sua fala pobre, que
se transformou, com o tempo, em problemas com a linguagem,
não havendo questionamento sobre se o problema se referia a
habilidades lingüísticas ou a dificuldades com o uso do Inglês
padrão.
Entretanto, apesar destas críticas, acreditamos que as crian-
ças, por seu contato com iguais, possam ganhar mais do que se
estivessem em escolas comuns ou em classes especiais, pois
estas escolas têm no máximo 10 alunos por classe, distribuídos
por faixa etária e/ou grau de desenvolvimento, o que favorece uma
atuação da professora mais próxima a cada aluno, podendo
acompanhar melhor seu aprendizado.
Escolas e Escolhas: Processo Educacional dos Surdos 385

Escolas especiais bimodais


Conforme discutido no tópico bimodalismo, esta abordagem
pressupõe a utilização da fala e de Sinais retirados da Língua de
Sinais de forma concomitante. Assim, tudo o que é falado é, ao
mesmo tempo, sinalizado.
Desta forma, uma escola que utiliza a comunicação bimodal
expõe as crianças a Sinais, alfabeto digital e leitura oro-facial para
que elas possam realizar seu aprendizado escolar, acrescido do
uso dos restos auditivos e da própria articulação da criança,
quando possível.
Segundo o pressuposto que rege esta abordagem, o uso
destas duas formas de comunicação (oral e Sinais) ajudaria a
criança na escolha daquele canal que para ela é o mais fácil para
a apreensão do que é falado e dos conteúdos escolares, permitin-
do assim, que as diferenças individuais existentes sejam atendi-
das de igual forma, já que teoricamente não deveria ser enfatizada
ou privilegiada nenhuma das duas formas de comunicação.
Dizemos teoricamente, porque não é isto o que é observado
em algumas escolas especiais ou na atuação de alguns profissio-
nais. Muitas vezes, os profissionais que atuam diretamente com
as crianças privilegiam a oralidade, entendendo e usando os
Sinais apenas como apoio para vocábulos e idéias que as crian-
ças demonstram dificuldades de compreensão.
Desta forma, como estamos diante de duas formas distintas
de se conceber a abordagem bimodal e, conseqüentemente,
frente a duas maneiras diferentes de desenvolver o trabalho
escolar, discutiremos separadamente cada uma dessas visões
educacionais.
Iniciaremos com a postura que privilegia a oralidade. Neste
caso, como acabamos de comentar, os profissionais em questão
cometem um erro básico, que é a descaracterização da aborda-
gem. Para eles, as crianças devem desenvolver a oralidade como
forma de comunicação primeira, pois imputam à língua oral um
valor superior à Língua de Sinais, acreditando, assim, que o
desenvolvimento da leitura e da escrita somente poderá ocorrer
tendo como base a oralidade. Não deixam de ser, desta forma,
“oralistas disfarçados”, ou seja, julgam que os Sinais não têm valor
enquanto forma de comunicação e muito menos como Língua
quando utilizados na estrutura da Língua de Sinais, apesar de
apresentarem um discurso muito diferente ao demonstrado em
sua prática ou, ao não refletirem sobre a mesma, pensam estar
fazendo uma coisa e na realidade fazem outra.
A partir destes pressupostos, agem visando à “normalização”
das crianças surdas, ou melhor, esperando um desempenho
destas de forma similar ao demonstrado pela maioria dos ouvintes.
Muitas vezes utilizam-se de métodos para o ensino da língua
escrita que se baseiam na oralidade (como o método silábico, por
exemplo), esperando assim, que as crianças lancem mão de uma
386 Fonoaudiologia Prática

acuidade auditiva e produção articulatória impossíveis para a


grande maioria delas. Frente, então, a um comum insucesso das
crianças no que diz respeito ao desempenho escolar, atribuem
este fracasso a dificuldades inerentes à surdez, à falta de fala, a
um tempo muito curto em que as crianças foram expostas aos
conteúdos apresentados, ao descaso da família, problemas emo-
cionais, etc. Indicam terapia de fonoaudiologia para que o fonoau-
diólogo “resolva” este problema, ou ludoterapia, para o psicólogo
“curar” o distúrbio emocional. Procuram, desta forma, outros
fatores que justifiquem o comportamento das crianças, bem como
soluções externas à escola, ao invés de repensarem sua própria
atuação e concepções de trabalho.
Não conseguem, portanto, observar fatos muito comuns,
como o uso de estratégias e de raciocínio centrados nos aspectos
espaciais e visuais, resultados da exposição aos Sinais. Com tal
concepção, não podem ver sentido numa criança surda pensar de
forma diferente das ouvintes (população na qual deveriam se
espelhar), desconsiderando e menosprezando estes comporta-
mentos, enfatizando e supervalorizando o desempenho auditivo
e o articulatório.
Sendo assim, estes profissionais acabam propondo ativida-
des simples que não envolvem raciocínio mais elaborado, como
cópias, textos escritos de forma muito simplificada, redução dos
conteúdos disciplinares exigidos pelo programa. Acreditam, as-
sim, numa impossibilidade da criança surda para a elaboração
dos mesmos.
Acabam, desta forma, construindo, na própria criança, uma
imagem de incapaz e gerando, muitas vezes, uma desmotivação
para o aprendizado. A criança passa a se desinteressar pelas
atividades, começa a não realizar o que é proposto, e novamente,
é culpada por este comportamento, passando a ser vista como
preguiçosa, o que reforça o quadro descrito.
Em geral, os profissionais que assim concebem a surdez e as
crianças surdas, deixam de utilizar, em sua prática, o alfabeto digital
como meio facilitador para o aprendizado da leitura e da escrita,
acreditando que este só poderá ser aprendido e usado pelas
crianças, quando se fizer necessário, após o término do processo de
letramento, apesar do uso deste estar implícito na concepção da
abordagem bimodal. Esta compreensão do alfabeto digital como
dependente da escrita não é uma crítica que fazemos apenas aos
profissionais que atuam diretamente nas escolas. Muitos
fonoaudiólogos, psicólogos, pedagogos que realizam um trabalho
clínico com crianças surdas o concebem da mesma maneira.
Entretanto, alguns estudos comprovam que o alfabeto digital pode
vir a ser adquirido pela criança surda muito antes de seu ingresso
nas escolas – por volta dos 2 anos de idade – (MAXWELL, 1984;
PADDEN & LE MASTER, 1985; MAXWELL, 1988) caso elas sejam
expostas a ele e seu uso seja incentivado tanto pelos profissionais
quanto pela família.
Escolas e Escolhas: Processo Educacional dos Surdos 387

Vale acrescentar que, geralmente, estes estudos são realiza-


dos com crianças surdas filhas de pais surdos e, por isto, expostas
desde tenra idade ao alfabeto digital.
Um outro estudo muito interessante sobre este assunto e que
desmistifica a dependência de um domínio da escrita para que o
alfabeto digital seja adquirido e utilizado pelas crianças, é o de
O’GRADY, VAN HOEK, BELLUGI, realizado em 1987 (em SUTTON-
SPENCE & W OLL, 1993). Neste estudo, os autores visaram compa-
rar as alterações que ocorriam no uso do alfabeto digital e na
escrita de crianças surdas entre 3 e 10 anos de idade. Observaram
que, por volta dos 6 anos, houve o estabelecimento de uma
relação entre o alfabeto digital e a escrita, onde erros produzidos
em um meio refletiam no outro. Notaram, também, que nesta
idade as crianças dependiam do alfabeto digital para escrever,
transferindo as “letras” produzidas pelas suas mãos para o papel.
Assim sendo, os autores concluem que é o alfabeto digital que
influencia a escrita e não vice-versa como se costuma pensar.
Em sua dissertação de mestrado, L ODI (1996), ao analisar a
leitura e a escrita de crianças surdas expostas ao Bimodalismo,
observou que estas utilizaram-se do mesmo como meio facilitador
para o desempenho das atividades propostas, concluindo que o
alfabeto digital pode auxiliar no desenvolvimento da língua escrita.
Entretanto, se a escola prioriza a fala, desconsiderando quaisquer
outras formas ou estratégias de aprendizado, este aspecto deixa
de ser considerado e abordado e, desta forma, abandona-se ou
deixa de lado um possível facilitador para o aprendizado das
crianças.
Seria importante acrescentar que quando se abandonam
estratégias que podem ser úteis ao desenvolvimento das crianças
surdas, acreditando que a oralidade seria suficiente para garantir
um melhor desempenho destas, ao contrário do que se poderia
imaginar, a criança surda bem-oralizada geralmente continua a
apresentar dificuldades na compreensão de enunciados longos e
complexos, na compreensão do que está sendo falado quando
frente a mais de um falante, e apresenta distorções articulatórias.
Ao se reforçar a imagem de bem-sucedida, pode-se criar na
própria criança uma auto-imagem distorcida de seu desenvolvi-
mento, já que é considerado apenas seu domínio da língua oral.
Desta forma, futuramente, a criança ao se deparar com sua real
condição, será exposta a um sentimento de fracasso que poderia
ser evitado se esta crescesse com uma representação interna
mais próxima de suas possibilidades, considerando todas as suas
facilidades e dificuldades.
Quando pensamos naquelas escolas ou naqueles profissio-
nais que se utilizam de uma abordagem bimodal sem enfatizar ou
priorizar nenhuma forma de comunicação, este quadro tende a se
modificar.
Como não é pressuposto que uma ou outra forma de comuni-
cação seja a ideal ou melhor para que o aprendizado da leitura e
388 Fonoaudiologia Prática

da escrita se desenvolva pelas crianças, os profissionais passam


a aceitar qualquer estratégia que a criança venha a desenvolver
como meio facilitador de seu aprendizado. Não apenas aceitam
outras formas de “pensamento”, como passam a utilizá-las no
dia-a-dia com as crianças, demonstrando aceitá-las como impor-
tantes. As crianças, desta forma, se sentem incentivadas a conti-
nuar seu processo, pois está sendo aceita sua forma particular de
pensar e de se desenvolver.
Esta mesma conduta estende-se à forma de comunicação
utilizada pela criança. Se uma criança apresenta dificuldade em
desenvolver a oralidade, privilegiando o uso dos Sinais, esta será
aceita e compreendida, sem necessidade de haver o desgaste
costumeiro que existe naquelas relações que se estabelecem,
quando as dificuldades ou facilidades da crianças são desrespei-
tadas e insiste-se para que ela apresente um desenvolvimento
conforme o idealizado pelo profissional. O mesmo ocorre quando
uma criança, por suas características pessoais, apresenta um
desempenho satisfatório na fala e dá preferência à sua utilização
na comunicação. Seu aprendizado ocorre tendo como base a
oralidade. Este comportamento das crianças também será aceito
e respeitado pelos profissionais, sem haver uma supervalorização
dela frente às demais, que não têm que segui-la como modelo de
perfeição, por falar.
Acreditamos que, quando a opção do profissional for a do
trabalho numa abordagem bimodal, esta última conduta seria a
mais coerente com a escolha realizada. Se é para a criança ser
forçada a desenvolver a oralidade, julgando-se que esta seja a
única forma possível de levá-la ao conhecimento, seria indicado
que os profissionais assumissem estes pressupostos e realizas-
sem um trabalho abertamente oralista. Não apresentariam assim,
um discurso ambíguo nem para a família e nem para a criança,
causando assim um dano menor a eles.
Em ambas as formas de atuação, apesar das críticas aqui
realizadas à primeira, as escolas especiais bimodais apresentam
aspectos muito positivos e importantes para o desenvolvimento
global da criança.
O primeiro deles, já discutido e comentado anteriormente, diz
respeito à convivência da criança com iguais, ou seja, com outras
crianças que apresentam a mesma diferença, o não ouvir. Este
contato propicia à criança uma identificação com seus pares,
podendo se constituir enquanto uma criança surda pelo convívio
com adolescentes e adultos surdos que freqüentam a mesma
instituição e que de uma ou de outra forma utilizam Sinais, que não
são proibidos na escola.
Terá acesso também a outras crianças de sua idade que usam
Sinais, podendo, desta forma, desenvolver-se socialmente como
o fazem crianças ouvintes quando entram na escola. O desenvol-
vimento de linguagem e da comunicação, quando se dá entre
iguais, ocorre naturalmente e de forma fluente, pois a criança terá
Escolas e Escolhas: Processo Educacional dos Surdos 389

condições de compreender o que está sendo dito a ela assim


como de se fazer entender sem dificuldades.
Geralmente, nestas escolas especiais, são formados grupos
de pais com o objetivo de discutir aspectos relacionados à surdez
e onde também se dá o ensino de Sinais, para que em casa estes
venham a ser utilizados. Estes grupos são muito importantes, pois
permitem que eles possam falar a respeito das angústias relacio-
nadas à surdez de seu filho, tirar dúvidas sobre seu desenvolvi-
mento, tirando-os de um isolamento que muitas vezes eles própri-
os se impõem, por acharem que são os únicos a ter um filho assim.
Não podemos nos esquecer que, em nosso país, ainda é senso
comum acreditar que as crianças surdas têm outros déficits
associados à surdez, que a impedirão de se desenvolver. Desta
forma, ao compartilhar suas experiências, com o esclarecimento
sobre o desenvolvimento das mesmas, no contato com outros
pais que têm filhos mais velhos e, assim, já passaram por coisas
que alguns estão começando a vivenciar, estes pais podem
passar a enxergar seu filho de forma distinta, aceitando-o em sua
diferença e investindo em um trabalho que possa garantir seu
desenvolvimento.

Escolas especiais bilíngües


Conforme já comentado quando falamos de Bilingüismo, a
proposta Bilíngüe de educação não pode ser considerada uma
abordagem ou conduta terapêutica/educacional. É uma maneira
distinta de se conceber a surdez e seus portadores, de se
compreender o ser humano dentro de suas diferenças, particula-
ridades, necessidades especiais.
Como o próprio nome diz, a proposta Bilíngüe pressupõe a
proficiência da criança surda em duas línguas: na Língua de Sinais
e, em nosso país, no Português. Desta forma, a Língua de Sinais,
nesta concepção, é reconhecida em seu status de língua, ou seja,
como o instrumento de que as crianças poderão se apropriar para
se constituírem enquanto indivíduos.
No Brasil, poucas são as experiências Bilíngües, mas já
temos algumas escolas que estão se utilizando deste modelo,
porém apenas iniciando seu trabalho. Seu mérito está na mu-
dança dos pressupostos básicos que envolvem esta nova visão
da surdez e dos surdos, investindo em pesquisas e na formação
dos profissionais que atuarão diretamente com estas crianças
nas instituições de ensino. Demonstram também, que em nosso
país, é possível que esta mudança ocorra, apesar de todas as
dificuldades que se apresentam, ou seja, a não aceitação desta
proposta e do uso da Língua de Sinais pela maioria dos profis-
sionais da educação e da saúde. Estes últimos são responsá-
veis, com muita freqüência, pelo diagnóstico e encaminhamento
destas crianças para a escola e para terapias em clínicas e
consultórios.
390 Fonoaudiologia Prática

As experiências Bilíngües já foram implantadas em vários


países. Algumas obtiveram sucesso, como é o caso da Suécia e
Dinamarca que, há mais de 10 anos, desenvolvem esta proposta
de educação. Outros países, como Uruguai e Venezuela, tiveram
sua experiência fracassada, devido a interesses do Estado e
incapacidade dos profissionais em estarem revendo a fundo suas
concepções de surdos e surdez e, conseqüentemente, sua forma
de atuação. Este é um grande impedimento ao pensarmos na
implantação do modelo Bilíngüe e, por isto, o mérito daquelas
instituições nacionais que não estão medindo esforços para que
esta mudança ocorra.
O modelo Bilíngüe segue duas vertentes diferentes, de acordo
com concepções distintas, como veremos a seguir.
A primeira vertente pressupõe o desenvolvimento de duas
línguas: a Língua de Sinais e a língua oral. Desta forma, as
crianças são expostas à Língua de Sinais (como primeira língua),
através de um interlocutor surdo e à língua oral (segunda língua)
por um professor ouvinte (BOUVET, 1990).
A concepção do trabalho, neste caso, é lingüística, ainda que
respeitando os aspectos relacionados à identidade, comunidade
e cultura do surdo.
BOUVET (op. cit.) realizou um projeto-piloto reunindo seis
crianças que eram expostas à Língua de Sinais e à língua oral
paralelamente: o professor surdo, em Língua de Sinais, realizava
uma atividade com as crianças, como por exemplo, contar estóri-
as, e em seguida, a mesma atividade era realizada pelo profes-
sor ouvinte em Francês oral. Aos poucos a língua escrita foi sendo
introduzida no trabalho com as crianças tendo como base a
Língua de Sinais, para depois os mesmos conteúdos serem
trabalhados oralmente.
As crianças freqüentemente realizavam um trabalho paralelo
com uma fonoaudióloga que, baseada na Língua de Sinais,
trabalhava a fala.
Segundo a autora, as crianças inicialmente centravam sua
atenção no professor surdo e no que ele dizia a elas para, depois
de um tempo, preocuparem-se com a fala, ou seja, primeiramente
as crianças adquiriram uma Língua, a que para elas era a mais
fácil de ser percebida, para depois poderem aprender uma segun-
da, no caso o Francês oral.
Posteriormente, estas crianças foram encaminhadas a uma
escola comum, devidamente preparada para recebê-las. Elas
foram divididas em duas classes, segundo seus níveis de desen-
volvimento, e para garantir o acesso a todas as informações em
sala de aula, uma intérprete de Língua de Sinais foi contratada. A
adaptação da escola às crianças e à sua Língua foi considerada
muito boa, assim como a adaptação das crianças a um ambiente
bem menos protegido conseguiu resultados bastante satisfatórios.
A segunda vertente acredita que as duas línguas que as
crianças deverão desenvolver são: a Língua de Sinais (como
Escolas e Escolhas: Processo Educacional dos Surdos 391

primeira língua) e a língua escrita (como segunda). A oralidade só


será trabalhada se a criança tiver condições para desenvolvê-la,
devido a características particulares. Como é impossível prever a
priori qual criança terá esta possibilidade, a opção por um trabalho
que vise o desenvolvimento da fala será pensado no decorrer do
processo da criança. Este é o modelo que vem sendo desenvol-
vido na Suécia (DAVIES, 1994).
A concepção, aqui, é cultural, privilegiando aspectos como o
maior respeito à diversidade e o direito do surdo expressar-se
através da Língua de Sinais.
O trabalho com a criança e sua família inicia-se no diagnóstico.
Desta forma, assim que é descoberta a perda auditiva, os profis-
sionais começam um trabalho de esclarecimento aos pais sobre
o que é a surdez: suas implicações no desenvolvimento da criança
caso ela não seja exposta à Língua de Sinais, o desenvolvimento
que apresentará a partir desta exposição, a indicação da convi-
vência desta família na comunidade de surdos. Será neste contato
que a família aprenderá a Língua de Sinais e poderá, com as
experiências do convívio com surdos adultos, investir no desen-
volvimento de seu filho.
Por outro lado, a criança, tendo sua língua respeitada pelos
seus pais e pela sociedade, através do seu uso por surdos adultos
e outras crianças, poderá adquiri-la e se desenvolver como
qualquer outra criança.
Na escola, a criança será exposta inicialmente, apenas à
Língua de Sinais. Todos os profissionais que atuam na escola,
sejam surdos ou ouvintes, devem ser fluentes em Língua de
Sinais. Desta forma, a criança se sente respeitada neste ambiente
e incluída em qualquer situação por poder ter acesso, mesmo em
situações não diretamente referidas a ela, ao que está sendo dito
por todos, como acontece entre pessoas que ouvem.
Quando os profissionais acharem, através de cuidadosas
avaliações e observações do desempenho das crianças, que elas
estão prontas para desenvolver a leitura e a escrita, esta passa a
ser enfatizada formalmente, inicialmente voltada a estórias infan-
tis que as crianças sabem contar em Sinais com facilidade, por já
terem sido expostas a elas várias vezes, e começa-se um trabalho
onde as diferenças estruturais das duas línguas (Sinais e escrita)
são extensamente discutidas e analisadas com as crianças. Desta
forma, o desenvolvimento da língua escrita se dá como um ensino
de uma segunda língua.
No caso de uma criança apresentar uma dificuldade específica
em alguma área do curriculum escolar, como matemática ou aulas
de leitura, estas são trabalhadas em grupos separados, formados a
partir da dificuldade da criança. Após este trabalho específico, as
crianças retornam ao seu grupo normal para as outras disciplinas.
Desta forma, as particularidades e necessidades individuais das
crianças são respeitadas. Não é esperado que todas apresentem o
mesmo processo e o mesmo ritmo de aprendizado.
392 Fonoaudiologia Prática

NEUROTH-GIMBRONE & L OGIODICE (1992) realizaram um proje-


to que visou o ensino da língua escrita como segunda língua para
um grupo de adolescentes surdos, cuja idade variava entre 14 e
15 anos, fluentes e usuários da Língua de Sinais como primeira
língua, numa escola dos EUA, focalizando, neste estudo, os
métodos desenvolvidos nesta situação Bilíngüe.
Segundo os autores, para que as crianças desenvolvam
competência de leitura acima da 4ª série, elas devem dominar as
chamadas atividades metalingüísticas, entendidas como “... habi-
lidade de analisar ou refletir sobre sua própria língua” (NEUROTH -
GIMBRONE & L OGIODICE, op. cit.).
No caso dos adolescentes surdos, parece haver um platô
neste nível particular de desenvolvimento de competência de
leitura, influenciando assim, a expressão escrita destes indiví-
duos. Sugerem, então, que a maioria dos surdos não realizam, por
não dominar, as atividades metalingüísticas necessárias que os
capacitariam a tornarem-se leitores habilidosos em sua segunda
língua, no caso, o Inglês escrito.
Fundamentam este aspecto recorrendo a estudos que comen-
tam que “...a teoria Bilíngüe sugere que para tornar-se letrado numa
segunda língua, as atividades de linguagem aprendidas na primeira
língua devem ser aplicadas para a segunda língua (...), ou seja, as
atividades de linguagem tranferem-se da primeira língua para a
segunda língua” (NEUROTH-GIMBRONE & LOGIODICE, op. cit.).
Para propiciar tal desenvolvimento é indispensável que seja
mostrado às crianças que elas estão sendo expostas a duas
línguas (a Língua de Sinais e a escrita), e para facilitar a distinção
entre ambas, devem-se utilizar exemplos concretos, em situações
da vida real, onde estas duas línguas ocorrem naturalmente.
Aos poucos, os professores vão desenvolvendo, através de
vídeos e atividades entre os alunos, as habilidades de análise da
Língua de Sinais até chegarem a análises específicas das estru-
turas gramaticais, encorajando os alunos a olharem para os
Sinais, expressões faciais, movimentos corporais para que pos-
sam observar suas similaridades e diferenças, e descobrirem, por
eles próprios, as estruturas gramaticais lingüísticas da Língua de
Sinais.
Através desta análise, as diferenças estruturais entre as duas
línguas tornam-se mais claras, facilitando assim, a compreensão
de leitura e elaboração da escrita por parte dos adolescentes
envolvidos neste projeto.
Podemos observar, desta forma, que, numa proposta Bilín-
güe, não é necessário que os conteúdos programáticos sejam
simplificados ou apresentados de forma simplista e reduzida às
crianças, ou que o tempo de permanência delas em cada série
escolar tenha necessidade de ser desdobrado, nem que as
dificuldades existentes sejam fatores de discriminação e
culpabilização da criança. Tudo é feito para que as crianças
tenham acesso a todas as informações, conteúdos, conhecimen-
Escolas e Escolhas: Processo Educacional dos Surdos 393

tos possíveis, assim como não lhe é privado o direito de ter uma
língua e poder desenvolver-se nela.

ESCOLA IDEAL
Nesta seção, discorreremos sobre o que imaginamos ser uma
escola ideal para crianças e adolescentes surdos. Falar no ideal
significa expor uma idéia na qual se projetam os desejos não
possíveis de se realizar no momento em que se pensa ou escreve.
Significa falar de um lugar melhor e diferenciado de onde se está
(que obviamente não é o ideal). Significa falar em Utopia, de um
momento visionário, em que a realidade entra como contraponto.
Na verdade, nosso projeto de escola ideal não é inviável. Já
existe em países nórdicos, há aproximadamente 15 anos. Nossa
idealização se configura ao pensarmos na dura realidade educa-
cional brasileira. Isto porque, em nosso país, grande parte da
população não tem acesso a uma educação digna, que faça de
nossas crianças adultos cientes de seus direitos e deveres,
cidadãos atuantes e críticos frente a preconceitos, enfim, sujeitos
de suas histórias. Tal situação pode ser estendida à saúde, à
cultura, ao lazer e a várias outras questões importantes de que se
possa lembrar.
É, então, frente a esta realidade, que a nossa proposta se
torna utópica. Mas frente ao status da surdez e do indivíduo surdo
em nosso país, ela pode parecer visionária.
Desde o início deste capítulo trouxemos dados de pesquisas
e estudos de vários países do mundo, com o objetivo de informar
o leitor sobre as questões relativas à educação do surdo no Brasil
e no exterior. Falamos de concepções, abordagens, métodos, que
dão sustentação aos trabalhos realizados. Analisamos as vanta-
gens e desvantagens de cada um, os problemas que podem
decorrer destas concepções, porque acreditamos que aí se en-
contra um ponto vital da nossa proposta de escola ideal: a escola
Bilíngüe.
Na verdade, o primeiro passo para a construção da escola
ideal para crianças e adolescentes surdos começa antes da pré-
escola. Começa na família, quando ela percebe que há algo
diferente com seu filho, e que esta diferença é a surdez. A partir
da constatação de que a criança é surda, muitos sentimentos e
mudanças acontecerão na família (HARRISON, 1994). Os profis-
sionais procurados neste momento terão um papel importante no
rumo destas mudanças e na forma da família olhar esta criança
surda.
A compreensão da importância do papel da linguagem para o
desenvolvimento do indivíduo, e de que a surdez não impede sua
capacidade lingüística desde que numa modalidade em que a
criança não tenha nenhuma restrição em percebê-la, faz com que
a família comece a perceber aquela criança como um futuro ser
lingüístico e, portanto, plenamente humano. Esta concepção de
394 Fonoaudiologia Prática

surdez e da importância da Língua de Sinais para o desenvolvi-


mento do surdo é vital para o sucesso escolar e profissional futuro,
e estará nas mãos dos profissionais que darão as primeiras
informações e orientações aos pais, que precisam estar conven-
cidos de sua plausibilidade.
A partir deste ponto, a educação Bilíngüe terá início, com a
convivência da criança e da família com a comunidade de surdos,
e a Língua de Sinais sendo a primeira língua desta criança. Os pais
estarão livres para serem pais, criando seu filho como uma criança
plena de possibilidades, como os pais das crianças que ouvem.
Na pré-escola, o professor, seja surdo ou ouvinte, desenvol-
verá suas atividades na Língua de Sinais, e a escrita será
apresentada como o é para as crianças ouvintes: através de
estórias infantis, contadas em Língua de Sinais, deixando a
curiosidade infantil fazer as relações iniciais entre a língua escrita
e a de Sinais.
À medida que a criança cresce, estas relações serão cada vez
mais trabalhadas no sentido de mostrar a diferença entre estas
duas línguas, às quais a criança está sendo exposta.
O sentido deste trabalho se dá a partir da constatação de que
há a necessidade de haver a aquisição de uma primeira língua,
que garanta as relações da criança com seus pais, seus irmãos,
seus colegas, com o mundo que a cerca, para que uma segunda
língua possa ser adquirida posteriormente (SVARTHOLM, 1994).
A apresentação da língua escrita como uma língua diferente
da que as crianças estão acostumadas a usar, a Língua de Sinais,
se dará a partir do interesse das crianças pelos livros de estórias,
sobre o significado das figuras, das palavras e dos textos, cons-
truindo significados de acordo com suas possibilidades. Algumas
podem entrar no 1º ano já lendo, outras não, como acontece com
as crianças ouvintes.
Da mesma forma, dependendo dos níveis de audição e
aptidão para e/ou interesse na fala, algumas crianças falam muito,
outras menos, e outras simplesmente não falam. Algumas gostam
de usar seus aparelhos, outras preferem não usá-los, não haven-
do pressão neste sentido.
A partir da 1ª série, por volta dos 7 anos de idade, as crianças
são expostas à língua usada no país, através da introdução de
histórias reais sobre a cultura do país e histórias de surdos
importantes. Estas histórias podem ser apresentadas paralela-
mente, primeiramente em vídeo (em Língua de Sinais) e posterior-
mente em livros, com textos escritos e ilustrações, que seriam
extensivamente analisados em classe (DAVIES, 1994). À professo-
ra cabe pontuar e perguntar sobre aspectos observados em cada
uma das formas, fazendo relações e esclarecendo pontos duvi-
dosos.
À medida que as crianças se tornam mais independentes na
leitura, tornam-se capazes de lidar com os textos escritos, utilizan-
do-se do vídeo como confirmação da compreensão e do trabalho
Escolas e Escolhas: Processo Educacional dos Surdos 395

realizado com a escrita, assim como em atividades de análise das


igualdades e diferenças entre as duas línguas.
Desde o início, os textos devem ser elaborados na forma plena
da língua, sem necessidade de simplificação ou escolha de
vocábulos mais acessíveis, pois está implícita nesta concepção
educacional a capacidade lingüística das crianças surdas, que,
como as ouvintes, só podem ter acesso à língua se esta for
exposta a elas na sua forma usual e completa.
Desta forma, as características gramaticais de ambas as
línguas são analisadas e estudadas e, principalmente, vistas
como duas línguas de igual status.
A concepção fundamental apóia-se na capacidade plena
destas crianças, em termos lingüísticos, cognitivos, sociais, cultu-
rais e subjetivos.
Esta proposta de educação Bilíngüe já acontece e tem se
mostrado bastante positiva, vencendo o “platô de 4ª série”, sem-
pre mencionado em pesquisas sobre a proficiência em leitura e
escrita adquiridos pelas crianças e adolescentes surdos até então
(ver escola especial), ou seja, continuam a desenvolver suas
capacidades, como acontece com seus pares ouvintes (AHLGREN ,
1994; DAVIES, 1994; SVARTHOLM, 1994).
Temos consciência de que as mudanças necessárias exigi-
rão tempo, como aconteceu nas experiências aqui relatadas. Na
Suécia, os primeiros passos foram dados pela comunidade de
surdos em 1969, lutando pelos seus direitos e conquistando seu
espaço na sociedade. Somente em 1983 é instituído o Bilingüismo
nas escolas suecas. Todas estas conquistas foram obtidas
baseadas em três pedras fundamentais: pesquisas sobre Lín-
gua de Sinais; formação de uma organização própria para o
Surdo; e cooperação de muitas organizações, principalmente
aquelas voltadas para os pais de crianças surdas/deficientes
auditivas (WALLIN, 1992).
Como dito anteriormente, as dificuldades que teremos de
enfrentar serão maiores do que as que os suecos tiveram em seu
país. Vivemos em um país em desenvolvimento, cujo governo não
é afeito a atender às reivindicações nem mesmo das maiorias,
quanto mais às das minorias, como são os surdos.
A mudança de concepções dos profissionais envolvidos no
diagnóstico, no trabalho terapêutico e no educacional, também
enfrentará dificuldades e resistências, sempre presentes quando
algum fato novo muda o equilíbrio conquistado. Porém, não
podemos deixar de analisar e expor estes fatos por receio de
desagradar pessoas. Esta mudança também deve ocorrer em nós
mesmos, com as mesmas dificuldades e resistências enfrentadas
por todos os envolvidos nos processos mencionados.
De qualquer forma, e a exemplo das conquistas das mulheres
brasileiras, não devemos deixar de lutar pelas idéias que achamos
certas, apenas por serem difíceis de serem conquistadas. Afinal,
a vida vale a pena enquanto há ideais a serem conquistados. Isto
396 Fonoaudiologia Prática

diz respeito, também, ao trabalho de educação dos surdos e de


orientação a pais desenvolvidos pelo fonoaudiólogo.
Infelizmente, no Brasil, a Língua Brasileira de Sinais ainda não
é sequer considerada uma língua. Mas já há, no momento, um
projeto de lei, tramitando no Senado Federal, com o intuito de
reconhecê-la enquanto língua nacional (minoritária), que deverá
ser utilizada pela comunidade de surdos brasileira e por aqueles
que trabalham e convivem diretamente nesta comunidade ou com
membros da mesma. Este projeto se investe de grande importân-
cia, pois, a partir da sua aprovação, poderão ser criadas e
regulamentadas as profissões de: intérprete, de instrutor e de
professor de Língua de Sinais. Também a partir de sua instituição,
o surdo poderá contar com a presença de intérpretes de Sinais
para as mais diversas situações: aulas em faculdade, escolas
comuns, consultas médicas, julgamentos, admissão e demissão
em situações empregatícias, participação em atividades sociais,
culturais e científicas, etc.
Acreditamos que este tenha sido um primeiro passo em
direção à uma mudança educacional para os surdos. Temos
consciência de que, como toda mudança, esta também deverá se
dar a longo prazo, mas já existem, em nosso país, escolas e
instituições que, mesmo antes do reconhecimento oficial da
Língua de Sinais, já estão repensando e alterando a educação
oferecida a estas crianças. Os primeiros movimentos em prol de
uma educação Bilíngüe já estão ocorrendo. Muito nos orgulhamos
destas instituições. E para provar que esta mudança é possível,
brindaremos os leitores, na próxima seção, com o relato de uma
experiência Bilíngüe que já está sendo desenvolvida em nosso
país, e que, apesar do pouco tempo de implantação, está obtendo
resultados positivos no que diz respeito ao desenvolvimento de
crianças e adolescentes surdos.

UMA DOSE DE REALIDADE


O lugar é Campina Grande, interior da Paraíba. O ano 1979.
A situação das crianças e adolescentes surdos da cidade é
muito difícil. Alguns deles estão matriculados em uma instituição
para excepcionais, onde pessoas bem-intencionadas, porém des-
conhecedoras da surdez e de suas implicações, tentam alfabe-
tizá-los. A maior parte, porém, não tem onde estudar, e ficam na rua
ou em suas casas sem qualquer possibilidade de desenvolvimento.
Outros, ainda, de famílias mais abastadas, estavam à espera da
chegada de profissionais que pudessem atender seus filhos particu-
larmente, o que aconteceu neste ano de 1979.
A contratação de uma fonoaudióloga para trabalhar na institui-
ção acima mencionada, começa a delinear mudanças lentas,
porém significativas, nesta realidade.
A começar pela avaliação das crianças, com a separação em
classes mais voltadas a cada patologia com que a instituição
Escolas e Escolhas: Processo Educacional dos Surdos 397

trabalhava, a indicação de aparelhos de amplificação sonora


individual aos que pudessem fazer uso deles e o estabelecimento
de um programa inicial de ensino.
A concepção de surdez e de surdo das profissionais que
chegaram a Campina Grande era, na época, a do método oralista,
ainda hoje o método escolhido para a formação dos fonoaudiólogos
pelos cursos de fonoaudiologia do país.
Entre si, os alunos usavam uma comunicação gestual, que
não era compartilhada com os profissionais que com eles traba-
lhavam. A classe era heterogênea em termos de faixa etária e
desempenho, o que não favorecia o desenvolvimento dos alunos
e do trabalho proposto.
O sonho era conseguir abrir uma escola especial para surdos,
onde se pudesse atender a cada criança de forma adequada, mas
não havia condições na cidade para tal.
A possibilidade de tornar este sonho uma realidade começou a
surgir com a abertura da habilitação em EDAC no curso de Pedago-
gia na Universidade Federal da Paraíba (UFPb), e da necessidade
de compor uma equipe para lecionar nesta habilitação, o que
resultou em concursos para pedagogos habilitados em EDAC e
fonoaudiólogos com experiência em deficiência auditiva.
Para que as primeiras turmas pudessem se formar, era neces-
sária a realização do estágio obrigatório. Com a impossibilidade de
realizá-lo na instituição existente, a Universidade abriu uma escola,
em instalações improvisadas, emprestadas por uma pequena igreja.
Com a primeira turma formada, e com algumas ex-alunas
aprovadas em concursos do Estado e do Município, a UFPb firma
convênio com o Estado e Município, em que ela entraria com a
assessoria científica e técnica à escola, o Estado e o Município com
as professoras e todos com a infra-estrutura física para a existência
da escola, que funciona agora em uma sede cedida pela prefeitura.
Como foi dito, a concepção inicial do trabalho foi a do oralismo.
Porém, a realidade vivida pela maior parte dos alunos, que nunca
antes teve acesso a nenhum tipo de trabalho, estando muito
defasada de seus pares ouvintes; a ausência de comunicação entre
alunos e professores e a noção de que o tempo disponível seria
insuficiente para desenvolver um bom trabalho oral, juntamente com
a escolaridade, acabou impondo uma reflexão sobre a forma de se
abordar o programa escolar: usar os Sinais ou continuar apenas
com o trabalho oral? Onde centrar o foco da atenção da escola?
A partir destes questionamentos, a equipe da escola começou
a pesquisar sobre o que estava acontecendo no resto do país e do
mundo relacionado à educação do surdo. Desta forma, entrou em
contato com a filosofia da Comunicação Total, que passou a ser
adotada (HARRISON, comunicação pessoal, 1996).
À medida que o trabalho se desenvolvia e a escola crescia,
havia já um processo mais longo para análise. A equipe da escola
percebeu que houve ganhos com o uso dos Sinais, em termos de
comunicação entre professores e alunos, entre os alunos e seus
398 Fonoaudiologia Prática

pais, da socialização entre os alunos, mas que o processo de


aquisição das habilidades de leitura e de escrita ainda não
acontecia da forma esperada.
Ao mesmo tempo, a abertura de um curso supletivo noturno
para adolescentes e adultos surdos analfabetos trouxe para a
escola a vivência da formação de uma comunidade surda, que
colocou o não desejo de oralização, mas sim de acesso à leitura
e à escrita, para que pudessem ter um mínimo de informação
sobre os fatos do mundo.
A reflexão a respeito das reivindicações dos alunos adultos e o
questionamento sobre a dificuldade no domínio da leitura e da
escrita por parte do restante dos alunos levaram a equipe a rever
seus paradigmas e buscar outros tipos de soluções. Começam a se
aprofundar no estudo da Língua de Sinais e da proposta Bilíngüe.
Chegamos, enfim, ao presente.
O ano é 1996. A escola tem 160 alunos, divididos nos três
períodos. Ex-alunos, agora adultos, voltam para a escola. Agora,
para serem monitores dos pequenos, participarem dos planejamen-
tos quinzenais e de cursos oferecidos ao restante do corpo docente,
ensinando a Língua de Sinais aos pais, vivendo o processo educa-
cional junto com as professoras ouvintes. As classes, antes dividi-
das entre menores em um período e maiores em outro, agora estão
distribuídas ao longo do dia, para que os mais novos e mais velhos
possam conviver mais, em um lugar em que a Língua de Sinais tem
valor, tanto quanto a Língua Portuguesa, principalmente na sua
forma escrita (GIANINI, comunicação pessoal, 1996).
Ainda é cedo para que possamos fazer uma análise desta
experiência, pois sua implementação é muito recente. Podemos,
no entanto, pensar nas escolhas que a equipe escolar vem
fazendo ao longo destes anos, apesar de toda a dificuldade
decorrente da falta de verbas vivida pelos que dependem do
dinheiro público, seja ele federal, estadual ou municipal.
A escolha foi pela constante reflexão dos processos que
ocorrem com os alunos na escola, repensando o caminho percor-
rido, revendo concepções à procura de alcançar um objetivo: a
educação dos surdos. Entendendo esta educação como um
processo cultural e lingüístico, que forma indivíduos íntegros e
atuantes, com valor social, que podem vir a se integrar à socieda-
de majoritária dos ouvintes, desde que bem preparados e consi-
derados na sua diferença de não ouvir.

CONCLUSÃO
Esperamos, com este capítulo, ter contribuído para trazer aos
leitores uma série de reflexões e considerações sobre a educação
do surdo tanto em nosso país como fora dele. Optamos por expor
as várias vertentes teóricas e práticas mais estudadas atualmente
e, ao final, explicitar nossa opinião frente a estas linhas conceptuais.
Esta opção não teve a intenção de ditar uma fórmula a ser seguida,
Escolas e Escolhas: Processo Educacional dos Surdos 399

e sim, levá-los a um questionamento e posicionamento a respeito


do tema e das análises feitas, seja concordando ou discordando
delas, total ou parcialmente, para que possam por si só fazerem
suas próprias escolhas.

Leitura recomendada
AHLGREN, I. – Sign language as the first language. In: AHLGREN, I. &
HYLTENSTAM, K. Bilingualism in Deaf Education – International
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Experiências. Dissertação de Mestrado apresentada no Programa
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400 Fonoaudiologia Prática

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Reabilitação e Implante Coclear 401

18
Reabilitação e Implante
Coclear

Maria Cecília Bevilacqua


Adriane Lima Mortari Moret

O implante coclear multicanal (IC) vem se tornando, cada vez


mais, uma opção de tratamento para pacientes (adultos e crian-
ças) portadores de deficiência auditiva neurossensorial bilateral
profunda. O implante coclear multicanal tem sido indicado nos
últimos anos como um recurso altamente benéfico e efetivo para
a reabilitação desses pacientes.
Os implantes cocleares multicanais são próteses computado-
rizadas que substituem parcialmente as funções da cóclea: trans-
formam a energia sonora em sinais eletroquímicos e codificam
estes sinais de uma maneira significativa ao córtex auditivo. Uma
vez que a deficiência auditiva neurossensorial é causada princi-
palmente pela perda das células ciliadas do órgão de Corti, outras
estruturas neurais sobrevivem em quantidade suficiente para
serem estimuladas eletricamente pelo IC e para transmitir o sinal
codificado (encoding) para o córtex auditivo (BALKANY e cols.,
1996).
Esse dispositivo é constituído por dois componentes: um interno
e outro externo. A indicação cirúrgica se concretiza após um
processo minucioso e criterioso de avaliação: a) da capacidade
auditiva do paciente com e sem o aparelho de amplificação sonora
individual (AASI); b) do seu estado geral; c) da sua organização
familiar; e d) da existência de recursos para reabilitação na cidade
de origem, entre outros fatores. Até o momento, o Centro de
Pesquisas Audiológicas (CPA) do Hospital de Pesquisa e Reabilita-
ção de Lesões Lábio Palatais (HPRLLP) da Universidade de São
402 Fonoaudiologia Prática

Paulo (USP) acompanha crianças com deficiência auditiva pré e


pós-lingual e pacientes adultos com deficiência auditiva pós-lingual.
Aqui se faz necessária uma distinção entre os conceitos de
deficiência auditiva pré e pós-lingual, uma vez que não são
totalmente esclarecedores. Considerando-se que a percepção
auditiva começa no útero e é, provavelmente, um pré-requisito
para o desenvolvimento da linguagem; e ainda, que a recepção
auditiva da linguagem oral começa no nascimento, momento no
qual a criança inaugura sua experiência com a oralidade, é
realmente difícil encontrar um termo que possa descrever com
precisão o começo da deficiência auditiva no bebê ou na criança
mais velha (N ORTHERN, 1986). Além disso, o diagnóstico preciso
da deficiência auditiva antes dos 2 anos de idade deve ser
realizado de maneira bastante criteriosa. Apesar dos recursos
tecnológicos altamente avançados disponíveis na audiologia
clínica, muitas crianças ficam em observação comportamental
e acompanhamento terapêutico-diagnóstico durante algum tem-
po, devido à necessidade do diagnóstico diferencial. Portanto,
determinar com clareza se a deficiência auditiva ocorreu antes
ou depois da aquisição da linguagem realmente se torna um
desafio.
Embora essas considerações sejam pertinentes, os termos
pré e pós-lingual têm sido os mais aceitos na área clínica.
Denomina-se surdez pré-lingual uma perda auditiva instalada
antes do domínio completo da linguagem oral (ou seja, uma perda
ocorrida antes de 4 ou 5 anos, aproximadamente). Por sua vez,
denomina-se surdez pós-lingual uma perda auditiva instalada
após o período da aquisição da linguagem (ou seja, uma perda
que ocorre quando a pessoa já tem fluência e domínio da lingua-
gem oral). Se considerarmos que existem diferenças individuais
no processo de aquisição de linguagem, a idade de referência
para estabelecer o limite entre surdez pré e pós-lingual não é
claramente determinada. Portanto, o conceito de deficiência audi-
tiva perilingual surge para se referir justamente a esse período
intermediário em que a criança adquire a deficiência durante a
aquisição da linguagem, ou seja, quando a criança já apresenta
enunciados pertinentes à língua na qual está inserida, porém não
apresenta a mesma competência lingüística de uma criança ao
redor dos 6 ou 7 anos de idade, por exemplo.
COSTA FILHO e cols. (1996) definem o sistema de implante
coclear da seguinte forma: trata-se de um dispositivo implantado
por meio de intervenção cirúrgica, em que um conjunto de eletro-
dos é inserido no interior da cóclea. Os eletrodos devem ficar nos
últimos 25 mm distais de um cabo único, envolvido por silicone.
Esse cabo é ligado a um receptor-estimulador, hermeticamente
fechado, feito de titânio e também encerrado em silicone. O
receptor, que, mede 45 mm por 24 mm, é colocado junto ao osso
do crânio e abaixo da pele. Esse conjunto corresponde ao dispo-
sitivo interno do IC.
Reabilitação e Implante Coclear 403

Quanto ao dispositivo externo do IC, sua função é captar o


som, por um microfone instalado junto à orelha e transmiti-lo,
por um fio, ao processador de fala. Esta peça tem o tamanho de
um aparelho de amplificação sonora convencional e pode ficar
junto à cintura ou ao peito. O processador envia a informação
codificada para uma antena transmissora colocada junto ao
receptor-estimulador. O ciclo da audição se completa quando o
estímulo elétrico e os sinais codificados são transmitidos por
radiofreqüência para o receptor-transmissor. Este dispositivo
estimula os eletrodos que estão implantados no interior da
cóclea.
Nesse estudo, os autores definiram o sistema Nucleus de 22
canais (Fig. 18.1). Há também outros sistemas multicanais usa-
dos no CPA (Combi 40- Med-El e Clarion) que apresentam
algumas características diferentes.
O dispositivo interno e externo ficam aderidos através de um
ímã e a transmissão elétrica é feita de maneira transcutânea.
Para que o dispositivo interno passe a funcionar, ele tem
que ser ativado, fato que ocorre usualmente após 4 a 6
semanas da cirurgia. O dispositivo externo deve ficar acoplado
a um microcomputador tipo IBM-PC para que os eletrodos
sejam mapeados e balanceados. A Figura 18.2 apresenta a
conexão entre o processador de fala e o sistema de compu-
tação.
Os sistemas de programação dos implantes cocleares
multicanais também são semelhantes e as diferenças se dão
nas características dos programas clínicos utilizados e nas es-
tratégias de codificação do sinal.

FIGURA 18.1 – Sistema de implante coclear multicanal Nucleus. A) Dispositivo interno: 1. feixe de
eletrodos; 2. receptor-estimulador. B) Dispositivo externo: 3. microfone; 4. antena transmissora; 5. fios;
6. processador de fala; 7. ímã.
404 Fonoaudiologia Prática

FIGURA 18.2 – Sistema de programação, Med-El – Combi 40 – Hardware e periféricos. (Publicação


autorizada pela MED-EL.) A) Computador tipo IBM – PC; B) caixa de programação (interface C 40);
C) dispositivo externo: processador de fala do paciente acoplado através dos fios, microfone e ímã; D)
fios de conexão.

É no momento de mapeamento dos eletrodos que se dá o


início do processo de habilitação e reabilitação do deficiente
auditivo usuário do implante coclear. No CPA, a freqüência de
mapeamentos e balanceamentos dos eletrodos tem sido realiza-
da da seguinte maneira:
Em adultos – Aconselha-se acompanhamento de 3 em 3
meses, no primeiro ano de uso do implante coclear; de 6 em 6 meses,
no segundo ano de uso de implante coclear; e anualmente, após o
segundo ano, ou sempre que o paciente sentir necessidade de
experimentar novos mapeamentos.
Em crianças – Aconselha-se acompanhamento mensal, no
primeiro ano do uso do implante coclear; bimestral, no segundo
ano, trimestral, no terceiro ano e semestral, a partir do quarto ano.
Levando-se em consideração a distância do local de moradia
em relação ao CPA, bem como outros tipos de dificuldades, a
freqüência de mapeamentos pode ser um pouco modificada.
Esse início do processo de reabilitação é extremamente
importante, pois é a partir dele que serão criadas condições
adequadas para a percepção dos sons da fala por meio do sistema
de implante coclear multicanal.
A primeira etapa é a ativação. A ativação do implante coclear
compreende o período no qual a pessoa implantada recebe os
componentes externos do sistema, até o primeiro mapeamento e
balanceamento dos eletrodos. É um processo gradativo tanto
para as crianças como para os adultos implantados. Na primeira
sessão de ativação, o fonoaudiólogo investiga quais são os
estímulos elétricos necessários para desencadear a sensação de
audição na pessoa implantada. Após essa pesquisa, inicia-se a
programação do processador de fala de acordo com as necessi-
dades individuais. No caso das crianças, a adaptação do compo-
nente externo pode ser mais difícil e, às vezes, leva-se mais tempo
para se chegar a um mapeamento satisfatório, porém, em média,
Reabilitação e Implante Coclear 405

o processo de ativação ocorre no intervalo de 1 semana aproxima-


damente.
O mapeamento dos eletrodos ou dos canais é a pesquisa que
determina o limiar auditivo (por meio da estimulação elétrica da
cóclea) e o nível máximo de conforto auditivo (MCL). A diferença
existente entre o limiar auditivo e o máximo de conforto auditivo é
denominada área dinâmica. Sabe-se que é importante uma área
dinâmica ampla para altos scores em testes de percepção da fala.
Para a determinação do máximo de conforto auditivo, é utilizada
a escala de aumento de intensidade (loudness growth), e isto é
feito em cada eletrodo separadamente.
Após o mapeamento, é feito o balanceamento de eletrodos ou
de canais, estabelecendo-se, desse modo, a mesma sensação de
intensidade nos diferentes eletrodos ou canais.
No balanceamento, é utilizado o eletrodo apical como referên-
cia inicial, e assim sucessivamente, até o último eletrodo. Deve-se
ressaltar aqui que, no caso dos implantes cocleares multicanais,
o paciente está obtendo uma discriminação de freqüência, pois a
disposição dos múltiplos eletrodos é intracoclear e busca o
aproveitamento da função tonotópica da cóclea, ou seja, estimu-
lação dos sons graves no ápice e dos agudos na base da cóclea
(COOPER, 1991).

CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DE PACIENTES PARA O


IMPLANTE COCLEAR
Outro aspecto importante e que terá implicações diretas nas
diferentes etapas do processo de reabilitação diz respeito aos
critérios de seleção dos pacientes a serem implantados. É a
partir da seleção dos pacientes que começa a ser delineado o
que vai ser alcançado na reabilitação. Por exemplo, um adoles-
cente de 14 anos de idade, portador de deficiência auditiva
neurossensorial profunda congênita, tem poucas chances de ter
benefícios com a cirurgia do implante coclear, devido a uma
série de fatores. Dentre esses fatores, destacam-se os anos de
privação sensorial auditiva, uma vez que a privação provocada
por uma diminuição das células ganglionares e, portanto, o
estímulo auditivo não poderá ser processado centralmente.
Nessa idade, embora seja determinante que o adolescente faça
a opção pela cirurgia, muitas vezes, pela falta de fluência da
linguagem oral, o paciente não consegue ter compreensão
suficiente de toda a situação. Os adolescentes constituem o
grupo mais difícil de se trabalhar em um programa de implante
coclear. A experiência dos implantes no grupo de adolescentes
com deficiência auditiva congênita mostra que alguns deles
deixam de usar o implante coclear na idade adulta.
Partindo dessas análises, o CPA estabeleceu para os adultos
os seguintes critérios de seleção para pacientes candidatos a
implante coclear:
406 Fonoaudiologia Prática

• idade acima de 18 anos, com deficiência auditiva neuros-


sensorial pós-lingual bilateral;
• não se beneficiarem do aparelho de amplificação sonora
individual (AASI), ou seja, apresentarem score inferior a
30% em sentenças do dia a dia;
• terem até 10 anos de surdez (em deficiências auditivas
progressivas, não há limite de tempo);
• apresentarem adequação psicológica e motivação para o
uso do implante coclear.

No caso das crianças, a indicação do implante coclear obede-


ce aos seguintes critérios:
• idade até 17 anos, com deficiência auditiva profunda neu-
rossensorial bilateral;
• apresentarem deficiência auditiva pós-lingual, até 6 anos de
surdez (em deficiências auditivas progressivas, não há
limite de tempo);
• terem adquirido deficiência auditiva pré-lingual entre 2 e 4
anos de idade; passado por adaptação prévia de AASI e
reabilitação auditiva durante 6 meses; e mostrado incapacida-
de de reconhecimento de palavras em “conjunto fechado”;
• serem provenientes de famílias adequadas e motivadas
para o uso do implante coclear;
• fazerem a reabilitação na cidade de origem.

REABILITAÇÃO DO PACIENTE COM IMPLANTE


COCLEAR – CONSIDERAÇÕES
O processo de habilitação e reabilitação auditiva busca o
desenvolvimento das habilidades auditivas, ou seja, o desenvol-
vimento da capacidade de detecção, discriminação, identificação,
reconhecimento e compreensão do estímulo sonoro. Para que
esse processo se dê, é fundamental sua integração com outros
processos psíquicos, fundamentalmente a capacidade de memó-
ria e de atenção. Essas habilidades deverão integrar as modalida-
des perceptivas do paciente. Desenvolver essas habilidades no
deficiente auditivo de maneira eficiente, dinâmica, divertida e
interessante é o grande desafio dos profissionais envolvidos
nessa área.
Assim sendo, esse processo se desenvolve de maneiras
diferentes em adultos e em crianças, apesar das habilidades
auditivas a serem trabalhadas não se diferenciarem.

Adultos
Até o momento, 31 adultos receberam o implante coclear
multicanal no CPA. A experiência com esses pacientes tem
demonstrado que o mais importante é fazer com que consigam
decodificar o sinal da fala por meio do sistema do implante coclear.
Reabilitação e Implante Coclear 407

Para que isto aconteça, a recomendação básica é que uma


pessoa da família ou algum amigo realize uma leitura em voz alta,
e o paciente acompanhe silenciosamente o texto lido. Este tipo de
atividade tem demonstrado ser um dos mais eficientes recursos,
pois permite uma imersão no sinal auditivo dos sons da fala sem
o apoio da leitura orofacial. Recomenda-se que a atividade seja
feita 1h por dia, com textos variados e de interesse para o
paciente. No início, é aconselhado que o leitor acompanhe as
palavras com o dedo e que faça a leitura de maneira mais lenta,
para que o paciente consiga segui-lo. Passadas poucas semanas
da ativação e dos primeiros mapeamentos dos eletrodos, já pode
ser utilizado um ritmo natural de leitura.
Outra atividade recomendada é o rastreamento de fala com
apoio visual e auditivo. Esse procedimento baseia-se no fato de
que a leitura orofacial é um dos recursos utilizados pelo indiví-
duo portador de deficiência auditiva para compreender a men-
sagem oral. Entende-se por leitura orofacial a habilidade de
interpretar o conjunto de movimentos articulatórios de lábios,
mandíbula e musculatura facial, assim como expressões fa-
ciais, realizadas pelas pessoas durante a conversação. Esta
habilidade é verificada tanto em pessoas ouvintes como em
portadores de deficiência auditiva, porém, estudos revelam
baixos índices de leitura orofacial realizada pelas pessoas
ouvintes, em relação aos índices encontrados nos estudos com
deficientes auditivos.
No caso de deficientes auditivos, quando a leitura orofacial é
utilizada juntamente com o uso de aparelho de amplificação
sonora individual, torna-se uma estratégia ainda mais eficaz para
a compreensão da fala do interlocutor (BOÉCHAT, 1992). Dissociar
as pistas auditivas e visuais no processo de comunicação significa
dificultar a compreensão da mensagem oral pelo indivíduo defi-
ciente auditivo. SANDERS (1982), propõe que os programas de
reabilitação integrados (auditivo e visual) são indispensáveis para
o sucesso do deficiente auditivo no processo de comunicação.
Vários métodos foram desenvolvidos por diversos estudiosos
para que a leitura orofacial seja utilizada na reabilitação do
deficiente auditivo. Atualmente, as pesquisas têm se aprofundado
na utilização deste recurso no que se refere ao acompanhamento
fluente do discurso oral.
DE FILLIPPO & SCOTT (1978) desenvolveram um trabalho sobre
rastreamento de fala que segue este tipo de proposta. Segundo os
autores, o rastreamento de fala é realizado através da leitura de
um texto previamente estabelecido, em duas condições diferen-
tes: 1ª) com pista visual (ou seja, com a face do examinador
descoberta à distância de 1,50 m); 2ª) sem pista visual (na qual a
face do examinador deve estar coberta à distância de 1,50 m). O
score obtido para cada condição é o número de palavras do texto
lido que foram compreendidas pelo indivíduo dividido pelo tempo
da apresentação em minutos:
408 Fonoaudiologia Prática

número de palavras compreendidas


Score = 
tempo de apresentação

No CPA é seguido o procedimento desenvolvido por estes


dois autores, sendo utilizadas leituras extraídas de um único
livro (de linguagem acessível e de acordo com a faixa etária
considerada) com as linhas devidamente numeradas de acor-
do com o número de palavras que cada uma contém. Para cada
condição o tempo de apresentação é de 10min. O avaliador faz
a leitura frase por frase e solicita ao indivíduo que as repita. A
leitura pode ser interrompida para que o avaliador possa
oferecer alguns apoios ou pistas à pessoa, para facilitar a
compreensão. Entre estes apoios podemos citar: 1. dar uma
pista sobre o assunto em uma ou duas palavras; 2. mostrar a
primeira letra ou som da palavra; 3. oferecer um sinônimo para
a palavra; 4. pronunciar a palavra de maneira mais articulada
e pausada; 5. demonstrar o número de sílabas da palavra,
entre outras. Se após o fornecimento destas pistas a pessoa
ainda não compreendeu o que foi dito a(s) palavra(s) é (são)
apresentada(s) através de apoio da escrita. Ressalta-se que o
apoio da escrita é o último recurso a ser utilizado.
Ao final da apresentação da leitura, faz-se uma contagem de
quantas palavras o indivíduo conseguiu compreender. Este
valor é dividido então por 10 (que se refere ao tempo de duração
da apresentação – 10min) sendo obtido o score. Como a dura-
ção da apresentação é sempre a mesma, podemos concluir que
os valores de scores obtidos na apresentação com o ofereci-
mento da pista visual: 1. são indicativos do número de palavras
que foram compreendidas pelos indivíduos, refletindo suas
habilidades em realizar a leitura orofacial; 2. a observação de
scores mais altos ou mais baixos é indicativa, respectivamente,
de que não houve grande necessidade de interrupções na leitura
para o oferecimento das pistas ou de que o indivíduo precisou de
várias interrupções na leitura para o fornecimento das pistas.
Para pessoas deficientes auditivas que conseguem ter a
percepção de fala em situação de conjunto aberto, essa atividade
pode ser utilizada sem apoio visual (BEVILACQUA & PICCINO, 1996).
No mesmo estudo as autoras encontraram que os scores obtidos
por 10 pessoas ouvintes no acompanhamento do discurso na
língua portuguesa falada no Brasil variam de 52,2 a 86,3. Esse
indicador pode ser usado para avaliação da capacidade de leitura
orofacial de adultos brasileiros portadores de deficiência auditiva
e para orientar os programas de reabilitação.
O rastreamento de fala é uma estratégia que pode ser usada em
protocolos de avaliação da comunicação oral como também em
planejamentos terapêuticos, como uma atividade dinâmica e inte-
ressante. Geralmente, o paciente se sente motivado a acompanhar
o seu desenvolvimento na habilidade de leitura orofacial, sendo que
isto dar-se-á de maneira gradativa, de sessão em sessão.
Reabilitação e Implante Coclear 409

Não pode deixar de ser mencionado que as estratégias de


comunicação também são explicitadas logo no início do processo
de reabilitação. O paciente é orientado a dirigir-se verbalmente a
outras pessoas e pedir que sigam algumas regras quando falarem
com ele, tais como:
• falar sobre o aqui e o agora (sobre o que estão fazendo e
sobre os objetos que acompanham sua atividade);
• usar sentenças pequenas e simples;
• acrescentar vocabulário de maior dificuldade gradativa-
mente;
• repetir as palavras-chave;
• usar sinônimos quando as palavras-chave não forem com-
preendidas;
• mencionar o assunto que será tratado antes do desenvolvi-
mento da conversa;
• falar mais lentamente;
• ficar sempre em condições de iluminação favorável ao rosto
do interlocutor.

Crianças
Até o momento, 29 crianças foram implantadas, sendo 7 pós-
linguais e 22 pré-linguais.
As crianças pós-linguais se comportam de maneira semelhan-
te à dos adultos. O que difere e que solicita uma maior atenção é
o fato de ainda estarem em desenvolvimento e não terem,
portanto, uma competência própria e responsabilidade para faze-
rem a monitoração da audição e da linguagem oral. Assim sendo,
é importante um cuidado especial, por parte de pais e terapeutas,
em manterem o sistema de implante coclear sempre em boas
condições de funcionamento e prosseguirem o processo terapêu-
tico até o momento em que a própria criança e a família tenham
condições de automonitoramento.
A tônica do processo de reabilitação e habilitação com crian-
ças implantadas (pós ou pré-linguais) é o trabalho efetivo junto à
família. Observa-se que, quando a família é mais disponível e
aberta às características da criança, abraçando o processo tera-
pêutico, esse processo apresenta resultados mais rápidos e de
melhor qualidade.
Se considerarmos que, na maior parte do tempo, a vida da
criança está diretamente ligada à sua família, é fundamental
que os pais percebam o quanto atuam como modelo de comu-
nicação para a criança. Cabe ao terapeuta conscientizá-los e
conduzi-los para que as atitudes de comunicação utilizadas
junto à criança realmente se convertam para um modelo efeti-
vo. São os pais as pessoas mais próximas à criança e, portanto,
capazes de modificar o seu comportamento. Para tanto, neces-
sitam estar aptos a escolher atividades, estratégias e compor-
tamento que possam favorecer a qualidade da interação com a
criança (nos aspectos verbal ou não-verbal), possibilitando
410 Fonoaudiologia Prática

maior aproveitamento de suas habilidades auditivas e de lin-


guagem.
COLE (1992) afirma que os pais devem estar cientes que
somente o uso do implante coclear pela criança, sem a modifica-
ção das estratégias de comunicação utilizadas pela família, não
resultará na aquisição de linguagem. A autora propõe um modelo
de automonitoração durante a interação verbal que oferece aos
pais um guia de como identificar os aspectos mais importantes na
interação e o quê modificar, quando necessário. Elegemos este
modelo por atender as necessidades de orientação e aconselha-
mento aos pais das crianças implantadas.
No modelo de automonitoração descrito pela autora, a análise
da interação entre pais e crianças deve ser realizada em video tape,
através da observação e registro do comportamento dos pais,
utilizando para o registro uma escala gradual com valores de 1 a 7,
onde 1 representa um comportamento raramente observado e 7
representa um comportamento freqüentemente observado.
Os aspectos considerados importantes neste modelo são
divididos em dois segmentos:
1. Sensibilidade à criança – Investiga o quanto e como os
pais são capazes de perceberem e se ajustarem às necessidades
sociais, emocionais, cognitivas e lingüísticas da criança. Envolve
a afetividade, a maneira positiva de atender às solicitações da
criança, a paciência e atenção dispensadas a ela durante as
atividades, a estimulação apropriada de acordo com sua idade e
desenvolvimento.
2. Atitude de comunicação – Analisa o comportamento dos
pais diante das manifestações de comunicação da criança (ver-
bais ou não-verbais), envolve:
• a habilidade dos pais em reconhecer e responder às atitudes
de comunicação da criança; a imitação que os pais realizam
das produções verbais da criança; a capacidade de propor-
cionar palavras e frases contextualizadas à criança no
momento em que desejam, porém, não sabem expressá-
las; a capacidade de ampliar o vocabulário da criança nos
aspectos semântico e gramatical;
• a habilidade dos pais em compartilhar a atenção com a
criança nas atividades e brincadeiras; como os pais encora-
jam e incentivam a criança na interação, possibilitando a
troca de turnos; o quê os pais usam para atrair a atenção da
mesma (voz, gestos, movimentos corporais, etc.)
• a habilidade dos pais em selecionar lingüisticamente o quê
deve ser usado com a criança, por exemplo, a complexidade
das sentenças, a maneira como falam (se usam pausas,
intensidade e timbre adequados, entonação rica, articula-
ção exagerada, entre outros);
• e ainda, a habilidade dos pais em escolher as atividades que
proporcionam o uso máximo da audição residual da criança
e uso adequado dos gestos durante as atividades.
Reabilitação e Implante Coclear 411

No entanto, observa-se também que, além do desempenho da


família, uma série de outros fatores interfere no desenvolvimento
das habilidades auditivas da criança deficiente auditiva neuros-
sensorial profunda usuária de implante coclear. Dentre esses
fatores, destacam-se:
• características individuais da própria criança, tais como,
estratégias cognitivas utilizadas em uma situação-proble-
ma. Também aspectos psíquicos, como a capacidade de
memória e atenção e o desenvolvimento emocional, mos-
trando-se como significativos;
• características familiares, como a disponibilidade dos pais
em atuarem como co-terapeutas e a participação dos irmãos
no processo educacional;
• ambiente adequado, no que se refere à interferência do
ruído nas situações de vida diária, tanto em casa quanto na
escola. Em casa, um ambiente físico adequado possibilita
aos pais ajudarem no desenvolvimento das habilidades
auditivas;
• competência técnica e sensibilidade do terapeuta e/ou do
educador de deficientes auditivos. É fundamental que este
profissional seja sensível para perceber todas as nuances
existentes neste trabalho. Conseguir perceber o mundo atra-
vés dos olhos da criança é um desafio constante. Conseguir se
conter e não transferir os próprios valores para os pais dos
pacientes (que, muitas vezes, têm uma outra maneira de
compreender o mundo) exige sensibilidade e competência
técnica.

Mais algumas observações devem ser feitas a propósito do


processo terapêutico com a criança deficiente auditiva.
Uma primeira observação refere-se ao trabalho de associação
entre habilidades auditivas e apoio visual. A esse respeito um
conceito a ser mencionado é o da bimodalidade.
Pesquisas atuais indicam que um ouvinte, quando forçado a
usar sua capacidade de leitura orofacial, consegue reconhecer
até 30% de palavras em sentenças. Quando é introduzida um
pouco de informação auditiva, essa capacidade já é aumentada
para 70 a 80% de reconhecimento (BOOTHROYD, 1996). Isto vem
reforçar a importância de se trabalharem as habilidades auditi-
vas associadas ao apoio visual. Compreende-se, por meio
deste conceito, que a audição deve ser trabalhada isoladamen-
te para facilitar as habilidades de detecção, discriminação e
identificação, mas que, quando o objetivo terapêutico é traba-
lhar o reconhecimento e a compreensão da fala e linguagem, a
abordagem bimodal é mais efetiva. Atualmente, quando são
discutidas as habilidades auditivas, essas habilidades dizem
respeito exclusivamente aos sons da fala. Sons ambientais,
instrumentais e aqueles gerados por equipamentos para “treina-
mento auditivo” deixaram de ser importantes, devido ao avanço
412 Fonoaudiologia Prática

da tecnologia digital. O IC permite a detecção dos sons em uma


intensidade de aproximadamente 30 dB NA, e está programado
para detectar os sons da fala, principalmente os fonemas de
espectro agudo. Assim sendo, é desnecessário o desenvolvi-
mento das habilidades auditivas para os sons ambientais. O
reconhecimento dos sons ambientais se dá de maneira espon-
tânea, sem que seja necessária uma intervenção específica
para isso.
Recomenda-se que a habilitação e a reabilitação auditiva
sejam realizadas de maneira intensiva e sistemática, envolvendo
a criança, a família e a escola.
Ao se dar início ao processo terapêutico da criança implanta-
da, o profissional deve estabelecer claramente quais são os
objetivos a serem alcançados, organizando suas próprias ativida-
des voltadas à audição e linguagem oral, assim como as ativida-
des a serem desenvolvidas pelos pais ou pelas pessoas que
interagem com a criança em casa. Alguns recursos educacionais
podem ser utilizados para auxiliar o desempenho da criança e dos
pais nas estratégias escolhidas, como álbum de linguagem, para
registrar, em desenhos ou fotos, objetos ou eventos significativos
na vida da criança; diário, onde os pais registram as conquistas
realizadas pela criança, entre outros.
Sistematizar desde os mais simples procedimentos de reabi-
litação, como os citados anteriormente, até os que envolvem
técnica e conhecimento aprofundado da área de audiologia edu-
cacional, auxilia na avaliação da evolução da criança. O registro
sistemático das atividades realizadas, tanto pela família como
pelo profissional, possibilita a visualização do desenvolvimento
das habilidades auditivas e de linguagem da criança, e favorece
melhor o planejamento para atender às necessidades individuais
da criança implantada. A interrupção do processo terapêutico, ou
ainda, programas de habilitação e reabilitação que não atendem
os princípios básicos da abordagem oral-aural, utilizada com
crianças implantadas, podem ocasionar involução da criança,
mesmo sendo ela usuária de um recurso tecnológico altamente
poderoso, como é o implante coclear.
Uma outra observação diz respeito ao desenvolvimento da
fala e da linguagem. Verifica-se, por um lado, que os resultados da
percepção da fala já ocorrem no primeiro ano após a cirurgia.
Verifica-se, porém, por outro lado, que o desenvolvimento da
linguagem oral é mais lento. Assim sendo, no primeiro ano
ocorrem especialmente as emissões dos primeiros vocábulos.
Apenas no segundo ano após a cirurgia é que vão surgir as
primeiras frases e a linguagem espontânea.
Finalmente, uma terceira observação diz respeito às diferen-
ças de resultados entre IC e AASI. As crianças usuárias de IC se
desenvolvem mais rapidamente do que as usuárias de AASI.
Apresentam um maior domínio da leitura orofacial, e o processo
terapêutico com elas é mais dinâmico.
Reabilitação e Implante Coclear 413

RESULTADOS OBTIDOS ATÉ O MOMENTO –


CONSIDERAÇÕES
A grande maioria das pessoas que receberam o implante
coclear multicanal apresentam resultados satisfatórios e animado-
res apesar de variarem muito, provavelmente devido a uma série de
fatores: características inerentes à própria deficiência auditiva,
características individuais da própria pessoa, condições favoráveis
ao ato cirúrgico (ausência de ossificação), entre outros fatores.
Em média, os usuários de IC conseguem ter algum nível de
compreensão da linguagem oral sem o apoio da leitura orofacial
(BALKANY e cols., 1996).
Analisando os melhores 16 pacientes adultos do CPA que
apresentam inserção total de eletrodos, após 1 ano de uso do IC,
podemos constatar que os scores obtidos (em média e máximo,
respectivamente), foram:
• rastreamento de fala: 35 e 59 (em palavras por minuto);
• índice de reconhecimento de fala para palavras monossíla-
bas: 36 e 64%;
• índice de reconhecimento de fala para palavras dissílabas:
50 e 88%;
• sentenças: 87 e 100%.
Salienta-se que os scores para o reconhecimento de palavras
monossílabas, dissílabas e sentenças nas avaliações pré-cirúrgi-
cas foram de 0 a 12% para todos os 16 pacientes.
A experiência tem demonstrado que, independentemente do
desempenho das habilidades auditivas, todos os pacientes usam
o implante coclear durante todo o dia e estão satisfeitos com ele.
A seguir, serão apresentados trechos de depoimentos mais
freqüentes desses adultos quando indagados sobre o significado
do IC para eles, ou seja, quando indagados sobre como se sentem
após a cirurgia e o uso desse sistema:

“Não me sinto inferior aos outros.”


“Não dependo tanto das outras pessoas.”
“Não sinto medo de falar com as outras pessoas.”
“Não sinto medo para enfrentar as coisas do dia a
dia.”
“Tenho auto confiança.”
“Voltei para a vida.”
“Somos pessoas que têm alguma audição.”
“Vivemos como todo mundo e não ficamos limita-
dos à vida familiar.”
“Comunicar-se com as outras pessoas é compar-
tilhar a vida.”
“Voltamos a brincar e a rir novamente.”
“Sentimos vontade de fazer compras novamente.”
“Sentimos vontade de fazer coisas que fazíamos
antigamente e havíamos parado.”
414 Fonoaudiologia Prática

“Recuperamos a energia e a vitalidade.”


“É difícil imaginar que uma prótese tão pequena
pode fazer uma diferença tão grande na vida.”

Outro aspecto constatado é que os pacientes que mantêm


reabilitação e terapia mantêm melhor desempenho auditivo e de
comunicação. Apesar de previsível esse achado, o que se obser-
va é que, após alguns anos de uso do sistema de implante coclear,
os scores de percepção da fala podem diminuir, caso o paciente
não tenha realizado uma terapia fonoaudiológica efetiva.
A adaptação psicossocial desses pacientes também tem sido
gratificante de acompanhar. Dos 31 pacientes adultos implanta-
dos até o momento, 16 trabalham e conseguem se manter
financeiramente. Os demais pacientes não realizam atividades de
trabalho externo. Todos relatam que a surdez deixou de ser um
impedimento para enfrentarem as dificuldades da vida.

Leitura recomendada
BALKANY, T.; HODGERS, A.V.; LUNTZ, M. – Update on cochlear
implantation. Otolaryngologic Clinics of North America , 29(2):277-
289, 1996.
BEVILACQUA, M.C. & PICCINO, M.T.R.F. – Leitura Orofacial em
Crianças Deficientes Auditivas: Um Protocolo de Avaliação. (no
prelo – 1996)
BOÉCHAT, E.M. – Ouvir Sobre o Prisma da Estratégia . Dissertação
[Mestrado em Distúrbios da Comunicação] – Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 1992.
BOOTHROYD, A.A. – Childhood deafness: the complexities of
management. In: LALWANI, A.K. & GRUNDFAST, K.M.M. Pediatric
Otology and Neurology. Philadelphia, P.A, J.B. Lippincott Company.
(no prelo – 1996)
COLE, E.B. – Listening and Talking: a Guide to Promoting Spoken
Language in Young Hearing Impaired Children . Washington,
Alexander Graham Bell, 1992.
COOPER, H. – Practical Aspects of Audiology. Cochlear Implants. A
Practical Guide. London. 1991.
COSTA FILHO, O.A; BEVILACQUA, M.C.; MORETI, A.L.M. – Critérios
de seleção de crianças candidatas ao implante coclear do Hospital
de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais – USP. RBO
62(4):306-313, 1996.
De FILLIPPO, C.L & SCOTT, B.L. – A method for training and evaluating
the reception of ongoing speech. J. Acoust. Soc. Am., 63(4):1186-
1192, 1978.
MED-EL – Medical electronics. User’s Guide for the TFS-SYSTEM.
System for Test, Fitting and Speech – Output. 5ª ed.
NORTHERN, J.L. – Selection of children for cochlear implantation. In:
MECKLENBURG, D.J. Seminars in hearing, 7(4):341-347, 1986.
SANDERS, D.A. – Aural Reabilitation. Englewod Cliff, Prentice Hall,
1982.
Família e Fonoaudiologia: o Aprendizado da Escuta 415

19
Família e Fonoaudiologia:
o Aprendizado da Escuta

Dora Corrêa P. M. Holzheim


Cilmara Cristina A. da Costa Levy
Silvana P. Ramos Patitucci
Sandra Barretto Giorgi

A terapia fonoaudiológica centrada na família propõe uma


parceria ao longo de todo o processo de intervenção.
A participação familiar tem sido valorizada por autores como
SANDERS (1980), BOOTHOYD (1982), L UTERMAN (1984), ATKINS
(1992), BUSCAGLIA (1993) e CLARK (1994) que enfatizam a impor-
tância deste envolvimento como elemento fundamental no traba-
lho de habilitação e reabilitação da criança surda.
Partindo de uma reflexão sobre a inserção e influência que os
familiares têm na criança e o papel desta dentro do sistema
familiar, as autoras elaboraram um texto que procura rever e
ampliar a atuação do profissional junto a esta dinâmica, aceitando
o desafio de buscar um trabalho recíproco fundamentado em uma
atitude de escuta.

ORIGEM DA FAMÍLIA
Um breve histórico da origem da família ocidental mostrará a
passagem do anonimato materno à harmonia de um estilo familiar
moderno. Nos primeiros anos o importante para as crianças é a
confiança no amor dos pais, conquistada devido à necessidade de
maior privacidade entre os membros desta família. A importância do
amor entendido como sentimento afetivo foi valorizada há alguns
séculos, quando as relações interpessoais representavam papéis e
funções nos diferentes grupos.
416 Fonoaudiologia Prática

A história da formação da família vem se modificando há muito


tempo para melhor atender às necessidades vinculadas ao com-
promisso matrimonial.
A antiga família era uma sociedade doméstica, ligada à
produção e transmissão de bens (FRAISSE, 1991). As relações
afetivas dos cônjuges eram arranjadas por conveniência ou
por compromissos assegurados pelos membros destas famí-
lias.
As famílias monogâmicas tinham como finalidade expressa
procriar filhos que, na qualidade de herdeiros diretos, estariam um
dia na posse dos bens do pai. Nesta fase só os homens podiam
romper com as mulheres (ENGELS, 1989).
Nos quatro cantos do mundo, estas relações foram se modi-
ficando à medida dos acontecimentos históricos, o que mostra
com toda evidência que as relações entre os sexos são reflexo da
sociedade (GODINEAU, 1991).
Alguns fatores como: espaço físico, necessidades político-
revolucionárias e o próprio papel da mulher na sociedade, foram
criando novos rumos e conceitos deste compromisso matrimonial.
No final do século XVIII, colocam-se em questão os direitos
dos homens e das mulheres (o casamento). Criam-se questio-
namentos que irão com o tempo resgatar a independência pes-
soal e familiar.
Caminhando pelo tempo, o século XIX será marcado pela
priorização do amor, da sedução e da castidade, da metafísica, da
sexualidade e da dualidade dos sexos (FRAISSE, 1991).
A psicanálise opera uma ruptura considerável com relação ao
amor uma vez que o sexo e a sexualidade são colocados no centro
de um sistema de pensamentos. Por volta do século XX, a
afirmação do indivíduo articula-se com uma nova reflexão sobre
família, que oferece a um dos sexos maior liberdade.
Os filhos representariam, até então, apenas uma continuida-
de para a proteção dos bens. Com estas mudanças no compor-
tamento individual, os filhos passam a ter um lugar não só nos
conjuntos familiares mas, principalmente, no coração das pes-
soas com quem se relacionam. Para isto foi importante a
valorização como ser humano, como conhecedor de seu próprio
eu. A auto-estima começa com amor-próprio e respeito, com
aceitação e cuidados consigo mesmo (HART, 1992).
Assim, a família se distingue de todos os outros grupos, pelo
fato de introduzir a criança no jogo de relações do triângulo (pai,
mãe e filhos) que ela passa a integrar. A estrutura destas
relações no seio familiar ficará impressa na estrutura da perso-
nalidade em formação, pelo processo chamado Interiorização
(LOPES, 1985).
A introdução da criança no seio familiar se dá por volta do
século XVII; nesta época, o bebê passa a ser acompanhado
mais de perto pelas mães assim que nascem. Outrora havia um
controle das amas grávidas, pois estas amamentavam e educa-
Família e Fonoaudiologia: o Aprendizado da Escuta 417

vam as crianças. A infância, tão mal conhecida e subdividida,


era compartilhada com outras crianças e amas. A partir de
então, as mães, nobres ou plebéias, camponesas ou revolucio-
nárias, passam a privilegiar alguns momentos importantes do
crescimento das crianças, interferindo na formação de suas
personalidades.
A primeira guerra mundial eliminou alguns sinais de falta de
sensibilidade e negligência na infância; como, por exemplo, nos
trajes pois, até então, as crianças eram crianças e não meninos e
meninas e seus trajes acompanhavam este raciocínio (ambos os
sexos vestiam vestidos).
A educação passa a ter real importância, os pais se interes-
sam pelos estudos dos filhos e os acompanham. Para isto, a
família começa a se organizar em torno da criança e a lhe dar
importância: ela sai do anonimato e torna-se impossível perdê-la
ou substituí-la sem um sentimento enorme de dor. Faz-se neces-
sário limitar o número de crianças para melhor criá-las (AIRÉS,
1981).
No século XX, as famílias valorizam o indivíduo, sendo que a
relação do casal passa a ter importância no casamento, tanto a
nível amoroso quanto sexual.
A família moderna, embora com outros afazeres que não só os
da vida doméstica, prioriza o contato entre os seus membros. Mas
a difícil divisão de tempo entre o lar (manutenção da casa como
lavar, passar, fazer compras), família (papel de mãe, esposa e
mulher), profissão (realização profissional) e sobrevivência (ne-
cessidade do emprego) herda na nossa história a necessidade
materna, com cobranças e exigências sobre as crianças. Nelas
serão depositadas todas as aspirações pessoais e estas influên-
cias irão moldá-las, o que dependerá também de seus credos
(herança de sangue x moral).
Quando se percebe que crianças são diferentes entre si e se
constituem não só a partir de ensinamentos paternos mas têm
características próprias e geram influências no meio familiar, os
pais estarão abertos para conhecê-las realmente.
Conhecer este filho vai depender inclusive da disponibilidade
emocional. Por exemplo, imaginar ter um filho loiro de olhos azuis,
que será médico ou cantor e não ter este filho; quem vier terá que
ser conhecido. Será difícil lidar com o não esperado. Ter um filho
mesmo que planejado significa mudança e acomodação do am-
biente familiar. Este filho diferente do idealizado implicará em
conflitos pessoais e interpessoais.
Esta revisão mostra que, com a evolução no tempo, as
mudanças individuais das características da personalidade e a
maturidade nos relacionamentos fortalecem a constituição da
família. Sua formação ocorre cada vez mais solidamente, atri-
buindo a cada membro da família um papel importante e
insubstituível. Assim, o papel da criança, também é represen-
tativo no seio familiar.
418 Fonoaudiologia Prática

Sistema familiar e suas implicações na


terapêutica fonoaudiológica
A família é um sistema primário que gera alimento para o
desenvolvimento de todos os seus membros. Constitui-se como o
centro da vida da criança e, por isso, assume uma posição crítica
para o seu desenvolvimento.
A estrutura deste sistema está sujeita a várias situações de
desequilíbrio, pois cada elemento deste conjunto contribui com
atitudes de conotação tanto pessoal quanto grupal, que afetam a
sua dinâmica (TROUT & FOLEY, 1989).
Durante a década de 80, grande parte dos profissionais
começaram a compreender que as mudanças ocorridas em
qualquer parte do sistema familiar afetam o sistema como um
todo. Os ajustes impostos por fatores externos também alte-
ram a dinâmica familiar. Ignorar este ecossistema com o
objetivo de se focar em uma de suas partes, é algo arriscado
e comprometedor. Seria tolo presumir a possibilidade de se
retirar um elemento diferenciado de seu meio, submetendo-o a
avaliações e intervenções para posteriormente devolvê-lo a
seu ambiente.
A participação de pais em programas educacionais recebeu
maior atenção a partir da década de 60. Educadores, clínicos e
estudiosos concordam que o envolvimento familiar é fundamental
para o desenvolvimento da criança (NOVAES, 1986).
Todo acontecimento (morte, nascimento, casamento, separa-
ção, doença) vai ocasionar uma modificação nas relações inter-
familiares, especificamente no que se refere ao indivíduo surdo,
que é visto como um elemento desestruturador dos sonhos,
anseios e ideais de sua família. Este surge como alguém diferente,
que vai demandar uma mudança estrutural e qualitativa nos
relacionamentos familiares.
É necessário compreender que não é possível conhecer
uma criança se, de fato, a sua família não for conhecida. A
esfera do desenvolvimento individual está ligada a uma matriz
familiar; de tal forma que, cada aquisição ou perda individual
afeta a família cujas reações (pesar, tristeza, raiva, culpa,
angústia), por sua vez, afetam o indivíduo em um contínuo
círculo de interações repetitivas.
No campo educacional, durante muitos anos, os profissionais
da área deram maior ênfase ao trabalho com a criança surda. O
modelo educacional que dominou os programas de reabilitação
era centrado na criança tratada, até então, como uma entidade
separada e distinta, dando ênfase parcial à participação familiar.
O envolvimento familiar estava restrito a orientações de clínicos,
professores e participação eventual em reuniões de pais (DOWNS
& NORTHERN, 1989).
THOMPSON (1991) publicou um artigo no AMERICAN ANNALS OF
THE D EAF, sobre um estudo realizado na Universidade da Carolina
Família e Fonoaudiologia: o Aprendizado da Escuta 419

do Norte, com o objetivo de conhecer a conduta dos profissionais


que atuam com crianças surdas em idade pré-escolar. Os resul-
tados desta pesquisa vão de encontro a todos os dados apresen-
tados na literatura, apontando a importância de se observar a
criança em seu contexto, envolvendo os pais nas tomadas de
decisão; expandindo, portanto, a proposta de suporte familiar na
terapêutica da criança surda.
O trabalho de intervenção deveria se esforçar no sentido de criar
uma parceria de suporte para o aprendizado, crescimento e adap-
tação na qual a família inteira fosse encorajada a participar. Isto
significa que as famílias têm direito de formular os conteúdos e os
objetivos da intervenção, assim como de participar na determinação
do tipo, nível e cronograma de serviço que irá receber. Este trabalho
deve ser ampliado de modo a incluir a vida interior das famílias, o
conteúdo latente, assim como os conflitos manifestos que surgem
quando se tem sob seu cuidado uma criança surda e ainda o status
de relacionamento entre todos os membros familiares (FRAIBERG,
1980; FOLEY, 1986).
Uma abordagem centrada na família requer que os profissio-
nais aceitem qualquer palavra de seus integrantes, que procurem
prestar atenção a todos os membros familiares e que os ajudem
a expressar suas dúvidas e sentimentos. Além disto, requer serem
responsivos às preocupações, prioridades e necessidades fami-
liares, até mesmo quando estas não forem compatíveis com suas
crenças.
À medida que os profissionais forem capazes de adotar
uma abordagem de suporte, as diferentes famílias deverão
assumir papéis substancialmente mais ativos e influentes nes-
te processo.
A família tem direito de obter outras opiniões sobre o diagnós-
tico da deficiência auditiva e de poder investigar outras alternati-
vas de tratamento aos pais. Deveria ser permitido e incentivado
atender às necessidades de outros membros familiares ou procu-
rar corresponder à demanda da unidade familiar como um todo,
sem serem culpados ou punidos pelos profissionais (MOROZ,
1989).
É fundamental compreender que as etapas essenciais para
o desenvolvimento emocional (os processos de Vinculação,
Separação, Individuação) podem variar no grau de desenvolvi-
mento dependendo do valor, ênfase e estilo familiar (KORCHIN,
1976). Este trabalho tem como objetivo principal buscar facilitar
a aquisição e domínio das etapas essenciais do desenvolvimen-
to emocional, preservando as diversidades cultural e familiar
existentes.

Identificando estilos sociais


A identificação possibilita que o terapeuta modifique suas
respostas a fim de deixá-las em maior sintonia com as do paciente
420 Fonoaudiologia Prática

reforçando, assim, a harmonia da relação. É importante também


ficar ciente de que muitas vezes a forma como ele (paciente) trata
o profissional é mais em função de seu estilo social do que
propriamente uma reação ao terapeuta como era imaginado
antigamente. Além disso, o terapeuta pode tornar-se mais eficien-
te nos relacionamentos junto a seus pacientes e familiares se
tentar aumentar suas próprias forças, ao mesmo tempo em que
reconhece e minimiza suas fraquezas.
É válido realizar alguns exercícios práticos da rotina terapêu-
tica, como por exemplo: um sujeito analítico fatalmente irá se
identificar com uma linha de ação específica e apreciará os
detalhes; ao passo que um sujeito expressivo poderá ser melhor
ajudado se com o tempo houver a possibilidade de um relaciona-
mento mais pessoal.
CLARK (1994) divide as personalidades dos indivíduos em
quatro estilos básicos: o Direcionador; o Expressivo; o Amigável;
e o Analítico. Vale ressaltar, porém, que todos os indivíduos
carregam componentes de personalidade com mais de um destes
estilos, sendo que um deles sempre predomina.

Estilos
Direcionador – Indivíduo que faz o seu caminho através de
seus dogmas; parece saber o que quer da vida. Caracteriza-se por
expor e controlar seus sentimentos.
Suas forças: determinado; meticuloso; decidido e eficiente.
Suas fraquezas: controlador; teimoso; dominador e impessoal.
Expressivo – Indivíduo que enfatiza mais os relacionamentos
do que as tarefas; geralmente confia mais em suas intuições do
que em informações objetivas. Comportamento caracterizado por
exposição e emoção.
Suas forças: entusiástico; pessoal; dramático e ativo.
Suas fraquezas: opinante; excitado; atacante e promocional.
Amigável – À semelhança dos sujeitos expressivos, expõem
abertamente seus sentimentos, porém com menos agressão e
mais segurança. Parece interessado em estabelecer relaciona-
mentos e seu comportamento pode ser caracterizado de três
formas: cordato, emotivo e questionador.
Suas forças: cooperativo; confiável e pessoal.
Suas fraquezas: tímido; evasivo; emocional e conformado.
Analítico – Aquele que pergunta e controla; hábil em controlar
suas emoções e reunir informações para que possa examinar um
assunto sob todos os aspectos.
Suas forças: trabalhador; persistente; preciso e sistemático.
Suas fraquezas: reservado; esquivo; exigente e impessoal.

Importância da escuta familiar


É do conhecimento de todos que a deficiência auditiva acar-
reta na criança não apenas alterações no desenvolvimento de
Família e Fonoaudiologia: o Aprendizado da Escuta 421

linguagem, como também nos aspectos cognitivo, social, emo-


cional e educacional. Portanto, quanto mais cedo o diagnóstico for
realizado e o processo de intervenção precoce iniciado, melhores
serão as possibilidades desta criança desenvolver suas potencia-
lidades. É na primeira infância que ocorrem os maiores progres-
sos nos campos lingüístico, auditivo e intelectual. Quanto mais
precoce for o diagnóstico, melhores serão as oportunidades de
preservação do seu desenvolvimento sincrônico, aproveitando o
período crítico de aprendizagem e minimizando os efeitos secun-
dários decorrentes de uma perda auditiva.
O atraso no diagnóstico resulta em frustração, estresse e
sentimento de impotência no seio familiar, além de privar a criança
de receber os benefícios da estimulação auditiva, fala e linguagem
e do uso precoce do aparelho auditivo.
Seria de fundamental importância que os profissionais da área
médica escutassem as preocupações parentais referentes a seus
filhos e procurassem assisti-los com atenção durante todo o
processo de identificação e intervenção precoce. “ Os pais são os
que têm melhores condições de julgar o que está acontecendo
com seus filhos e, por isso, não deveriam ser desencorajados de
seguir seus sentimentos (intuição) e de buscar respostas comple-
tas e satisfatórias às suas dúvidas” (THOMPSON, 1991).
Os profissionais da área médica reconhecem a importância da
detecção e assistência precoce dos problemas auditivos, mas
infelizmente ainda hoje há um grande atraso na identificação de
muitas crianças surdas. Este atraso ocorre apesar da disponibili-
dade de procedimentos para avaliação auditiva em bebês.
O avanço nos estudos demonstram que, até mesmo crianças
que nascem com alterações e que são apontadas como crianças
de risco para a deficiência auditiva, não necessariamente rece-
bem uma avaliação auditiva durante o primeiro ano de suas vidas.
Os gráficos da Figura 19.1 mostram os dados de uma pesqui-
sa realizada no Setor de Audiologia Educacional do Departamen-
to de Otorrinolaringologia da Irmandade da Santa Casa de Mise-
ricórdia de São Paulo, com 78 pacientes atendidos em 1995, em
um programa semanal com duração de um ano. Pode-se verificar
nos referidos gráficos que os pais foram os primeiros a suspeitar
da deficiência auditiva de seus filhos. Os profissionais primeira-
mente consultados foram pediatras e otorrinolaringologistas e a
conduta adotada em 80% dos casos foi realizar um encaminha-
mento para investigação e em 16% foi pedir para que os pais
aguardassem mais um tempo (Fig. 19.1).
Outro dado desta pesquisa aponta que a idade da suspeita
ocorre em torno de 12 meses; o que vai de encontro aos
achados da literatura: L UTERMAN e CHASIN – 12,3 meses; HOAS
e CROWLEY – 14 meses; SHAH, C HANDLER e DALE – 16 meses; e
BECKER – 14 meses.
Segundo um outro estudo realizado na Universidade de Wa-
shington (THOMPSON, 1991), os pais também são os primeiros a
422

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profissional.
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Fonoaudiologia Prática

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FIGURA 19.1 – A) Suspeita da deficiência auditiva; B) profissional consultado; C) conduta do

suspeitar da deficiência auditiva de seus filhos, confirmando o que


KRANTZ em 1989 já havia apontado. A idade média da suspeita
ocorre em torno de 10,5 meses. Este valor parece indicar que os
pais estão conscientes e informados sobre como suspeitar da
deficiência auditiva de seus filhos, quando estes dados são
comparados aos da literatura. Dentre os vários motivos que levam
os pais a suspeitar da deficiência auditiva, duas razões foram as
mais evidenciadas: a falta de respostas a estímulos sonoros e um
atraso no desenvolvimento de fala e linguagem da criança. Os
profissionais primeiramente consultados foram clínicos ou pedia-
tras e audiologistas.
Família e Fonoaudiologia: o Aprendizado da Escuta 423

Este estudo demonstrou que quando os profissionais concor-


daram com os pais ouviram suas preocupações e tomaram
medidas de investigação, o intervalo de tempo entre a suspeita e
a confirmação da perda auditiva ocorreu em uma média de 3,82
meses. No entanto, quando os profissionais contatados discorda-
ram dos pais em relação à suspeita da perda auditiva, pedindo que
esperassem porque a criança era muito nova para ser avaliada ou
que a criança poderia vir a superar as dificuldades, o intervalo de
tempo entre a suspeita e o diagnóstico permaneceu em torno de
10,16 meses (THOMPSON, 1991).

“A atenção a detalhes que podem parecer sem maior importân-


cia para os médicos é incrivelmente importante aos pais. Preocupa-
ção com o bem-estar dos pais e irmãos, receptividade às questões
emergentes, compreensão frente à necessidade de outros diagnós-
ticos e educação que diga respeito à natureza do processo da
doença, tudo isto serve para mostrar aos pais que, de fato, o médico
se importa e cuida da criança. Tudo isso pode ser conhecido em um
curto período de tempo, uma vez que os médicos demonstrem uma
atitude de escuta, cuidado e disponibilidade” (ADRIENNE BUTTLER –
pediatra e mãe de uma criança surda) (THOMPSON, 1991).

Diante destes dados, é fundamental que os profissionais da


área de saúde valorizem as queixas familiares, procurem investi-
gar sempre que qualquer suspeita apareça, verifiquem critérios de
alto risco para a deficiência auditiva e que estejam atentos a
perdas auditivas menores. O profissional deve fazer um esforço
sério e consistente em relação ao que está e ao que não está
sendo dito pois, apesar de procurar dar a notícia de forma hábil e
gentil, nem sempre ela é recebida desta forma (ATKINS, 1992).

Ruptura de expectativas
VERNON (1977) afirma que a não confirmação do diagnóstico
tem duas sérias conseqüências: a) retarda a reabilitação, passan-
do do período fundamental para o desenvolvimento psicológico e
educacional da criança; b) provoca confusão, ansiedade, temor,
ira e sentimento de culpa nos pais.
O momento em que os pais recebem a confirmação do
diagnóstico é muito traumatizante. Os pais sofrem muito, mas
geralmente não têm a oportunidade de contar com alguém para
ouvir o seu sofrimento (DIB, 1989).
A confirmação do diagnóstico gera um grande impacto no
sistema familiar, causando ruptura de expectativas, alterações
no relacionamento afetivo, social e de linguagem da família com
a criança. É importante ressaltar que a maneira como o diagnós-
tico é transmitido influencia diretamente o processo de aceita-
ção da deficiência auditiva (SCHMAMAN, 1980). É preciso reco-
nhecer que este é um momento ambivalente para a família.
424 Fonoaudiologia Prática

O profissional freqüentemente não está preparado para lidar


com os sentimentos dos pais decorrentes do diagnóstico. Na
tentativa de minimizar esta dor, ele pode fazer colocações otimis-
tas sobre o valor dos aparelhos auditivos e sobre o potencial do
desenvolvimento de fala e do trabalho de reabilitação. Isto não é
bom, pois pode criar uma ilusão no sentido de não mostrar aos
pais o grande esforço que será necessário empreender, tanto por
parte deles como de seus filhos, durante o longo processo
terapêutico.
Os pais precisam ser ouvidos e compreendidos pelos profis-
sionais, e estes têm que dar informações realistas sobre a criança.
O trabalho construtivo, neste momento, pode evitar reações
inadequadas da família que, em muitos momentos, são mais
prejudiciais do que a própria deficiência auditiva (DIB, 1989).
Os profissionais precisam utilizar explicações claras sobre todos
os aspectos ligados ao tema. Devem procurar colocar-se à disposi-
ção para consultas de retorno e telefonemas, a fim de esclarecer
dúvidas que poderão surgir. Também é importante lembrar que os
pais necessitam de tempo para assimilar o que lhes foi informado.
Todos estes procedimentos descritos irão ajudar a família a
encontrar um ambiente mais acolhedor, onde possa buscar apoio
para tentar superar suas dificuldades iniciais frente ao problema.
No momento que têm consciência do diagnóstico, os pais
passam por processos emocionais caracterizados por muito sofri-
mento. A reação emocional vivenciada é similar àquelas apresen-
tadas por indivíduos que perderam um ente querido. Na realidade,
embora sua criança não tenha morrido, perderam as esperanças,
os sonhos e as aspirações que possuíam enquanto enxergavam
o filho como normal (IERVOLINO e cols., 1996).

“Foi como se tivesse levado uma facada no estômago; tudo


que existia dentro de mim ameaçava sair para fora e quanto mais
eu tentava segurar, mais eu perdia o controle. O médico olhava
para mim com uma expressão de choque em seu rosto. Eu devia
estar com um ar de que algo tivesse se quebrado dentro de mim...
na verdade, tinha mesmo” (depoimento de um pai de uma criança
surda) (THOMPSON, 1991).

Muitos autores colocam a importância dos sentimentos e das


reações dos pais no período pós-diagnóstico, enfatizando a
possibilidade de serem escutados e de poderem lidar com seus
próprios sentimentos, sendo fundamental o estabelecimento de
uma relação sadia.
STREAM & STREAM (1978), TANNER (1980), SANDERS (1980) e
LUTERMAN (1979, 1984) têm descrito alguns estágios de ajusta-
mento emocional pelos quais os pais passam em resposta à
surdez de seus filhos. Embora com diferentes denominações,
estes estágios obedecem basicamente o seguinte processo des-
crito por LUTERMAN (1979):
Família e Fonoaudiologia: o Aprendizado da Escuta 425

Choque – Considerado o estado afetivo inicial diante do


diagnóstico da surdez. É caracterizado como um estado de
amortecimento ou uma sensação de ausência de sentimentos.
Durante este período os pais ficam incapazes de entender ou
recordar informações sobre o problema. O choque pode durar de
algumas horas a muitos dias (LUTERMAN, 1979; MITCHELL, 1981).
Reconhecimento – Quando os pais realmente percebem a
severidade e permanência da situação, eles reagem com uma
variedade de sentimentos. Os mais comuns são: Culpa, Raiva e/
ou Depressão e Negação.
Dentre estes sentimentos, a culpa é considerada um dos
estágios mais desconcertantes e pode se manifestar de diversas
maneiras.
• Culpa – Os pais podem se sentir como causadores da
deficiência (é a relação mais lógica, mas a menos comum); a
deficiência é vista como uma punição por algo feito no passado
(geralmente não há conexão entre estes fatos e a deficiência); ou
simplesmente se sentem culpados devido à existência da defi-
ciência auditiva (MOSES, 1981). A culpa pode se mostrar através
de: preocupação com a descoberta da causa; tentativa de culpar
o outro genitor; superdedicação da criança ou rejeição da mesma
(STREAM & STREAM, 1978; L UTERMAN, 1979, 1984).
• Raiva – É outro sentimento comum de ocorrer, uma vez que
o acontecido parece injusto. A surdez pode representar uma
mudança enorme na vida da criança e de sua família, tornando-se
algo desorganizador, que consome tempo, dinheiro e energia.
M OSES (1981) coloca que muito desta raiva é dirigida à
criança porque ela frustra os sonhos e anseios, mas como ter
raiva não é considerado um sentimento socialmente aceitável,
esta é canalizada para Deus, para a Ciência e etc. A raiva
desviada pode ser mais aceita socialmente do que a hostilidade
dirigida à criança, mas ela priva os pais de lidar com os seus
sentimentos. Eles podem expressar a sua raiva através de
atitudes não verbais, superproteção ou ações punitivas (MINDEL
& V ERNON, 1971).
Os pais podem se tornar extremamente críticos, exigentes e
resistentes aos profissionais tendendo a discutir sobre assuntos
completamente dissociados à surdez (STREAM & STREAM, 1978;
LUTERMAN, 1979, 1984; MITCHELL, 1981). A raiva permite reavaliar
e reconstruir a concepção de justiça, possibilitando o crescimento
dos pais e tornando-os mais competentes para lidarem com
ocorrências imprevisíveis (MOSES, 1981).
Segundo SCHMAMAN (1980), a raiva surge como um dilema de
amar a criança que remete às falhas pessoais e às aspirações
desapontadas. Está relacionada com a falta de confiança na própria
capacidade de agir como pais; juntamente com a culpa, podem
emergir mecanismos de defesa que se manifestam através de
distorções do que foi dito ou de um obscurecimento da realidade,
proporcionando uma proteção frente a estes sentimentos.
426 Fonoaudiologia Prática

Quando a raiva não é expressa, ela pode manifestar-se como


Depressão (L UTERMAN, 1979; MOSES, 1981). Pais deprimidos
perdem a energia para lidar com seu dia-a-dia, sentem-se incapa-
zes de tomar decisões, apresentam dificuldades para procurar
auxílio (LUTERMAN, 1979; MINDEL & FELDMAN , 1987).
As pessoas que estão deprimidas têm a idéia de que são
impotentes e que têm pouco valor, porque não conseguem agir
sobre o acontecido que gostariam tanto de mudar. Experimentan-
do a depressão em ambiente receptivo serão capazes de reavaliar
e redefinir o que é competência, permitindo a aceitação de si
próprio (MOSES, 1981).
• Negação – É considerado um mecanismo de defesa, utiliza-
do para a manutenção do equilíbrio interno. Embora ela permita
que os pais se protejam de sentimentos dolorosos, acredita-se
que seja um processo ativo durante o qual juntem forças e se
preparem para lidar com a nova realidade: a surdez de seu filho
(M OSES, 1981).
A negação pode ser percebida quando ocorrem repetidas
solicitações para um novo diagnóstico; raiva para com o profis-
sional; pensamentos fantasiosos; desinteresse em refletir sobre o
ocorrido; falta de procura ou envolvimento para com o trabalho a
ser realizado; superdedicação aos trâmites legais e informativos
ou inclusive ao trabalho fora de casa; incapacidade em reconhe-
cer ou falar sobre os seus sentimentos (LUTERMAN, 1979; MITCHELL,
1981).
Confirmação e ação construtiva – Os sentimentos vividos
nesta fase são considerados por alguns autores como sendo as
manifestações finais do processo de luto. Os pais encontram-se
com o desejo de confrontar-se com a realidade, discutir aberta-
mente sobre a surdez, assimilar informações específicas e tomar
decisões quanto ao processo de reabilitação. Com o reconheci-
mento eles iniciam o trabalho pela busca da realidade (SCHMAMAN,
1980).
Passar por todos estes momentos leva a uma reavaliação dos
valores e reestruturação de vida, adaptando os pais à surdez e ao
novo filho.
A maioria dos autores concorda que os estágios emocionais
vividos não obedecem a uma hierarquia, podendo inclusive serem
revivenciados em momentos decisivos da vida da criança
(L UTERMAN, 1979, 1984; M OSES, 1981).
Os pais passam pelos estados afetivos de maneira e intensi-
dade diferentes, uma vez que as pessoas respondem às mudan-
ças de várias formas (KAMPFE, 1989). Enumerar os sentimentos
não é suficiente, é preciso compreender o que pode influenciar
cada família. Para que seja possível realizar esta análise mais
complexa, será utilizado o modelo de transição proposto por
KAMPFE (1989), abordando cinco variáveis que influenciam as
respostas parentais e conseqüentemente irão determinar a habi-
lidade dos pais para enfrentar as suas dificuldades.
Família e Fonoaudiologia: o Aprendizado da Escuta 427

Condições favoráveis ao estresse – São eventos que têm o


potencial de causar o estresse, que neste caso é a surdez.
Percepção do evento – A opinião com relação à surdez. Os
aspectos frente a esta percepção seriam grau de importância,
desorganização, controle e estresse.
Respostas – Referem-se aos estágios do processo de luto;
reações ao evento (surdez) que irão facilitar o ajustamento.
Efeitos (resultados) – São as conseqüências de longa dura-
ção das transições; neste caso, é o grau em que os pais atingem
a Ação Construtiva.
Variáveis condicionantes – São as variáveis individuais ou
situacionais que funcionam como moderadores potenciais da
percepção, da resposta ou do efeito de uma transição, que são:
Status social; Experiências pessoais; Recursos pessoais; Supor-
te social, familiar e clínico e Incapacidade (surdez).
A Figura 19.2 ilustra as inter-relações destas variáveis. As
linhas retas representam as relações causais hipotetizadas e
as linhas tracejadas são os mediadores possíveis (Fig. 19.2).
Com este tipo de modelo entende-se que um mesmo evento
estressante, poderá levar a um tipo diferente de percepção.
Assim ocorrerá um tipo de resposta e um efeito; sendo que
todos estes aspectos poderão ser influenciados por fatores
externos representados pela variáveis condicionantes assim
definidas:
• Status social – Idade parental, sexo, conhecimento ético,
entre outros. São tópicos que podem influenciar o grau em que a
surdez pode parecer indesejável, desorganizadora, importante,
controlável e estressante; assim como no grau de sentimentos a
serem experimentados.
Exemplo: A mãe desenvolve um sentimento construtivo de
saúde e alimenta a criança. O pai, por sua vez, é um participante

Variáveis condicionantes

Respostas

Resultado

Condições Efeito, ação


favoráveis ao Percepção da surdez construtiva
estresse

FIGURA 19.2
428 Fonoaudiologia Prática

material que acaba tendo uma resposta de caráter mais


intelectualizado.
• Experiências pessoais – O fato de ter ou não um filho ou
parente surdo e as experiências com situações incapacitantes já
vivenciadas irão influenciar a percepção da surdez e amenizar ou
não as respostas parentais.
Exemplos: Os pais surdos ou que tenham outros membros
familiares surdos ajustam-se à incapacidade auditiva da criança
com mais facilidade. Já os pais ouvintes ou aqueles que nunca
foram expostos à surdez podem ter menos informações e menos
expectativas realísticas. Eles estão mais propensos a experimen-
tar de forma mais intensa os estados afetivos e também a
revivenciá-los quando se encontram diante de limitações inespe-
radas (LUTERMAN, 1979; M ITCHELL, 1981).
• Recursos pessoais – Personalidade e capacidade pessoal
de lidar com problemas, bem como o valor dado à educação e às
condições financeiras são fatores que influenciam a percepção da
surdez e as respostas afetivas.
Exemplos: Pais que acham inadequado demonstrar senti-
mentos poderão reprimi-los, dificultando a passagem por todo o
processo de luto.
Mães que trabalhavam e que, em função da surdez, deixaram
o trabalho, atribuem ao evento uma percepção que o torna mais
desorganizador do que as que não trabalhavam fora (MITCHELL,
1981; L UTERMAN, 1984).
• Suporte social – A aceitação da sociedade em relação à
manifestação de sentimentos afetará as respostas e os efeitos.
Exemplo: Pessoas que vivem em sociedades que suprimem
a manifestação de tristeza têm mais dificuldade, pois as pessoas
ao seu redor desencorajam a emergência dos sentimentos. No
entanto, quando se dá aos pais a oportunidade de manifestar seus
sentimentos, estes terão melhores condições (LUTERMAN, 1979;
MITCHELL, 1981; MOSES, 1981).
• Suporte familiar – A maneira como os cônjuges, irmãos e
avós reagem ou lidam com os sentimentos afeta o senso parental
de desorganização familiar e também dificulta a passagem pelo
processo de luto.
Exemplo: Os avós podem atuar de maneira mais consistente
na vida de seus netos, portanto, cabe ao profissional compreender
o papel que os avós assumem e relacionar-se com eles de
maneira respeitosa e coerente com sua posição. Este importante
relacionamento é uma fonte em potencial de apoio ao estresse
(ATKINS, 1992).
Os pais precisam ser encorajados a dar explicações comple-
tas e adequadas aos irmãos, enfatizando os sentimentos experi-
mentados individualmente. Os irmãos podem ajudar de maneira
específica, aliviando, um pouco a pressão sofrida pelos pais;
nunca deverá cair sobre eles, no entanto, a responsabilidade dos
cuidados e deveres. A maioria das crianças precisa saber que
Família e Fonoaudiologia: o Aprendizado da Escuta 429

aquilo que sente está certo; os pais não precisam fazer nada além
de ouvi-las sem preconceito e com muito carinho.
O desafio está na tentativa de acentuar os aspectos positivos
das relações entre irmãos, assim como em promover uma ligação
saudável, encorajando-os a ter sua individualidade e a se sentirem
bem. Seu papel e suas necessidades são tão importantes quanto os
de qualquer outra criança da família.
• Suporte clínico – A disponibilidade de serviços de atendi-
mento clínico, a qualidade destes serviços e a gama de informa-
ções recebidas influenciarão o senso de controle e conseqüente-
mente o grau de ação construtiva que esses pais irão atingir.
Exemplo: Quando não há programa de atendimento apropria-
do próximo à moradia da família, a percepção da surdez pode ser
vista como algo desorganizador (MITCHELL, 1981; LUTERMAN,
1984).
• Incapacidade (surdez em si) – Tipo e grau de perda, idade,
causa, época da suspeita e do diagnóstico da surdez afetam a
percepção do evento, as respostas e os efeitos.
Exemplo: Embora a maioria dos pais sinta a surdez como um
diagnóstico devastador (MITCHELL, 1981), aqueles que ficaram
suspeitando por um longo período podem se sentir aliviados
quando é fornecido um diagnóstico aos problemas apresentados
por seu filho (L UTERMAN, 1984; MITCHELL, 1981).
Todas estas variáveis têm um impacto significativo na percep-
ção parental sobre a deficiência auditiva da criança; é preciso que
o terapeuta compreenda e busque a inter-relação destas para que
consiga realizar uma análise mais complexa da situação.

A FAMÍLIA NO PLANEJAMENTO TERAPÊUTICO


Considerados os aspectos citados até o momento, segue-se
que o terapeuta deve reconhecer que não é possível atender
adequadamente a uma criança surda, se não incluir em seu
planejamento um trabalho centrado na orientação familiar. Para
atingir este objetivo primário é preciso construir um elo. Faz-se
necessário conhecer quem são estes pais, o que pensam, quais
são as mensagens implícitas que trazem. O profissional deve
aprender a ouvir sem julgar, mas também não pode tornar-se um
depositário de problemas.
A atuação clínica é um crescente onde o tempo é algo a ser
ponderado fazendo com que os pais reflitam sobre o sintoma e
possam partir para uma análise mais aprofundada, alcançando
assim a emergência das causas.
Qualquer atitude terapêutica só poderá ser desenvolvida com
eficiência se o fonoaudiólogo tiver a capacidade de trabalhar junto
ao caso sob uma perspectiva mais ampla quanto ao futuro e não
ficar submetido apenas ao momento presente.
Devem-se separar as situações terapêuticas, procurando
delimitar o setting de atuação (local, horário e materiais de
430 Fonoaudiologia Prática

trabalho). Esta demarcação de limites é algo a ser construído


pelos elementos integrantes do processo de reabilitação (terapeuta,
pais e criança). A existência de regras se faz necessária para o
estabelecimento de papéis; no entanto, o ambiente terapêutico
deve ser um local extremamente acolhedor que mantenha um
espaço físico e participativo.
Há necessidade de leis, normas, regras, convenções em
todas as relações sociais mas, paralelamente, deve existir a
liberdade. Todo indivíduo necessita de limites e possibilidades
para poder exercê-la.Os limites podem e devem ser questionados
e este é um exercício diário a ser feito por pais, educadores,
professores e terapeutas.
Em alguns casos os pais pedem auxílio ao profissional que deve
ter cuidado sobre a maneira com que passa a “receita”, pois são
inúmeras as sugestões e elas sempre necessitam de adaptação.
O trabalho terapêutico deve procurar o estabelecimento de um
diálogo, com disponibilidade recíproca. Muitas vezes tanto o
terapeuta quanto os pais acabam não estabelecendo uma parti-
lha, pois os familiares esperam passivamente que o profissional
os informe e, por outro lado, este não oferece espaço para que as
idéias da família possam ser colocadas.
O terapeuta precisa obter empatia com a família, o que
significa procurar acolher idéias e sentimentos, sem a necessida-
de de incorporar estes pensamentos.
Outro passo a ser almejado em qualquer relação humana é a
busca de uma referência. Nenhum indivíduo consegue “ver” o mundo
real sozinho, ele necessita do outro. Quando não existe a referência,
ocorre a indiferença e isto acaba trazendo a própria negação para
o desenvolvimento da Identidade. É um aprendizado desenvolver
este exercício, pois na maioria das vezes queremos explicar os
sentimentos dos outros ao invés de tentarmos compreendê-los.

Por que meu filho é surdo ?


O fonoaudiólogo pode explicar todos os aspectos relativos à
deficiência auditiva e suas implicações; no entanto, a tarefa mais
difícil é compreender o que esta representa na vida da criança e
de seus familiares.
Ser melhor pai, terapeuta e educador é alcançar a consistên-
cia das respostas a serem dadas, buscar o equilíbrio e o crédito.
Procurar entender o crescimento do outro, suas limitações e
acima de tudo, respeitá-las.

Uma relação de construção


Não existe uma regra para oferecer as melhores respostas; é
importante entender corretamente a intenção da pergunta, ou
seja, os pontos que se encontram por trás das dúvidas do
paciente. Muitas vezes os profissionais, por insegurança ou falta
de experiência em aconselhamento, vêem as questões colocadas
Família e Fonoaudiologia: o Aprendizado da Escuta 431

e as preocupações expressadas como nada além da busca por


mais informação. Com toda a certeza esta visão prejudica e
atrapalha a habilidade do fonoaudiólogo de discutir as emoções e
necessidades latentes das perguntas.
Nenhuma informação deve ser dada parcialmente ou com
pistas de esperança; isto precisa ser feito de maneira direta e
honesta, com informações realísticas, tomando as precauções
necessárias para que prognósticos não sejam realizados sem
dados suficientes.
Admitir abertamente que o profissional não tem resposta a
uma determinada questão irá aumentar a confiança do paciente
em seus serviços, ao passo que a tentativa de encobrir uma certa
ignorância com uma atitude autoritária irá sugerir ao paciente que
ele não tem o direito de elaborar dúvidas conforme suas necessi-
dades e de acordo com o seu momento.
CLARK (1994) categoriza os tipos de respostas oferecidas
pelos profissionais adequando suas atitudes o máximo possível
para um aconselhamento eficiente. A seguir, serão abordadas tais
estratégias junto à família:
Resposta hostil (deve ser evitada) – Geralmente surge
quando o profissional toma como uma afronta à sua conduta
certas atitudes negativas do paciente que podem ser resultado de
todo o estresse acumulado durante a descoberta do diagnóstico,
escolha de um programa de atendimento, método de comunica-
ção e opção educacional. Essa frustração aparece em forma de
hostilidade com relação à eficiência ou duração do trabalho.
Resistindo a este sentimento de ameaça profissional, as atitudes
hostis dos pacientes irão destruir-se à medida que o terapeuta
mostre respeito e compreensão dos sentimentos, ajudando a
reconhecê-los enquanto sua universalidade. O objetivo maior é a
confiança e segurança interna.
Resposta avalizada (precisa cautela para ser utilizada) –
Ocorre quando o profissional projeta no paciente aquilo que acha
que este deve sentir ou agir. Quando existe uma limitação do tempo
de contato, pode ocorrer de o profissional avaliar rapidamente a
situação dando conselhos ou orientações (que nem sempre serão
compreendidos), fazendo com que seja menor ainda sua capacida-
de de auto-estima. É preciso, então, mais uma vez permitir ao
paciente expor seus sentimentos e atitudes a fim de que ele próprio
identifique melhor os seus problemas e alternativas.
Resposta investigativa (também precisa ser utilizada de
forma cuidadosa) – Apesar de encorajar a busca de maiores
informações, este tipo de resposta (mais direta) pode tirar do
paciente o senso de controle e responsabilidade à medida que
leva a uma sessão mais teórica (com o fonoaudiólogo falando a
maior parte do tempo), o que desviaria este relacionamento de seu
objetivo principal: a troca mútua.
Resposta compreensiva – É aquela que demonstra a preo-
cupação do profissional. Este tipo de resposta tende a amenizar
432 Fonoaudiologia Prática

o medo dos pacientes de serem julgados ou criticados abrindo,


assim, a sessão para maiores discussões e explorações. A atitude
compreensiva depende da aceitação incondicional dos pacientes
em função do respeito e estima pelos seus atos, independente de
quão positivas ou negativas essas atitudes possam ser. Outro
fator importante para desenvolver a resposta compreensiva é o
profissional se tornar um ouvinte ativo, ou seja, aquele que reflete
tentando compreender o ponto de vista do outro e mostrando isso
a ele de maneira que possa examinar seus sentimentos e crenças
por outra perspectiva, permitindo uma percepção contínua de
seus problemas.
Tendo incorporado esta resposta em suas consultas, é preci-
so estar atento ao comportamento não verbal (gestos, tom de voz,
postura e expressão facial) chamando a atenção do paciente a
este comportamento a fim de que ele próprio dê suas impressões
quanto ao seu significado (que podem não coincidir com as
observações feitas pelo terapeuta).
Se uma parte do tempo for dedicada a dar oportunidade ao
paciente de expressar medos e aflições abertamente, maior
será a chance de alcançar um tipo de conforto duradouro que
surge dele próprio. Ao passo que, infelizmente, observa-se com
muito mais freqüência um apoio onde é dito que tudo ficará bem
ou dará certo, ou mesmo que as coisas não são tão ruins.
Na verdade, pretende-se um equilíbrio entre as expressões de
conforto verbal e a criação de um clima favorável, pois apenas
quando os pacientes identificam e lidam com seus problemas é
que irão desenvolver a segurança interna fundamental para o
sucesso do tratamento terapêutico.
SANDERS (1980) coloca dois problemas quando o terapeuta é
visto como autoridade no relacionamento:
• O peso da responsabilidade pelo sucesso ou fracasso no
trabalho recai sobre o próprio terapeuta, quando este é visto
como aquele que tem todas as respostas.
• As soluções são baseadas na visão do terapeuta sobre as
dificuldades encontradas, que podem ser apenas próximas
da percepção que a família tem do problema.
Com o estabelecimento da participação mútua será possível
o desenvolvimento da confiança para seguir o plano de trabalho,
diminuindo o nível de dependência de outras pessoas (C LARK,
1994).

NOSSA EXPERIÊNCIA NO SETOR DE AUDIOLOGIA


EDUCACIONAL (CENTRINHO)
No Setor de Audiologia Educacional (Centrinho) do Depar-
tamento de Otorrinolaringologia da Irmandade da Santa Casa
de Misericórdia de São Paulo, buscamos há alguns anos uma
aproximação maior entre o terapeuta e a família da criança
Família e Fonoaudiologia: o Aprendizado da Escuta 433

surda. Em virtude de diversas dificuldades: tempo, estrutura e


problemas de ordem sócio-financeira, nossa proposta é trazer a
família (geralmente através da mãe e do pai) às situações de
rotina criadas no ambiente terapêutico. Para isto, encontros
semanais de 45min ocorrem entre terapeuta, pais e criança,
onde são desenvolvidas atividades de percepção auditiva, indi-
cação e adaptação de aparelhos auditivos, assim como estimu-
lação de linguagem. Permeando este trabalho e tendo efetiva-
mente a participação da mãe, criamos a possibilidade de ela se
sentir novamente capaz, competente, segura e com habilidades
nas suas atitudes com o filho.
Com isto, passamos a discutir os aspectos práticos, sociais e
emocionais referentes à criança surda. Quando percebemos que
existe um clima favorável associado a uma relação de empatia e
confiança, sugere-se a realização de visita à casa da criança. Isto
ocorre com bastante cuidado e cautela, pois pretendemos aproxi-
mar pessoas muito distintas com relação às formas de sentir,
pensar e agir.
Paralelamente aos encontros semanais, ocorrem os grupos
de pais em dinâmica de 1h e 30min (quinzenal ou mensal) onde
os participantes estão cientes de que naquele momento não
existirão atitudes de crítica e julgamento, nem um líder que irá ditar
as regras de organização e funcionamento. O que propiciamos a
eles é um espaço onde possam colocar suas dúvidas, ansieda-
des, inseguranças e, principalmente, a troca de experiências. Isto
irá possibilitar a descoberta de todo o potencial de inteligência,
integração, independência e produtividade da criança. Acredita-
mos que a troca ocorrida no encontro entre famílias tem a
possibilidade de ser a mais terapêutica e curativa forma de
trabalho. Laços de amizade são criados, um clima de compromis-
so, simpatia e humor passa a existir; eles dão uns aos outros força
e esperança.
Muitas vezes, porém, observamos uma resistência inicial à
idéia de conhecer outros pais. Talvez apenas falar com um
profissional seja o máximo que uma família possa suportar
naquele momento; encontrar outros pais poderia ser ameaça-
dor, isto é, uma maneira explícita de assumir um filho surdo. É
necessário e a nós cabe mostrar que só os outros pais poderão
dar consolo quando, por exemplo: um dos avós favorece um
neto em detrimento do outro; um filho surdo não é convidado
para ir brincar na casa de amiguinhos; quando houver negligên-
cia a outros filhos em favor deste que precisa de mais atenção;
quando não existe tempo ou energia para os cônjuges; quando
há cobrança sobre o irmão mais velho para que aja com
maturidade, assumindo responsabilidade que não lhe cabe.
São também os pais, que estão passando pelo mesmo proces-
so, que entendem o desejo de desaparecer quando o filho
deficiente demonstra um acesso de raiva numa loja ou na rua e
todos os olhos se direcionam aos pais como dizendo serem
434 Fonoaudiologia Prática

estes os mais incompetentes de todo o universo. Os companhei-


ros irão encorajar uns aos outros a serem pacientes enquanto
observam progressos nos filhos de amigos e não vêem nenhu-
ma mudança significativa em seu próprio filho.
A princípio pode parecer assustadora a idéia de ter que
lidar com sentimentos bastante complexos dentro de uma
família já estressada. No entanto, é importante enfatizar um
trabalho de equipe onde os profissionais possam aprender a
atuar e pensar centrado na família, ensinando uns aos outros
a disciplina, dividindo responsabilidades e oferecendo suporte.
Esta abordagem pode ajudar a prevenir uma oferta mecânica
de serviços especializados onde os profissionais evitam a mãe
ou a família invasiva, superansiosa e desorganizada (GREENSPAN,
1988).

O longo processo
Um dos objetivos do trabalho de reabilitação é fazer com
que os pais percebam que seu filho surdo é, em primeiro lugar,
uma criança e um interlocutor capaz, que necessita interagir
para poder crescer e se desenvolver. Uma das tarefas do
fonoaudiólogo é prover a criança e sua família de estratégias
para que ocorra uma comunicação efetiva nas situações do
cotidiano.
Faz-se necessário oferecer subsídios informativos e apoio
emocional para a conquista de uma harmonia familiar, possibili-
tando sucesso terapêutico e aceitação social.
O avanço da tecnologia na área auditiva foi intenso e isso faz
com que o profissional deposite extrema confiança no valor dos
aparelhos auditivos e da estimulação auditiva. Esta confiança
normalmente é passada para os pais, mas não existe uma
previsão de quando os resultados serão alcançados. Por esta
razão será de grande ajuda criar uma estrutura de expectativa
baseada nas possibilidades e conquistas alcançadas, sendo a
criança o seu próprio modelo de referência.
É fundamental que pais e profissionais estejam cientes da
gangorra emocional de frustração, medo, raiva, negação, reco-
nhecimento e adaptação na qual as famílias vivem.
Importante também se mostra o silêncio clínico; saber quando
calar requer a mesma sensibilidade necessária para interpor o
comentário apropriado.
Aceitar os sentimentos de uma pessoa, independente de
quem seja, é imprescindível para o estabelecimento de uma
relação saudável consigo mesmo e com aquele que se ama,
especialmente seu filho.
Famílias inteiras podem aprender muito sobre si mesmas
enquanto indivíduos e unidade familiar. Entre os vários desafios
que enfrentam, estão a descoberta e a busca de recursos
internos.
Família e Fonoaudiologia: o Aprendizado da Escuta 435

Leitura recomendada
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Editora Guanabara, 1981.
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San Diego, Singular Publishing Group, Inc., 1992. pp. 61-67
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Englewood Cliffs, Prentice-Hall, Inc., 1982.
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Aconselhamento. 2ª ed. Rio de Janeiro, Editora Record, 1993.
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with patients. In: CLARK, J.G. & MARTIN, F.N. Effective Counseling
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436 Fonoaudiologia Prática

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Aparelho Auditivo 437

20
Aparelhos Auditivos

Maria Cecília Martinelli Iório


Isabela Hoffmeister Menegotto

Aquele que sofre uma perda auditiva tem, na quase totalidade


das vezes, dificuldade em escutar sons de baixa intensidade.
Quanto mais grave a perda auditiva, mais intensos são os sons
que são perdidos, até que na perda auditiva total, ou anacusia,
nenhum som é capaz de gerar no indivíduo uma sensação
auditiva.
Um aparelho auditivo, ou prótese auditiva, ou aparelho de
amplificação sonora individual (AASI), é basicamente um sistema
que aumenta a intensidade dos sons do ambiente de forma que
estes sons possam ser percebidos por aqueles com perda de
audição. Assim, quanto maior a perda auditiva, maior o aumento,
ou amplificação, necessários.
A onda sonora é uma onda mecânica e os modos de amplificá-
la sob esta forma, embora bastante antigos, são pouco eficientes.
Entre os equipamentos de amplificação mecânica da onda sonora
encontramos as cornetas acústicas, usadas desde a antigüidade,
ou mesmo a mão em concha atrás da orelha. Entretanto, estes
equipamentos fornecem apenas pequenas amplificações, não
suprindo as necessidades da maioria da população de indivíduos
com perdas de audição.
Sendo assim, a solução atual é utilizar equipamentos eletrô-
nicos, que captam o sinal sonoro do ambiente e transformam-no
em um sinal elétrico, para que possa ser amplificado, e
retransformam-no em sinal acústico para entregá-lo ao indivíduo.
As próteses auditivas digitais transformam o sinal acústico não em
438 Fonoaudiologia Prática

sinal elétrico, mas em um padrão digital, para então modificá-lo


conforme o necessário e entregá-lo ao indivíduo.
Como a prótese auditiva atual precisa captar os sons do
ambiente para entregá-los amplificados ao indivíduo, pode-se
dizer que ela é composta basicamente de um microfone, um
sistema de amplificação e um receptor, que atuam como um “alto-
falante”. Para que a prótese fique adequadamente acoplada à
orelha, é necessário, ainda, o uso de um molde auricular.

TIPOS DE PRÓTESES AUDITIVAS


Existem vários tipos de próteses auditivas. Estes tipos são
classificados habitualmente conforme a posição em que se en-
contra o microfone em relação ao corpo do usuário. Assim, temos
basicamente as próteses auditivas convencionais, em haste de
óculos, retroauriculares e intra-aurais (Fig. 20.1). Alguns outros
tipos de adaptações também podem ser realizados, fazendo-se
modificações nas próteses mais comuns.

Próteses auditivas convencionais


Estas próteses auditivas são compostas de uma caixa, presa
na roupa do usuário, normalmente à altura do peito, conectada por
um fio a um receptor encaixado em um molde auricular específico.
Uma mesma caixa pode estar conectada a um ou dois receptores.
Quando dois receptores são usados, a adaptação denomina-
se pseudobinaural, pois não há uma situação de estéreo verdadei-
ra (há apenas um microfone, na caixa, enviando o mesmo som às
duas orelhas).
As próteses convencionais têm sido cada vez menos utiliza-
das, em função de suas desvantagens no que se refere aos
mecanismos de localização sonora, resposta de freqüências e
estética, entre outros. Atualmente, as mesmas são indicadas
praticamente só nos casos de indivíduos com dificuldades moto-
ras importantes.

Próteses auditivas em haste de óculos


São próteses auditivas incorporadas dentro de uma haste de
óculos especial. Embora tenham sido bastante populares há
décadas passadas, atualmente estão praticamente em desuso.

Próteses auditivas retroauriculares


São próteses auditivas que ficam localizadas atrás do pavi-
lhão auricular, onde um tubo em forma de gancho (gancho de
som) liga a prótese ao molde auricular. Este tipo de prótese
ainda é muito usado, já que permite níveis de amplificação
importantes e muitas possibilidades de controles com uma
estética aceitável.
Aparelho Auditivo 439

D
C

E F

FIGURA 20.1 – Tipos de próteses auditivas. A) Prótese auditiva convencional; B) prótese auditiva em
haste de óculos; C) prótese auditiva retroauricular; D) prótese auditiva intra-auricular; E) prótese
auditiva intracanal; F) prótese auditiva microcanal.

As próteses retroauriculares podem ter diversos tamanhos,


sendo que as menores costumam ser chamadas de minirretroau-
riculares.

Próteses auditivas intra-aurais


As próteses auditivas intra-aurais são aquelas inteiramente
colocadas dentro da orelha externa. Elas são construídas dentro
do molde auricular do indivíduo (próteses intra-aurais personali-
zadas), ou encaixadas já prontas dentro do mesmo (próteses
intra-aurais modulares).
As próteses auditivas intra-aurais são subdivididas em intra-
auricular e intracanal, conforme a parte da orelha externa que
ocupam.

Prótese intra-auricular
Estas próteses auditivas ocupam parte do meato acústico
externo e do pavilhão auricular. Se ocuparem totalmente a concha
440 Fonoaudiologia Prática

do pavilhão, serão chamadas de próteses intra-auriculares do tipo


concha e, se ocuparem somente parte da concha, próteses
intra-auriculares do tipo meia-concha ou concha baixa.

Prótese intracanal
As próteses deste tipo localizam-se inteiramente dentro do
meato acústico externo. Atualmente existem próteses deste
tipo ditas intracanais “convencionais” e próteses microcanais,
as quais ocupam somente a parte mais interna do meato
acústico externo, não preenchendo sua abertura. Se uma pró-
tese deste tipo for colocada em um ponto muito profundo do
meato, diz-se que ela é peritimpânica.

Tipos especiais de adaptações


Próteses auditivas de condução óssea
As próteses auditivas normalmente enviam o som amplificado
ao seu usuário através da condução aérea, pelo molde auricular.
Entretanto, em alguns casos especiais pode ser desejável que
esta transmissão se dê por condução óssea.
Nestes casos, no lugar do receptor da prótese é acoplado um
vibrador ósseo, normalmente aplicado na mastóide, que transmite
o som amplificado. Na maior parte das vezes este tipo de adapta-
ção é feita através de uma prótese auditiva convencional, acoplada
a um vibrador ósseo muito semelhante ao encontrado nos
audiômetros.
Em função das limitações do sistema, este tipo de adaptação
é praticamente restrito àqueles casos de malformações importan-
tes na orelha externa ou outras situações que impedem o uso de
moldes auriculares.
Um sistema de prótese auditiva de condução óssea implantável
(FAY, 1991) vem sendo pesquisado nos últimos anos, embora
ainda não tenha tido ainda resultados definitivos. Neste sistema,
a porção do aparelho referente ao vibrador é implantada cirurgica-
mente em algum ponto do crânio do indivíduo, ligada a uma
unidade externa onde estão o microfone e o sistema de amplifica-
ção.

Sistemas do tipo CROS


Trata-se de um sistema onde o som é captado de um lado do
crânio do indivíduo e enviado para o lado oposto para ser proces-
sado e recebido.
O CROS (contralateral routing of offside signals) foi idealizado
para permitir a percepção dos sons vindos do lado anacúsico nos
casos de perdas auditivas totais unilaterais. Entretanto, diversos
outros sistemas acabaram se desenvolvendo a partir do conceito
CROS (HODGSON, 1986; STAAB & LYBARGER, 1994). Alguns des-
tes sistemas são descritos no Quadro 20.1.
Aparelho Auditivo 441

QUADRO 20.1 – Descrição do sistema CROS e alguns outros sistemas derivados.


Nome do sistema Finalidade Descrição

CROS Usado em perdas auditivas unilate- Do lado anacúsico é colocado ape-


rais para permitir a percepção dos nas um microfone e do lado opos-
sons vindos de ambos os lados to é colocado um sistema amplifi-
cador, que recebe e amplifica os
sons vindos do lado anacúsico e
os transmite ao lado normal atra-
vés de um molde aberto
BICROS Usado em perdas auditivas bilate- Do lado anacúsico é colocado ape-
rais com uma orelha anacúsica nas um microfone e do lado opos-
para permitir a percepção dos sons to é colocado um microfone e um
vindos de ambos os lados sistema amplificador completo,
que recebe e amplifica os sons
vindos de ambos os lados
HICROS Usado em perdas auditivas muito Em uma orelha é colocado o micro-
acentuadas nas altas freqüên- fone e na outra, o restante do
cias, com limiares normais ou sistema com um molde aberto. A
próximos ao normal nas baixas distância entre o microfone e o
freqüências receptor permite um ganho signi-
ficativo nas altas freqüências sem
realimentação acústica e a utili-
zação do molde aberto reduz dras-
ticamente o ganho nas freqüênci-
as médias e altas
CROS transcraniano Usado em perdas auditivas profun- Uma prótese auditiva retro ou intra-
ou TRANSCROS das, ou anacusias e unilaterais auricular de grande ganho é adap-
tada do lado de maior perda, de
forma que a pressão sonora supe-
re os valores de atenuação
interaural, permitindo que o estí-
mulo sonoro chegue à orelha me-
lhor por condução óssea

Embora todos os sistemas baseados no CROS sejam de


grande utilidade, muitos têm baixa aceitação por parte dos usuá-
rios em função de questões estéticas e financeiras.

CARACTERÍSTICAS ELETROACÚSTICAS DOS


APARELHOS AUDITIVOS
As características eletroacústicas de uma prótese auditiva são
a descrição de seu desempenho operacional quando processam
o sinal sonoro. Ou, em outras palavras, correspondem à descrição
de o quê a prótese auditiva “faz”.
As principais características eletroacústicas das próteses
auditivas estão em correlação direta às características de uma
audição deficiente. Elas são basicamente: o ganho acús-
tico, relacionado ao grau de perda auditiva, a resposta de freqüên-
cias, relacionada à configuração do audiograma do indivíduo, e a
442 Fonoaudiologia Prática

saída máxima, relacionada ao nível de desconforto para sons


intensos apresentado pelo mesmo.

Ganho acústico
Um indivíduo que tem dificuldade em escutar sons de baixa
intensidade precisa que estes sons sejam amplificados, conforme
já foi dito. Quanto maior a perda de audição, maior será a
amplificação necessária. A quantidade de amplificação fornecida
por uma prótese auditiva é o seu ganho acústico.
Tecnicamente, o ganho acústico é a diferença em decibels entre
o som que sai e o som que entra na prótese auditiva. Desta forma,
para uma prótese auditiva com 40 dB de ganho, um som ambiente
de 60 dB será fornecido ao usuário com uma intensidade de 100 dB.
O ganho acústico deve ser sempre expresso em decibels.
O ganho de uma prótese deve ser fornecido pelo fabricante na
ficha técnica que acompanha a mesma. Entretanto, nenhuma
prótese auditiva tem um ganho acústico perfeitamente igual em
todas as freqüências e existem controles que permitem modificar
este ganho.
Assim, o ganho pode vir descrito como um valor único, represen-
tando toda a faixa de freqüências através de uma média ou de
uma única freqüência considerada representativa. Idealmente, po-
rém, o ganho deve ser analisado através de um gráfico, onde o valor
de ganho em cada freqüência possa ser verificado (Fig. 20.2).
O ganho acústico fornecido por uma prótese auditiva para um
determinado indivíduo também pode ser verificado diretamente
através de medidas específicas. Quando o ganho de uma prótese
é definido em termos da diferença dos limiares de audibilidade em
campo livre com e sem a prótese auditiva, dá-se a este valor o
nome de ganho funcional (COSTA e cols., 1993).
Por outro lado, determinados equipamentos permitem verifi-
car qual a pressão sonora que está sendo liberada pela prótese no
meato acústico externo do indivíduo. Quando o ganho acústico da
prótese é definido em termos da pressão sonora em um ponto da
orelha do usuário com a prótese e o nível de pressão sonora neste
mesmo ponto sem a prótese, dá-se a este valor o nome de ganho
de inserção.
Em alguns casos, o ganho funcional e o ganho de inserção se
equivalem, enquanto que em outros não, dependendo das possi-
bilidades de aproveitamento da amplificação por parte do indiví-
duo. Entretanto, tanto o ganho funcional como o ganho de inser-
ção dificilmente equivalem aos valores de ganho acústico forne-
cido nas fichas técnicas, uma vez que este último é determinado
através de métodos e equipamentos artificiais.

Resposta de freqüências
Conforme foi comentado anteriormente, quanto maior o grau
de perda auditiva, maior a amplificação necessária. Entretanto, a
Aparelho Auditivo 443

Ganho dB
60

50

40

30

20

A 10
50 100 200 500 1.000 2.000 5.000 10.000 Hz

Ganho dB
60

50

40

30

N H
20

B 10
50 100 200 500 1.000 2.000 5.000 10.000 Hz

Saída dB (NPS)
130

120

110

100

90

C 80
50 100 200 500 1.000 2.000 5.000 10.000 Hz

FIGURA 20.2 – A) Gráficos de ganho; B) resposta de freqüências; C) saída máxima de uma prótese
auditiva fictícia.

maioria dos indivíduos com perda de audição não possui exata-


mente o mesmo nível de audição em todas as freqüências. Assim,
cada freqüência necessitaria de um grau de amplificação diferen-
te, representado por um ganho acústico diferente. Por outro lado,
nenhuma prótese auditiva apresenta exatamente o mesmo ganho
acústico para todas as freqüências.
A resposta de freqüências de uma prótese auditiva é, portanto,
a relação de amplificação existente entre as diversas freqüências.
Este dado é sempre fornecido na ficha técnica da prótese através
de um gráfico, com as diferentes freqüências no eixo horizontal e
valores de ganho acústico no eixo vertical (Fig. 20.2).
444 Fonoaudiologia Prática

Variações na resposta de freqüências das próteses auditivas


permitem fornecer uma ênfase nos sons graves ou agudos,
através do destaque das baixas ou altas freqüências em relação
ao todo do sinal complexo do ambiente. Esta resposta também
pode ser alterada em algumas próteses auditivas, conforme o
necessário, através de sistemas específicos ou através de modi-
ficações acústicas nos moldes auriculares.
A resposta de freqüências também pode ser representada, de
forma simplificada, através da faixa de freqüências, onde dois
números referem os limites menor e maior da faixa de freqüências
utilizável da prótese auditiva.

Saída máxima
Todos os indivíduos, normais ou com perdas de audição,
possuem um limite a partir do qual qualquer som mais forte se
torna desconfortável. Este limite é chamado nível de desconforto.
Nos indivíduos com perdas auditivas, particularmente aqueles
com perdas neurossensoriais, o nível de desconforto não se altera
na mesma proporção que o limiar de audibilidade, fazendo com
que os sons muito intensos sejam tão desconfortáveis para os
mesmos quanto são para indivíduos normais (em um fenômeno
conhecido como recrutamento).
Assim, uma prótese auditiva não pode amplificar indefinida-
mente os sons, sob pena de estes sons se tornarem insuportáveis.
Do mesmo modo, todos os aparelhos sonoros possuem limita-
ções inerentes à sua construção que limitam a intensidade máxi-
ma que os mesmos conseguem reproduzir.
Assim, a saída máxima de uma prótese auditiva é o maior nível
de pressão sonora que ela deve ou é capaz de produzir. Nova-
mente, a saída máxima é um dado que costuma ser fornecido em
uma freqüência em particular ou através de um gráfico em função
da freqüência nas fichas técnicas (Fig. 20.2).
Se a saída máxima de uma prótese auditiva não for adequada,
pode impedir a utilização da prótese ou, ainda, gerar um desloca-
mento temporário ou mesmo permanente, dos limiares de audibi-
lidade. Um fato importante na análise da saída máxima é o fato de
o nível de pressão sonora gerado em uma cavidade (como o
formado entre a ponta do molde auricular e a membrana timpâni-
ca) ser dependente do tamanho desta cavidade.
Os níveis de saída máxima fornecidos em fichas técnicas
costumam ser medidos em cavidade de 1,26 ou 2 ml conforme a
norma utilizada para a confecção da ficha técnica. Em uma
criança, porém, o volume residual existente entre a ponta do
molde e a membrana timpânica pode ser igual ou inferior a 0,5 ml,
o que aumentaria em muito a pressão sonora existente na
cavidade em relação ao descrito na ficha técnica. Este fato exige
um cuidado adicional na análise da saída máxima desejada ou
obtida em uma criança pequena, para que se evitem danos.
Aparelho Auditivo 445

Outras características importantes de


funcionamento da prótese auditiva
Algumas outras características de funcionamento além do
ganho, resposta de freqüências e saída máxima, podem ser
importantes no manejo das próteses auditivas. Entre elas, desta-
cam-se a distorção e a realimentação acústica.

Distorção
Considera-se distorção qualquer alteração, devida exclusiva-
mente ao sistema de amplificação, na onda sonora. Esta alteração
pode ser desejada, como no caso das variações na resposta de
freqüências importantes para a adaptação da prótese, mas tam-
bém pode ser indesejada, como quando a onda é modificada de
uma forma desnecessária ou prejudicial.
Normalmente, as distorções não desejadas geram uma dimi-
nuição na qualidade de som do aparelho, sendo que as distorções
mais graves podem até mesmo afetar a inteligibilidade. Em algum
grau, toda prótese auditiva tem distorção, mas quanto menor esta
for, mais “limpo” será o som da prótese.

Realimentação acústica
A realimentação acústica é um processo que ocorre quando o
som liberado pelo receptor é captado novamente pelo microfone
da prótese auditiva, gerando um “apito” audível tanto para o
usuário da prótese (em alguns casos) como para aqueles que
estão ao seu redor. Este mesmo fenômeno é conhecido popular-
mente como “microfonia”.
Este problema é especialmente grave para aqueles indivíduos
com perdas auditivas importantes, que necessitam de grandes
valores de ganho e, normalmente, os maiores problemas com
realimentação acústica ocorrem com próteses auditivas com
ênfase nas altas freqüências (POLLACK, 1988). Entretanto, com
técnicas adequadas, estes problemas podem ser resolvidos na
maior parte dos casos.
A realimentação acústica também se inicia freqüentemente
por deterioração do molde auricular ou, no caso das crianças, pelo
crescimento da orelha externa. Nestes casos, a dificuldade pode
ser facilmente solucionada com a troca do molde por um novo.

Fichas técnicas
Um ponto importante na análise das características eletroa-
cústicas de uma prótese auditiva é saber como os dados constan-
tes nas fichas técnicas foram obtidos. Existem vários modos de se
verificar estas características e várias normas que regulam a
construção das fichas técnicas.
Todas as características eletroacústicas de uma prótese au-
ditiva podem ser medidas da mesma forma: com os controles
446 Fonoaudiologia Prática

adequadamente ajustados, um sinal acústico é aplicado ao micro-


fone da prótese auditiva e a saída do receptor é analisada após
passar por um dispositivo padronizado, dentro de uma câmara
anecóica.
Estes dispositivos padronizados podem ser peças de metal,
denominados acopladores, ou sistemas mais aperfeiçoados, como
um manequim, o KEMAR (BURKHARD & SACHS, 1975), que simula
as características acústicas de um ser humano adulto normal.
Os acopladores são os sistemas normalmente utilizados para a
confecção das fichas técnicas e são basicamente de dois tipos: o
acoplador de 2,0 ml e o simulador de ouvido. O acoplador de 2,0 ml
é um cilindro simples de metal com 2,0 ml de volume na sua cavidade
interna. Como é possível imaginar, os resultados de medidas das
características eletroacústicas obtidos com este acoplador diferem
bastante dos resultados obtidos em um indivíduo.
Assim, em 1974 (KASTEN & FRANKS, 1986; POLLACK, 1988;
LIBBY & WESTERMANN, 1988; STAAB & LYBARGER, 1994) foi intro-
duzido o simulador de ouvido, com uma cavidade de 1,2 ml (valor
bem mais próximo do real nas orelhas adultas) e uma série de
outros dispositivos destinados a simular as características acús-
ticas de uma orelha.
Apesar disso, nenhum dos sistemas consegue fazer uma
previsão exata dos resultados obtidos com a prótese auditiva em
um determinado indivíduo, pois inúmeros fatores interferem nesta
reposta. De uma forma geral, pode-se dizer que a interação entre
cada prótese e cada indivíduo é única, e leva a resultados únicos.
Para que as fichas técnicas das próteses auditivas possam ser
comparadas, é preciso que as mesmas tenham sido confecciona-
das de um modo padronizado. Assim, as fichas técnicas são
construídas de acordo com normas nacionais ou internacionais
que padronizam as medidas a serem apresentadas e o modo de
realizá-las.
Hoje em dia, há basicamente dois grandes grupos de normas
técnicas, embora alguns outros países tenham normas próprias:
as normas internacionais do International Electrotechnical
Commission (IEC) e as normas americanas do American National
Standards Institute (ANSI). Como o próprio nome diz, a norma
ANSI é adotada nos EUA e a norma IEC, internacionalmente. O
Brasil não adota oficialmente nenhuma norma, mas existe a
preferência de uso pelas normas internacionais. Entretanto, boa
parte da bibliografia sobre aparelhos auditivos, por ser oriunda
dos EUA, faz referência às normas ANSI.
Ambas as normas possuem diferenças conceituais, que impe-
dem a comparação direta dos dados obtidos nas duas condições.
A principal diferença diz respeito ao acoplador utilizado para as
mensurações: a norma ANSI apresenta normalmente medidas
realizadas em acoplador de 2,0 ml (ANSI S3.25-1979; ANSI
S3.22, 1987) e a norma IEC, em simulador de ouvido (IEC 711,
1981; IEC 118-0, 1983 – Amendment 1, 1994). A norma IEC pode
Aparelho Auditivo 447

apresentar dados obtidos com acoplador de 2,0 ml, mas sugere


que estes dados sejam utilizados exclusivamente para fins de
controle de qualidade (IEC 118-7, 1983 – Amendment 1, 1994).
As normas ainda apresentam diferenças no tipo de medidas
realizadas e outros detalhes, o que faz com que os dados
fornecidos nas fichas construídas de acordo com a norma ameri-
cana sejam bastante diferentes dos dados fornecidos nas fichas
de acordo com a norma internacional. Uma discussão mais
detalhada sobre as normas existentes e as diferenças e particu-
laridades de cada uma pode ser encontrada em MENEGOTTO,
ALMEIDA & IORIO, 1996.

CARACTERÍSTICAS FÍSICAS DOS APARELHOS


AUDITIVOS
Uma prótese auditiva é, como já foi dito, um sistema que
amplifica o som ambiente para permitir sua audição por um
indivíduo com uma perda auditiva. As próteses são compostas de
diversas partes e possuem vários controles que permitem ajustar
os parâmetros de amplificação (ou características eletroacústicas)
para que o usuário receba o som da forma mais adequada
possível.
A primeira parte importante da prótese auditiva é o microfo-
ne, que capta o som do ambiente e o transforma em um sinal
elétrico equivalente. A seguir, este sinal elétrico é enviado a um
sistema de amplificação, onde é aumentado e modificado con-
forme o necessário. Finalmente o sinal elétrico é enviado ao
receptor, que retransforma o sinal elétrico em acústico e o envia
ao usuário (Fig. 20.3). Assim funcionam as próteses auditivas
analógicas ou tradicionais.
As próteses auditivas totalmente digitais têm um sistema
diferente, onde o som é primeiramente convertido em um sinal
elétrico, que por sua vez é convertido em um sinal digital. Este
sinal digital passa por um processamento, onde são feitas as
alterações desejadas, e é então reconvertido em sinal elétrico. Por
último, o sinal elétrico é reconvertido em som e fornecido ao
usuário. Nestas próteses, existe um microprocessador com um
programa que realiza e controla as alterações necessárias no
sinal digital (Fig. 20.4).
Existem ainda, as próteses auditivas digitalmente progra-
máveis. Neste tipo de prótese, cada vez mais popular, todo o
processamento do sinal pela prótese é feito de forma analógica,
exatamente como nas próteses analógicas comuns. Entretanto,
existe a possibilidade de programar os parâmetros de amplifica-
ção através de um sistema digital, onde os ajustes mais adequa-
dos a um determinado indivíduo são armazenados na memória do
aparelho, bastando alterar a programação para redefini-los
(Fig. 20.5).
448 Fonoaudiologia Prática

Controle
Microfone Amplificador de Filtro Amplificador Receptor
volume

Bobina telefônica Sistema de compressão

FIGURA 20.3 – Diagrama esquemático de uma prótese auditiva analógica.

Microfone Filtro Processador Filtro Receptor

A/D CPU D/A

Conversor Conversor
analógico/digital digital/analógico

FIGURA 20.4 – Diagrama de uma prótese auditiva totalmente digital.

Sistema de amplificação
Microfone Receptor

Programador Memória

FIGURA 20.5 – Diagrama de uma prótese auditiva digitalmente programável.


Aparelho Auditivo 449

Partes internas das próteses auditivas


As partes internas principais da prótese auditiva são, confor-
me já foi citado, o microfone, o sistema de amplificação e o
receptor, embora a pilha, os sistemas de entrada alternativos e,
nas próteses auditivas digitalmente programáveis, a memória,
também sejam de grande importância.

Microfone
Qualquer sistema que transforme um tipo de energia em
outro é denominado transdutor. O microfone, que converte o
sinal acústico do ambiente em um sinal elétrico equivalente, é
portanto denominado transdutor de entrada da prótese audi-
tiva.
Existem vários materiais possíveis para a confecção de micro-
fones (carbono, cristal, cerâmica) e vários deles foram utilizados
em aparelhos auditivos. Atualmente, entretanto, praticamente só
é utilizado o microfone de eletreto, um material sintético com
propriedades elétricas especiais.
Este tipo de microfone tem sido utilizado em função de suas
vantagens, tais como uma resposta de freqüências plana e ampla,
pouca sensibilidade a vibrações, impacto e variações de tempe-
ratura e, ainda, pequena possibilidade de interferência por parte
dos outros componentes da prótese.
Os microfones podem apresentar características especiais no
que diz respeito à sensibilidade à direção da fonte sonora e à
resposta de freqüências transmitida. Quanto à sensibilidade à
direção da fonte sonora, os microfones podem ser omnidirecionais
ou direcionais.
Os microfones omnidirecionais captam da mesma forma os
sons vindos de qualquer direção, sendo atualmente os mais
utilizados. Podem ser reconhecidos pela existência de uma única
abertura para a entrada do som.
Já os microfones direcionais captam melhor os sons frontais
até um ângulo de 45° e, em função de suas características,
atenuam a resposta de baixa freqüência da prótese auditiva. Este
tipo de microfone pode ser reconhecido por suas duas entradas de
som: a dianteira, comum, e uma segunda abertura na parte de trás
da prótese.
Além dos microfones direcionais, algumas outras construções
especiais de microfones permitem que os mesmos sejam mais
sensíveis a determinada região de freqüências. Com isto, os
microfones podem alterar de forma efetiva a resposta de freqüên-
cias da prótese.
Assim os microfones podem ter uma resposta semelhante
para todas as freqüências, sendo chamados de microfones de
resposta plana. Se, por outro lado, apresentarem uma sensibilida-
de menor para as baixas freqüências, têm-se os microfones em
rampa ou meia-rampa.
450 Fonoaudiologia Prática

Amplificador
O amplificador é o sistema que tem a função de aumentar
a intensidade do sinal elétrico gerado pelo microfone. É o
principal responsável pelas características de ganho da próte-
se auditiva.
Os sistemas amplificadores atuais são componentes monta-
dos em circuitos integrados, o que permite uma alta complexidade
em um espaço muito reduzido, como pedem as próteses auditivas
mais modernas.
Uma prótese auditiva normalmente não possui apenas um
amplificador, mas vários estágios de amplificação (na realidade
uma seqüência de amplificadores). O tipo do último amplificador
do conjunto (STAAB & LYBARGER, 1994) identifica algumas ca-
racterísticas da prótese auditiva. Os amplificadores usados em
próteses auditivas dividem-se em Classe A, Classe B – push-pull,
Classe D ou, mais recentemente, Classe H.
O amplificador Classe A é normalmente usado em próteses
auditivas de pequeno ganho e saída máxima reduzida. Apresen-
ta um nível importante de distorção quando usado em altas
intensidades de saída e possui um consumo de pilha bastante
grande.
O amplificador Classe B – push-pull, por sua vez, é caracte-
rizado pela baixa distorção, sendo capaz de fornecer um maior
ganho, melhor resposta de freqüências e maior saída máxima,
com menor consumo de pilha, do que o amplificador Classe A.
Sua grande desvantagem é o espaço necessário na prótese
para sua construção.
Já os amplificadores Classe D e Classe H (KRAUSS, BOSTIAN
& RAAB , 1980) são amplificadores de alta eficiência que também
fornecem uma melhor resposta de freqüências, maior ganho e
maior saída máxima, com menor consumo de pilha, do que o
amplificador Classe A. Sua principal vantagem em relação ao
Classe B – push-pull é, porém, o fato de serem pequenos o
suficiente para permitir que próteses como as intracanais incorpo-
rem os benefícios anteriormente descritos.

Receptor
O receptor é o componente da prótese auditiva que tem a
função de retransformar o sinal elétrico amplificado em sinal
acústico. Sendo assim, tal qual o microfone, é um transdutor, no
caso o transdutor de saída, da prótese auditiva.
Todos os receptores utilizados em próteses auditivas são
magnéticos, embora o tipo varie conforme seja um receptor
interno (em próteses retroauriculares e intra-aurais) ou externo
(em próteses auditivas convencionais).
Até pouco tempo atrás, os receptores eram os grande
limitadores da resposta de freqüências (especialmente de alta
freqüência) dos aparelhos auditivos. Entretanto, os receptores
Aparelho Auditivo 451

mais modernos têm a possibilidade de transmitir freqüências


até acima de 6 KHz. Seu maior problema, atualmente, em
função de suas dimensões reduzidas, é evitar a presença de
picos de ressonância em freqüências excessivamente altas
(KILLION , 1993).

Pilha
A pilha não é exatamente um componente da prótese auditiva,
mas a fonte de energia necessária para o sistema funcionar. Uma
pilha é, conceitualmente, um reservatório de energia química que
pode ser convertida em energia elétrica quando desejado. Nor-
malmente, a pilha é constituída por dois metais diferentes (eletro-
dos) imersos em um meio químico (eletrólito).
Os diferentes tipos de próteses auditivas utilizam tipos
diferentes de pilhas. Normalmente, as próteses auditivas con-
vencionais utilizam pilhas alcalinas comuns do tipo AA ou AAA.
Já as próteses retroauriculares e intra-aurais necessitam de
pilhas especiais.
Estas pilhas especiais são pilhas em forma de botão de
diversos tamanhos, sendo que cada prótese deve usar a pilha
de um tamanho (com conseqüentes características de volta-
gem e corrente) específico. Assim, temos a pilha 675, 13, 312,
10-A e 5, entre outras, da maior para a menor. De uma forma
geral, quanto menor a pilha, menor a sua capacidade.
A grande vantagem das pilhas especiais usadas em próteses
auditivas é o fato de elas manterem uma tensão (entre 1,3 V e 1,5 V)
praticamente constante durante toda sua vida útil. Isto evita que a
saída e o ganho da prótese diminuam progressivamente, conforme
a pilha se desgasta.
A duração das pilhas de prótese auditiva varia conforme o tipo
de amplificador usado. Já foi comentado que o amplificador
Classe A tem um consumo relativamente alto em relação aos
demais tipos de amplificadores. Isto acontece porque, neste tipo
de amplificador, o consumo é constante, não importando se há ou
não som entrando na prótese. Os amplificadores Classe B – push-
pull, Classe D e Classe H, por sua vez, não consomem em locais
silenciosos, sendo o Classe D ainda mais econômico, neste
aspecto, do que o Classe B – push-pull (KILLION, 1993).
A maioria das pilhas especiais utilizadas em próteses atual-
mente é do tipo zinco-ar ou mercúrio. As pilhas de zinco-ar são
as mais usadas, pois têm custo menor e maior durabilidade que
as de mercúrio. Possuem pequenos orifícios que permitem a
entrada de ar após a retirada de um selo de segurança, o que faz
com que comecem a funcionar. Seu inconveniente é, após a
entrada de ar, não ser mais possível evitar o desgaste, mesmo
sem uso.
As pilhas de zinco-ar, entretanto, podem não responder ade-
quadamente quando próteses auditivas de grande ganho encon-
452 Fonoaudiologia Prática

tram-se sob situações determinadas, gerando distorção e diminui-


ção do ganho da prótese. Assim, nestes casos, muitas vezes é
recomendada a utilização da pilha de mercúrio, apesar de seu
maior custo e menor durabilidade.
Existem ainda alguns outros tipos de pilhas para próteses
auditivas, tais como os acumuladores de níquel – cádmio,
recarregáveis, ou as pilhas de óxido de prata. Entretanto, estas
pilhas são pouco usadas.

Sistemas alternativos
Entradas alternativas
Em algumas situações pode ser desejado que o som não entre
através do microfone, mas seja captado diretamente de um
sistema específico para melhor aproveitamento. Este é o caso
típico do telefone e de alguns sistemas de áudio usados tanto para
recreação como na educação.
A bobina de indução eletromagnética ou bobina telefônica é
um sistema que capta as variações de um campo eletromagnético
exterior e as converte em um sinal elétrico equivalente, que pode
ser processado normalmente pela prótese auditiva.
Este sistema é importante no uso do telefone para alguns
indivíduos, e também permite utilizar os chamados circuitos de
indução eletromagnética em salas de aula, conferências e deter-
minadas salas de espetáculo.
Algumas próteses auditivas também possuem encaixes para
a adaptação de fios que trazem sinais elétricos gerados por outros
equipamentos de áudio, chamados de entrada direta de áudio.
Estes sinais são então processados normalmente pela prótese
auditiva.
A grande vantagem tanto da bobina telefônica como da
entrada direta de áudio é a redução da interferência do ruído
ambiente, fazendo com que o som de interesse chegue “limpo” ao
usuário. São importantes também na utilização de certos sistemas
educacionais, tais como o FM e determinadas formas de amplifi-
cação coletiva em salas de aula.

Vibrador ósseo
O vibrador ósseo é um dispositivo com a função de transfor-
mar o sinal elétrico da prótese auditiva em estímulo para o usuário,
tal como o receptor. Mas, diferente deste, ao invés de transformar
o sinal elétrico em sinal sonoro, ele o transforma em vibrações,
transmitindo o som ao indivíduo por condução óssea.
Este tipo de sistema tem usos específicos, conforme já foi
comentado, e restritos. Seus principais problemas dizem respeito
à fragilidade do vibrador, muito sensível a impactos, conforto
reduzido e, principalmente, à limitação importante na resposta de
freqüências.
Aparelho Auditivo 453

Sistemas de programação
As próteses auditivas digitalmente programáveis permitem
que o processamento do sinal acústico seja controlado digital-
mente. Isto pressupõe a existência de componentes específicos,
tanto dentro como fora da prótese.
Para permitir o funcionamento deste tipo de prótese auditiva,
além de todo circuito normal da prótese, é necessário basicamen-
te um sistema controlador e um sistema de memória. A memória
permite que os dados utilizados pelo controlador para regular os
parâmetros de amplificação sejam disponíveis e modificáveis
sempre que necessário. Uma unidade de programação, geral-
mente externa à prótese, possibilita o ajuste do controlador
conforme as necessidades do usuário.

Controles dos parâmetros de amplificação


Os parâmetros de amplificação precisam ser ajustados para
que a prótese tenha o desempenho adequado ao seu usuário.
Assim, diversos controles eletrônicos existem para a regulagem
destes parâmetros. Outras modificações são, entretanto, tam-
bém possíveis através dos moldes auriculares, conforme será
visto.

Controle de volume
O controle de volume ou potenciômetro é um resistor variável
que regula a quantidade de amplificação fornecida. Dessa forma,
o controle de volume determina o ganho da prótese auditiva.
Normalmente, quanto mais baixa a posição do controle de volu-
me, menor o ganho da prótese; quando o controle está na sua
posição máxima, todo o ganho possível ao amplificador é liberado.
Assim, o controle de volume sempre reduz o ganho nominal da
prótese auditiva (porque este ganho costuma ser medido com o
controle de volume na posição máxima ou quase máxima), nunca
o aumenta.
A principal função do controle de volume colocado em uma
posição de fácil acesso ao usuário é permitir ao indivíduo ajustar
a intensidade em que o mesmo está recebendo o som, adaptando-
se aos diferentes ambientes acústicos. Por este motivo, recomen-
da-se que uma prótese auditiva nunca seja usada com o controle
de volume em uma posição máxima ou mínima, pois isto impediria
o referido ajuste.
A quantidade de redução do ganho obtida por um controle de
volume em determinada posição não é um dado que se possa
estimar. Algumas próteses apresentam uma relação mais ou
menos proporcional entre a rotação do controle de volume e a
redução do ganho, enquanto outras apresentam discrepâncias
relativamente grandes entre as duas coisas (MENEGOTTO, IORIO &
BORGES, 1993). Desta forma, o ideal é que sejam tomadas
454 Fonoaudiologia Prática

medidas específicas, seja de ganho funcional, seja de ganho de


inserção, para que se saiba precisamente quanto de ganho está
sendo fornecido com a posição habitual do controle de volume em
um indivíduo.
Algumas próteses auditivas possuem um segundo controle de
volume interno, denominado geralmente de controle de ganho.
Este controle funciona, nestas próteses, em conjunto com o
controle de volume externo. Outros aparelhos, por sua vez, não
possuem nenhum tipo de controle de volume aparente. Nestes
casos, o volume é ajustado automaticamente dentro do aparelho
conforme o nível de sinal, em um sistema conhecido como
controle automático de volume. O controle automático de volume
é um tipo de sistema de processamento automático de sinal,
sendo discutido adiante.

Controle de tonalidade
Conforme já foi comentado, é necessário que a resposta de
freqüências da prótese auditiva seja adaptada à configuração da
perda auditiva do usuário da prótese. Entretanto, existem inúme-
ras configurações de audiograma, sendo improvável encontrar
duas exatamente iguais. Seria impraticável ter-se uma prótese
auditiva para cada configuração possível de audiograma. Assim,
o controle de tonalidade tem a função de alterar a resposta de
freqüências da prótese auditiva, permitindo um ajuste mais parti-
cularizado da mesma.
O controle de tonalidade atua filtrando regiões de freqüên-
cia, de forma que haja um destaque para os sons graves e/ou
agudos. Quando é desejada uma ênfase nos sons agudos, é
usado um filtro passa-alto, que reduz a amplificação das baixas
freqüências. Para uma ênfase em sons graves, é usado um filtro
passa-baixo, que reduz a amplificação das altas freqüências.
Um filtro atua reduzindo a amplificação da faixa de freqüências
escolhida em uma determinada proporção, a partir de uma cha-
mada freqüência de corte. A freqüência de corte é a freqüência a
partir da qual a amplificação começa a ser atenuada (no caso dos
filtros passa-baixo, as freqüências menores que a freqüência de
corte serão atenuadas, o inverso acontecendo no caso dos filtros
passa-alto). A proporção de atenuação é dada sempre em decibels
por oitava (dB/oitava). Assim, quanto maior a proporção, maior
será o corte da região de freqüências escolhida.
Existem basicamente dois tipos de controles de tonalidade: os
controles de tonalidade passivos e os controles de tonalidade
ativos. Os primeiros atuam através de filtros simples, fornecendo
uma menor capacidade de redução em dB/oitava. Já os controles
de tonalidade ativos utilizam um sistema de realimentação que
permite uma maior atenuação.
Os controles de tonalidade habitualmente se localizam em
chaves internas específicas dentro da prótese, normalmente com
Aparelho Auditivo 455

nomes como high ou bass. Entretanto, é necessário que se


analise cuidadosamente a ficha técnica da prótese antes de
qualquer ajuste, pois muitas vezes o controle que o nome da
chave sugere à primeira vista não corresponde à realidade.

Controle de saída
Conforme já foi referido, é importante que a prótese auditiva jamais
se torne desconfortável ao seu usuário. Assim, um parâmetro muito
importante na adaptação da mesma é o controle da saída máxima.
Existem basicamente dois modos de se realizar este controle:
através do corte dos picos de intensidade ou através da compres-
são. A compressão, como é uma forma de processamento auto-
mático de sinal, será discutida adiante.
O modo mais tradicional de se efetuar o controle de saída
máxima da prótese auditiva é através do corte dos picos de
intensidade (peak clipping). Todos os equipamentos sonoros
possuem um limite máximo para a intensidade que conseguem
reproduzir. Os sons mais intensos que este valor, simplesmente
são “cortados” para que se encaixem dentro do limite. Isto é
conhecido como nível de saturação do equipamento (Fig. 20.6).
O mesmo ocorre com as próteses auditivas. Quando os sons
atingem o limite de saturação, eles têm seus picos de intensidade
simplesmente eliminados, enquanto os sons menos intensos são
reproduzidos normalmente. Este modo de amplificação é denomi-
nado amplificação linear , pois a pressão sonora de saída da
prótese aumenta na mesma medida que a pressão de entrada até
que o nível de saturação seja atingido.

entrada

t. at. comp. t. rec.



▲ ▲ ▲

compressão

saída

limiar de desconforto
corte de picos

saída
FIGURA 20.6 – Comparação entre a limitação
de intensidade da onda sonora realizada por
um sistema de compressão e por um sistema
de corte de picos. limiar de desconforto
456 Fonoaudiologia Prática

Para inúmeras pessoas, especialmente aqueles indivíduos


com perdas auditivas não-recrutantes, este tipo de amplificação
apresenta resultados satisfatórios, embora tenda a aumentar o
nível de distorção a que o indivíduo está exposto, especialmente
com próteses de grande ganho ou em locais ruidosos, e piorar a
relação sinal/ruído (pois os sons de maior intensidade são corta-
dos, enquanto que os sons de menor intensidade, como o ruído de
fundo, são amplificados normalmente).
Apesar de o nível de saturação ser uma característica de todas
as próteses auditivas, em algumas é possível ajustar, normalmen-
te reduzindo, este nível através de um controle específico, o
controle de saída (em algumas próteses denominado PC, de
peak-clipping). Vale a pena salientar que este controle de saída,
muitas vezes, ajusta a saída máxima através de mecanismos de
compressão, conforme será visto adiante. Assim, uma análise
cuidadosa da ficha técnica é necessária para que se saiba
exatamente o tipo de sistema que se está utilizando.

Sistemas de processamento automático de sinal


Os sistemas de processamento automático de sinal são
sistemas que ajustam automaticamente os parâmetros de ampli-
ficação conforme o sinal presente dentro da prótese auditiva.
Existem basicamente dois tipos de processamento automático de
sinal: aqueles que não alteram a resposta de freqüências da
prótese, representados pelos mecanismos de compressão, e os
que alteram a resposta de freqüências da prótese.

Compressão
A compressão é um mecanismo de processamento automá-
tico de sinal que ajusta automaticamente o nível de saída da
prótese auditiva em função do nível de sinal presente dentro do
aparelho. Isto gera um tipo de amplificação chamada de não-
linear, porque a saída da prótese não aumenta de forma idêntica
à entrada (LETOWSKI, 1993).
No Brasil os sistemas de compressão são muitas vezes
denominados AGC (automatic gain control) mas, na realidade, o
AGC é apenas um dos tipos de compressão existentes.
Qualquer sistema de compressão funciona basicamente atra-
vés do monitoramento do nível de sinal em um ponto do circuito da
prótese auditiva (ver Fig. 20.3). A partir do nível deste sinal, o
sistema faz ajustes no ganho acústico, de forma a que a saída
máxima não ultrapasse um nível preestabelecido (Fig. 20.6).
Assim, o ganho da prótese auditiva com este tipo de sistema
altera-se conforme o nível de sinal acústico do ambiente. O modo
como estas alterações são feitas em função dos níveis de pressão
sonora de entrada no aparelho são descritas através das caracte-
rísticas estáticas da compressão. Estas características costumam
ser demonstradas em um gráfico contendo os níveis de entrada no
Aparelho Auditivo 457

eixo horizontal e os níveis de saída no eixo vertical, denominado


de gráfico de entrada e saída da prótese auditiva.
As características estáticas principais seriam o limiar de
compressão, o qual representaria o menor nível de pressão
sonora de entrada na prótese que ativaria o sistema, e a razão de
compressão, que demonstraria a proporção de redução do ganho
a partir do limiar de compressão (Fig. 20.7).
Os sistemas de compressão são, por suas características,
sistemas que funcionam no tempo. Assim, além das característi-
cas estáticas, os sistemas de compressão também podem ser
analisados em função de suas características dinâmicas. As
características dinâmicas dizem respeito ao tempo em que o
sistema leva para ajustar o ganho após verificar um nível de sinal
excessivo (tempo de ataque) e o tempo que o ganho leva para
voltar a seus níveis habituais após a redução do sinal ambiente
(tempo de recuperação).
Para evitar que sons muito intensos atinjam o indivíduo e
provoquem desconforto, o tempo de ataque costuma ser muito curto
(entre 1 e 10ms). Já o tempo de recuperação costuma ser mais
longo, podendo atingir mais de 1s, para evitar redução de inteligibi-
lidade e oscilação demasiada do ganho do aparelho.
Existem vários tipos de sistemas de compressão. Normalmen-
te são classificados segundo o ponto de monitoração, segundo as
características de compressão e segundo o número de canais que
possuem (MENEGOTTO & IORIO, 1996).
Segundo o ponto de monitoração, os sistemas de compressão
são classificados em sistemas controlados pela entrada (ou

130

120
Nível de saturação
110
saída
Valores de saída em dB NPS

100
Limiar de
compressão (50 dB) entrada
90

80

70

60

50

40

30
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110

Valores de entrada em dB NPS


Razão de compressão = entrada
saída

FIGURA 20.7 – Características estáticas da compressão em um gráfico de entrada e saída.


458 Fonoaudiologia Prática

AGC-I) ou sistemas controlados pela saída (ou AGC-O). Esta


classificação se refere à posição do ponto de monitoração do
sistema dentro do circuito da prótese auditiva, se antes do controle
de volume (AGC-I) ou depois do mesmo (AGC-O).
A principal diferença entre os sistemas de AGC-I e AGC-O é
o fato de, no primeiro, tanto o ganho como a saída máxima da
prótese auditiva serem alterados quando há ajuste-variação do
controle de volume. Nos sistemas controlados pela saída, apenas
o ganho da prótese é alterado com ajustes no controle de volume.
Analisando-se as características estáticas e dinâmicas dos
sistemas de compressão, observa-se que há possibilidade de
diversas combinações entre as mesmas. Cada combinação faz
com que o sistema atue de uma forma diferente, sendo mais
adequado a determinado tipo de problema. Assim, pelo menos
três grandes grupos de sistemas de compressão podem ser
identificados (DILLON, 1988; DRESCHLER, 1992; LETOWSKI, 1993).
Os sistemas de limitação por compressão têm a função de,
simplesmente, substituir os sistemas de controle da saída máxima
por corte de picos, com vantagens significativas em termos de
qualidade de som. Estes sistemas possuem um limiar de com-
pressão bastante alto (acima dos níveis habituais de fala) e uma
razão de compressão também bastante alta (igual ou superior
a 5:1).
Os sistemas de compressão silábica, por sua vez, tentam
compensar as alterações da sensação de intensidade sonora dos
indivíduos com recrutamento, utilizando baixos limiares de com-
pressão (por volta de 40 dB) e baixas razões de compressão (por
vezes menores que 2:1). Finalmente, os sistemas de controle
automático de volume (ou controle automático de ganho – AGC)
são sistemas que tentam compensar as variações do sinal am-
biente para o indivíduo, atuando realmente como um controle de
volume automático. Estes sistemas utilizam, também, baixos
limiares de compressão, mas a razão de compressão pode ser
ajustada de acordo com a necessidade do indivíduo.
Existem ainda outros sistemas que não se encaixam nos
grupos anteriores, como a compressão adaptativa (CUDAHY &
KATES, 1993), ou a compressão curvilínea (STIPULKOWSKI , 1993),
mas que também possuem objetivos e vantagens específicos.
Quanto ao número de canais, os sistemas de compressão
podem ter de um até vários canais. Isto significa que eles podem
atuar tanto em toda a faixa de freqüências da prótese auditiva da
mesma maneira como só em uma faixa determinada, ou de formas
diferentes nas diversas faixas. Os sistemas costumam ser dividi-
dos, assim, em sistemas monocanal ou multicanal.
Os controles dos sistemas de compressão variam enorme-
mente de fabricante para fabricante e de modelo para modelo,
mas normalmente podem ser identificados na prótese como
alguma referência à compressão, ao AGC ou a um controle de
saída.
Aparelho Auditivo 459

Sistemas de processamento automático de sinal com


alteração da resposta de freqüências do aparelho
Alguns sistemas de processamento automático de sinal rea-
lizam não só a alteração do ganho da prótese em função do nível
de som ambiente, como também o fazem de forma diferenciada
em relação às regiões de freqüência, gerando alterações na
resposta de freqüências do aparelho (MENEGOTTO & IORIO, 1996).
Estes sistemas costumam ser divididos em três grandes
grupos: aqueles que fornecem ênfase em sons graves em
baixos sinais de entrada; os que fornecem ênfase em sons
agudos em baixos sinais de entrada e os que fornecem ênfases
programáveis em baixos sinais de entrada (STAAB & L YBARGER,
1994).
Os sistemas que fornecem ênfase em sons graves em
baixos sinais de entrada são também conhecidos como siste-
mas BILL (bass increases at low levels). Funcionam basicamen-
te como redutores de ruído ambiente, fazendo com que a faixa
de baixas freqüências seja reduzida quando os níveis de som
ambiente aumentam.
Os sistemas que fornecem ênfase em sons agudos em
baixos sinais de entrada são, por sua vez, conhecidos como
sistemas TILL ( treble increases at low levels). Estes sistemas
fornecem uma ênfase nos sons de altas freqüências em baixos
níveis de entrada, na tentativa de compensar a (freqüente)
maior perda auditiva nesta faixa, com conseqüente maior recru-
tamento, melhorando, teoricamente, as possibilidades de per-
cepção da fala.
Já os sistemas que fornecem ênfases programáveis em
baixos sinais de entrada, conhecidos como PILL (programmable
increases at low levels ) podem atuar tanto como um sistema
BILL como um sistema TILL, realizando a mudança quer de
forma automática, conforme o ambiente, quer de acordo com a
preferência do usuário, por exemplo através de um controle
remoto.

Leitura recomendada
ANSI – AMERICAN NATIONAL STANDARD INSTITUTE – American
National Standard for an Occluded Ear Simulator. ANSI S3.25-1979.
New York, 1979.
ANSI – AMERICAN NATIONAL STANDARD INSTITUTE – Specification
of Hearing Aid Characteristics. ANSI S3.22-1987. New York, 1987.
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Estudo comparativo entre métodos de avaliação do desempenho
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de graus severo e profundo. Saúde (Santa Maria), 19(1-2):81-89,
1993.
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hearing aids. In: STUDEBAKER, G.A. & HOCHBERG, I. Acoustical
460 Fonoaudiologia Prática

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Deficiência Auditiva 1
O Processo de Seleção e Adaptação de Aparelhos de Amplificação Sonora 463

21
O Processo de Seleção e
Adaptação de Aparelhos de
Amplificação Sonora

Katia de Almeida

O processo de seleção de um aparelho de amplificação


sonora não é uma tarefa simples e implica na utilização de
algum procedimento clínico que permita a escolha do melhor
aparelho para cada indivíduo deficiente auditivo, dentre as
opções comercialmente disponíveis. Tais procedimentos po-
dem variar desde técnicas matematicamente fundamentadas,
até métodos mais informais não-padronizados, que se baseiam
tanto na experiência do fonoaudiólogo quanto na impressão
subjetiva do próprio usuário do aparelho de amplificação.
Mudanças ocorridas na tecnologia têm tornado este processo
mais complexo em virtude do aumento dos parâmetros que
devem ser mantidos sob controle. O desafio do profissional que
atua na área é grande, uma vez que estes avanços ocorrem tão
rapidamente que muitas vezes excedem a habilidade do fonoau-
diólogo em avaliar plenamente sua eficácia e aplicação na prática
clínica.
Independentemente da abordagem escolhida, para se obter
o sucesso na adaptação e efetiva utilização de um aparelho,
alguns aspectos devem ser considerados. Assim sendo, o
objetivo deste capítulo é rever os fatores que são fundamentais
para a seleção do aparelho de amplificação, cuja utilização
satisfatória propicie a melhora da habilidade em compreender a
fala.
464 Fonoaudiologia Prática

O CANDIDATO AO USO DA AMPLIFICAÇÃO


É importante ressaltar que independentemente do grau da
perda auditiva, qualquer indivíduo que relate dificuldades auditi-
vas e de comunicação deverá ser considerado como candidato
em potencial ao uso de aparelhos de amplificação e de outros
equipamentos auxiliares. É inadequado determinar se o indivíduo
é candidato ao uso do aparelho apenas com base nos limiares
tonais registrados no audiograma ou mesmo nos índices de
reconhecimento de fala (RUSSO & ALMEIDA, 1995).
Como exemplo, podemos citar os indivíduos portadores de
perdas auditivas profundas, para os quais o uso da amplificação
pode facilitar a leitura orofacial, complementando a informação
auditiva e auxiliando o indivíduo a monitorar e controlar a sua
própria voz, além de possibilitar a detecção dos sons ambientais
de alerta e defesa contra o perigo. Além disso, a maioria dos
protocolos para implantes cocleares requer a experiência prévia
com aparelhos de amplificação que, no caso de insucesso,
constitui um dos critérios para seleção do candidato ao implante.
Portanto, os indivíduos portadores de perdas auditivas profundas
devem sempre ser submetidos a testes com aparelhos, especial-
mente se forem crianças, para verificação da eficácia ou não de
sua utilização.
Por outro lado, os avanços tecnológicos, o desenvolvimento
contínuo e a miniaturização dos aparelhos intra-aurais têm possi-
bilitado a adaptação destes aparelhos em indivíduos portadores
de perdas leves de audição, que podem, então, usufruir dos
benefícios da amplificação, amenizando suas dificuldades auditi-
vas e de comunicação.
No que se refere às crianças, deve-se lembrar que a audição
é o principal meio através do qual a linguagem verbal é adquirida.
Portanto, até mesmo perdas auditivas mínimas podem represen-
tar um risco ao desenvolvimento da linguagem e acarretar proble-
mas de aprendizagem. Desse modo, qualquer criança com uma
perda de audição significante deve ser considerada como candidata
ao uso da amplificação (BENTLER, 1993) e devem ser adaptadas
com um aparelho, o mais precocemente possível, tão logo o
diagnóstico da deficiência auditiva tenha sido efetuado, evitando
os efeitos da privação sensorial sobre o desenvolvimento global e
de linguagem.

O PROCESSO DE SELEÇÃO DO APARELHO DE


AMPLIFICAÇÃO
Qualquer problema auditivo é um problema de saúde em
potencial e, por isso, o otorrinolaringologista é o indivíduo apro-
priado para assumir a responsabilidade inicial pelo cuidado primá-
rio do portador de uma deficiência auditiva. Em função do trata-
O Processo de Seleção e Adaptação de Aparelhos de Amplificação Sonora 465

mento médico/cirúrgico ter precedência sobre procedimentos de


reabilitação não-médicos, o otorrinolaringologista é a porta de
entrada no sistema de saúde para qualquer indivíduo que possua
uma deficiência auditiva (ALFORD & JERGER, 1977).
Portanto, o médico otorrinolaringologista deve ser sempre
consultado antes de qualquer indivíduo submeter-se à seleção e
adaptação de um aparelho de amplificação. Doenças otológicas
progressivas, assim como doenças sistêmicas com repercussões
sobre o aparelho auditivo, necessitam ser descartadas ou conve-
nientemente tratadas, para que não ocorram danos adicionais
à saúde otológica e/ou mesmo à saúde geral do paciente (CAM-
POS, RUSSO, ALMEIDA, 1996).
Após o tratamento médico e/ou cirúrgico haver sido encerra-
do, o fonoaudiólogo é o profissional apropriado para assumir a
responsabilidade sobre o cuidado subseqüente do paciente, ou
seja, deve ser o profissional responsável pela coordenação do
processo de habilitação ou reabilitação do indivíduo deficiente
auditivo.

Considerações pré-seleção
São muitos os fatores individuais que devem ser considera-
dos, quando selecionamos aparelhos de amplificação para um
determinado indivíduo: o grau e a simetria da perda de audição, a
configuração audiométrica, o crescimento da sensação de
intensidade, as habilidades de reconhecimento de fala e, no caso
dos adultos, a motivação para o uso da amplificação.
A informação audiológica forma a base para que se inicie o
processo de seleção da amplificação. Portanto, é fundamental
que os resultados dos testes que compõem a avaliação audioló-
gica básica (audiometria tonal liminar, testes logoaudiométricos e
imitanciometria) estejam disponíveis. Além destes testes, pode
ser necessária a inclusão de outros, como a pesquisa do limiar de
desconforto que deve nortear a determinação dos níveis de saída
máxima do aparelho de amplificação.
Os resultados da audiometria de tons puros são fundamentais
uma vez que descrevem o tipo, o grau e a configuração da perda
de audição. Os resultados dos testes logoaudiométricos auxiliam
na determinação da faixa dinâmica da audição.
A faixa dinâmica da audição é a faixa em decibel compreen-
dida entre os limiares para tons puros ou para fala e o ponto onde
o estímulo (fala ou tons puros) torna-se desconfortavelmente
intenso. No processo de seleção da amplificação o estabeleci-
mento da faixa dinâmica de audição é importante porque repre-
senta a área-alvo da amplificação, isto é, os limites mínimo e
máximo da amplificação. Vale ressaltar que para os indivíduos
portadores de perdas de audição neurossensoriais, que consti-
tuem a maioria da população candidata ao uso da amplificação, a
faixa dinâmica é significativamente reduzida.
466 Fonoaudiologia Prática

Após a análise dos dados audiológicos individuais, considera-


ções relativas à amplificação devem ser efetuadas, as quais serão
descritas a seguir.

1. Amplificação binaural ou monoaural?


Há muito é conhecido que indivíduos com audição normal
ouvem melhor com duas orelhas do que com uma só. As vanta-
gens da audição binaural incluem: a localização da fonte sonora,
o fenômeno da somação binaural, a eliminação do efeito sombra
da cabeça, melhor reconhecimento de fala em presença de ruído
e menor esforço para ouvir.
A localização da fonte sonora é um fenômeno binaural, resul-
tante das diferenças interaurais de tempo, intensidade e fase do
estímulo sonoro. O cérebro realiza uma análise dos estímulos que
atingem as duas orelhas para determinar precisamente a distân-
cia, a posição e a elevação da fonte sonora. Portanto, ouvir com
dois aparelhos retroauriculares ou intra-aurais (cujos microfones
encontram-se ao nível do pavilhão auricular) possibilita ou melho-
ra a localização espacial, especialmente no caso de perdas
bilaterais simétricas.
O fenômeno da somação binaural refere-se ao fato de que
quando o som é apresentado para as duas orelhas, ele é perce-
bido como mais intenso do que se fosse apresentado
monoauralmente. Em orelhas com igual sensibilidade, o limiar
auditivo binaural é 3 dB melhor do que o monoaural, além de
propiciar menor esforço para ouvir. HAWKINS e cols. (1987) de-
monstraram que indivíduos com perdas neurossensoriais bilate-
rais podem ter uma somação binaural de 6 a 10 dB, o que permite
diminuir ligeiramente o ganho acústico dos aparelhos utilizados e,
dessa forma, reduzir a possibilidade de ocorrer a realimentação
acústica.
A eliminação do efeito sombra da cabeça diz respeito à
redução da intensidade do sinal, que ocorre quando este se
move de um lado para o outro da cabeça, especialmente em
altas freqüências. A “sombra acústica” provocada pela cabeça
pode ser de 6 a 18 dB, dependendo da freqüência. Isto também
é evidenciado quando o indivíduo usa um único aparelho de
amplificação e a fala é apresentada do lado não-protetizado.
Este efeito pode atenuar o sinal de fala em até 12 dB (MUELLER
& H AWKINS, 1990).
Uma das vantagens mais importantes da audição binaural é
favorecer a relação figura-fundo. O sistema auditivo possui a
capacidade de minorar a influência do ruído quando ouvimos
pelas duas orelhas, permitindo a síntese das informações recebi-
das em condições acústicas nem sempre ideais. O efeito imediato
deste fenômeno é melhorar o reconhecimento de fala na presença
de ruído ambiental, situação que é particularmente difícil para
quem apresenta uma perda auditiva.
O Processo de Seleção e Adaptação de Aparelhos de Amplificação Sonora 467

Portanto, a amplificação binaural deve ser considerada como


a forma de adaptação preferencial para todos os indivíduos
candidatos ao uso de aparelhos de amplificação, a menos que
exista alguma contra-indicação específica. O propósito de usar
dois aparelhos é criar para o deficiente auditivo, um ambiente
acústico que seja uma reprodução do ambiente original, de modo
que este possa usufruir todas as vantagens das diferenças
interaurais de intensidade, tempo e espectro do estímulo sonoro.
Tais diferenças fornecem as pistas adicionais necessárias para
aproximar o indivíduo deficiente auditivo das experiências auditi-
vas normais.
Deve ser ressaltado que indivíduos com problemas severos
de destreza manual portadores de perdas auditivas muito assi-
métricas e com problemas de processamento central podem ser
candidatos problemáticos ao uso de dois aparelhos (MUELLER &
G RIMES, 1993). Nestes casos, recomenda-se que a amplifica-
ção binaural seja experimentada e avaliada a fim de se determi-
nar a sua eficácia.
Quando questões médicas, audiológicas ou pessoais deter-
minarem a opção contrária ao uso de dois aparelhos, torna-se
necessário a escolha da orelha a ser aparelhada. Uma prática
comum é a adaptação do aparelho na pior orelha, se esta é
suficientemente boa para se beneficiar do uso da amplificação
e em contrapartida a orelha melhor possuir limiares auditivos
para funcionar parcialmente sem amplificação. Entretanto, quan-
do a assimetria entre os lados for significativa, a melhor orelha
deve ser a escolhida para receber a amplificação.
ZELNICK (1981) sugere os seguintes critérios para seleção da
orelha na adaptação monoaural: 1. aquela que possuir o melhor
índice de reconhecimento de fala, o que provavelmente resultará
em maior probabilidade de aceitação da amplificação; 2. a orelha
com maior campo dinâmico de audição, uma vez que uma área
dinâmica de aproximadamente 45 dB é necessária para a percep-
ção auditiva das mudanças de intensidade dos componentes
acústicos do sinal de fala, desde os mais fracos até os mais
intensos; e 3. quando os achados audiométricos das duas orelhas
forem semelhantes, pode-se considerar a preferência do paciente
no que se refere à facilidade de inserção/remoção do aparelho de
amplificação, qualidade do som amplificado e uso preferencial de
uma orelha para falar ao telefone. Nestes casos, moldes auricu-
lares bilaterais podem ser confeccionados, dando ao indivíduo a
oportunidade de experienciar a amplificação em cada orelha e
poder fazer ele próprio a sua opção.
Outro critério de escolha da orelha a ser aparelhada é a
presença de zumbido que possa ser mascarado pela amplifica-
ção. É importante ressaltar que neste caso a orelha deve apresen-
tar um índice de reconhecimento de fala suficiente para se
beneficiar da amplificação. Pacientes com zumbido muitas vezes
estão mais preocupados em aliviá-lo do que propriamente minorar
468 Fonoaudiologia Prática

suas dificuldades auditivas através do uso de um aparelho de


amplificação, podendo considerar o uso da amplificação apenas
se ela mascarar o zumbido.

2. Seleção do tipo de aparelho de amplificação


Quanto à tecnologia empregada
Nos dias de hoje, os aparelhos de amplificação são classifica-
dos quanto à tecnologia utilizada para a sua fabricação, em três
categorias: analógicos, digitais e híbridos analógicos/digitais.
Aparelhos analógicos utilizam a eletrônica convencional para
converter a onda sonora captada pelo microfone, em um sinal
elétrico equivalente. São aqueles que vêm sendo produzidos e
comercializados ao longo dos anos e possuem como vantagens:
o baixo custo, a miniaturização de seus componentes, a familia-
ridade já existente com a tecnologia e o baixo consumo de
energia. Suas limitações são: menor versatilidade dos circuitos, o
que torna a adaptação individual mais difícil, e restrições quanto
ao processamento de sinal, que podem ser realizadas por seus
circuitos miniaturizados.
Um aparelho digital possui, além dos seus circuitos eletrôni-
cos e transdutores, uma programação para controlar tais circuitos.
O sistema contém um microfone que capta a onda sonora e a
transforma em elétrica, exatamente como no aparelho analógico.
Antes do sinal ser amplificado, passa por um conversor analógico/
digital (A/D) que transforma o sinal elétrico em uma seqüência de
dígitos, os quais são então enviados para um microprocessador
que efetuará as filtragens e a amplificação necessárias. A seqüên-
cia numérica “amplificada” é, então, enviada para um conversor
de sinais digital/analógico (D/A), que é essencialmente o inverso
do processo de conversão analógico/digital, e é transformada em
sinal elétrico que possa ser enviado ao receptor que, por sua vez,
o reproduzirá amplificado e reconvertido em onda sonora (IÓRIO &
ALMEIDA, 1990).
São inúmeras as vantagens dos aparelhos digitais sobre os
analógicos, dentre elas: a capacidade de programação; maior
precisão no ajuste dos parâmetros eletroacústicos; capacidade
de automonitoração; controle da realimentação acústica; utiliza-
ção de técnicas avançadas de processamento do sinal digital para
redução de ruído; níveis automáticos de controle do sinal e ajustes
auto-adaptativos em função de mudanças acústicas ambientais.
A versatilidade dos aparelhos digitais é limitada apenas pelo
tipo de microprocessador e pelo programa utilizados. As possibi-
lidades de filtragem do sinal acústico, redução do ruído, ênfase do
sinal de fala e outros serão implementados nos programas empre-
gados. O tipo de microprocessador pode limitar a aceitação de
novos algoritmos, da mesma maneira que um programa desenvol-
vido para um supercomputador não poderá ser utilizado em um
microcomputador.
O Processo de Seleção e Adaptação de Aparelhos de Amplificação Sonora 469

O termo híbrido indica a combinação de dois tipos diferentes


de tecnologia e dá a idéia de que o aparelho não é completamente
analógico ou digital, mas parte de cada um deles. Essencialmen-
te, é um aparelho analógico que possui um ou mais componentes
digitais. Este tipo de combinação utiliza o melhor do circuito
analógico e o aprimora, incorporando os benefícios da eletrônica
digital. Nesse caso, o sinal sonoro nunca é convertido em dígitos;
porém, internamente no aparelho, existe um chip que controla ou
altera o modo como o som será amplificado.
Atualmente, estão disponíveis no mercado vários aparelhos
classificados como híbridos. A existência de um único componente
digital que controle parte do processamento do sinal analógico em
um aparelho de amplificação já o caracteriza como híbrido. Outro
exemplo deste sistema amplamente empregado são os aparelhos
digitalmente programáveis, onde há um componente digital que
realiza a programação das suas características eletroacústicas. A
resposta de freqüência, o ganho acústico, a saída máxima, a
compressão e outros parâmetros são ajustados através de uma
conexão com uma unidade externa de programação. Possui um
chip de memória, no qual os ajustes selecionados são estocados e
podem ser reprogramados sempre que necessário.
A programação eletrônica possibilita estocar mais do que
um conjunto de ajustes dentro de um mesmo aparelho. A
seleção das opções programadas fica por conta do indivíduo em
função de suas necessidades de audição. Desse modo, o
aparelho pode ser programado para funcionar de forma diferen-
te, dependendo do ambiente acústico em que seu usuário se
encontre. O número de ajustes permitidos irá depender da
quantidade de memórias existentes (alguns aparelhos
programáveis possuem apenas uma memória; outros duas, três
ou até quatro) e do modo de acesso que o usuário terá a elas,
isto é, controle remoto ou chaves mecânicas.
Uma vez programado, o aparelho é desconectado da sua
unidade de programação e usado da mesma maneira que um
aparelho analógico. Esta qualidade do sistema digitalmente
programável vai resultar em precisão e refinamento dos ajustes
das características desejadas da resposta em freqüência, possi-
bilitando melhor desempenho e qualidade sonora.
Este tipo de aparelho pode ser encontrado nas versões:
retroauricular, intra-auricular, intracanal e até peritimpânico, com
mais parâmetros eletroacústicos disponíveis do que os encontra-
dos nos analógicos, sem que o seu custo seja muito mais elevado.
STAAB (1987) cita como limitações dos aparelhos digitalmente
programáveis o custo mais elevado e o ruído interno, em média,
3 dB acima dos aparelhos analógicos.
No que se refere ao candidato ao uso deste tipo de aparelho,
podemos dizer que, em função de suas características e versati-
lidade, qualquer indivíduo portador de uma perda de audição de
grau leve a severo pode se beneficiar do uso de um aparelho
470 Fonoaudiologia Prática

digitalmente programável, mesmo aqueles com configurações


audiométricas pouco comuns (SWEETOW, 1994).
A tecnologia empregada na fabricação dos aparelhos de ampli-
ficação está mudando rapidamente e o processamento digital do
sinal promete estender a capacidade e o desempenho dos apare-
lhos muito além do disponível hoje em dia. Já existem disponíveis
no mercado aparelhos completamente digitais, os quais devem
contribuir para eliminar algumas das restrições impostas pelas
limitações tecnológicas e, dessa forma, processar o sinal acústico
de modo que o deficiente auditivo dele se beneficie amplamente.

Quanto ao tipo de aparelho de amplificação


A seleção do tipo de aparelho deve ser sempre baseada em
fatores físicos e audiológicos. Os fatores físicos incluem: caracte-
rísticas anatômicas do pavilhão auricular e meato acústico exter-
no, destreza manual do usuário e contra-indicações médicas para
a oclusão do meato acústico. Os fatores audiológicos são: a
configuração audiométrica, o grau de perda auditiva e necessida-
des especiais do paciente.
Nos dias de hoje, a escolha do tipo de aparelho de amplifica-
ção mais adequado para cada caso tem recaído basicamente
entre duas categorias: os retroauriculares e os intra-aurais (intra-
auriculares, intracanais e, especialmente, peritimpânicos). Isto
não significa que modelos de caixa ou embutidos em hastes de
óculos não sejam mais comercializados, mas sim que a indicação
destes tipos de aparelhos ficasse restrita a casos especiais.
Os aparelhos de caixa possuem algumas vantagens sobre os
retroauriculares, tais como: maior amplificação com menor risco
de ocorrer a realimentação acústica; controles externos maiores
e mais fáceis de manipular; utilizam pilha convencional; maior
resistência e durabilidade do aparelho. Apesar disto, estes apare-
lhos têm sido pouco utilizados, ficando sua indicação praticamen-
te limitada àqueles indivíduos portadores de perdas auditivas
profundas ou com limitações motoras importantes. Outra indica-
ção destes aparelhos é na adaptação por condução óssea, onde
há impossibilidade de utilizar um receptor por via aérea como, por
exemplo, nos casos de atresia do meato acústico externo, na
ausência do pavilhão auricular ou na impossibilidade de oclusão
do meato acústico externo na presença de problemas crônicos de
orelha média. Contudo, as vantagens acústicas e a estética dos
aparelhos retroauriculares sobre os de caixa fazem com que
sejam os escolhidos na maioria dos casos.
Os aparelhos embutidos em haste de óculos, embora tenham
sido os primeiros aparelhos ao nível da orelha a serem comer-
cializados, encontram-se hoje praticamente em desuso. Já os
retroauriculares têm boa aceitação uma vez que possuem ca-
racterísticas que propiciam adaptação em indivíduos de diferen-
tes faixas etárias portadores de deficiências auditivas de graus de
O Processo de Seleção e Adaptação de Aparelhos de Amplificação Sonora 471

leve a profundo. São bem-aceitos esteticamente, encontrados em


diversos tamanhos e possuem espaço suficiente para acomodar
vários controles (externos ou internos), o que lhes confere grande
versatilidade.
Os aparelhos intra-aurais, conforme o espaço que ocupam na
orelha externa, possuem diferentes denominações, tais como:
intra-auricular, intracanal ou peritimpânico. Genericamente falan-
do, os aparelhos intra-aurais possuem vantagens acústicas ine-
gáveis, em função da localização do seu microfone. A principal
delas é a manutenção das funções da orelha externa (especial-
mente no caso dos aparelhos menores e mais profundamente
inseridos no meato acústico externo). Além disso, são os preferi-
dos pelos indivíduos deficientes auditivos em virtude de sua
conveniência e aparência estética.
Dentre os aparelhos intra-aurais, os intra-auriculares são os que
possibilitam maior ganho acústico, versatilidade, circuitos mais
complexos, possibilidade de uso de ventilação e maior número de
controles internos. Como ocupam toda a área da concha, dificilmen-
te deslocam-se de seu lugar, o que proporciona maior segurança na
adaptação e minimiza a ocorrência de realimentação acústica.
Aparelhos do tipo intracanal, em função do seu tamanho e
localização, não possuem a versatilidade de controles e ajustes e
têm maiores limitações de ganho acústico do que os aparelhos
intra-auriculares. Devido ao tamanho dos seus receptores, forne-
cem uma faixa de amplificação estendida para as altas freqüên-
cias, o que pode levar seu usuário a julgar o som como “metálico”.
Além disso, a impossibilidade de se utilizar, quando necessário,
uma ampla ventilação para proporcionar a modificação acústica
desejada (incluindo a eliminação do efeito de oclusão) é conside-
rada uma desvantagem deste tipo de aparelho. Pacientes com
problemas de destreza manual podem ter dificuldades tanto em
inserir e remover estes aparelhos quanto em manipular seu
pequeno controle de volume.
Aparelhos peritimpânicos possuem todos os seus componen-
tes eletrônicos dentro do meato acústico externo, de 1 a 2 mm da
abertura meatal, terminando a 5 mm ou menos da membrana
timpânica. Em função da profundidade de sua inserção possuem
as seguintes vantagens: maior aceitação estética; menor ganho
acústico; saída máxima maior; maior amplificação em altas fre-
qüências; redução ou eliminação do efeito de oclusão; menor
distorção; redução da realimentação acústica; melhor localização
da fonte sonora; possibilidade de uso normal do telefone, de fones
de ouvido e estetoscópio e, de utilização durante o sono
(G UDMUNDSEN, 1994).
De forma geral, quando se trata de aparelhos que utilizam a
tecnologia analógica, é fato conhecido que quanto menor o apare-
lho, menor é a sua versatilidade eletrônica e o seu ganho acústico,
menores são o tamanho e o número de controles externos e internos
disponíveis e menos opções de modificações acústicas oferecem.
472 Fonoaudiologia Prática

A seleção do tipo de aparelho, em alguns casos, é norteada


pelas características anatômicas da orelha externa do indivíduo
que será adaptado. Certas deformidades do pavilhão auricular,
um pavilhão muito pequeno ou com uma cartilagem muito rígida
podem tornar impossível a adaptação de um modelo retroauri-
cular. Nestes casos, a solução pode estar no uso de um aparelho
intra-aural. Por outro lado, uma concha muito rasa e um meato
acústico estreito podem impedir a colocação de aparelhos intra-
auriculares e intracanais. Aparelhos peritimpânicos são contra-
indicados para aqueles indivíduos que sofreram mastoidectomia
radical, que possuam meatos acústicos externos muito estreitos
ou tortuosos ou apresentem problemas crônicos de orelha média.
A destreza manual do futuro usuário também deve ser consi-
derada, uma vez que é fundamental que o indivíduo seja comple-
tamente independente no tocante à manipulação do aparelho. A
habilidade do usuário com relação à inserção e remoção do
aparelho, bem como à manipulação do controle de volume e troca
da pilha, deve ser considerada e avaliada antes da seleção
definitiva do tipo de aparelho.

3. Molde auricular
O sucesso na adaptação de um aparelho de amplificação
pressupõe o uso de um molde auricular adequado à orelha do seu
usuário, de acordo com as suas necessidades audiológicas e
características eletroacústicas do aparelho selecionado, garan-
tindo plenamente os benefícios da amplificação (TAGUCHI &
ALMEIDA, 1996).
Sabemos que a confecção de determinados tipos de apare-
lhos depende de um molde específico, cujo objetivo é melhorar o
seu desempenho eletroacústico. Além disso, vários estudos de-
monstraram que o molde auricular, quando adaptado à orelha,
pode modificar, intencionalmente ou não, as características da
amplificação do sistema em uso. Portanto, os testes com apare-
lhos de amplificação devem sempre ser realizados utilizando-se
um molde auricular adequado ao tipo de aparelho e confecciona-
do individualmente para cada caso. Modificações acústicas de-
vem ser feitas quando necessário, uma vez que têm como
finalidade incrementar o ganho acústico em determinadas bandas
de freqüências, promovendo melhor inteligibilidade de fala, facili-
tando o processo de adaptação do usuário e tornando a amplifi-
cação mais natural.

4. A determinação das características


eletroacústicas
Uma parte importante do processo de seleção e adaptação de
um aparelho de amplificação é a escolha das características
eletroacústicas que, teoricamente, devem fornecer a amplificação
desejada para determinado indivíduo deficiente auditivo.
O Processo de Seleção e Adaptação de Aparelhos de Amplificação Sonora 473

Os aparelhos possuem características de ganho, resposta em


freqüências e nível de pressão sonora de saturação, as quais
devem ser individualmente prescritas e adaptadas, de forma a
atender às necessidades audiológicas do deficiente auditivo. O
ganho acústico deve estar sempre relacionado ao grau de perda
auditiva, a resposta em freqüências à configuração do audiogra-
ma e o nível de pressão sonora de saturação ou saída máxima
devem ser ajustados de forma a não exceder os limiares de
desconforto individuais, preservando o conforto do usuário e
evitando a ocorrência de superamplificação (ALMEIDA, 1993).

Ganho acústico
O princípio subjacente em qualquer estratégia para selecionar
e adaptar um aparelho para o deficiente auditivo é assegurar
uma amplificação que melhore o reconhecimento dos sons da
fala, com boa qualidade sonora e sem causar desconforto ao seu
usuário. Para realizar esta tarefa, a resposta de ganho por fre-
qüências do aparelho deve ser moldada de modo a compensar a
perda de audição existente.
Durante muitos anos foi utilizado o procedimento comparativo
(CARHART,1946), cujo princípio era a comparação do desempe-
nho entre vários aparelhos experimentados. Este método selecio-
nava como melhor aparelho, aquele que proporcionasse: 1. o
melhor limiar de recepção de fala; 2. o melhor índice de reconhe-
cimento de fala em ambiente silencioso; 3. a maior área dinâmica
de audição; e 4. melhor índice de reconhecimento de fala na
presença de ruído competitivo. O procedimento comparativo foi
muito aplicado até o aparecimento dos métodos prescritivos, que
têm sido hoje os preferencialmente utilizados no processo de
seleção de aparelhos de amplificação.
Vários são os métodos prescritivos em uso clínico e todos são
baseados na amplificação seletiva que, de maneira simples, pode
ser definida como sendo a manipulação da resposta de freqüência
para obter um desempenho ideal por parte do paciente. Em outras
palavras, o ganho ou a amplificação deve ser maior onde a perda
auditiva é maior. Através da utilização destes métodos é possível
prescrever, para cada freqüência, o ganho necessário para atingir
um determinado limiar de audibilidade. Posteriormente, realiza-se
uma avaliação para verificar se a prescrição efetivamente permitiu
que a resposta esperada fosse alcançada (IÓRIO, 1996).
Dentre os inúmeros procedimentos prescritivos existentes,
alguns utilizam os limiares de audibilidade como base para o
cálculo de ganho acústico necessário para amplificar os sons,
especialmente os da fala. Outros especificam que os sinais de fala
devem ser seletivamente amplificados em níveis confortáveis de
audição, a partir de medidas supraliminares de maior conforto e de
desconforto.
É importante ressaltar que nenhum destes métodos é perfeito,
sendo impossível prever com precisão as necessidades audioló-
474 Fonoaudiologia Prática

gicas de cada candidato ao uso do aparelho. Assim sendo, serão


apresentados alguns dos métodos de prescrição de ganho mais
populares e de maior utilização na prática clínica.

Regra do 1⁄2 ganho


LYBARGER (1944) foi o primeiro a propor cientificamente um
método prescritivo, onde o ganho acústico do aparelho deveria ser
equivalente à metade da perda auditiva. Recomendou que o limiar
de audibilidade fosse multiplicado por uma constante matemática
de 0,5 com uma reserva de ganho de 15 dB. Em 1963, uma nova
versão da regra do meio ganho foi apresentada onde: GO é o
ganho operacional, X a média aritmética dos limiares de audibili-
dade nas freqüências de 500, 1.000 e 2.000 Hz e Fgap um fator
de correção proporcional ao gap aéreo-ósseo.
X
GO =  + Fgap + 5dB
2

Método POGO (prescription of gain and output)


MCCANDLESS & LYREGAARD (1983) descreveram um método
chamado de Prescription of Gain and Output (POGO) para pres-
crever o ganho e a saída máxima dos aparelhos de amplificação
a serem adaptados em indivíduos portadores de perdas auditivas
neurossensoriais de grau até moderadamente severo. Este pro-
cedimento é derivado da regra de meio-ganho, com uma ligeira
redução do ganho nas freqüências de 250 e 500 Hz. A fórmula
proposta para o cálculo do ganho acústico na posição habitual do
controle de volume é a seguinte:

Freqüência Fórmulas
250 1⁄ L.A. – 10
2
500 1⁄ L.A. – 05
2
1.000 1⁄ L.A.
2
2.000 1⁄ L.A.
2
3.000 1⁄ L.A.
2
4.000 1⁄ L.A.
2

Quando o objetivo é calcular o ganho máximo mensurado nos


acopladores de 2 ml, as mesmas fórmulas devem ser aplicadas
acrescentando-se fatores de correção que variarão dependendo
do tipo de aparelho selecionado, como demonstrado abaixo.

Freqüência Fórmulas Intra Retro Caixa


250 1⁄ L.A. – 10 + 7 7 3
2
500 1⁄ L.A. – 05 + 9 9 3
2
1.000 1⁄ L.A. + 8 10 0
2
2.000 1⁄ L.A. + 16 12 21
2
3.000 1⁄ L.A. + 16 21 23
2
4.000 1⁄ L.A. + 15 19 23
2
O Processo de Seleção e Adaptação de Aparelhos de Amplificação Sonora 475

Os valores a serem adicionados à fórmula original resultam


da diferença entre as medidas obtidas em acopladores de
2 ml e a orelha humana acrescidos de uma reserva de ganho
de 10 dB. O método POGO também especifica como deve ser
efetuado o cálculo da saída máxima, baseado na média dos
limiares de desconforto para tons puros para as freqüências
de 500, 1.000 e 2.000 Hz, como demonstrado pela fórmula
abaixo:

UCL 500Hz + UCL 1.000Hz + UCL 2.000Hz


MPO = 
3

Para a transformação do valor de dB NA para dB NPS, o autor


sugere a adição de um fator de correção de 4 dB.
Após estudos realizados, os autores verificaram que estas
fórmulas não podiam ser aplicadas a indivíduos portadores de
perdas auditivas de grau severo e profundo, pois previam uma
quantidade de ganho insuficiente. Assim sendo, uma modificação
na fórmula original foi realizada, o que permitiu sua aplicação
nestes casos. Este procedimento foi chamado de POGO II, cujas
fórmulas prevêm maior ganho quando a perda auditiva exceder a
65 dB NA (SCHWARTZ, LYREGAARD, LUNDH, 1988). As fórmulas
revisadas são as seguintes:

Freqüência Fórmulas
250 1⁄ L.A. + 1⁄ (L.A. – 65) – 10
2 2
500 1⁄ L.A. + 1⁄ (L.A. – 65) – 05
2 2
1.000 1⁄ L.A. + 1⁄ (L.A. – 65)
2 2
2.000 1⁄ L.A. + 1⁄ (L.A. – 65)
2 2
3.000 1⁄ L.A. + 1⁄ (L.A. – 65)
2 2
4.000 1⁄ L.A. + 1⁄ (L.A. – 65)
2 2

Regra de 1⁄3 de ganho


LIBBY (1985) descreveu uma modificação da regra POGO,
propondo uma variação do ganho em função do grau da perda
auditiva, uma vez que verificou que pessoas portadoras de perdas
auditivas de grau leve e moderado preferiam ganho igual a um
terço da sua perda auditiva ao invés da metade. Em seu procedi-
mento recomendou a atenuação do ganho em 5 e 3 dB nas
freqüências abaixo de 1.000 Hz; a redução de 3 dB nas adapta-
ções binaurais; o acréscimo de 1⁄2 do diferencial aéreo-ósseo
(atingindo no máximo 8 dB) no ganho calculado para perdas
condutivas ou mistas e, ganho progressivamente maior quanto
mais severa fosse a perda auditiva.
As fórmulas propostas para o cálculo do ganho na posição
habitual do controle de volume foram:
476 Fonoaudiologia Prática

Freqüência Fórmulas
250 1⁄ L.A. – 5
3
500 1⁄ L.A. – 3
3
1.000 1⁄ L.A.
3
2.000 1⁄ L.A.
3
3.000 1⁄ L.A.
3
4.000 1⁄ L.A.
3
6.000 1⁄ L.A. – 5
3

As fórmulas para o cálculo do ganho máximo mensurado em


acopladores de 2 ml possuem valores de correção acrescentados,
dependendo do tipo de aparelho auditivo escolhido. São elas:

Freqüência Fórmulas Tipos de aparelho



Intra Retro Caixa
250 1⁄ L.A. + 6 6 3
3
500 1⁄ L.A. + 8 8 5
3
1.000 1⁄ L.A. + 11 12 5
3
2.000 1⁄ L.A. + 16 21 26
3
3.000 1⁄ L.A. + 18 25 28
3
4.000 1⁄ L.A. + 12 20 28
3
6.000 1⁄ L.A. + 2 13 10
3

Método de Berger
BERGER (1976) descreveu um método para o cálculo do ganho
acústico baseado na regra de meio-ganho. Este método passou por
diversas revisões, tendo sido a última publicada por BERGER, HAGBERG,
RANE (1990). Estes autores também estabeleceram fatores de
correção para adaptações binaurais (subtraindo 3 dB do ganho por
freqüência), para perdas condutivas (somando 20% do diferencial
aéreo-ósseo) e para moldes abertos. Além de prescrever o ganho,
este método determinava o nível de saída máximo do aparelho de
amplificação. Este era estabelecido em função do nível de descon-
forto do paciente, medido com estímulos pulsáteis em dB NA e depois
convertido em dB NPS. Os autores recomendaram também o uso do
controle automático de ganho (AGC) quando a área dinâmica de
audição fosse menor do que a considerada apropriada para a fala
amplificada. Assim sendo, eram necessárias equações específicas
para determinar o ganho para perdas auditivas neurossensoriais,
adaptação monoaural e para os diferentes tipos de aparelhos. As
equações foram as seguintes:

Freqüência Tipo de aparelho



Retroauricular Intra-auricular
500 L.A. 0500/2,0 + 10 L.A. 0500/2,0 + 10
1.000 L.A. 1000/1,6 + 10 L.A. 1000/1,6 + 10
2.000 L.A. 2000/1,5 + 10 L.A. 2000/1,5 + 10
3.000 L.A. 3000/1,7 + 13 L.A. 3000/1,7 + 10
4.000 L.A. 4000/1,9 + 10 L.A. 4000/1,9 + 10
6.000 L.A. 6000/2,0 + 10 L.A. 6000/2,0 + 10
O Processo de Seleção e Adaptação de Aparelhos de Amplificação Sonora 477

National Acoustic Laboratories (NAL)


BYRNE & TONISSON (1976) apresentaram a primeira versão
do método desenvolvido no National Acoustic Laboratories
(NAL) na Austrália para determinar o ganho acústico por fre-
qüência para indivíduos portadores de perdas auditivas neuros-
sensoriais. Era baseado nos limiares de audibilidade e não
necessitava do nível de desconforto supraliminar. O objetivo do
método era permitir a amplificação do espectro de fala de
maneira confortável e similar ao longo de toda a faixa de
freqüências (I ÓRIO, 1996).
Os autores verificaram que o nível de sensação preferido
diminuía linearmente, conforme aumentava o grau da perda
auditiva e que havia um decréscimo de 5,4 dB neste nível de
sensação, a cada aumento de 10 dB no limiar de audibilidade.
A partir deste achado, concluíram que era necessário aumentar
o ganho em 4,6 dB a cada 10 dB de aumento no limiar de
audibilidade. Além disso, foram consideradas as diferenças
entre o ganho funcional e o do acoplador de 2 ml, e mais a
reserva de ganho de 15 dB no fator de correção final. O ganho
calculado era, portanto, correspondente à curva de ganho
máximo obtida no acoplador de 2 ml. Assim, o ganho prescrito
por freqüência foi igual a 0,46 vezes o limiar de audibilidade,
acrescido de uma constante dependente da freqüência, que
variou de –17 dB a +4 dB.
Após estudos realizados, BYRNE & DILLON (1986) concluíram
que o método proposto não cumpria o seu objetivo de amplificar
todas as faixas de freqüências da fala para níveis equivalentes em
sensação de intensidade. Propuseram, então, o novo procedi-
mento do National Acoustic Laboratories, cujas fórmulas são as
seguintes:

Freqüência Fórmulas
250 X + 0,31 (L.A. 0250) – 17
500 X + 0,31 (L.A. 0500) – 08
750 X + 0,31 (L.A. 0750) – 03
1.000 X + 0,31 (L.A. 1000) + 01
1.500 X + 0,31 (L.A. 1500) + 01
2.000 X + 0,31 (L.A. 2000) – 01
3.000 X + 0,31 (L.A. 3000) – 02
4.000 X + 0,31 (L.A. 4000) – 02
6.000 X + 0,31 (L.A. 6000) – 02
X = 0,05 (L.A. 500 + L.A. 1000 + L.A. 2000)

Se o objetivo for o cálculo do ganho mensurado em acopladores


de 2 ml e em simuladores de ouvido, considerando uma reserva
de ganho de 15 dB, aplicam-se as mesmas fórmulas acima
descritas acrescentando-se os valores de correção que variarão
segundo o tipo de aparelho e acoplador selecionados, como
mostra a tabela a seguir:
478 Fonoaudiologia Prática

Freqüência (Hz) Acoplador de 2,0 ml Simulador


 
Retro Intra Caixa Retro Intra Caixa
250 1 –1 0 5 2 0
500 9 9 2 13 12 6
750 12 13 8 17 16 12
1.000 16 16 13 22 21 19
1.500 13 14 22 19 21 28
2.000 15 14 25 24 23 35
3.000 22 15 26 29 25 33
4.000 18 13 17 24 25 23
6.000 12 4 21 19

Outro estudo realizado por BYRNE, PARKINSON, NEWALL (1990)


demonstrou que a maioria dos indivíduos portadores de perdas
auditivas de grau severo e profundo (acima de 70 dB NA) necessi-
taram de maior ganho do que o prescrito pela regra NAL original.
Propuseram, então, que quando a média dos limiares das freqüên-
cias de 500, 1.000 e 2.000 Hz excedesse 60 dB, seria necessário um
acréscimo ao ganho prescrito. Uma quantia deve ser acrescentada
ao valor de X sempre que a soma dos limiares de 500, 1.000 e 2.000
Hz exceder 180. O cálculo para esta correção deverá ser o seguinte:
0,116 (X – 180). Além desse acréscimo de ganho geral, seria
necessária maior amplificação em baixas freqüências e diminuição
nas altas quando o limiar de audição excedesse 95 dB NA em 2.000
Hz. Os fatores de correção sugeridos foram os seguintes:

Limiar Freqüência (Hz)


2.000 Hz 250 500 750 1.000 1.500 2.000 3.000 4.000 6.000
95 4 3 1 0 –1 –2 –2 –2 –2
100 6 4 2 0 –2 –3 –3 –3 –3
105 8 5 2 0 –3 –5 –5 –5 –5
110 11 7 3 0 –3 –6 –6 –6 –6
115 13 8 4 0 –4 –8 –8 –8 –8
120 15 9 4 0 –5 –9 –9 –9 –9

Saída máxima
A seleção da saída máxima é crucial para o ajustamento e
adaptação adequada do deficiente auditivo ao uso da amplificação.
Quando a saída máxima estiver excedendo o limiar de desconforto,
o usuário do aparelho de amplificação poderá: 1. alterar constante-
mente o controle de volume para ajustá-lo aos diferentes níveis de
entrada sonora; 2. utilizá-lo apenas em ambientes silenciosos onde
os níveis de entrada sejam menos intensos; 3. simplesmente deixar
o controle de volume em uma posição fixa onde o ganho acústico
acrescido dos níveis de entrada não exceda o seu limiar de descon-
forto, evitando a manipulação constante; e 4. deixar de usar o
aparelho (HAWKINS, 1984).
A premissa na seleção dos níveis de saída máxima é que o
usuário de um aparelho de amplificação não vivencie o desconfor-
O Processo de Seleção e Adaptação de Aparelhos de Amplificação Sonora 479

to e que todo cuidado seja tomado para prevenir a ocorrência de


perda adicional de audição, em função de níveis de pressão
sonora de saída excessivos.
Assim sendo, devem ser quatro os objetivos da seleção apro-
priada da saída máxima: 1. minimizar ou mesmo eliminar o descon-
forto físico causado pela amplificação dos sinais de fala, ruído e sons
ambientais da vida diária; 2. reduzir o desconforto perceptual
causado pelos sinais acústicos mais intensos, inclusive da própria
voz; 3. aumentar a faixa dinâmica da audição do indivíduo; e 4. limitar
a saída do aparelho abaixo do nível que poderá causar perda
adicional de audição (HAWKINS, BALL, BEASLEY, 1992).
Muitos métodos têm sido empregados na prática clínica para
selecionar e ajustar a saída máxima do aparelho. Estes méto-
dos, em geral, envolvem mensurações supraliminares de des-
conforto ou a previsão destes a partir dos limiares de tons puros,
devendo ser a saída máxima ajustada em um ponto abaixo dos
limiares de desconforto obtidos.
Sempre que possível recomenda-se que a saída máxima seja
ajustada com base nos limiares de desconforto. Tais limiares devem
ser determinados para tons puros através do procedimento ascen-
dente para as freqüências de 500, 1.000, 2.000, 3.000 e 4.000 Hz.
Os estímulos são aumentados em passos de 5 dB e, cada vez que
o paciente indicar que o estímulo é desconfortável, a intensidade é
decrescida; cada vez que ele indicar que o estímulo é confortável,
a intensidade é aumentada. O limiar de desconforto é considerado
como o ponto em que 50% das respostas ocorrem (ALMEIDA, 1996).
Se a pesquisa dos limiares de desconforto for realizada através
de fones audiométricos supra-aurais, deve-se corrigir a diferença
entre os valores obtidos em dB NA (calibração do fone é realizada
em acoplador de 6 ml) e dB NPS (saída máxima do aparelho no
acoplador de 2 ml. HAWKINS (1992) propôs a utilização de fatores de
correção, que permitem a conversão direta dos limiares de descon-
forto obtidos através de fones supra-aurais em valores em dB NPS
obtidos no acoplador de 2 ml (Tabela 21.1).

TABELA 21.1 – Valores de conversão de dB NA em fone audiomé-


trico para dB NPS no acoplador de 2 ml (H AWKINS,1992).
Freqüência (Hz) Fone TDH 39 Fone TDH 40 e 50
250 20,7 21,7
500 9,9 11,9
750 7,3 7,8
1.000 5,5 6,0
1.500 2,5 3,5
2.000 5,2 7,2
3.000 5,7 5,2
4.000 –0,5 0,5
6.000 –0,2 –2,2
480 Fonoaudiologia Prática

Outra abordagem é selecionar objetivamente a saída máxima


a partir dos limiares de audibilidade para tons puros. Neste caso,
a mensuração do limiar de desconforto não é realizada e fatores
de correção médios serão utilizados para determinar a saída
desejada. Este é o método comumentemente utilizado pelos
fabricantes de aparelhos intra-aurais, quando solicitados a con-
feccionar determinado tipo de aparelho sem receberem informa-
ção sobre os limiares de desconforto do indivíduo.
Alguns métodos prescritivos permitem a previsão dos limiares
de desconforto do indivíduo e da saída máxima do aparelho de
amplificação, a partir do conhecimento dos limiares tonais. Dentre
eles, o Desired Sensation Level DSL (SEEWALD , 1992) deve ser
ressaltado. Este procedimento se baseia nas relações entre
limiares tonais e de desconforto e nas preocupações com a super-
amplificação, para a determinação da saída máxima a partir dos
limiares tonais, como demonstrado na Tabela 21.2.

TABELA 21.2 – Valores recomendados de saída máxima baseados nos limiares


tonais, segundo procedimento DSL.
Freqüência (Hz)
dB NA 250 500 750 1.000 1.500 2.000 3.000 4.000 6.000
0 94 102 101 99 99 100 100 98 97
5 94 102 101 99 99 101 100 99 97
10 94 102 101 100 100 102 101 100 98
15 95 103 102 101 100 103 102 101 98
20 95 103 102 101 101 104 103 102 99
25 96 104 103 103 102 105 105 103 100
30 97 105 104 104 104 106 106 104 101
35 99 106 106 105 105 108 108 106 103
40 100 107 107 107 107 110 110 108 105
45 102 109 109 109 109 112 112 109 106
50 104 111 110 110 111 114 114 111 108
55 106 113 112 112 113 116 116 113 111
60 109 115 114 114 115 118 118 115 113
65 111 117 117 117 117 120 120 118 115
70 114 119 119 119 119 122 123 120 117
75 117 121 121 121 121 124 125 122 120
80 120 123 123 123 123 126 127 124 122
85 123 126 125 125 125 128 129 126 124
90 126 128 127 127 127 130 130 128 125
95 129 130 129 129 129 131 132 130 127
100 132 131 131 130 131 133 133 132 128
105 — 133 132 131 132 134 135 133 —
110 — 134 134 133 133 135 136 135 —
O Processo de Seleção e Adaptação de Aparelhos de Amplificação Sonora 481

Outros procedimentos, como o POGO e o método de Berger,


possibilitam o cálculo da saída máxima no acoplador de 2 ml,
conforme demonstrado anteriormente.
Uma questão importante na prescrição dos níveis de saída
máxima refere-se aos dispositivos utilizados para o registro dos
parâmetros eletroacústicos dos aparelhos, ou seja, os acopladores.
Estes, por sua vez, não reproduzem as características da orelha
humana, e as diferenças individuais entre as propriedades físicas
e acústicas da orelha externa irão afetar a resposta real de um
determinado aparelho. Isto se deve ao fato de que os efeitos
produzidos pela cabeça, pavilhão auricular e tronco, acrescidos
das propriedades de ressonância do meato acústico externo, não
estão presentes nas mensurações realizadas com acopladores.
Portanto, as curvas obtidas nestes dispositivos não são represen-
tações precisas do desempenho de um aparelho de amplificação
na orelha humana.
As mensurações do nível de pressão sonora na orelha huma-
na diferem enormemente das realizadas no acoplador de 2 ml,
sendo tais níveis geralmente maiores na orelha humana. Em
muitos casos, o nível de pressão sonora real pode ser subestima-
do em mais de 10 dB, levando a um risco de ocorrência de super-
amplificação se a seleção da saída máxima de um aparelho
auditivo for determinada apenas com base nas medidas padroni-
zadas fornecidas pelos acopladores de 2 ml (ALMEIDA, 1993).
Portanto, é importante considerar sempre o aumento no nível de
pressão sonora, que ocorrerá nos meatos acústicos externos do
indivíduo ao se determinar o nível de pressão sonora de saturação
de um aparelho, a partir dos dados eletroacústicos obtidos em
acopladores de 2 ml.
A seleção da saída máxima em crianças é sempre mais crítica
do que em adultos, uma vez que dificilmente uma criança pequena
refere que o som amplificado a está incomodando. Além disso,
freqüentemente é difícil obter seus limiares de desconforto, em
função do nível cognitivo necessário para a realização desta
tarefa (BENTLER, 1993). Nestes casos, o fonoaudiólogo deve
tomar algumas decisões para a seleção do nível de saída máxima,
baseando-se nos seguintes critérios: 1. a saída deve ser baixa o
suficiente para prevenir a ocorrência de desconforto e evitar uma
perda adicional de audição por superamplificação; e 2. deve ser
intensa o suficiente para possibilitar a maior faixa dinâmica pos-
sível e para que a amplificação dos sons de fala não leve o
aparelho auditivo constantemente à saturação.
Como, em geral, apenas os limiares audiométricos ou níveis
mínimos de respostas estão disponíveis, procedimentos objetivos
para a prescrição da saída máxima devem ser utilizados. O
método DSL desenvolvido especialmente para ser aplicado com
crianças é uma opção. A Tabela 21.2 deve ser consultada para a
escolha dos níveis de saída máxima recomendados a partir dos
limiares audiométricos.
482 Fonoaudiologia Prática

Outro fator que não pode ser negligenciado diz respeito ao


volume residual existente entre a ponta do molde auricular e a
membrana timpânica, que é amplamente reduzido na criança
quando comparado ao de um adulto. Esta redução de volume
acrescida das diferenças de imitância pode gerar grandes
variações na saída máxima do aparelho, quando registrada em
um acoplador de 2 ml e no meato acústico externo. Por estas
razões, é importante considerar o aumento no nível de pressão
sonora que ocorrerá no meato acústico externo de uma criança
ao se determinar o nível de pressão sonora de saturação de um
aparelho, a partir dos dados eletroacústicos obtidos em
acopladores de 2 ml.

Seleção de circuitos especiais e características


opcionais
Após a seleção das características de ganho acústico e saída
máxima, deve ser feita uma avaliação das necessidades do
candidato ao uso do aparelho no que se refere aos circuitos
especiais que os aparelhos a serem experimentados devem
conter, tais como: circuito de limitação de saída, controle automá-
tico de ganho (AGC), supressores de ruído, circuitos processadores
de sinal, microfone direcional e outros.
A necessidade da bobina telefônica (que possibilita, através
da indução eletromagnética do fone do telefone com o aparelho,
a conversa ao telefone), a possibilidade de entrada direta de áudio
(no caso de conexão com equipamentos auxiliares de audição) e
outras características especiais dos aparelhos devem ser escolhi-
das neste momento.

AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO E BENEFÍCIO DO


APARELHO DE AMPLIFICAÇÃO
1. Ganho funcional
O aparelho de amplificação deve ter o ganho acústico ajustado
de modo a se aproximar, tanto quanto possível, dos valores calcu-
lados previamente. A avaliação do ganho pode ser realizada através
da obtenção dos valores de ganho funcional ou da resposta de
inserção obtida com os equipamentos de microfone-sonda.
O ganho funcional, uma resposta psicoacústica, é definido
como a diferença em decibels (dB) entre os limiares de audibilida-
de obtidos em campo livre com e sem aparelho auditivo. Em geral,
são utilizados como estímulos tons modulados (para a faixa de
freqüências de 250 a 4.000 Hz) ou ruído de banda estreita. Trata-
se de um método subjetivo, pois necessita da colaboração efetiva
do paciente e reflete o que o indivíduo escuta, proporcionando
uma descrição verdadeira do ganho efetivo do aparelho de
amplificação, além de ser o único método possível de ser aplicado
O Processo de Seleção e Adaptação de Aparelhos de Amplificação Sonora 483

na avaliação do desempenho de aparelhos por condução óssea


(M ATAS & IÓRIO, 1996).
As medidas de ganho funcional devem ser obtidas separada-
mente para cada orelha, principalmente no caso de perdas
auditivas assimétricas. É fundamental eliminar a participação da
orelha não-testada na avaliação da orelha sob teste. Por se tratar
de um método subjetivo, que necessita da efetiva colaboração do
paciente, dificulta a avaliação de aparelhos em crianças pequenas
e em indivíduos com múltiplas deficiências impossibilitados de
fornecer respostas confiáveis. Este método avalia apenas fre-
qüências predeterminadas, além de não ser capaz de detectar
variações menores do que 5 dB e ser suscetível à interferência de
ruído ambiental e do ruído interno do circuito do aparelho de
amplificação.

2. Mensurações in situ
Avaliação do ganho acústico
Sem dúvida alguma, o desenvolvimento dos equipamentos
com microfone-sonda foi o mais importante avanço ocorrido nos
últimos anos na área de adaptação de aparelhos de amplificação,
uma vez que fornecem informações essenciais durante o proces-
so de seleção, permitindo mais precisão nos ajustes e na avalia-
ção das características da amplificação recebida pelo indivíduo
deficiente auditivo.
A mensuração in situ que mais atenção recebe durante o
processo de adaptação do aparelho é a resposta de inserção. É
definida como a curva de resposta em freqüências resultante da
diferença entre a resposta sem e com aparelho, em decibels,
obtidas no mesmo ponto no meato acústico externo. Represen-
ta o ganho fornecido por um aparelho quando inserido na orelha
do indivíduo.Se estivermos nos referindo ao ganho em apenas
uma freqüência, o termo empregado é ganho de inserção, que
é uma resposta eletroacústica, objetiva e considerada como
equivalente ao ganho funcional.
Uma das principais aplicações da resposta de inserção é
verificar se o ganho acústico desejado foi obtido. A maioria dos
equipamentos é capaz de calcular o ganho acústico do aparelho,
desde que sejam fornecidos os limiares tonais do paciente e
escolhido o método prescritivo desejado. Dessa forma, pode-se
observar no monitor a curva de ganho prescrito e compará-la com
aquela obtida com o aparelho (COSTA, COUTO, ALMEIDA, 1996).
Os equipamentos com microfone-sonda são extremamente
versáteis e sua utilização deve ir muito além do que simples-
mente determinar a resposta de inserção. Quando bem-utiliza-
dos, permitem o registro do desempenho de qualquer tipo de
aparelho de amplificação, bem como de quaisquer circuitos
especiais presentes, os quais não poderiam ser avaliados por
outros meios.
484 Fonoaudiologia Prática

É um instrumento poderoso no processo de seleção e adaptação


de aparelhos auditivos na população infantil, fornecendo dados obje-
tivos e precisos sobre a amplificação recebida pela criança. Entretanto,
devemos lembrar que estes sistemas não avaliam a audição, apenas
registram o nível de pressão sonora no meato acústico externo.
Portanto, mensurações obtidas com microfones-sonda são pouco
valiosas na ausência de resultados audiométricos válidos.

Avaliação da saída máxima


Independentemente do processo de seleção da saída máxima
utilizado, é fundamental que o fonoaudiólogo verifique se o descon-
forto não está sendo experienciado antes do indivíduo utilizar os
aparelhos nas situações de vida diária. A verificação do ajuste
escolhido deve ser realizada em cada orelha separadamente e a
saída máxima obtida deverá estar abaixo dos limiares de desconfor-
to, prevenindo, desta forma, a ocorrência de super-amplificação.
Esta avaliação pode ser realizada de modo formal ou informal.
HAWKINS (1992) sugere uma avaliação informal que requer a expo-
sição do indivíduo a três tipos diferentes de estímulos: falar alto e
próximo ao microfone do aparelho auditivo, bater palmas próximo a
cabeça do indivíduo e produzir ruídos próximos ao aparelho.
Se um procedimento mais formal é o preferido, os equipamentos
com microfone-sonda são instrumentos valiosos, que podem ser
utilizados para apresentar sinais distintos (tons puros, warble ou
ruídos de banda larga) em altas intensidades para levar o aparelho
à saturação. Dois métodos podem ser utilizados para a mensuração
da saída máxima através de equipamentos com microfone-sonda:
o direto, que registra diretamente a resposta de saturação na orelha
do usuário; e o indireto, onde a resposta de saturação é obtida a
partir de outras mensurações.
No método direto, o controle de volume do aparelho é posicio-
nado em um ponto imediatamente abaixo da ocorrência
de realimentação acústica e utilizando-se um sinal de entrada de
90 dB NPS obtém-se o registro da saída máxima na orelha do
usuário do aparelho avaliado. Deve-se tomar cuidado para que o
nível sonoro não seja demasiadamente intenso para provocar
desconforto ao paciente. Na avaliação de um indivíduo adulto, é
possível pesquisar anteriormente o limiar de desconforto e ajustar o
aparelho auditivo abaixo deste. Porém, com crianças nem sempre
isto é possível. Então, nestes casos, o método indireto mais seguro
é sugerido para obtenção da resposta de saturação, conforme
descrito a seguir: 1. registre a resposta com aparelho para um sinal
de entrada de 60 dB, com o controle de volume na metade da
rotação e anote os valores obtidos; 2. remova o aparelho da orelha,
cuidando para não alterar os controles; 3. conecte o aparelho ao
acoplador de 2 ml e obtenha a curva de saída máxima, utilizando a
mesma entrada sonora de 60 dB NPS; 4. ajuste o controle de volume
no máximo e, utilizando uma entrada de 90 dB NPS, registre a saída
O Processo de Seleção e Adaptação de Aparelhos de Amplificação Sonora 485

máxima no acoplador de 2 ml; 5. calcule as diferenças dos valores


obtidos no acoplador de 2 ml para o nível de entrada de 60 dB e de
90 dB NPS; 6. adicione essas diferenças aos valores obtidos na
orelha para 60 dB NPS de entrada e com o volume na metade da
rotação, o que resultará em uma resposta de saturação prevista
similar àquela obtida no meato acústico externo (MUELLER, 1992).
A aplicação clínica dessa medida está diretamente relaciona-
da a um dos objetivos primários na adaptação de aparelhos de
amplificação, que é assegurar a amplificação confortável dos
sinais sonoros e da fala.
Independentemente da forma como a saída máxima foi deter-
minada, é fundamental que o fonoaudiólogo monitore o paciente
cuidadosamente para verificar a ocorrência de desconforto ou de
superamplificação. É recomendável que a saída máxima do
aparelho seja reajustada periodicamente após a adaptação ini-
cial, à medida que o usuário se acostuma com a amplificação e
vivencia diferentes situações de comunicação.
No caso de crianças, recomendamos sua reavaliação utilizan-
do o aparelho, periodicamente, especialmente durante o primeiro
ano de uso da amplificação.

3. Testes de reconhecimento de fala


Apesar da audiometria em campo livre fornecer dados sobre
o funcionamento do sistema auditivo com e sem aparelho, não
fornece informações precisas sobre a habilidade do indivíduo de
reconhecer os sons de fala.
Os testes de reconhecimento de fala foram desenvolvidos
com o objetivo de estimar a habilidade do indivíduo de reconhecer
a fala, habilidade esta que também deve ser considerada quando
é indicado o uso de aparelhos, podendo-se estimar, a partir de
seus resultados, se o indivíduo beneficiar-se-á com a sua utiliza-
ção. Além disso, estes testes são de grande importância no
processo de seleção e adaptação de aparelhos, permitindo a
seleção do modelo que possibilite o melhor índice de reconheci-
mento de fala, bem como a seleção do melhor ajuste deste
aparelho para cada indivíduo em particular (MATAS & IÓRIO, 1996).
Muitos testes que empregam o estímulo de fala têm sido
utilizados para avaliação do desempenho dos aparelhos de ampli-
ficação. Os limiares de recepção de fala com e sem aparelho podem
ser obtidos e comparados para verificar o ganho; o estímulo de fala
pode ser usado para verificar o nível de desconforto com e sem
aparelho. Porém, historicamente, o índice de reconhecimento de
fala vem sendo o mais utilizado.
Muitos autores têm questionado a validade da aplicação dos
testes de fala, uma vez que os resultados obtidos na clínica não
prevêem como será o desempenho do usuário do aparelho em
situações da vida diária. Outros continuam a advogar o seu uso
desde que algumas premissas sejam respeitadas, tais como:
486 Fonoaudiologia Prática

utilizar listas de monossílabos de 50 itens, obter índices tanto no


silêncio quanto na presença de ruído competitivo, utilizar estí-
mulo gravado e solicitar, sempre que possível, respostas escri-
tas dos sujeitos avaliados. O nível de apresentação do estímulo
de fala deverá ser em torno de 40 a 50 dB NA para se aproximar
dos níveis usuais da conversação (HODGSON , 1986).

4. Uso de questionários de auto-avaliação


Outra forma de se avaliar o desempenho e o benefício dos
aparelhos de amplificação é através do uso de questionários de
auto-avaliação, que podem ser aplicados antes, durante e após a
adaptação do aparelho. Muitos destes questionários foram de-
senvolvidos e têm sido rotineiramente aplicados nos usuários de
aparelhos de amplificação, para avaliar o grau de satisfação do
uso de um aparelho fora do ambiente clínico. A aplicação de
questionários de auto-avaliação é um procedimento rápido, sim-
ples e eficiente, que permite avaliar a adaptação do indivíduo ao
uso do aparelho de amplificação (M ATAS & IÓRIO, 1996).
A seguir, serão descritos brevemente alguns questionários de
auto-avaliação.
• Hearing Handicap Inventory for the Elderly (HHIE)
Este questionário foi desenvolvido por VENTRY & WEINSTEIN
(1982), e é constituído de 25 questões, que abrangem os aspectos
psicossociais da deficiência auditiva em indivíduos idosos (dificul-
dades de comunicação e conseqüências sociais e emocionais da
deficiência auditiva).
• Hearing Aid Performance Inventory (HAPI)
WALDEN, DEMOREST, HEPLER (1984) elaboraram um questio-
nário com 64 itens para avaliar o desempenho do aparelho de
amplificação em diferentes situações de vida diária, tais como:
reconhecimento de fala no ruído, no silêncio e sem o uso de pistas
visuais e percepção de outros sons. Este questionário foi desen-
volvido a partir de outro, o Hearing Performance Inventory (HPI),
constituído de158 itens.
• Shortened Hearing Aid Performance Inventory (SHAPI)
SCHUM (1992), com o objetivo de adaptar o questionário HAPI
para indivíduos idosos, reelaborou um outro constituído de ape-
nas 38 itens, o que facilita a sua aplicação.
• Profile of Hearing Aid Performance (PHAP)
COX & GILMORE (1990) desenvolveram um questionário com-
posto de 66 itens que investiga as habilidades de comunicação e
percepção do som de um usuário de aparelho de amplificação, em
diversas situações de vida diária. Este questionário preocupa-se
apenas em avaliar o desempenho do indivíduo em situações nas
quais o aparelho está sendo utilizado.
• Profile of Hearing Aid Benefit (PHAB)
Utilizando as mesmas escalas do PHAP, com 66 itens e o mesmo
padrão de resposta, COX & RIVERA (1992) desenvolveram o questio-
O Processo de Seleção e Adaptação de Aparelhos de Amplificação Sonora 487

nário PHAB. Para cada item são dadas duas respostas, uma sem e
outra com o aparelho, avaliando desta forma o desempenho do
indivíduo em cada situação de vida diária com e sem aparelho.
• Abbreviated Profile of Hearing Aid Benefit (APHAB)
COX & ALEXANDER (1995) desenvolveram, a partir do questio-
nário PHAB, um modelo reduzido com o objetivo de utilizá-lo como
instrumento clínico. O APHAB apresenta 24 itens distribuídos em
quatro subescalas: facilidade de comunicação, reverberação,
ruído ambiental e desconforto para sons. As três primeiras
subescalas destinam-se a avaliar a inteligibilidade da fala em
várias situações de vida diária, enquanto a quarta quantifica as
reações negativas aos sons ambientais.
RADINI (1994) desenvolveu o primeiro questionário adaptado
ao português brasileiro, com o objetivo de pesquisar o grau de
satisfação do usuário de aparelhos analógicos e digitalmente
programáveis em diversas situações de vida diária. Este instru-
mento foi elaborado a partir da combinação de dois questionários
– HAPI e SHAPI. O questionário possui quatro partes: 1. dados de
identificação; 2. FASE A – 32 situações quanto ao desempenho
dos aparelhos em diversas situações (em casa, no carro, na rua
e locais diversos), com seis opções de resposta; 3. FASE B – 10
itens referentes às queixas dos usuários quanto ao desempenho
dos aparelhos de amplificação (desconforto a sons intensos,
qualidade sonora, amplificação insuficiente, dificuldades na com-
preensão de fala, tamanho inadequado, problemas de realimen-
tação acústica constante); e 4. FASE C – 8 itens resumindo o
desempenho dos aparelhos em várias situações (compreensão
de fala no silêncio, com ruído de fundo; reconhecimento de sons
ambientais; qualidade sonora; ruídos internos do aparelho; apre-
ciação de música; qualidade da voz do usuário e avaliação geral).
Dessa forma, os questionários de auto-avaliação, assim como
as medidas do ganho funcional, ganho de inserção e testes de
reconhecimento de fala, devem ser utilizados conjuntamente
pelos profissionais com o objetivo de avaliar o desempenho de
indivíduos usuários de aparelhos de amplificação, verificando sua
adequação nas inúmeras situações de vida diária e permitindo a
identificação de possíveis modificações que se façam necessá-
rias em suas regulagens (MATAS & IÓRIO, 1996).

ADAPTAÇÃO DO APARELHO DE AMPLIFICAÇÃO


Uma das etapas decisivas do processo de adaptação do indivíduo
ao aparelho selecionado é a orientação ao seu usuário. Esta etapa
deve incluir explicações cuidadosas sobre o funcionamento do apa-
relho, os benefícios e limitações, os cuidados e reparos, bem como a
prática em sua manipulação e inserção. A orientação e o aconselha-
mento devem enfatizar as necessidades auditivas individuais, procu-
rando esclarecer as possíveis dúvidas e aumentar a aceitação da
amplificação e ressaltar os benefícios gerados pelo seu uso.
488 Fonoaudiologia Prática

A manipulação do aparelho e de seus controles, sua coloca-


ção e remoção, a troca de pilhas e os procedimentos de limpeza
devem ser realizados, sempre que possível, pelo próprio usuário.
Explicações cuidadosas e treinamento são necessários para que
o indivíduo seja independente nesta tarefa, dispensando a ajuda
de familiares ou amigos, a não ser que existam dificuldades
motoras ou visuais associadas.
O usuário deve ser orientado no sentido de que os sons
serão percebidos de uma maneira diferente com o aparelho, ou
porque não eram audíveis, pouco intensos ou porque a amplifi-
cação torna-os pouco naturais. Por isso, pode ser necessário o
emprego de um processo gradual de adaptação, além do treino
na identificação de sons ambientais. Além disso, tendo em vista
as influências da acústica do ambiente na percepção dos sons
em geral e, particularmente, dos sons de fala, é fundamental que
o novo usuário do aparelho auditivo tenha a possibilidade de
experimentá-lo em seu próprio ambiente. Desse modo, a expe-
riência domiciliar é uma parte fundamental e indispensável no
processo de adaptação de seu usuário às diferentes situações
acústicas a que está sujeito em sua vida diária.
Inicialmente, o aparelho deve ser utilizado dentro de casa ou
em ambientes fechados, mais silenciosos em presença de um
único interlocutor. O ruído ambiental, o número de pessoas com
que se conversa simultaneamente, bem como as horas de uso,
devem ser gradualmente aumentados. O aparelho deve ser usado
durante o período de tempo em que o indivíduo estiver se sentindo
confortável, tanto em termos físicos (adaptação do aparelho na
orelha) como auditivos (adaptação à amplificação) (IERVOLINO,
SOUZA, ALMEIDA, 1996).
A progressão em número de horas em que o aparelho deve ser
utilizado ou após quanto tempo o usuário poderá sair à rua ou
conversar com várias pessoas não podem ser estipulados de
maneira genérica. Cada caso deve ser analisado de acordo com
o grau e configuração da perda auditiva, presença de recrutamen-
to, motivação e aceitação do uso do aparelho de amplificação.
Uma orientação cuidadosa e detalhada fará com que o deficiente
auditivo consiga atingir, juntamente com o fonoaudiólogo, a forma
mais eficaz de adaptação.
Enfim, o indivíduo deverá ter a chance de experimentar o
aparelho selecionado de modo que este corresponda positiva-
mente às suas necessidades auditivas e estéticas. A duração
do período de experiência domiciliar é variável, indo de uma
semana até 30 dias, dependendo das necessidades de cada
caso.
O usuário deve permanecer ativo em todo este processo. Aos
poucos, com a ajuda profissional e, se possível, de familiares, o
indivíduo torna-se mais seguro e motivado, procurando superar
suas próprias dificuldades e, desse modo, usufruindo dos benefí-
cios do uso da amplificação.
O Processo de Seleção e Adaptação de Aparelhos de Amplificação Sonora 489

CRIANÇA DEFICIENTE AUDITIVA E A


AMPLIFICAÇÃO
A tarefa de selecionar e adaptar aparelhos de amplificação
sonora para crianças requer do fonoaudiólogo elevado grau de
conhecimento, sensibilidade e habilidade. Além das dificuldades
inerentes à atuação clínica com pacientes que não têm condições
ou não sabem responder, o profissional deve estar preparado
para atuar junto à família da criança deficiente auditiva (SANTOS &
ALMEIDA, 1996).
O processo de seleção e adaptação do aparelho em crianças
não deve ser visto simplesmente como um conjunto de sessões
audiológicas em que é escolhido o aparelho que melhor atende às
necessidades audiológicas da criança. É uma etapa onde os pais
destas crianças buscam respostas para inúmeras questões. Por-
tanto, durante estas sessões, o fonoaudiólogo deve procurar
esclarecê-los sobre: causa, natureza e evolução da deficiência
auditiva de seu filho; a aquisição e de desenvolvimento da
linguagem e da fala; o procedimento de seleção da amplificação;
as opções de aparelhos existentes e a alternativa ideal para
aquela criança; a relação entre a deficiência auditiva e desenvol-
vimento da linguagem. Por outro lado, o fonoaudiólogo deve ser
um bom ouvinte, permitindo aos pais falarem sobre seus receios,
dúvidas e angústias, permitindo, dessa forma, a sua participação
em todo o processo.
A seleção dos aparelhos deve ser baseada na informação
audiológica existente, nas especificações técnicas e nas caracte-
rísticas eletroacústicas dos aparelhos fornecidas pelos fabrican-
tes. Deve obedecer critérios tão ou mais rigorosos do que os
usados para pacientes adultos, uma vez que devemos levar em
consideração as diferenças anatômicas e funcionais da orelha de
uma criança. É importante destacar que os resultados obtidos na
avaliação audiológica podem variar na medida em que a criança
cresce e passa a apresentar respostas fidedignas. Dessa forma,
é fundamental que o fonoaudiólogo seja flexível e altere sua
conduta sempre que necessário, uma vez que o processo de
seleção da amplificação deve ser um procedimento dinâmico
(SANTOS & ALMEIDA, 1996).
Os aparelhos de amplificação a serem testados deverão ser
escolhidos, considerando as características eletroacústicas e
os controles necessários ao caso, com base na experiência
prévia do fonoaudiólogo em adaptar aparelhos para casos
similares. Com crianças, a recomendação é a de selecionar
aparelhos que tenham maior versatilidade, isto é, aqueles que
possuam maior número de controles internos e que permitam a
alteração das características de amplificação, quando necessá-
ria. Além disso, é importante escolher aparelhos que sejam
compatíveis com sistemas de freqüência modulada (FM), inde-
pendentemente da idade da criança, uma vez que irão utilizar o
490 Fonoaudiologia Prática

mesmo aparelho por 3 ou 4 anos e, provavelmente, ocorrerão


situações onde o acoplamento destes sistemas pode ser neces-
sário (STELMACHOWICZ , 1996).
Pode ser extremamente difícil, por muitos meses ou mesmo
anos, a avaliação do benefício da adaptação binaural de aparelhos
em crianças. Porém, da mesma forma que existem vantagens
evidentes no uso de dois aparelhos de amplificação pelos adultos,
o mesmo acontece com as crianças. Portanto, nossa filosofia é de
que toda criança deve receber amplificação binaural sempre que
possível, aproveitando ao máximo seu potencial auditivo. O uso de
aparelho monoaural só deve acontecer em casos específicos
quando houver contra-indicação para o uso binaural.
Uma das primeiras e mais importantes etapas no trabalho de
seleção do aparelho é a escolha do molde auricular a ser utilizado.
Moldes auriculares mal-adaptados podem levar à rejeição do
aparelho de amplificação pela criança. Além disso, quaisquer
alterações no molde auricular podem ocasionar mudanças nos
parâmetros eletroacústicos do aparelho ao qual está acoplado.
Dessa forma, é fundamental a avaliação do aparelho com o molde
com o qual será utilizado. Isto significa que na primeira sessão de
atendimento, deve ser realizada a moldagem das orelhas da
criança e, quando os moldes estiverem prontos, tem início o teste
dos aparelhos selecionados. O material mais usado para a con-
fecção dos moldes é o acrílico rígido, já que é mais durável,
resistente, fácil de limpar e de menor custo. Para crianças maio-
res, o uso deste material pode ser indicado, mas deve ser
ressaltado que um molde de acrílico rígido, quando se quebra,
pode ferir o meato acústico externo ou o pavilhão auricular. Outro
problema comum com este material é a ocorrência da realimen-
tação acústica, que pode aparecer quando a criança utiliza
aparelhos potentes em volume elevado. A opção nestes casos é
a utilização de um material como o silicone, uma borracha extre-
mamente flexível, hipoalergênica e resistente, que proporciona
boa vedação acústica, sendo por isso especialmente indicado
para crianças. Estas características diminuem os riscos de trau-
matismos associados ao uso de moldes e propiciam melhor
vedação acústica quando usados com aparelhos muito potentes.
Modificações acústicas nos moldes auriculares também de-
vem ser consideradas para a população infantil, uma vez que
permitem a obtenção de determinados efeitos, como filtragens de
freqüências baixas, atenuação das médias ou ênfase em altas,
que podem melhorar a qualidade do som amplificado.
As crianças crescem rapidamente, e suas orelhas acompa-
nham este crescimento, o que faz com que os moldes devam ser
trocados periodicamente. É difícil estabelecer com precisão qual
a duração do molde e com que freqüência este deve ser trocado.
Em geral, nas crianças com idade inferior a 3 anos, a substituição
poderá acontecer a cada 3 meses e, à medida que a criança
cresce, o intervalo pode aumentar para 6 meses ou um ano.
O Processo de Seleção e Adaptação de Aparelhos de Amplificação Sonora 491

Preferencialmente, devem ser recomendados aparelhos de


amplificação ao nível da orelha, como os retroauriculares ou os
intra-aurais (intra-auriculares e intracanais). Os retroauriculares
são os aparelhos mais indicados para a população infantil, uma
vez que os avanços tecnológicos possibilitaram o desenvolvimen-
to de aparelhos retroauriculares de grande potência e que podem
ser utilizados inclusive por crianças com perdas profundas.
Aparelhos intra-aurais, de forma geral, têm seu uso restrito às
perdas auditivas de grau leve a moderadamente severo. Além
disso, apresentam algumas limitações técnicas devido ao seu
tamanho, como por exemplo, não podem receber muitos controles
de ajuste eletroacústico, o que dificulta sua adaptação em crian-
ças pequenas. Outro problema refere-se ao tamanho reduzido e
à morfologia do meato acústico externo das crianças, com pare-
des mais flácidas e elásticas. Especialmente em crianças com
idade inferior a 5 anos, a adaptação deste modelo de aparelho
pode ser impossível. Além disso, a troca dos moldes auriculares
é mais freqüente, o que implicaria em remontagens constantes do
aparelho, período durante o qual a criança permaneceria sem o
mesmo. A compatibilidade com os sistemas de FM é outro aspecto
que deve ser considerado, uma vez que estes aparelhos não
permitem boas opções de acoplamento com equipamentos auxi-
liares da audição, além de não possuírem espaço para a coloca-
ção da bobina de indução magnética. Com crianças mais velhas,
a adaptação dos intra-aurais deve ser avaliada para cada caso,
considerando fatores, tais como: atividades em que a criança está
envolvida, tamanho do meato acústico externo, disponibilidade
das características eletroacústicas necessárias e crescimento
individual (STELMACHOWICZ,1996).
Na seleção das características eletroacústicas para a popula-
ção infantil, a determinação da tolerância da criança para sons
intensos e a subseqüente seleção da saída máxima do aparelho de
amplificação têm sido reconhecidas como uma das tarefas críticas
do procedimento de seleção de um aparelho. A saída máxima não
deve ultrapassar os níveis de desconforto do futuro usuário e a falha
no correto ajuste da saída máxima pode levar à rejeição do aparelho
de amplificação, além de aumentar o risco de perda adicional de
audição por superamplificação (BENTLER, 1993).
É importante que o fonoaudiólogo observe as reações com-
portamentais da criança aos sons intensos, tanto os ambientais,
quanto os de fala. O uso de estímulos acústicos diversos permite
a identificação de possível intolerância a sons em situações de
vida diária. Para crianças pequenas e com perdas auditivas mais
acentuadas, pode ser extremamente difícil determinar o limiar de
tolerância real. Porém, a criança que começa a rejeitar o aparelho
mostra-se irritada ou assustada, “pisca” quando em presença de
ruído intenso, pode estar demonstrando o seu incômodo a deter-
minados sons e isto ocorre em função dos níveis de saída máxima
encontrarem-se acima do necessário.
492 Fonoaudiologia Prática

Além disso, deve ser ressaltado que os valores de saída


máxima constantes nas fichas eletroacústicas dos aparelhos são
obtidos em cavidades de 2 ml, volume este raramente encontrado
nas orelhas das crianças (ALMEIDA, 1993). Geralmente, o volume
residual existente entre a ponta do molde auricular e a membrana
timpânica é menor que 2 ml, o que pode resultar em um nível de
pressão sonora maior que aquele que consta na ficha técnica do
aparelho.
A avaliação do desempenho da criança com o(s) aparelho(s)
de amplificação selecionado(s) pode ser feita de diversas manei-
ras. Uma delas envolve a mensuração das respostas auditivas da
criança com o aparelho, feita através dos mesmos métodos
utilizados na avaliação audiológica comportamental. Novamente,
é importante avaliar as respostas da criança não apenas para tons
puros, mas também para fala. A partir das respostas obtidas na
avaliação comportamental, deve ser determinado que modifica-
ções deverão ser feitas nos controles dos aparelhos e nos moldes
auriculares.
Os testes comportamentais para avaliação dos aparelhos de
amplificação em crianças podem gerar alguns problemas, tais
como: a necessidade de repetição do mesmo procedimento pode
levar a criança a perder o interesse e não mais responder aos
estímulos sonoros; pode ser difícil obter respostas de crianças
que não apresentam reação a sons; os testes com diferentes
modelos de aparelhos muitas vezes não podem ser realizados em
uma única sessão, pois a criança se cansa e passa a não
cooperar, fazendo com que os aparelhos não sejam avaliados sob
o mesmo critério; e crianças com perdas de audição profundas,
sem experiência auditiva prévia, podem não saber a que estímu-
los devem responder (SANTOS & ALMEIDA, 1996).
Com a finalidade de agilizar a seleção do modelo de apare-
lho de amplificação mais adequado, devem ser utilizados proce-
dimentos que não requeiram tanta cooperação por parte da
criança e forneçam informações sobre o desempenho do apare-
lho, como as mensurações in situ . Equipamentos computadori-
zados com microfone-sonda constituem um método extrema-
mente útil para a avaliação de aparelhos de amplificação em
crianças. Permitem avaliar ganho, saída e resposta em freqüên-
cia, de forma rápida e objetiva, sem que a criança participe
ativamente da mensuração.
Tais medidas oferecem algumas vantagens quando compara-
das à obtenção do ganho funcional na avaliação do desempenho
do aparelho. Estas vantagens incluem: eliminação da dependên-
cia de respostas subjetivas; informação eletroacústica da faixa de
freqüências de interesse e não apenas do intervalo de oitavas;
nenhuma contaminação dos resultados obtidos ocasionada pelo
ruído interno do aparelho ou da sala e, redução do tempo de
avaliação com maior precisão da análise eletroacústica do apare-
lho testado (NORTHERN & DOWNS, 1991).
O Processo de Seleção e Adaptação de Aparelhos de Amplificação Sonora 493

Entretanto, o uso das mensurações in situ não invalida o uso


das funcionais, devendo ambas ser rotineiramente utilizadas na
prática clínica, uma vez que fornecem informações diferentes e
complementares. Mensurações in situ fornecem dados eletroa-
cústicos sobre a amplificação produzida pelo aparelho, enquanto
as funcionais permitem a avaliação de como a amplificação está
sendo usada pela criança.
Além de informar, ouvir e esclarecer dúvidas, o fonoaudiólogo
deve aproveitar as sessões audiológicas para ensinar aos pais
como manipular o aparelho de amplificação, reconhecer defeitos,
colocar os moldes, limpá-los, impedir a ocorrência da retroalimen-
tação, bem como criar condições nas quais possa haver o máximo
aproveitamento auditivo da criança.
Se para o adulto é fundamental utilizar o aparelho por um
período de experiência, para a criança este procedimento é
imprescindível. É importante observá-la em casa, na escola, em
sua vida diária, registrar suas reações e as modificações do seu
comportamento com relação à linguagem e aos sons do ambiente.
Além disso, este período deve servir para avaliar a atitude de
aceitação dos pais e da própria criança com relação ao aparelho
de amplificação, uma vez que podem ser necessárias várias
sessões, antes que a criança esteja plenamente adaptada, usan-
do-o em tempo integral.
Aparelhos de amplificação, funcionando adequadamente,
são essenciais para o processo de reabilitação da criança
deficiente auditiva. Portanto, reavaliações sistemáticas dos
aparelhos e do desempenho da criança que os utiliza devem ser
rotineiramente realizadas. O propósito destas reavaliações é,
em primeiro lugar, permitir ao fonoaudiólogo manter o controle
do desempenho eletroacústico do aparelho, garantindo o seu
perfeito funcionamento, incluindo a verificação dos moldes
auriculares. Além disso, é fundamental a modificação das ca-
racterísticas eletroacústicas do aparelho previamente selecio-
nado, na medida em que a criança cresce e tem condições de
melhorar seu padrão de resposta auditiva, fornecendo, assim,
dados audiológicos mais precisos. Outra razão crítica para
reavaliar a criança é monitorar e detectar qualquer mudança em
sua sensibilidade auditiva, decorrente de alterações temporá-
rias nos limiares auditivos após a adaptação do aparelho. Estas
mudanças podem determinar, também, modificações dos con-
troles dos aparelhos.
Para monitoração da adequação dos aparelhos de amplifica-
ção selecionados, HEFFERMAN & SIMONS (1979) sugerem: verificar
o desempenho da criança com o novo aparelho após 30 dias de
uso; realizar a análise eletroacústica dos aparelhos neste retorno;
solicitar retornos mensais para monitorar os limiares tonais até
que estes se tornem estáveis; reavaliar a criança a cada três
meses durante o primeiro ano de uso e, avaliar a criança do ponto
de vista otológico e audiológico, pelo menos uma vez por ano.
494 Fonoaudiologia Prática

Com este procedimento, o fonoaudiólogo pode controlar melhor o


comportamento e o aproveitamento da criança usuária de um
aparelho de amplificação.
Desse modo, o seguimento da criança usuária de aparelhos
de amplificação sonora é imprescindível e deve fazer parte inte-
grante do processo de seleção e adaptação destes para esta
população, pois evita que a criança possa apresentar qualquer
rejeição aos instrumentos selecionados, além de constituir um
meio seguro e eficaz de controlar e avaliar o benefício obtido a
partir do uso da amplificação. O fonoaudiólogo que atua neste
processo deve estar consciente de suas responsabilidades, tanto
para com os pais, como para com os pequenos pacientes. Como
profissionais, somos obrigados a desempenhar nossa atividade
até o limite de nosso conhecimento e capacidade de atuação. Não
devemos esquecer que, ao lidarmos com uma criança deficiente
auditiva, estamos também lidando com seus pais – suas esperan-
ças e sonhos para o filho – e, além disso, o que fizermos gerará
um impacto, que transcende tempo e lugar. É a criança e suas
famílias que deverão conviver com as conseqüências de nossas
ações (ROSS, 1992).

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Moldes Auriculares 497

22
Moldes Auriculares

Rita de Cássia Pari


Sônia Maria Simões Iervolino

INTRODUÇÃO

Os moldes auriculares são elementos fundamentais para a


adaptação de uma prótese auditiva, sendo partes integrantes
desta desde 1920. O advento dos receptores das próteses de
bolso tornou necessários os moldes do tipo direto tanto para a
condução do som como para o conforto da adaptação.
Um molde é artesanalmente confeccionado em laboratório
especial a partir de uma pré-moldagem fiel do meato acústico
externo (MAE) e pavilhão auricular. Tem como principal função
transportar o som amplificado pela prótese auditiva para o MAE,
modificando-o quando necessário. Deve ser sempre confortável
ao usuário e cosmeticamente aceito.
A indicação de uma prótese auditiva tem como objetivo
principal tornar os sons ambientais e especialmente os sons da
fala audíveis para o indivíduo em um nível de intensidade confor-
tável. Para tal, ao selecionar-se uma prótese auditiva, conside-
ram-se três características eletroacústicas fundamentais em se
tratando de tecnologia analógica: ganho, saída e faixa de freqüên-
cia. Todos estes parâmetros são controlados eletroacusticamente,
e as modificações acústicas nos moldes relacionam-se mais
diretamente à faixa de freqüência.
Acredita-se que LYBARGER, nos EUA, foi o primeiro estudioso
a valorizar os efeitos acústicos dos moldes correlacionados à
498 Fonoaudiologia Prática

resposta de freqüência das próteses auditivas. Estes estudos


foram possíveis pelo uso dos acopladores 2cc e das mensurações
in situ da ressonância natural do MAE. Graças a instrumentos
como microfone-sonda foi possível medir a curva de ressonância
natural do MAE ou curva de ouvido aberto. Com tal condição, foi
possível medir, ainda, a perda dessa ressonância pela colocação
de um molde, também chamada de perda de inserção, que leva a
uma atenuação das altas freqüências. E considerando que o
paciente deficiente auditivo em geral tem uma menor preservação
de audição nessa faixa de freqüência e que ela é fundamental para
a inteligibilidade de fala, há necessidade também de modificações
acústicas nos moldes.
Durante a confecção de um molde, fatores como comprimento
de canal, diâmetro de tubo plástico, tipo e tamanho de ventilação
e outros efeitos especiais podem causar modificações acústicas
na saída das próteses auditivas, intencionalmente ou não, depen-
dendo da experiência e habilidade do profissional.
Historicamente, os primeiros profissionais a confeccionarem
moldes auriculares personalizados foram os protéticos dentários,
acreditando ser este trabalho de sua inteira competência. Em 1920,
somente existiam aparelhos de caixa com receptores externos. Os
moldes não possuíam tubo plástico e seu desenho tinha apenas a
função de segurar a arruela do receptor. Naquela época, o gesso
Paris era usado para a pré-moldagem e, somente em 1940, o etil-
metacrilato, cujo manuseio é mais fácil, o substituiu.
Com o desenvolvimento das próteses retroauriculares, em
1950, outros estilos de moldes foram criados. Os moldes tipo
concha e esqueleto são utilizados até os dias de hoje e foram os
primeiros a surgirem.
Em 1962, a NATIONAL ASSOCIATION OF EARMOLDS LABORATORY
(NAEL) estabeleceu uma designação para os tipos de moldes,
tamanho dos tubos plásticos e materiais utilizados. Atualmente,
essa associação vem acompanhando o uso de novos materiais e
desenvolvimento de outros estilos de moldes.

ORELHA EXTERNA
Por orelha externa compreende-se o pavilhão auricular e o
meato acústico externo (MAE).
O pavilhão serve para coletar as vibrações aéreas que cons-
tituem as ondas sonoras, e o meato dirige-se do fundo do pavilhão
para dentro, conduzindo as vibrações que são transmitidas à
membrana timpânica.
A superfície lateral da orelha é irregularmente côncava, com
numerosas eminências e depressões.
As estruturas anatômicas do pavilhão auricular são: hélice,
tubérculo auricular, anti-hélice, fossa triangular, fossa escafóide,
concha auricular, cimba da concha, trago, antitrago, incisura
intertrágica e lóbulo (Fig. 22.1).
Moldes Auriculares 499

Fossa escafóide
Fossa triangular

Tubérculo da orelha
Cimba da concha

Hélice Concha

Trago
Anti-hélice
Incisura intertrágica
Antitrago
Lóbulo

FIGURA 22.1 – Pavilhão auricular (GRAY ANATOMIA – 35ª ed.).

Além de funcionar como “corneta” coletora para as ondas


sonoras, canalizando-as para o meato relativamente estreito, a
assimetria do pavilhão e suas variações em espessura provavel-
mente causam retardamento na transmissão do som, que pode
ser importante na localização biauricular da fonte sonora.
Em sua estrutura, a orelha é composta de uma fina placa de
cartilagem fibroelástica recoberta com pele. Ela é contínua com a
porção cartilaginosa do meato acústico externo e este prende-se
à margem do meato ósseo por tecido fibroso.
A pele da orelha é fina, aderente à cartilagem e recoberta por
pêlos finos providos de glândulas sebáceas mais numerosas na
concha e na fossa escafóide. No homem, os pêlos são mais
grossos e numerosos no trago e antitrago. A pele da orelha é
contínua com a que reveste o meato acústico externo.
O meato acústico externo estende-se da concha à membrana
timpânica. Seu comprimento, medido do fundo da concha é de
aproximadamente 2,5 cm. Ele consiste estruturalmente de duas
partes diferentes: o terço lateral é cartilaginoso e os dois-terços
mediais ósseos. Forma uma curva em “S”, é oval em secção
transversa, e apresenta duas constrições, uma perto da extremi-
dade medial da parte cartilaginosa e outra, o istmo, na parte
óssea, a cerca de 2 cm do fundo da concha.
A parte cartilaginosa lateral do meato tem cerca de 8 mm de
comprimento e a parte óssea tem aproximadamente 16 mm e é mais
estreita do que a cartilaginosa. No espesso tecido subcutâneo da
parte cartilaginosa do meato há numerosas glândulas ceruminosas
que secretam a cera ou cerúmen. As glândulas ceruminosas, assim
como os folículos pilosos, são limitadas à parte cartilaginosa do
meato, mas algumas podem ser encontradas no teto da parte lateral
do meato ósseo.
As conexões dos nervos do meato explicam a ocorrência de
reflexos de tosse e espirro, por implicação do vago, quando existe
500 Fonoaudiologia Prática

uma fonte de irritação no meato, e o vômito durante lavagem de


ouvidos em crianças, e ainda colapso cardíaco em pessoas
idosas (GRAY ANATOMIA , 1979).

REALIZAÇÃO DE PRÉ-MOLDAGEM
O ponto de partida para a boa impressão de um molde
auricular é a inspeção criteriosa das condições da orelha externa.
Essa avaliação mostra, basicamente, o diâmetro e comprimento
do canal, direção das curvas, presença de pêlos e cerúmen ou de
problemas que inviabilizam a pré-moldagem.
Na presença de qualquer anomalia no MAE, o paciente deve
ser encaminhado ao médico otorrinolaringologista.
O ideal é que esta inspeção seja feita com um otoscópio e
não com uma lanterna especial para o ouvido com ponta de
acrílico. Observe-se que tal procedimento não consiste numa
otoscopia.
Na certeza de um meato acústico externo sadio, inicia-se o
processo de pré-moldagem, que deve ser previamente explicado ao
paciente, colocando-se um tampão ou bloqueador da massa a ser
introduzida no canal (Fig. 22.2A). No adulto, deve-se horizontalizar
o canal tracionando-se o pavilhão auditivo para cima e para trás,
enquanto na criança a tração deve ser para baixo, para a colocação
do tampão. Esse tampão, também chamado de oto-block pode ser
feito com algodão ou espuma e geralmente é preso no centro por um
fio resistente e higiênico, tal como o fio dental.
O tamanho do bloqueador a ser feito individualmente é deter-
minado pela inspeção prévia do diâmetro do canal.
A inserção do tampão é feita com auxílio de uma pinça,
seguida de uma lanterna (ear light). O local exato para sua
colocação é o início da segunda curva do MAE em se tratando de
molde para aparelhos retroauriculares ou intracanais.
No caso de aparelhos peritimpânicos e microcanais, a locali-
zação é mais profunda, devendo definir toda a segunda curva. Tal
procedimento merece atenção especial.
Após a colocação do tampão, é importante nova inspeção do
canal para garantir que todo o diâmetro foi bloqueado, evitando
que a massa atinja a membrana timpânica causando um acidente.
Em nível prático, observa-se maior aceitação dos pacien-
tes quando o tampão é feito de espuma densa. A bucha de
algodão, quando muito comprimida, parece desconfortável à
introdução.
Realizada a perfeita vedação do canal, parte-se para a inser-
ção da massa que pode ser feita segundo três técnicas: a manual,
com seringa, e mista.
A técnica manual consiste na manipulação da massa à base
de silicone e catalisador, e inserção da mesma forma. Com esta
técnica, observa-se maior dificuldade para a penetração do mate-
rial e pouca fidelidade das curvas.
Moldes Auriculares 501

A técnica recomendada hoje pela grande maioria dos profis-


sionais é a com seringa, onde a massa é introduzida primeiro no
canal e em seguida no trago, antitrago, concha, anti-hélice e
hélice. O final deste procedimento requer que se toque suavemen-
te com o polegar ou indicador a massa sobressalente na concha.
É a leve pressão digital que faz a técnica simplesmente de seringa
passar a chamar-se mista (Fig. 22.2B, C, D, E e F).
O material deve ser introduzido rapidamente e com certa
pressão para evitar a formação de bolhas de ar e falta de coesão
e uniformidade da massa, o que causa baixa fidelidade das curvas
e proeminências.
O tempo de secagem da massa é variável segundo forma de
preparo da mesma e condições climáticas. Maior ou menor
quantidade de catalisador utilizado, tempo de manipulação
manual e de inserção no canal podem fazer com que a massa
leve de 5 a 10min para secagem completa.
Para se saber a melhor hora de retirar a impressão do ouvido
do paciente, o clínico deverá realizar um leve toque com a unha
na massa que está na concha. Se a marca permanecer, é
indicativo de que ainda não houve a total reação química para o
endurecimento do material. Caso a marca desapareça imediata-
mente, conclui-se que a pré-moldagem está pronta.
A retirada deve ser feita inicial e cuidadosamente pela anti-
hélice e hélice e, em seguida, girando-se discretamente para a
frente e para baixo. O fio que se prende ao tampão deve ser
retirado conjuntamente (Fig. 22.2G).
Concluído o processo, inspeciona-se novamente o canal para
garantir que não restaram materiais, danos ou lesões no mesmo.
Cuidados especiais com a vedação do canal e inserção da
massa devem ser tomados em pacientes com perfuração de
membrana timpânica, em ouvidos mastoidectomizados, miringo-
tomizados e com tubo de ventilação, com otite externa, ou ainda
com anomalia de conduto em forma de corneta. Nesses casos, é
de vital importância o estudo prévio da colocação do tampão com
todas as garantias de vedação do MAE. Cabe ressaltar que para
o conhecimento dessas alterações e de outras não basta só uma
boa inspeção do canal, mas também dados de antecedentes do
caso retirados em anamnese e com o médico responsável.
Uma boa impressão do canal é o fator mais importante para o
sucesso na adaptação da prótese auditiva, pois é o ponto de
partida. É importante então que o audiologista saiba criticar sua
pré-moldagem antes de remetê-la para o laboratório devidamente
embalada e protegida contra danos e acidentes de transporte.
As críticas passíveis de serem feitas são:

• se toda a área do MAE está preenchida por massa, sem


falhas ou bolhas de ar;
• se o comprimento do canal é suficiente e inclui a segunda
curva;
502 Fonoaudiologia Prática

A B

C D

E F

FIGURA 22.2 – Etapas da confecção da pré-


moldagem. A) Inserção do tampão no meato
acústico externo. B) Colocação da massa para
pré-moldagem na seringa. C) Eliminação das
bolhas de ar da seringa. D) Inserção da massa no
meato acústico externo. E) Inserção da massa na
concha e hélice. F) Finalização da pré-moldagem
com leve pressão digital nas áreas da concha e
hélice. G) Retirada da pré-moldagem, a iniciar-se
G pela hélice.
Moldes Auriculares 503

• se hélice e anti-hélice estão bem-definidas;


• se trago e antitrago estão perfeitos;
• se o material está seco e firme.

Estas variáveis são essenciais para a boa confecção de


moldes para aparelhos retroauriculares e intracanais.
No caso de aparelhos peritimpânicos e microcanais, as exigên-
cias variam basicamente com relação ao comprimento do canal.

MODIFICAÇÕES ESTÉTICAS NOS MOLDES


AURICULARES
A nomenclatura pelo aspecto físico dos moldes não foi total-
mente padronizada pela NATIONAL ASSOCIATION OF EAR MOLDS
LABORATORIES (NAEL), o que permite variações de terminologia e
generalizações de acordo com cada fabricante.
Estão descritos, a seguir, os moldes mais usuais e suas
principais diferenças e aplicações.

Direto ou regular – É usado para aparelho convencional ou


de bolso, que possui um receptor externo em forma de aro de
metal ou plástico. Historicamente, foi o primeiro tipo de molde a ser
desenvolvido. Pode ser confeccionado de material rígido com ou
sem hélice. A presença da hélice relaciona-se à segurança do
aparelho, especialmente em crianças. É mais utilizado em perdas
severas e profundas (Fig. 22.3A).
Invisível concha ou regular com tubo plástico – É seme-
lhante ao direto, porém utilizado em aparelhos retroauriculares.
Pode ser confeccionado em material rígido ou flexível. É bastante
volumoso porque a concha fica totalmente preenchida, mas
permite qualquer modificação acústica (Fig. 22.3B).
Invisível duplo ou esqueleto – Possui a concha vazada,
portanto é menos visível do que o anterior. Pode ser facilmente
transformado em outros estilos, admitindo qualquer modificação
acústica, é indicado para perdas de leve a severas (Fig. 22.3C).
Invisível simples – É composto pelo canal e apenas uma
haste que pode ou não chegar até a hélice. É de fácil remoção,
confortável e aplicado em perdas até grau severo, possibilitando
todas as modificações acústicas (Fig. 22.3D).
Passarinho ou semi-esqueleto – É equivalente ao invisível
duplo modificado, pois tem parte da haste removida, facilitando
sua inserção e remoção. É cosmeticamente bem aceito e versátil
quanto a modificações acústicas (Fig. 22.3E).
Canal – Neste estilo, toda a concha é removida, restando
apenas o canal, como o próprio nome indica. Para tal adaptação,
é necessário um canal mais longo, garantindo boa fixação. Atual-
mente pode ser usado, também, para aparelhos potentes em
adultos, desde que bem oclusivo, pois oferece melhores condi-
ções estéticas (Fig. 22.3F).
504 Fonoaudiologia Prática

A B

C D

E F

FIGURA 22.3 – A) Molde direto. B) Molde invisível concha. C) Molde invisível duplo. D) Molde invisível
simples. E) Molde passarinho. F) Molde canal.

Canal com meia-haste – É uma opção para melhorar a


inserção e remoção do molde, através de uma pequena haste que
sai do trago.
Os tipos de moldes segundo a estética não se restringem aos
aqui apresentados. Pode-se modificar o estilo dos moldes segun-
do critérios próprios, considerando a anatomia do canal, idade do
Moldes Auriculares 505

paciente, destreza manual, conforto, cosmética, segurança e,


sobretudo, tipo de perda auditiva.
A rigor, todos podem ser feitos de materiais rígidos ou macios,
ou ainda combinados, onde a ponta é macia e o restante da
concha é rígida.
A pigmentação do acrílico ou silicone utilizados também pode
variar segundo sugestão do clínico ou protético.
Os moldes do tipo não-oclusivos merecem atenção espe-
cial. Foram desenvolvidos para perdas unilaterais, em conjunto
com aparelhos auditivos do tipo CROS. O molde aberto consis-
te numa redução de diâmetro e comprimento do canal onde
apenas o tubo plástico transporta o som até a membrana
timpânica, e é indicado em perdas auditivas com preservação
máxima das baixas freqüências, aproveitando melhor a amplifi-
cação natural da orelha. Sua efetividade restringe-se a perdas
unilaterais, redução do efeito de oclusão, e grande aeração do
MAE em pacientes com problemas crônicos de ouvido médio ou
otorréia. Para moldes abertos é recomendado apenas material
rígido.

MOLDES ESPECIAIS

São os moldes não-relacionados à deficiência auditiva e ao


uso de aparelhos auditivos.
Podem ser utilizados por médicos, industriários, nadadores,
indivíduos com colabamento importante do MAE e outros.
Os nadadores, pacientes com perfuração timpânica ou
portadores de otites externas que não podem ter seus ouvidos
freqüentemente molhados beneficiam-se com o uso de tam-
pões personalizados de acrílico rígido ou silicone. Nestes
casos, a função básica do molde é evitar a entrada de água no
canal (Fig. 22.4A).
Médicos que necessitam usar estetoscópio por períodos pro-
longados, freqüentemente apresentam irritação pelo uso do mes-
mo. Para estes, é indicado um molde concha esterilizável, com
encaixe para a oliva do estetoscópio e ventilação para aerar o
MAE (Fig. 22.4B).
Para ouvintes normais com colabamento do canal, pode-se
utilizar um esqueleto de molde com total abertura central para
melhor condução do som (Fig. 22.4C).
Os industriários, com exposição freqüente a ruídos de
alta intensidade, necessitam de proteção auditiva efetiva. Assim,
podem ser confeccionados moldes personalizados, que confe-
rem maior atenuação do ruído do que os plugs disponíveis
comercialmente (Fig. 22.4D).
Outras possibilidades e estilos de moldes especiais podem
ser criados em função de necessidades individuais e da habilida-
de do profissional que os executa.
506 Fonoaudiologia Prática

A B

C D

FIGURA 22.4 – A) Molde tampão para natação. B) Molde para estetoscópio. C) Molde para colabamento
de canal. D) Molde protetor de ruído.

APARELHOS MICROCANAIS
Graças a estudos dirigidos à redução do efeito de oclusão,
surgiram as próteses completamente no canal (CIC). Neste tipo
de adaptação, a ponta da caixa ou cápsula do aparelho fica muito
próxima da membrana timpânica, isto é, além da segunda curva
do MAE, na porção óssea.
As vantagens desses aparelhos referem-se à maior aceitação
estética, redução do efeito de oclusão e menor requisição de
ganho e saída, pois a curva de ressonância natural do ouvido não
é perdida pela inserção de um molde como geralmente ocorre nos
demais tipos de próteses.
As condições clínicas para a realização da pré-moldagem são
as mesmas já referidas anteriormente, ou seja, um MAE livre de
corpos estranhos e absolutamente saudável.
A colocação do tampão requer um cuidado especial, pois deve
ultrapassar a segunda curva, atingindo a porção óssea do MAE.
O tampão de algodão pode ser lubrificado com vaselina líquida ou
glicerina para tornar menos incômodo ao paciente a sua inserção.
O profissional deve ser bastante experiente e considerar que
reações como dor, ardor, hiperemia e até sangramento podem
ocorrer em função da pele delgada dessa porção do meato.
O material utilizado para este procedimento também difere da
massa à base de silicone usada habitualmente com catalisador
Moldes Auriculares 507

para a impressão de outros tipos de moldes. Os laboratórios


especializados recomendam um silicone específico, mais fluido,
que é colocado numa espécie de “revólver” que o prepara meca-
nicamente.
A retirada da pré-moldagem já seca também requer cuidado
especial, pois em função da profundidade e da redução do volume
de ar no MAE, o paciente pode sentir incômodo pela brusca
variação de pressão. É indicado remover-se lenta e cuidadosa-
mente primeiro a anti-hélice para que haja aeração do meato
antes da total remoção.
Este é, sem dúvida, até o momento, o procedimento mais
delicado dentro da área de moldagem e, portanto, exige vasto
conhecimento teórico e prático do assunto.

Materiais
Os materiais utilizados mais habitualmente para a confecção
são o acrílico rígido ou flexível e o silicone.
O nome científico do acrílico rígido é metacrilato de metil que
pode ser termo-polimerizável ou autopolimerizável. O acrílico
termopolimerizável é considerado totalmente antialérgico, pois é
cozido a 100°C por algumas horas consecutivas. É mais resisten-
te, não sofre alterações de cor com o tempo e é comercialmente
mais caro. O acrílico autopolimerizável não é cozido a altas
temperaturas e, por isto, não é totalmente antialérgico, sofrendo
alteração de cor com o tempo. Pode ocorrer de um paciente
desenvolver alergia ao molde após algum tempo de uso, cuja
explicação é o fato de não ter havido total polimerização do
produto.
Para pacientes com indicação de moldes macios, por diferen-
tes razões, existe o acrílico flexível ou metacrilato de etil. Este
tipo de molde não é hipoalergênico, pode sofrer alteração de cor
e textura, requerendo trocas em menor espaço de tempo. Com o
advento do silicone, o acrílico flexível perdeu sua aplicabilidade.
O silicone é o mais novo material disponível no mercado. É
bastante resistente e macio. Não apresenta alteração de cor e textura
com o tempo. Pode ser usado em todos os tipos de perdas auditivas
e admite diferentes modificações estéticas. Sua grande limitação
refere-se a modificações acústicas além de não permitir a fixação de
arruela no caso de molde direto. É considerado hipoalergênico e é
comercialmente mais caro que os outros materiais.
Para a seleção do tipo de material a ser usado na confecção
de um molde, alguns fatores devem ser considerados. O tipo de
deficiência auditiva associado à idade do paciente são de grande
importância. Quanto maior for a perda do indivíduo, mais oclusivo
deve ser o molde. Em geral, crianças pequenas e idosos, nestes
casos, se beneficiam com moldes de silicone, que são mais
aderentes à pele, e mais suaves na colocação. Em deficiências
auditivas de leves a moderadas que necessitem de modificações
508 Fonoaudiologia Prática

acústicas dos moldes em combinação com as características


eletroacústicas das próteses, os de acrílico são sugeridos por
aceitarem todas as modificações, além de serem hipoalergênicos
quando necessário.

MODIFICAÇÕES ACÚSTICAS
A indicação de uma prótese auditiva tem como objetivo
principal tornar os sons ambientais, e especialmente os de fala,
audíveis ao usuário. Os indivíduos portadores de deficiência
auditiva estão sempre requerendo modificações nas característi-
cas de suas próteses, a fim de usá-las mais confortável e eficien-
temente. Estas mudanças podem ser realizadas através dos
controles internos das próteses, porém nem sempre são suficien-
tes para atender às necessidades do paciente.
Estudos têm mostrado que a amplificação das altas freqüên-
cias é fundamental para maior inteligibilidade dos sons de fala.
Há também necessidade de minimizar as baixas freqüências
porque a amplificação dos sons de fala de baixas freqüências e
de ruídos ambientais tem interferido na percepção de consoan-
tes de freqüências altas pelo fenômeno do mascaramento
(DANAHER e cols., 1975).
O desenvolvimento tecnológico tem possibilitado, também,
modificações nos próprios moldes auriculares que permitem en-
fatizar determinada faixa de freqüência.
As modificações acústicas nos moldes determinam mudan-
ças nas respostas dos sons amplificados pelas próteses. Estas
modificações são possíveis com o uso de ventilação, dampers ou
filtros acústicos e efeito corneta, sendo que cada uma delas atua
em determinada faixa de freqüência (Fig. 22.5A).
As próteses atuais, com faixa de freqüência ampla, permitem
que estas modificações possam ser usadas em conjunto ou
individualmente. Tais alterações nem sempre trazem mudanças
mensuráveis na resposta de freqüência da prótese, porém os
usuários referem melhora na qualidade do som. São comuns
queixas dos pacientes concernentes à sensação de plenitude

a b c

20 500 1.000 2.000 3.000 5.000 1.000Hz

FIGURA 22.5 – A) Modificações acústicas em diferentes faixas de freqüência: a) ventilação; b) filtro


acústico; c) efeito corneta.
Moldes Auriculares 509

auricular, superamplificação de sons graves e, em decorrência,


dificuldade na discriminação dos sons de fala. Estas queixas são
atenuadas, em geral, com as modificações acústicas nos moldes.

Ventilação
A ventilação consiste na abertura de um segundo canal no
molde, diferente do canal de condução do som amplificado pela
prótese auditiva, que estabelece uma comunicação entre o am-
biente e espaço do MAE não preenchido pelo molde.
A ventilação foi criada por GROSSMAN em 1942, tendo sido o
primeiro método a ser utilizado como modificação acústica nos
moldes. Faz com que os sons graves, por refletirem com maior
facilidade, escapem através dela. Isto ocorre porque a massa
acústica, produzida dentro da abertura da ventilação, oferece maior
oposição ao fluxo de energia para altas freqüências. A ventilação é
normalmente indicada para pacientes com preservação da audição
em freqüências baixas. Tecnicamente, pode ser feita em paralelo ou
diagonalmente ao canal de condução do som, ou ainda, em forma
de canaleta externa ao canal do molde (Fig. 22.5B).
A ventilação em paralelo não intersecciona o canal de condução
do som, sendo tão longa quanto este. A imitância desta ventilação
é grande devido à massa acústica e reduz o escape das altas
freqüências. A ventilação em diagonal intersecciona o canal de
condução do som sendo seu comprimento e diâmetro importantes,
e sua imitância variável em função do ponto de intersecção com o
canal de condução do som. Com o uso da ventilação em diagonal,
pode ocorrer escape da energia das altas freqüências com maior
facilidade. Devido a esta característica, a ventilação em paralelo é
mais efetiva. Muitas vezes, determinados aspectos anatômicos
obrigam o uso de ventilação em diagonal, devendo ser a inter-
secção, nestes casos, o mais próximo possível da ponta do molde,
o que aumenta a impedância da ventilação assegurando perda
mínima de energia nas altas freqüências (LEAVITT, 1986).
A ventilação externa é usada quando o MAE estreito não permite
a ventilação em paralelo. Neste caso, faz-se uma canaleta na porção
inferior do molde, em toda a sua extensão. Este tipo de ventilação é
bastante empregado nas próteses intra-auriculares e intracanais, pois
minimiza-se a possibilidade de realimentação acústica.

a b c

FIGURA 22.5 – B) a) Ventilação paralela; b) ventilação diagonal; c) ventilação externa.


510 Fonoaudiologia Prática

A resposta da prótese será diferente em função do comprimento


e diâmetro da ventilação. LYBARGER (1978) estudou as variações de
diâmetro e comprimento da ventilação e concluiu que uma ventilação
curta com diâmetro largo produz grande redução na energia das
freqüências baixas. Para manter-se a redução das freqüências baixas
em moldes longos, é necessário uma ventilação mínima de 3 mm.
Ventilações com diâmetro inferior a 2 mm podem ocasionar
superamplificação nas freqüências baixas. Por outro lado, uma
ventilação muito pequena não altera a resposta de freqüência da
prótese, proporcionando apenas uma sensação agradável ao usuá-
rio. Esta ventilação de conforto compreende, em geral, um diâmetro
de 0,68 a 1 mm. É utilizada para aliviar a sensação de pressão no
ouvido, permitindo que o ar circule entre a ponta do molde e o
ambiente externo.
A inserção de qualquer molde no ouvido determina um aumen-
to de pressão atmosférica no MAE, promovendo uma sensação
desagradável de plenitude auricular e autofonia. Este é o chama-
do efeito de oclusão. Os problemas de oclusão são decorrentes da
amplificação dos ruídos do próprio corpo, tais como respiração,
mastigação e deglutição, e também do excesso de amplificação
das baixas freqüências. KILLION, em 1988, relatou que a coloca-
ção de um molde no MAE pode amplificar a voz do próprio usuário
de 20 a 30 dB nas freqüências baixas. Segundo COURTOIS e cols.
(1988), quando a ventilação é feita, a amplificação dos sons
internos do corpo é reduzida proporcionalmente à largura e
inversamente ao comprimento desta. Dependendo do grau de
preservação da audição nas freqüências baixas e médias, nem
sempre uma ventilação de 2 ou 3 mm é suficiente para evitar o
fenômeno de oclusão, que pode ser eliminado pelo emprego de
molde aberto. Podemos considerar os moldes abertos como
adaptações onde a ventilação é a máxima possível (Fig. 22.5C).
Muitas vezes, a definição do tipo de ventilação só é conclu-
ída após várias tentativas, sempre baseadas nas informações
dB SPL
110

100

90

80

70

60
FIGURA 22.5 – C) Efeito da ventilação no
fenômeno de oclusão. Molde fechado ___,
50 ventilação de 1mm - - - - -, 2 mm -.-.-, 3 mm
0,025 0,500 0,125 0,250 0,500 1 2 4 KHz -..-..-, sem molde.....
Moldes Auriculares 511

do usuário, podendo-se inclusive optar pelo não-uso da mesma.


Nestes casos, não há necessidade de refazer os moldes,
podendo-se utilizar sistemas de ventilação variáveis. Estas
técnicas permitem ao profissional maior flexibilidade na seleção
da ventilação adequada.
Existem três tipos de ventilações variáveis disponíveis atual-
mente:

• select-a-vent – SAV;
• positive venting valve – PVV;
• variable venting valve – VVV.

Estas ventilações consistem em “plugs” ou tubos conectados


a um adaptador fixo na concha do molde.
O SAV consiste de uma série de “plugs” plásticos intercambiáveis,
de aproximadamente 4,3 mm de comprimento com diferentes
diâmetros internos. O PVV apresenta forma de um copo, com um
orifício no fundo deste. O VVV é uma válvula que permite um ajuste
do diâmetro da ventilação pelo próprio usuário, com rotação de 540°
entre a mínima e a máxima abertura (VALENTE, 1996). Estudos têm
referido que o uso do PVV oferece maior atenuação nas freqüências
baixas que o SAV. Já o VVV nem sempre é bem-aceito esteticamen-
te devido à válvula muito visível, porém pode fornecer maior
flexibilidade de uso, visto que a mudança no diâmetro da ventilação
é gradual (LYBARGER, 1978) (Fig. 22.5D).
Um dos maiores problemas com o uso de ventilação é a
ocorrência de feedback acústico. A realimentação ocorre quando o
som amplificado escapa do sistema, retorna ao microfone e é
novamente amplificado. Este processo é cíclico e leva o circuito a

S.A.V. (Select-A-Vent) MINI S.A.V. (Select-A-Vent)


#1 = 0,031” 0,8 mm #1 = 0,020” 0,5 mm
#2 = 0,062” 1,6 mm #2 = 0,030” 0,8 mm
#3 = 0,095” 2,4 mm #3 = 0,040” 1,0 mm
#4 = 0,125” 3,2 mm #4 = 0,060” 1,6 mm
#5 = 0,156” 4,0 mm #5 = 0,075” 1,9 mm
S.A.V. Insert in Position
#6 = PLUG #6 = PLUG

P.V.V. (Positive Venting Valve)


#1 = 0,020” 0,5 mm
#2 = 0,030” 0,8 mm
#3 = 0,060” 1,6 mm
#4 = 0,095” 2,4 mm
#5 = 0,125” 3,2 mm
P.V.V. Insert in Position #6 = PLUG

FIGURA 22.5 – D) Ventilação variável.


512 Fonoaudiologia Prática

entrar em oscilação, causando distorção e comprometendo a qua-


lidade do sinal de fala. Esta realimentação pode resultar de ventila-
ção exagerada e de outros fatores como molde pequeno ou inserido
inadequadamente. Ouvido bloqueado por cerúmen e excesso de
umidade no tubo plástico também são fatores que impedem a livre
passagem de som, provocando microfonia. É importante verificar se
não existem rachaduras no tubo plástico ou escape na conexão
entre o tubo e o gancho da prótese, ou entre molde e receptor nas
próteses convencionais. A proximidade do aparelho com superfíci-
es que refletem o som também pode levar à realimentação acústica.
Com o objetivo de eliminar a ocorrência indesejável de feedback,
além de verificar os fatores já descritos anteriormente, sugere-se
aumentar o comprimento do molde ou reduzi-lo, quando a ponta
estiver pressionando a parede do MAE; usar filtro acústico para
suavização dos picos de resposta de freqüência (KILLION, 1984); ou
usar material macio para aumentar a aderência do molde.

Dampers ou filtros acústicos


Os filtros acústicos são usados para controlar as respostas
das freqüências médias das próteses auditivas (LIBBY, 1981). Eles
suavizam os picos de ressonância das respostas de freqüência a
um nível desejado.
Os dampers causam resistência acústica à passagem do som,
e quanto maior o valor de sua resistência acústica, maior o
decréscimo da saída da prótese (SKINNER, 1988). Inicialmente,
eram empregados nos receptores externos das próteses conven-
cionais. Hoje, são usualmente colocados nos ganchos das próte-
ses, mas também podem ser usados em diferentes posições
dentro do tubo plástico. Apesar da colocação dos dampers no tubo
plástico suavizar os picos de ressonância, seu uso não é recomen-
dado, pois acaba sendo facilmente bloqueado por cerúmen,
umidade e outros fragmentos (VALENTE e cols., 1996) (Fig. 22.5E).

a b c d

db
a
b
130 c
d
e
120

110

100
e
100 200 500 1.000 2.000 5.000 10.000
Freqüência (Hz)

FIGURA 22.5 – E) Diferentes posições dos filtros acústicos nos moldes auriculares.
Moldes Auriculares 513

Efeito corneta
Outra forma de também produzir mudanças na resposta de
freqüência de uma prótese auditiva inclui variação de diâmetro
e comprimento do tubo plástico e redução ou aumento do
molde. Quanto menor o diâmetro do tubo plástico, menos ganho
nas altas freqüências é alcançado. Uma forma de compensar
esta perda é utilizar um tubo cujo diâmetro interno aumente
gradativamente da concha para a ponta do molde, em forma de
corneta. Aumentando-se ou diminuindo-se o diâmetro do tubo
nos 10 mm finais do molde, há uma mudança considerável nas
respostas para as altas freqüências.
O tubo plástico de um molde padrão tem diâmetro aproximado
de 2 mm. O aumento deste diâmetro para 4 mm nos últimos 10 mm
do molde enfatiza a resposta das altas freqüências, enquanto sua
redução para 1 mm atenua estas freqüências. São empregados,
respectivamente os termos horn e reverse horn para descrever
estas duas situações (MCHUGH & MORGAN, 1988) (Fig. 22.5F).

Som Som
Horn Reverse horn
FIGURA 22.5 – F) Transmissão sonora na corneta e na corneta invertida.

Para se obter esses efeitos já referidos, tubos especiais foram


desenvolvidos. KILLION foi um dos primeiros pesquisadores a
desenvolver moldes auriculares utilizando o efeito horn. Em 1981,
LIBBY desenvolveu um tubo plástico com características seme-
lhantes aos de KILLION. Este tubo recebeu o nome de Libby horn
e tem 2 mm de diâmetro inicial para a conexão com o gancho da
prótese auditiva e, nos últimos 22 mm se alarga gradativamente
até atingir um diâmetro de 4 mm. Observa-se limitação no uso
deste tubo, pois sendo uma unidade integrada, é de difícil troca e
manutenção (Fig. 22.5G).
Outro método para se atingir os benefícios acústicos das
cornetas, chamado de Bakke horn, foi desenvolvido na Escandi-
návia (Fig. 22.5H). Consiste de uma pequena corneta de plástico
rígido, em forma de cotovelo, que fica fixa na concha do molde de
acrílico rígido. Para moldes de silicone existe outra versão. Tal
adaptação apresenta o mesmo desempenho acústico do Libby
horn, mas com a vantagem de permitir a troca do tubo plástico com
maior facilidade, podendo ser feita inclusive pelo próprio usuário,
apresentando, também, um custo menor.
Como outra alternativa para se obter o efeito corneta, pode-se
fixar o tubo plástico na entrada do molde e alargar-se gradualmente
o canal de condução do som até a ponta do molde, em forma de boca-
de-sino, podendo, ou não, atingir 4 mm de diâmetro final (Fig. 22.5I).
514 Fonoaudiologia Prática

2 mm

4 mm
2 mm
4 mm
4 mm

19 mm 11 mm
11 mm

Belled canal

G H I

FIGURA 22.5 – G) Dimensões do Libby horn (BERGENSTOFF, 1985). H) Bakke horn (BERGENSTOFF,
1985). I) Canal em forma de boca-de-sino.

Assim, consegue-se um efeito horn limitado, pois as dimensões não


são as mesmas do Libby horn e do Bakke horn. Este efeito é aplicado
em indivíduos cujo diâmetro do MAE não permite o uso do efeito
corneta dentro das medidas preestabelecidas.

ADAPTAÇÃO DOS MOLDES AURICULARES


E MANUTENÇÃO
A adaptação de um molde é uma das primeiras etapas na
seleção de uma prótese auditiva.
Geralmente, inicia-se a testagem da prótese com os próprios
moldes do paciente. Portanto, a confecção da pré-moldagem é o
primeiro contato que o usuário tem com seu sistema de amplificação.
O molde apresenta-se ao paciente como um objeto estranho
ao corpo, seja pela sensação de plenitude auricular, seja pelo
desconforto. Para crianças, em geral são confeccionados moldes
com material macio, que são mais resistentes e apresentam
melhor aderência. Estes moldes têm a desvantagem de aquecer
mais o MAE, provocando maior umidade.
Com crianças, a adaptação do molde é gradativa, devendo o
mesmo ser usado em períodos curtos, várias vezes ao dia, se
necessário. É comum a rejeição pelo seu uso, não só pelos
aspectos físicos e acústicos, mas também, pelo emocional. O som
pode causar um impacto inicial muito grande em casos de perda
auditiva severa e profunda, se a criança nunca foi estimulada
auditivamente. Neste caso, a primeira reação é a retirada dos
moldes. A adaptação requer muita paciência e determinação,
sendo necessário um período longo para que ela se efetive.
Os idosos geralmente têm dificuldade com a colocação e
remoção dos moldes, necessitando de orientações detalhadas e
Moldes Auriculares 515

demonstrações práticas, até que descubram uma forma facilitadora


de realizá-las. Fatores como anatomia do MAE, tipo de molde,
material, e destreza manual interferem neste aprendizado.
Reações alérgicas ao material do molde podem ser observadas
com seu uso, manifestando-se através de dor local, prurido, hipere-
mia, edema e otorréia. Nestes casos, o uso deve ser suspenso e,
após avaliação médica, novo molde poderá ser confeccionado em
material hipoalergênico. Sinais semelhantes podem ser observados
com a utilização incorreta do mesmo.
Os pais devem ser alertados também quanto à possibilidade da
ocorrência de traumatismo do MAE por impacto direto sobre os
moldes, devido à grande sensibilidade desta região. Novamente, faz-
se necessária a suspensão do uso e avaliação médica adequada.
Os moldes devem ser limpos diariamente com água e sabão
neutro, não devendo se utilizar produtos químicos, pois estes podem
causar deterioração do material além de reações alérgicas se não
retirados totalmente. Ao ser lavado, o molde deve ser desconectado
do aparelho e estar completamente seco ao ser utilizado novamen-
te. A higiene de intra-auriculares e intracanais requer cuidado
especial, pois microfone e receptor não podem receber umidade,
devendo ser limpos a seco. Deve ser verificado se não há cerúmen
ou umidade tanto no canal do molde como no tubo plástico, pois a
presença destes elementos pode gerar mau funcionamento da
prótese, incluindo realimentação acústica. O problema de umidade
em intra-auricular e intracanal pode ser amenizado usando-se
desumidificadores, como a sílica-gel, disponíveis comercialmente.
O tubo plástico que conecta o molde ao aparelho retro-
auricular deve ser substituído a cada 3 meses, e verificado se não
está endurecido, rachado ou retorcido.
Segundo NORTHERN & DOWNS (1991), até a idade de 6 anos
a criança deve trocar o molde de três a quatro vezes por ano, dos
6 aos 10 anos, de uma a duas vezes por ano. Em adultos, a troca
é necessária se o paciente sofrer considerável variação de peso,
se apresentar mudanças nos limiares auditivos, se houver alarga-
mento do canal pelo uso prolongado do molde, se houver
colabamento do MAE devido à flacidez da pele, ou pela simples
deterioração do material.
Concluindo, o processo de pré-moldagem e a indicação e
adaptação de moldes auriculares em crianças é tão contínuo e
dinâmico quanto a adaptação de suas próteses próteses auditivas.
Nos adultos, este trabalho torna-se dinâmico à medida em que o
paciente é suficientemente orientado e motivado a referir suas
necessidades.

Leitura recomendada
BERGENSTOFF, H. – Earmold design and its effect on real ear insertion
gain. Hear. Instrum., 34(9):46-49, 1985.
COURTOIS, J. ; JOHANSEN, E. A.; LARSEN, B.V.; CHRISTENSEN, P.;
BEILIN, J. – Open Molds. In: JENSEN, J.H. Hearing Aid Fittings.
516 Fonoaudiologia Prática

Theoretical and Practical Views. 13th Danavox Simposium.


Copenhagen, Stougaard Jensen, 1988. pp. 175-200.
DANAHER, E.; OSHERGER, N.; PICKETT, J. – Discrimination of formant
frequency transitions in synthetic vowels. J. Speech Hear. Res.
16:439-451, 1975.
KILLION, M.C. – Recent Earmolds for Wideband OTE and ITE Hearing
Aids. Hear. J., 37(8):15-22, 1984.
KILLION, M.C. – Earmold design: theory and practice. In: JENSEN, J.H.
Hearing Aid Fittings. Theoretical and Practical Views. 13th Danavox
Simposium. Copenhagen, Stougaard Jensen, 1988. pp. 155-172.
KILLION, M.C. – Special fitting problems and open canal solutions. In:
JENSEN, J.H. Hearing Aid Fittings. Theoretical and Practical Views.
13th Danavox Simposium. Copenhagen, Stougaard Jensen, 1988.
pp. 219-228.
KILLION, M.C. – The “hollow voice” occlusion effect. In: JENSEN, J. H.
Hearing Aid Fittings. Theoretical and Practical Views. 13th Danavox
Simposium. Copenhagen, Stougaard Jensen, 1988. pp. 231-242.
LEAVITT, R. – Earmolds: acoustic and structural considerations. In:
HODGSON, W. R. Hearing Aid Assesment and Use in Audiologic
Habilitation. 3ª ed. Baltimore, Williams & Wilkins, 1986. pp. 71-108.
LIBBY, E. R. – Achieving a transparent, smooth, wide band hearing aid
response. Hear. Instrum., 32:9-12; 1981.
LYBARGER, S. – Earmolds. In: KATZ, J. Handbook of Clinical Audiology.
2ª ed. Baltimore, Williams & Wilkins, 1978.
MAJOR, M. – Custom Earmold Manual. 5ª ed. Microsonic Inc., 1994.
McHUGH, E.R. & MORGAN, R. – Earmold / ITE Shell Technology and
Acoustics In: POLLACK, M.C. Amplification for the Hearing Impaired.
3ª ed. New York, Grune & Stralton Inc., 1988. pp. 105-142.
NORTHERN, J.L. & DOWNS, M.P. – Amplification for the hearing-
impaired children. In: NORTHERN, J.L. & DOWNS, M.P. Hearing in
Children. Baltimore, Williams & Wilkins, 1991. pp. 285-321.
SKINNER, M.W. – Preselection of a hearing aid and earmolds. In:
SKINNER, M.W. Hearing Aid Evaluation. New Jersey, Washington
University – Prentice Hall – Englewood Cliffs, 1988. pp. 225-241.
VALENTE, M.; VALENTE, M.; POLTS, L.G.; LYBARGER, E.H. – Options:
Earhooks, Tubing and Earmolds In: VALENTE, M. Hearing Aids:
Standards, Options and Limitations. New York, Thième Medical
Publishers Inc., 1996. pp. 212-322.
WARWICK, R. & WILLIAMS, P.L. – Gray Anatomia. 35ª ed. Rio de
Janeiro. Ed. Guanabara Koogan, 1979. pp. 1063-1065.
Mensurações In Situ 517

23
Mensurações In Situ

Márcia Castiglioni F. Sousa


Milene Migliori Foronda

INTRODUÇÃO

A adequada mensuração e avaliação das características


eletroacústicas dos aparelhos auditivos é algo que há décadas faz
parte das preocupações dos profissionais da área. Estudos vêm
sendo realizados, com o objetivo de aperfeiçoar o processo de
seleção de aparelhos auditivos, para que se possa garantir a
utilização da melhor amplificação possível para o indivíduo defi-
ciente auditivo.
Foi assim que, na década de 80, as mensurações in situ
começaram a fazer parte dos procedimentos utilizados na prática
clínica. O termo in situ significa no local e, no caso, refere-se à
avaliação do aparelho auditivo inserido no meato acústico externo
(MAE). Isto se tornou possível com o desenvolvimento de micro-
fones miniaturizados que, acoplados a tubos-sonda e conectados
a sistemas computadorizados, podem ser introduzidos no MAE e
medir o nível de pressão sonora próximo à membrana timpânica.
Desta forma, leva-se em consideração tanto as características
eletroacústicas do aparelho auditivo, como os efeitos causados
pelas estruturas da orelha e pela cabeça e corpo do indivíduo,
além da inserção do molde.
As mensurações com microfone-sonda fornecem dados quan-
titativos das características eletroacústicas do aparelho auditivo
na orelha do usuário, de uma forma rápida e simples. HARFORD
518 Fonoaudiologia Prática

(1988) refere várias aplicações clínicas das mensurações do


aparelho auditivo através de microfone-sonda: ganho de inser-
ção, avaliação dos níveis de pressão sonora de saída máxima
(SSPL90), distorção harmônica, qualidade e morfologia da res-
posta de freqüência, efeito dos ajustes eletroacústicos, efeito das
modificações acústicas no molde auricular, comparação entre
aparelhos auditivos, efeitos do microfone direcional, comparação
de adaptações CROS e BICROS, avaliação dos sistemas e
equipamentos auxiliares (FM, por exemplo).
Figurando entre os mais importantes avanços na história da
tecnologia dos aparelhos auditivos, as mensurações com micro-
fone-sonda introduziram novas possibilidades de pesquisas au-
diológicas e melhor qualidade no processo de seleção e adapta-
ção da amplificação.
KLAR & T REDE (1986) ressaltam que o desenvolvimento de
equipamentos com microfone-sonda para mensurações da ore-
lha externa deve ter sido o passo mais importante na área
audiológica, pois o uso rotineiro de tal equipamento proporciona
um maior número de usuários satisfeitos devido a melhores
adaptações.
O crescimento da utilização de equipamentos de microfone-
sonda assim como a proliferação dos modelos fez com que
houvesse a necessidade de estudos e pesquisas para melhor
definição de terminologias e procedimentos. O objetivo deste
capítulo é, de forma simples e básica, abordar conceitos e consi-
derações para a utilização adequada das mensurações in situ.

HISTÓRICO
O acoplador de 2,0 ml (ou acoplador 2 cc) desenvolvido por
ROMANOW em 1942, foi o primeiro passo em direção ao desenvol-
vimento das mensurações in situ. ROMANOW relatou que, para
expressar quantitativamente o desempenho de um aparelho
auditivo, é necessário especificar um referencial ao qual o seu
desempenho possa ser comparado, bem como o método para
efetuar tais comparações. Desta forma, como um mecanismo de
fácil fabricação, o acoplador teria a função de padronizar as
mensurações das características eletroacústicas dos aparelhos
auditivos. Não deveria simular uma orelha externa, e sim ser um
mecanismo no qual as medidas das características eletroacústicas
dos aparelhos auditivos poderiam ser obtidas, funcionando como
um padrão consistente para controle de qualidade, comparação
de aparelhos e troca de dados técnicos entre diferentes fábricas.
Em 1946, WEINER & R OSS utilizaram os primeiros microfones-
sonda e mediram o nível de pressão sonora em diferentes
posições do meato acústico externo para uma faixa em freqüência
de 200 a 5.000 Hz. Neste estudo, concluíram que a orelha externa
age como um amplificador natural, pois observaram que o nível
de pressão sonora na membrana timpânica é maior que o nível de
Mensurações In Situ 519

pressão sonora de referência em campo livre, encontrando uma


diferença de até 22 dB ao redor de 3.000 Hz.
Em 1954, o termo ganho de inserção foi utilizado pela primeira
vez por AYERS que o definiu como: “a diferença entre o nível de
pressão sonora em um ponto específico do meato acústico
externo com aparelho auditivo e o nível de pressão sonora no
mesmo ponto sem o aparelho auditivo” .
Muitos estudos subseqüentes foram realizados por euro-
peus e norte-americanos, utilizando vários tipos de microfone-
sonda e diversas técnicas de mensuração. Diferentes equipa-
mentos foram desenvolvidos para avaliar a acústica dos mol-
des, a amplificação fornecida e o desempenho do aparelho
auditivo acoplado ao molde auricular e inserido no meato acús-
tico externo.
Em 1971, ZWISLOCKI desenvolveu um acoplador capaz de
reproduzir parcialmente as propriedades da orelha humana, o
qual denominou simulador de ouvido. Este acoplador possui um
volume de 1,2 ml que é um valor médio estimado do volume
residual do meato acústico externo. Porém, ainda não levava em
consideração os efeitos de difração causados pela cabeça e corpo
do indivíduo na realização das mensurações dos aparelhos audi-
tivos.
A empresa americana Knowles, em 1972, desenvolveu um
manequim antropométrico para facilitar as mensurações in situ
da performance de aparelhos auditivos, o KEMAR (Knowles
Eletronics Manikin for Acoustic Research). Embora represen-
tando a média ergométrica de um adulto, não fornecia dados
individuais específicos. De qualquer forma, a combinação do
KEMAR com o simulador Zwislocki contribuiu substancialmente
para a compreensão e objetividade da performance do aparelho
auditivo quanto aos efeitos de difração e reflexão do som,
causados pelo dorso, cabeça e orelha externa do usuário, como
das alterações geradas pelas diferentes posições dos microfo-
nes dos aparelhos auditivos.
A partir destes estudos, pesquisadores norte-americanos e
dinamarqueses dirigiram sua atenção para o desenvolvimento de
equipamentos que permitissem a aplicação clínica destas
mensurações in situ que, até aquele momento, tinham sua aplica-
ção limitada a condições laboratoriais.
Em 1983, houve o aparecimento do primeiro equipamento
com microfone-sonda para uso clínico, desenvolvido por STEEN B.
RASMUSSEN e H. BIRK NIELSEN na Dinamarca. O equipamento
possuía um microfone autocalibrador e um tubo flexível de silicone
que poderia ser colocado sob o molde do aparelho auditivo já
localizado no meato acústico externo. Este equipamento utilizava
técnicas seguras e confortáveis para o paciente e oferecia uma
medida confiável e objetiva. Tal medida verificava as caracterís-
ticas do aparelho auditivo e também a interação da amplificação
com os efeitos acústicos da orelha externa.
520 Fonoaudiologia Prática

A partir disto, houve rápido crescimento de tal método. Outros


sistemas computadorizados de microfone-sonda foram desenvol-
vidos em vários países. Em 1986 existiam somente três equipa-
mentos para aplicação clínica. Até 1992 este número já estava em
aproximadamente 20 sistemas diferentes. SKADEGARD (1987)
relatou que, na Austrália e Europa, 60% das adaptações de
aparelho auditivo foram realizadas com mensurações da orelha
externa.
Por outro lado, este crescimento também gerou confusão em
relação a terminologia, definições e procedimentos que deveriam
ser utilizados para mensurações com microfone-sonda. Embora
cada vez mais populares, devido a sua recente introdução na
prática clínica, não há padronização para o uso rotineiro recomen-
dado pelo American National Standards Institute (ANSI) ou pela
American Speech-Language-Hearing Association (ASHA). Existe
um comitê de estudos denominado ANSI S3.80 que está traba-
lhando para esta padronização. De qualquer forma, a terminologia
utilizada neste capítulo é a sugerida por tal comitê.

DESCRIÇÃO DOS EQUIPAMENTOS


Como já foi dito, existem vários equipamentos de fabricantes
diferentes para a realização das mensurações in situ. Apesar de
algumas diferenças, todos possuem uma unidade microfônica,
um compressor de alta resolução para gerar um campo livre
equalizado, um monitor de vídeo para a observação das curvas,
e uma unidade central. A impressora e o acoplador 2,0 ml, em
alguns equipamentos, são opcionais.
A unidade microfônica dispõe do microfone-sonda e microfo-
ne-referência. O microfone-sonda possui um tubo de silicone com
diâmetro externo de 1,5 mm e diâmetro interno de 0,5 mm para ser
inserido no meato acústico externo e realizar as medidas próximo
à membrana timpânica. No tubo de silicone normalmente existe
um anel marcador para facilitar a inserção adequada. O microfo-
ne-referência mantém o nível de pressão sonora próximo à orelha
do indivíduo inalterado durante toda a mensuração, eliminando
assim a necessidade da mensuração ser realizada em cabine
acústica (ver Fig. 23.8).
O compressor de alta resolução controla os estímulos pro-
duzidos pelo campo livre, mantendo-os em um nível de intensi-
dade constante independente da distância do indivíduo em
relação aos alto-falantes. Através do compressor e um alto-
falante, o sistema produz um sinal em campo livre (tom puro,
tom modulado ou ruído). As medidas são realizadas por toda a
faixa de freqüência, de 125 a 8.000 Hz, em varredura. Os níveis
de pressão sonora de entrada podem ser apresentados de 50 a
90 dB NPS ; e os níveis máximos de pressão sonora de saída
alcançam até 140 dB NPS, possibilitando a avaliação de apare-
lhos auditivos potentes.
Mensurações In Situ 521

Muitos equipamentos de mensurações in situ possuem uma


câmara anecóica que permite realizar medidas de acoplador 2 cc
de acordo com os padrões ANSI ( American National Standard
Institute) ou IEC (International Eletrotechnical Commission).

TERMINOLOGIAS, PROCEDIMENTOS E
APLICAÇÕES CLÍNICAS
Há uma série de mensurações in situ que podem ser realiza-
das para a adaptação do aparelho auditivo. Serão descritos os
sete procedimentos mais utilizados e algumas de suas aplicações
clínicas empregando uma terminologia que, embora seja a mais
aceita e mais utilizada, ainda não está padronizada. Os termos
escolhidos para a tradução da terminologia americana seguem a
proposta de COSTA e cols. (1996).

REUR (real ear unaided response)


Resposta de ressonância na orelha externa
É a medida do nível de pressão sonora (NPS), em função da
freqüência, em um ponto específico do meato acústico externo
(MAE) não-ocluído, para um campo sonoro determinado. Pode
ser expresso em decibel (dB) NPS ou ganho em dB, relativo ao
nível do estímulo.
Em outras palavras, é a medida dos efeitos da ressonância do
MAE, concha e pavilhão auricular provocada pelo som incidente
na membrana timpânica. O MAE é um tubo fechado em uma de
suas extremidades e, como tal, provoca várias freqüências de
ondas estacionárias. Tais ondas estão relacionadas ao tamanho
do meato acústico externo e produzem a chamada amplificação
natural.
Há, na literatura, várias pesquisas sobre qual seria o valor
médio desta amplificação natural no adulto. Pode-se ter como
base para este valor, uma ênfase de 10 a 20 dB, com pico
localizado nas freqüências entre 2.000 e 4.000 Hz (VALENTE e
cols., 1991; MUELLER , 1992).
De qualquer forma, todas estas pesquisas variam conforme o
método de equalização, o equipamento utilizado e a posição do
paciente em relação ao alto-falante, entre outras variáveis. Por-
tanto, o importante para a confiabilidade dos testes é sempre
realizar a REUR individualmente e não se basear em valores
médios (Fig. 23.1).

Procedimento
A posição do tubo-sonda e o nível do sinal de teste merecem
atenção especial para a realização deste procedimento.
O primeiro passo é a colocação do tubo-sonda no MAE, de
maneira adequada, já que a REUR obtida de forma incorreta pode
522 Fonoaudiologia Prática

dB
140
130
120
110
100
90
80
70
60
50
40
125 250 500 1k 2k 4k 8k Hz

FIGURA 23.1 – Exemplo de curva de resposta de ressonância na orelha externa (REUR) de um


indivíduo adulto.

afetar as outras mensurações realizadas posteriormente. Pode-


se utilizar como referência para determinar a profundidade de
inserção do tubo-sonda, o próprio molde do paciente e o anel
marcador, fazendo-o ultrapassar 5 mm a ponta do molde.
O nível do sinal que será emitido em campo livre deve estar
acima dos níveis do ruído da sala de teste e não deve provocar
desconforto ao paciente. Geralmente, são utilizadas intensidades
de 60 a 70 dB NPS.
Seja qual for a distância do paciente em relação ao alto-falante
e o nível e tipo de sinal de teste escolhidos, estes valores devem
permanecer constantes nas mensurações subseqüentes. O pacien-
te deve ser orientado a não se mover durante todas as mensurações.
Tais variáveis serão detalhadamente discutidas no item Considera-
ções Gerais para Realização das Mensurações in situ.

Aplicações clínicas
Devido a características anatômicas particulares, os indiví-
duos têm diferentes valores de REUR. Quando é inserido o molde
auricular, o volume residual e o diâmetro da abertura para a
entrada sonora no MAE diminuem, fazendo com que a amplifica-
ção natural seja perdida ou modificada. O resultado é que os
valores obtidos na orelha com aparelho auditivo irão variar de um
indivíduo para outro.
O primeiro e mais comum uso clínico da REUR é servir como
valor de referência para determinar a resposta de inserção (REIR)
ou o ganho de inserção (REIG). Desta forma, a resposta de
freqüência do aparelho auditivo deve compensar de maneira
adequada a perda de inserção provocada pelo molde. É importan-
te levar em consideração os valores da REUR a fim de selecionar
as características eletroacústicas necessárias para atingir o gan-
ho desejado. Compensação excessiva ou inadequada da perda
de inserção pode resultar em picos ou vales na curva da resposta
Mensurações In Situ 523

de inserção, causando desconforto, maus resultados e até mes-


mo rejeição ao aparelho auditivo.
Uma aplicação clínica indireta da REUR é que esta medida
sempre reflete anormalidades no MAE ou na orelha média. Tubos
de ventilação, perfurações na membrana timpânica, otites mé-
dias, mastoidectomias radicais provocam mudanças na resposta
de ressonância da orelha externa.

REOR (real ear occluded response)


Resposta de oclusão na orelha externa
É a medida do NPS, em função da freqüência, em um ponto
específico do MAE, para um campo sonoro determinado, com
o aparelho auditivo inserido na orelha, desligado. Pode ser
expresso em dB NPS ou ganho em dB relativo ao nível do
estímulo. Esta resposta reflete o quanto a ressonância natural
da orelha externa foi perdida com a inserção do molde.

Procedimento
Após a REUR ser realizada, o aparelho deve ser colocado
desligado na orelha, com o cuidado do tubo-sonda permanecer
no mesmo local do meato acústico externo. O sinal de entrada
é então apresentado em campo livre, utilizando o mesmo tipo
de sinal e mesmo nível de intensidade utilizados na avaliação
da REUR.
A maneira utilizada para demonstrar a REOR no monitor é
variável de acordo com o equipamento utilizado. Alguns mode-
los permitem equalizar a REUR, sendo o zero a linha de
referência. Desta forma, não é mostrada a REOR, mas a
diferença entre a resposta de ressonância (REUR) e a resposta
de oclusão (REOR) (Fig. 23.2A). Outros equipamentos exigem
que as medidas da REOR sejam realizadas em uma escala
absoluta e a área que estiver abaixo do nível de entrada vai
representar a REOR (Fig. 23.2B).

dB dB
90 140
80 130
70 120
60 110
50 100 REUR
40 90
30 80
20 70
REOR
10 60
0 50
-10 40
Hz 125 250 500 1k 2k 4k 8k Hz
125 250 500 1k 2k 4k 8k

A B

FIGURA 23.2 – A) Exemplo de curva de resposta resultante da diferença entre REUR e REOR. B)
Exemplo de curva de resposta de ressonância na orelha externa (REUR) e de resposta de oclusão
(REOR).
524 Fonoaudiologia Prática

Aplicações clínicas
A diferença entre REUR e REOR fornece uma estimativa da
perda de inserção, determinando qual é o efeito que a colocação do
molde auricular exerce na REUR do paciente. É importante realizar
a REOR isoladamente no momento da adaptação do aparelho
auditivo para melhor definição das características da amplificação e
modificações no molde para o indivíduo em questão.
Pode ser utilizada como uma medida indireta do efeito de
oclusão. Geralmente, quanto mais a REOR estiver abaixo da
REUR, maior será o efeito de oclusão. Desta forma, é possível
determinar o tamanho adequado da ventilação (combinada com a
resposta de inserção).

REAR (real ear aided response)


Resposta com aparelho auditivo na orelha externa
É a medida do NPS, em função da freqüência, em um ponto
específico de mensuração no MAE para um campo sonoro deter-
minado com o aparelho auditivo inserido na orelha, ligado. Pode
ser expresso em NPS ou ganho em dB relativo ao nível do
estímulo. Antigamente conhecido como ganho in situ (Fig. 23.3).

Procedimento
Levando em consideração que a REAR é normalmente con-
duzida logo após a REUR, o tubo-sonda já está no meato acústico
externo. O aparelho auditivo deve, então, ser colocado tomando-
se o cuidado para que o tubo-sonda não se desloque. Se não for
utilizada esta seqüência, o tubo-sonda deve ser colocado segun-
do os parâmetros já citados na REUR.
Após a colocação do aparelho na orelha, deve-se estar atento
ao nível de intensidade do sinal de entrada e a posição do controle
de volume do aparelho auditivo.

dB
140
130
120
110
100
90
80
70
60
50
40
125 250 500 1k 2k 4k 8k Hz

FIGURA 23.3 – Exemplo de curva de resposta com aparelho auditivo na orelha externa (REAR).
Mensurações In Situ 525

Se a proposta for realizar a REAR para subtrair a REUR a fim


de calcular a resposta de inserção (REIR), então o nível do sinal
de entrada não deve fazer com que o aparelho auditivo entre em
saturação. Da mesma forma, o nível de entrada do sinal deve
estar abaixo do nível de ativação da compressão do aparelho
auditivo. Portanto, um nível de entrada entre 60 e 70 dB é
geralmente o mais utilizado, desde que esteja acima do ruído
ambiental. Deve-se utilizar intensidades maiores se o objetivo
for determinar a resposta de saturação do aparelho, descrita
posteriormente.
A posição do controle de volume também dependerá do que
se quer avaliar. Ele pode ser colocado na posição mais confortável
referida pelo paciente ou na posição normal de uso. Arbitraria-
mente, também pode-se colocá-lo na metade ou em dois terços da
rotação. Outra aplicação seria avaliar a linearidade do controle de
volume do aparelho auditivo, onde a REAR deve ser conduzida
em diferentes posições do mesmo.

Aplicações clínicas
Embora a resposta de inserção (REIR) seja atualmente o
método mais conhecido para verificar o desempenho do aparelho
auditivo, a REAR provavelmente será, brevemente, o método
escolhido para determinar a qualidade da adaptação do aparelho
auditivo. Em alguns casos, a REAR é a mais útil a fim de solucionar
queixas do paciente em relação ao desempenho do aparelho
auditivo. Ela detecta picos inadequados na curva de resposta em
freqüência, os quais causam desconforto ao usuário ou queda na
qualidade sonora. Se estes picos ocorrerem próximos ao pico da
REUR, não serão observados na resposta de inserção.
O uso mais comum da REAR é servir como referência para o
cálculo da resposta de inserção (REUR é subtraída da REAR para
obter os valores da resposta de inserção). Por esta razão, muitos
equipamentos fazem este cálculo automaticamente e não apre-
sentam a REAR.
A REAR também é a mensuração mais adequada para
avaliar distorção intermodulada e circuitos especiais, tais como
microfone direcional, compressão ou circuito de processamento
de sinal.
Outra aplicação clínica importante da REAR é medir a saída
máxima do aparelho auditivo na orelha do usuário. Quando
utilizada desta forma, o termo correto é resposta de saturação na
orelha externa (RESR), descrita a seguir.

RESR (real ear saturation response)


Resposta de saturação na orelha externa
É a medida do NPS em função da freqüência, em um ponto
específico do MAE com o aparelho auditivo ligado inserido na
orelha, para um campo sonoro determinado. Esta medida é obtida
526 Fonoaudiologia Prática

com um estímulo suficientemente intenso para levar o aparelho


auditivo a operar no seu nível máximo de saída.
Diferente da REIR, a qual possui o ganho funcional como uma
avaliação comportamental equivalente, não há teste comporta-
mental equivalente para a RESR (Fig. 23.4).

dB
140
130
120
110
100
90
80
70
60
50
40
125 250 500 1k 2k 4k 8k Hz

FIGURA 23.4 – Exemplo de curva de resposta de saturação na orelha externa (RESR).

Procedimento
O procedimento é basicamente o mesmo utilizado na REAR,
exceto que neste caso é essencial assegurar que o aparelho
auditivo deva operar no seu nível máximo de saída (saturação). Para
isto, o nível do sinal de entrada deve ser 90 dB NPS e o controle de
volume deve ser posicionado logo abaixo do ponto de realimentação
acústica. A fim de evitar desconforto e/ou como medida de seguran-
ça, há um outro procedimento para realização do RESR. Utilizando
níveis de intensidades menores, pode-se obter a resposta desejada
através de um fator de correção individual, em relação ao acoplador
2 cc, que será descrito na RECD (diferença entre os valores do
acoplador e da orelha externa).
Convém lembrar que, segundo MUELLER & BRIGHT (1994), se
os limiares de desconforto foram obtidos e se o aparelho auditivo
adequado foi selecionado (com a saída máxima regulada adequa-
damente), então um sinal de 90 dB NPS não deverá causar
desconforto ao usuário.

Aplicações clínicas
Sabe-se que um aparelho auditivo com valores de saída máxima
excessivos pode causar desconforto e, em alguns casos, rejeição ao
seu uso mesmo que o ganho acústico seja, por outro lado, a saída
máxima regulada aleatoriamente em níveis desnecessariamente
reduzidos, a faixa dinâmica pode ser restringida, levando a distorções
que podem comprometer a inteligibilidade dos sinais de fala.
Mensurações In Situ 527

Além disso, a possibilidade de que a amplificação excessiva


dos sons pelo aparelho auditivo possa ser prejudicial à audição
residual de seus usuários tem sido levantada por diversos
pesquisadores (N AUTON, 1957; ROSS e cols., 1967; JERGER &
L EWIS, 1975; MACRAE , 1993). Estes estudos reforçam a idéia de
que o excesso de amplificação fornecido pelo aparelho auditivo
pode causar mudanças temporárias ou permanentes nos limia-
res auditivos.
Para HAWKINS e cols. (1992) há, no mínimo, três objetivos
associados à seleção da saída máxima adequada: 1. o desconfor-
to físico causado pela amplificação dos sinais de fala, ruído e sons
ambientais é minimizado ou até mesmo eliminado; 2. a faixa
dinâmica disponível ao usuário é estendida ao máximo possível;
3. a saída do aparelho auditivo é limitada abaixo do nível que
poderá causar perda adicional de audição.
O RESR é importante especialmente para crianças e adultos
que não fornecem respostas, onde a saída máxima do aparelho
auditivo deve ser, além de confortável, segura.
Diante disto, assim como o ganho funcional, a resposta de
inserção (REIG) e os testes de fala, a RESR merece atenção
especial no processo de seleção e adaptação de aparelho audi-
tivo.

REIR (real ear insertion response)


Resposta de inserção
É a diferença, em dB, em função da freqüência, entre a REUR
e REAR (REIR = REAR – REUR), registrada no mesmo ponto do
MAE e nas mesmas condições do campo livre. Representa a
curva de ganho em toda a faixa de freqüências, em dB (Fig. 23.5).
A REIR é a mensuração in situ que normalmente recebe maior
atenção durante o processo de seleção e adaptação do aparelho
auditivo. Se o ganho for descrito em uma freqüência específica,

dB
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
-10
125 250 500 1k 2k 4k 8k Hz

FIGURA 23.5 – Exemplo de curva de resposta de inserção (REIR).


528 Fonoaudiologia Prática

então o termo correto é ganho de inserção (REIG – real ear


insertion gain). Como o próprio nome implica, a REIR refere-se ao
total do ganho que é obtido pelo aparelho auditivo inserido na
orelha. Ao contrário da REAR, a REIR refere-se ao ganho do
aparelho auditivo descontando os valores da REUR (REAR –
REUR = REIR) (Fig. 23.6).

dB
140
130 REAR
120
110
100 REIR
90
80
70 REUR
60
50
40
125 250 500 1k 2k 4k 8k Hz

FIGURA 23.6 – Exemplos de curvas de respostas obtidas na orelha externa: resposta de ressonância
(REUR) e resposta com aparelho auditivo (REAR). Desta forma REAR – REUR = REIR.

Procedimento
Depois de efetuada a equalização do campo livre e calibração
do tubo-sonda, a medida subseqüente é a REUR. Com o
cuidado de não tirar o tubo-sonda do local, o aparelho é coloca-
do ligado na orelha do paciente. O nível de sinal de entrada e o
tipo de sinal deve ser o mesmo utilizado na REUR. A posição do
tubo-sonda não é tão crítica, desde que seja a mesma utilizada
na REUR.
Todos os equipamentos calculam automaticamente a diferen-
ça entre as medidas com e sem aparelho auditivo. Em alguns,
podem-se observar as curvas REUR e REAR separadamente,
antes do cálculo.

Aplicações clínicas
O propósito principal da REIR é verificar se o ganho pre-
determinado pelo método prescritivo escolhido (“regras de gan-
ho”) foi alcançado. A maioria dos equipamentos calcula o ganho
necessário de acordo com os limiares tonais do indivíduo.
Esta mensuração é considerada equivalente ao ganho funcio-
nal (avaliação comportamental, resultante da diferença entre os
limiares tonais em campo livre, com e sem aparelho auditivo).
Para MUELLER (1992), a REIR apresenta várias vantagens em
relação ao ganho funcional:
• As informações são obtidas por toda a faixa de freqüência e
não apenas a intervalos de uma oitava ou meia-oitava.
Mensurações In Situ 529

• Não é necessário mascarar a orelha não-testada (no caso


de adaptação do aparelho auditivo na pior orelha, por
exemplo).
• Importante para pacientes incapazes de fornecer uma res-
posta comportamental.
• Não há problemas relacionados à limitação na saída do alto-
falante para obtenção das mensurações em deficientes
auditivos profundos.
• Existe segurança no teste-reteste.
• Não existe a possibilidade de mascaramento por ruídos
ambientais dos limiares com aparelho auditivo, quando a
audição está normal ou próxima do normal.
• Os efeitos do nível de sinal de entrada podem ser avaliados.

RECD (real ear coupler diference)


Diferença entre o acoplador e o orelha externo
É a diferença (em dB), em função da freqüência, entre a saída
do aparelho auditivo medida na orelha externa e no acoplador 2 cc.
RECD é a medida que soluciona alguns problemas de
correção do acoplador 2 cc para a orelha externa. Este termo
não está incluído no artigo publicado pelo grupo da ANSI S3.80,
mas está sendo citado em pesquisas recentes.

Procedimento
O primeiro passo para a obtenção da RECD é realizar a REAR,
evitando a saturação do aparelho auditivo ou o acionamento da
compressão. Desta forma, um nível de sinal de entrada de 60 dB
NPS é suficiente. O controle de volume é colocado, na maioria das
vezes, na posição de uso.
Após a realização da REAR, o aparelho auditivo deve ser
retirado da orelha e a resposta no acoplador deve ser obtida com
o mesmo sinal de entrada e sem modificar a posição do controle
de volume.
A RECD é a subtração dos valores da REAR e do acoplador 2 cc.

Aplicações clínicas
A RECD é utilizada como um fator de correção individual. Uma
aplicação fundamental seria na seleção de um aparelho auditivo
apropriado baseado em informações do acoplador 2 cc. A fim de
saber qual será a resposta na orelha externa (REAR) de um
aparelho auditivo cujas características eletroacústicas foram
mensuradas no acoplador 2 cc, somam-se os valores da RECD
aos valores do acoplador 2 cc.
Outra aplicação importante seria a determinação da saída
máxima do aparelho auditivo, quando o usuário apresentou descon-
forto na RESR, com um sinal de entrada de 90 dB NPS. Realiza-se
a curva da SSPL90 no acoplador e soma-se a ela a RECD.
530 Fonoaudiologia Prática

CONSIDERAÇÕES GERAIS PARA A REALIZAÇÃO DAS


MENSURAÇÕES IN SITU
Desde que foram introduzidas na prática clínica, as mensu-
rações in situ vêm sendo utilizadas com a possibilidade de se obter
resultados objetivos e fidedignos, afastando a variabilidade das
medidas psicoacústicas. Mas para que isto seja possível algumas
considerações sobre os procedimentos para realização das
mensurações in situ devem ser avaliadas objetivando-se validade
e segurança.
É importante lembrar que cuidados e procedimentos podem
variar segundo informações dos fabricantes. O manual de cada
equipamento deve ser consultado e as instruções devem ser
seguidas cuidadosamente. Serão citados os aspectos básicos
normalmente utilizados.

Ambiente de teste
O teste pode ser realizado dentro ou fora de um ambiente
acusticamente tratado. A melhor utilização seria em uma sala
acusticamente tratada, pois pode-se garantir baixo nível de ruído,
poucas superfícies refletoras e pequeno tempo de reverberação,
porém se o espaço não for suficiente em salas acusticamente
tratadas, o próprio equipamento pode se tornar uma superfície
refletora.
Salas não-tratadas acusticamente podem ser utilizadas se
forem tomadas medidas a fim de haver a mesma validade e a
mesma confiabilidade. HAWKINS & MUELLER (1992) listam as
seguintes condições para a realização dos testes em salas
reverberantes:

• O alto-falante deve estar localizado a uma distância apropria-


damente próxima ao paciente.
• O ruído ambiental da sala não deve exceder os níveis de
saída do alto-falante.
• Não devem existir superfícies refletoras próximas ao local
de realização das mensurações.

De maneira prática, pode-se sugerir a utilização de quadros,


cortinas, tapetes, etc., que evitem também reverberação ou dimi-
nuem as superfícies refletoras próximas à área do teste.

Equalização do campo livre


Existe a necessidade de se controlar o nível de pressão
sonora no local onde as mensurações serão realizadas. É a
equalização do campo sonoro, um processo de controle do sinal
acústico em um ponto específico do espaço para que sua ampli-
tude permaneça no nível desejado através de toda a faixa de
freqüências.
Mensurações In Situ 531

Como refere ALMEIDA (1989), por definição, uma mensura-


ção é a quantificação de algo comparado a uma unidade fixa. No
caso das mensurações in situ, a saída do aparelho auditivo é
comparada a um nível de referência constante num campo livre
equalizado.
A diferença básica entre os métodos de equalização é deter-
minada pela maneira como o sinal acústico é controlado e pela
localização do microfone-referência. Estes fatores também in-
fluenciam na precisão e na validade das medidas obtidas. Atual-
mente dois métodos têm sido mais utilizados: o método de
substituição e o método de pressão modificada.
No método de substituição, um microfone é colocado no local
identificado como o ponto aonde a pessoa irá sentar-se para a
realização das mensurações. Neste ponto é medido o nível de
pressão sonora sem a presença do paciente. Depois, para todas
as mensurações subseqüentes, o centro da cabeça do paciente
é colocado exatamente no mesmo local que foi previamente
ocupado pelo microfone. Neste caso, existe a necessidade de
cuidado quanto à localização do paciente no local exato e quanto
à sua própria movimentação, já que qualquer mudança poderá
alterar o nível de pressão sonora registrado no meato acústico
externo.
No método de comparação modificada ou pressão modificada
utilizam-se dois microfones: um que mede o nível de pressão
sonora no meato acústico externo e outro que controla o nível de
pressão sonora gerado pelo alto-falante. São chamados microfo-
ne-sonda e microfone-referência respectivamente. A localização
do microfone-referência deve ser a mais próxima possível do
microfone do aparelho auditivo sendo normalmente utilizado ao
lado ou acima da orelha. Deve-se ter o cuidado para que o
microfone-referência não sofra influência de sons que não façam
parte da mensuração pois, se processados, como conseqüência,
a saída do alto-falante será modificada (por exemplo escapes de
som através da ventilação). Este microfone está presente em
todas as mensurações e não há equalização sem o paciente
presente. A maior vantagem deste método é que, com o microfo-
ne-referência sempre ativo, pequenos movimentos de cabeça
não afetam as mensurações.
Nem todos os equipamentos de microfone-sonda realizam a
equalização da mesma maneira ou levam em conta apenas o
método utilizado. MUELLER (1992) descreve ainda categorias de
equalização referidas como on-line e off-line. On-line (tempo
real) é a equalização baseada na monitoração simultânea no
tempo da mensuração. Off-line (armazenado) é a equalização
baseada nos dados obtidos de uma medida prévia do campo
sonoro. Quando o método de substituição é utilizado, apenas a
equalização off-line é usada. Para o método de pressão modi-
ficada, tanto a equalização on-line quanto off-line podem ser
usadas.
532 Fonoaudiologia Prática

Posicionamento do paciente
O posicionamento do paciente interfere na realização das
mensurações na medida em que diferentes níveis de pressão
sonora serão obtidos no meato acústico externo dependendo da
localização a ser utilizada. Deve-se considerar como pontos
importantes a distância em relação ao alto-falante e o ângulo de
incidência da fonte sonora.
Quanto ao ângulo de incidência da fonte sonora em relação ao
alto-falante, existem opiniões diversas mas, de maneira geral,
considera-se o 0 ou 45° azimute. Utilizando o 0°, o alto-falante
permanece exatamente em frente ao paciente durante toda a
testagem. Utilizando 45°, o alto-falante deve ser movido para o
lado da orelha testada.
Para a distância do paciente em relação ao alto-falante, a
maioria dos fabricantes recomenda entre 0,5 a 1 m.
COSTA e cols. (1996) referem que a distância de 1 m é a mais
utilizada, pois proporciona conforto ao paciente, precisão nas
medidas e, além do que, é uma distância que se aproxima de uma
situação de conversação normal. Sugerem também, que o pa-
ciente seja posicionado a 0° azimute, quando possível, no centro
da sala, com os braços ao longo do corpo, as mãos apoiadas nas
coxas, as pernas não devem estar cruzadas e os cabelos, quando
forem compridos, devem ser presos.

Inspeção visual do meato acústico externo


Alterações no meato acústico externo têm efeito significativo
nas mensurações com microfone-sonda. É fundamental, antes do
início das mensurações, a realização da inspeção visual feita
através de um otoscópio.
Perfurações de membrana timpânica e/ou patologias do ouvi-
do médio devem ser consideradas. Cerúmen ou qualquer outro
obstáculo interferindo ou ocluindo o meato acústico externo, deve
ser removido.
Verificar a forma e o comprimento do meato acústico externo
também poderá facilitar a adequada inserção do tubo-sonda.

Utilização do tubo-sonda
Calibração da sonda
Dependendo do equipamento que está sendo utilizado, é
necessária a calibração do tubo-sonda de silicone. A extensão do
tubo de silicone é considerada parte do microfone, portanto os
efeitos acústicos da passagem do som pelo tubo devem ser
levados em consideração. O propósito desta calibração é fazer
com que o tubo-sonda se torne acusticamente desprezível. Desta
forma a mensuração será registrada como se o próprio microfone
estivesse próximo à membrana timpânica.
Mensurações In Situ 533

Esta calibração é muito importante, pois o equipamento irá,


automaticamente, fazer as correções necessárias para todas as
medidas que serão realizadas.
A ponta do tubo-sonda deve ser colocada próxima ao micro-
fone referência (Fig. 23.7). MUELLER (1992) recomenda que a
distância em relação ao alto-falante deve ser a mesma utilizada
com o paciente. De qualquer maneira, geralmente a forma de
realizar a calibração é descrita pelo fabricante, sendo importante
tomar conhecimento de suas recomendações.
Qualquer tipo de obstrução, mesmo que não total, como
cerúmen, umidade ou outros fragmentos dentro do tubo, altera o
efeito da transmissão acústica. Não se deve cortá-lo ou esticá-lo
e, no caso de qualquer alteração, como sua mudança, o sistema
deve ser recalibrado.

FIGURA 23.7 – Posição do tubo-sonda em relação ao microfone-referência para calibração. A)


Microfone-referência; B) Microfone-sonda.

Posicionamento do tubo-sonda
A localização do tubo-sonda no meato acústico externo é um
dos aspectos mais importantes para garantir medidas precisas
com microfone-sonda. A posição inicialmente utilizada deve ser
mantida sem alterações até o final do teste.
A profundidade de inserção é particularmente importante para a
determinação de medidas absolutas, como a REUR e REAR. As
respostas nas freqüências altas são diretamente relacionadas à
distância entre a sonda e a membrana timpânica. Quanto mais
próxima a sonda estiver da membrana timpânica, mais precisa será
a mensuração nestas freqüências. Na REIG, por ser medida relati-
va, a localização da sonda não é tão importante quanto a necessi-
534 Fonoaudiologia Prática

dade que ela permaneça no mesmo local tanto para a REUR quanto
para a REAR (já que REIG = REAR – REUR).
Existe uma variedade de métodos para a colocação do tubo-
sonda numa profundidade adequada. Alguns profissionais prefe-
rem determinar medidas fixas de acordo com o comprimento
médio do meato acústico externo, variando este parâmetro para
adultos ou crianças. Outros utilizam pontos de referência como o
tragus ou a entrada do meato acústico externo até a ponta do
molde. O anel marcador no tubo-sonda, facilita a utilização destes
procedimentos.
De maneira geral, HAWKINS & MUELLER (1992) colocam duas
considerações básicas para a utilização na prática clínica: 1.
colocar o tubo-sonda o mais próximo possível da membrana
timpânica tendo a medida de 5 mm da membrana como o ideal; e
2. que o tubo se estenda no mínimo 5 mm da ponta do molde. É
comum e efetivo usar o molde como guia para a inserção do tubo-
sonda (Fig. 23.8).
Considerando então que normalmente a avaliação de desem-
penho do aparelho auditivo envolve a utilização de várias medi-
das, é coerente procurar satisfazer tanto o critério de profundidade
quanto de localização constante.
O bom senso deve estar sempre presente na avaliação de
cada caso em particular. O cuidado na colocação da sonda em
crianças é fundamental, pois a forma com que isto será feito
poderá possibilitar, dar prosseguimento ou dar fim ao teste que se
pretende realizar. Este aspecto será discutido posteriormente.

A
B
C

FIGURA 23.8 – Utilização do molde como guia para medida de inserção do tubo-sonda. A) Anel
marcador; B) tubo-sonda; C) microfone-referência.
Mensurações In Situ 535

FIGURA 23.9 – Posicionamento do tubo-sonda com o molde


auricular inserido na orelha. 1 = anel marcador; 2 = microfo-
ne-sonda; 3 = microfone-referência.

Sinal de teste
Tipo de sinal
Alguns equipamentos com microfone-sonda possuem vários
tipos de sinais: tom puro, ruídos de banda estreita, ruídos de
banda larga, tons modulados e ruídos de espectro de fala. A
escolha do estímulo sonoro dependerá de qual mensuração o
profissional está querendo obter. Existem várias pesquisas em
relação a qual sinal seria o mais adequado para cada mensura-
ção, porém não existem padronizações e sim algumas recomen-
dações.
De forma geral, tons modulados e ruídos de banda larga,
normalmente são os mais escolhidos, pois suas características
permitem a utilização em um maior número de procedimentos.
É importante ressaltar que, se as mensurações forem efetuadas
em seqüência, deve-se manter o mesmo tipo de sinal para todas as
avaliações. Do contrário, os valores não serão confiáveis.

Nível do sinal
O nível de sinal escolhido vai depender da mensuração que
será realizada. A maioria dos equipamentos disponíveis no mer-
cado podem emitir sinais de 50 a 90 dB NPS.
A escolha do nível do sinal de entrada para registro da REAR
não tem grande importância se este valor for suficientemente forte
para estar acima do ruído ambiental e suficientemente fraco para
prevenir o desconforto do paciente. HAWKINS & MUELLER (1992)
referem 60 e 70 dB NPS como níveis adequados para abranger os
dois critérios.
Para alguns procedimentos como REIR ou RESR, o nível
do sinal é importante. Desde que o objetivo seja registrar o nível de
536 Fonoaudiologia Prática

saturação do aparelho auditivo, é necessário um nível de entrada


suficiente que, acrescido ao ganho, atinja a saída máxima. Para isto,
normalmente é utilizado um nível de 90 dB NPS de entrada. Para a
REIR, o nível utilizado deve-se aproximar de um nível típico de
entrada de um aparelho auditivo e por isso recomenda-se 60 a 70
dB NPS. Neste caso os níveis não devem saturar o aparelho. É
importante estar atento a este fato, pois se ocorrer saturação, o
ganho do aparelho será reduzido. Este ganho reduzido será real
para o nível de entrada utilizado, mas não representativo de situa-
ções típicas de fala.
Casos especiais devem ser avaliados para que se considere
o melhor nível de sinal de entrada. Para aparelhos com circuitos
de compressão devem-se usar sinais que não sejam suficientes
para ativar a compressão pois, se isto acontecer, ocorrerá redu-
ção do ganho. Em circuitos onde o ganho e resposta em freqüên-
cia variam de acordo com o nível de entrada, para melhor definir
o desempenho do aparelho, é necessária a obtenção da REIR em
diversos níveis de entrada.

Outros aspectos que merecem atenção


Ocorrência de feedback com aparelhos potentes
Muitas vezes, pode-se ter dificuldade em realizar mensurações
in situ no volume desejado com aparelhos de grande ganho
acústico. Isso é devido a ocorrência de feedback causado pela
fenda produzida com a colocação do tubo-sonda entre a parede
do meato acústico externo e o molde.
HAWKINS & M UELLER (1992) sugerem três soluções:
1. Inserir o tubo-sonda através de uma abertura especialmen-
te furada (como uma ventilação), para este objetivo. Durante o uso
normal do aparelho a abertura é tampada.
2. Usar vaselina ou massa de pré-moldagem ao redor do tubo,
próximo à borda externa do molde, para selar o vazamento.
3. Obter a resposta do procedimento desejado em um volume
mais baixo aonde não ocorra feedback . O ganho do aparelho
auditivo deve ser realizado no acoplador 2 cc neste volume
provisoriamente utilizado e posteriormente no volume desejado.
A diferença entre estas medidas corrige o valor da mensuração do
procedimento desejado.

Ocorrência de respostas com valores negativos e/ou


não-esperados
• Cerúmen no tubo-sonda
São necessários atenção e cuidado quando existe cerúmen no
meato acústico externo. Quando o canal está totalmente
ocluído não é possível a realização do teste. Com cerúmen
seco, muitas vezes é possível passar pela saliência formada e
alcançar uma profundidade de colocação adequada. Se o
Mensurações In Situ 537

cerúmen estiver úmido é quase certo que haverá bloqueio do


tubo-sonda. Nestas situações é possível ocorrerem respostas
com valores negativos ou não-esperados.
• Tubo-sonda torcido ou esmagado contra a parede do conduto
Causa o mesmo tipo de resposta com valores negativos. É um
dos motivos para inserção cuidadosa do tubo-sonda e do
molde.

Ocorrência de patologias de orelha média


As condições da orelha média têm efeito significativo nas
mensurações in s itu.
No caso de perfuração de membrana timpânica, a aparência
da REUR muda bastante com a ocorrência normalmente de uma
curva com duplo pico. Ainda não existem pesquisas concluídas
quanto à confiabilidade desta resposta, por isso HAWKINS &
MUELLER (1992) recomendam a utilização do ganho funcional
como uma mensuração adicional.
Este mesmo tipo de mudança na resposta pode ocorrer nos
casos de mastoidectomia. Tubos de ventilação também dão
resultados incomuns, embora não tão evidentes. Mudanças na
pressão ou na complacência da orelha média também causam
alterações e, neste caso, se estas alterações forem passageiras
sugere-se repetir o procedimento em condições normais.

MENSURAÇÕES IN SITU EM CRIANÇAS


Embora haja maior literatura sobre mensurações in situ com
adultos, a aplicação desta tecnologia é um dos mais importantes
estudos em desenvolvimento na seleção de aparelho auditivo em
crianças. O uso das mensurações oferece um método confiável
para a verificação das decisões tomadas na seleção de qual é o
aparelho adequado para a criança.
A seleção do aparelho auditivo para as crianças é, na maioria
das vezes, limitada devido à dificuldade de utilização de testes
comportamentais padronizados, medidas de inteligibilidade de fala
e julgamentos da qualidade do som. O ganho funcional é a medida
mais utilizada para a seleção, mas a cooperação da criança é muito
importante e o tempo de teste pode ser longo tornando as respostas
muito variáveis e a comparação entre os aparelhos difícil.
Com certa confiabilidade, o uso das mensurações in situ
fornece mais informações sobre o sinal acústico que a criança
está recebendo e a possibilidade de saber se o objetivo inicial
quanto à amplificação foi alcançado.
Os estudos das mensurações com tubo-sonda em crianças
estão concentrados nas características da ressonância da orelha
externa (REUR) e a diferença entre acoplador e orelha externa
(RECD). Já que as dimensões do meato acústico externo das
crianças produzem diferenças em relação aos adultos nas
538 Fonoaudiologia Prática

mensurações in situ e nas mensurações nos acopladores, estes


dois fatores têm implicações importantes para a pré-seleção e
adaptação do aparelho auditivo.
As pesquisas a respeito da acústica do meato acústico externo
mostram que as crianças têm um pico de ressonância da orelha
externa em freqüências mais altas do que os adultos. O pico da
freqüência de ressonância está inversamente relacionada ao volu-
me do meato acústico externo e assim se torna progressivamente
mais baixo, de acordo com o aumento do volume e do tamanho do
canal, conforme o crescimento da criança. Na literatura, as opiniões
variam quando os valores deste pico alcançam os valores do adulto.
Pode-se considerar que o pico de ressonância em bebês é por
volta de 7.000 Hz, e se aproxima dos valores de adultos a partir de
12 meses de idade (HAWKINS & NORTHERN, 1992; BAMFORD &
WETWOOD, 1995).
Desta forma, na seleção de aparelho auditivo em crianças, a
REUR deve ser levada em consideração, pois pode provocar
picos de freqüência desconfortáveis para a criança ou pouca
amplificação em freqüências importantes.
Outro fator importante na seleção de aparelho auditivo em
crianças é a diferença entre as respostas do acoplador 2 cc e da
orelha externa. Sabendo-se que o volume do meato acústico
externo das crianças é menor que dos adultos, o volume residual
entre a ponta do molde e a membrana timpânica também é reduzido
comparado ao do adulto. Esta redução pode causar diferenças na
saída acústica do aparelho auditivo, nas mensurações realizadas no
acoplador 2 cc e na orelha externa. É importante considerar este
aumento do nível de pressão sonora que ocorre no meato acústico
externo das crianças em relação aos dados eletroacústicos obtidos
em acopladores de 2,0 ml.
Logicamente, tudo isto só será possível se a criança permitir
a colocação do tubo-sonda na orelha e permanecer quieta durante
todas as mensurações. Para isto, o profissional deve ser rápido,
cuidadoso na inserção do tubo-sonda e utilizar formas de distra-
ção e entretenimento com a criança.
As mensurações in situ em crianças fornecem informações
confiáveis a respeito dos efeitos dos níveis de sinal de entrada
amplificados. Porém, é importante ressaltar que não seria correto
basear-se somente neste tipo de avaliação para a seleção do
aparelho auditivo. A avaliação comportamental tem seu papel
fundamental principalmente nos casos em que a validade dos
limiares auditivos da criança ainda estão em questão.

OUTRAS APLICAÇÕES
Além das aplicações mais comuns realizadas pelas mensu-
rações in situ, o desempenho de adaptações CROS e BICROS,
circuitos especiais do aparelho auditivo (microfone direcional, circui-
to de compressão e processamento automático de sinal), e equipa-
Mensurações In Situ 539

mentos auxiliares da audição (bobina de indução, FM, amplificador


de telefone, entre outros) podem ser avaliados com a tecnologia do
microfone-sonda.
As mensurações de adaptações e circuitos especiais fazen-
do parte da rotina no processo de avaliação do aparelho audi-
tivo, fornecem um quadro mais completo da adaptação. Os
resultados fornecem informações importantes se o circuito está
desempenhando a função desejada corretamente e dentro do
esperado para o benefício do usuário.
O aumento do uso dos equipamentos auxiliares da audição
para indivíduos com perda auditiva está conduzindo à necessida-
de de maior conhecimento quanto a sua avaliação e padroniza-
ção. A seleção e verificação de suas características eletroacústicas
através das mensurações in situ brevemente serão parte da rotina
clínica.
Devido à complexidade destas aplicações das mensurações
in situ, sugere-se a consulta de literatura mais especializada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As mensurações in situ, realizadas com equipamentos com-
putadorizados de microfone-sonda, trouxeram a possibilidade de
avaliação de vários parâmetros importantes para a adequada
seleção e adaptação de aparelho auditivo.
É um método rápido, objetivo, que produz respostas por toda
a faixa de freqüências e que, se bem-utilizado, proporciona maior
precisão nos ajustes e avaliação das características da ampli-
ficação.
Já que pesquisas comprovam sua confiabilidade e validade,
pode e deve ser usado na prática clínica desde que se esteja
atento aos conceitos e adequada realização dos procedimentos,
evitando assim artefatos e resultados inválidos.
Embora o desenvolvimento das mensurações in situ tenha
colaborado para aprimorar o processo de seleção e adaptação do
aparelho auditivo, é difícil avaliar os benefícios de um procedimen-
to de avaliação sobre outro. Desta forma, nenhum método de
avaliação pode ser interpretado como melhor do que qualquer
outro.
É necessário ainda ressaltar que, mesmo sendo instrumento
de grande valor, as mensurações in situ apenas fornecem a
informação de qual o nível de pressão sonora que se está obtendo
com a amplificação, no meato acústico externo próximo à mem-
brana timpânica. A utilização que o paciente irá fazer deste
estímulo acústico, dependerá de fatores inerentes à patologia,
fatores ambientais e emocionais e também de características e
possibilidades individuais. Assim, a observação do paciente e
todo o processo de acompanhamento e reabilitação além de
outras formas de avaliação, têm seu papel fundamental.
540 Fonoaudiologia Prática

Leitura recomendada
ALMEIDA, K. – Estudo das mensurações in situ na orelha externa:
fundamentos teóricos e aplicações clínicas. Monografia do Curso de
Especialização em Distúrbios da Comunicação – Escola Paulista de
Medicina, São Paulo, 1989.
BAMFORD, J.M. & WETWOOD, G.F.S. – Probe-tube microphone
measures with very young infants: real ear to coupler differences and
longitudinal changes in real ear unaided response. Ear and Hearing,
16(3):263-273, 1995.
COSTA, M.J.; COUTO, C.M.; ALMEIDA, K., – A utilização das
mensurações in situ na avaliação do desempenho das próteses
auditivas. In: ALMEIDA, K. & IORIO, M.C.M. Próteses Auditivas:
Fundamentos Teóricos & Aplicações Clínicas. São Paulo, Editora
Lovise,1996. pp. 141-160.
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Stratton,1988. pp. 175-212.
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tube microphone measurements. In: MUELLER, H.G.; HAWKINS,
D.B.; NORTHERN, J.L. Probe Microphone Measurements Hearing
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Probe Microfone Measurments: Hearing Aids Selection and
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output. In: VALENTE, M. Strategies for Selecting and Verifying
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variability of the real ear unaided response. Ear and Hearing,
12(3):216-220, 1991.
Deficiência Auditiva 1
Tecnologia Computadorizada Aplicada a Aparelhos de Amplificação Sonora Individuais 543

24
Tecnologia Computadorizada
Aplicada a Aparelhos de
Amplificação Sonora
Individuais

Edilene Marchini Boéchat

Quem já não sentiu pelo menos uma vez aquela sensação de


que o computador e aquele programa complicado pertencem a um
mundo completamente distante do seu? Porém, após algum
tempo (que pode variar de minutos, horas ou meses para os mais
resistentes), estaremos absolutamente seduzidos pelas inúme-
ras possibilidades e flexibilidade que a máquina oferece.
Com relação aos aparelhos de amplificação sonora indivi-
duais, a situação não é diferente. No início, acreditávamos que a
parafernália de sistemas programáveis e suas unidades seriam
nada mais do que uma moda passageira, e que não valeria a pena
empreendermos esforços para absorver tudo aquilo. Hoje esta-
mos conscientes de que este é um caminho sem volta e apesar de
à primeira vista parecer um monstro de três canais, digo, de três
cabeças, aquele ranço natural do primeiro momento já passou, e
estamos agora na fase do: “e não é que funciona mesmo?”. Os
pacientes, teoricamente melhores beneficiários da situação, agra-
decem.
O entusiasmo com estes surpreendentes sistemas, que irão
trazer melhor qualidade à amplificação em menor espaço, e a
oportunidade do profissional manipular as características dos
aparelhos de forma a garantir uma adaptação mais próxima
possível às exigências individuais do paciente não podem afastar
sua atenção de outros aspectos que continuarão prevalecendo no
processo de reabilitação do deficiente auditivo, além da amplifica-
ção propriamente dita.
544 Fonoaudiologia Prática

Alguns autores têm levantado a preocupação com o fator


“tecnologia eletrônica” passando ao largo do fator “habilidade do
ser humano” (KRUGER & KRUGER, 1994). Na verdade, os dedos
dos pacientes não ficaram mais hábeis, nem os olhos mais
acurados para poderem dar conta do processo crescente de
miniaturização e de sofisticação dos aparelhos. Muitas pessoas
apresentam dificuldade em manejar controles digitais complica-
dos e selecionar rapidamente qual dos inúmeros programas
existentes em seu sistema mais se aplica a determinado ambiente
acústico.
Assim, os critérios para a pré-seleção dos aparelhos e sua
tecnologia deverão levar em conta as condições que o indivíduo
deverá ter ao utilizá-los. É importante salientar ainda que o
paciente tem o direito de: 1. ser informado sobre o que está
disponível no mercado para seu caso e não apenas sobre os
instrumentos com os quais o profissional está familiarizado; 2.
experimentar a nova tecnologia, se esta se aplica ao seu caso,
mesmo se o profissional assim não o sugira; 3. recusar a experiên-
cia se achar que não irá acostumar-se com o uso. Nas três
situações, o fonoaudiólogo estará sendo honesto a ponto de
notificar os pacientes sobre todas as opções existentes, dando
seu parecer quanto ao caso específico e aberto o suficiente para
compreender e acatar os desejos do futuro ou atual usuário, após
sua argumentação.
Com a introdução da “era digital” os procedimentos de rotina
no processo de seleção, verificação e adaptação de aparelhos
também devem ser redimensionados. Vários autores reportam
que todas as regras de seleção de ganho tradicionais (meio
ganho, POGO, NAL, BERGER) foram fundamentadas em siste-
mas unicanais lineares, e os aparelhos auditivos contemporâneos
exigem novos métodos que estão sendo desenvolvidos e postos
em prática à medida que os circuitos avançados são lançados.
Portanto, o trabalho com a tecnologia puxa um fio comprido
que irá modificar os hábitos e as verdades que o fonoaudiólogo
sedimentou através dos tempos. O espaço físico de sua prática
clínica será invadido pelos acessórios que complementam os
instrumentos tecnologicamente mais avançados, e junto deles
estarão os livros, artigos e manuais que falam sobre o assunto.
Vejo com bons olhos esta revolução – afinal é o desejo de todos
que os pesquisadores continuem buscando novas soluções para
a população de deficientes auditivos que por sua vez permane-
cem ávidos em melhorar seu padrão de escuta. Nesta perspecti-
va, nossa intervenção será sempre a de aproximar um ao outro
através de nossa prática clínica da maneira mais acurada, ética e
profissional possível.

Revisitando a pirâmide da tecnologia


LIBBY (1994) apresentou uma modificação atualizada da pirâ-
mide de tecnologia (originalmente criada por LAURA MIMS da
Tecnologia Computadorizada Aplicada a Aparelhos de Amplificação Sonora Individuais 545

Starkey Laboratories), onde divide em quatro degraus os vários


amplificadores, desde os mais simplificados até os mais avança-
dos de acordo com tamanho, custo e complexidade do circuito.
Em sua base, o autor coloca a tecnologia standard, sobre ela, a
tecnologia avançada, a tecnologia miniaturizada e no topo da
pirâmide, a tecnologia programável. Partirei de sua classificação
para então atualizá-la, aprofundando e acrescentando novo de-
grau.
Como tecnologia standard, o autor entende a maioria dos
aparelhos adaptados ainda hoje, cujo custo é menor se compara-
dos com outros. São amplificadores Classe A que incluem apenas
compressão tradicional de entrada ou saída.
A tecnologia avançada compreende recentes desenvolvi-
mentos em amplificação e oferece muitas escolhas, entre elas a
família de amplificadores Classe D (menor consumo de bateria,
menor distorção e maior espaço entre o ganho máximo e a saída
máxima), tecnologia multicanal e multimicrofone.
Nesta categoria estão também os processadores de sinal do
tipo freqüência dependente e freqüência independente. Como
freqüência dependente temos o TILL (treble increase at low
levels), onde ocorre um aumento de amplificação dos sons agu-
dos quando os sons de entrada são fracos (um exemplo deste
circuito é o tão difundido K-amp) e o BILL (bass increase at low
levels), onde ocorre um aumento de amplificação dos sons graves
quando os sinais de entrada são fracos (um exemplo é o ASP –
automatic signal processing). Como freqüência independente
temos o WDRC (wide dynamic range compression) e o FDRC (full
dynamic range compression). Ambos são sistemas à compressão
que apresentam área de atuação ampla, iniciando seu acionamento
a níveis de entrada bastante baixos (enquanto a compressão
tradicional começa a atuar em 60/65 dB de entrada, estes siste-
mas começam a funcionar entre 40 e 45 dB de entrada).
Isto proporciona a possibilidade de darmos uma amplificação
aumentada para sons de entrada fracos e diminuída para sons
fortes, de forma que sons fracos soem fracos porém audíveis e
sons fortes soem fortes porém não desconfortáveis. Um aparelho
auditivo automático com compressão tipo WDRC pode compen-
sar as diferenças nos níveis de entrada dos sons de fala, enquanto
um aparelho linear não pode (CORNELISSE, 1994). Isto porque no
aparelho linear, a amplificação (ganho) será a mesma indepen-
dentemente da variação do sinal de entrada. Segundo KILLION
(1996), o WDRC age proporcionando o ganho para sons baixos
que o sistema auditivo danificado não pode mais por si só
desempenhar devido à perda de células ciliadas externas. Estas
últimas são consideradas responsáveis pelo sistema natural de
compressão do ouvido íntegro, já que sua ação contribui para
alguma forma de amplificação elétrica ou mecânica de sinais
acústicos de baixa amplitude ou compressão de sinais de alta
amplitude (BERLIN e cols., 1996) (Fig. 24.1).
546 Fonoaudiologia Prática

G65, G40, G90 – Resp. Freq.

Gmáx G65: Min G40: Máx


dB IRM: Min G90: Min
40

30

20
LI - 40
10
LI - 65
0

– 10 LI - 90

– 20

125 25 5 1 2 4 8kHz

Freqüência (kHz)
FIGURA 24.1 – Exemplo de circuito WDRC – ganhos diferentes para sinais de entrada diferentes (40,
65 e 90 dB NPS).

Em função dos circuitos de tecnologia avançada, as regras de


seleção de ganho para aparelhos lineares não são apropriadas
para sistemas não-lineares. Elas determinam ganho e saída a
partir dos dados audiométricos (um único ganho para cada
freqüência) sem levar em consideração os níveis variáveis de
sinal de entrada. A abordagem prescritiva DSL (I/O) desenvolvida
pelo grupo de pesquisa da Universidade de Western Ontário é
uma variação da original DSL (desired sensation level). Descrita
inicialmente por SEEWALD e cols. (1985) e agora disponível atra-
vés de um software (v4.0), foi desenvolvida especificamente para
a adaptação de aparelhos com compressão WDRC/FDRC
(M UELLER, 1993). O procedimento da DSL (I/O) procura posicionar
a fala amplificada dentro da área dinâmica residual sem, contudo,
exceder um nível no qual a recepção de fala seria desconfortável.
A diferença primordial entre esta fórmula e as usadas para
aparelhos lineares é que a DSL (I/O) irá produzir várias metas
dependendo do sinal que chega ao microfone, já que o aparelho
poderá automaticamente produzir um ganho diferente para sinais
de entrada diferentes.
Um outro método prescritivo utilizado para os sofisticados
circuitos à compressão, freqüência dependente e independente
da tecnologia avançada é a FIG 6. O método foi desenvolvido por
MEAD KILLION da Etymotic Research e também é uma abordagem
disponível em software para a adaptação de aparelhos com
circuitos não-lineares, principalmente o K -amp (GITLES & NIQUETTE,
1995). O nome “FIG 6” surgiu do artigo TRÊS TIPOS DE PERDAS
NEUROSSENSORIAIS publicado em novembro de 1993 no HEARING
Tecnologia Computadorizada Aplicada a Aparelhos de Amplificação Sonora Individuais 547

JOURNAL onde justamente na FIG 6, KILLION & FIKR (1993) descre-


vem o ganho estimado para trazer sons intensos para uma
sensação “normal” de loudness. Esta regra apresenta um conjun-
to de três metas, uma para sons baixos, para sons médios ou
“conversacionais” e outra para sons fortes, e faz uma estimativa
dos dados patológicos de sensação de loudness a partir de dados
publicados sobre a relação do loudness e as perdas auditivas
(KILLION, 1996). Adicionalmente duas razões de compressão são
calculadas (para ambas freqüências baixas e altas) para duas
áreas de sinais de entrada: 40-65 dB SPL e 65-95 dB SPL
(M UELLER, 1996).
Seria esperado agora que o leitor perguntasse, quais procedi-
mentos na avaliação da audição do indivíduo deveriam ser intro-
duzidos para que as novas regras FIG 6 e DSL I/O sejam utilizadas
satisfatoriamente. Não nos bastam mais apenas os valores dos
limiares freqüência-específicos e os níveis de desconforto, antes
suficientes para a determinação do ganho e saída das regras
tradicionais para os aparelhos lineares. Precisamos compreender
como se comporta a sensação de loudness do paciente para sons
de entrada diferentes; para isto “mapeamos” a área dinâmica do
indivíduo, qualificando a partir de sua informação qual intensidade
sonora ele acredita ser: 1. quase inaudível; 2. muito fraco; 3. fraco;
4. confortável; 5. forte, porém confortável; 6. muito forte; 7.
desconfortável.
O IHAFF (independent hearing aid fitting forum ) foi formado
por um grupo de pesquisadores e clínicos com o objetivo de criar
um protocolo de adaptação para os aparelhos não-lineares e
programáveis contemporâneos (VAN VLIET , 1995). Um compo-
nente do protocolo de adaptação do IHAFF é uma série de
programas de computador, entre eles o Contour, cujo propósito
é levantar os julgamentos de loudness descritos anteriormente,
de maneira a formarem um “contorno” ou mapeamento de sua
área dinâmica. O passo seguinte seria então determinar um
circuito cujas características e controles pudessem, o mais
aproximadamente possível, restaurar a sensação de loudness
prejudicada pela perda de células ciliadas na deficiência auditi-
va neurossensorial.
A partir do exposto, podemos dizer que a tecnologia avançada
nos permite hoje definir o aparelho de amplificação sonora indivi-
dual como um dispositivo que tem por função não apenas ampli-
ficar os sons de forma a trazê-los a níveis audíveis e confortáveis,
como também tentar restaurar a sensação de loudness do defi-
ciente auditivo. É claro, com a proeza de não aumentar seu
tamanho, muito pelo contrário.
A plataforma que sucede a tecnologia avançada na pirâmide
é a da miniaturização. Ela inclui a categoria das adaptações
profundas, que segundo STAAB & MARTIN (1994), representam os
aparelhos microcanais (nos EUA o termo utilizado é CIC –
completely in the canal) e peritimpânicos.
548 Fonoaudiologia Prática

Os microcanais são assim considerados por posicionarem-se


lateralmente de 1 a 2 mm abaixo do tragus e medialmente de 5 a
6 mm da porção superior da membrana timpânica, enquanto os
peritimpânicos posicionam-se em média de 5 a 6 mm da entrada
do canal e de 2 a 3 mm da porção superior da membrana
timpânica, estando muito mais próximos desta do que os primei-
ros. Apesar de menos aparentes – todo o aparelho peritimpânico
é colocado profundamente no canal (MUELLER, 1993) – não se
tornaram tão populares pela dificuldade da tomada de impressão,
a qual requer cuidados, materiais e preparação especiais, em
função do volume de espaço do canal necessário para sua
confecção. Os microcanais, por sua vez, demandam do profissio-
nal apenas uma pré-moldagem mais acurada, de 3 a 5 mm mais
longa que as tradicionais. Na verdade, o antigo meato acústico
externo, cuja porção mais interna era pouco explorada, está
sendo desvendado e invadido, deixando surgir categorias diferen-
ciadas.
Os microcanais, atualmente mais populares dentro das “adap-
tações profundas”, quando introduzidos no mercado, configuraram-
se como o desenvolvimento mais anunciado e comentado na
indústria nos últimos anos. Apresentam hoje grande aceitação por
profissionais e pacientes, apesar de terem sido previstos por alguns
céticos como provável fracasso pelo fato de serem mais caros, pela
destreza manual que exigem e pelo espaço extremamente limitado
para o circuito e bateria (KIRKWOOD, 1996). Estes diminutos apare-
lhos, além do inegável apelo estético, apresentam vantagens acús-
ticas dignas de sua fama. Algumas delas são: melhor uso ao telefone
(o microfone posicionado literalmente dentro do canal diminui a
retroalimentação), maior nível de pressão sonora medido próximo à
membrana timpânica, principalmente nas freqüências altas (menor
perda de inserção, redução do volume residual entre ponta do canal
e membrana timpânica) e conforto (menor volume ocupando o
canal) (Fig. 24.2).
Em poucos anos, desde seu lançamento (meados de 1993),
seus circuitos avançaram de lineares para sistemas de processa-
mento de sinal mais sofisticados do tipo K-amp e WDRC e de
ganho e saída mais elevados, até mais recentemente atingindo os
sistemas programáveis (KIRKWOOD, 1996). Este avanço veio a
contribuir significativamente para sua afirmação como categoria
particularmente especial, já que a impossibilidade anterior de
manipulação através de controles externos, inclusive controle de
volume (pouco espaço para acesso ao circuito), deixa lugar para
a flexibilidade garantida da programabilidade. Não por coincidên-
cia, ela é assunto dos próximos parágrafos – uma vez que ambas
as tecnologias se combinam, deixando tênues os limites de suas
fronteiras.
A categoria programáveis encabeçava o topo da pirâmide,
mas agora perde lugar para a categoria completamente digital.
Apesar disso, é ainda símbolo de sofisticação e representa
Tecnologia Computadorizada Aplicada a Aparelhos de Amplificação Sonora Individuais 549

A B

FIGURA 24.2 – A) À esquerda um aparelho microcanal e (B) à direita um aparelho peritimpânico, ambos
posicionados no meato acústico externo. O fio de nylon preso ao face-plate (parte externa dos
aparelhos) facilita a colocação e permite a retirada.

imensuráveis benefícios para ambos usuários e profissionais,


além de ser amplamente utilizada. Para compreendermos melhor
o que representam estas duas categorias iremos nos remeter aos
princípios básicos de seu funcionamento.
Segundo LEVITT (1991), aparelhos modernos com processa-
dores de sinal podem ser divididos em três grupos: 1. aparelhos
auditivos analógicos nos quais circuitos convencionais (filtros,
amplificadores, controles) são usados para processar o sinal
acústico; 2. aparelhos auditivos digitais, nos quais o sinal acústico
é processado em sinais digitais; e 3. aparelhos auditivos híbridos
analógico-digitais que combinam as tecnologias analógicas e
digitais.
Em outras palavras, se separarmos um aparelho auditivo em
duas partes – o curso do sinal, ou seja, o percurso da amplificação
desde o microfone até o receptor – e o controle do sinal, ou seja,
as intervenções que fazemos no circuito através de acesso
externo, teremos:
1. Analógicos – Curso e controle de sinal realizados segundo
uma mesma linguagem. Apesar do sinal ter sido amplificado, o
resultado que chega ao receptor é similar àquele sinal que chegou
ao microfone do aparelho (Fig. 24.3).
2. Digitais – O curso e o controle de sinal passam por
conversores analógico-digitais para serem realizados. Em um
aparelho totalmente digital, a onda sonora é primeiramente con-
vertida em um sinal analógico-elétrico para depois ser convertido

Entrada Amplificador
MIC Pré-AMP Filtro Filtro Receptor

FIGURA 24.3 – Esquema de um aparelho analógico.


550 Fonoaudiologia Prática

em um sinal digital. Este último toma a forma de uma série de


números binários (combinação de dois dígitos, 0 e 1), que irão
representar digitalmente o sinal acústico original e serão proces-
sados através dos circuitos digitais, para depois serem
reconvertidos em onda sonora (Fig. 24.4).
111, 011, 010
011, 010 …

Entrada F A/D Processador D/A F Saída


digital
Filtro Conversor Filtro
A/D

111, 011, 010


011, 010 …

FIGURA 24.4 – Esquema de um aparelho totalmente digital.

3. Híbridos (digitalmente programáveis) – O curso do sinal


é analógico – a onda sonora sofre o processo regular de amplifi-
cação (energia sonora na entrada, elétrica durante a amplificação
e sonora novamente no término), porém o controle do sinal é
digital. Este controle é feito inicialmente através de uma unidade
programável que, quando conectada ao aparelho auditivo, permi-
te o envio e reconhecimento do sinal manipulado e armazenado
em memória (Fig. 24.5).

Unidade digitalmente programável

Microfone Pré- Filtro Amplificador Limitador Receptor


amplificador programável saída

FIGURA 24.5 – Esquema de um aparelho digitalmente programável ou híbrido.

A tecnologia programável oferece várias opções de ajustes


para o profissional e para o paciente. Em função da manipulação
das características eletroacústicas (controle do sinal) ser realiza-
da através de uma unidade digital, a faixa de resposta de freqüên-
cia pode ser dividida em canais e cada recorte de faixa com
possibilidades de controles independentes (ganho, filtros e com-
pressão, incluindo suas características – área, limiar, razão da
compressão, para cada uma delas). Cada aparelho, desta forma,
pode reproduzir várias respostas diferentes que são guardadas
em memórias, resgatadas pelo profissional e/ou paciente. Assim,
podemos ter aparelhos unicanais e unimemória (ajustes feitos em
toda a faixa de freqüência e uma só opção de resposta por
Tecnologia Computadorizada Aplicada a Aparelhos de Amplificação Sonora Individuais 551

aparelho), multicanais e multimemória (uma ou mais freqüências


de corte variáveis, criando subfaixas com ajustes exclusivos, e
possibilidade de acionamento de respostas acústicas diferentes
pelo paciente), além das combinações unicanais/multimemória
ou multicanais/unimemória (Fig. 24.6).
Mas para que serve tudo isto? Em primeiro lugar, um só aparelho
pode ser transformado em centenas de opções, trazendo a oportu-
nidade do usuário se beneficiar de amplificações específicas para
determinadas situações ou ambientes sonoros. Além disto, esta
tecnologia se configura como solução alternativa para perdas
progressivas, configurações audiométricas difíceis, áreas dinâmi-

KEMAR KEMAR
VG VG
dB 1 dB 2
40 40

20 20

0 0

-20 -20

LE. LI 125 250 500 1k 2k 4k 8k Hz 125 250 500 1k 2k 4k 8k Hz


LE. LI
dB dB
90 90

70 70

50 50

KEMAR KEMAR
VG VG
dB 3 dB 4
40 40

20 20

0 0

-20 -20

LE. LI 125 250 500 1k 2k 4k 8k Hz LE. LI 125 250 500 1k 2k 4k 8k Hz


dB dB
90 90

70 70

50 50

FIGURA 24.6 – Exemplo de aparelho auditivo multicanal e multiprograma. Cada canal pode ter ganhos
e limiares de compressão diferentes para cada faixa, além das várias curvas de resposta serem
utilizadas para situações acústicas determinadas (neste caso: 1. fala no silêncio; 2. fala no carro; 3. fala
no supermercado; 4. música).
552 Fonoaudiologia Prática

cas (espaço compreendido entre os limiares auditivos e os níveis de


desconforto) estreitadas e nas perdas bilaterais assimétricas.
No Brasil, I ÓRIO (1993), RADINI (1994) e BLASCA (1994) com-
pararam a performance de indivíduos que utilizavam aparelhos
analógicos e programáveis, e concluíram que os últimos apresen-
taram melhor qualidade sonora e maior versatilidade em controles
e ajustes na resposta de freqüência.
A “programabilidade” por si só, no entanto, não significa
melhor performance. É possível se construir um aparelho digital-
mente programável, Classe A, linear e com corte de picos como
limitação de saída. A diferença está na capacidade de processa-
mento de sinal, principalmente a possibilidade de compressão
multicanal, que utiliza caminhos separados no circuito para pro-
cessar independentemente regiões de freqüência sonora distin-
tas (STYPULKOWSKI, 1994).
Como este avanço foi possível? Os recentes desenvolvimen-
tos em eletrônica aperfeiçoaram a tecnologia dos circuitos integra-
dos (transistores, conexões e outros componentes montados de
forma automatizada em uma única e diminuta unidade ou chip).
Os circuitos integrados modernos utilizam a tecnologia CMOS
(complementary metal oxide semiconductor), estendendo consi-
deravelmente a capacidade dos sistemas bipolares analógicos. A
tecnologia CMOS, ou mais recentemente BICMOS (combinação
de ambas bipolar e CMOS), permite maior número de transistores,
resistores e capacitores por área do “chip”, levando a crescente
miniaturização e melhora da qualidade sonora da amplificação
(PREVES, 1994).
Exatamente a partir deste desenvolvimento, podemos hoje
acrescentar outra categoria ao topo da pirâmide, a tecnologia
verdadeiramente digital. Até há bem pouco tempo a única tenta-
tiva de se criar um sistema totalmente digital aconteceu em 1987
com o PROJETO PHOENIX, que reuniu pesquisadores acadêmicos
em ciência da audição, neurociência, psicoacústica e engenharia
com o objetivo de criar o primeiro aparelho com processamento de
sinal digital – DSP (digital signal processing), que devido ao
tamanho, alto consumo de bateria e custo, foi descontinuado.
Após meia década, voltamos a todo vapor, assumindo a era
totalmente digital em aparelhos auditivos – nos dois últimos anos
foram lançados ao mesmo tempo os aparelhos microcanais
programáveis e intracanais digitais (Fig. 24.7).
Com a tecnologia DSP, o som é transformado em dígitos
(números binários), usando a mesma linguagem dos computado-
res. Com números, o processador através de seus chips pode
adicionar, subtrair, multiplicar e dividir os dados em todos os
sentidos. Os números binários também podem ser aplicados a
diferentes algoritmos e fórmulas em frações de segundos. Resu-
mindo, o DSP tem a capacidade teórica de realizar uma vasta
gama de computações precisas em um espaço de tempo muito
pequeno. Um dos resultados comprovados da aplicação desta
Tecnologia Computadorizada Aplicada a Aparelhos de Amplificação Sonora Individuais 553

Tec.
digital

Tecnologia
programável

Tecnologia
miniaturizada

Tecnologia avançada

Tecnologia standard

FIGURA 24.7 – A pirâmide da tecnologia inicialmente descrita por MIMS, modificada por LIBBY (1994),
agora recebe mais um degrau – a tecnologia “totalmente digital”.

tecnologia é a possibilidade de melhor enfatizar a fala em detri-


mento do ruído e o controle da microfonia. Além disto, tanto quanto
os aparelhos digitalmente programáveis ou híbridos, os totalmen-
te digitais têm igualmente controle do sinal digital (Fig. 24.8).
O acionamento das diferentes memórias ou programas de
ambas as tecnologias pode ser feito através de controle remoto,
ou diretamente no aparelho com um simples toque de um botão.
Até há bem pouco tempo, a programação dos aparelhos era
somente realizada pelo profissional através do próprio controle
remoto, de uma unidade programável exclusiva de determinada
empresa ou de uma unidade comum a vários fabricantes (os
módulos carregando informação pertinente a cada marca são
inseridos na unidade e solicitados quando necessário). Isto obri-
gava os fonoaudiólogos a terem em seus locais de trabalho várias
unidades, exigindo espaço, custo, conhecimento e prática no
manuseio de cada uma delas.
Onda Sonora

101010 101010 101010


101010 101010 101010
FIGURA 24.8 – O processador de sinal digital (DSP) transforma a 101010 101010 101010
onda sonora em números binários (1 e 0), permitindo assim milhares 101010 101010 101010
101010 101010 101010
de combinações por segundo. Após o sinal ter sido convertido em 101010 101010 101010
números, um chip pode memorizá-los e fazer comparações estatís- 101010 101010 101010
101010 101010 101010
ticas para uso futuro. 101010 101010 101010
554 Fonoaudiologia Prática

A grande quantidade de unidades e sistemas diferentes de


programação impôs a criação de um sistema único que permitisse
atender a especificidade de produtos e procedimentos das empre-
sas e ao mesmo tempo fornecesse utilidade clínica e organizacional
aos profissionais.
O NOAH foi então desenvolvido pela HIMSA ( Hearing
Instrument Manufacturers Softwares Association) com a intenção
de proporcionar uma estrutura padrão através da qual houvesse
uma comunicação entre as diferentes áreas da audiologia. Esta
comunicação poderia ser feita através do hardware como equipa-
mentos audiológicos e aparelhos auditivos e do software como
dados da história do paciente, acompanhamento clínico, adapta-
ção e programação de aparelhos (Fig. 24.9).
Vale ressaltar que o conceito de hardware compreende tudo
o que fisicamente envolve o processamento da informação (o
próprio computador, a interface, os cabos, etc.), enquanto que por
software entende-se a seqüência de ordens que compõe o siste-
ma, como por exemplo os programas Windows, Word ou o próprio
NOAH.
Utilizando um PC e o programa estrutural NOAH, existe a
possibilidade de intercâmbio de informações com um audiômetro,
imitanciômetro e ganho de inserção e também conexão com
aparelhos híbridos e digitais através de uma interface (comunicacão
com hardware). Todos os dados referentes ao paciente, como

NOAH™ is here!

© DG 1992

NOAH™ …
One standard for integrated hearing care software
FIGURA 24.9 – O desenho sugestivo mostra o caráter de integração do NOAH.
Tecnologia Computadorizada Aplicada a Aparelhos de Amplificação Sonora Individuais 555

registro das sessões, regulagens e características dos aparelhos


que se utilizam, são memorizados e resgatados para consulta
através do software NOAH.

O que é preciso para se trabalhar com o NOAH?


Inicialmente será necessário um computador IBM ou compa-
tível com as seguintes especificações mínimas: 4 MB RAM
(recomenda-se 8), 50 MB de espaço livre no disco rígido. Quanto
mais informações forem colocadas, mais espaço será requerido;
Microsoft DOS 6.2; Microsoft Windows 3.1; processador 486 ou
melhor, 33 Mhz de velocidade; monitor VGA ou super VGA; mouse
e impressora (ROBERTSON, 1996).
A interface poderá ser: a) o equipamento universal (HIPro) –
isto significa que, com esta interface, todas as empresas poderão
ter programado seus aparelhos; b) um equipamento exclusivo de
alguma empresa específica ou de um grupo de empresas adap-
tável ao computador (Fig. 24.10).
Se o profissional não está ainda familiarizado com o mundo
computadorizado, mas pretende rapidamente começar a traba-
lhar com o NOAH, após ter sido seduzido pelos avanços da
tecnologia descritos neste capítulo, deverá com certeza solicitar
ajuda de um especialista, o que irá facilitar muito o processo de
instalação dos softwares. As empresas supostamente também
devem prestar orientações no momento da instalação ou mais
tarde quando surgirem dúvidas no uso do programa.
Imaginem que, ao invés de tirar a pasta de papel com os dados
do paciente do seu arquivo e ficar procurando entre as folhas onde
estão as anotações da última consulta, o modelo e regulagens
(sempre estão escondidas em um cantinho da folha, quando

FIGURA 24.10 – A figura representa a


conexão entre o computador, a interface
e os aparelhos auditivos.
556 Fonoaudiologia Prática

estão) dos aparelhos sob os olhares atônitos do paciente (será


que esta é mesmo minha pasta?), basta clicar o mouse no arquivo
“pacientes”. Estarão memorizados neste arquivo dados como
nome, endereço, e outros, além de um “jornal” contendo cada
atividade por dia de consulta. Após este primeiro passo, o arquivo
“avaliação audiológica” irá receber todos os dados referentes à
audiometria, imitanciometria, logoaudiometria, além das medi-
ções referentes a emissões otoacústicas, medidas com microfo-
ne-prova e mapeamento do loudness (Fig. 24.11).
Assim que as informações “administrativas” e “audiológicas”
forem colocadas no sistema, elas estarão disponíveis para os
módulos das empresas. Os módulos constituem-se do conjunto
de informações referentes aos aparelhos e suas características
indispensáveis para a seleção, ajuste de controles e programação
dos aparelhos. Vale lembrar também que os aparelhos analógicos
(em algumas empresas) terão suas curvas e características
disponíveis para manipulação no sistema – a exigência será
passá-las para o próprio instrumento através de controles mecâ-
nicos (chaves NH, NL, PC, AGC, etc.) (Fig. 24.12).
Desta forma, o NOAH abre caminho a partir dos dados do
paciente para todos os instrumentos das empresas cujos módulos
foram instalados previamente. A audiometria do paciente “X” irá
servir como parâmetro para a pré-seleção dos instrumentos de
acordo com uma regra de seleção de ganho escolhida e disponível
no programa (NAL, POGO, BERGER, DSL I/O, FIG 6, etc.) ou
outra que seja de criação do usuário do sistema. O NOAH ainda
não relaciona ou cruza informações entre os módulos que contêm
os dados dos aparelhos das diferentes empresas, ou seja, a partir
da avaliação audiológica do paciente “X”, será necessário entrar
em cada empresa que irá oferecer dentre seus instrumentos os
que mais seriam indicados para aquele caso. Quem sabe nas
próximas versões (de quando em quando os módulos recebem
aperfeiçoamentos e têm atualizadas suas versões), teremos a
partir de um caso, as sugestões de todas as empresas de uma só
vez, podendo mudar de fabricante e comparar respostas de seus
aparelhos sem ter que sair da tela.
De qualquer forma, a leitura estafante e longa de todos os
catálogos com suas disposições de dados extremamente pouco
homogêneas agora ficou mais divertida. Além disso, em função
de espaço e praticidade, as curvas dos catálogos são dispostas de
maneira a mostrar uma ou duas regulagens em cada curva, sendo
que as combinações de controles geralmente feitas (que levam a
modificações mais drásticas da curva de resposta de freqüência)
só podiam ser visualizadas através das medições com microfone-
prova ou medições dos aparelhos. Com o NOAH, além de visua-
lizarmos as curvas e suas características, acompanhamos na tela
as mudanças conseqüentes dos ajustes. Caso não tenhamos em
mãos imediatamente os aparelhos, podemos usar a “simulação”
durante a pesquisa da pré-seleção.
Tecnologia Computadorizada Aplicada a Aparelhos de Amplificação Sonora Individuais 557

FIGURA 24.11 – A) Arquivo “pacientes” do programa NOAH. B) Arquivo “audiometria”


do programa NOAH.
558 Fonoaudiologia Prática

IMPRESSÃO
As opções de impressão incluem o relatório do paciente ou o que
está atualmente na tela a partir de qualquer ponto do programa. O
relatório pode ser padrão, consistindo de uma ou duas páginas
sobre dados gerais, informações básicas audiológicas e da adapta-
ção de aparelhos, ou extenso, com dados completos de três ou
quatro páginas. Algumas empresas oferecem um resumo simples
de seu próprio programa, cujo conteúdo pode ser manipulado. A
versão 2.0 introduz a alternativa de carregar para fora do programa,
como para o editor de texto por exemplo, as informações sobre o
paciente, os aparelhos e controle remoto (ROBERTSON, 1996).
Até recentemente não existia nenhum software padrão que
fizesse a tecnologia computadorizada compatível com toda a indús-
tria de aparelhos auditivos. A criação do NOAH foi feita primariamen-
te para possibilitar que os múltiplos softwares e unidades programáveis
trocassem informações e funcionassem como um único sistema
integrado. Hoje ele faz muito mais que isso – transformou-se em uma
plataforma que reúne os aparelhos auditivos, equipamentos audio-
lógicos e outras ferramentas disponíveis para o trabalho na área de
audiologia. Atualmente 44 empresas no mundo inteiro estão
compromissadas a dar suporte para o “padrão” NOAH. Estas empre-
sas ou já lançaram, ou estão em vias de lançar, produtos compatíveis
com NOAH, principalmente aparelhos auditivos, equipamentos e
programas clínicos específicos (RADCLIFFE, 1996).
Várias firmas de aparelhos têm seus módulos correntemente
em uso e cada uma delas recebe um nome peculiar, relacionado
ou não com a empresa a qual pertence. Alguns deles são:
1. COMPASS (v 1.11) – Este módulo comporta a linha completa
de aparelhos auditivos WIDEX programáveis e analógicos. A linha
“completamente digital” da empresa ainda está sendo utilizada
através de unidade exclusiva, porém em breve poderá ser acessada
pelo COMPASS. A primeira parte do programa oferece dados
técnicos, gráficos, ilustrações e um texto provendo informação geral

FIGURA 24.12 – A tela do NOAH mostra os módulos de diferentes empresas contendo o banco de dados
de seus aparelhos auditivos.
Tecnologia Computadorizada Aplicada a Aparelhos de Amplificação Sonora Individuais 559

sobre cada aparelho. O resto do programa funciona para programa-


ção e adaptação, sugerindo instrumentos mais apropriados e calcu-
lando ajustes de acordo com as regras prescritivas estipuladas pelo
fonoaudiólogo. A documentação que acompanha o programa é um
guia rápido que explica a utilização do mesmo, além da manipulação
da linha programável.
2. CONNEXX (v 2.0) – Aqui temos um programa específico da
SIEMENS que pode ser utilizado separadamente ou com o
NOAH. O banco de dados do CONNEXX é o SIFIT. Este módulo
comporta a seleção, adaptação e programação de todos os
aparelhos programáveis Siemens. Isto representa uma extensa
seleção de estilos, incluindo microcanais, multicanais e outros
instrumentos multimemória que oferecem várias opções de com-
pressão, além de exemplos sonoros de diferentes programas
através de CD. A documentação é “on-line” (explicativa através do
próprio programa). Os itens do menu na tela de abertura (NOAH,
Adaptação, Aparelhos auditivos, Gráficos e Ajustes), assim como
os ícones que acompanham a barra de ferramentas, guiam o
profissional durante todo o processo (Fig. 24.13).

FIGURA 24.13 – Tela de apresentação do CONNEXX.

3. OASIS (v 1.0) – Este programa da MAICO comporta a


linha programável da BERNAFON que inclui a série de instru-
mentos do PHOX, GAMMA (RD) e Audioflex. Com exceção dos
P1, P1X (retros) e P20 e P21 (intras), todos os aparelhos têm
dois programas que são acessados por controle remoto. A tela
de abertura organiza o processo de adaptação em seções
diferentes representadas por tabelas com divisores. As tabelas
dispostas abaixo da tela (estilo, modelos e acústica) são relacio-
560 Fonoaudiologia Prática

nadas às especificações técnicas dos aparelhos, enquanto as


dispostas ao lado da tela (cliente, audiograma, seleção de
ajustes e conclusão) ajudam o profissional a “navegar” por todo
o programa (Fig. 24.14).

FIGURA 24.14 – Tela de apresentação do OASIS.

4. DANAFIT (v 1.23) – O módulo em questão é dedicado à


linha de aparelhos da marca DANAVOX. A tela inicial mostra o
audiograma dos lados direito e esquerdo dentro da área de
adaptação dos modelos mais apropriados das linhas AURA,
Premier, DFS e K-amp. Os itens do menu (NOAH, Configuração,
Adaptação, Número de série, Opções) organizam o caminho da
seleção e ajuste dos controles. A partir da introdução dos modelos
selecionados pelo cálculo da regra de prescrição escolhida,
outros aspectos podem ser determinados como característica da
otoplástica (moldes ou caixas dos intras) e ganchos dos retros. O
programa acompanha um manual que reduz a complexidade
potencial do assunto em termos simples (Fig. 24.15).
5. UNIFIT (v 1.0) – Este módulo comporta os instrumentos
programáveis e alguns analógicos (intras) da UNITRON. Uma
característica interessante é a opção de se programar os apare-
lhos através de uma conexão sem fio entre o computador e o
paciente. O transmissor da interface se comunica com um recep-
tor infravermelho conectado ao aparelho do paciente. A outra
opção (com fio) é feita como nos módulos das outras empresas,
através da interface HIPro ou de uma interface exclusiva SIGMA.
O UNIFIT inicia com a tela de seleção de aparelhos mostrando o
audiograma à direita e as alternativas de aparelhos à esquerda. A
Tecnologia Computadorizada Aplicada a Aparelhos de Amplificação Sonora Individuais 561

FIGURA 24.15 – Tela de apresentação do DANAFIT.

documentação que acompanha o programa inclui uma tabela


rápida de referência que resume as opções da adaptação e dos
parâmetros programáveis (Fig. 24.16).

FIGURA 24.16 – Tela de apresentação do UNIFIT.


562 Fonoaudiologia Prática

6. PFG (Phonak Fitting Guideline) v 3.0 – O módulo PFG é


usado para selecionar, adaptar e programar instrumentos do
Sistema Pessoal de Comunicação Integrada (PICS) da PHONAK,
além de selecionar e adaptar os aparelhos analógicos da linha de
retros. O programa é dividido em uma série de etapas que devem
ser completadas em uma ordem seqüenciada. Os primeiros
passos são dedicados à pré-seleção dos aparelhos e pré-ajuste
dos parâmetros programáveis que serão preenchidos mesmo
antes do paciente chegar. Inicialmente, o paciente é identificado
e a avaliação audiológica carregada, dando seqüência ao proces-
so de seleção e adaptação. A documentação compreende um
manual com textos e gráficos explicativos (Fig. 24.17).

FIGURA 24.17 – Seção de ajustes do PFG.

7. OTISET (v 3.0) – Este módulo compreende a linha


Microfocus, Multifocus, PerSonic, CommuniCare e Power da
OTICON. O programa pode ser utilizado para demonstrar gra-
ficamente ao paciente quais objetivos estão sendo alcançados
na adaptação de aparelhos, de forma a encorajá-lo a participar
e interagir no processo. Com a máxima de tornar a fala audível
e confortável, o OTISET propõe dois métodos diferentes para
atingir esta meta: o método audiológico, baseado no audiogra-
ma do paciente, e o método técnico, baseado em especificações
de medição dos aparelhos (curvas com acoplador de 2cc,
ganho de inserção simulado e proposto). A documentação é
bastante completa, constando de vários capítulos que orientam
o profissional com detalhes (Fig. 24.18).
Como se pode ver não nos faltarão ferramentas tecnológicas
para buscarmos precisão e qualidade nas adaptações de apare-
Tecnologia Computadorizada Aplicada a Aparelhos de Amplificação Sonora Individuais 563

For the Patient File Patient Information

23/09/96 S
Session Date Name

23/09/96 09/09/42
Patient File Date Birthdate

Right Ear Right Ear


microFocus (T) microFocus (T)
Hearing Aid Serial number Hearing Aid Serial number
25/09/96 ABC 25/09/96 ABC
Fitting Date Fitting by Fitting Date Fitting by
MultiFocus Normal Speech MultiFocus
Rationale Input Spectrum Rationale Input Spectrum
Simulated Output Spectrum (dB HL)MultiFocus Simulated Output Spectrum (dB HL)MultiFocus
0 0
20 20 HTL
HTL
40 40
Input Out- Input Out-
60 put 60 put

80 MCL 80 MCL

100 100
UCL UCL
120 120

125 250 500 1k 2k 4k 8k 125 250 500 1k 2k 4k 8k

LF 35 LF 25
None None
Hook Hook
None None
HF (G) 55 HF (G) 55
Earmold Earmold
2.3 mm 2.3 mm
Vent Vent
HF (P) 55 HF (P) 55

T Enable Yes No T Enable Yes No

FIGURA 24.18 – Relatório sobre o paciente do OTISET.

lhos. Se o exposto causa certa dúvida, ainda temos a oportunidade


superatual de nos remetermos à INTERNET e mergulhar de cabeça
nas janelas convidativas dos endereços que nos interessam. Porém
(sempre há um porém), não vamos de forma alguma nos enganar
pensando que todos os problemas estarão resolvidos com a tecno-
logia e os procedimentos clínicos adequados à ela.
Com aparelhos mais sofisticados e a propaganda que pregam,
temos pacientes cada vez mais exigentes e com expectativas muito
perto da perfeição. O que eles e nós queremos muito é um computa-
dor altamente sofisticado que faça às vezes de um – ou melhor dois
– ouvidos novinhos em folha. Infelizmente isso ainda não é possível.
Além de ainda não termos este ser de outro planeta, a resistência dos
aparelhos auditivos modernos absolutamente não é invulnerável,
muito pelo contrário. A indústria da miniaturização e dos sofisticados
564 Fonoaudiologia Prática

processadores de sinal continua lutando para dar conta de efeitos


colaterais inconvenientes como circuitos espremidos em espaços
minúsculos, consumo acrescido de bateria, ruído interno, vulnerabi-
lidade à umidade, entre outros. Em outras palavras, os aparelhos de
alta tecnologia quebram sim e não se configuram como solução
milagrosa – seria muita responsabilidade para um conjunto de fios e
componentes eletrônicos, ainda que ultra-evoluídos.
VILLCHUR (1996) fez uma colocação tão acertada, que tomo a
liberdade de citá-lo na íntegra: “...considere um circuito eletrônico
controlado por um computador que pode separar as vozes de diversas
pessoas falando ao mesmo tempo, ou pelo menos que favoreça uma
voz em detrimento de outras. Este circuito deveria responder a pistas
identificadoras como qualidade de voz, nuances da fala e as seqüên-
cias significativas de sílabas e palavras; deveria saber como não
misturar as palavras e sílabas de um falante com outro, ou ruído e
palavras. Isto só seria possível em um computador extremamente
potente, impraticável em um aparelho auditivo. Mas não devemos nos
desesperançar. Este computador e programa existem; o computador
é portátil e nós todos o possuímos. É o cérebro humano.”
Já que contamos com pelo menos um, teremos que usá-lo
e muito bem para darmos continuidade às nossas investigações
e busca incansável para, com os instrumentos disponíveis,
oferecermos uma audição de melhor qualidade e fidelidade aos
nossos pacientes. Sem esquecer, contudo, que a máquina é
apenas parte de um processo maior de reabilitação que irá
envolver não um, mas vários retornos e acompanhamentos. Na
reabilitação é possível otimizar o uso dos aparelhos, pois o
paciente terá consciência da importância de sua participação
efetiva no trabalho, que irá abordar as estratégias de comunica-
ção, leitura orofacial, percepção auditiva, manuseio de seus
aparelhos, além da identificação das limitações que o ambiente
acústico impõe para a performance da amplificação.
Desta forma, teremos chance de expor aos pacientes o caráter
experimental de nossas tentativas, torná-los conhecedores dos
aspectos específicos de sua deficiência e as implicações que dela
decorrem e contar com sua ajuda para que, apesar do benefício
parcial dos instrumentos, aproveitem o máximo de seus recursos
e sejam usuários efetivos a partir de nossa intervenção.

Leitura recomendada
BERLIN, C.; HOOD, L.; HURLEY, A.; HAN WEN, M. – Hearing aids: only
for hearing impaired patients with abnormal otoacustic emissions. In:
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Deficiência Auditiva 1
Acessórios para Deficientes Auditivos 567

25
Acessórios para Deficientes
Auditivos

Fernando Caggiano Júnior

INTRODUÇÃO
A necessidade diária de uma pessoa deficiente auditiva não se
restringe única e exclusivamente a escutar em situações espe-
ciais ou em ambientes acusticamente controlados.
Devemos pensar que o portador de uma deficiência auditiva
deve aproximar-se o máximo possível da vida normal, e para tanto
quando propomos o processo de aparelhamento, devemos con-
siderar a vida do indivíduo como um todo, levantando os aspectos
possíveis não só no que concerne à sua perda ou etiologia, mas
também às suas expectativas e condições de vida. Desta forma,
estaremos fornecendo ao paciente todas as condições para que
dentro de suas dificuldades, consiga a reabilitação esperada por
todos que dela participam, pais, parentes, amigos, profissionais e
o próprio paciente.

Aspectos relativos à acústica do aparelho


Os ambientes freqüentados por nós oferecem uma série
bastante grande de interferências, estímulos, reflexos, geran-
do uma acústica desfavorável à comunicação, principalmente
para o portador de deficiência auditiva que faz uso de um
aparelho.
Estes estímulos associados à variação da fonte sonora em
termos de distância e intensidade resultam em prejuízo significa-
568 Fonoaudiologia Prática

tivo de uma das principais relações que estudamos e procuramos


preservar, a relação sinal-ruído.
Observa-se que nos últimos tempos grande parte das inova-
ções que ocorrem em termos do aparelho auditivo tem sido no
sentido da adequação desta relação, sempre tentando reduzir ao
máximo a captação do ruído e favorecer a percepção do sinal por
parte do usuário. A inteligibilidade de fala é o parâmetro principal
que se objetiva quando procuramos a melhoria desta relação.
Nosso intuito é abordar de forma ampla e simples este
assunto, para ampliar o espectro de informação do futuro profis-
sional, e, desta forma promover a melhor condição para a reabi-
litação do paciente acometido e limitado por uma deficiência
auditiva.

Problemas diários do deficiente auditivo


Alguns direcionadores dos novos métodos e inovações dentro
do campo aparelho auditivo têm encaminhado o raciocínio e
avanços no sentido da diminuição do tamanho deste. Mudanças
nos circuitos também têm surgido aprimorando em muito a ampli-
ficação que é oferecida, porém os profissionais têm que ter em
mente não só as inovações, como também, todo e qualquer
recurso que possa auxiliar uma requisição específica do usuário.
Para tal não podemos deixar de pensar nas necessidades
diárias do portador de deficiência auditiva. A realidade do paciente
mais jovem que freqüenta um ambiente de trabalho com extrema
variedade de estímulos sonoros, assuntos e chamados telefôni-
cos, o tráfego das grandes cidades, que, cada dia mais solicita do
ser humano seus sentidos sempre aguçados, o lazer de todo o dia,
qualquer atividade de aprendizado, seja ela em nível elementar ou
avançado, sinais sonoros que signifiquem perigo ou requisição
imediata do paciente. Todas estas situações estão seriamente
comprometidas e devem ser levadas em consideração no ato da
solução em nível de aparelhamento e acessórios.

Entrada do som no aparelho auditivo


Na abordagem teórica de acessórios para o deficiente auditivo
é de muito auxílio entendermos bem como uma prótese pode
captar um sinal sonoro.
Existem dois meios de entrada do som pelo circuito de amplifi-
cação de um aparelho auditivo. A primeira é o microfone, um
transdutor que tem a capacidade de colher o som que se propaga
pelo ar e transformá-lo em energia elétrica, e, esta sim que é
amplificada e fornecida ao paciente. Tal captação é a forma mais
usual pela qual o paciente recebe a informação do meio ambiente
e a utiliza na prática diária. Em se pensando no ambiente sem
grandes estímulos sonoros ou requisições especiais, esta forma
parece suficiente e capaz de suprir a necessidade do usuário, mas
ela, apesar de ser a mais usada, não é capaz de oferecer ao paciente
Acessórios para Deficientes Auditivos 569

o nível optimal em todas as situações. Então instalaram-se em


alguns modelos bobinas de indução magnética que têm como
finalidade gerar uma área de captação de campos elétricos, e assim
criar uma segunda porta de entrada ao circuito de amplificação,
aumentando a capacidade de funcionamento do aparelho e abrindo
portas para a ciência tecnológica desenvolver uma gama bastante
grande de equipamentos auxiliares para audição, do inglês, ALD
(Assistive Listening Devices). Pretendemos, a seguir, descrever
alguns ALD que acreditamos ser de muita importância para o
indivíduo usuário de um aparelho auditivo.

Equipamentos auxiliares para TV e rádio


Para solução destes problemas, muitas vezes o caminho é
muito mais simples do que possa parecer. O uso de um fone de
ouvido associado a um plug conectado na saída “ear” de qualquer
equipamento pode facilitar muito o ato de assistir a um programa de
televisão, sem haver incômodo das outras pessoas que residem no
mesmo lar pelo volume muito intenso. Porém, há de se ressaltar que
tal adaptação, na grande maioria dos casos, retira o som que é
emitido pelas caixas acústicas, o que dificulta o convívio social nesta
situação. E também há a limitação imposta pelo fio, que não é longo
o suficiente para deixar o paciente a uma distância confortável.
Então seria de interesse uma adaptação mais eficaz, associan-
do a tecnologia do infravermelho ao fone de ouvido, dando ao
paciente maior mobilidade, pela ausência de fios, e preservando
a qualidade do que se pretende escutar, e há um equipamento que
cumpre esta função de transformar o sinal sonoro em luz
infravermelha enviando-a a um receptor que a retransforma em
sinal sonoro. Tal conexão auxilia o usuário, pois o fio foi substituí-
do por um emissor de luz infravermelha e um fone de captação que
deve ser postado em frente ao emissor. O problema do
emudecimento da TV ou rádio ainda continua, pois a adaptação
anterior também se utiliza da saída “ear”.
Mas embora alguns pacientes tenham um benefício, pensa-
va-se numa categoria mais eficaz que trouxesse uma amplifica-
ção efetiva e de melhor qualidade ao usuário. Para tal, podemos
usar a bobina telefônica da prótese auditiva e uma fiação que
crie um campo de indução magnética e o indivíduo ouça sem
interferências e com uma qualidade audiológica mais adequa-
da. Este é o loop de indução individual, um cabo que se
conecta à TV ou rádio e com capacidade de criar um campo de
indução magnética que é captado pelo paciente através da
colocação de um colar ao redor do pescoço, bastando para isto
posicionar a prótese na posição T, mas o problema do fio está
de volta, e não está sozinho, novamente o som da televisão
passou a ser percebido pelo nosso paciente apenas.
Outro tipo de equipamento que pode ser usado em TV ou rádio
são os campos de indução de pequenas salas. Este equipa-
570 Fonoaudiologia Prática

mento cria um campo magnético que pode ser captado pela


bobina de indução do aparelho auditivo. Recebido por um peque-
no microfone instalado junto à fonte que se deseja ouvir, alto-
falante da TV, um interlocutor ETC. Assim, o paciente não está
mais sujeito a posição em relação à emissão de raios infravermelhos
ou posição próxima do emissor por causa de fios, a única preocu-
pação do paciente é de se manter dentro da área onde o campo
magnético está sendo gerado para conseguir fazer uso adequado
deste auxiliar.
Existem outros tipos de indutores que podem fornecer a
melhora que o paciente espera, os profissionais têm que manter-
se atualizados no intuito de optar pelo ALD mais adequado às
requisições do usuário.

Conectores telefônicos
O uso do telefone é com certeza, nos dias de hoje, um dos
principais meios de ligação com o mundo, e tem sido um fator de
decisão acerca de qual tipo de aparelho, ou até, opção de uso ou
não, tamanha a importância que o telefone tem na vida do
paciente.
Mais comumente, o paciente tem usado o aparelho conectado
ao telefone através da entrada T, ou seja, o microfone não recebe
estímulos (desconectado), e a única entrada de som será a gerada
e captada por indução magnética; o usuário escutará sem interfe-
rências o que está sendo falado ao telefone.
Esta seria uma solução definitiva se todos os aparelhos
possuíssem bobina de indução magnética ou se esta amplificação
fosse efetiva para todas as perdas auditivas em termos de
qualidade e quantidade.
Então, alguns pacientes têm que lançar mão de recursos
diferentes para melhor uso. O mais comum é a sobreposição do
fone do telefone ao microfone da prótese usando-a normalmente
na posição M. Embora não sendo uma forma recomendada pelos
fabricantes, muitos pacientes se beneficiam da amplificação des-
ta forma. A não-recomendação deste tipo de uso é de fácil
entendimento, a possibilidade de microfonia na adaptação supra
é bastante grande, além de o paciente, em cada acionamento
telefônico, ter que procurar a melhor posição para que consiga
escutar de forma satisfatória sem microfonia.
A microfonia neste caso se dá pela proximidade de fonte e
microfone; sempre que esta situação é criada o fenômeno de
feedback acústico ocorre, porém há como evitar esta situação,
quando o indivíduo insiste nesta forma de uso – uma espécie de
argola de espuma (ear pad), que afasta a fonte do aparelho a uma
distância suficiente para diminuir significativamente a possibilida-
de da microfonia ou feedback acústico.
Mas há alguma outra forma de melhorar significativamente o
uso do aparelho em relação ao telefone?
Acessórios para Deficientes Auditivos 571

1 2

M T

FIGURA 25.1 – Chave comutadora; microfone/Telecoil.

FIGURA 25.2 – Ear pad.

A resposta é afirmativa, existe uma gama bastante grande de


equipamentos que podem auxiliar o indivíduo a escutar melhor
nesta condição, e procuraremos descrever os mais importantes
em seguida.

Amplificadores de áudio
Estes têm a finalidade de amplificar o som emitido pelo
telefone, acrescendo intensidade sonora, auxiliando no uso por
pessoas que porventura tenham perda pequena que cause dificul-
dade para entendimento nesta situação. Este tipo de aparelho não
necessita de acoplamento ao aparelho auditivo, embora algumas
pessoas ainda assim associem-no ao microfone deste, incremen-
tando ainda mais o sinal sonoro que se deseja ouvir.
Outra categoria de adaptadores já necessitam de um aparelho
auditivo para seu uso, são os amplificadores de corrente de
indução magnética. Estes amplificadores têm a capacidade de
aumentar significativamente a corrente de indução que é gerada
pelo fone do telefone, e tal aumento faz com que o paciente
572 Fonoaudiologia Prática

FIGURA 25.3 – Amplificador de áudio.

consiga na associação de aparelho (posição T) e amplificador um


uso muito mais completo desta adaptação, pois o sinal lhe
chegará mais intenso.
A ressalva importante que cabe aqui colocar, é o fato de que
quando um aparelho telefônico não gera um bom campo magné-
tico, este tipo de adaptação perde muito de sua validade e o
paciente não se sente satisfeito, optando, muitas vezes, até pelo
não-uso do aparelho em situação de telefone.

Telefones com amplificadores embutidos


Tais equipamentos de telefonia devem ser requisitados dire-
tamente às centrais telefônicas locais.
Como o amplificador de áudio portátil, citado anteriormente,
este tem a função de aumento do sinal sonoro, porém, como
instalado dentro do aparelho telefônico tem a possibilidade de
portar um botão de volume para maior conforto do usuário.

Amplificadores de linha
A vantagem deste tipo de amplificador é o menor custo de
aquisição, e, seu funcionamento é bastante semelhante a outros

Modelo K

Modelo G

FIGURA 25.4 – Telefones com amplificadores embutidos


em fones.
Acessórios para Deficientes Auditivos 573

amplificadores de sinal sonoro. Sua instalação é ao nível de


fiação, sendo conectado no meio desta como um extensor dos
fios, e a energia que o alimenta é fornecida pela própria linha, não
necessitando de fontes de energia externas.
Este tipo de amplificador também fornece aumento do sinal
sonoro do aparelho telefônico, para que o usuário o use sem o
auxílio de qualquer outro equipamento, como os amplificadores
de indução magnética.
Ainda assim existem perdas auditivas que não permitem ao
paciente o uso de qualquer equipamento auxiliar que lhe permita
escutar a mensagem enviada via telefone. São os casos das
perdas auditivas profundas que, mesmo com a amplificação
fornecida por amplificadores de áudio, amplificadores de indução
magnética, amplificadores de linha, ou mesmo o uso do aparelho
diretamente com fone do telefone, o sinal sonoro que se deseja
ouvir está muito aquém do necessário ao paciente. Para tal,
podemos orientá-lo para que faça uso de outros tipos de apare-
lhos, no intuito de receber mensagens à distância. Estes equipa-
mentos podem ser adaptados de forma a compensar a deficiência
auditiva.
• FAC-SÍMILE – O uso do famoso fax pode auxiliar em muito
a comunicação à distância trazendo a mensagem escrita ao
usuário.
• Alguns outros equipamentos, que não são muito usados em
nosso país, associam a datilografia à mensagem enviada à
distância. São equipamentos telefônicos que acoplados a

A
Para o telefone

Transformador
de potência

Amplificador

B C Para o fone

FIGURA 25.5 – A) Amplificador de linha; B) instalado em telefone.


574 Fonoaudiologia Prática

centrais especificas para este fim, onde existem profis-


sionais que recebem e datilografam a mensagem enviando-
as em seguida, ou com unidades de datilografia individuais,
operadas pelo próprio usuário, podem enviar a mensagem
a outros equipamentos semelhantes, os quais têm condi-
ções de receber a mensagem cifrada em símbolos gráficos,
bem como imprimi-los ou então apresentá-los para leitura
em displays específicos com esta finalidade.
Descrevemos uma série de aparelhos que podem auxiliar no
uso da prótese auditiva em situações de comunicação à distância,
porém, não podemos esquecer que o paciente apresenta muita
dificuldade na percepção do alarme sonoro que os equipamentos
telefônicos emitem, quase sempre agudos o suficiente para terem
sua área de atuação justamente onde a perda é mais intensa e
portanto de pouca relevância acústica para o paciente. Como
solucionar o problema da falta de capacidade deste em perceber
o sinal sonoro que requisita sua presença?
Alguns artifícios podem ser usados com esta finalidade; va-
mos enumerá-los visando ao maior entendimento por parte do
leitor:

Sistemas de associação sinal sonoro-sinal vibratório


A adaptação pode ser usada em telefones, campainhas de
porta, despertadores, e consiste no acoplamento de um vibrador
ao sistema elétrico que aciona o alarme de som, e toda vez que o
equipamento é acionado há a vibração do aparato vibratório que
estará ao alcance tátil do paciente.
Tal sistema implica na proximidade entre o usuário e o alarme,
o que impossibilita a livre movimentação no lar e o uso do
equipamento ao mesmo tempo.

Sistema de associação sinal sonoro-sinal luminoso


Este sistema associa o sinal de som, seja de que origem for,
a um sinal luminoso que pode ser acionado em vários locais da
residência simultaneamente.

A B

FIGURA 25.6 – Equipamento de teledatilografia com (A) impressão gráfica; com (B) display gráfico.
Acessórios para Deficientes Auditivos 575

Tal sinal pode estar associado a campainha da porta, sinais de


chamada telefônica, despertadores, alarmes de incêndio e qualquer
outro sinal que se deseja acoplar ao sistema. Agora temos a vantagem
de que a distância não é mais um fator limitante para o uso deste meio
de alerta, pois, colocando-se várias fontes luminosas, em diversos
locais da casa, o paciente sempre estará atento ao chamado.
Podemos aqui abrir um parêntese acerca do funcionamento
do “start” deste sistema.
Ele pode funcionar ligado ao aparato elétrico do lar, isto
implica em todo um sistema voltado ao desempenho desta fun-
ção, composto de uma rede de fios por toda a casa, que deve ser
instalado por profissional entendido na área.
Outra forma de fazer o sistema ser acionado é através de um
sistema de ativação por som. O sinal sonoro no ambiente dá a
informação para que o sinal luminoso seja acionado.
Este sistema tem a grande facilidade de não se precisar mais de
uma rede de fios instalada em toda a residência, o que facilita a
instalação e deslocamento do equipamento sempre que necessário.
Quatro são os parâmetros que levamos em consideração,
quando pensamos neste modo de operação:
• distância
• intensidade
• freqüência
• duração
Todos os parâmetros podem ser regulados de acordo com o
que se deseja para cada situação.
Pode-se aproximar o microfone do equipamento o máximo
possível da fonte, a fim de evitar o acionamento indevido por
estímulos que não estejam no raio de nosso interesse.
Também existe a possibilidade de, com um controle de loudness
acoplado ao equipamento, reservar o acionamento somente a
algumas intensidades.
A faixa de freqüência de acionamento do sinal de alerta pode
ser escolhida de acordo com a necessidade que se tem, e não só
a freqüência como o tempo de duração do estímulo podem ser
parâmetros de acionamento.
Nestes sistemas que associam o som ao sinal luminoso ou até
vibratório temos aparatos individuais que geralmente fazem o
acionamento de um único alarme, despertador telefone, etc.
São inúmeros os tipos e modos de alertar um deficiente auditivo
sobre perigos e chamados diversos, e estes podem e devem ser
conhecidos por profissionais da área consultando catálogos de
fabricantes ou publicações especializadas na área, a fim de poder-
mos oferecer a melhor solução para nosso paciente.

Acessórios de manutenção
Para as pessoas que trabalham diariamente com a prótese
auditiva, muitas são as queixas em termos de umidade, proble-
576 Fonoaudiologia Prática

A B

com lâmpa- despertador


da na sala
de estar

com lâmpada na cozinha

C D

FIGURA 25.7 – A) Associação telefone e sinal luminoso. B) Associação sistema de alerta-sinal


luminoso. C) Várias conexões com sinal luminoso. D) Vibrador que pode ser associado a sinal sonoro.

mas com quedas ou sujeira. Tais dificuldades também têm que ser
consideradas por nós audiologistas e se possível encaminhadas,
resolvidas ou minimizadas. Oferecer algumas sugestões para o
leitor é a intenção, porém, a cada novo encontro de profissionais,
mais opções surgem e a reciclagem é de muita importância para
o bom atendimento que vai ser oferecido.

Umidade
Uma das primeiras orientações que o paciente recebe quando
da implantação de um aparelho auditivo é a de evitar o contato
com água ou qualquer líquido, direta ou indiretamente com o corpo
deste ou circuito do mesmo.
E por que tal medida deve ser tomada?
O circuito de amplificação é bastante sensível à umidade e
se este for exposto à mesma, regularmente ou demasiadamen-
te, com certeza criar-se-ão condições para corrosão do circuito,
e a função de amplificação estará comprometida. E, mesmo ao
ser retirado o aparelho, a ação da umidade continua, ainda que
fora do pavilhão.
Para sanar esta ação há um desumidificador (dri-aid), com-
posto de um pote com material altamente absorvente e que pode
atuar durante toda a noite, e, pela manhã, toda a umidade que agia
dentro da prótese foi retirada.
A prótese auditiva é colocada dentro do pote e mantida neste
por longas horas.
Acessórios para Deficientes Auditivos 577

FIGURA 25.8 – Desumidificador.

A umidade pode sofrer condensação no tubo do molde em


caso de retroauriculares, e estas gotas oriundas da condensação
podem migrar para o microfone causando danos irreparáveis e
implicando na substituição da peça danificada, e quando há a
presença da umidade condensada por muitas vezes o aparelho
deixa de funcionar, por haver obstrução da passagem do som. O
modo de retirar esta condensação é o uso de uma pequena bomba
(air blower) que injeta ar sob pressão na tubulação do molde,
retirando a umidade condensada.
Pensemos agora em substâncias úmidas que possam ter con-
tato com o microfone da prótese auditiva do tipo caixa, que está
situado no peito do usuário e voltado para cima, portanto suscetível
à queda de qualquer uma delas, quando ingeridas pelo paciente.
Para tal, existe uma pequena peça plástica chamada baby cover
que protege o microfone do contato com estas, sem haver mudança
na acústica da amplificação. O uso do baby cover é de muita
importância para evitar danos ao microfone. Cada modelo de
prótese de caixa tem o seu modelo específico de protetor.
Mas não só a umidade é considerada o grande inimigo do
aparelho, as quedas também causam danos muitas vezes
irreparáveis, e, para tal, temos pequenos elásticos que têm a
finalidade de fixá-lo ao pavilhão no caso dos retroauriculares, o
que se torna de grande valia no caso de crianças pequenas.
Outro inimigo é a sujeira, principalmente se o usuário não for
um dos mais asseados, e isso pode causar mau funcionamento e
até corrosão do circuito interno. Mas como evitar que esta tome
conta se não podemos expor a prótese à umidade e portanto não
se pode lavá-la?
Há um acessório que pode envolver a prótese como uma capa
– o “super seal”. Seu uso é indicado para os aparelhos retroauri-
culares e principalmente no caso de crianças em idade escolar.
Esta capa tem a finalidade de proteção, em termos de evitar
o contato com sujeira, umidade e acesso indevido aos controles
da prótese pelo usuário ou qualquer outra pessoa.
578 Fonoaudiologia Prática

A existência de tais acessórios de manutenção vem facilitar e


auxiliar o usuário no sentido de criar condições favoráveis ao uso
do aparelho e prolongar ao máximo o intervalo entre as visitas à
assistência técnica, aumentando a vida útil deste. Ao profissional
expõem-se alguns dos muitos acessórios existentes preparando-
o para orientar da forma devida o seu futuro paciente.

Sistemas de recepção individual ou coletiva


Podemos considerar este capítulo como um assunto à parte e
de extrema importância para o desenvolvimento educacional e
cognitivo do paciente. Consideremos uma pessoa que porte uma
deficiência de audição, seja ela adquirida ou congênita, em
momento de aprendizado num ambiente altamente desfavorável
à comunicação. O grau de comprometimento que sofre a trans-
missão da mensagem pode fazer com que o indivíduo não tire o
devido proveito desta situação.
São muitos os fenômenos físicos que podem atuar no sentido
de deixar menos eficaz a transmissão neste tipo de ambiente.
Vamos descrever cada uma delas visando aumentar o poder de
entendimento do leitor, de como pode se perder grande parte do
conteúdo comunicativo.
A princípio, pode-se pensar que o uso de um aparelho
auditivo seria a solução definitiva para adequar a comunicação
do indivíduo portador de uma perda. Porém, a amplificação
fornecida não é tão seletiva a ponto de trazer para o paciente
somente aquilo que se deseja escutar; junto com o foco de
atenção há uma série de informações acústicas competitivas
que entram no sentido do prejuízo daquilo que se deseja
escutar, fazendo com que a relação sinal-ruído tenha fatores
desfavoráveis à comunicação.
Segundo alguns autores, a relação favorável em indivíduos
normais, para boa percepção do sinal, é de 6 dB pró-sinal
(BONALDI & ALMEIDA, 1996). Já para o paciente que tem uma
perda auditiva, não importando seu grau de comprometimento,
a relação já tem que assumir a grandeza de 20 dB pró-sinal para
o indivíduo conseguir a efetiva comunicação (BONALDI & ALMEIDA,
1996), e é certo que com o uso do aparelho esta relação não se
mantém.
Outra realidade é em termos da engenharia das salas de aula,
que com paredes duras e lisas facilitam a reflexão da onda sonora
e sem os devidos cuidados acústicos que o usuário necessitaria,
com salas amplas e ruidosas haveria então que se fazer uma
ampla reforma nas salas de aula e auditórios adequando-os a
estes parâmetros.
A distância também se torna um fator de piora na comunica-
ção, quanto maior é, menor será a qualidade daquilo que se
deseja escutar, principalmente quando nos referimos a sons de
fala.
Acessórios para Deficientes Auditivos 579

FIGURA 25.9 – A distância é um fator de prejuízo para o que se deseja entender.

Já falamos anteriormente à cerca da reflexão do som nas


paredes lisas da sala, e quando esta se repete varias vezes no
mesmo ambiente refletindo o mesmo som temos a reverberação
que também entra em prejuízo da qualidade sonora, e o tempo de
reverberação também deve ser reduzido, pois quanto maior,
maior será a perda da qualidade (ROSA ,1972).
Então a solução seria um equipamento que aproximasse fonte
e ouvinte, que não levasse a reverberação do ambiente em conta,
que não fosse muito afetado pela má-acústica da sala, que
otimizasse a relação sinal-ruído e que pudesse ser usado por um
indivíduo ou mais ao mesmo tempo. São estes que vamos
descrever daqui por diante em suas várias formas de adequação
às necessidades de cada usuário.

––>– sinal direto


-<---- sinal reverberante

FIGURA 25.10 – Reverberação do som na sala de aula.


580 Fonoaudiologia Prática

Vamos inicialmente fazer a subdivisão dos tipos de ligação


receptor-emissor para a partir daí descrever sua aplicabilidade e
uso. Como anteriormente, vamos levar em conta os equipamen-
tos conectados a fios e os conectados de outras formas.

Sistemas de facilitação com fios


Os sistemas que são ligados com fiação são os mais rudimen-
tares da categoria e também são os que causam maior número de
dificuldades, apesar de aumentar a qualidade daquilo que o usuário
recebe, a distância acaba sendo um fator limitante, no caso de salas
amplas ou auditórios, e no caso de amplificação coletiva, a coloca-
ção da fiação e posicionamento das pessoas, que deveriam fazer
uso do sistema, teriam que seguir uma anatomia estrategicamente
pensada. O sinal pode ser transmitido através de fones, de vibradores
ósseos ou palmares e também com o uso da posição T mais o
acionamento da bobina de indução magnética da prótese.
No uso autônomo, só um usuário, esta forma pode ser uma
boa solução principalmente pela independência que proporciona
em relação à prótese auditiva, pois com o uso do fone de ouvido
não existe a necessidade de o paciente portar uma.

Sistemas que não dependem de fios


Os sistemas a seguir podem auxiliar o paciente no sentido de lhe
fornecer maior autonomia na localização em sala de aula, auditório,
salas de espetáculo, etc. Os tipos de equipamento nesta categoria
são baseados na transmissão por ondas de rádio (AM; FM),
infravermelho ou circuitos de indução magnética. Pretendemos
descrever cada um deles em seu funcionamento, orientando o futuro
profissional na escolha daquele que melhor pode ajudar o usuário.

Sistemas de infravermelho
O sistema de condução infravermelha é constituído de uma
unidade emissora que tem por finalidade transformar o som em luz
(fazendo aqui a função de um transdutor-transformador de ener-
gia) e uma segunda unidade, a receptora, que tem a capacidade
de receber esta energia transformada e retransformá-la em ener-
gia sonora, traduzindo os impulsos luminosos em som novamen-
te. Algumas são as particularidades deste tipo de conexão:
Direcionabilidade – Como se trata de um facho de luz, esta
se propaga em linha reta e portanto o posicionamento do indivíduo
que faz uso do sistema deve ser em frente o emissor, pois pode
não haver a devida captação do estímulo sonoro.
Sensibilidade – Como se trata de um facho luminoso, outro
tipo de energia luminosa pode interferir nesta transmissão.
Aplicabilidade – Todo o ambiente de ensino pode receber
este modo de transmissão, tomando-se os cuidados de colocação
do pessoal em posição ideal para recepção.
Acessórios para Deficientes Auditivos 581

Caixa acústica

Transmissor
infravermelho

Amplificador
misto

▼ Indivíduos
com perda
▼ ▼ ▼
auditiva
Ouvintes normais

FIGURA 25.11 – Uso de emissor de luz infravermelha para recepção de palestra.

Interferências de outros sinais – Neste caso, a interferência


se restringe a outros tipos de luz que estejam presentes no
ambiente, mas não há inclusão de outra qualidade de sinal e
portanto torna bastante sigiloso o modo de transmissão.

Sistemas de indução eletromagnética


O sistema de indução eletromagnética tem a capacidade de
criar no ambiente, não importando o seu tamanho ou anatomia,
um campo de indução que pode ser captado por usuários de
aparelho auditivo, através da bobina de indução, sendo muito
difundido em salas de espetáculo nos países da Europa e EUA,
pela facilidade de instalação e baixo custo de manutenção.

Caixa acústica

Amplificador

d c
Indivíduos com
deficiência auditiva Ouvintes normais

A B

FIGURA 25.12 – A) Circuito de indução magnética em uso. B) Circuito de indução magnética: a = fio;
b = amplificador; c = microfone; d = área de escuta.
582 Fonoaudiologia Prática

Podemos citar como particularidades deste modo:


Instalação – Consiste em circundar o ambiente que se deseja
com uma fiação que vai criar um campo eletromagnético e todas as
pessoas que estiverem dentro deste irão receber a amplificação
desejada.
Recepção – O posicionamento do indivíduo em relação à
fiação é importante, pois se este se coloca afastado dele podem-
se criar pontos de não-recepção do sinal sonoro, portanto, quanto
mais próximo da fiação melhor será o uso por parte do usuário.
Interferências – Pode haver alguma invasão do sinal por outras
fontes que gerem um sinal eletromagnético ou, às vezes, até sinal
elétrico. Esta interferência pode ocorrer em nível de campo ou receptor
(aparelho auditivo). Não é incomum a percepção de ruído quando do
uso deste modo associado a lâmpadas fluorescentes com reatores.
Como citado anteriormente, este tipo de condução pode
também ser adaptado de forma individual, com colares de indução
acoplados a TVs, rádios ou qualquer outro equipamento de áudio,
sendo de muita valia o uso para o deficiente auditivo.

Sistemas de freqüência modulada


Os sistemas de FM se utilizam de ondas de rádio para a
propagação do sinal sonoro. Este é talvez o método de difusão de
sinal mais importante e mais largamente usado, principalmente
com a finalidade educacional, pela alta fidelidade sonora, pouca
possibilidade de interferência de sinais indesejáveis e uso indivi-
dual ou coletivo sem a necessidade de modificação estrutural na
sala de aula, instalação ou manutenção de fios ou colocação de
emissores de luz.
O sistema consiste em duas ou mais unidades, sendo que
obrigatoriamente uma é emissora e uma ou mais receptoras. A
unidade emissora fica de posse do professor ou palestrante, e
esta é capaz de transformar o som em onda de rádio e lançá-la no
interior do ambiente ou fora dele até uma distância de 600 m
(COMPTON , 1993), esta é captada pelo usuário por meio de uma
unidade receptora e que esteja dentro da área de alcance.
Algumas particularidades podem ser citadas:
Aplicabilidade – Este modo pode ser usado em nível educa-
cional com crianças portadoras de deficiências auditivas modera-
das, severas, profundas ou até perdas transitórias, produto de
alguma alteração de ouvido médio. Isto é possível graças à
associação a fones de ouvido e, portanto, crianças que tenham
uma perda de audição por um período de tempo curto ou então
não a tenham, mas apresentem déficit de atenção podem fazer
uso deste tipo de conexão.
Uso em escolas – Como já explicado, o sistema de FM funciona
com duas ou mais unidades, e para que o indivíduo faça uso
adequado dele é necessário que as unidades tenham o mesmo
código de emissão e recepção. Por exemplo, a unidade emissora de
chave 36 só pode ser captada pela ou pelas unidades de recepção
Acessórios para Deficientes Auditivos 583

36 que estiverem na zona de captação. Isto posto, podemos concluir


que seu uso estende-se ao nível escolar, e podemos garantir o uso
em salas adjacentes sem o inconveniente de interferências.
Conexão à prótese – A entrada do estímulo no circuito de
amplificação pode ocorrer através de entrada de áudio, colar de
indução magnética ou fones de ouvido.
Associação aparelho-FM – Existem aparelhos que incorpo-
ram, no mesmo espaço, circuito de amplificação e circuito de
recepção de FM não havendo necessidade de colares, fones ou
entradas de áudio. O paciente recebe o estímulo através do modo
normal; emissor de FM-meio aéreo-prótese-molde-paciente.
Capacidade – Este modo possui a capacidade de fornecer
uma série grande de faixas de atuação aumentando a versatilida-
de de seu uso. Segundo (BONALDI & ALMEIDA, 1996), a FM
possibilita uma melhora de 32% no índice de reconhecimento de
fala e não importando o nível de ruído do ambiente, o sinal gerado
pelo sistema está a uma média de 45 dB acima do ruído ambiental.
Posso escutar rádio na minha FM? – Não, a onda de rádio
gerada pelo circuito de FM está operando abaixo da faixa normal
de funcionamento das rádios comerciais e polícia ou socorro
médico. E pela versatilidade do equipamento, não existe limitação
em termos de curtas e médias distâncias, local de propagação ou
tempo de presença do estímulo ou reverberação da sala.

A B

FIGURA 25.13 – A) Sistema de FM associado a


fones de ouvido. B) Sistema de FM associado
à entrada de áudio. C) Sistema integrado de FM
+ prótese auditiva. C
584 Fonoaudiologia Prática

Restrição – Quando pensamos em ambientes como cinemas,


teatros, não há como conseguir que todos que nele estão usem
exatamente a mesma chave de FM. Portanto, o uso em ambientes
de cunho educacional, onde existe o controle do público usuário
é muito mais comum e viável.
O uso do FM deve ser recomendado a crianças de qualquer
idade em estágio de aprendizado, ou indivíduos adultos que
tenham atividades didáticas contínuas e freqüentes. Com toda a
certeza, o paciente orientado a usá-lo vai apresentar um aumento
significativo no que diz respeito ao grau de satisfação que a
prótese auditiva pode fornecer.

CONCLUSÃO
Pudemos observar claramente, no decorrer de todo o capítulo,
que só o aparelho auditivo sem o auxílio de alguns acessórios pode
não suprir todas as necessidades do paciente, que por vezes,
inabilita ou restringe o uso em muitas situações. Embora alguns
destes sistemas tenham inconvenientes, é o usuário que determina-
rá quais suas prioridades e qual o sistema que melhor lhe convém.
Não podemos restringir a vida do usuário a algumas situações
sociais controladas, é de muita valia a ampliação do universo da
pessoa portadora de uma deficiência de audição. E o profissional
deve estar sempre atualizado e atento no sentido de se manter por
dentro de todas as modificações e novos equipamentos que irão
surgir com o passar do tempo e evolução da tecnologia.
Garantindo ao paciente a melhor condição de aprendizado, de
condição comunicativa individual ou coletiva, garantindo percep-
ção dos sinais sonoros de alerta e chamados telefônicos, sentire-
mos que proporcionamos ao usuário a maior e melhor condição de
uso possível de seu aparelho auditivo.

Leitura recomendada
BEAULAC, D.A; PEHRINGER, J.L.; SHOUGH, L.F. – Assistive listening
devices: available options. In: COMPTON, C.L. Seminars in Hearing.
Vol 10, nº 1, 1989. pp. 11-30.
BESS, F.H. & SINCLAIR, S. – Sistemas de amplificação usados na
educação. In: Tratado de Audiologia Clínica. São Paulo, Editora
Manole Ltda. 1989. pp. 986-1000.
BONALDI, L.V. & ALMEIDA, K. – Equipamentos e sistemas auxiliares
para o deficiente auditivo. In: ALMEIDA, K. & IORIO, M.C.M. Próte-
ses Auditivas:Fundamentos Teóricos & Aplicações Clínicas. Editora
Lovise, 1996. pp. 205-217.
HODGSON, W.R. – Special cases of hearing aid assessment. In:
HODGSON, W.R. Hearing Aid Assessment and Use in Audiologic
Habilitation. 1986. pp. 208-214.
JENSEMA, C.J. & COMPTON, C.L. – Television for the hearing
impaired In: COMPTON, C.L. Seminars in Hearing Vol. 10, nº 1,
1989. pp. 57-66.
Acessórios para Deficientes Auditivos 585

LAROSE, G.M.; EVANS, M.P.; LAROSE, R.W. – Alerting devices:


available options. In: COMPTON, C.L. Seminars in Hearing. Vol. 10,
nº 1, 1989. pp. 66-78.
MUSKET, E.F. – Assistive listening devices and systems (ALDS) for the
hearing impaired student. In: ROESER, R.J. & DOWNS, M.P.
Auditory Disorders in School Children. Thième Medical Publishers,
Inc. Georg Thième Verlag, Stuttgart, New York. 1988. pp. 246-255.
NORTHERN, J.L. & DOWNS, M.P. – Amplificação para crianças defi-
cientes auditivas. In: NORTHERN, J.L. & DOWNS, M.P. Audição em
Crianças. São Paulo, Editora Manole Ltda. 1989. pp. 336-337.
SEEWALD, R.C. & MOODIE K.S. – Eletroacoustics Considerations. In:
ROSS, M. FM Auditory Training Sistems. Cap. 4. Maryland York
Press Timonium, 1992.
SLAGER, R.D. – Romancing the phone: the adventure continues. In:
COMPTON, C.L. Seminars in Hearing. Vol 10, nº 1, 1989. pp. 42-57.
THIBODEAU, L.M. – Physical components and features of FM
transmission systems. In: ROSS, M. FM AUDITORY Training
Systems. Cap. 3. Maryland, York press Timonium, 1992.
Deficiência Auditiva 1
Aconselhamento em Audiologia 587

26
Aconselhamento em
Audiologia

Márcia Castiglioni F. Sousa


Margarita Bernal Wieselberg

INTRODUÇÃO

O aconselhamento em audiologia é uma questão funda-


mental para: 1. fazer com que os indivíduos e/ou suas famílias
sejam sujeitos ativos e participantes no processo de reabilitação
auditiva; 2. trazer a compreensão, conscientização e aceitação da
deficiência auditiva e suas conseqüências; 3. propiciar familiariza-
ção, aceitação e uso efetivo do aparelho auditivo; 4. fazer com que
os deficientes auditivos superem as suas dificuldades de comuni-
cação e tornem-se sujeitos independentes e integrados social-
mente.
Aconselhamento faz parte da reabilitação auditiva e seus
conceitos básicos podem ser utilizados tanto para crianças como
para adultos.
Reabilitação auditiva, segundo STEPHENS (1987), é o proces-
so que tem por objetivo minimizar qualquer dificuldade que o
indivíduo experimente como resultado de uma perda auditiva.
Essencialmente, é um processo de resolução de problemas que
deve ser planejado de forma a suprir as necessidades particulares
do indivíduo deficiente auditivo. Isto se aplica tanto aos indivíduos
com perda auditiva congênita como adquirida, e envolve desde a
utilização da amplificação até a terapia fonoaudiológica.
588 Fonoaudiologia Prática

Em capítulos anteriores podem ser encontrados assuntos


dedicados especificamente à reabilitação da criança deficiente
auditiva, assim como à importância do aconselhamento aos pais
e/ou familiares destas crianças. Este capítulo tem por objetivo
definir e demonstrar a importância do aconselhamento dentro do
processo de reabilitação auditiva do indivíduo adulto.

ACONSELHAMENTO: DEFINIÇÕES E
DIRETRIZES BÁSICAS
Segundo HODGSON (1989), aconselhamento em audiologia
pode ser definido como o fornecimento de informações, explica-
ções e apoio para guiar as opções, atitudes ou comportamentos
dos indivíduos deficientes auditivos. Destina-se fundamental-
mente a capacitar o indivíduo a encontrar soluções para suas
dificuldades.
Não existem teorias ou metodologias elaboradas especifica-
mente para o aconselhamento no processo de reabilitação audi-
tiva. Existem, inúmeras abordagens que são também utilizadas
em outras áreas da saúde.
De uma maneira geral, o aconselhamento inclui aprendiza-
gem, embora através de formas ou mecanismos diversos. Procu-
ra-se ajudar o indivíduo a aprender a pensar, sentir ou comportar-
se de maneira diferente. Assim, dentro de uma estrutura didática
e simplista, pode ser dividido em dois aspectos que visam:

• fornecer informações sobre audição, aparelhos auditivos e


remediação dos problemas e dificuldades de comunicação
encontradas;
• dar suporte cognitivo e emocional para que o indivíduo
possa entender e lidar com os sentimentos, emoções e
atitudes originados pela perda auditiva e/ou pelo uso do
aparelho.

O aconselhamento pode ser feito através de acompanha-


mento individual durante o processo de seleção e adaptação de
aparelho auditivo e/ou durante sessões de terapia fonoaudioló-
gica. Pode ser também realizado em grupo, quando a troca de
sentimentos e experiências vivenciadas facilitam a adaptação à
perda auditiva e suas conseqüências. Normalmente, os pacientes
se beneficiam ao perceber que outras pessoas passam por
dificuldades semelhantes às suas, o que possibilita inclusive
compreender melhor e aumentar sua consciência sobre os efeitos
de seu problema auditivo. Observando como os outros deficientes
auditivos convivem com suas dificuldades, eles acabam também
aprendendo como utilizar estratégias facilitadoras.
De qualquer forma, é extremamente importante que o indiví-
duo esteja envolvido diretamente na sua reabilitação, como agen-
Aconselhamento em Audiologia 589

te ativo e modificador deste processo. A responsabilidade do


sucesso ou do fracasso da reabilitação não deve ficar somente
nas mãos do fonoaudiólogo.
O relacionamento paciente-terapeuta é uma variável impor-
tante pois, respeito e confiança são atributos fundamentais para
um resultado efetivo e satisfatório. O paciente deve participar
ativamente na identificação e resolução dos problemas, assim
como na tomada de decisões relativas ao seu tratamento. Para
isto, o profissional deve ser atencioso, compreensivo, claro e
honesto, baseado em competência e responsabilidade. Através
de um relacionamento com base na confiança é que o paciente
poderá aceitar, assimilar e agir de acordo com as informações que
lhes foram dadas.
Segundo MCLAUCHLIN (1992) o alcance e extensão do traba-
lho de aconselhamento irão variar dependendo de fatores indivi-
duais que incluem:

• severidade da deficiência;
• idade do aparecimento e progressão da perda auditiva;
• idade atual;
• interesse pessoal;
• intenção de usar aparelho auditivo;
• atitude do usuário sobre o uso da amplificação;
• atitudes dos membros da família e conhecidos sobre o
usuário de aparelho auditivo e o uso do aparelho auditivo;
• experiência prévia e conhecimento sobre aparelhos auditi-
vos;
• complexidade do sistema de amplificação utilizado;
• inteligência e habilidades de linguagem;
• existência de reabilitação prévia;
• presença de outros comprometimentos, tais como deficiên-
cia visual, retardo mental, distúrbios psiquiátricas ou artrites
nas mãos.

Além disto, existem inúmeras variáveis que devem ser consi-


deradas, tais como os aspectos psicológicos, emocionais e so-
ciais inerentes a cada indivíduo. Desta forma, não se deve esperar
um padrão generalizado no comportamento do indivíduo deficien-
te auditivo e, por isso, como todo procedimento de reabilitação, o
aconselhamento não pode ser utilizado de maneira uniforme para
todas as pessoas.
A deficiência auditiva não afeta ou interfere na vida das
pessoas de maneira igual. É muito comum que indivíduos com
audiogramas idênticos vivenciem e relatem dificuldades muito
diferentes. É importante conhecer bem o paciente, suas dificulda-
des, sentimentos, expectativas, rotina e interesses. Deste modo,
o profissional deve estar preparado para escolher a melhor forma
de trabalho e dar informações e apoio adequados a cada indiví-
duo. Estes dados adicionais poderão ser obtidos através de
590 Fonoaudiologia Prática

conversas informais direcionadas, entrevistas e/ou aplicação de


questionários com este fim. O objetivo é procurar conhecer a
percepção que o indivíduo tem de seu problema auditivo e de que
forma este interfere na sua vida.
Deve-se encarar cada paciente de forma única e com neces-
sidades específicas. Pensando-se desta maneira, assume-se um
compromisso de objetivamente pesquisar, e não simplesmente
supor, a extensão e natureza das conseqüências auditivas e não-
auditivas impostas pela diminuição da audição de cada indivíduo
em particular (ERDMAN, 1993).

O PAPEL DO FONOAUDIÓLOGO
Em diversas áreas da fonoaudiologia é inquestionável a
importância do papel do profissional que atua na orientação e
aconselhamento do paciente e sua família, e sua prática já está
estruturada na rotina clínica.
A tarefa do aconselhamento, como parte específica do pro-
cesso de seleção e adaptação do aparelho auditivo, vem se
estabelecendo gradualmente e de forma cada vez mais clara e
definida, embora há muito tempo faça parte de programas de
reabilitação. CARHART em 1946 já descrevia procedimentos de
seleção de aparelhos auditivos usados com militares durante a
Segunda Guerra Mundial que incluíam atividades designadas
para familiarizar adultos com o uso do aparelho auditivo.
A preocupação do profissional deve ser a de propiciar ao
paciente a superação de suas dificuldades durante todo o proces-
so de reabilitação. Não se pode segmentar a atuação realizando
apenas parte deste processo. Desde sua formação enquanto
estudante, até sua atuação clínica como profissional competente,
o fonoaudiólogo deve assumir o aconselhamento, como parte de
sua função, de maneira consciente e responsável.
O deficiente auditivo precisa da ajuda de um profissional
especializado para auxiliá-lo nos problemas de comunicação e
reações emocionais causadas pela perda da função auditiva
normal.
ERDMAN (1993) cita que os fonoaudiólogos são os profissio-
nais mais adequados para o aconselhamento de pessoas defi-
cientes auditivas e seus familiares, devido a compreensão da
deficiência auditiva e os problemas associados a ela.
Segundo SANDERS (1988) e ERDMAN (1993), os fonoau-
diólogos relutam em aceitar este papel ou sentem-se pouco
confortáveis com esta responsabilidade. Tal comportamento
pode ser justificado pelo medo ou insegurança de não saber o
que dizer ou como lidar com as reações dos pacientes. Além
disto a falta de uma metodologia específica para o aconselha-
mento do deficiente auditivo em particular pode colaborar para
acentuar esta dificuldade.
Aconselhamento em Audiologia 591

De qualquer forma, estes autores e muitos outros como


MADELL (1989), HODGSON (1989), NORTHERN & DOWNS (1991),
MCLAUCHLIN (1992) e CLARK (1994), referem-se ao aconselha-
mento como papel do fonoaudiólogo e também como aspecto
fundamental do processo de seleção e adaptação do aparelho
auditivo e da reabilitação do deficiente auditivo.
MADELL (1989) refere-se ao fonoaudiólogo como orientador
não-médico do paciente com deficiência auditiva, responsável por
ajudá-lo a entender que o aparelho auditivo é apenas um auxílio
para sua audição e parte do processo de reabilitação.
A AMERICAN SPEECH-LANGUAGE-HEARING ASSOCIATION (ASHA)
nos anos de 1974, 1984, 1989 e 1990 aborda a importância da
orientação e aconselhamento para o indivíduo deficiente auditivo e
de um profissional competente e bem-preparado para esta tarefa. É
destacado também que o aconselhamento deve ser um dos requi-
sitos mínimos para quem oferece serviços de reabilitação.
É válido ainda enfatizar que o aconselhamento faz parte de todo
o processo de reabilitação do deficiente auditivo. Tem seu início
desde o momento em que a queixa é colocada, perdura durante a
avaliação até o diagnóstico e segue por toda a reabilitação

ACEITAÇÃO E MOTIVAÇÃO
Aceitação e motivação são dois aspectos intimamente relacio-
nados e fundamentais que devem ser levados em conta durante
o aconselhamento. A aceitação da perda auditiva e do uso da
amplificação, assim como a motivação para buscar ajuda e fazer
uso do aparelho auditivo, não só influenciam o trabalho a ser
realizado, como devem ser diretamente incluídos como objetivos
a serem alcançados.
Enquanto o fonoaudiólogo tem a clara noção do benefício
proporcionado pelo uso do aparelho auditivo, a maioria dos
indivíduos com deficiência auditiva simplesmente não aceita a
perda da audição ou podem sequer admitir que o uso da amplifi-
cação seja uma solução lógica ao seu problema. Aparelhos de
amplificação raramente são vistos pelos indivíduos como a melhor
forma de se lidar com a sua deficiência auditiva, mesmo que eles
proporcionem uma comunicação mais fácil (GARSTECKI, 1994). Os
motivos para tamanha rejeição são muitos e podem variar desde
razões estéticas, emocionais ou econômicas.
Muitas vezes é difícil para o indivíduo perceber ou assumir a
sua deficiência auditiva, pois a diminuição da audição pode ter se
instalado de forma suave, onde muitos sons vão, gradativamente,
deixando de ser ouvidos e outros passam a ser ouvidos numa
intensidade bem menor. Desta maneira, as pessoas vão se
acostumando a essa nova forma de ouvir. É muito comum que
sejam os familiares ou amigos próximos os primeiros a percebe-
rem, denunciarem ou sofrerem com essa diminuição da audição.
592 Fonoaudiologia Prática

As perdas auditivas leves ou concentradas nas altas fre-


qüências, são mais difíceis de serem percebidas e as dificulda-
des de comunicação só irão se manifestar em situações espe-
cíficas.
Não menos difícil de aceitar, está a perda auditiva de ocorrên-
cia súbita. Por um lado, encontra-se a resistência em acreditar na
irreversibilidade do problema e, por outro, a rejeição não só ao uso
de amplificação, como também de outro padrão diferente da
audição normal, que o indivíduo ainda tem clara e nitidamente na
memória.
Precisamos partir do conhecimento da razão que o levou a
procurar ajuda. É muito comum o indivíduo chegar até o fonoau-
diólogo “carregado” pela família, achando que o problema não é
dele e sim dos outros que articulam mal ou falam baixo demais.
Existem aqueles que chegam surpresos, de forma desorientada,
muitas vezes apenas cumprindo uma ordem médica, e ainda
outros que chegam pedindo e necessitando de ajuda. Estes são
indivíduos que vêem o seu problema de forma muito diferente e
vão encarar a necessidade do uso do aparelho auditivo com
atitudes e sentimentos muito variados.
Na verdade, raramente aceita-se a diminuição ou a perda
da audição com total indiferença. As reações são as mais
diversas e dependem de variáveis como grau da perda auditi-
va, idade do sujeito, ocupação profissional, atividades sociais,
entre outras.
KASTEN (1992) aponta que indivíduos que possuem o desejo
de continuar a ter uma vida social, física, emocional e mentalmen-
te ativa, são candidatos em potencial ao sucesso no uso do
aparelho auditivo. Por outro lado, aqueles que perderam o interes-
se pelo mundo a sua volta e com um menor desejo de serem
socialmente participantes, terão pouca motivação ou desejo de
serem bem-sucedidos no uso da amplificação.
Não se deve desprezar os valores estéticos. Eles pesam muito
na aceitação, já que o aparelho auditivo torna visível um problema
que ele acredita ser imperceptível. Este aspecto deve ser respei-
tado e levado em consideração também na hora da escolha do
modelo a ser adaptado.
Mesmo que a rejeição seja muito grande, é de grande impor-
tância procurar incentivar o paciente a tentar pelo menos uma
experiência com o aparelho auditivo. O indivíduo poderá sur-
preender-se com os resultados obtidos e sentir-se mais motivado
para o uso definitivo.
Não se pode esquecer o importante papel exercido pela
família do deficiente auditivo. Ela poderá trazer a iniciativa, reforço
e motivação que muitas vezes são decisivas para o sucesso da
reabilitação.
Para sentir-se motivado a participar e colaborar no seu proces-
so de reabilitação auditiva, este indivíduo precisa entender, perce-
ber e assumir a sua deficiência auditiva.
Aconselhamento em Audiologia 593

A aceitação da deficiência auditiva está diretamente relacio-


nada à compreensão do que significa a audição. É fundamental
explicar o que é ouvir e onde está o problema. Daí a importância
de se “traduzir” o audiograma, de explicar de forma simplificada e
ilustrativa a relação das freqüências e intensidades para a recep-
ção dos sons do ambiente e da fala, com a finalidade de favorecer
a compreensão das dificuldades vivenciadas pelo indivíduo. A
compreensão do problema precede a sua verdadeira aceitação
que, por sua vez, precede a responsabilidade da mudança efetiva
para a resolução do problema (ERDMAN, 1993).
É preciso conquistar a confiança desse indivíduo, mostrando-
se um profissional informado, habilidoso, sensível, consciente e
seguro no papel que exerce. É preciso saber ouvir, mostrar
caminhos e dividir responsabilidades.

ASPECTOS PSICOSSOCIAIS DA PERDA AUDITIVA


Indivíduos que não ouvem bem, tendem a isolar-se social-
mente com receio de ter que encarar situações embaraçosas, tais
como a de não acompanhar conversas, ter que solicitar repetições
constantes ou mesmo fazer comentários sem sentido ou inade-
quados devido à não-compreensão do que foi dito ou perguntado.
Segundo THOMPSON (1994) se o indivíduo deficiente auditivo for
forçado a uma interação social, provavelmente tenderá a tomar
uma posição de menor exposição, isto é, preferirá ficar mais
calado e isolado ao invés de enfrentar uma situação difícil e por
vezes constrangedora. Como conseqüência deste isolamento
involuntário, poderá ser observada uma deterioração da qualida-
de de vida.
O impacto da constatação da deficiência auditiva e necessida-
de do uso de amplificação pode gerar uma série de reações e
sentimentos negativos nos indivíduos. Estes podem ser: apatia,
agressividade, dependência, medo, auto-piedade, depressão,
diminuição da auto-estima ou autoconfiança, entre outros. É
preciso saber reconhecer e identificar estes sentimentos de forma
a encontrar a melhor estratégia de se lidar com eles.
É muito comum que se passe um tempo significativo entre o
início da percepção da deficiência auditiva, seu diagnóstico e a
busca de ajuda no uso da amplificação. É muito provável que
antes de assumir a diminuição da audição, o paciente tenha
negado a existência do problema, desejando que fosse uma
dificuldade temporária, recusando-se a procurar ajuda. Em alguns
casos os indivíduos negam a perda de audição até o problema se
agravar, chegando a afetar completamente a sua vida de uma
forma geral.
Muito comumente estes indivíduos culpam os demais pelas
suas dificuldades, acusando-os de falarem baixo demais, com
má-articulação ou de deliberadamente excluí-los da conversação.
594 Fonoaudiologia Prática

A agressividade é dirigida, em geral, àqueles que estão mais


próximos, tais como esposas/maridos, filhos e companheiros de
trabalho. A culpa por vezes também pode recair sobre os ambien-
tes que são barulhentos demais.
O sentimento de insegurança também está bastante presente,
já que sinais de alerta, tais como buzina de carro, latido de
cachorro, choro de criança, batida na porta, o toque do telefone e
interfone, entre outros, podem passar desapercebidos.
Não se pode esquecer da grande dificuldade gerada quando
o problema auditivo instala-se em indivíduos em idade produtiva,
comprometendo muitas vezes o seu futuro profissional, sua auto-
estima e autoconfiança.
O desconforto quanto ao surgimento de dependência surge
tanto da parte do deficiente auditivo como da parte de sua família.
O primeiro, por sentir-se inseguro nas situações em que está
sozinho e, portanto, mais vulnerável; a família, porque se sente
incomodada e sobrecarregada com a responsabilidade por ter
que servir, muitas vezes, de “intérprete”, repetindo o que as outras
pessoas falam.
Reações negativas por parte do falante também podem
desencadear insatisfação no deficiente auditivo. Quando o
falante demonstra irritação, raiva ou frustração devido às dificul-
dades de comunicação e também por ser obrigado a repetir, faz
com que o deficiente auditivo detecte sinais destes sentimentos,
inibindo-se e deixando de solicitar maiores esclarecimentos ou
repetições necessárias.
Atividades simples, rotineiras ou prazerosas, tais como fazer
compras, pedir informações na rua, ir a um restaurante, conversar
com amigos ou usar um telefone podem ficar comprometidas. Por
um lado há o deficiente auditivo que nem sempre sabe, ou teme,
informar aos demais quanto ao seu problema. Por outro, tem-se
a desinformação ou descaso das outras pessoas que lidam com
estes indivíduos.

INDIVÍDUOS IDOSOS
O processo de envelhecimento traz consigo uma série de
mudanças físicas, psicológicas e sociais. Apesar de haver ca-
racterísticas comuns a esses indivíduos, é preciso saber reconhe-
cer e respeitar as particularidades de cada sujeito como se ele
fosse único. O profissional que lida com esta população tem que
estar familiarizado e consciente dessas mudanças, suas influên-
cias e conseqüências.
A diminuição da audição é uma dessas conseqüências.
Segundo KASTEN (1992), alguns idosos aceitam passivamente
a deficiência auditiva, encarando-a simplesmente como um dos
muitos outros problemas que os acometem, e muito freqüente-
mente é deixada para um segundo plano de preocupações, já
que teria pouca importância se comparado com outros proble-
Aconselhamento em Audiologia 595

mas, havendo assim, uma acomodação natural. É verdade que


esta forma de reação pode representar o comportamento de
apenas uma parcela desta população. Para outros, a perda ou
diminuição da audição poderá produzir um impacto profundo e
devastador no seu processo de comunicação e de relação social
e familiar. RUSSO (1988) refere que o declínio do status do idoso
na família e na sociedade tende a isolá-lo e privá-lo de fontes de
informação e comunicação.
Muitos dos indivíduos que vivenciam as limitações impostas
pela deficiência auditiva e desconhecem a causa de suas dificulda-
des na comunicação podem achar que estão perdendo o “senso da
realidade”. Existe uma grande preocupação por parte dos idosos de
que a família comece a achar que eles estão perdendo a capacidade
de serem e viverem de forma independentes.
Muitos são comumente descritos por seus familiares como
pessoas “confusas”, “desorientadas”, “anti-sociais”, ”mal-humo-
rados” e o pior deles, como “senis” (HULL , 1992).
Os sentimentos de defesa, constrangimento, frustração, raiva
e desejo de isolamento estão muito presentes tanto entre os
indivíduos idosos que têm a deficiência auditiva, quanto nos que
convivem com eles.
Também é verdade que, para muitos idosos, o diagnóstico da
deficiência auditiva seguida de uma correta e bem-sucedida
adaptação e uso de aparelho auditivo poderá proporcionar um
aumento da autoconfiança, uma participação comunicativa mais
ativa, aumentando assim, sua habilidade de interagir de forma
mais livre e confiante no seu meio social e familiar.
É preciso conhecer e levar em consideração as expectativas,
dificuldades e limitações de cada indivíduo. Desta forma, é possí-
vel planejar e oferecer de maneira personalizada, orientações
necessárias e adequadas.
O conteúdo da orientação abordada na reabilitação auditiva
do indivíduo idoso pouco difere daquela oferecida aos indivíduos
adultos mais jovens. Diferença significativa estará na forma e no
tempo gasto, que será tipicamente mais longo. As informações
deverão ser oferecidas de forma mais pausada, com uma lingua-
gem clara e objetiva, sendo que por vezes serão necessárias
diversas repetições até a sua completa assimilação. Reforço e
paciência são fundamentais.
É preciso ficar atento que, ao se tentar adequar a linguagem,
não se deve tratar este indivíduo idoso de forma infantilizada. Ele
merece dignidade e respeito.
Segundo M ACCARTHY (1987), a orientação voltada ao indiví-
duo idoso deve ter como meta fazer deste usuário de aparelho
auditivo um indivíduo independente, não importando quanto
tempo isto possa levar. Para alguns indivíduos bastam uma ou
duas sessões de orientações. Para outros, um número maior, e
ainda haverá aqueles que necessitarão ajuda constante no uso
diário do aparelho auditivo. Esta ajuda poderá ser dada pelos
596 Fonoaudiologia Prática

maridos/esposas, familiares e/ou enfermeiros. Independente-


mente da extensão desta assistência, o fonoaudiólogo respon-
sável deverá também instruir completamente o acompanhante
do usuário de aparelho auditivo.

PISTAS ADICIONAIS E ESTRATÉGIAS DE


COMUNICAÇÃO
A seleção de um sistema de amplificação que propicie
melhor aproveitamento possível da audição residual e as orien-
tações para seu adequado uso e manuseio são fundamentais
para um melhor desempenho comunicativo do indivíduo defi-
ciente auditivo. No entanto, isto não é suficiente para garantir a
eliminação de todas as dificuldades específicas. É importante
incluir no trabalho de aconselhamento orientações sobre a
possibilidade e importância da utilização de pistas adicionais e
estratégias de comunicação.
Segundo BOÈCHAT (1992) “estas estratégias constituem um
conjunto de determinadas atitudes que funcionam como agentes
facilitadores para que a mensagem seja mais facilmente recebida
visual ou auditivamente”.
O primeiro passo necessário é a conscientização do indivíduo
não somente quanto ao problema auditivo e suas conseqüências,
mas também quanto à possibilidade de utilizar, em conjunto com
a audição, outras formas de obtenção de informação, para melho-
rar a recepção da mensagem. Seria como criar um “estado de
atenção” para poder perceber pistas e situações que seriam
utilizadas naturalmente (estratégias presentes). A partir destas
observações iniciais, podem-se definir formas mais elaboradas de
interferência no ambiente e junto ao interlocutor (estratégias
alternativas), além de treino para utilização destas possibilidades.
A leitura orofacial ou leitura de fala é uma das estratégias mais
conhecidas. É uma habilidade que pode ser desenvolvida, embo-
ra muitas pessoas façam uso dela sem se dar conta disto.
Através da utilização do canal visual, a leitura orofacial ou
leitura de fala envolve muito mais do que a leitura labial, isto é,
a definição dos fonemas através do reconhecimento visual dos
movimentos articulatórios. Inclui também a consciência, obser-
vação e reconhecimento de expressão facial, pistas gestuais e
expressão corporal. Os gestos naturais têm grande valor simbó-
lico e não se restringem apenas aos movimentos de mão, mas
sim de todo o corpo que juntamente com a expressão facial
trazem muita informação. Refletem emoções, sentimentos, opi-
niões, etc.
Em algumas situações a leitura orofacial é prejudicada quan-
do por exemplo existe má-articulação, grande distância em rela-
ção ao interlocutor, conversas em grupos grandes de pessoas ou
barreiras que dificultem a visualização do rosto do falante como
Aconselhamento em Audiologia 597

cigarros, bigodes, etc. e também quando existe um déficit visual


do próprio deficiente auditivo. Existem também as situações
aonde a leitura orofacial é impossível como quando existe falta de
luminosidade ou na conversa telefônica.
Outras estratégias de comunicação, como refere BOÈCHAT
(1992), são pouco encontradas na literatura. É um aspecto que
fica normalmente limitado à eventual sensibilidade do indivíduo
em aproveitar como modelo, atitudes bem-sucedidas que foram
vivenciadas. Muitas vezes utiliza estas estratégias com base em
tentativa e erro, levando a conseqüente desgaste e sensação de
inadequação.
Mesmo com a utilização conjunta da informação auditiva e
visual, falhas ainda podem acontecer. O deficiente auditivo deve
procurar identificar a causa deste problema e usar estratégias de
remediação. As dificuldades podem ter origem no ambiente, no
interlocutor, na mensagem e no próprio paciente. A partir daí
pode-se atuar da seguinte forma:
a) Quanto ao espaço físico:
• procurar posições mais estratégicas como estar de frente
para o interlocutor;
• alterar posição de móveis e fontes de luminosidade para
obter melhor visualização do interlocutor;
• diminuir a distância da fonte sonora;
• evitar distrações ou interferências visuais;
• buscar locais mais silenciosos;
• buscar maior distanciamento das fontes de ruído.
b) Quanto ao interlocutor e a mensagem:
• informar o interlocutor sobre a deficiência auditiva;
• solicitar mudança sobre intensidade e velocidade de fala;
• solicitar repetição da mensagem, complementação da infor-
mação ou determinação de palavras-chave;
• fazer perguntas-chave para obter auxílio do contexto;
• utilizar outros auxílios como ajuda de uma terceira pessoa
ou lápis e papel.
c) Quanto ao próprio paciente:
• manter o aparelho auditivo em boas condições;
• manusear adequadamente o aparelho auditivo;
• manter condições otorrinolaringológicas satisfatórias;
• uso de acessórios, equipamentos e sistemas auxiliares.
Desta forma, o indivíduo pode se beneficiar não apenas
reparando uma informação mal-entendida, mas preparando-se
para evitar sua ocorrência.
A não-utilização de mecanismos compensatórios muitas ve-
zes deve-se à insegurança e/ou tentativas anteriores frustradas,
mas com motivação e treino esta situação pode mudar.
O indivíduo deve ser encorajado a utilizar todas as estratégias
e pistas possíveis com o objetivo de melhorar sua comunicação e,
como conseqüência, sua qualidade de vida, além de cuidados e
manuseio do aparelho auditivo.
598 Fonoaudiologia Prática

ORIENTAÇÕES BÁSICAS
O indivíduo deficiente auditivo candidato ao uso de aparelho
auditivo deverá ter noções básicas, claras e precisas quanto ao
seu problema de audição, sobre as possibilidades, limitações e
uso de amplificação, assim como da importância de sua co-
responsabilidade no sucesso de sua reabilitação. Deverá também
ser orientado quanto aos cuidados básicos necessários para o
uso e aproveitamento efetivo da amplificação.

A natureza do problema auditivo


É possível e importante dar ao indivíduo noções básicas da
anatomia do ouvido, da diferença entre a audição normal e com
deficiência, quanto ao tipo de perda auditiva, assim como a
interpretar leigamente o audiograma.
É preciso esclarecer que, quando o médico otorrinolaringolo-
gista indica a necessidade e encaminha para a adaptação do
aparelho auditivo, é devido à natureza irreversível da deficiência
auditiva e porque não é possível ou aconselhável tratamento
medicamentoso ou cirúrgico.
Pode parecer difícil; no entanto, é de grande importância
esclarecer a diferença entre ouvir e entender. Muitos indivíduos
vão chegar com a declaração de que “não têm problema auditivo,
o único problema é que às vezes não entendem o que é dito”. Em
geral, a perda da audição está associada somente à diminuição da
intensidade com que são ouvidos os sons. Raramente é associa-
da à clareza da recepção ou à diminuição da inteligibilidade.
Além disto, de uma forma simples, é necessário que este
indivíduo entenda que a percepção auditiva é uma função muito
mais complexa do que simplesmente detectar sons. Envolve tam-
bém o seu reconhecimento, discriminação, localização da fonte
sonora e percepção de figura-fundo (IERVOLINO e cols., 1996).
O tipo, grau e configuração, assim como a uni ou bilateralidade
da perda auditiva irão influenciar a percepção que o indivíduo tem
de seu problema.
É importante esclarecer que o audiograma sozinho não reflete
todas as limitações impostas pela deficiência auditiva. Conhecer
o indivíduo, suas atividades, forma de vida pessoal, social e
ocupacional e assim, associar as queixas relatadas com o que
podemos inferir clinicamente do audiograma trará um maior
esclarecimento das dificuldades vividas.
Nem sempre é fácil convencer de que o aparelho auditivo pode
ser a melhor, senão a única, ajuda que o indivíduo deficiente
auditivo pode ter para restabelecer sua habilidade auditiva.
Explicar o problema e suas implicações de maneira simples,
delicada, de forma clara e precisa só pode contribuir para a
conscientização, compreensão e aceitação do problema que
envolve o indivíduo.
Aconselhamento em Audiologia 599

O aparelho auditivo
É sempre conveniente perguntar ao indivíduo deficiente audi-
tivo se ele sabe o que é ou se já viu um aparelho auditivo antes.
Assim pode-se não só entender o grau de seu desconhecimento,
como também responder à sua fantasia ou expectativa. Aparelhos
auditivos são para alguns equipamentos barulhentos, incômodos
e ineficientes. Para outros, são a solução para os seus problemas,
pois acham que vão ter sua audição normal restabelecida. Não se
deve iludir o paciente na tentativa de motivá-lo e sim fornecer
informações realistas, mostrando benefícios e também limita-
ções. É fundamental adequar a linguagem e a abrangência das
explicações de acordo com cada indivíduo.
Não é necessário usar terminologia técnica, mas em linhas
gerais, o indivíduo precisa saber o que é um aparelho auditivo,
seus componentes e funções básicas. Deverá ser orientado
quanto aos modelos existentes e possíveis de uso para o seu
caso, discutir suas vantagens, desvantagens e indicação clínica.
Um dado importante, será o de esclarecer que o aparelho
auditivo é apenas uma ajuda externa e, desde que corretamente
indicado, não influenciará ou modificará a perda auditiva. Em
outras palavras, ele não tem função de cura nem será responsável
pela estabilização ou piora da audição. Além disto, embora o
aparelho auditivo seja uma grande ajuda, não significa que ele
possa proporcionar ao indivíduo “ouvir com a naturalidade de
antes”.
Desta forma, o aparelho auditivo tem por função básica
amplificar os sons para que eles possam ser ouvidos de forma
confortável pelos indivíduos deficientes auditivos sem ter a pre-
tensão de substituir o desempenho e função natural do ouvido.
Ao aumentar a intensidade original do sons de fala haverá,
indiretamente, uma facilidade maior para a sua inteligibilidade. No
entanto, isto não significa corrigir os problemas associados à
diminuição da habilidade na discriminação auditiva característi-
cas de determinadas patologias da audição.
É prudente esclarecer ao indivíduo que, apesar dos aparelhos
auditivos serem todos muito parecidos externamente, existe gran-
de diferença interna nos seus componentes, que existem ainda
regulagens para adaptar a problemas determinados e que o seu
desempenho vai variar dependendo do ambiente em que é
utilizado. São muitos os problemas e dificuldades comuns relata-
dos e enfrentados na vida diária pelos usuários de aparelho
auditivo: compreensão da fala em ambientes ruidoso ou com mais
de um interlocutor, uso de telefone, grande distância da fonte
sonora, ambientes amplos e com acústica inadequada, entre
outras.
Em todo caso, é preciso explicar com clareza a natureza e
extensão do seu problema, dando uma estimativa do aproveita-
mento auditivo e do benefício esperado com o uso do aparelho
600 Fonoaudiologia Prática

auditivo nas diversas situações da vida diária. Isso significa definir


as possibilidades e limitações do uso do aparelho auditivo nas
situações de comunicação.

Uso efetivo do aparelho auditivo


Existem várias formas de se orientar o novo usuário de
aparelho auditivo. Pode-se solicitar que o uso inicial do aparelho
seja feito por apenas algumas horas em ambiente silencioso,
aumentando-se gradativamente o número de horas e, conforme
sua adaptação e familiarização, aumenta-se também o grau de
dificuldade e ruído a que se é exposto. Uma outra forma de
abordagem, é a de solicitar que o seu uso seja o mais prolongado
possível, inicialmente somente em lugares silenciosos, aumen-
tando gradativamente a exposição a ruído e a situações de maior
dificuldade ou estresse, tirando-se o aparelho somente por razão
de desconforto ou cansaço. Novos usuários de aparelho auditivo
podem também ser orientados a iniciarem seu uso deixando o
volume do aparelho auditivo numa intensidade mais suave e ir aos
poucos aumentando para uma intensidade mais alta e eficiente.
Pode-se encorajar o sujeito a comparar determinadas situações
com e sem o uso do aparelho auditivo. Nem sempre é uma tarefa
fácil, mas isto pode ser um importante parâmetro de comparação
e motivação.
Segundo PASCOE (1995), embora todas as abordagens ante-
riormente mencionadas sejam normalmente recomendadas, não
existem dados que comprovem que uma delas seja a melhor
forma de adaptação. A solução mais sensata talvez seja a de
discutir algumas estratégias com o próprio paciente, ou mesmo,
utilizar-se de uma composição delas diante das necessidades, da
personalidade e tipo de vida do sujeito em questão e, inclusive da
aceitação e sensação inicial do uso da amplificação.
Em parte é verdade que, com o tempo, o usuário irá natural-
mente se reacostumando com os pequenos ruídos do dia a dia,
assim como com seu novo padrão de audição. No entanto, este
processo natural é limitado e deverá ser reforçado com orienta-
ções quanto à detecção e conscientização das situações de maior
dificuldade e quanto às melhores estratégias para superá-las.

Manuseio do aparelho auditivo


O usuário de aparelho auditivo deverá ter uma breve descrição
de cada um dos controles externos do aparelho auditivo e forma
correta de manuseio. Nem todos os aparelhos são iguais, mas em
geral é possível encontrarmos alguns ou todos os seguintes
controles externos: volume, chave liga-desliga, telefone, tonalida-
de e o compartimento de pilha.
Devemos encorajar e facilitar o seu manuseio. Treinar sua
remoção e inserção, assim como a variação da intensidade do
volume dependendo do ambiente e situação comunicativa para
Aconselhamento em Audiologia 601

que o indivíduo vá progressivamente sentindo e reconhecendo o


que chamamos de volume de conforto.
É preciso orientar quanto à possibilidade e melhor forma de se
usar o telefone, seja através do uso da bobina telefônica ou
diretamente no microfone do aparelho auditivo. Em qualquer
situação, é provável que sempre existam dificuldades iniciais de
ajuste. Serão necessários tempo para acostumar-se à nova forma
de utilização e qualidade de som, assim como treino para se
encontrar o ponto de melhor amplificação.
As pilhas são a fonte de energia e de bom funcionamento do
aparelho. Dependendo do tipo e modelo de aparelho utilizado
serão utilizadas pilhas de diferentes tamanhos, cujos códigos são
padronizados e internacionais. Sua duração vai depender do tipo
e potência de aparelho, do número de horas e volume usado. A
orientação deverá estar direcionada para a pilha correta a ser
utilizada, média de duração, importância de trocas periódicas e
armazenamento.

Cuidados e manutenção
Com o aparelho auditivo
A durabilidade de um aparelho auditivo depende, como qual-
quer outro aparelho eletrônico, dos cuidados diários de manuten-
ção. Segundo SHIMON (1992), a vida útil desses aparelhos deveria
ser, em média, de 5 anos.
Cabe aqui ressaltar que a necessidade de mudança de
aparelho auditivo não depende somente de sua vida útil. O
indivíduo deficiente auditivo deve ser orientado de que trocas
poderão ser necessárias caso surjam mudanças no grau, configu-
ração da perda auditiva, ou por novos achados audiológicos.
Neste caso, poderá ser colocada em questão a eficiência do
aparelho auditivo em uso e ser determinada a sua troca, mesmo
que esteja em condições técnicas satisfatórias.
Para a manutenção de um padrão e qualidade de uso, as
recomendações mínimas são as seguintes:
• guardá-lo sempre em local apropriado;
• não expô-lo desnecessariamente à poeira, umidade ou calor
excessivos;
• não usar sprays ou produtos químicos;
• limpá-lo diariamente com um lenço ou pano seco;
• evitar quedas ou batidas;
• não molhá-lo;
• usar somente pilhas adequadas ao tipo e modelo de apare-
lho e, quando fora de uso por tempo prolongado, retirar a
pilha;
• solicitar limpeza e revisões técnicas periodicamente.
Com o tempo, o paciente irá familiarizar-se com as caracterís-
ticas de funcionamento normal e deverá aprender a verificar
diariamente o funcionamento de seu aparelho auditivo.
602 Fonoaudiologia Prática

Com o molde
O molde deverá ser refeito periodicamente, sempre que
surgirem sinais de desgaste, deterioração do material ou modifi-
cações no pavilhão auricular, causando em geral retroalimentação.
No caso de aparelhos tipo retroauricular, é preciso orientar
quanto à importância da integridade, transparência e flexibilidade
do tubinho plástico, e que portanto, na ocorrência de qualquer
modificação de suas características deverá ser trocado. Quanto à
limpeza diária e/ou periódica do molde propriamente dito, deverá
ser limpo diariamente com um lenço de papel para ser retirado o
excesso de gordura e cerúmen nele depositado. Além disso, deve
ser lavado periodicamente com água e sabão neutro, tomando-se
o cuidado de secá-lo totalmente interna e externamente.
Os aparelhos intra-auricular ou intracanal são montados den-
tro do próprio molde, por isso não podem ser lavados. No caso de
acúmulo de cerúmen no orifício de saída do som, a limpeza deverá
proceder segundo a indicação do fabricante ou realizada pelo
técnico especializado.
Em nenhum caso deve-se passar produtos químicos, de
limpeza ou desinfetantes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Segundo M CCARTHY (1987), o sucesso para o perfeito ajuste


do indivíduo ao seu aparelho auditivo está na orientação que lhe
é dada. Mesmo que a escolha do aparelho auditivo seja acustica-
mente perfeita, se a orientação for inadequada, existe uma grande
possibilidade de ele ser rejeitado.
Durante o processo de seleção e adaptação de aparelhos
auditivos, o aconselhamento é imprescindível para o aproveita-
mento e uso efetivo dos mesmos.
Independentemente do tempo que o paciente ficará em acom-
panhamento com o fonoaudiólogo, algumas metas devem ser
cumpridas. É necessário que o paciente tenha a compreensão do
que é a deficiência auditiva e consciência de seus efeitos. Ele deve
compreender quais são as variáveis da comunicação para poder
identificar as suas dificuldades específicas e ter consciência de
comportamentos compensatórios, explorando estratégias alter-
nativas. Além disso, deve ter claro não só os cuidados, uso e
manuseio, mas também a função do aparelho auditivo, suas
possibilidades, benefícios e limitações, além de saber manuseá-
lo e mantê-lo em bom estado. Faz parte deste processo o
encaminhamento, quando necessário, para outros profissionais,
assim como a orientação para utilização de acessórios, equipa-
mentos e sistemas auxiliares de audição. É importante que o
fonoaudiólogo conheça os equipamentos disponíveis no mercado
para que possa sugerir aquele que possibilite minimizar as dificul-
dades e necessidades existentes.
Aconselhamento em Audiologia 603

Se terminado o trabalho de seleção e estas metas não foram


totalmente atingidas porque não houve tempo hábil para isto ou,
embora atingidas o paciente ainda apresente dificuldades espe-
cíficas, ele deve ser encaminhado para um trabalho de reabilita-
ção mais dirigido e sistemático.
O trabalho terapêutico com crianças deficientes auditivas é
bem-definido e tem sua clara importância. Mas, como refere
BOÈCHAT (1992), nunca se deu ênfase aos adultos como é dada
às crianças. A preocupação maior é com “fazer ouvir e fazer falar”
e não no “manter o ouvir e manter o falar”.
Muitas vezes o adulto com perda auditiva adquirida necessita
também de um trabalho mais formal de leitura orofacial, treina-
mento auditivo, para uso de pistas e estratégias de comunicação
e/ou desenvolvimento de outras habilidades necessárias para
maior adaptação e melhor desempenho comunicativo.
O acompanhamento terapêutico caracteriza-se também por
um trabalho mais a longo prazo e para isto, existem algumas
dificuldades para sua realização. Devemos lembrar que em
nosso sistema público de saúde são escassos os serviços
gratuitos para o atendimento de deficientes auditivos em geral
e praticamente inexistentes para o deficiente auditivo adulto. Os
serviços particulares que oferecem este tipo de trabalho normal-
mente são subutilizados. Por um lado existe a desinformação e
desinteresse de muitos profissionais e por outro, o desconheci-
mento, o preconceito, a não-aceitação e dificuldades financei-
ras do paciente.
De qualquer forma, é necessário enfatizar que todo paciente
merece atenção e disponibilidade do profissional que deverá
procurar prevenir e detectar problemas, ajudar a encontrar cami-
nhos e soluções, orientar e prover os recursos necessários e
disponíveis. Através de uma reabilitação audiológica bem-sucedi-
da é possível propiciar uma melhor qualidade de vida ao deficiente
auditivo, mesmo sabendo das limitações que uma perda auditiva
pode acarretar.

Leitura recomendada
BOÈCHAT, E.M. – Ouvir Sob o Prisma da Estratégia. Tese de Mestrado
– Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1992.
CLARK, J.G. – Understanding, building, and maintaining relationships
with patients. In: GEER, C.J. & McCARTHY, P.A. Rehabilitative
Audiology: Children and Adults. 2ª ed. Baltimore, Williams & Wilkins,
1993. pp. 18-37.
ERDMAN, S.A. – Counseling hearing impaired adults. In: ALPINER, J.G.
& McCARTHY, P.A. Rehabilitative Audiology: Children and Adults.
2ª ed. Baltimore, Williams & Wilkins, 1993. pp. 374-413.
GARSTECKI, D.C. – Hearing aid acceptance in adults. In: GEER, C.J. &
MARTIN, F.N. Effective Counseling in Audiology: Perspectives and
Practice. Englewood Clifts, Prentice Hall, 1994. pp. 210-245.
604 Fonoaudiologia Prática

HODGSON, W.R. – O aconselhamento e a orientação da prótese


auditiva. In: KATZ, J. Tratado de Audiologia Clínica . São Paulo,
Editora Manole, 1989. pp. 963-973.
HULL, R. H. – The impact of hearing loss on older persons: a dialogue.
In: HULL, R.H. Aural Rehabilitation. 2ª ed. San Diego, Singular
Publishing Group, 1992. pp. 247-256.
IERVOLINO, S.M.S.; SOUSA, M.C.F.; ALMEIDA, K. – O processo de
orientação ao usuário de próteses auditivas. In: ALMEIDA, K. &
IORIO, M.C.M. Próteses Auditivas: Fundamentos Teóricos & Aplica-
ções Clínicas. São Paulo, Editora Lovise, 1996. pp. 191-204.
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de Audiologia Clínica. São Paulo, Editora Manole, 1989. pp. 974-985.
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NORTHERN, J.L. & DOWNS, M.P. – Hearing in Children. 4ª ed. Baltimore,
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RUSSO, I.C.P. – Uso de Próteses Auditivas em Idosos Portadores de
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THOMPSON, M.E. – Aging, hearing loss, and hearing aids: myths
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e 20
Avaliação e Terapia de Voz 605

Terapia
Fonoaudiológica
606 Fonoaudiologia Prática
Avaliação e Terapia de Voz 607

27
Avaliação e Terapia de Voz

Mara Behlau; Sandra Rodrigues; Renata Azevedo;


Maria Inês Gonçalves; Paulo Pontes

CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO ETIOLÓGICA


DAS DISFONIAS

Conceituar a voz humana é uma das tarefas mais difíceis que


existe. Se, por um lado, podemos dizer simplesmente que a voz
é o resultado da sonorização do ar pulmonar através da vibração
das pregas vocais e de sua passagem pelas cavidades de
ressonância, por outro lado tal explicação mecânica nem sequer
abarca o fato de que nossa voz é um produto absolutamente
individual e único. A voz humana é uma das extensões mais fortes
da nossa personalidade e provavelmente nosso produto mais
altruísta. Falamos para que nos ouçam e falar sozinho é conside-
rado sinal de insanidade mental. A voz falada existe porque existe
o outro, enquanto a voz cantada, no cantar sozinho, já pode ser
usada com fins de prazer pessoal.
Assim, a voz humana é um produto duplo, da laringe e da
personalidade. Enquanto a audição é essencialmente uma função
sensorioneural, a voz, por outro lado, depende fundamentalmente
da atividade muscular de todos os músculos que servem à
produção da voz, além da integridade de todos os tecidos do
aparelho fonador. Quando essa harmonia é mantida, obtemos um
som durável, de boa qualidade para o ouvinte e emitido sem
dificuldade ou desconforto para o falante, o que é chamado de
eufonia. Esse som se modifica de acordo com a situação e o
608 Fonoaudiologia Prática

contexto da comunicação, habilidade esta que reflete a condição


de saúde vocal do falante. Em oposição, quando a voz produzida
não é harmônica, é obtida com esforço e sem a possibilidade de
variação de seus atributos, estamos diante de uma desordem da
voz, chamada de disfonia.
Desta forma, entende-se a disfonia como um distúrbio de
comunicação, no qual a voz não consegue cumprir o seu papel
básico de transmissão da mensagem verbal e emocional de um
indivíduo. Uma disfonia representa qualquer dificuldade na emis-
são vocal que impeça a produção natural da voz (BEHLAU &
PONTES, 1995a). Tal dificuldade pode-se manifestar através de
uma série ilimitada de alterações, como: esforço à emissão,
dificuldade em manter a voz, variação na qualidade vocal, cansa-
ço ao falar, variações na freqüência fundamental habitual ou na
intensidade, rouquidão, falta de volume e projeção, perda da
eficiência vocal e pouca resistência ao falar, entre outras.
A disfonia, na verdade, é apenas um sintoma presente em
vários e diferentes distúrbios, ora se apresentando como sintoma
secundário, ora como principal. Por exemplo, a voz rouca da
disfonia por nódulos vocais (popularmente conhecidos como
“calos nas cordas vocais”) é o sintoma principal mais importante
dessa lesão, por outro lado, a disfonia por doença de Parkinson é
apenas um sintoma secundário, inserido num quadro muito maior,
que é o quadro neurológico da própria doença de Parkinson.
O processo de desenvolvimento de uma disfonia tem sido
objeto de diferentes propostas de classificação da mesma, de
acordo com a formação do autor e seus objetivos. Contudo, a
classificação mais comumente utilizada é a que divide as disfonias
em orgânicas e funcionais. Tradicionalmente tem se considerado
uma disfonia como funcional quando o paciente apresenta queixa
vocal sem lesão observável nos exames de rotina; por outro lado,
as disfonias têm sido denominadas orgânicas quando se encontra
uma lesão observável na laringe. De início, duas fortes críticas
podem ser feitas a essa definição: em primeiro lugar, trata-se de
uma definição semanticamente baseada numa negação – ausên-
cia de lesão observável; em segundo lugar, o diagnóstico depen-
de da precisão e da especificidade do método semiológico empre-
gado. Assim, BEHLAU & PONTES (1990a), para reduzir a limitação
imposta por essas considerações, definem a disfonia como sendo
funcional, quando a alteração vocal decorre do próprio uso da voz,
ou de conflitos gerados nos valores inerentes à voz; em outras
palavras, a disfonia funcional advém de um distúrbio da função de
fonação, do comportamento vocal do indivíduo. Os mecanismos
causais envolvidos no disparo de uma disfonia funcional perten-
cem a três diferentes aspectos, que podem atuar de modo isolado
ou combinado, a saber: uso incorreto da voz, inadaptações vocais
e alterações psicogênicas. Por outro lado, os autores consideram
uma disfonia como orgânica, quando suas causas residem em
outras alterações, independentemente do uso da voz. Em duas
Avaliação e Terapia de Voz 609

frases, podemos dizer que o uso da voz é causa na disfonia


funcional, mas não na orgânica.
Com objetivo didático e assumindo a distorção científica de se
propor a etiologia de um sintoma, BEHLAU & PONTES (1995a)
propõem classificar as disfonias em três categorias:

1. Disfonias funcionais.
2. Disfonias organofuncionais.
3. Disfonias orgânicas.

1. Disfonias funcionais
As disfonias funcionais são, por excelência, o campo de
domínio do fonoaudiólogo, onde se tem mais condição de atuação
e reabilitação do paciente, dependendo quase que exclusivamen-
te do trabalho vocal realizado. As disfonias funcionais represen-
tam, na verdade, disfonias do comportamento vocal, ou seja, no
processo de emissão vocal que decorre do próprio uso da voz, isto
é, da “função de fonação”.
A compreensão de que essas disfonias dependem do compor-
tamento vocal do paciente nos remete ao conceito de que a voz é
um comportamento adquirido como qualquer outro e, portanto,
passível de novas regras de aprendizagem.
Embora a fonação seja uma função neurofisiológica inata, a
voz é o resultado de vida de cada indivíduo e grande parte desse
processo é realizado por imitação de padrões e por desejo de
comunicação.
Portanto, as disfonias funcionais são as alterações no proces-
so de emissão vocal que decorrem do uso da própria voz, isto é,
da função de fonação da laringe.
A disfonia funcional por uso incorreto da voz é geralmente
favorecida pela falta de conhecimento sobre a produção vocal,
pela ausência de noções básicas sobre a voz e as possibilidades
do aparelho fonador – o que pode levar o indivíduo a selecionar
ajustes motores impróprios a uma produção normal de voz.
Convém lembrar que, noções, tais como inspirar antes de falar,
articular corretamente e com a boca aberta, não competir com
ruído de fundo e usar roupas confortáveis, principalmente na
região do pescoço e do tórax, são conhecimentos muito simples
de nossa parte, mas o paciente não é um especialista em
comunicação e necessita ser suficientemente orientado.
Falar é um atributo natural de nossa espécie, e o uso incorreto
representa simples desvios do processo básico de produção
natural da voz. As alterações mais encontradas abrangem os
níveis respiratório, glótico e ressonantal.
As disfonias funcionais devido às inadaptações vocais têm
recebido de nosso grupo uma atenção bastante especial, pois são
de difícil enquadramento, considerando-se que uma laringe nor-
mal, simétrica e estável, tanto na função respiratória quanto na
610 Fonoaudiologia Prática

fonatória, é apenas uma referência encontrada nos desenhos


anatômicos e idealizada em nossas imagens mentais (CASPER e
cols., 1987). A experiência dos avaliadores e a interação dos
achados visuais e auditivos são fundamentais para a validação de
um diagnóstico diferencial entre variabilidade de laringe normal ou
inadaptação fônica. Tal decisão é vital do ponto de vista de
resistência vocal, do momento em que tratos vocais inadaptados
apresentam maior possibilidade de desenvolvimento posterior de
uma disfonia.
As inadaptações vocais são bastante comuns e baseiam-se
no fato de que não existe nenhum órgão ou aparelho especifica-
mente desenvolvido para a fonação – como é o pulmão para a
respiração, o estômago para a digestão, os rins para a depuração,
etc.; assim, a espécie humana teve que adaptar várias estruturas
– o aparelho fonador – para desenvolver essa função. A fonação
é, portanto, uma função superposta, de recente aquisição
filogenética e suscetível de apresentar uma série de inadaptações,
apesar dos órgãos estarem sadios e aptos para as funções
primárias. Neste caso, ocorre o que é chamado de “inadaptação
vocal” (Figs. 27.1 e 27.2).
Tais inadaptações podem estar restritas a um sistema, tanto
do ponto de vista anatômico como funcional, mas podem envolver
várias regiões ou estruturas. Dessa forma, podemos ter ina-
daptações vocais por inadaptação respiratória, fônica, ressonantal
ou da integração de dois desses sistemas. Desde que o clínico
esteja sintonizado para identificá-las, as inadaptações são fre-
qüentes e sua conseqüência mais comum é a fadiga vocal, se o
indivíduo passar a solicitar sua voz de modo intensivo ou profis-
sionalmente.

FIGURA 27.1 – Imagem de laringe simétrica, onde se observa que a metade direita da laringe é
aproximadamente a imagem especular da metade esquerda.
Avaliação e Terapia de Voz 611

FIGURA 27.2 – Imagem de assimetria laríngea, onde se observa que as hemilaringes são diferentes
entre si, o que revela uma inadaptação vocal.

A inadaptação laríngea é a que mais nos interessa pelo seu


impacto à fonação, sendo também a mais comum pelo fato de a
fonação ser uma função superposta e de recente aquisição
filogenética e, portanto, passível de uma série de desajustes.
Assim, nas inadaptações vocais, observamos discretas alte-
rações que comprometem apenas a função de produção vocal,
embora a execução das outras funções primárias desses ór-
gãos estejam perfeitas, como a respiração, a deglutição, a tosse
e o mecanismo de esfíncter laríngeo. Como exemplos, temos as
assimetrias de pregas vocais, os desvios na proporção glótica,
que se configuram nas fendas, as lesões na cobertura das
pregas vocais, os desequilíbrios entre o tamanho da laringe e as
caixas de ressonância, entre outros. O estudo das inadaptações
vocais constitui-se numa verdadeira interface entre as disfonias
funcionais, organofuncionais e orgânicas, onde se constata a
complexidade das relações entre as funções laríngea, fonatória
e vocal.
As alterações psicogênicas são responsáveis pelo apareci-
mento de um contingente bastante grande de disfonias funcionais.
É uma observação simples comprovarmos a influência de nossas
emoções em nossa voz, embora o processo de interferência seja
bastante complexo. Da mesma forma, é fácil compreendermos a
participação dos fatores psicológicos na produção de uma disfonia,
quando lembramos que a voz é o principal meio de comunicação
interpessoal em todas as sociedades e um desvio nesse processo
repercute na estrutura psicológica do indivíduo e vice-versa.
Comunicar emoções é um dos eventos mais importantes do
ser humano, a base de nossa sobrevivência psicológica e social,
e nossa voz é o seu principal portador.
612 Fonoaudiologia Prática

Esse contingente importante de disfonias funcionais recebe


o nome de disfonias psicogênicas e, embora a dinâmica psicofi-
siológica da emoção possa ser explicada por inúmeras teorias,
as relações entre esses processos e a voz ainda não estão bem
esclarecidas (BEHLAU & PONTES, 1992). Apesar disso, há qua-
dros típicos de disfonias psicogênicas que podem ser classifica-
das didaticamente em cinco tipos: afonia de conversão – em fala
articulada ou fonação sussurrada, uso divergente de registros,
falsete de conversão, sonoridade intermitente e espasmos de
abdução intermitentes. Podemos ainda incluir como quadros
típicos bem-definidos, a fonação de pregas vestibulares e o
registro basal de conversão. Cada um desses tipos apresenta
suas peculiaridades, e gostaríamos de ressaltar que nessa
categoria, o exame laringológico oferece poucos dados. É
surpreendente a comparação entre a pobreza dos achados ORL
e a riqueza de todos os dados de anamnese e da avaliação
fonoaudiológica desses pacientes. Assim, na avaliação dos
pacientes com disfonia funcional, o exame otorrinolaringológico
geralmente não evidencia alterações nas estruturas e nos
movimentos das pregas vocais, sendo inclusive muito freqüente
o paciente possuir um laudo de “exame normal”. Obviamente,
existe uma nítida discrepância entre a queixa, a qualidade vocal
observada e o exame laringológico, porém, convém ressaltar
que uma lesão laríngea qualquer não exclui um componente
conversivo associado.

2. Disfonias organofuncionais
Na maioria dos casos, uma disfonia organofuncional é uma
disfonia funcional diagnosticada tardiamente, ou por atraso na
busca da solução do problema pelo próprio paciente ou pelo
não-reconhecimento da potencialidade de se desenvolver uma
lesão secundária. O objetivo primário do tratamento é promover
a reabsorção da lesão, corrigindo o desvio funcional, do momen-
to em que se reconhece como causa primária a alteração no
comportamento vocal. Nesta categoria é essencial a integração
ORL-FONO, porque em determinados casos deve-se definir a
conduta cirúrgica e é básica a troca de informações entre esses
profissionais.
Existe uma lista extensa de critérios que podem ser conside-
rados para auxiliar a definir essa conduta, sendo que o primeiro é,
sem dúvida, como está configurada a equipe de atendimento ao
paciente.
Existe uma série de lesões que podem ser consideradas
como decorrentes do uso inadequado ou abusivo da voz, dentre
as quais a mais comum é o chamado nódulo vocal.
O nódulo vocal se apresenta como uma lesão de massa em
ambas as pregas vocais (lesão nodular) de aparência simétrica
ou não, de relevo edematoso ou puntiforme, que geralmente
Avaliação e Terapia de Voz 613

ocorre em crianças de ambos os sexos, com pico na faixa etária


de 7 a 9 anos, ou mulheres jovens de 25 a 35 anos, sendo o
resultado de uma predisposição anátomo-funcional (Fig. 27.3).
Nódulos são lesões típicas de fonotrauma mecânico. Quanto ao
seu tratamento, as opções básicas são reabilitação vocal e
remoção cirúrgica. Os relatos na literatura de reabsorção de
nódulos através de reabilitação vocal ocorrem sempre nos
serviços com equipes multiprofissionais, assim como os relatos
de cirurgia ocorrem em centros médicos que não contam com
recursos ou tradição na área de reabilitação. Sabe-se também,
que a chance de recidiva da lesão é grande, se o comportamen-
to vocal não for modificado. Na verdade, a reabsorção dos
nódulos depende da qualidade da reabilitação vocal ministrada,
da dedicação do paciente aos exercícios propostos e à execu-
ção das alterações do comportamento vocal sugeridas. Nódulos
com fenda triangular medioposterior têm evolução em fonoterapia
mais favorável do que nódulos sem fenda, apesar desses
últimos serem geralmente de tamanho menor. Especificamente
quanto aos nódulos, “tamanho não é documento” e os enormes
nódulos infantis podem ser rapidamente reabsorvidos, como os
nódulos edematosos com fenda; ao contrário, os nódulos
puntiformes observados em vozes profissionais agudas (sopra-
nos) podem não ter nenhum impacto vocal e não regridem com
fonoterapia e, finalmente, alguns pequenos nódulos sem fenda
deverão ser submetidos à cirurgia antes da fonoterapia. A
relação entre o tempo previsto de terapia e o tempo disponível
pelo paciente é outro fator que pode influenciar na opção
cirúrgica.

FIGURA 27.3 – Imagem da laringe. Nódulos bilaterais de pregas vocais com fenda glótica.
614 Fonoaudiologia Prática

Outras lesões apontadas como conseqüência de um compor-


tamento vocal alterado são os pólipos (Fig. 27.4) e o edema de
Reinke (Fig. 27.5).
O pólipo é uma lesão exofítica, geralmente única, que atinge
mais os indivíduos do sexo masculino e mais raramente mulhe-
res e crianças, como resultado de uso inadequado ou abusivo
de voz, associado a outros fatores irritativos, tais como o
tabagismo (Fig. 27.4). É de conhecimento comum que nódulos
têm maior probabilidade de reabsorção que pólipos. A reabsor-
ção dos pólipos através da reabilitação vocal é muito limitada,
observando-se resultados positivos apenas em lesões menores
e sem características angiomatosas. Além disso, temos que
considerar que podemos encontrar ou não fatores relacionados
ao comportamento vocal na gênese de um pólipo e que elemen-
tos vasculares indicam uma alteração irritativa que atingiu as

FIGURA 27.4 – Imagem da laringe. Pólipo de prega vocal direita.

FIGURA 27.5 – Imagem da laringe. Edema de Reinke bilateral.


Avaliação e Terapia de Voz 615

camadas profundas na lâmina própria, com menores possibili-


dades de involução.
Quanto aos edemas de Reinke, sabidamente resultado da
agressão do cigarro associada ao mau uso de voz, até recente-
mente a cirurgia era o único tratamento indicado para esses
pacientes (Fig. 27.5). Nos últimos cinco anos temos submetidos
os pacientes com edema de Reinke, sem alterações displásicas
ou degeneração polipóide, à reabilitação vocal, com resultados,
se não admiráveis, no mínimo satisfatórios. Freqüentemente, um
indivíduo com edema de Reinke não quer mudar sua qualidade
vocal, pois a psicodinâmica associada a uma voz grave em
fonação fluida é a sensualidade, charme e sedução, o que é
considerado positivo para ambos os sexos.
As dificuldades começam quando a restrição respiratória
limita o paciente em seu dia-a-dia, ou quando as mulheres passam
a ser confundidas com homens ao telefone, devido ao desloca-
mento da freqüência fundamental para as regiões graves da
tessitura, em função da massa do edema. O processo de reabsor-
ção é lento e, do momento em que o paciente sente-se bem com
sua voz, passamos apenas a realizar o acompanhamento perió-
dico. No caso de pacientes fumantes, é mandatória a interrupção
do fumo para adequada evolução do caso.
Situações particulares podem ocorrer quando não é possível
realizar um diagnóstico preciso, ou seja, o quadro é maldefinido,
apesar de terem sido utilizados todos os recursos da semiologia.
Como exemplos, podemos citar um caso de hipótese diagnóstica
dúbia entre nódulo e cisto de prega vocal; apesar de os cistos
apresentarem características vocais bastante peculiares, pode ha-
ver indefinição entre esses dois tipos de lesão e somente após a
avaliação do andamento da fonoterapia, aqui realizada como prova
terapêutica, será possível definir melhor a alteração observada.

3. Disfonias orgânicas
Não existe tradição de atendimento fonoaudiológico no campo
das disfonias orgânicas, porém, é cada vez mais aceito o benefício
que dele resulta. Tais disfonias não advêm do comportamento vocal
em si, mas são o resultado de alterações independentes do uso da
voz, porém, com conseqüência direta sobre essa. Assim, tanto as
alterações vocais devido a quadros inflamatórios ou infecciosos
agudos, como gripes e laringites, como às alterações vocais por
carcinoma da laringe ou doenças neurológicas, como a doença de
Parkinson e a esclerose lateral amiotrófica são disfonias orgânicas.
As alterações vocais após cirurgias da laringe, as chamadas disfonias
do pós-operatório, são também disfonias orgânicas.
Desta forma, por exemplo, uma vez terminado o tratamento
médico para uma lesão orgânica, como uma leucoplasia, podem
permanecer alterações nas estruturas do trato vocal ou mesmo
nas funções musculares que exigem um processo de reabilitação.
616 Fonoaudiologia Prática

Nestes casos, e considerando-se que o output vocal alterado


não depende primariamente de fatores comportamentais, há
quatro objetivos básicos de atuação fonoaudiológica:

1. Maximizar o uso da voz do paciente na vigência da


alteração orgânica
Como exemplos do trabalho fonoaudiológico nesta categoria
podemos citar os casos de papilomatose laríngea, onde a
fonoterapia pode promover uma melhora na sonoridade glótica,
visando também a um padrão global de comunicação com melhor
inteligibilidade, através de um trabalho de sobrearticulação dos
sons da fala. Além disso, pode ser realizado um trabalho de
prevenção do desenvolvimento de gestos motores atípicos, como
fonação vicariante por voz de banda ou de produção ariepiglótica.

2. Desenvolver compensações por uso das estruturas


remanescentes
Nesta categoria, podemos incluir os casos de cordectomias ou
laringectomias parciais, que podem vir acompanhadas ou não de
reconstrução do espaço criado através de retalhos de musculatu-
ra e/ou pele. Desta forma, as estruturas remanescentes deverão
se desenvolver para auxiliar na produção de um som básico o
menos turbulento possível, além de evitar a aspiração de líquidos
ou alimentos (Fig. 27.6).

FIGURA 27.6 – Imagem da laringe após laringectomia parcial para remoção de carcinoma. Observe que
a fonte sonora deslocou-se da região glótica para a região supraglótica, através de constrição ântero-
posterior, com aproximação das cartilagens aritenóideas e da epiglote.

3. Desativar a tratopatia de adaptação


A tratopatia de adaptação foi nomeada por nós para desig-
nar um distúrbio funcional adquirido a partir de uma lesão
orgânica primária, na laringe ou em qualquer das estruturas que
compõem o trato vocal. Essa tratopatia representa uma altera-
Avaliação e Terapia de Voz 617

ção compensatória ou vicariante, desenvolvida na tentativa de


sobrepujar as limitações vocais decorrentes da disfonia orgâni-
ca primária.

4. Auxiliar o paciente a aceitar a nova voz


É importante reconhecer o valor de auxiliar o paciente a aceitar
a nova voz. A dificuldade de um indivíduo identificar-se com uma
voz diferente da que anteriormente o representava em suas
dimensões biológica, psicológica e sócio-emocional pode ser
grave a ponto de modificar sua maneira de se comunicar ou até
mesmo de restringir seu contato social ou profissional.
A ação do terapeuta, portanto, depende essencialmente da
compreensão da etiologia da disfonia e de suas manifestações
vocais o que faz com que a avaliação vocal tenha um papel básico
no atendimento do indivíduo disfônico.
É fácil compreender que o fato de as disfonias apresentarem
múltiplos fatores etiológicos, e uma complexidade de co-fatores
desencadeantes e agravantes exige uma avaliação multidisciplinar,
envolvendo a análise de diversos parâmetros e a utilização de
diferentes procedimentos de compreensão do problema. Assim, a
avaliação e o tratamento das disfonias é multidisciplinar por neces-
sidade da área e não por incompetência das profissões envolvidas.
Não apenas a avaliação, mas também o tratamento dos distúr-
bios vocais requer a integração de profissionais de áreas distintas,
porém correlatas. A equipe conta geralmente com a parceria do
médico otorrinolaringologista e do fonoaudiólogo, muitas vezes
acrescida pelo professor de técnica vocal. Podem também ser
incluídos profissionais de outras especialidades médicas, psicólo-
gos, assistentes sociais, físicos e engenheiros, para a avaliação
completa do paciente disfônico. De modo geral, ao otorrinolaringolo-
gista compete o diagnóstico médico e a definição da conduta do
caso, ao fonoaudiólogo compete o diagnóstico fonoaudiológico, a
avaliação do comportamento vocal e a reabilitação vocal e, final-
mente, ao professor de técnica vocal compete o desenvolvimento
artístico da voz profissional, quer seja falada ou cantada, assim
como a escolha do repertório adequado ao indivíduo. Porém,
organizações peculiares de certas equipes multidisciplinares po-
dem exigir diferentes atuações e responsabilidades.
Da integração entre as distintas áreas surge a necessidade da
colaboração entre esses profissionais e da padronização dos proce-
dimentos de avaliação, para a criação de uma linguagem comum a
todos, essencialmente à comunicação dos membros da equipe.

AVALIAÇÃO FONOAUDIOLÓGICA
A avaliação fonoaudiológica constitui-se da obtenção da his-
tória do distúrbio vocal e da avaliação do comportamento vocal
propriamente dita, que pode empregar métodos subjetivos ou
objetivos.
618 Fonoaudiologia Prática

História do distúrbio vocal – anamnese


específica
A avaliação dos distúrbios da voz inicia-se pela obtenção de
sua história, chamada de anamnese específica. A anamnese é
parte indispensável da avaliação dos distúrbios vocais e muitas
vezes decisiva no diagnóstico diferencial das disfonias. Comu-
mente composta por uma entrevista aberta e por um questionário
formal específico, a anamnese assume diferentes formas de
acordo com a situação de avaliação e conforme a queixa apresen-
tada pelo paciente, podendo ser mais informal em um consultório
ou mais rígida e sob a forma de protocolo em um serviço hospita-
lar, onde os dados serão usados por diferentes profissionais e
submetidos à análise computadorizada. A obtenção da história da
disfonia exige do avaliador duas habilidades distintas: a habilida-
de de conduzir uma entrevista, criando um canal de comunicação
com o paciente para obter as informações necessárias e a
habilidade de interpretar tais informações, com base lógica e
conhecimento prévio.
Considerando o primeiro aspecto da anamnese – a habilida-
de de conduzir uma entrevista, BERNSTEIN & B ERNSTEIN (1985)
identificaram as seguintes responsabilidades do entrevistador:
1. conduzir a entrevista; 2. não inibir ou intimidar o paciente com
excesso de controle ou rigidez; 3. manter o foco da entrevista –
a história da disfonia e quaisquer informações relacionadas; 4.
ser flexível e sensível às emoções do paciente, expressas
verbal e não-verbalmente; 5. não expressar impressões ou
julgamentos pessoais sobre as informações obtidas; 6. manter-
se aberto e receptivo, mesmo quando o paciente for hostil ou
não-cooperante; e 7. usar uma linguagem adequada às neces-
sidades individuais do paciente, sem ser simplória ou rebuscada
demais.
É responsabilidade do avaliador informar corretamente o
resultado dos procedimentos realizados com o paciente, assim
como explicar a conduta, os possíveis resultados e as opções de
tratamento. O paciente tem o direito de saber o que se passa e,
para isso, o avaliador deve oferecer informações adequadas e
fiéis, sem distorções que favoreçam o seu exercício profissional.
Um questionário para a avaliação fonoaudiológica de um
indivíduo com disfonia deve conter pelo menos os seguintes
itens: identificação; queixa e duração e história pregressa da
disfonia.

Identificação
A avaliação de voz necessita antes de tudo, como em qualquer
prontuário clínico, de identificação pessoal. Nela ressaltamos,
além das informações demográficas básicas, a importância da
profissão e da ocorrência de outra atividade secundária em que se
empregue a voz.
Avaliação e Terapia de Voz 619

Queixa e duração
A queixa é o motivo da consulta. É por ela que a entrevista
inicia-se e muitas vezes, é ela que encerra grande parte das
informações necessárias. Ela revela o grau de conscientização do
paciente sobre sua alteração e expressa a habilidade em organi-
zar verbalmente a informação sobre a dificuldade atual e o tempo
de sua evolução. O clínico deve investigar não apenas o início da
queixa, mas como a disfonia se comporta, os principais sinais e
sintomas, consistência ou variabilidade desses sintomas e trata-
mentos anteriormente efetuados.

História pregressa da queixa


A história pregressa da queixa envolve todos os aspectos
da vida do indivíduo que podem estar relacionados ao início ou à
manutenção do problema e que, de certo modo, evidenciam ao clínico
as razões envolvidas no distúrbio da voz. São geralmente investiga-
dos os hábitos inadequados à saúde vocal, aspectos complemen-
tares de saúde geral, antecedentes pessoais e familiares de altera-
ções vocais ou de outros distúrbios da comunicação, assim como os
tratamentos já efetuados pelo paciente.

Hábitos
A investigação dos hábitos inadequados concentra-se em
dois aspectos distintos: os agressores externos, como o tabagis-
mo, o etilismo, o uso de drogas e as condições ambientais de uso
da voz e os agressores do próprio comportamento vocal – o abuso
e o mau uso de voz que possam levar ao fonotrauma.
Os hábitos vocais perniciosos apresentam-se sob diferen-
tes formas e raramente o paciente terá apenas um tipo de abuso ou
mau uso vocal. É mais freqüente haver uma combinação, ou seja,
o paciente que grita também fala excessivamente e com alta
velocidade. O grau de influência desses fatores sobre a voz é
bastante individual e deve ser pesquisado detalhadamente.

Investigação complementar
Na investigação complementar procura-se levantar uma série
de alterações que podem ter influenciado no estabelecimento do
quadro e podem estar contribuindo para a manutenção ou a
recorrência da disfonia. As principais alterações dizem respeito a
distúrbios alérgicos, faríngicos, bucais, nasais, otológicos, pulmo-
nares, digestivos, hormonais e neurovegetativos.

Antecedentes pessoais
Aqui são investigados estados mórbidos e tratamentos clíni-
cos ou cirúrgicos realizados anteriormente, quer estejam ou não
relacionados diretamente ao quadro vocal atual.
620 Fonoaudiologia Prática

Antecedentes familiares
A pesquisa dos antecedentes familiares pesquisa a ocorrên-
cia de distúrbios vocais em outros membros da família, podendo
evidenciar quadros familiares de inadaptações fônicas, altera-
ções estruturais mínimas ou malformações congênitas que fazem
com que membros de uma mesma família tenham um tipo de voz
semelhante. Outros distúrbios de comunicação na família (como
deficiência auditiva, por exemplo) também devem ser pesquisa-
dos, pois podem ser fatores desencadeantes do quadro vocal
apresentado pelo paciente.

Tratamentos anteriores
Não apenas os tipos de tratamentos já efetuados, mas tam-
bém os resultados obtidos devem ser investigados. No caso de
tratamentos fonaoudiológicos anteriormente realizados, pesqui-
sa-se a linha de trabalho, o tempo de tratamento, a motivação do
paciente e também os resultados obtidos.

AVALIAÇÃO COMPORTAMENTAL VOCAL


A avaliação do comportamento vocal tem por objetivo traçar o
perfil vocal do indivíduo, identificando e descrevendo os principais
parâmetros vocais e os desvios encontrados. A avaliação do com-
portamento vocal constitui o procedimento básico da rotina clínica.
O instrumento principal para esta avaliação é o ouvido humano e
uma série de medidas simples para se determinar a eficiência vocal.
Tal análise é conhecida por análise perceptiva auditiva da voz.

Análise perceptiva auditiva da voz


A análise perceptiva auditiva representa um dos procedimen-
tos subjetivos de avaliação da voz mais utilizados na rotina diária
desde os primórdios do tratamento das disfonias e constitui ainda
hoje um valioso instrumento de avaliação para o fonoaudiólogo.
Entretanto, dificuldades na padronização dos termos empregados
na análise perceptiva auditiva e o julgamento subjetivo de avalia-
dores não-treinados geram descrições ambíguas e inadequadas
(FEX, 1992; SONNINEN & HURME, 1992).
Com o objetivo de universalizar a avaliação da qualidade
vocal, o Comitê para testes da função fonatória da JAPAN SOCIETY
OF LOGOPEDICS AND PHONIATRICS (ISSHIKI e cols., 1969) propôs
uma escala para classificação e gradação das principais altera-
ções de qualidade vocal, a Escala GRBAS. Esta escala é compos-
ta de cinco tipos de alterações na qualidade vocal, cada uma com
quatro níveis de anormalidade da voz – discreto, moderado,
severo e extremo. A sigla GRBAS corresponde aos cinco tipos de
alteração vocal. São eles: G (grade), representando o grau geral
Avaliação e Terapia de Voz 621

da disfonia do paciente; R (rough) para rouquidão; B (breathy)


para a soprosidade; A (astheny) para a astenia vocal e S (strain)
para a tensão fonatória. Cada um desses principais parâmetros é
avaliado numa escala de quatro pontos, como ausente, discreto,
moderado e severo. Apesar de várias limitações, a escala japone-
sa representa uma importante tentativa de padronização da
avaliação perceptiva. Tentativas de adaptação da escala GRBAS
têm sido realizadas em nosso meio (RIBAS, 1994) no sentido de
avaliar o impacto social de uma disfonia através do cálculo de um
índice de disfonia (BEHLAU & PONTES, 1995b).
A qualidade vocal é, sem dúvida, o principal parâmetro da
análise perceptiva auditiva. A qualidade vocal representa o índice
mais completo dos atributos da emissão de um indivíduo, forne-
cendo informações sobre o padrão básico de emissão, bem como
sobre as dimensões biológica e psicológica e sócio-educacionais
do falante (BEHLAU & PONTES, 1995a). Qualidade vocal representa
hoje o que antes era conhecido como timbre, numa concepção
mais ampla que envolve dados anatômicos das estruturas que
compõem o aparelho fonador do uso que o indivíduo faz dessas
estruturas na emissão da voz.
As informações da dimensão biológica dizem respeito às ca-
racterísticas anatômicas e fisiológicas do indivíduo, como sexo,
idade, estrutura física geral e específica do aparelho fonador e
saúde geral. A dimensão biológica é, geralmente, a primeira dimen-
são que nos atinge auditivamente, e para cuja avaliação é necessá-
rio um trecho bastante pequeno da emissão individual do indivíduo.
A dimensão psicológica fornece informações sobre as ca-
racterísticas básicas de personalidade e sobre o estado emocio-
nal de um indivíduo no momento da emissão.
A dimensão socioeducacional refere-se a modelos vocais fami-
liares e sociais selecionados, a regionalismos e padrões vocais
característicos do extrato social ao qual o falante pertence.
Para a análise correta das dimensões psicológica e social
geralmente necessitamos de um maior tempo de emissão, porém,
sentimentos básicos como alegria, tristeza e indiferença podem
ser imediatamente reconhecidos, numa simples palavra, como
um eventual “bom dia”.
Da avaliação perceptiva da qualidade vocal de um indivíduo,
podemos analisar os seguintes parâmetros: tipo de voz; sistema
de ressonância; características da emissão; articulação e pronún-
cia; ritmo e velocidade de fala, além da resistência vocal, bem
como a sensação psicoacústica de freqüência – pitch e a sensa-
ção psicoacústica de intensidade – loudness.

Tipo de voz
O tipo de voz relaciona-se ao ajustes motores laríngeos e
ressonantais utilizados habitualmente pelo falante. Existem mais
de cinqüenta tipos de voz descritos na literatura (SONNINEN &
HURME, 1992), muitos dos quais são ambíguos ou imprecisos. Na
622 Fonoaudiologia Prática

clínica diária alguns tipos de voz aparecem com maior freqüência,


entre os quais estão a voz rouca, a voz soprosa, a voz áspera, a
voz comprimida e a voz bitonal.

Voz rouca
A voz rouca é a mais comum alteração vocal. É uma qualidade
vocal do tipo ruidosa, com altura e intensidade diminuídas e com
maior presença de ruído no sinal sonoro. Este tipo de voz está
geralmente relacionado a lesões orgânicas da laringe nas quais
há alteração do padrão vibratório da mucosa das pregas vocais,
como nódulos, pólipos, edemas ou mesmo neoplasias. É também
a voz típica da gripe.

Voz soprosa
Na voz soprosa há a presença de ar não-sonorizado durante a
emissão, representado por um ruído audível à fonação. Esta quali-
dade vocal está relacionada a disfonias hipocinéticas, quadros de
fadiga vocal, a certas inadaptações fônicas ou ainda a casos
neurológicos de paralisia vocal, miastenia gravis ou parkinsonismo.

Voz áspera
A voz áspera caracteriza-se por uma emissão rude e desagra-
dável, com grande esforço à fonação. Representa a rigidez da mucosa
das pregas vocais, comum em leucoplasias e retrações cicatriciais,
ou ainda em alterações estruturais mínimas do tipo sulco-estria.

Voz comprimida
É uma voz tensa e desagradável, caracterizada por vibração
restrita da mucosa das pregas vocais e contração exagerada do
vestíbulo laríngeo, tanto mediana como ântero-posterior.

Voz bitonal
A voz bitonal é caracterizada por dois diferentes sons com
qualidade vocal, altura e intensidade diversas. Ocorre em condi-
ções de diferença de nível, tensão ou tamanho entre as pregas
vocais, comuns nas paralisias do nervo laríngeo inferior, bem
como em irregularidades da mucosa da prega vocal, como a
depressão criada pelo sulco-estria.

Sistema de ressonância
O sistema de ressonância é o conjunto de elementos do
aparelho fonador que moldam e projetam o som no espaço. Este
conjunto de elementos é formado pelas caixas de ressonância, a
saber: pulmões, laringe, faringe, cavidade da boca, cavidade
nasal e seios paranasais.
Quando há equilíbrio da distribuição da ressonância nas
diferentes caixas de ressonância, diz-se que há uma voz de
ressonância difusa. Quando há o predomínio de determinada
Avaliação e Terapia de Voz 623

cavidade de ressonância cria-se um foco ressonantal, classifica-


do de acordo com a cavidade de ressonância reforçada: foco de
ressonância laringofaríngeo, foco de ressonância hipernasal, foco
hiponasal e finalmente, foco de ressonância oral.

Características da emissão
Além do tipo de voz e da ressonância, é necessário analisar
determinados aspectos da emissão, como o ataque vocal, o pitch
e a loudness.
O ataque vocal corresponde ao disparo inicial do som laríngeo,
havendo três opções: ataque vocal isocrônico; ataque vocal aspirado
e ataque vocal brusco. O ataque vocal isocrônico, também chamado
suave ou normal, ocorre quando não há nem tensão nem perda de ar
excessivas, havendo uma sincronia entre o disparo de vibração das
pregas vocais e o início da expiração do ar. O ataque vocal brusco
corresponde a uma forte adução das pregas vocais em toda a sua
extensão, gerando o aumento da pressão aérea subglótica e o
afastamento brusco das pregas vocais ao início da emissão. O ataque
vocal brusco é uma característica freqüente nas disfonias
hiperfuncionais. O ataque vocal aspirado ocorre por uma coaptação
insuficiente das pregas vocais, com conseqüente escape de ar ao
início da fonação. Este tipo de ataque é comum às disfonias
hipofuncionais, como nos casos de paralisia de prega vocal e aos
casos de fendas hiperfuncionais fusiformes com retração de mucosa.
Pitch é o termo utilizado para o correlato psicoacústico da
freqüência fundamental. A freqüência fundamental é o parâmetro
acústico quantitativo que relaciona o número de ciclos glóticos
vibratórios por unidade de tempo – no caso, segundos. Quanto
maior a freqüência fundamental, ou seja, quanto mais ciclos
vibratórios por segundo, mais aguda é a voz; quanto menor a
freqüência fundamental, mais grave é a voz. Para a análise
perceptiva auditiva, faz-se uma avaliação qualitativa, consideran-
do-se o pitch adequado ao falante e à circunstância de comunica-
ção ou elevado ou ainda agravado.
Loudness é o correlato psicoacústico do parâmetro acústico
quantitativo de intensidade da voz. A intensidade da voz é o nível
de pressão sonora medida em valores numéricos de decibels. A
loudness é a avaliação qualitativa deste parâmetro, podendo uma
voz ter loudness adequada, reduzida ou elevada para o falante ou
para a situação de comunicação.

AVALIAÇÃO QUANTITATIVA DA VOZ


A avaliação quantitativa da voz engloba uma série de proce-
dimentos mensuráveis e, portanto, considerados objetivos. Fa-
zem parte de tal avaliação desde as tradicionais medidas fonatórias
até a sofisticada avaliação acústica computadorizada feita por
modernos laboratórios de voz.
624 Fonoaudiologia Prática

Medidas fonatórias temporais


A investigação dos tempos máximos de fonação constituem a
parte mais simples da avaliação objetiva quantitativa da voz.
Juntamente com a análise acústica, a medida dos tempos máxi-
mos de fonação possibilita comparação intra e intersujeito, poden-
do servir como linha de base e de análise tanto da evolução de
uma voz profissional como para avaliação do tratamento de um
paciente disfônico.
Para as medidas dos tempos máximos de fonação, é conside-
rado o tempo máximo de sustentação, após inspiração profunda,
das vogais /a:/, /i:/, /u:/ e das consoantes fricativas /s:/ e /z:/, bem
como da contagem de números.
Para falantes do português brasileiro, considera-se uma mé-
dia de 20s para os homens e 14s para as mulheres; para as
crianças até a puberdade, estes valores acompanham a idade em
anos, relacionando-se 1s para cada ano de vida. Tempos máxi-
mos de fonação abaixo de 10s para indivíduos adultos é indicativo
de comprometimento vocal significativo. Na contagem dos núme-
ros, esperam-se valores 1 a 3s mais altos que os obtidos das
vogais sustentadas. Valores fora desta variação são indicativos
de incoordenação pneumofonoarticulatória.
As medidas isoladas dos tempos máximos do fonema fricativo
medial surdo /s:/ e do fonema fricativo medial sonoro /z:/ não têm
valor clínico, mas a relação entre estas duas medidas, a chama-
da relação s/z é um valioso recurso para avaliação da dinâmica
fonatória e da competência glótica. Espera-se que os valores
sejam os mesmos, ou com pequena variação entre o fonema
surdo e o fonema sonoro, uma vez que a dinâmica fonatória
normal é capaz de utilizar a suplência de ar pulmonar de
maneira eficiente. Uma relação s/z entre 0,8 e 1,3 é esperado
para indivíduos normais. Valores abaixo do valor de 0,9 são
indicativos de hiperadução das pregas vocais; já valores acima
de 1,2 revelam falta de coaptação glótica.

Avaliação acústica computadorizada


A avaliação acústica da voz diz respeito às medidas objetivas
que podem ser realizadas com a onda sonora. Na verdade, este
procedimento já é bastante antigo, porém, recentemente, com o
emprego de programas de microcomputadores na rotina clínica,
os chamados laboratórios acústicos computadorizados estão
cada vez mais se popularizando.
As utilidades de um laboratório vocal computadorizado
são inúmeras e, provavelmente, outras mais serão acrescidas
a esta lista, à medida em que ele se tornar realmente habitual
em nossa prática clínica cotidiana. Considerando-se exclusi-
vamente a análise acústica com fins clínicos, os ganhos mais
imediatos são: 1. oferecer maior compreensão acústica do
Avaliação e Terapia de Voz 625

output vocal e estreitar as linhas da associação entre as


análises perceptivo-auditiva e acústica; 2. prover dados
normativos para diferentes realidades vocais, quer sejam
culturais, profissionais ou patológicas; 3. oferecer uma docu-
mentação suficiente para traçar a linha de base da voz de um
indivíduo, faça ele uso profissional da voz ou seja um paciente
em tratamento; 4. monitorar a eficácia de um tratamento e
comparar resultados vocais de diferentes procedimentos tera-
pêuticos nas diversas fases do trabalho clínico; 5. acompa-
nhar o desenvolvimento de uma voz profissional ao longo de
um período; 6. servir como instrumento de detecção precoce
de problemas vocais e laríngeos.
Há vários sistemas computadorizados disponíveis no merca-
do, alguns baseados em programas para o usuário, ou seja,
softwares específicos, enquanto outros são baseados em softwares
e hardwares, ou seja, necessitam do emprego de outros periféri-
cos ao sistema computadorizado usual. Praticamente todos os
laboratórios oferecem as mesmas medidas acústicas básicas,
porém, há muita variação nos métodos de extração empregados,
o que pode tornar os dados não-comparáveis entre si. Os labora-
tórios de voz ainda não fazem parte da rotina de consultório da
maioria dos clínicos, mas seguramente serão a ferramenta co-
mum às novas gerações de fonoaudiólogos.
As análises acústicas básicas podem ser agrupadas em
seis categorias (BEHLAU , 1996): análise da espectrografia
acústica, medida da freqüência fundamental e suas variantes
jitter e shimmer , medida proporção harmônico-ruído ou de
relações similares (proporção sinal-ruído e nível de ruído
glótico), extensão fonatória máxima, extensão dinâmica e
perfil de extensão vocal. Um exemplo de análise acústica de
um indivíduo portador de disfonia por técnica vocal inadequa-
da encontra-se na Figura 27.7.
Apesar de todo o progresso quanto à análise acústica e do
encantamento tecnológico em que nos encontramos, ainda não
foi encontrada uma única medida que reproduza adequadamente
o resultado da análise perceptiva auditiva, o único instrumento
essencial ao fonoaudiólogo.
É importante que se entenda que apesar do encantamento
que os laboratórios de voz estão trazendo à clínica fonoaudio-
lógica, nenhuma medida acústica oferece um diagnóstico defi-
nitivo e nem será o computador que vai tratar do paciente;
porém, o emprego dos computadores, quando se compreende
suas limitações, é um poderoso instrumento auxiliar. O valor de
uma análise quantitativa está, em grande parte, nas habilidades
associativas e no conhecimento prévio do avaliador, e não no
programa de voz ou no computador. Processo diagnóstico é
uma atividade mental altamente complexa, não substituível por
nenhum instrumento, ferramenta ou sistema.
626 Fonoaudiologia Prática

Pitch (Hz) Amp. (%)


126,4 100%

122,5 0%
0,4 Time (s) 2,9 0,4 Time (s) 2,9

Jitter (%) = 0,17 Mean F0 (Hz) = 124,52 Mean Period (ms) = 8,03
Shimmer (%) = 2,16 S.D. F0 (Hz) = 0,65 S.D. Period (ms) = 0,04
HNR (dB) = 24,42 Max. F0 (Hz) = 126,36 Mean Amp. (%) = 77,35
SNR (dB) = 24,44 Min. F0 (Hz) = 122,50 S.D. Amp. (%) = 9,21
NNE (dB) = –3,99 Mode F0 (Hz) = 124,53 F0 Tremor (Hz) = 2,96
(Glottal Noise) (Habitual Pitch) Amp Tremor (Hz) = 1,00

Comparison

3,0 18,0 18,0 0

–10

0,5 3,0 3,0

Jitter (%) Shimmer (%) SD F0 (Hz) NNE (dB)


database client

Voice Quality Estimates

Hoarse Normal Slight Moderate Extreme

Harsh Normal Slight Moderate Extreme

Breath Normal Slight Moderate Extreme

FIGURA 27.7 – Análise acústica de paciente com disfonia funcional por técnica incorreta (programa
computadorizado Dr. Speech Sciences, da TIGER ELETRONICS , de Seattle, EUA). Observe os parâme-
tros obtidos da análise da voz do paciente (em preto), sendo que os alterados apresentam valores que
vão além dos limites das barras brancas.
Avaliação e Terapia de Voz 627

REABILITAÇÃO DO PACIENTE DISFÔNICO


O processo de reabilitação vocal tem como objetivo oferecer
uma voz melhor ao paciente e, se possível, uma voz normal e
adequada para as suas atividades coloquiais, sociais e profissio-
nais. A situação ideal para o início de um tratamento vocal é aquela
na qual o paciente já passou por um exame otorrinolaringológico e
por uma avaliação fonoaudiológica, e apresenta um diagnóstico
preciso. Neste caso, o programa de reabilitação pode ser mais
específico e, com certeza, tanto o paciente como o clínico irão se
sentir mais seguros. Porém, nem sempre tal situação ocorre e, por
vezes, temos que trabalhar em casos onde existem dúvidas diag-
nósticas; em tais situações, aconselha-se realizar um teste terapêu-
tico, por um período de 2 a 3 meses, com a utilização de provas
terapêuticas para direcionar a conduta. Após esse período, deve-se
realizar uma revisão do quadro para definir ou precisar o diagnóstico.
A noção científica de reabilitação vocal surgiu na década de
30, mas foi nas últimas duas décadas que inúmeros clínicos e
pesquisadores dedicaram-se de modo intensivo a esta área,
possibilitando o aumento do conhecimento e uma postura mais
científica nas abordagens de terapia vocal.
Segundo ARONSON (1990), a terapia de voz deve ser conside-
rada um processo para levar a voz de um paciente a um nível de
adequação que possa ser alcançado realisticamente por ele e que
satisfaça suas necessidade ocupacionais, emocionais e sociais,
sendo que nem todos irão conseguir uma voz normal. O texto de
ARNOLD A RONSON é um atestado de reconhecimento da comple-
xidade da terapia de voz, da necessidade de uma formação ampla
do clínico da voz e, acima de tudo, da transformação desse “filho
adotivo da área dos distúrbios da comunicação” em uma especia-
lidade interdisciplinar. “A qualidade do diagnóstico e do tratamen-
to de pacientes disfônicos não pode ser oferecida sem a comuni-
cação íntima entre fonoaudiólogos, otorrinolaringologistas, neu-
rologistas, psiquiatras e clínicos gerais.”
O ideal de trabalho na área dos distúrbios da voz é, portanto,
a atuação em uma equipe multiprofissional que apresente a
mesma visão de trabalho, como já comentado anteriormente.
Numa das melhores reflexões sobre as filosofias da reabilita-
ção vocal, STEMPLE (1993) observa que a terapia de voz tornou-
se verdadeiramente uma mescla de arte e ciência. O autor conclui
que o terapeuta bem-sucedido é um “artista científico”, que
combina uma atuação artística com bases científicas para identi-
ficar o problema e planejar o tratamento do paciente. Entretanto,
é claro que uma base sólida de informação não substitui a
experiência, essencial nessa área.
STEMPLE (1993) classifica as filosofias de reabilitação vocal
em cinco principais orientações: terapia vocal sintomatológica,
psicológica, etiológica, fisiológica e eclética. Tais propostas não
são excludentes e, dependendo do caso, uma proposta específica
628 Fonoaudiologia Prática

pode trazer mais vantagens que outras, o que deve ser conside-
rado pelo terapeuta. A partir deste trabalho, BEHLAU & PONTES
(1995a) organizaram, para cada uma das filosofias de reabilitação
vocal, o foco da linha terapêutica em questão, sua premissa
básica, as vantagens e as possíveis críticas às orientações
propostas, apresentado a seguir.

Terapia vocal sintomatológica (do grego symptoma – acon-


tecimento)
Foco – Modificação direta dos sintomas.
Premissa – A maior parte das disfonias tem como causa
abuso ou mau uso funcional da freqüência, intensidade e respira-
ção, entre outros.
Vantagens
• A modificação direta dos sintomas pode oferecer resultados
vocais imediatos e até mesmo surpreendentes.
• O paciente fica motivado por estar trabalhando diretamente
com sua voz e comprovando rapidamente o efeito da mani-
pulação dos parâmetros vocais.
Críticas
• A causa pode continuar operante e a disfonia recidivar.
• A modificação dos sintomas exige grande participação do
paciente que, por vezes, não colabora o necessário.
• A rejeição da dicotomia orgânico versus funcional pode
limitar a identificação do distúrbio.

Terapia vocal psicológica (do grego psyché – alma, espírito)


Foco – Identificação e modificação dos distúrbios emocio-
nais e psicossociais associados ao início e manutenção do
problema.
Premissa – Há sempre causas emocionais subjacentes e,
portanto, necessidade de se determinar a dinâmica emocional da
disfonia.
Vantagens
• A terapia de voz é também um processo de autoconheci-
mento.
• A compreensão da “história emocional” da disfonia pode propi-
ciar insights sobre o comportamento emocional do indivíduo.
Críticas
• A compreensão da dinâmica emocional não assegura uma
nova produção vocal.
• O paciente pode ficar ansioso pela ausência de meios
concretos de se conseguir uma melhor produção vocal.

Terapia vocal etiológica (do grego aitiología, pelo latim


aetiologia – sobre a origem das coisas)
Foco – Eliminação da causa do distúrbio.
Premissa – É essencial a identificação e a modificação ou
eliminação das causas da disfonia ou fatores correlatos.
Avaliação e Terapia de Voz 629

Vantagens
• Eliminada a causa da disfonia, as chances de recidiva são
praticamente inexistentes.
• O paciente sente-se confortável porque vivencia o seu
tratamento embasado na eliminação da gênese do distúrbio.
Críticas
• Nem sempre pode-se eliminar ou até mesmo identificar a
causa de uma disfonia e mesmo assim há recursos para se
tratar o paciente.
• A relação causa-efeito não é necessariamente direta e
única.
• Muitas disfonias apresentam causa já inoperante, porém a
voz continua alterada por fixação funcional dos ajustes
motores inadequados.

Terapia vocal fisiológica (do grego physis – natureza física)


Foco – Modificação da atividade fisiológica inadequada.
Premissa – Dados das funções fonatória e laríngea são
essenciais para modificar as relações musculares e respiratórias.
Vantagens
• Os dados fonatórios e fisiológicos podem contribuir enorme-
mente na solução rápida de muitas disfonias.
• O monitoramento visual da dinâmica laríngea ou da acústica
vocal permite a identificação da contribuição da fonte (larin-
ge) e dos filtros (sistema de ressonância) na produção vocal.
Críticas
• A patofisiologia pode ser não-modificável e mesmo assim há
recursos para se tratar o paciente.
• As causas emocionais, não sendo consideradas, podem ser
restritivas às modificações fisiológicas.
• Esta terapia só pode ser feita quando existem recursos
avançados de semiologias vocal e laríngea (instru-
mentação) para se obter os dados necessários ao seu
planejamento.

Terapia vocal eclética (do grego eklektismós – método que


consiste em reunir teses de sistemas diversos).
Foco – Produção de uma melhor voz e uma comunicação
mais efetiva.
Premissa – Teses de sistemas diversos oferecem um trata-
mento mais abrangente ao paciente.
Vantagens
• O terapeuta percebe que tem maior número de recursos de
atuação, o que lhe dá maior segurança.
• O maior número de recursos disponíveis se traduz numa
chance maior de reabilitação completa do paciente.
• O efeito da aplicação de procedimentos de diversas nature-
zas auxilia na melhor compreensão da disfonia.
• O processo de seleção das abordagens a serem emprega-
das é um excelente instrumento de exercício profissional e
de desenvolvimento da mente científica.
630 Fonoaudiologia Prática

Críticas
• Exige conhecimento profundo e amplo de diversas áreas
relacionadas à voz, comunicação, psicologia e medicina.
• Os terapeutas pouco experientes podem se sentir perdidos
ou com poucas condições de uma atuação satisfatória.
• O paciente pode se sentir bombardeado de procedimentos
pelas tentativas do terapeuta nas diversas facetas do pro-
blema.
• Questões peculiares a um caso podem ser colocadas num
segundo plano.

Dessa forma, por exemplo, uma professora com nódulos


vocais e apresentando voz rouco-soprosa, redução de freqüência
e intensidade e fadiga vocal seria tratada de formas diferentes,
considerando-se as diversas orientações filosóficas. Na terapia
sintomática, seriam propostos exercícios que reduzissem a rou-
quidão e o escape de ar, favorecessem uma freqüência mais
aguda e aumentassem a intensidade e a resistência vocal. Para
a terapia psicológica, o cerne do tratamento seria a análise dos
motivos que a levaram ao abuso vocal e à conseqüente disfonia.
Na terapia etiológica, seriam eliminados todos os atos fonatórios
de abuso e mau uso vocal. Para a terapia fisiológica, o essencial
seria modificar a coaptação glótica e o grau de compressão
medial. A terapia eclética utilizaria os recursos anteriormente
citados, hierarquizando os procedimentos de acordo com a
aceitabilidade da paciente, seu sistema de referência e sua noção
de prioridade.
O multifacetismo da filosofia eclética é extremamente atraente
pelas inúmeras possibilidades que oferece tanto ao terapeuta
quanto ao paciente. STEMPLE (1993) ainda acrescenta, de modo
seguramente polêmico, que “somente o terapeuta limitado ou
inconseqüente aderiria a uma única orientação filosófica na tera-
pia de voz” e que “um terapeuta de voz bem-sucedido é um artista
científico com um ponto de vista eclético.”
O trabalho de identificação, diagnóstico e tratamento dos distúr-
bios da voz utilizado por nós é denominado abordagem global
(BEHLAU & PONTES, 1995a) e, dentro das propostas anteriormente
analisadas, é uma abordagem de natureza eclética. Assim, propo-
mos uma abordagem global para a reabilitação vocal, que baseia
seus procedimentos na compreensão da disfonia como um distúrbio
da comunicação, analisando suas causas, identificando os parâme-
tros vocais alterados, definindo as configurações laríngeas fonatórias
e não-fonatórias, considerando o histórico emocional e a psicodinâ-
mica vocal da disfonia e atuando também através de provas
terapêuticas para respostas vocais imediatas. Esta abordagem
global consta de três trabalhos interligados, a saber: orientação
vocal, psicodinâmica vocal e treinamento vocal. Os trabalhos de
orientação e psicodinâmica vocal são também chamados de traba-
lho de fundamento, trabalho de base ou trabalho indireto, essenciais
Avaliação e Terapia de Voz 631

a todos os pacientes, pois é onde atuamos e pesquisamos sobre o


comportamento da voz na comunicação, ou seja, sobre o uso que
o indivíduo faz de sua voz. Por outro lado, o treinamento vocal
corresponde à abordagem comportamental propriamente dita, sen-
do o trabalho sintomático, direto e imediato, onde atua-se sobre o
padrão mecânico da voz através da execução de exercícios com
diferentes ajustes motores.
Seguramente, dos três trabalhos propostos, o treinamento
vocal reveste-se de uma importância especial e não deve ser
desprezado ou considerado reducionista, pelo fato de se basear
em exercícios.
Apesar de nos dedicarmos principalmente à atuação fonoau-
diológica no presente texto, é essencial lembrar que a colabora-
ção interdisciplinar é decisiva, tanto na pesquisa como na clínica,
tendo sido o principal responsável pelo avanço do conhecimento
na área da voz humana, e devendo ser considerada princípio e
meta de cada membro da equipe.

Trabalho de orientação vocal


O trabalho de orientação vocal inclui uma série de esclarecimen-
tos sobre a fonação e a saúde vocal, detalhados o suficiente para
preencher as necessidades do paciente, porém sem o bombardeio
de detalhes técnicos excessivos. Explicações corretas e simples
sobre o mecanismo de produção do som, além do ensino das
normas básicas de higiene vocal e do uso correto da voz auxiliam o
paciente a conscientizar-se da importância do uso correto da voz e
sobre o que fazer para evitar as crises disfônicas, controlando os
abusos vocais. Controlar abusos vocais não significa ficar mudo,
mas usar a voz de forma mais saudável. Parar de falar, em muitos
casos, melhora a disfonia e, em algumas situações, como em
laringites agudas e no pós-operatório de cirurgias da laringe, o
repouso vocal passa a ser obrigatório, mas é importante compreen-
der que este não é um recurso de tratamento. O mais importante é
lembrar que o paciente não é um expert sobre voz e que fatos muito
simples para nós podem ser totalmente desconhecidos para ele. A
orientação, portanto, deve ser considerada um verdadeiro aconse-
lhamento vocal e não ser colocada em segundo plano. O tratamento
de algumas disfonias, como por exemplo, as relativas ao uso
profissional da voz, dependem em grande parte de um aconselha-
mento vocal bem- realizado.

Trabalho de psicodinâmica vocal


O objetivo do trabalho de psicodinâmica vocal é levar o
indivíduo a reconhecer os elementos de sua qualidade vocal que
foram condicionados durante sua vida. Através da conscientiza-
ção desses fatores, o paciente poderá realizar as mudanças
necessárias até redescobrir uma expressão vocal espontânea.
632 Fonoaudiologia Prática

Pelo trabalho de psicodinâmica vocal o indivíduo traz ao conscien-


te as informações que sua qualidade vocal contém e os efeitos da
sua voz sobre o ouvinte.
É importante esclarecer ao paciente que o padrão de voz que
ele apresenta – à exceção das disfonias puramente orgânicas, faz
parte de sua história enquanto indivíduo, pertencendo à esfera da
construção do self. Quanto à comunicação humana, a mitologia
pessoal tende a influir na formação dos nossos padrões de
comunicação, desde a seleção do vocabulário empregado, tipo de
construção sintático-semântica, até os elementos mais específi-
cos como a qualidade vocal e seus parâmetros de freqüência,
intensidade, extensão, etc. A voz, portanto, fazendo parte de
nossa identidade é um dos nossos mitos construídos pela inter-
pretação de nossas experiências de comunicação, sustentado
pela cultura em que vivemos (ZIEMER, 1993).
O trabalho de leitura vocal deverá ser realizado de modo
cuidadoso, considerando-se todos os aspectos da comunicação do
paciente, inclusive a situação do discurso e a comunicação corporal.
A relação de observações oferecida ao paciente serve apenas como
uma indicação dos principais caminhos fisiológicos pelos quais
expressam-se as emoções e deverá ser sempre corroborada por
este. Por exemplo, indivíduos autoritários tendem a usar vozes de
freqüência mais grave que indivíduos frágeis e submissos; pessoas
extrovertidas geralmente usam maior intensidade vocal que as
introvertidas; uma articulação travada pode ser sinal de agressivida-
de contida, enquanto uma articulação bem-definida geralmente
acompanha clareza de idéias e desejo do falante de ser compreen-
dido (BEHLAU & PONTES, 1995a).
Além disso, os dados da psicodinâmica vocal dependem dos
padrões sociais, culturais e do sistema de valores desse indivíduo.
Assim sendo, a leitura vocal não deve considerar os dados
isoladamente, mesmo porque diversas emoções e características
de personalidade concorrem ao mesmo tempo, numa mesma
qualidade vocal.

Trabalho de treinamento vocal


Por treinamento vocal entende-se a realização de exercícios
selecionados para fixar os ajustes motores necessários à
reestruturação do padrão de fonação alterado. Os exercícios são
apenas sugestões de trabalho que enfatizam e privilegiam deter-
minados parâmetros vocais; a voz, porém, é um todo e qualquer
divisão é sempre uma simplificação didática. Além disso, a voz é
um produto mecânico apenas em sua realização muscular; há um
processo existencial complexo relacionado à produção do som,
que atua antes, durante e depois da emissão vocal.
O treinamento vocal é composto por inúmeras abordagens,
algumas delas oferecendo alterações na qualidade vocal como
um todo – os chamados métodos universais, e outras favorecendo
Avaliação e Terapia de Voz 633

mudanças laríngeas específicas – as abordagens específicas.


Métodos universais podem ser aplicados a quase todos os pacien-
tes, melhoram globalmente a produção vocal e ocupam boa parte
de nossa terapia; as técnicas específicas dependem em grande
parte da realização de uma avaliação otorrinolaringológica dirigi-
da à fonoterapia e objetivam o trabalho de grupos musculares
específicos.
As principais abordagens do treinamento vocal foram selecio-
nadas e agrupadas em cinco categorias por BEHLAU & PONTES
(1995a): Sons de Apoio; Técnicas de Mudança de Postura;
Técnicas de Associação de Movimentos dos Órgãos Fonoarticu-
latórios ou funções reflexo-vegetativas à emissão; Técnicas com
Utilização de Fala Encadeada; e Técnicas de Favorecimento da
Coaptação das Pregas Vocais.
Quanto à seleção das provas a serem empregadas, a análise do
protocolo dos indivíduos tratados com sucesso em fonoterapia não
revelou a existência de uma cartografia terapêutica que relacionas-
se o tipo de disfonia às diferentes abordagens. Por outro lado, a
seleção de abordagens fonoaudiológicas a partir do diagnóstico otor-
rinolaringológico também é limitada pois o diagnóstico não abrange
a complexidade do comportamento vocal e os fatores inerentes ao
próprio exame laringológico.
Até o presente momento e descartando-se a variável expe-
riência do terapeuta, que concorre decisivamente na reabilitação
vocal, as provas terapêuticas e de diagnóstico se constituem no
mais valioso instrumento de seleção de abordagens, principal-
mente para o fonoaudiólogo em início de carreira.
Provas terapêuticas são testes realizados com um determina-
do recurso para a observação de uma provável alteração no
comportamento vocal. São consideradas provas terapêuticas
toda e qualquer manobra, técnica, abordagem ou comportamento
empregados para explorar a resposta vocal do paciente. Podem
ser empregadas e registradas com o auxílio de um gravador de
som, ou ainda filmadas, algumas delas realizadas durante a
endoscopia, onde se explora também a configuração laríngea.
Descrições de como se realizar provas de diagnóstico e terapêu-
ticas, com algumas variações, encontram-se disponíveis na literatu-
ra (COLTON & CASPER, 1990; BOONE & MCFARLANE, 1988; BEHLAU &
PONTES, 1995a). Em resumo, uma prova terapêutica pode ser
positiva, negativa ou neutra, sendo considerada positiva quando
ocorre redução da disfonia, ou maior facilidade de emissão apesar
de aparente piora na qualidade vocal. Essa segunda situação pode
ser observada nos casos onde a técnica empregada na prova
terapêutica elimina os mecanismos compensatórios que mascaram
a real produção da voz. Assim, apesar de qualitativamente a voz
após o teste apresentar-se mais disfônica, as referências do pacien-
te são de que é muito mais fácil falar, dá maior sensação de alívio
e palavras tais como “abriu a garganta”, “ganhei espaço na voz” são
comumente empregadas pelos pacientes. Se a voz permanece a
634 Fonoaudiologia Prática

mesma e não há nenhuma redução nas discinesias associadas, a


prova terapêutica é considerada neutra. Quando a voz piora e
pioram também as sensações ao falar, a prova terapêutica é
considerada negativa, ou seja, a abordagem testada não deve ser
empregada, pelo menos naquele momento.
Da análise das diferentes provas terapêuticas, decide-se qual a
abordagem mais efetiva naquele momento da terapia. É importante
frisar que o dinamismo na produção vocal é tão grande que muitas
vezes técnicas consideradas negativas num determinado dia, po-
dem ser as mais efetivas após algumas sessões, ou ainda, aborda-
gens consideradas contra-indicadas para certos distúrbios vocais
podem se revelar as mais eficientes após uma prova terapêutica.
Uma reorganização das abordagens do treinamento vocal foi
recentemente elaborada por BEHLAU (1996) com o objetivo de
oferecer uma versão simplificada dos procedimentos básicos
empregados, dos efeitos esperados com o uso de uma técnica
específica e das aplicações principais da mesma, sendo apresen-
tada a seguir.

Resumo das abordagens do treinamento vocal


As abordagens do treinamento vocal foram divididas em cinco
grandes categorias por BEHLAU & PONTES (1995), a saber: sons
facilitadores, técnicas de mudança de postura, técnicas de asso-
ciação de movimentos dos órgãos fonoarticulatórios e funções
reflexo-vegetativas à emissão, técnicas com utilização de fala
encadeada e técnicas de favorecimento da coaptação das pregas
vocais. A reorganização desse material em forma de itens (B EHLAU,
1996) procura simplesmente auxiliar os fonoaudiólogos iniciantes
a acessar de modo mais rápido e prático os diferentes recursos de
treinamento vocal. Informações mais detalhadas sobre cada uma
das técnicas abaixo listadas encontram-se na publicação anterior
(BEHLAU & PONTES, 1995).

Sons facilitadores
O treinamento vocal propriamente dito utiliza uma série de
facilitadores da emissão, os chamados sons facilitadores, também
chamados de sons de apoio da emissão (BEHLAU & PONTES, 1990b).
Esses sons têm como objetivo propiciar um melhor equilíbrio funcio-
nal da produção vocal. Assim, para se chegar à normalização da
fonação, um mesmo som de apoio poderá ser utilizado tanto numa
disfonia hipercinética – que constitui a maioria dos quadros clínicos,
em média 85% das disfonias, – como num quadro hipocinético.
Apesar da emissão dos sons de apoio, por definição, propiciar uma
produção vocal equilibrada, para alguns pacientes certos sons não
funcionam desta forma, provocando ainda mais desequilíbrios e
tensões. Assim, devem ser realizadas provas terapêuticas que vão
dirigir a escolha das abordagens a serem utilizadas.
Avaliação e Terapia de Voz 635

Sons nasais
• Procedimento básico
sons “m”, “n” ou “nh” contínuos, sustentados, modulados
ou em escalas
• Efeitos esperados
suavização da emissão
redução do foco de ressonância laringofaríngeo
dissipação da energia sonora no trato vocal
aumenta os tempos máximos de fonação sem esforço
auxilia o monitoramento da voz
• Aplicação principal
universal da voz
laringe isométrica (fenda triangular médio-posterior)
nódulos vocais

Sons fricativos
• Procedimento básico
sons “f”, “s” ou “x” contínuos (ou seus correspondentes
sonoros)
ou em passagem de sonoridade, de som surdo para
sonoro, por exemplo, “s..” -> “z..” ou “x..” -> “j..”
• Efeitos esperados
direção de fluxo aéreo para o ambiente
dissociação entre a intensidade e o esforço laríngeo,
usando-se os sons sonoros
suavização do ataque vocal
aumento dos tempos máximos de fonação sem esforço
• Aplicação principal
pós-operatório imediato de lesões de massa
coordenação pneumofônica

Sons vibrantes
• Procedimento básico
vibração de língua: “rrr....” ou “trrrr....”, ou vibração de
lábios: “brrr....”, sustentadas, moduladas ou em escalas
musicais
• Efeitos esperados
mobilização da mucosa
redução do esforço fonatório
aquecimento vocal
• Aplicação principal
universal da voz
laringites agudas, gripes ou resfriados
nódulos
edema de Reinke
cicatrizes na mucosa
sulco vocal
636 Fonoaudiologia Prática

Sons plosivos
• Procedimento básico
emissão repetida de “p”, “t” ou “k” ou seus sonoros,
associados a vogais
• Efeitos esperados
coaptação das pregas vocais
clareza da emissão
• Aplicação principal
disfonias hipocinéticas
Parkinson
paralisia unilateral de prega vocal
pós-laringectomias parciais

Som basal
• Procedimento básico
emissão contínua em registro pulsátil, com “a” sustentado,
ou sílaba “lá” repetidas vezes
emissão na expiração ou inspiração, som produzido se-
melhante a “motor de barco”
• Efeitos esperados
grande contração do músculo tiroaritenóideo
relaxamento do músculo cricotireóideo
mobilização e relaxamento da mucosa
melhor coaptação glótica
fonação confortável após o exercício
• Aplicação principal
nódulos vocais
fadiga vocal
fenda triangular médio-posterior
fonação desconfortável

Sons hiperagudos
• Procedimento básico
emissão contínua em falsete
associar um sopro à emissão de um som hiperagudo, se
necessário
• Efeitos esperados
relaxamento do músculo tiroaritenóideo
contração do músculo cricotireóideo
emissão mais equilibrada em registro modal, após o exer-
cício
• Aplicação principal
disfonia vestibular
constrição medial do vestíbulo
paralisia unilateral de prega vocal
edema de Reinke
Avaliação e Terapia de Voz 637

Técnicas de mudança de postura


As técnicas de mudança de postura podem ser por ação direta ou
indireta sobre o aparelho fonador e visam a harmonia entre a comu-
nicação oral e a comunicação corporal. As técnicas de ação direta
envolvem os músculos do próprio aparelho fonador ou estreitamente
relacionados a esse sistema, enquanto os exercícios de ação indireta
envolvem movimentos de todo o corpo, que terão reflexo direto ou
indireto na emissão vocal. Também aqui procura-se quebrar o padrão
muscular habitual, e oferecer ao paciente a possibilidade de um novo
ajuste. Os sons de apoio podem ser associados às abordagens de
mudanças de postura, o que as tornam mais eficazes.

TÉCNICAS DE AÇÃO DIRETA NO APARELHO FONADOR


Manipulação digital da laringe
• Procedimento básico
massagem na musculatura perilaríngea com movimentos
digitais descendentes e pequenos deslocamentos late-
rais do esqueleto da laringe, além de movimentos rota-
tórios na membrana tireoióidea
pressão ântero-posterior sobre a laringe
• Efeitos esperados
redução da hipertonicidade laríngea
leve abaixamento da freqüência fundamental
redução da sensação de “bolo” na laringe
• Aplicação principal
disfonia por tensão muscular
muda vocal incompleta
falsete mutacional ou de conversão
sulco vocal
Uso de vibrador associado à sonorização glótica
• Procedimento básico
aplicar um vibrador a pilha ou elétrico sobre a quilha da
cartilagem tireóidea
enquanto produz-se uma emissão de baixa intensidade,
por exemplo: “m...”
• Efeitos esperados
relaxamento da musculatura laríngea
redução da fenda triangular médio-posterior
• Aplicação principal
disfonia por tensão muscular
rigidez de mucosa

Massagem na cintura escapular


• Procedimento básico
movimentos de toque, pressionamento, estiramento e mas-
sagem na musculatura cervical, nas costas e nos ombros
vibradores elétricos, calor úmido ou bolsas térmicas nas
regiões acima mencionadas
638 Fonoaudiologia Prática

• Efeitos esperados
redução da hipercontração da musculatura da cintura
escapular
• Aplicação principal
disfonias por tensão muscular
fenda triangular médio-posterior
hipertonicidade secundária a quadro orgânico de base

Técnica de deslocamento lingual


• Procedimento básico
posteriorização, anteriorização e exteriorização da língua
• Efeitos esperados
posteriorização – maior aproveitamento da cavidade oral
anteriorização – liberação da faringe
exteriorização – abertura do ádito da laringe e sua elevação
• Aplicação principal
posteriorização – para fonação delgada, voz infantilizada
e alterações de ressonância
anteriorização – para ressonância posteriorizada
exteriorização – para disfonias hipercinéticas com contra-
ção de vestíbulo laríngeo e em casos de vibração de
pregas vestibulares

Emissão de boca aberta


• Procedimento básico
emitir os sons da fala, isoladamente, seqüências auto-
máticas ou em leitura de texto, com a boca o mais
aberta possível
• Efeitos esperados
reduzir as constrições do trato vocal
ampliar as cavidades de ressonância
• Aplicação principal
disfonias com travamento articulatório
casos de baixa resistência vocal
aumento de volume e projeção
redução de atrito entre as pregas vocais
uso profissional da voz

Técnica do “b” prolongado


• Procedimento básico
prolongamento da oclusão bucal da consoante “b”
seguida de emissão das vogal “a”, átona e nasal, na sílaba
“bã”, repetida várias vezes
• Efeitos esperados
aumenta a ressonância
maior energia na região aguda do espectro
evita atrito entre as pregas vocais
relaxa e abaixa a laringe
Avaliação e Terapia de Voz 639

• Aplicação principal
disfonia por tensão muscular
falsete mutacional, de conversão ou paralítico
fendas diversas

Técnicas de mudança de postura de cabeça no plano


horizontal
• Procedimento básico
deslocamento horizontal por cabeça rodada ou inclinada
para as laterais direita ou esquerda do corpo
• Efeitos esperados
cabeça rodada: melhor aproximação das pregas vocais na
linha mediana
redução da rouquidão ou soprosidade
cabeça inclinada: nivelamento vertical das pregas vocais
redução da bitonalidade
maior estabilidade na qualidade vocal
• Aplicação principal
disfonias neurológicas: sobreexcursão da prega vocal
sadia em paralisias unilaterais (cabeça em movimenta-
ção homolateral ao lado lesado)
disfonias neurológicas: estimulação de prega vocal parética
(cabeça em movimentação contralateral ao lado lesado)
inadaptação fônica: assimetria de tamanho, massa, forma,
vibração ou tensão das pregas vocais por inadaptação fônica
cabeça inclinada tem melhores resultados sobre o desní-
vel das pregas vocais

Técnica de mudança de postura de cabeça no plano


vertical
• Procedimento básico geral
emissão com cabeça para trás, emissão com cabeça para
baixo e emissão com cabeça e tronco para baixo, cada
uma delas especificada a seguir.
• Procedimento básico de emissão com cabeça para trás
cabeça para trás e a emissão do som plosivo posterior /g/,
em sílabas, repetidas vezes
• Efeitos esperados
aproximação mediana das estruturas ao nível glótico
• Aplicação principal
casos de fenda fusiforme de natureza orgânica
fendas irregulares por retração cicatricial
pós-laringectomias parciais
• Procedimento básico de emissão com cabeça para baixo
realizar a fonação com a cabeça inclinada em direção
ao peito, associada a sons nasais, sustentados ou em
sílabas
640 Fonoaudiologia Prática

• Efeitos esperados
suavização da emissão
eliminação da interferência das pregas vestibulares
subida da ressonância
• Aplicação principal
fonação vestibular
disfonias por tensão muscular
• Procedimento básico de emissão com cabeça e tronco para
baixo
dobrar o tronco (de pé ou sentado), emitir o som facilitador
selecionado enquanto se sobe o tronco
• Efeitos esperados
mucosa vibrando a favor da força da gravidade
dispersão de energia no trato vocal
afastamento das pregas vestibulares
• Aplicação principal
ressonância laringofaríngea
edema de Reinke
disfonia por pregas vestibulares

TÉCNICAS DE AÇÃO INDIRETA NO APARELHO FONADOR


As técnicas de ação indireta no aparelho fonador envolvem
inúmeros exercícios corporais, e podem ser também adaptadas
às técnicas de alongamento, facilmente associadas a emissões
de sons selecionados para o paciente, além de uma série variada
de exercícios de relaxamento dinâmico, eutonia e yoga. Tais
técnicas podem solicitar a movimentação de todo o corpo ou de
regiões mais específicas como o pescoço e os ombros, sendo que
a experiência do terapeuta com essas abordagens essencial na
determinação do sucesso de seu emprego.

Exercícios corporais associados à emissão de sons


facilitadores
• Procedimento básico
movimentações amplas do corpo associadas a sons de
apoio ou vogais
• Efeitos esperados
relaxamento dinâmico
melhor integração corpo-voz
• Aplicação principal
vozes profissionais
disfonias por tensão muscular

Exercícios cervicais sonorizados


• Procedimento básico
movimentação de cabeça e pescoço nos movimentos do
“sim”, “não” e “talvez” (movimentos verticais, horizontais
e de inclinação) associados à emissão de vogais ou de
sons de apoio selecionados
Avaliação e Terapia de Voz 641

• Efeitos esperados
suavização de ataques vocais
redução da compressão medial das pregas vocais
aumento do tempo máximo de fonação
• Aplicação principal
disfonias por tensão muscular
nódulos de pregas vocais
disfonias hipercinéticas
remoção de compensações negativas nas paralisias
laríngeas

Exercícios de ombros sonorizados


• Procedimento básico
rodar os ombros no sentido horário, de frente para
trás, bilateralmente ou alternadamente, com movi-
mentos associados à emissão de vogais ou sons de
apoio
• Efeitos esperados
redução da tensão da musculatura da cintura escapular e
pescoço
• Aplicação principal
disfonias por tensão muscular
nódulos vocais
remoção de compensações negativas nas paralisias
laríngeas

Técnicas de associação de movimentos dos


órgãos fonoarticulatórios ou funções reflexo-
vegetativas à emissão
A associação de movimentos articulatórios ou de funções
reflexo-vegetativas à produção fonatória utiliza o encadeamento
de duas ou mais dinâmicas (fonatória, articulatória e/ou vegetativa),
num mesmo exercício, com a finalidade de uma emissão vocal
melhor equilibrada. Tais técnicas permitem aproveitar vários
exercícios de lábios, língua, bochechas, mandíbula e musculatura
faríngea, associados a emissões de diversos sons de apoio.
Descreveremos quatro técnicas bastante conhecidas, porém, as
combinações são muito ricas e numerosas, podendo-se constan-
temente criar novos exercícios.

Técnica do bocejo
• Procedimento básico
inspirar profundamente e imitar um bocejo, com língua
baixa e anteriorizada, sonorizando-o com uma vogal
aberta
aproveitar também os bocejos naturais
642 Fonoaudiologia Prática

• Efeitos esperados
reduz ataques vocais bruscos
amplia o trato vocal
auxilia na projeção vocal
abaixa a laringe
amplia a faringe
sintoniza fonte e filtros de ressonância
• Aplicação principal
travamento articulatório
disfonias com foco ressonantal faríngeo ou laringofaríngeo
nódulos vocais
disfonia por tensão muscular
disfonia por pregas vestibulares

Técnica do estalo de língua associado ao som nasal


• Procedimento básico
associação do estalo de língua, de modo constante e
repetido, à técnica do som nasal – chamada de “cavalo
e carro”
• Efeitos esperados
relaxamento da musculatura supra-hióide
reequilíbrio fonatório
sintonia fonte e filtros
movimentação vertical da laringe
• Aplicação principal
travamento articulatório
foco ressonantal baixo
disfonias por tensão muscular

Método mastigatório
• Procedimento básico
mastigar ativamente, com a boca aberta e movimentos
amplos dos lábios, da língua e das bochechas, emitindo-
se uma grande variedade de sons, evitando-se um
monótono “iam iam iam...”
• Efeitos esperados
universal da voz
equilíbrio da qualidade vocal
redução de constrições inadequadas
aquecimento vocal
aumento de resistência vocal
• Aplicação principal
disfonias por tensão muscular
foco ressonantal baixo
aquecimento vocal
Avaliação e Terapia de Voz 643

Exercícios de rotação de língua no vestíbulo


• Procedimento básico
rotação da língua no vestíbulo bucal, lentamente, com os
lábios unidos, duas vezes em cada sentido, aumentando
o número de rotações a cada série, até 10 delas
associar as rotações de língua à emissão do som nasal
“m”, prolongado, juntar a saliva e degluti-la
inspirar profundamente e emitir vogais bocejadas
• Efeitos esperados
redução das constrições do trato vocal
reposicionamento da língua e laringe
• Aplicação principal
reorganização muscular fonoarticulatória
redução da tensão laringofaríngea

Técnicas com utilização da fala encadeada


O treinamento vocal não se restringe ao uso de sons
facilitadores, mas também há inúmeras técnicas que empregam
a fala encadeada, no tratamento das disfonias. A opção do uso de
exercícios com fala encadeada é indicada quando se quer promo-
ver uma melhora global na emissão, sem a manipulação de certos
grupos de parâmetros específicos. Os exercícios, de modo geral,
propiciam uma qualidade vocal mais harmônica, com redução do
grau de alteração vocal através de uma melhor coordenação das
forças mioelásticas da laringe, aerodinâmica dos pulmões,
articulatórias e das forças musculares envolvidas nas funções
primárias de sucção, mastigação e deglutição. Assim, o resultado
é um equilíbrio da coordenação pneumofonoarticulatória e da
coordenação deglutição-fala. Indivíduos que usam a voz profissio-
nalmente lucram com os métodos que empregam fala encadeada,
pois há um aumento da resistência vocal.

Técnica de voz salmodiada


• Procedimento básico
emissão semelhante às cantilenas de salmos religiosos
• Efeitos esperados
redução do esforço vocal global
redução de ataques bruscos
aumento de resistência vocal
• Aplicação principal
disfonia por tensão muscular
nódulos vocais

Treinamento vocal sob mascaramento auditivo


• Procedimento básico
emissão em leitura ou seqüência automática, sob ruído
branco em ambas as orelhas, ao redor de 100 dB
644 Fonoaudiologia Prática

• Efeitos esperados
efeito Lombard
supressão do monitoramento auditivo sobre a voz
aumento de monitoramento proprioceptivo
• Aplicação principal
diagnóstico diferencial entre psicogênicas e neurológicas
disfonias a afonias de conversão
disfonias hipocinéticas
controle de competição sonora em vozes profissionais

Treinamento vocal sob monitoramento auditivo


retardado
• Procedimento básico
emissão com monitoramento auditivo defasado em fra-
ções de segundo
• Efeitos esperados
efeito Lee
fonação constante e menos tensa
• Aplicação principal
diagnóstico diferencial entre psicogênicas e neurológicas
aumento do monitoramento proprioceptivo

Monitoramento visual, auditivo e tátil-proprioceptivo


• Procedimento básico para o monitoramento visual
• Observar a emissão em frente a um espelho, monitorar a
própria voz através da reação dos interlocutores, monitorar
a emissão em qualquer sistema de controle, por exemplo, o
V.U. meter dos gravadores.
• Procedimento básico para o monitoramento auditivo
oclusão digital de uma ou ambas as orelhas para aumento
da via óssea
mãos em concha sobre as orelhas
posicionamento de mãos em concha atrás das orelhas,
aumentando artificialmente o pavilhão auricular, chama-
do de “orelha de cachorro”
emissão vocal próxima a anteparos que ofereçam retorno
auditivo com reforço da energia da onda sonora
uso de fones de ouvido acoplados a gravador de som, para
retorno da voz amplificada
• Procedimento básico para o monitoramento tátil-proprio-
ceptivo
identificação de sensações e sintomas proprioceptivos
indicativos ou sugestivos de uma emissão incorreta,
tais como: aperto, pigarro, dor, ardor, secura, bolo na
garganta, coceira, sensação de “garganta raspan-
do”, etc.
emissão com mãos posicionadas sobre a cabeça, testa,
face e cavidades de ressonância, incluindo asas do nariz,
pescoço e peito, durante diferentes tarefas fonatórias
Avaliação e Terapia de Voz 645

• Efeitos esperados
formação de um esquema corporal vocal
conscientização da emissão correta e incorreta da voz
• Aplicação principal
vozes profissionais
disfonias por técnica vocal deficiente
uso de voz em ambientes inóspitos

Técnica de modulação de freqüência e intensidade


• Procedimento básico
sons de apoio em diferentes freqüências e intensidades
leitura de prosa e verso com modulação marcada
• Efeitos esperados
universal da voz
emissão mais suave
controle consciente das alterações na extensão vocal e
dinâmica
• Aplicação principal
disfonias por tensão muscular
vozes profissionais
fadiga vocal

Técnica de leitura somente de vogais


• Procedimento básico
eliminar as consoantes e ler apenas as vogais de um texto,
de forma encadeada e modulada
• Efeitos esperados
controle da fonte glótica
redução das constrições no trato vocal
• Aplicação principal
travamento articulatório
falta de volume e projeção
vozes profissionais

Método mastigatório associado à fala encadeada


• Procedimento básico
emissão vocal como no método mastigatório, associada à
contagem de números, emissão de seqüências automá-
ticas ou leitura de textos
• Efeitos esperados
redução da hipertonicidade excessiva
aumento da dinâmica fonoarticulatória
equilíbrio
• Aplicação principal
situações de grande exigência vocal
profissionais da voz falada e cantada
aumento de resistência vocal
646 Fonoaudiologia Prática

Técnica de sobrearticulação
• Procedimento básico
exagerar os movimentos fonoarticulatórios, com ampla
excursão muscular e grande abertura de boca
• Efeitos esperados
redução da hipertonicidade laríngea
maior volume e projeção vocal
aumento da precisão articulatória
• Aplicação principal
vozes profissionais
disfonias neurológicas (disartrias hipocinéticas, por exem-
plo, Parkinson)
maior volume e projeção
hipernasalidade

Técnicas de favorecimento da coaptação das


pregas vocais
As técnicas para auxiliar e estimular a coaptação das pregas
vocais pertencem a dois grupos principais: coaptação por tarefas
fonatórias específicas e por outras funções da laringe.

TÉCNICAS DE COAPTAÇÃO POR TAREFAS FONATÓRIAS ESPECÍFICAS


Através de tarefas fonatórias específicas procura-se pro-
mover uma aproximação correta das pregas vocais que se
encontram afastadas da linha média pela ocorrência de fenda
glótica.

Fonação inspiratória
• Procedimento básico
esvaziar os pulmões e inspirar enquanto se emite a vogal
“i”, prolongada, seguida por vogal relaxada: “ihn”
inspiratório (oral ou nasal) “ah” relaxado
• Efeitos esperados
aproximação das pregas vocais
afastamento das pregas vestibulares
• Aplicação principal
fendas por paralisias e paresias das PPVV
fonação com pregas vestibulares
fonação ariepiglótica
remoção de disfonia psicogênica
alterações da muda vocal

Fonação sussurrada
• Procedimento básico
emissão de seqüências articulatórias, seqüências auto-
máticas e leitura de texto em voz sussurrada
Avaliação e Terapia de Voz 647

• Efeitos esperados
aproximação forçada da região anterior das pregas
vocais
• Aplicação principal
fechamento de fendas anteriores
granulomas e lesões de comissura posterior

Ataques vocais bruscos


• Procedimento básico
golpe de glote com vogais
• Efeitos esperados
fechamento forçado da glote
• Aplicação principal
disfonias hipocinéticas
Parkinson
paralisia de prega vocal

Escalas musicais
• Procedimento básico
escalas, glissandos ascendentes e descendentes,
vocalises com sons facilitadores
escalas em stacatto
• Efeitos esperados
alongamento e encurtamento das PPVV
• Aplicação principal
fendas fusiformes
fendas triangulares em toda extensão
disfonias hipocinéticas

TÉCNICAS DE COAPTAÇÃO POR OUTRAS F UNÇÕES DA LARINGE


Essas técnicas promovem um fechamento glótico através de
compensações extrafonatórias.

Técnicas de empuxe
• Procedimento básico
socos no ar, com os punhos cerrados e emissão de sílabas
com consoantes oclusivas sonoras
empurrar ou levantar pesos, associado à emissão sonora
mãos em gancho e emissão de vogais sustentadas
• Efeitos esperados
aproximação das estruturas laríngeas
socos no ar – aproximação inclui pregas vestibulares
mãos em gancho – adução mais firme das pregas vocais
na linha média
• Aplicação principal
paralisia unilateral de prega vocal
disfonias hipocinéticas
648 Fonoaudiologia Prática

grandes fendas glóticas


pós-laringectomias parciais

Técnica de deglutição incompleta sonorizada


• Procedimento básico
emissão de seqüência de sons sonoros, como “bam”, ou
“bem”, etc., no topo de uma deglutição, ou seja, antes de
deglutir
• Efeitos esperados
sonorização com maior fechamento laríngeo
• Aplicação principal
paralisia uni ou bilateral de prega vocal
falsete mutacional ou de conversão
pós-laringectomias parciais
grandes fendas glóticas

Resumo ilustrativos de três casos


Caso 1 – Paciente T.R., sexo feminino; 10 anos
(Fig. 27.8)
Principais dados da anamnese
A mãe refere que sua filha apresenta voz rouca há cerca de
dois anos, com abuso vocal importante na escola e no prédio onde
mora. Refere voz fraca e muito pior no final do dia, tendo tido
episódios de “quase afonia”. Nega alergia, disfonia anterior ou
antecedentes familiares de disfonia ou outros distúrbios da comu-
nicação. Pigarro e sensação de “catarro na garganta” são cons-

FIGURA 27.8 – Imagem da laringe. Disfonia organofuncional, com nódulos vocais bilaterais, em uma
paciente infantil, em posição respiratória e fonatória.
Avaliação e Terapia de Voz 649

tantes, além de cansaço vocal, o que às vezes faz com que a


paciente limite a comunicação.

Resumo da avaliação fonoaudiológica


A paciente apresenta qualidade vocal rouca-soprosa, em
grau de alteração de moderado a severo, com quebras freqüen-
tes de sonoridade. Os tempos máximos de fonação apresenta-
ram-se reduzidos (ao redor de 5s) e relação s/z é indicativa de
coaptação glótica incompleta (s/z = 2,0). Há grande hipertonia
da musculatura escapular, com veias túrgidas no pescoço à
fonação. Os ataques vocais são bruscos e a ressonância predo-
minante é a laringofaríngea com nasalidade compensatória. A
incoordenação pneumofonoarticulatória é bastante evidente e
observa-se o uso constante de ar de reserva. O pitch da voz é
grave, com freqüência fundamental ao redor de 210 Hz. A
proporção harmônico-ruído é baixa, ao redor de 6,5 dB, o que
reflete o elevado componente de ruído na voz. Apesar da
disfonia, a paciente usava a voz alterada com objetivos de
gratificação secundária, recebendo muitas vezes elogios sobre
sua voz “rouquinha e dengosa”.

Exame otorrinolaringológico
O exame otorrinolaringológico específico para a avaliação da
laringe foi feito através da telelaringoscopia, com anestesia tópica,
e revelou a presença de nódulos vocais bilaterais, grandes, com
fenda triangular médio-posterior e constrição ântero-posterior à
fonação, configurando uma disfonia organofuncional. Demais
regiões: n.d.n.

Conduta do caso
O tratamento de eleição dessa paciente é a reabilitação vocal
cujo objetivo imediato é o uso saudável da voz e uma comunica-
ção mais efetiva. A terapia visa à redução dos nódulos e ao
fechamento da fenda glótica associado à retirada de mecanismos
compensatórios negativos. A modificação de gesto motor negati-
vo e o aprendizado de um novo comportamento vocal procura
também prevenir recidivas posteriores. Os exercícios foram sele-
cionados durante o processo terapêutico após prova terapêutica
positiva com cada um deles.
Os principais tópicos do planejamento terapêutico incluíram:
• Orientação sobre a produção da voz e higiene vocal, onde
procuramos informar o paciente sobre os mecanismos en-
volvidos na fonação, assim como cuidados básicos que
deveriam ser tomados.
• Orientação aos pais com o objetivo de incorporá-los ao
processo terapêutico, a partir de sua contribuição em casa
no que diz respeito à higiene vocal e realização dos exercí-
cios fonoaudiológicos juntamente com a paciente; procurou-
650 Fonoaudiologia Prática

se essencialmente, auxiliar os pais a propiciarem situações


de comunicação adequadas e positivas.
• Identificação e redução dos abusos vocais através de um
trabalho de conscientização vocal e um programa específico
de controle dos mesmos.
• Hidratoterapia como coadjuvante, ou seja, orientação quan-
to à importância da ingestão de água durante o dia, procu-
rando chegar a 1 1⁄2 – 2 litros diários.
• Exercícios de ressonância a fim de estimular o reequilíbrio
ressonantal, diminuindo a tensão cervical e melhorando a
projeção vocal.
• Exercícios vibratórios a fim de estimular a reabsorção dos
nódulos e aumentar a vibração da túnica mucosa para uma
emissão mais eficiente com e esforço fonatório reduzido.
• Exercícios de coordenação pneumofonoarticulatório, com o
objetivo de reduzir o ataque vocal brusco e a fadiga vocal,
programando melhor o uso de ar para a emissão.
As estratégias terapêuticas incluíram também o uso de grava-
dor de som para treinamento auditivo de análise da própria voz, de
vozes dos outros e também como registro da execução de alguns
exercícios.

Evolução terapêutica
A paciente apresentou boa evolução durante o processo tera-
pêutico, com melhora global da qualidade vocal e evidente redução
da soprosidade e eliminação das quebras de sonoridade, o que
indica melhor aproximação das pregas vocais durante a fonação. Os
tempos máximos de fonação dobraram (8s) e a relação s/z reduziu
a 1,4, o que reflete uma maior eficiência glótica. A paciente mostrou
boa colaboração durante o tratamento, mostrando ter desenvolvido
maior conscientização vocal, com redução dos abusos vocais. A
ressonância mostrou-se mais equilibrada e os ataques vocais
suaves, o que propiciou a reabsorção dos nódulos.
A paciente obteve melhora significativa da qualidade vocal,
não tendo sido necessária a remoção cirúrgica dos nódulos. O
processo total de reabilitação durou 7 meses.

Caso 2 – Paciente D.R., 46 anos, vendedor (Fig. 27.9)


Principais dados de anamnese
O paciente refere voz rouca e fraca há um mês e meio, após
cirurgia de remoção de carcinoma da glândula tireóidea. Sente
dificuldade em ser compreendido quando usa o telefone e não
consegue emissão em alta intensidade. O quadro atual prejudica
muito o paciente em sua atividade profissional, vendedor de
indústria farmacêutica. Foi necessária a interrupção temporária
de sua atividade, o que gerou grande comprometimento do ponto
de vista emocional. Compreende que a paralisia era um risco
cirúrgico face às características do tumor, mas sente-se muito
Avaliação e Terapia de Voz 651

FIGURA 27.9 – Imagem da laringe. Disfonia orgânica pós-ressecção de carcinoma da glândula


tireóidea, com paralisia de prega vocal direita e fenda glótica à fonação. Observe que há tentativa de
compensação do espaço gerado através de constrição ântero-posterior do vestíbulo laríngeo.

deprimido. Refere ainda tosse e pigarro constantes. Nega altera-


ção vocal anterior.

Resumo da avaliação fonoaudiológica


O paciente apresenta qualidade vocal rouca-soprosa, em
grau de alteração severo, com tempos máximos de fonação
muito reduzidos, ao redor de 2,5s, e relação s/z indicativa de
coaptação glótica incompleta (3,0). O esforço fonatório é bas-
tante evidente com nítida síndrome de tensão musculoesquelé-
tica associada. Os ataques vocais alternam entre brusco e
soproso, dependendo da intenção comunicativa do paciente. A
ressonância predominante é laringofaríngea, com incoordena-
ção pneumofonoarticulatória e uso constante de ar de reserva
durante a fonação. A emissão apresenta-se bastante interrom-
pida pela necessidade freqüente de recarga de ar. O pitch da
voz é grave, com freqüência fundamental de 98 Hz, com difícil
análise acústica computadorizada, face à irregularidade do
sinal sonoro. Não houve possibilidade de mensuração da pro-
porção harmônico-ruído. A psicodinâmica é negativa, transmi-
tindo esforço e desespero para se comunicar, gerando no
ouvinte a vontade de pedir para que o paciente não fale.

Exame otorrinolaringológico
O exame otorrinolaringológico específico para a avaliação da
laringe foi realizado através da telelaringoscopia onde se diagnos-
ticou paralisia unilateral de prega vocal direita, em posição inter-
mediária, com fechamento glótico insuficiente, configurando uma
disfonia orgânica. A avaliação estroboscópica mostrou padrão
652 Fonoaudiologia Prática

vibratório irregular e, por vezes, interrupção da vibração da túnica


mucosa. Demais regiões: n.d.n.

Conduta do caso
O paciente foi inicialmente encaminhado à reabilitação vocal,
com o objetivo imediato de uso de uma voz menos disfônica na
vigência da paralisia, enquanto se busca uma compensação
funcional. A terapia procura compensar a paralisia através de
exercícios que propiciem uma emissão vocal mais equilibrada,
através de melhor coaptação glótica, redução do fluxo de ar
excessivo e aumentando-se a eficiência glótica.
Os principais tópicos do planejamento terapêuticos incluíram:
• Exercícios de coaptação glótica, com objetivo de promover
uma compensação da prega vocal sadia, que aproxima-se da
prega vocal paralisada, podendo gerar um mecanismo muito
próximo da normalidade. A técnica de deglutição incompleta
sonorizada foi a que apresentou os melhores resultados.
• Exercícios de flexibilidade vocal, com variação de freqüên-
cia e intensidade, para melhorar a biomecânica laríngea.
• Exercícios vibratórios a fim de estimular a vibração da túnica
mucosa e aumentar sua excursão lateral, o que contribui
para uma melhor coaptação das pregas vocais, além de
melhorar a qualidade vocal produzida.
• Exercícios de sobrearticulação e projeção vocal, com o
objetivo de aproveitar ao máximo as cavidades de ressonân-
cia para a obtenção de uma emissão mais eficiente, com o
menor esforço glótico possível.
• Redução da síndrome de tensão musculoesquelética, com
o objetivo de reduzir a tensão da musculatura extrínseca e
permitir que a laringe permaneça mais solta e relaxada, o
que facilita uma emissão mais eficiente.
• Melhor equilíbrio ressonantal a fim de facilitar a projeção
vocal e reduzir o esforço laríngeo.

Evolução terapêutica
O paciente passou a apresentar uma qualidade vocal ainda
rouca, embora com menos soprosidade, o que diminui a fadiga
vocal significativamente, havendo, portanto, melhoria na relação
s/z e conseqüente aumento da eficiência glótica. O padrão
articulatório mostrou-se mais definido, o que facilitou a projeção
vocal e melhorou a inteligibilidade da fala. Houve redução da
hipertonia cervical e melhora da coordenação pneumofonoar-
ticulatória, o que propiciou uma emissão mais eficiente.
O tempo de terapia fonoaudiológica foi de, aproximadamente,
quatro meses, com a compensação da paralisia pela prega vocal
sadia. O dado mais importante referido pelo paciente foi a redução
da fadiga vocal, possibilitando o retorno às suas atividades profis-
sionais.
Avaliação e Terapia de Voz 653

Observação – A força empregada nos exercícios de empuxe


deve ser cuidadosamente acompanhada pelo terapeuta, pois é
possível a instalação de lesão secundária iatrogênica, como
reação nodular por excesso de exercícios de esforço. Para este
acompanhamento, é indicado atenção especial à melhora da
qualidade vocal, com redução expressiva da soprosidade, assim
como acompanhamento ORL para verificar o grau de aproxima-
ção das pregas vocais durante a fonação e durante os exercícios
ministrados.

Caso 3 – Paciente L.N., 23 anos, ator (Fig. 27.10)


Principais dados de anamnese
O paciente refere cansaço vocal, rouquidão e piora da
qualidade vocal frente ao uso intensivo da voz. Desde criança
possui uma voz diferente, “um pouco rouca”, mas tem apresen-
tado piora importante nos últimos seis meses, coincidindo com
um período de uso excessivo da voz profissionalmente. Tem
apresentado episódios de grande tensão por instabilidade fre-
qüente da qualidade vocal, com esforço evidente para se comu-
nicar. Seu irmão e pai apresentam vozes similares a dele, mas
não tão roucas (sic).

Avaliação do comportamento vocal


O paciente apresenta qualidade vocal áspera e bitonal, em
grau de alteração moderado, com tempos máximos de fonação
reduzidos, ao redor de 8s, e relação s/z indicativa de coaptação
glótica incompleta (s/z = 1,6). Foi observada a presença da
síndrome de tensão musculoesquelética, associada a ataques
vocais bruscos alternando com aspirados, pescoço com massa
aumentada e dor à palpação, veias túrgidas, reduzida abertura
de boca e projeção de mandíbula associada à maior intensidade
da voz, laringe elevada no pescoço e redução do espaço da
membrana tireoióidea. A ressonância predominante é a
laringofaríngea, com grande esforço à fonação. O pitch da voz
é agudo, com freqüência fundamental ao redor de 187 Hz, com
traçado espectrográfico irregular e presença de ruído na região
aguda do espectro. A psicodinâmica é negativa, dando a im-
pressão de que o paciente é mais velho e instável emocional-
mente.

Exame otorrinolaringológico
O exame otorrinolaringológico específico da laringe foi realiza-
do através de telelaringoscopia e evidenciou uma inadaptação
vocal, com presença de microdiafragma laríngeo e fenda fusiforme
à fonação, configurando um quadro de disfonia funcional por
inadaptação vocal. A mucosa mostrou reduzida vibração de sua
túnica, à estroboscopia. Demais regiões: n.d.n.
654 Fonoaudiologia Prática

LRN – Telelaringoscopia

LRN – Pré-fono

LRN – Pós-fono

FIGURA 27.10 – Imagens da laringe. Disfonia funcional por inadaptação vocal, com microdiafragma
laríngeo e fenda fusiforme, pré e pós-reabilitação vocal. Observe na imagem superior, durante a
respiração, a presença do microdiafragma laríngeo; na imagem do meio observe a grande fenda glótica
à fonação e na imagem inferior perceba a maior aproximação das pregas vocais, com a conseqüente
redução da fenda glótica, após a reabilitação vocal.
Avaliação e Terapia de Voz 655

Conduta fonoaudiológica
A conduta do caso foi reabilitação vocal, com o objetivo de
melhoria da qualidade vocal e redução da freqüência fundamental
da voz através de exercícios que propiciem um aumento da
vibração de onda de mucosa, redução da fenda glótica e conse-
qüente aumento da eficiência vocal. A redução de mecanismos
compensatórios negativos, uma orientação completa e profunda
sobre o uso profissional da voz as possíveis limitações do paciente
foram também trabalhados em terapia.
Os principais tópicos do planejamento terapêutico incluíram:
• Orientação sobre o uso profissional da voz e higiene vocal.
Procuramos esclarecer ao paciente o mecanismo normal de
produção da voz, assim como identificar e reduzir possíveis
hábitos vocais que possam contribuir para uma piora do
quadro apresentado.
• O trabalho de orientação abordou a limitação vocal que o
paciente apresenta em função do diagnóstico médico.
• Exercícios vibratórios foram enfatizados a fim de ampliar a
vibração da túnica mucosa, na tentativa de reduzir a fenda glótica,
gerando uma qualidade vocal mais estável e menos soprosa.
• Técnica do /b:/ prolongado para abaixar a laringe no pesco-
ço, melhorar a coaptação das pregas vocais e reduzir a
freqüência fundamental.
• Hidratoterapia, ou seja, ingestão de cerca de 2 litros diários
de água foi altamente recomendado.
• Exercícios de ressonância foram realizados a fim de melho-
rar a eficiência glótica e reduzir tanto o esforço quanto a
tensão cervical.
• Exercícios de associação corpo-voz para melhorar a emis-
são global da voz.

Evolução terapêutica
O paciente apresentou melhora evidente da qualidade vocal, o
que pode ser observado na análise do traçado espectrográfico, o que
indica uma emissão menos soprosa, mais eficiente, estável e durável
(Fig. 27.11). O aumento nos tempos máximos de fonação de 8 para
14 segundos, e uma relação s/z mais próxima a 1 (relação s/z = 1,3)
também contribuíram para o melhor ajuste vocal. A freqüência
fundamental reduziu para 160 Hz, quase que no limite da emissão
masculina. Houve também melhora do padrão articulatório e um
melhor equilíbrio ressonantal, o que contribuiu para uma tonicidade
mais adequada das estruturas envolvidas. O melhor equilíbrio adqui-
rido mostrou-se também bastante evidente na avaliação laringológica.
O paciente obteve, assim, maior satisfação com sua voz, contribuindo,
inclusive, para um melhor rendimento profissional.
Apesar da melhora obtida na qualidade vocal, com maior
estabilidade e facilidade à emissão, não houve eliminação com-
pleta da disfonia. O período de reabilitação foi de cerca de 8
656 Fonoaudiologia Prática

meses, inicialmente duas vezes por semana, e a partir do terceiro


mês com uma sessão semanal. Evidentemente, se tivéssemos
tido a possibilidade de auxiliar o paciente em sua escolha profis-
sional, teríamos alertado o paciente quanto a prováveis limitações
vocais que ele viria a encontrar em sua profissão de ator, devido
ao quadro de alteração estrutural mínima apresentado, tanto
quanto às questões de flexibilidade vocal como a aspectos de
resistência fonatória, limitada devido ao desvio embriogenético
laríngeo observado. Contudo, o paciente mostrou-se satisfeito
com a evolução do tratamento e com o fato de ter aprendido a lidar
com sua voz e a sair sozinho de episódios de disfonia.
Observação: através do tratamento fonoaudiológico, não existe
a possibilidade de regressão do microdiafragma. O que se procura
é a estabilização do quadro através de mecanismos compensató-
rios e melhora do padrão já utilizado pelo paciente, reduzindo-se
as crises disfônicas e aumentando-se a resistência vocal.

FIGURA 27.11 – Traçado espectrográfico do paciente do Caso 3 (Fig. 27.10), pré e pós-reabilitação
vocal, onde se evidencia a melhoria obtida através de maior estabilidade no traçado espectrográfico
(programa computadorizado SOUNDSCOPE, da G.W. INSTRUMENTS, de Boston, EUA).
Avaliação e Terapia de Voz 657

COMENTÁRIO FINAL
Todo o indivíduo que vai se submeter a um processo de
reabilitação vocal, ou mesmo a um trabalho de desenvolvimen-
to de voz falada ou cantada profissional, deveria passar por
uma avaliação fonoaudiológica e otorrinolaringológica deta-
lhada.
Os dados desta avaliação não devem ser considerados
como uma realidade estática, mas sim, como um subsídio para
o tratamento, no caso de um paciente com disfonia, ou para o
controle da anatomofisiologia, no caso de indivíduos normais
que serão submetidos a um processo de transformação vocal
para a fala ou para o canto profissionais. Nem sempre os dados
permitem ter um diagnóstico preciso, o que dará maiores subsí-
dios ao atendimento fonoaudiológico, porém, pode-se trabalhar
nos casos de dúvida diagnóstica e até mesmo de ausência de
diagnóstico formado, desde que se compreenda a atuação
exploratória como um procedimento excepcional e de curta
duração e que, muitas vezes, apresenta finalidade diagnóstica
e de avaliação do próprio caso.
Além disso, quando o tratamento proposto é a reabilitação
vocal, é importante procurar oferecer ao paciente um atendi-
mento abrangente que inclua a orientação, a psicodinâmica e o
treinamento vocal. Quando consideramos o treinamento vocal
como trabalho direto e o trabalho de base (representado pela
orientação e pela psicodinâmica) como indireto, não escalonamos
a importância de um sobre o outro e sim, identificamos como
direto aquele trabalho que atua sobre o indivíduo, na relação
psicossocial no momento e situação da comunicação. Acredita-
mos que ambos os trabalhos devem ser realizados no tratamen-
to das disfonias, pois o treinamento vocal por si só não garante
ao indivíduo o uso automatizado do ajuste motor conseguido
durante os exercícios. Da mesma forma, o trabalho de funda-
mento sozinho não leva à mudança do comportamento vocal.
Acreditamos, no entanto, que a associação de orientação,
psicodinâmica e treinamento vocais oferece as melhores condi-
ções para a transferência do comportamento em terapia para a
vida diária.
Muitos pacientes terão alta fonoaudiológica com uma voz
que pode ser considerada normal, outros com a melhor voz
possível e, ainda outros indivíduos terão sua produção vocal
sob controle, porém, serão passíveis a episódios de disfonia,
seja por traços de personalidade ou questões idiossincrási-
cas, seja por aspectos anatomofuncionais; nessa última situa-
ção, ensinar o paciente a lidar com sua própria voz e a
melhorar sua produção vocal, mesmo nas situações de disfonia,
pode ser o grande objetivo da atuação fonoaudiológica.
658 Fonoaudiologia Prática

Leitura recomendada
ARONSON, A.E. – Clinical Voice Disorders. 3ª ed. New York, Thième-
Stratton, 1990.
BEHLAU, M. – Considerações sobre a análise acústica em laboratórios
computadorizados de voz. In: ARAÚJO, R.B.; PRACOWNIK, A.;
SOARES, L. Fonoaudiologia Atual. Rio de Janeiro, Revinter, 1996.
pp. 93-115.
BEHLAU, M. & PONTES, P.A. – Avaliação Global de Voz. São Paulo,
EPPM, 1990a.
BEHLAU, M. & PONTES, P. – Princípios de Reabilitação Vocal nas
Disfonias. 2ª ed. São Paulo, EPPM, 1990b.
BEHLAU, M. & PONTES, P. – Avaliação e Tratamento das Disfonias.
São Paulo, Lovise, 1995a. 312pp.
BEHLAU, M. & PONTES, P. – Disfonias psicogênicas. In: FERREIRA,
L.P. Um Pouco de Nós Sobre Voz . Barueri, Pró-Fono, 1992.
BEHLAU, M. & PONTES, P. – Proposta de índice de disfonia a partir de
escala perceptual. In: ANAIS do 3º Congresso Brasileiro de
Laringologia e Voz e 1º Encontro Brasileiro de Canto. Rio de Janeiro,
1995b. 36pp.
BERNSTEIN, L. & BERNSTEIN, R.S. – Interviewing, a Guide for Health
Professionals. East Norwalk, Appleton – Langue, 1985.
BOONE, D. & McFARLANE, S. – The Voice and Voice Therapy. 4ª ed.
Englewood Cliffs, Prentice Hall, 1988.
CASPER, J.K.; BREWER, D.W.; COLTON, R.H. – Variations in normal
human laryngeal anatomy and phisiology as viewed fiberscopically.
J. Voice, 1:180-185, 1987.
COLTON, R.H. & CASPER, J.K.- Understanding Voice Problems. A
Physiological Perspective for Diagnosis and Treatment. Baltimore,
Williams & Wilkins,1990.
FEX, S. – Perceptual evaluation. J. Voice, 6:155-158, 1992.
ISSHIKI, N.; OKAMURA, M.; TANABE, M.; MORIMOTO, M. – Differential
diagnosis of hoarseness. Folia Phoniatr. (Basel), 21:9-23, 1969.
SONNINEN, A. & HURME, P. – On terminology of voice research. J.
Voice, 6:188-193, 1992.
STEMPLE, J.C. – Principles of voice therapy. In: STEMPLE, J. Voice
Therapy. Clinical Studies. St. Louis, Mosby, 1993. pp. 1-7.
ZIEMER, R. – Mitologia pessoal e padrões de comunicação. Dist.
Comunic., 6:1-5, 1993.
Trabalho Corporal no Atendimento ao Disfônico 659

28
Trabalho Corporal no
Atendimento ao Disfônico

Maria Elisa Martins Cattoni

A aceitação da escuridão é a porta para se encontrar a luz.

INTRODUÇÃO

Este trabalho é fruto de uma busca da compreensão sobre a


voz, que se iniciou diante de uma experiência de “perda” de voz.
Descreverei, resumidamente, alguns fatos, o quê eles desenca-
dearam em mim e que caminhos fui encontrando.
Desde que me formei, em 1972, comecei a atender em
consultório junto com um médico otorrinolaringologista, tendo
uma demanda predominante de pacientes disfônicos. Eu os
atendia dentro de uma abordagem orgânico-funcional, acompa-
nhada de supervisão, como habitualmente.
Por volta de 1980, com grande surpresa e frustração comecei
a ter sintomas de rouquidão e perdas intermitentes de voz. Como
se pode imaginar, uma fonoaudióloga com disfonia e atendendo
pacientes disfônicos! É uma situação difícil de sustentar muito
tempo. Diagnosticou-se um pequeno nódulo e indicou-se terapia
fonoaudiológica e psicológica. Realmente vivia um momento de
grande estresse emocional. Mas pensava... “problemas de ordem
mental todos têm (NOGUEIRA, 1993), mas por que sobrecarregava
a voz?... e os cantores, atores e profissionais da voz, muitas vezes
são tão “complicados”... e quantos não têm problemas na voz”?
Vivenciei momentos de muita tristeza, pois me dava conta de
que tinha toda a técnica e até alguma experiência com disfonias,
mas tudo isto não me trazia benefícios. Desconfiava que o
660 Fonoaudiologia Prática

problema poderia não estar na técnica, mas no modo de vivenciar


a terapia de voz. Eu me submeti à terapia fonoaudiológica e notei
que a fonoaudióloga tinha uma conduta semelhante à minha. Era
corretiva: eu recebia orientações, fazia exercícios, relaxamento.
O uso da massagem, em algumas sessões, foi algo que me
chamou a atenção. Senti um bem-estar muito grande e um relaxa-
mento diferente, que não era só físico nem só psíquico. Hoje sei
do quê se tratava e abordarei o assunto no decorrer do capítulo.
Fiquei em terapia por dois meses e resolvi receber massagens.
Foi surpreendente a transformação gradual da minha voz. A mas-
sagem foi suficiente e com o tempo pude fazendo os exercícios
vocais e ir mantendo a voz, até que o nódulo desapareceu.
Encerrei-me num questionamento profundo sobre a natureza
da produção vocal, as técnicas que utilizava, as teorias que
fundamentavam a terapia de voz, a dinâmica do atendimento
terapêutico. Enfim, foram anos dedicados à busca de uma terapia
mais harmônica com a natureza do fenômeno da voz.
Foi após estes fatos que resolvi adentrar o vasto campo de
estudos sobre o corpo, as técnicas corporais e a psicanálise.
Considero minha trajetória rica mas também muito conflitante,
pois à medida que aumentava o meu conhecimento sobre o
funcionamento humano, ao nível mental, físico e energético, o
estabelecimento de novas condutas terapêuticas se tornava ne-
cessário. Era preciso arriscar. Vivenciei momentos de muitas
confusões, muita solidão, pois compartilhar com o meio fonoau-
diológico e médico estas experiências era muito difícil para mim.
As recompensas também foram muitas e a maior delas foi come-
çar a atender os disfônicos dentro de uma abordagem mais
coerente com a minha experiência. O cuidado com o corpo ocupou
um lugar central na terapia.

Não acrediteis em alguma coisa


Pelo fato de vos mostrarem o testemunho escrito
De algum sábio antigo,
Não acrediteis em coisa alguma
Com base na autoridade de mestres e sacerdotes;
Aquilo, porém, que se enquadrar na vossa razão,
E depois de minucioso estudo
For confirmado pela vossa experiência,
Conduzindo ao vosso próprio bem
E ao de todas as outras coisas vivas;
A isso aceitai como verdade;
Por isso, pautai vossa conduta!
SAKYA-MUNI (Buda)
(In: NOGUEIRA, 1993, p. 57)

Desde 1983 venho me dedicando ao atendimento de disfonias,


a grupos de impostação vocal, ao trabalho corporal e ao ensino
desta abordagem para fonoaudiólogos.
Trabalho Corporal no Atendimento ao Disfônico 661

Sou muito grata aos meus pacientes e “pacientes-fonoau-


diólogos” que com seu voto de crédito me ofereceram uma
experiência ímpar de ir me formando, pela experiência, nesta área
da fonoaudiologia.
Esclareço, ainda, que vou me ater neste capítulo, por uma
limitação do tema, a fundamentar e descrever o trabalho corporal
que realizo, sem me referir ao trabalho com a voz, especificamen-
te. São duas etapas bem definidas na terapia: em um primeiro
momento de liberar a voz e em outro, utilizá-la, dominando-a com
precisão, isto é, impostando-a.

OBSERVAÇÕES E CONSIDERAÇÕES SOBRE A


NATUREZA DO FENÔMENO DA VOZ
Para que se possa ter uma compreensão da importância do
trabalho corporal na terapia da voz, é necessário o esclarecimento
de alguns pressupostos sobre o conceito de voz, suas alterações
e seu tratamento:

a) A voz é som
A observação tem mostrado que o som vocal acontece em
função de uma vibração das pregas vocais, proveniente de uma
ação comandada ou não pelo sujeito. Esta ação implica um
movimento de energia. Entende-se o conceito de energia como:
“ 1. maneira como se exerce uma força; 2. vigor; 3. Aristóteles:
o exercício da atividade em oposição à potência da atividade; 4.
propriedade de um sistema que lhe permite realizar trabalho.
Pode ter várias formas: calorífica, cinética, elétrica, eletromag-
nética, mecânica, potencial, química, radiante; transformáveis
umas nas outras, e cada uma capaz de provocar fenômenos
bem determinados e característicos nos sistemas físicos. A
energia não pode ser criada, apenas transformada” (AURÉLIO ,
1986, p. 650).
Fazendo-se uma comparação da voz com a música, pode-se
notar as semelhanças ao descrevê-las: qualidade-timbre, tons-
altura, ritmo, extensão, entonação-melodia, ressonâncias, ata-
ques e intensidade. A voz é a música no ser humano.
Para se obter uma música de boa qualidade faz-se necessá-
rio um instrumento de boa constituição-construção e afinado,
além de um músico com ouvido bem desenvolvido para tocá-lo.
E para se obter uma voz de boa qualidade, o que é necessário?
É fundamental um instrumento, isto é, um corpo com vitalidade e
flexibilidade, um falante com um “ouvido” bem desenvolvido e uma
postura (interna) para conduzir os sons com determinação e poder,
atendendo às suas necessidades e/ou desejos. Sem essas condi-
ções, pode-se dizer que há uma disfonia funcional, onde o indivíduo
está submetido a fatores diversos, que impedem a plena utilização
do seu potencial vocal.
662 Fonoaudiologia Prática

b) A voz nasce na laringe


O que significa isto?
Não é simplesmente um desejo que determina este aconteci-
mento. O desejo de produzir o som é necessário, mas não é
suficiente para que se realize. Muitas vezes observam-se pessoas
muito interessadas em desenvolver a voz, que fazem até muito
investimento, mas encontram limites que são determinados por
vários fatores. Então, pedir para um indivíduo produzir um som,
como comumente se diz, torna o fenômeno como passível de ser
realizado, o que é uma parte da verdade, pois ele depende de
fatores alheios ao controle consciente e, portanto, não é o indiví-
duo o único responsável pela emissão. O acontecer da voz é um
ato inesperado, é uma descoberta, necessita de riscos (entrega
ou perda de controle) e de soltura. É a isto que se chama nascer
a voz, acontece num dado momento, necessitando do desenvol-
vimento da percepção auditiva, da liberação de bloqueios no
corpo, de aguçada percepção corporal, de uma capacidade de
comandar o ar e da possibilidade de relaxamento na laringe,
principalmente nas pregas vocais. Aí ela nasce com toda a
potência possível.
Pode parecer uma forma poética de expressar um funciona-
mento, mas o importante é a ênfase em fatores relacionados ao
desenvolvimento e não tanto ao comportamento. Há algo que já
tem existência e o que se necessita é evoluir.
Sabe-se que para haver desenvolvimento é preciso envolvi-
mento emocional, interesse, investimento, usando uma lingua-
gem psicanalítica. No caso da voz, o investimento é um tanto de
energia livre para se manifestar, mas o que se observa no corpo
dos disfônicos são variados graus de inflexibilidade e ineficiência
na arte de conduzir o som. Sabemos, pela prática clínica, que o
disfônico quer resolver, quer “dicas” de como agir para ter uma
“boa” voz (quem não quer?). Ora, isto se opõe à natureza do
fenômeno e não deve fazer parte da terapia, uma vez que a voz
irá se revelando à medida que o indivíduo for se envolvendo com
o processo de investigação e pesquisa de sua dinâmica corporal,
seus ritmos e seu funcionamento vocal.
É a partir desta óptica que o trabalho corporal passa a ter
sentido no contexto terapêutico. Necessita-se eliminar os blo-
queios que impedem que o que já existe, em potencial, se revele.
Trata-se muito pouco de produzir o som e muito mais de criar
condições perfeitas para que ele “nasça”.
Certa vez, perguntaram a um escultor famoso como ele
conseguia produzir suas esculturas com tanta perfeição e arte. Ele
respondeu: “Ao me deparar com uma imagem na pedra, eu retiro
toda a pedra que está atrapalhando e a imagem aparece.” E é
assim também que a voz pode ser vista. Portanto, a terapia
acompanha esta visão: é mobilizar o que está paralisado, buscan-
do a voz-energia suficiente para ser comandada pelo indivíduo
Trabalho Corporal no Atendimento ao Disfônico 663

que a “perdeu” (de sua consciência e manifestação). A visão de


que o som nasce não se opõe à visão que o som é produzido;
aponta-se aqui que é a necessidade de estabelecer condições
para que seja produzido. É a matéria-prima da voz, a energia, que
dá a possibilidade da emissão vocal.

c) A disfonia é um sintoma
É um resultado. É fim de um processo. Assim como qualquer
sintoma foi a solução “encontrada” pelo corpo para dar conta de
uma dinâmica, que de certa forma não pôde ser percebida, tratada
ou cuidada. Que dinâmica é esta?
Assim como a neurose é um sintoma de uma série de conflitos
inconscientes, a disfonia essencialmente é um sintoma de uma
série de bloqueios energéticos. O que se pretende, então, não é
tratar de um resultado, propondo-se um outro resultado. Conti-
nuando com a comparação, seria como pedir a um neurótico que
deixe de se comportar de uma maneira para se comportar de outra
(NOGUEIRA , Supervisão Clínica). Isto pode ter eficiência, apresen-
tar alterações rápidas, mas não se harmonizam com a natureza
do fenômeno. Pretende-se que a terapia fonoaudiológica vá além
da correção de padrões corporais e fonatórios inadequados e
busque uma profundidade maior em sua interferência, procurando
transformar a estrutura e a dinâmica destes padrões. Deve-se
lembrar que as defesas psíquicas e as “defesas-corporais-
sintomas” visam preservar a vida e, portanto, não podem ser
tratadas simplesmente como inadequações ou comportamentos
passíveis de mudança consciente, bastando vontade.
Realizado o diagnóstico, volta-se a atenção para a dissolução
dos impedimentos possíveis (ao nível do corpo e da percepção
corporal) e o despertar da vontade do indivíduo de comandar
novamente esta força inata, a voz, para suas necessidades. A
imagem de um cavaleiro que aprende a dominar um cavalo pode
aqui ser utilizada.
Outra comparação que pode ser feita para favorecer a com-
preensão é visualizar a figura de um maestro regendo uma
orquestra. Se o maestro (indivíduo) não souber conduzir com
precisão e determinação, a orquestra (sons) se perde. É assim
que se vêem as distorções da voz: perde-se a altura, a ressonân-
cia, a intensidade e o indivíduo fica submetido aos fatores que não
pode controlar.
O fonoaudiólogo não se ocupando apenas com o resultado
mas com o processo de redescoberta do paciente, pode se libertar
da necessidade de estabelecer regras e condutas que interferem
diretamente no problema; assim ocupa-se em estabelecer um
clima de tranqüilidade diante dos “erros” no comportamento e
produção vocal, confiando que mudanças possam ocorrer natu-
ralmente, à medida que se vão conhecendo os fatores envolvidos
no processo.
664 Fonoaudiologia Prática

Observa-se que raramente os disfônicos têm desenvolvida


uma atitude amorosa para consigo mesmo, respeitando os pró-
prios limites. É tarefa do fonoaudiólogo contribuir para que isto
possa ir acontecendo. Geralmente, o que se nota é uma atitude
crítica condenatória para consigo mesmo e para com os outros,
determinando comportamentos movidos mais pelo “eu tenho que”
do que “eu quero” ou “eu necessito”. Muitas vezes, isto se reverte
em exigências e cobranças ao próprio terapeuta, como se os
resultados dependessem somente de atos conscientes. Ouvem-
se frases do tipo: “Puxa! A minha voz piorou de novo, o que será?”,
com o objetivo de que o fonoaudiólogo explique o que se passou,
sem que ele necessite investigar, estabelecer relações, acreditan-
do que há alguém, mais do que ele mesmo, capaz deste conhe-
cimento. Vale a pena auxiliá-lo a tolerar a “ignorância” e despertar-
lhe o interesse para a descoberta. É importante agir com
discernimento, sem assumir posturas de quem “sabe tudo”.
Uma frase de Freud, muito feliz e verdadeira, pode aqui ser
lembrada: “Só o conhecimento traz o poder”. Poder não se
refere aqui, a poder sobre algo ou alguém, mas tem o sentido de
“poder” acontecer, de realização, de manifestação, de expres-
são, de abrir possibilidades. Tem a conotação de um processo
natural. O conhecimento necessita da vivência do “conhece-
dor”, pois uma pessoa bem-informada não significa que tem
sabedoria. Pode ser “sabida” mas não sábia. É necessário um
caminho pessoal. Muitas vezes apresenta-se a seguinte per-
gunta: Como trabalhar com a voz dos outros, sem conhecer
a sua própria? Será que o fonoaudiólogo conhecendo seu
objeto de estudo, a voz humana, em si mesmo não se tornaria
mais sensível e humano em suas terapias? Minha experiência
mostra que sim. As atitudes autoritárias que muitas vezes
surgem pela ausência de conhecimento, tendem a ir desapare-
cendo e vão perdendo o sentido.

A única maneira de curar é ser curado.


Ninguém pode pedir ao outro para ser curado. Mas pode
deixar-se curar e assim oferecer ao outro o que recebeu. Quem
pode oferecer a outro o que não tem? E quem pode compartilhar
aquilo que nega a si mesmo?
(Um curso em Milagres, p. 619)

Prefere-se, sem sombra de dúvida, uma abordagem onde a


gratificação do fonoaudiólogo esteja em perceber seu paciente
envolvido no processo de conhecer e desenvolver a voz, ao invés
de apenas se “livrar” do sintoma.
Um enfoque que propõe aceitar e conviver com as limitações,
para superá-las, auxilia muito a conter a ansiedade e pressa, tão
característica do disfônico, favorecendo um estado de maior
tranqüilidade durante o processo terapêutico. Sabe-se que a
Trabalho Corporal no Atendimento ao Disfônico 665

exigência do disfônico para com ele e para com o outro é muito


intensa, sobrando muito pouco tempo para “respirar”.

AS TEORIAS DE WILHELM REICH E DA MEDICINA


CHINESA QUE NORTEIAM E JUSTIFICAM O
TRABALHO COM O CORPO
WILHELM REICH era austríaco e nasceu em 1897. Formou-se
em Medicina em 1922, em Viena, e estudou neuropsiquiatria,
dedicando-se também ao estudo de Biologia. Iniciou sua prática
de psicanalista concomitantemente com a atividade psiquiátrica e
foi assistente clínico na Clínica Psicanalítica dirigida por FREUD. A
partir de 1934, REICH transferiu-se para Oslo onde iniciou um
trabalho experimental de laboratório em fisiologia, biologia e
biofísica. Em 1939, estabeleceu-se em Forest Hill, New York, e em
1950, criou o Centro de Orgônio ou Energia Vital. REICH morreu
em 1957 (REICH , 1978), deixando uma vasta literatura sobre suas
descobertas.
Inicialmente, eu utilizava as técnicas corporais com o objetivo
de relaxamento muscular, porém esta prática não se mostrava
suficiente, pois fazia-se necessário alterar também a dinâmica da
energia no corpo do indivíduo.
A teoria de Reich esclarecia a minha experiência no atendi-
mento clínico e me auxiliava a compreender que além dos
processos orgânicos e funcionais envolvidos na produção vo-
cal, existem também processos energéticos. Da mesma forma,
encontrei também na Medicina Chinesa, uma proposta para
recuperar e reequilibrar a energia vital no organismo.
Baseada em suas obras e na minha vivência clínica, fui
desenvolvendo um trabalho de toque e mobilização de energia
retida no organismo, que favorece a descontração muscular e
restabelece uma nova direção para o fluxo de energia, trazendo
benefícios para o estabelecimento de uma voz com melhor
qualidade.
Tentarei fazer uma reflexão sobre as principais descobertas
de REICH e da Medicina Chinesa, que me estimularam ao uso do
trabalho corporal para auxiliar a recuperar o potencial vocal dos
disfônicos.

O que é energia?
O prólogo do livro de GERDA BOYESEN, na obra “Entre Psiquê
e Soma” (1985), traz um pensamento que expressa uma verdade:
“Antes da fotografia Kirlian e as descobertas científicas russas
sobre a Energia Bioplasmática, eu não teria ousado apresentar
este livro ao público ou utilizar o conceito de “Energia”. A “energia
vital” hoje é um conceito científico e é o tema central deste livro”
(p.18).
666 Fonoaudiologia Prática

Geralmente é difícil abordar este tema, pois falar sobre ener-


gia é sempre muito arriscado por ser um termo desgastado,
genérico e vago. Não se trata, entretanto, de uma crença, mas de
uma vivência. Percebe-se, toca-se, promove-se, mobiliza-se,
mas para isto é preciso conhecer e experimentar.

O conceito de energia segundo a psicanálise e


a orgonoterapia
FREUD descrevia o funcionamento mental sob três aspectos,
a saber: o tópico (id-ego-superego), o dinâmico (angústias, defe-
sas e conteúdos) e o econômico (circulação e divisão da energia).
Com o tempo, este último aspecto foi perdendo a importância na
prática psicanalítica. Na verdade, o interesse foi-se centrando no
aspecto dinâmico do funcionamento mental, deixando-se de lado
o aspecto econômico ou energético, haja vista que a experiência
mostrava ser este desnecessário para esclarecer a vida mental.
REICH, baseado em suas observações no atendimento de
pacientes, retomou o aspecto econômico e estabeleceu sua
relação com o aspecto dinâmico, criando uma Teoria e Prática,
denominadas inicialmente, de Análise do Caráter, e depois, de
Vegetoterapia e, finalmente, de Orgonoterapia. Foi expulso da
Sociedade de Psicanálise, sendo sua abordagem considerada
absolutamente discordante da teoria e metodologia psicanalítica.
Os principais conceitos desenvolvidos por REICH (1989) utili-
zados nesta abordagem são:
a) Energia orgônica – Citando suas próprias palavras: “É
uma forma de energia estritamente física” (p. 319). Chamou-a de
energia vital e posteriormente cósmica. “A energia orgone cósmi-
ca funciona no organismo vivo como energia biológica específica
e governa todo o organismo; exprime-se tanto nas emoções como
nos movimentos puramente biofísicos dos órgãos” (p. 320). Isto
auxilia a esclarecer a relação da voz com fatores energéticos ou
emocionais.
b) Emoção – “No sentido literal, “emoção” significa “movimen-
to para “expulsão”. Fundamentalmente, a emoção não é mais do
que um movimento plasmático, isto é, estímulos agradáveis
provocam uma “emoção” do protoplasma, do centro para a peri-
feria. Por outro lado, estímulos desagradáveis provocam uma
“emoção” do protoplasma, da periferia para o centro do organis-
mo. São duas direções fundamentais da corrente biofísica do
plasma que correspondem a dois afetos básicos, percebidos pelo
indivíduo como prazer e angústia. Funcionalmente são idênticos
e também antitéticos, ou seja, um não existe sem o outro. Emoção,
neste contexto, é um movimento no plasma celular, nos fluidos do
corpo” (p. 320). O conceito de emoção descrito por REICH apre-
senta uma diferenciação entre emocional e mental (psíquico). A
emoção é o que se vive em cada momento; é a raiva, o medo, a
alegria, a tristreza. Já o psicológico é a maneira individual de se
Trabalho Corporal no Atendimento ao Disfônico 667

lidar com a vida emocional. A emoção pertence ao campo bioló-


gico. O controle emocional pode causar os sintomas.
c) Expressão emocional – Novamente, utilizando-se de suas
palavras: “O processo fisiológico da emoção plasmática, ou
movimento expressivo, está ligado, inseparavelmente a um signi-
ficado, e que chamamos de expressão emocional” (p. 322). A
expressão emocional é anterior à expressão com palavras: basta
ver um bebê para se supor o que “ele está falando”. (Quantas
vozes de disfônicos apresentam este componente? A perda da
voz dos disfônicos não pode ser a perda parcial da expressão
emocional?) Nesse momento, REICH associa que cada emoção
corresponde a um significado, apontando a natureza subjetiva da
expressão emocional.
d) Unidade funcional do organismo – Torna-se inconcebí-
vel qualquer divisão entre corpo e mente, psíquico e somático. A
relação contínua entre um e outro é o que constituiu o termo
psicossomático. Pode-se comparar com a relação contínua entre
mandíbula e maxila. Não existe uma sem a outra. Estabelece-se
que para todo movimento psíquico existe um movimento somático
(plasmático) correspondente. Este conceito evidencia a condição
inexorável no ser humano de estabelecer relações: tudo que
existe, existe em relação a algo.
e) Estase – O ser humano necessita de si mesmo e de outro
ser vivo para poder estabelecer uma troca energética e quando
isto é interrompido, por diversos fatores, ocasiona um bloqueio e
neste momento, se constitui uma estase ou estagnação energé-
tica. Com o tempo, se a impossibilidade de expressão se mantém,
é possível provocar manifestações no plano físico ou psíquico,
isto é, os sintomas (NAVARRO, 1987). Esse Autor afirma:“ A
energia estagnada, em estase, torna-se perigosa para o corpo,
como um pântano que exala miasmas” (p. 22). Considera-se a
disfonia provocada por estase energética, pois a experiência
mostra que apenas com o trabalho corporal, a qualidade vocal
pode melhorar sensivelmente. As estases energéticas, organi-
zam-se no corpo, formando a couraça muscular.
f) Couraça muscular – É uma “construção” que vai se
formando ao longo da vida do indivíduo e que tem como função
reter, controlar, inibir a expressão emocional do organismo, é o
correspondente corporal das defesas psíquicas. Segundo REICH:
“O corpo exprime que está se retraindo (p. 326)”. A atitude básica
do corpo encouraçado é automática, sendo que a pessoa não tem
consciência de sua couraça (como de suas defesas). Observa-se
que o indivíduo distorce as percepções internas da vida, de seu
corpo e dele mesmo (unidade funcional do organismo), aparecen-
do os efeitos (a voz é um deles) da couraça, que não podem ser
modificados em nível consciente. Uma de suas características é
que, além de limitar os movimentos musculares, ela não segue a
direção da fibra muscular, pelo contrário, a direção é transversal,
o que torna o relaxamento insuficiente para modificá-la. Segundo
668 Fonoaudiologia Prática

as descobertas de REICH, a couraça muscular está disposta em


sete segmentos que designou de: ocular, oral, cervical, torácico,
diafragmático, abdominal e pélvico. A tensão excessiva nos
músculos periféricos e no sistema nervoso torna o organismo
encouraçado muito sensível à pressão, desenvolvendo uma hi-
persensibilidade dos músculos. A tarefa do orgonoterapeuta é
dissolver a couraça muscular, ou seja, restaurar a motilidade do
plasma corporal.
A tarefa do fonoaudiólogo que trabalha com a voz é a de
“afrouxar” a couraça muscular, utilizando-se de técnicas corporais
adequadas e promovendo uma certa liberação de energia estag-
nada, o que trará como benefício um aumento na potência vocal.
g) A música – A música “é a forma de expressão ao movimen-
to interno do organismo” (p. 322). Todo ser humano percebe como
a música afeta o seu estado emocional (não se refere aqui ao
estado mental, psicológico, que são determinados pela percep-
ção e consciência). Não se pode imaginar a vida sem a música,
assim como não se pode imaginar a fala sem a voz! A voz, sendo
a música humana, é a forma de expressão ao movimento emo-
cional do indivíduo. Pode-se “ver”, através da voz, como o indiví-
duo está integrado com a sua vida emocional. Exemplificando, a
voz agudizada revela, geralmente, uma pessoa angustiada ou
aflita com a vida emocional.

O conceito de energia segundo a Medicina


Chinesa
De acordo com PRADIPTO (1986, p.11), “energia é atividade. A
matéria é energia. A ciência chegou a esta conclusão quando
conseguiu dividir o átomo e constatou que ele é formado por
partículas com carga elétrica positiva, negativa e neutra. No
Oriente, desenvolveu-se um sistema relacionado à energia vital
dos seres vivos, especialmente do homem. Esta energia básica foi
chamada de ‘ki’. Não é um conceito místico nem filosófico. Em ‘ki’
não se acredita, ‘ki’ se sente. É preciso treino, sensibilização.
Somente a prática nos torna conscientes da capacidade natural
de sentir e perceber a energia”.
A energia resulta de duas forças opostas, que foram denomi-
nadas de: Yang e Yin (ativa e passiva, respectivamente), sendo
dois princípios antagônicos e complementares da unidade. Unem-
se por atração e criam a matéria.
O homem, segundo esta visão, é uma réplica do Universo e
como tal está sujeito às mesmas leis que regem a natureza. Está
submetido a este dualismo intrínseco ao que é vivo, o que
promove uma luta constante entre estas duas forças, necessitan-
do equilibrá-las.
Um sintoma, funcional ou orgânico, é sempre visto, na
Medicina Chinesa, como um desequilíbrio entre as forças exis-
tentes no organismo humano. Tal ciência não se preocupa em
Trabalho Corporal no Atendimento ao Disfônico 669

eliminar a doença, mas em normalizar a energia vital do pacien-


te, enfatizando a saúde. Já a medicina ocidental trata a doença,
enquanto a oriental, o doente. A utilização de ambas as aborda-
gens, considerando o grau de comprometimento do organismo,
permite a realização de tratamentos mais harmônicos com a
natureza humana o que vai de encontro à proposta de REICH,
quando tenta relacionar a psicanálise à biofísica.
Ainda, segundo a Medicina Chinesa, o homem está situado
num plano intermediário entre o Cosmos e a Terra, onde se tem
cinco fontes de Energia (LANGRE, 1995):
a) Energia cósmica – São vibrações verticais que emanam
do Cosmos e que são captadas pelos sentidos e pelos pontos
subcutâneos de energia, localizados ao longo do corpo e in-
fluenciam o seu desenvolvimento, formando o que se conhece
por meridianos.
b) Energia genética ou primordial – É a partícula hereditária,
transportada pelos gametas, oriunda de forças Yang-Yin que
formam o ovo fecundado.
c) Energia microcósmica – São vibrações horizontais ao
nível dos indivíduos: as emoções e sentimentos, que nos “afetam”
constantemente.
d) Energia atmosférica – Ela penetra no organismo pelas
vias respiratórias, através do ar. O homem inicia a sua vida
marcado pelo movimento inspiratório e termina a sua vida pelo
movimento expiratório, o que nos mostra a importância desta
energia no seu ciclo vital.
e) Energia calórica ou de sustentação – É a energia que
retiramos dos alimentos, é energia solar, concentrada mediante o
processo de síntese clorofiliana. O sono entra também como fator
realimentador do organismo.
Para facilitar a compreensão desta teoria, basta olhar para a
experiência humana e estabelecer relações entre estas cinco
fontes de alimento e as necessidades básicas que sentimos ou
percebemos. Elas podem ser: necessidade de conhecer, de criar,
de amar, de expressão, de alimento e de repouso.

“O amor, o trabalho e o conhecimento são as fontes


da nossa vida.
Devem, portanto, governá-la”.
WILHELM REICH (1979, p. 5)

Níveis de energia
A energia é a força motriz e primordial. Ela se organiza em
níveis de densificação da matéria viva, numa escala que inclui
do mais sutil (energético) ao mais denso (somático). Existem no
organismo humano cinco níveis diferentes, estabelecidos con-
forme as funções que desempenham.
670 Fonoaudiologia Prática

As técnicas terapêuticas corporais são baseadas no conheci-


mento desta topografia, conforme pode ser observado na Qua-
dro 28.1:

Quadro 28.1 – Níveis de energia


Nível de energia Técnicas
Ossos tai-chi-chuan, quiropatia, técnicas postu-
rais
Músculos Massagem, Rolfing, Bioenergética, Vege-
toterapia, Psicologia Biodinâmica, Shiatsu
Vasos sangüíneos e linfáticos Exercícios físicos e respiratórios, alimen-
tação, drenagem linfática
Região subcutânea Do-in, Acupuntura, Shiatsu, Moxabustão,
Reflexologia
Pele Ioga, Magnetoterapia, Reiki, Tui-ná, Pola-
ridade

Esta divisão didática procura enfocar os diferentes níveis


separadamente, embora se saiba que ao trabalhar um nível, todos
os demais são favorecidos.
Associando essas teorias, pode-se ter um trabalho fonoau-
diológico com a voz que aceite o sintoma como decorrente de fatores
emocionais (energéticos) e dinâmicos, sempre relacionados à vida
interna (significado), e que atue diretamente sobre o corpo, procu-
rando liberá-lo dos bloqueios energéticos e recuperando a função
da voz, que é uma das formas de expressão do organismo.

ALGUMAS TÉCNICAS CORPORAIS UTILIZADAS NA


TERAPIA DE VOZ
Será feita uma descrição teórica das técnicas corporais e
como podem ser utilizadas na terapia. A necessidade de vivência,
por parte do fonoaudiólogo, em qualquer uma delas é imprescin-
dível para sua aplicação. Tem-se também o objetivo de despertar
o interesse no fonoaudiólogo bem como de incentivar, caso as
conheça, para que sejam utilizadas.

1. Do-in
O Do-in é uma técnica oriental de automassagem. “Presume-
se que o Do-in tenha surgido há cinco mil anos, na China, durante
o reinado de Huang Ti, o lendário Imperador Amarelo, considera-
do o pai da Acupuntura e o formulador de toda a Medicina
Chinesa” (LANGRE, 1995, p.7).
Para se compreender a proposta de trabalho de automassagem
e massagem de Do-in, é preciso esclarecer:
Trabalho Corporal no Atendimento ao Disfônico 671

• O Do-in pretende desbloquear os pontos, chamados tsubos,


que se encontram na área subcutânea do corpo e que
formam os canais condutores de energia, os meridianos.
• Os meridianos são representados por “linhas” de energia,
que sobem e descem, percorrendo o corpo humano, da
cabeça aos pés e do tronco aos braços. São quatorze, sendo
doze, pares e simétricos (Yin-Yang) e dois que correm pelo
centro do corpo; estão relacionados a determinados órgãos
e funções físicas e psicológicas.
A maioria dos meridianos tem o nome do órgão ou função a
que estão relacionados. Os seis pares são: Pulmão e
Intestino Grosso, Estômago e Baço-Pâncreas, Coração e
Intestino Delgado, Bexiga e Rins, Vesícula Biliar e Fígado e
Circulação-Sexo e Triplo Aquecedor. Existem dois meridianos
ímpares: Vaso da Concepção e Sistema Nervoso, que
formam a chamada “pequena circulação de energia”. É
através dos meridianos que os órgãos ficam em contato com
o ambiente externo.
• Do ponto de vista científico, os tsubos são pontos que
apresentam baixa resistência à eletricidade, ou seja, são
bons condutores elétricos. Suas localizações foram desco-
bertas empiricamente, e hoje existem aparelhos eletrônicos,
que confirmam a presença destes pontos.
• Os pontos têm a função de antenas ou captadores da
energia cósmica, que continuamente alimenta o organismo
humano, transformando-a em energia vital, destinada a
cada órgão específico.

O uso do Do-in
Não se pretende utilizar o Do-in como técnica diagnóstica de
sintomas e nem curativa. O propósito de incluir a automassagem
na terapia é aumentar a vitalidade do paciente, através da prática
diária de ativar os pontos, possibilitando um fluxo de energia mais
eficaz até os órgãos e impulsionando a circulação de energia que
está ou poderá estar estagnada na região subcutânea do corpo.
De acordo com a minha experiência, os disfônicos apresen-
tam, geralmente, um excesso de energia estagnada nos meridianos
ligados aos órgãos que tem a função de controle, tanto emocional
como físico, isto é, nos meridianos do Pulmão e do Intestino
Grosso e da Vesícula Biliar e Fígado.
A presença de pontos doloridos ao longo dos meridianos
revela excesso de energia e a pressão, contínua e profunda, com
a polpa dos polegares, pode dissipar (sedar) a energia. Quando
existe alguma deficiência energética, é necessário tonificar o
ponto, aplicando-se pressões superficiais, rápidas, leves e repe-
tidas com as pontas dos dedos (LANGRE, 1995).
Utiliza-se a técnica de automassagem, composta de uma
série de movimentos da mão sobre o corpo, numa certa seqüên-
672 Fonoaudiologia Prática

cia, obedecendo a direção do fluxo de energia. Esta seqüência


foi elaborada pelo Prof. J URACY CANÇADO (Curso de Do-in) e
deverá ser repetida diariamente. Não são movimentos de mas-
sagem para cura específica, mas de caráter geral, sendo que o
efeito tonificador e sedativo é conseguido naturalmente. A
automassagem deve ser ensinada ao paciente e ser aplicada
sobre o seu corpo, para que ele sinta o seu efeito através do
toque do outro.
As técnicas de manipulação constam de sete manobras
básicas: fricção, pressão, percussão, torção, amassamento,
beliscamento, massagem linear e agitação. Com a prática, o
indivíduo poderá criar sua própria série de movimentos, atenden-
do às suas necessidades.
O Do-in é muito útil no desenvolvimento da consciência e
propriocepção do corpo, auxiliando na mudança do padrão respi-
ratório, provocando bem-estar e relaxamento muscular, aumen-
tando a disposição do indivíduo e podendo despertar o seu
interesse para o autocuidado.
Esta técnica é especialmente indicada para pacientes que
apresentam fenda glótica ou hipotonia das pregas vocais e que
apresentam a voz com baixa intensidade, voz hipernasal e falta de
ressonância oral.

2. Shiatsu e alongamento
O shiatsu é uma massagem de origem japonesa, que se
realiza através da pressão (atsu) com a polpa dos dedos (shi ),
especialmente dos polegares e da região tenar e hipotenar das
mãos, sobre os músculos ao longo do corpo. No shiatsu procura-
se “seduzir” o corpo do paciente ao relaxamento (PRADIPTO,
1986).
A aplicação da pressão à superfície do corpo, de uma maneira
gradual e rítmica, tem como objetivo relaxar os músculos e torná-
los flexíveis. Durante e/ou depois de sua aplicação podem surgir
descargas emocionais, de uma forma natural, de acordo com a
condição do indivíduo. Para que o shiatsu seja eficaz não é
necessário e nem é objetivo provocar descargas emocionais. Elas
podem ou não acontecer.
Ao fazer um toque de shiatsu não se está consciente da pele
e músculos, mas da energia ali contida. Tal percepção é um
desenvolvimento de quem pratica esta técnica. O efeito do shiatsu
está ao nível muscular e subcutâneo. Observa-se, também, um
efeito ao nível do metabolismo celular, pois a tensão e a fadiga
impedem que a nutrição das fibras musculares se dê de maneira
satisfatória.
O alongamento, como o próprio nome expressa, se refere ao
ato de estender os músculos numa certa medida, favorecendo o
aumento da flexibilidade e elasticidade. A função do músculo é
propiciar o movimento dos ossos e do ser humano como um todo
Trabalho Corporal no Atendimento ao Disfônico 673

(NAMIKOSHI, 1985). Quando a amplitude dos movimentos (flexibi-


lidade) do indivíduo fica limitada, favorece o aparecimento de
doenças ou de sintomas típicos, comprometendo a saúde e
provocando inúmeras dores nas regiões articulares.
A terapia do alongamento é mais recente, se comparada com
a terapia do shiatsu. Associá-las, torna o trabalho bastante bené-
fico, pois o shiatsu relaxa e o alongamento distende, promovendo
o restabelecimento do equilíbrio energético das células e do
sistema como um todo.

O uso do shiatsu e do alongamento


Não é novidade alguma para quem atende disfônicos obser-
var o estado crônico de tensão muscular nas regiões do pescoço,
ombros e membros superiores. Os movimentos estão muito
limitados e um leve toque nestas áreas provoca dor. O indivíduo
raramente tem percepção de seu estado muscular e de sua
relação com o problema vocal, dizendo: “O meu problema é só na
voz, o resto está tudo bem ”.
Não se pode negar que os disfônicos estão submetidos a um
controle intenso no que se refere à vida emocional, e as pregas
vocais, que tem uma função esfincteriana, entram num estado de
muita contração. Deve-se retornar aqui à visão reichiana, onde o
músculo, numa de suas múltiplas funções, retém o movimento
emocional, a emoção. Manter a soltura dos músculos implica
numa atitude de aceitação para com a vida emocional.
No trabalho com o shiatsu, deve-se dar ênfase às seguintes
áreas:
a) Cervical – O trabalho é realizado sobre os músculos do
pescoço, que pertencem ao grupo esternocleidomastóideo,
músculos escalenos e os músculos angulares da escápula;
os músculos pequeno e grande retroposterior da cabeça, asso-
ciados à região da medula oblonga; os músculos trapézio,
esplênio cervical e semi-espinhal da cabeça.
b) Região escapular e membros superiores – O trabalho
deve ser feito nos seguintes músculos: angular da escápula,
trapézio e supra-espinhoso; nos músculos responsáveis pela
articulação do ombro, que favorecem a ampliação do movimento
respiratório, deltóide (central, anterior e posterior), coracobra-
quial, sulco delto-peitoral e nos músculos subescapular, infra-
espinhoso e grande redondo; na região dos braços; nos músculos
braquial, tríceps-braquial e músculos da face externa da articula-
ção do cotovelo; músculos dos extensores do antebraço e final-
mente nos músculos das mãos e dos dedos.
c) Coluna vertebral – As costas contêm uma quantidade de
músculos que realizam os movimentos de torções anteriores e
posteriores, à esquerda e à direita, bem como as flexões da coluna
vertebral. O shiatsu nesta área deverá destensionar os músculos
eretores da espinha: o espinhal, o dorsal longo e o iliocostal.
674 Fonoaudiologia Prática

d) Peito – Nesta área, que é fundamental para o restabeleci-


mento de uma respiração ampla e relaxada, devem-se trabalhar
os músculos intercostais externos e internos, pois são responsá-
veis pela elevação e abaixamento das costelas na respiração.
e) Calcanhar e pés – O trabalho é realizado sobre os mús-
culos que articulam o calcanhar, o tendão de Aquiles, os grupos
musculares na sola dos pés, enfatizando o trabalho na borda
interna da sola do pé, relacionado à coluna. Pode-se associar ao
trabalho de reflexologia podal.

Na dinâmica das sessões, seleciona-se, após uma avaliação,


a área a ser trabalhada e: 1. ensina-se ao paciente o auto-shiatsu
e alongamento e pede-se que repita-os em casa, contribuindo
para o relaxamento e mobilização da energia estagnada nos
músculos; 2. pratica-se a massagem e o alongamento no corpo do
paciente.
O auto-shiatsu e alongamento são recomendados ao trabalho
com grupos de impostação vocal.

3. Exercícios psicocalistênicos
Psicocalistenia significa relaxamento psíquico. A série de
exercícios, proposta por M. LUIZA A. SIMÕES, na prática de seus
cursos, tem como propósito levar o indivíduo a um relaxamento
psicofísico, associando movimentos corporais com movimentos
respiratórios. É utilizada em trabalhos de sensibilização em gru-
pos, na área principalmente da psicologia.
Utiliza-se esta série de exercícios, adaptados para a terapia de
voz, com o objetivo de despertar no indivíduo a percepção e a
consciência corporal, no que se refere ao ato da respiração.
Mostra-se ao paciente, através da experiência, que respirar não é
simplesmente colocar o ar para dentro e para fora dos pulmões
(ventilar). Esse é o primeiro contato que o paciente tem com o
“trabalho” com a respiração. Nos exercícios, dá-se ênfase ao
trabalho com as articulações, principalmente a dos ombros, que
retêm grande quantidade de energia e que impedem os movimen-
tos naturais dos braços.
Nesta abordagem, não se trabalha a respiração de uma
maneira isolada, mas sempre associada a movimentos com o
corpo, isto é, estabelece-se a relação: respiração-movimento
corporal. Cuida-se para que o exercício não seja realizado como
ginástica, sendo que o que vai diferir é o despertar da consciência
do paciente ao movimento respiratório.
Pretende-se que o paciente perceba como acontece sua
respiração, toda a tensão envolvida e que impede que o movimen-
to respiratório seja lento e tranqüilo. O principal objetivo é desen-
volver no paciente a habilidade de perceber e soltar o corpo,
“deixando-se levar” pelo ar. Orienta-se que o ar “deve” levar o
movimento corporal e não que ele seja levado pelo sujeito com
Trabalho Corporal no Atendimento ao Disfônico 675

esforço. Na verdade, a respiração é um processo paradoxal:


quanto mais se dá, mais se tem. Para que o indivíduo tenha este
“alimento” (o ar), ele necessita esvaziar o pulmão, ficar sem ar,
soltar. Quanto maior a “doação”, “entrega do ar”, mais o movimen-
to respiratório se torna um “descansar”; por outro lado, quanto
mais controle, mais o movimento se torna um “cansar”, vivido pelo
indivíduo como falta de ar. Não há falta de ar e sim excesso de ar
aprisionado.
Introduz-se o aprendizado com o ritmo-tempo, o que já será
uma contribuição essencial para o trabalho vocal posterior-
mente.
A experiência tem mostrado que com a prática dos exercícios,
nas sessões e em casa, o indivíduo vai lentamente mudando o
padrão respiratório, o tono muscular, a coordenação pneumo-
fono-articulatória, a força respiratória e o tempo de expiração.
Os exercícios podem ser utilizados no início da terapia e são
associados às demais técnicas descritas. É indicado a grupos
de impostação vocal.

4. Tai-chi-chuan
A experiência com a prática de tai-chi-chuan mostra que a sua
filosofia e objetivo casam, perfeitamente, com um dos objetivos da
terapia de voz: a percepção do ato de respirar e a associação
deste ao movimento do corpo. A respiração profunda, tranqüila,
provoca um aumento na capacidade vital e é determinante princi-
pal da emissão vocal.
“Tai” significa homem centrado (integrado); “chi”, extremos, os
pólos, ou a eterna luta do homem entre o pensamento (céu) e a
ação (terra); “chuan”, forma, punho, uma mão, a arte de lutar.
Pode-se dizer que tai-chi-chuan, significa a seqüência de movi-
mentos usados para a defesa, ou ainda, o desenvolvimento de
atitudes e atos que contribuem para que o homem conviva e se
defenda (num sentido positivo, de preservação) na dinâmica da
vida (HUANG, 1979). Pretende-se desenvolver no indivíduo uma
atitude de aceitação do limite, para superá-lo.
Citar-se-ão alguns aspectos importantes do tai-chi (não do tai-
chi-chuan, pois a proposta de luta, “chuan”, não está incluída
nesta abordagem) considerados por HUANG (1979):
a) Enfatiza um sistema respiratório contínuo e circular; isto
significa que não paramos de expirar para podermos inspirar e
vice-versa. A expiração é o começo da inspiração e a esta segue-
se, sem interferência, uma nova expiração. Diferentemente de
outros exercícios, o que vale não é a contagem ou correção dos
mesmos, mas que se desenvolva a atenção do indivíduo à
dinâmica do movimento como um todo.
b) Envolve a perspectiva da aceitação, da tolerância, do
incluir, e não a rejeição e divisão, tão comuns em nossas atitudes
mentais, expressadas no corpo através de tensões excessivas.
676 Fonoaudiologia Prática

Aprende-se a ser sensível e flexível ao ambiente e às nossas


necessidades e limites.
c) Realiza os movimentos de modo muito lento, para que se
tenha tempo de perceber os seus detalhes mais sutis e a sua
relação com o meio ambiente, introduzindo, assim, a vivência do
tempo, da pausa, do silêncio, do presente.
d) Ajuda a perceber o desequilíbrio e recuperar o centro
(região abdominal), estabelecendo o fluxo entre os dois pólos.
Compreende-se o equilíbrio dinâmico do corpo pela experiência.
Harmonia não deverá ser confundida com gratificação (experiên-
cia agradável). Harmonia e tranqüilidade significam estar de
acordo com o possível, pois é o real, é a realidade, é a tranqüili-
dade diante dos opostos.
e) Desenvolve um aprendizado de conviver com as emoções
(energia) no sentido de liberá-las, contê-las, regenerá-las ou
transformá-las conforme as necessidades da realidade, tanto
interna quanto externa, pois a energia armazenada dentro de nós
sem uma liberação natural gera tensão.
f) Pode recuperar a plasticidade natural, considerando que o
corpo possui elasticidade nos contornos e curvas dos tornozelos,
quadris, joelhos e ombros.
O trabalho com os exercícios de tai-chi é utilizado na terapia
de voz paralelamente aos exercícios de psicocalistenia, pois
ambos pretendem um trabalho que interfira, naturalmente, no
modo de respirar, sendo que no tai-chi os movimentos são
exclusivamente lentos, circulares, visando um reequilíbrio ener-
gético, o que não é o objetivo da psicocalistenia.
O tai-chi trabalha na recuperação da energia em estase ao nível
dos ossos, vasos sangüíneos e linfáticos. É indicado a pacientes
ativos, ansiosos e que possuem padrão respiratório superior, quase
sempre apresentando utilização de ar de reserva. O tai-chi pode ser
aplicado no começo da terapia ou após o trabalho muscular. É
indicado também para grupos de impostação vocal.
O importante no tai-chi não é a quantidade de exercícios, mas
desenvolver a vivência do que se chama a “essência” do tai-chi,
isto é, expandir e contrair, relaxadamente, mesmo que seja em
apenas dois ou três exercícios.
Dado que a prática do tai-chi pode ser mais conhecida do que
a prática dos exercícios de psicocalistenia, citar-se-ão alguns
nomes dos exercícios que têm sido utilizados na experiência com
disfônicos:

• Série de movimentos com as nove articulações, enfatizando


as de pescoço e ombros (YAMAMURA e cols., 1991).
• Movimentos respiratórios: mãos que saem da água, tartaru-
ga, garça, abraçando o céu, puxando a rede do mar, batendo
asas, expulsando gaivotas, reverência, norte-sul-leste-oes-
te, acariciando nuvens, entre outros (YAMAMURA e cols.,
1991 e Associação Paulista de tai-chi-chuan).
Trabalho Corporal no Atendimento ao Disfônico 677

5. Massagem integrativa
A massagem integrativa, desenvolvida pela Profª AGNES
GEÖCZE, refere-se à técnica que envolve um trabalho minucioso
ao nível muscular, utilizando-se de manobras específicas.
A massagem integrativa, como o próprio nome sugere, busca
desenvolver no indivíduo a consciência do corpo como uma
unidade, um conjunto. Proporciona um relaxamento profundo e
também promove uma movimentação dos líquidos do corpo
evitando que a estase se instale. Dependendo da habilidade do
terapeuta, o indivíduo poderá vivenciar um contato mais natural
com a vida emocional.
Na prática clínica, os pacientes têm demonstrado preferên-
cia por essa técnica, pois elimina ou diminui as dores muscula-
res que apresentam, e também, por ser uma experiência
gratificadora e que leva a um intenso relaxamento. Pode-se
associar a massagem ao shiatsu, à reflexologia, à drenagem
linfática trazendo benefícios quantitativos e qualitativos à emis-
são vocal.
O que se pretende é utilizar o recurso poderoso da massagem
na terapia, durante um certo tempo, se esta for selecionada como a
mais indicada técnica corporal para o paciente, com o objetivo de
“afrouxar” a couraça muscular, como citado anteriormente. Muitas
vezes, o paciente percebe os benefícios e até pede indicação de
massagista, que poderá contribuir paralelamente à terapia de voz.
Utiliza-se a massagem, dentro do processo terapêutico, com
critérios e limites, pois o meu “olhar” fonoaudiológico, que tem
como meta recuperar a voz, não deve se perder.
Todo trabalho com o corpo deve ter um sentido interno para
quem o faz, não podendo ser realizado ancorado num sentimento
de dever e obrigação, o que estaria em total desarmonia com a
proposta do trabalho.
A massagem é um toque que envolve os aspectos da sensua-
lidade e sexualidade e, portanto, se torna intimista e sensorial. As
mãos vão se moldando ao corpo da outra pessoa. Qualquer
indivíduo que se dispõe a trabalhar com massagem necessita
compreender a própria sexualidade e não reprimi-la, mas ser
capaz de aceitar seus sentimentos sexuais e se relacionar com
eles harmonicamente. Caso contrário não se sentirá livre física e
psicologicamente para exercer uma massagem (PRADIPTO , 1986).
As principais manobras utilizadas na massagem são: desliza-
mentos; massagens circulares com os dedos; amassamentos;
pressões fortes e suaves com mãos, punhos e dedos; torção nos
músculos; alongamentos; movimentos nas articulações; puxamentos;
rolamentos e manobras de drenagem (DOWING, 1987).
As áreas são divididas em: cabeça e pescoço; tórax e estôma-
go; abdômen; braços e mãos; pernas e pés; nádegas e costas.
Elas podem ser trabalhadas associadas ou isoladas, conforme o
comprometimento do paciente observado na avaliação corporal.
678 Fonoaudiologia Prática

A automassagem pode ser ensinada, sempre que possível, ao


paciente ou, se este for criança, a seus pais, favorecendo o
trabalho da terapia.
É bom lembrar que a formação básica em anatomia e fisiologia
que o fonoaudiólogo tem, lhe dá condição de aplicar uma massa-
gem sem maiores problemas, bastando que se dedique ao estudo
e prática desta técnica.

6. Técnicas de relaxamento
Segundo SANDÖR (1974, p. 4): “O relaxamento é um método
de recondicionamento psicofisiológico. Há muitas técnicas exis-
tentes e hoje são bastante utilizadas na área da psicoterapia,
fonoaudiologia, medicina e várias especialidades como terapia
ocupacional, fisioterapia, pedagogia, assistência social, nas belas
artes, teatro, esportes, e na vida religiosa.” É uma prática que se
ancora no fenômeno tensão- descontração. “O relaxamento propi-
cia a libertação de energias até então amarradas, retidas ou não
usadas” (SANTIS, 1974, p.19).
Considerando que o relaxamento é um recondicionamento
psicofisiológico, as possíveis transformações que ocorrem, como
conseqüência do uso das técnicas, possibilitam ao paciente um
contato mais próximo com os conteúdos mentais (sonhos, dese-
jos, fantasias, conflitos, etc.). Durante a terapia, muitas vezes, o
paciente busca a compreensão destes conteúdos e é importante
que o fonoaudiólogo tenha uma atitude acolhedora, não-inter-
pretativa ou repressora, aproveitando a oportunidade para lhe
apontar que são aspectos relacionados à vida interna e que
necessitam ser esclarecidos de maneira lenta e trabalhosa, po-
dendo ser auxiliado por um psicanalista ou psicólogo. Pode-se
abrir um espaço rico para a autopercepção. As técnicas devem,
portanto, ser utilizadas com muito critério e observação das
reações positivas e negativas do paciente.
Na prática clínica, as técnicas de relaxamento que mais têm
apresentado resultados no atendimento de disfônicos, têm sido
Calatonia e Treinamento Autógeno de Schultz. Ambas são utiliza-
das freqüentemente em psicoterapias de orientação Junguiana.
Tanto a Calatonia como o Treinamento Autógeno requerem a
colaboração do paciente, no sentido de um “treino” fora da sessão
terapêutica. Sabe-se o quanto isto é difícil na maioria dos casos,
onde as questões práticas da vida tomam um lugar prioritário.
Com o tempo, o paciente poderá assumir a responsabilidade de
participar ativamente do seu processo.

Calatonia
Calatonia significa tono descontraído, soltura, deixar-se ir
(SANDÖR, 1974). É uma técnica, geralmente aprendida pelo fo-
noaudiólogo em sua formação. A sua aplicação se faz utilizando
toques extremamente sutis, monótonos, tendo a duração de 3min
Trabalho Corporal no Atendimento ao Disfônico 679

cada um, podendo ser realizados na área dos pés e das mãos. Na
região dos pés, aplicam-se os toques na polpa dos dedos, na sola
dos pés, no calcanhar e na convergência tendinosa do tríceps
sural da região posterior da perna.
A experiência tem mostrado que com o trabalho na área dos
pés obtêm-se melhores resultados, principalmente quando asso-
ciado à música suave durante a aplicação, favorecendo bastante
o relaxamento e a interiorização.
Indica-se a calatonia aos pacientes que já estejam em proces-
so terapêutico, pois sendo uma técnica bastante monótona, pode
despertar muita ansiedade. Não se pode deixar de reconhecer
que é uma técnica monótona também para o terapeuta e havendo
intolerância ao silêncio, à lentidão, não é recomendada uma vez
que a ansiedade do terapeuta pode interferir na sua aplicação.

Treinamento autógeno de J. H. Schultz


O treinamento autógeno é uma técnica de relaxamento que
utiliza o condicionamento ou auto-sugestão. É considerada uma
técnica de orientação organísmica, isto é, seleciona as reações do
organismo vivo que expressam estado de relaxamento e as utiliza
para o condicionamento. Considera o organismo vivo estruturado
em categorias que apresentam funcionalidade e relação entre
elas, contando sempre com respostas totais e não apenas de
funções e elementos isolados (SANDÖR, 1974).
Pode-se afirmar que a auto-regulação é ativada através do
desenvolvimento do condicionamento. Posiciona-se como uma
técnica que considera a atuação de uma lei biológica, entre dois
pólos, de excitação e contração e que devem manter um equilí-
brio. “A perturbação deste ritmo vital pode ser observada no
aparecimento de hiperfunção ou hipofunção, sensibilidade ou
insensibilidade, rigidez ou flacidez” (SANDÖR, 1974, p. 6).
SCHULTZ (1964) selecionou sensações e estados que surgi-
am com mais freqüência nos pacientes, como: sensação de
peso e de calor, aquietamento da respiração e de batimento
cardíaco, esquentamento das diversas partes do corpo e um
frescor especial na testa . Sugeria aos pacientes e os ensinava
a auto-aplicação, o que oferece uma vantagem em relação a
outras técnicas, pois o paciente vai se tornando independente
do terapeuta e vai adquirindo condição de propiciar relaxamento
quando sentir necessidade.
É uma técnica considerada excelente para os disfônicos, tanto
no desenvolvimento da consciência corporal e autopercepção
como por possibilitar estados de profundo relaxamento psicofísico.
Observa-se também, que estes estados são transferidos para a
vida cotidiana. Pode ser utilizada no começo do processo terapêu-
tico e é muito eficaz em grupos de impostação vocal. Encontra-se
certa dificuldade na aplicação do treinamento autógeno em pa-
cientes muito ansiosos ou com comportamentos reativos (“se hay
gobierno, yo soy contra!”).
680 Fonoaudiologia Prática

Nunca é demais alertar que o uso de qualquer técnica de


relaxamento deverá ser vivenciada anteriormente pelo terapeuta,
sob orientação de um profissional qualificado.

7. Outras técnicas
Além dessas técnicas descritas, pode-se utilizar outras, a
saber: Tui-Ná (massagem chinesa), Técnica da Polaridade, ma-
nobras básicas de Quiropatia, Reflexologia Podal, Drenagem
linfática e exercícios de Kum-Nyê.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
“No amor, há muito pouco descanso.”
(GEOFFREY CANCER)
Pretende-se que este trabalho seja uma contribuição ao
fonoaudiólogo e profissionais afins, quanto à ampliação da com-
preensão dos fatores envolvidos na produção vocal.
Espera-se que o fonoaudiólogo possa atuar de maneira mais
tranqüila e confiante no que se refere à aplicação das técnicas
corporais que conheça ou que possa vir a conhecer, sabendo que
não são apenas elas, mas o modo de aplicá-las que é o determi-
nante da eficácia do trabalho.
As relações entre o corpo-mente e a voz quando considera-
das de maneira cuidadosa, podem contribuir para diminuir as
rescidivas.
É importante frisar que a medida que a percepção e condição
corporal vão se desenvolvendo associadas ao desenvolvimento
da percepção auditiva, pode-se criar um feedback muito efetivo,
como nos distúrbios articulatórios, onde o paciente, mesmo em
momentos de muito estresse poderá utilizar os seus recursos,
pois a vivência consciente auxilia neste processo.
O fonoaudiólogo não se confunde com o massagista, o psicote-
rapeuta corporal ou o professor de tai-chi; utiliza-se destas técnicas
sempre atento para a sua meta. O que é necessário é desenvolver
um “olho” para ver o corpo, avaliar e determinar a técnica ou técnicas
a serem utilizadas com cada paciente, por quanto tempo, e também
encaminhar quando for necessário a terapeutas específicos.
A quantidade de técnicas é útil dado o fato de que os bloqueios
energéticos podem estar nos vários níveis, requerendo uma técnica
específica.
Deseja-se enfatizar que a experiência deverá ser sempre a
nossa mestra e que o espírito investigador sempre seja alimentado.
Compreender o ser humano em suas inúmeras formas de
expressão não é tarefa fácil; exige muita dedicação.

RESUMO
A autora, inicialmente, descreve como a busca de uma com-
preensão mais ampla sobre a voz se fez necessária na sua prática
fonoaudiológica.
Trabalho Corporal no Atendimento ao Disfônico 681

Considera os pressupostos básicos de como a voz pode ser


vista e mostra que a partir da aceitação da natureza do fenômeno
da voz, o trabalho corporal tem sentido e significado e torna-se o
centro da terapia de voz.
Esclarece os conceitos básicos para se compreender o por-
quê do uso das técnicas que são descritas. Associa as descober-
tas de REICH aos fundamentos da Medicina Chinesa e mostra
suas semelhanças, estabelecendo que os aspectos energéticos
devem ser considerados no tratamento das disfonias, ao lado dos
aspectos orgânicos e funcionais.
Algumas técnicas corporais são descritas e tece comentários
para a indicação terapêutica, fazendo referência aos tipos de
disfonias.

Leitura recomendada
AMARAL, S. – Chi-kun. São Paulo, Summus, 1984.
ANDERSON, B. – Alongue-se. São Paulo, Summus, 1983.
BASTOS, S.R.C. – O Livro do Shiatsu. São Paulo, Ground, 1982.
BOYESEN, G. – Cadernos de Psicologia Biodinâmica. nos 1,2 e 3, São
Paulo, Summus, 1983.
BOYESEN, G. – Entre Psiquê e Soma. São Paulo, Summus, 1985.
CANÇADO, J. – Do-In Para Crianças. São Paulo, Ground, 1990.
CZECHOROWSKI, H. – Massagens. Lisboa, Editora Presença, 1981.
D’AQUINO, N. – Voce é a Música. São Paulo, Casa SriAurobindo,1984.
DOWNING, G. – O Livro de Massagem. São Paulo, Brasiliense, 1987.
GAIARÇA, J.A. – Couraça Muscular do Caráter. São Paulo, Ágora, 1984.
GARANDY, G. – Massagem e Automassagem . São Paulo, Hemus
Editora, 1985.
GEISSMANN, P. – Métodos de Relaxação. São Paulo, Loyola, 1987.
GORDON, R. – A Cura pelas Mãos ou a Prática da Polaridade. São
Paulo, Editora Pensamento, 1978.
HUANG, A.C. – Expansão e Recolhimento – A Essência do tai-chi. São
Paulo, Summus, 1979.
KRASENSKY, J.P. – Massage Réflexe des Pieds. Paris, Éditions Dangles,
1987.
KUNZ, B. & KUNZ, K. – Reflexologia. São Paulo, Editora Pensamento,
1989.
LANGRE, J. – Do-In. São Paulo, Ground, 1995.
LEADBEATER, C.W. – Os Chackras. São Paulo, Editora Pensamento,
1986.
MELO, N.M. – Quem Canta seus Males Espanta. São Paulo, Editora
Eterna, 1995.
NAMIKOSHI, T. – Shiatsu e Alongamento. São Paulo, Summus, 1985.
NATALI, M. – Do-in – Digitopressura. São Paulo, Global/Ground, 1986.
PRADIPTO, M.J. – Zen-Shiatsu. São Paulo, Summus, 1986.
REICH, W. – A Função do Orgasmo. São Paulo, Editora Brasiliense,
1979.
REICH, W. – Análise do Caráter. São Paulo, Martins Fontes, 1989.
SANDÖR, P. et al. – Técnicas de Relaxamento. São Paulo, Editora
Vetor, 1974.
682 Fonoaudiologia Prática

SANTIS, M.I. – A integração do animus na metanóia e o relaxamento. In:


SANDÖR, P. et al. Técnicas de Relaxamento. São Paulo, Editora
Vetor, 1974.
SCHULTZ, J.H. – Caderno de Exercícios para o Treinamento Autógeno.
São Paulo, Editora Mestre Jou, 1964.
SOUZA, M.M. – Iniciação à Quiropatia. 6ª ed. São Paulo, Editora Ibraqui.
THOMAS, S. – Massage pour les Maux de Tous les Jours. Paris, Éditions
Robert Laffont, 1989.
TULKU, T. – Kum-nyê – Técnicas de Relaxamento. São Paulo, Pensa-
mento, 1991.
YAMAMURA, Y.; YAMAMURA, M.J.; OLIVEIRA, D.S. – Introdução ao
tai-chi-chuan, Tui-ná – Massagem Chinesa e Tao-In – Treinamento
Interior. São Paulo, Editora Center Ao, 1991.
Avaliação e Terapia de Voz nas Disfonias Neurológicas 683

29
Avaliação e Terapia de
Voz nas Disfonias
Neurológicas

Katy Sedoguti Harada Fazoli

INTRODUÇÃO

Os diferentes aspectos dos distúrbios da fonação nas doen-


ças neurológicas causam redução na inteligibilidade da fala e são
clinicamente importantes por várias razões. As disfonias neuroló-
gicas são comuns nas disartrias e desempenham um importante
papel no diagnóstico diferencial.
Quando a função laríngea é afetada devido a um distúrbio
neurológico, outros componentes da fala freqüentemente estão
comprometidos também. Portanto, é essencial que a avaliação e
a terapia de voz considere todo o mecanismo da fala: respiração,
fonação, articulação, velofaringe e prosódia (DARLEY e cols.,
1975). A contribuição individual e global de cada um deles deve
ser analisada, levantando hipóteses sobre a fisiopatologia envol-
vida no distúrbio da comunicação.
A interação dessas informações com os achados otorrinolarin-
gológicos e neurológicos, ou seja, a realização de um trabalho
multiprofissional é essencial para que seja possível atuar num
programa adequado e realista que maximizará os resultados do
tratamento de cada paciente.
Neste capítulo, será realizada uma revisão simplificada sobre
as características de fonação nas diferentes doenças neurológi-
cas “motoras” (disartrias), considerações sobre avaliação e tera-
pia de voz nas disfonias neurológicas.
684 Fonoaudiologia Prática

REVISÃO
O termo “disartria” originou-se do grego “dys” + “arthroun”, que
significa “a inabilidade para articular distintamente”. Na fonoau-
diologia, “disartria” é definida como “um grupo de distúrbios da fala
resultante de uma lesão no mecanismo neurológico (central e/ou
periférica) que regula os movimentos da fala, caracterizado por
lentidão, fraqueza, imprecisão e/ou incoordenação” (YORKSTON e
cols., 1988).
A revisão dos distúrbios laríngeos fonatórios observados nas
disfonias neurológicas será baseada nos estudos realizados por
DARLEY e cols., em 1975, na Mayo Clinic, nos quais foram avaliadas
características perceptuais da fala em grupos de indivíduos
disártricos. Concomitantemente, será considerada a adaptação
feita por ARONSON, em 1980, sobre o estudo feito anteriormente. Tal
opção deve-se ao fato de serem estudos clássicos e por ainda
serem usados nos dias de hoje como base no diagnóstico diferencial
clínico entre as disartrias.
Não será possível, neste trabalho, fazer uma revisão de todos
os tipos de disartrias, como por exemplo, as disartrias congênitas.
A disfonia espástica e a paralisia periférica de pregas vocais
também não serão incluídas. Tais distúrbios foram revistos com
detalhes em outros estudos (ARONSON , 1980; PRATER & SWIFT,
1984; YORKSTON e cols., 1988).
As características perceptuais e físicas das disfonias neuroló-
gicas serão apresentadas a seguir:

Disartria flácida
Normalmente observada em pacientes que apresentam o qua-
dro neurológico denominado paralisia bulbar, com lesões no neurô-
nio motor periférico, afetando os nervos cranianos (V, VII, IX, X, XII).
Como o assunto discutido neste capítulo refere-se à voz, serão
comentadas apenas as lesões do nervo vago, que afetam vários
órgãos importantes na produção da fala, incluindo véu, faringe e
músculos laríngeos intrínsecos (ARONSON, 1980; PRATER & SWIFT,
1984). As lesões podem ser unilaterais ou bilaterais.
As principais características perceptuais na disartria flácida,
relacionadas à produção da voz são: qualidade vocal soprosa,
rouquidão, loudness (sensação psicofísica relacionada à intensida-
de) reduzida, pitch (sensação psicofísica relacionada à freqüência)
grave, tosse fraca, hipernasalidade, vocal fry (voz com uso do
registro em freqüência mais grave da tessitura do P, ou próxima da
mesma) em alguns casos.
A disartria flácida é comumente observada nos distúrbios
devido a trauma craniano, distúrbios vasculares, miastenia
grave, síndrome Guillain-Barré, esclerose lateral amiotrófica
(ELA) com predomínio de forma flácida, e esclerose múltipla
(YORKSTON e cols., 1988).
Avaliação e Terapia de Voz nas Disfonias Neurológicas 685

ARONSON (1980) observou em pacientes portadores de miastenia


grave, qualidade vocal soprosa, fraca intensidade, deterioração da
fonação em emissões mais prolongadas, redução na força da tosse
após a fala. Com relação às características físicas, observou nos casos
mais leves, pregas vocais normais em sua estrutura e função, apesar
da disfonia; em casos mais avançados, as pregas vocais podem
apresentar falhas na completa adução e abdução, bilateralmente.

Disartria espástica (paralisia pseudobulbar)


Associada a lesões do neurônio motor superior; a etiologia
pode ser devida a múltiplos AVCs, trauma craniano, paralisia
cerebral, tumores cranianos extensos, encefalite, esclerose múl-
tipla ou degeneração cerebral progressiva.
As características perceptuais observadas são: rouquidão, as-
pereza com qualidade vocal tensa-estrangulada, pitch grave,
monopitch (monoaltura), instabilidade na emissão, loudness redu-
zida, monoloudness (monointensidade), choro ou riso incontrolados.
Fisicamente, as pregas vocais parecem normais em sua estrutura,
podendo ocorrer bilateralmente hiperadução nas pregas vocais,
incoordenação laríngea e adução de pregas ventriculares.

Disartria hipocinética
Comumente observada no parkinsonismo, é um distúrbio do
sistema extrapiramidal, geralmente progressivo e degenerativo.
A clássica descrição da fala destes pacientes consiste em
loudness reduzida, voz monótona, qualidade vocal rouca ou
aspirada, pitch grave, imprecisão articulatória, redução na tessitura
da voz falada e alterações de fluência (RAMIG & GOULD, 1986;
HARADA, 1987; BEHLAU & HARADA, 1988; SMITH & RAMIG, 1994;
DROMEY e cols., 1995); incoordenação laríngea.
Distúrbios da fonação são comuns, podendo ocorrer em
porcentagens elevadas, chegando a 89% dos pacientes
parkinsonianos.
O aspecto físico das pregas vocais pode parecer normal em
sua aparência (ARONSON, 1980), mas a adução incompleta é um
dado comumente observado (RAMIG & GOULD, 1986; BEHLAU &
HARADA, 1988).
HARTMAN & ABBS (1988) relatam que similarmente, a disartria
hipocinética pode ser observada na disartria mista de atrofia de
múltiplos sistemas (síndrome de Shy-Drager); síndrome neurológica
associada a distúrbio hepático (doença de Wilson); paralisia
supranuclear progressiva (síndrome de Steele-Richardson-Olszewski).

Disartria hipercinética
Coréia
Distúrbio neuromotor caracterizado por movimentos rápidos,
desordenados e amplos, causados por lesões no gânglio basal.
Diferentes formas de coréia incluem:
686 Fonoaudiologia Prática

• Doença de Huntington: doença degenerativa, autossômica


dominante, envolvendo coréia, demência e histórico familiar.
• Coréia de Sydenham: mais comumente observada em crian-
ças, é de origem inflamatória ou infecciosa, podendo-se
esperar a recuperação (DARLEY e cols., 1975).

As características perceptuais envolvem aspereza intermiten-


te, qualidade vocal tensa-estrangulada, soprosidade transitória,
vogais distorcidas, monopitch, variações de loudness excessiva,
monoloudness, excesso de tonicidade em sílabas não-tônicas,
súbita inspiração e expiração forçada.
Quanto aos aspectos físicos, as pregas vocais parecem
normais em estrutura e função; entretanto, sua fisiologia não tem
sido estudada com detalhes. GRIFFITHS & BOUGH (1989) observa-
ram contrações coreiformes na musculatura laríngea.

Distonia
O termo refere-se à manutenção persistente de postura devi-
do ao tônus muscular exagerado, o qual piora com o estresse,
varia com mudanças na postura e desaparece durante o sono.
Quando manifestada na idade adulta, parece haver uma tendên-
cia em ser focal, como por exemplo, torcicolo espasmódico
(G RIFFITHS & BOUGH, 1989).
Observam-se ritmo lento, mudanças na qualidade vocal es-
trangulada-rouca, soprosidade, excesso de variação de loudness,
quebras de voz na fala espontânea, monoloudness, monopitch,
falta de tonicidade.
ARONSON (1980) refere que estudos dos aspectos físicos não
têm sido estudados com detalhes. GRIFFITHS & BOUGH (1989)
observaram hiperadução de pregas vocais.

Tremor vocal essencial


Freqüentemente, a manifestação inicial do tremor essencial
(tremor benigno hereditário) é o tremor vocal (HARTMAN & ABBS,
1988) e pode não ser associada a tremores em outras partes do
corpo.
Características fonatórias incluem fala trêmula com altera-
ções rítmicas de pitch e loudness com variação entre 5 e 12 ciclos
por segundo (RAMIG & SCHERER, 1992); quebras de voz.
Quanto aos aspectos físicos, as pregas vocais parecem
normais na estrutura; na emissão de vogal sustentada, oscilações
nos movimentos adutores-abdutores parecem sincrônicas aos
movimentos de base de língua, parede faríngica posterior, arco
faucial posterior e laringe.

Mioclonia palatofaringolaríngea
Mioclonia é um distúrbio de movimento abrupto e de curta
duração; é uma forma de tremor lento, resultando em movimentos
Avaliação e Terapia de Voz nas Disfonias Neurológicas 687

rítmicos do véu, paredes faríngicas, musculatura laríngea, dia-


fragma e língua.
Quebras de voz na fala espontânea freqüentemente são
imperceptíveis. Na emissão sustentada ou canto é que observam-
se quebras de voz rítmicas variando de 1 a 4 ciclos por segundo
(YORKSTON e cols., 1988).
Com relação aos aspectos físicos, os movimentos rítmicos de
palato, faringe e laringe, normalmente bilaterais, são observados
tanto durante a fonação como durante o repouso (SMITH & RAMIG,
1994).

Síndrome de Gilles de la Tourette


Caracterizada por múltiplos tiques e vocalização involuntária
que inclui coprolalia e ecolalia.
Perceptualmente observam-se grunhidos involuntários, tosse,
pigarro, gritos, emissão de sons estridentes, murmúrio, gemidos.
Fisicamente, as pregas vocais parecem normais na estrutura
e função.

Disartria atáxica
O cerebelo é freqüentemente considerado o modulador dos
movimentos iniciados em outras partes do Sistema Nervoso
Central e também exerce influência no tônus muscular (HARTMAN,
1984; GRIFFTHS & BOUGH, 1989).
As características perceptuais envolvem qualidade vocal ás-
pera, monopitch, monoloudness, entoação monótona ou excessi-
va, excesso de loudness assistemático, tremor vocal.
As características físicas parecem normais na estrutura e
função (ARONSON, 1980) ou pode-se observar hipotonia da mus-
culatura laríngea (G RIFFITHS & BOUGH, 1989).

Disartria mista
Lesões envolvendo múltiplas áreas do Sistema Nervoso Pe-
riférico e/ou Central podem resultar em vários graus e tipos de
disartria (HARTMAN, 1984; SMITH & RAMIG, 1994).

Esclerose lateral amiotrófica (disartria flácida –


espástica)
É um distúrbio neurológico progressivo envolvendo neurônio
motor superior e inferior. Embora num estágio inicial possa haver
o predomínio de disartria flácida ou espástica, é comum observar-
mos ambos os tipos em estágios mais avançados.
Observa-se rouquidão ou aspereza com qualidade vocal
tensa-estrangulada; tremor rápido na emissão sustentada;
soprosidade em pacientes com forte componente flácido, pitch
grave, monopitch, loudness reduzida, monoloudness, tosse fraca,
incoordenação laríngea.
688 Fonoaudiologia Prática

Fisicamente, as pregas vocais parecem normais em sua


estrutura; se o principal componente é a espasticidade, as pregas
vocais podem apresentar boa coaptação ou hiperadução, às
vezes, até adução das pregas ventriculares. Se o componente de
flacidez é predominante, as pregas vocais podem apresentar boa
coaptação ou hipoadução. Em ambos os casos, as pregas vocais
podem apresentar assimetria na coaptação.

Esclerose múltipla (disartria espástica-atáxica)


É uma doença desmielinizante, não-sistematizada, que afeta
o Sistema Nervoso Central.
As características variam com o padrão do comprometimento
neurológico, ou seja, quais áreas do Sistema Nervoso Central
foram afetadas.
Os sintomas mais comuns são dificuldade no controle de
loudness e pitch, aspereza e soprosidade.

Doença de Wilson
Degeneração hepatolenticular, ocasionada por erros no meta-
bolismo do cobre, de natureza hereditária.
Observa-se a disartria espástica-atáxica-hipocinética envol-
vendo lesões degenerativas no corpo estriado, cerebelo, substân-
cia negra e o próprio córtex cerebral.
As características fonatórias incluem aspereza, qualidade
tensa-estrangulada, pitch grave, hipernasalidade, monopitch e
monoloudness.

Síndrome de Shy-Drager
Distúrbio neurológico progressivo, apresentando como sin-
toma primário hipotensão ortostática (vertigem, fraqueza e
distúrbios de visão ou consciência ).
HARTMAN (1984) refere que a disartria é caracterizada como
disartria espástica-atáxica- hipocinética ou disartria flácida-atáxica-
hipocinética, variando de acordo com a localização da área da
lesão no paciente.
HIROSE & JOSHITA (1987) relataram que é comum observar no
exame laringológico, redução no movimento de abdução das
pregas vocais, associado à inspiração ruidosa.

AVALIAÇÃO DE VOZ NAS DISFONIAS


NEUROLÓGICAS
Na prática clínica, é freqüente o paciente apresentar uma
doença neurológica progressiva e/ou degenerativa e, portanto, é
necessário que o fonoaudiólogo reflita sobre alguns aspectos no
momento da avaliação, tais como selecionar adequadamente as
características da fala importantes de serem avaliadas e como as
Avaliação e Terapia de Voz nas Disfonias Neurológicas 689

informações obtidas através da avaliação podem ser usadas para


estabelecer objetivos e estratégias na fonoterapia.
A avaliação é uma descrição crítica, envolvendo interpreta-
ção, estimando a importância e o significado das informações
para que decisões de intervenção sejam realizadas.
Os objetivos específicos da avaliação podem variar de situa-
ção para situação. MCNEIL & KENNEDY (1984) relacionaram os
seguintes objetivos para avaliação fonoaudiológica de um pacien-
te neurológico:

• detectar ou confirmar a suspeita de um problema;


• estabelecer um diagnóstico diferencial;
• classificar;
• determinar localização da lesão ou processo da doença;
• estabelecer prognóstico;
• estabelecer o enfoque de terapia;
• definir quando parar a fonoterapia;
• observar qualquer mudança no paciente que ocorra no
tratamento, deficiência de tratamento ou exacerbação do
fator etiológico original.

Como nas disartrias o distúrbio de comunicação é caracteriza-


do por alterações de múltiplos componentes da fala, é necessário
considerar a relação do distúrbio da fonação com outros aspectos
da emissão do paciente.
Na avaliação da fonação é importante considerar os aspectos
de eficiência laríngea, flexibilidade, qualidade vocal e coordena-
ção laríngea (RAMIG & SCHERER , 1992 ).
O distúrbio relacionado à eficiência laríngea é observado
quando as pregas vocais apresentam adução inadequada
(hiperadução ou hipoadução) ou adução incoordenada (instabili-
dade na emissão).
A avaliação pode ser realizada através de várias provas, como
por exemplo, fala espontânea, emissão sustentada, relação s/z
(para maiores informações, ver BOONE, 1971), ouvir a qualidade
da tosse, pigarro, ataque vocal, tempo máximo de fonação, etc.
Na hipoadução, as principais características perceptuais são:
loudness reduzida, qualidade vocal soprosa e/ou rouca e em
alguns casos diplofonia.
Na hiperadução observa-se o “excesso” de adução das pre-
gas vocais. A qualidade vocal é tensa-estrangulada, áspera,
loudness reduzida, quebras de tom, tessitura vocal reduzida.
A avaliação perceptual da flexibilidade vocal, pode ser realiza-
da através de provas que envolvam modulação de pitch (grave/
agudo), de loudness (forte/fraca); qualidade vocal (rouca, soprosa,
áspera, tensa-estrangulada, hipernasal, hiponasal, faríngica);
entoação (monótona/exagerada), plasticidade vocal, canto, etc.
A qualidade vocal é um fenômeno perceptual complexo rela-
cionado à periodicidade de vibração das pregas vocais, à
690 Fonoaudiologia Prática

ressonância do trato vocal e da glote, incluindo o sistema respira-


tório (YORKSTON e cols., 1988). ARONSON (1980) classificou distúr-
bios de voz neurogênicos, de acordo com a consistência ou
variabilidade da emissão vocal. Por exemplo, há grupos de
distúrbios vocais neurológicos nos quais o desvio de qualidade é
relativamente constante (como no parkinsonismo) e outros gru-
pos nos quais os desvios são assistemáticos (ataxias, coréias,
etc.).
Certos distúrbios neurológicos apresentam instabilidade
fonatória significativa. O tipo, a extensão e a regularidade da
instabilidade podem estar relacionadas à lesão neurológica (RAMIG
& SCHERER , 1992). O tremor vocal, fonação ventricular, vocal fry
e diplofonia são algumas formas de instabilidade fonatória.
A fonação ventricular pode ser devida ao excesso de tensão
muscular ou como uma forma de mecanismo compensatório,
apresentando características de rouquidão, pitch grave, com
tessitura de pitch e loudness reduzida.
Vocal fry pode ser produzida com a atuação das pregas vocais
verdadeiras ou falsas ou ambas; ocorrendo em situações de
extrema resistência glótica (tensão) ou com “flacidez exagerada”
comprometendo o fluxo aéreo e pressão subglótica (RAMIG &
SCHERER, 1992).
Diplofonia é a emissão simultânea de dois sons (pitch) diferen-
tes, podendo ocorrer em casos de paralisia de prega vocal
unilateral ou em casos em que as pregas vocais verdadeiras e
falsas vibram simultaneamente.
Todas essas instabilidades comprometem a qualidade vocal
e reduzem a inteligibilidade da fala.
A fala envolve uma mudança dinâmica e complexa dos pro-
cessos físicos e fisiológicos, resultando num sistema extrema-
mente preciso e coordenado, no qual a função laríngea desempe-
nha um importante papel. A emissão da fala requer níveis relativos
e mudanças precisas de pitch, loudness, qualidade, duração de
fonação, pressão subglótica e fluxo aéreo, tanto quanto a língua,
lábios, véu e mandíbula (RAMIG & SCHERER, 1992), tornando
possível uma prosódia adequada. O distúrbio de prosódia pode
ser um dado significativo na determinação do local e extensão do
problema neurológico envolvido. Por exemplo: reduzida prosódia
tem sido observada no parkinsonismo.
Outro exemplo de incoordenação fonatória é a dificuldade em
emitir o contraste surdo/sonoro. O controle de adução-abdução
das pregas vocais exerce um importante papel na emissão do
traço distintivo surdo/sonoro, podendo-se observar casos em que
o paciente não é capaz de produzir perceptualmente diferentes
pares.
Ainda sobre a avaliação fonoaudiológica, a situação ideal
seria a realização da avaliação perceptual para identificar os
distúrbios e levantar hipóteses sobre as causas e a realização da
avaliação instrumental para confirmar ou rejeitar estas hipóteses.
Avaliação e Terapia de Voz nas Disfonias Neurológicas 691

Felizmente, “abre-se uma luz” com perspectivas sobre a possibi-


lidade de iniciar o uso de algumas medidas acústicas objetivas em
nosso país, com programas para microcomputadores apesar de
ser um longo caminho a ser percorrido e pesquisado.
A avaliação otorrinolaringológica é essencial, sendo crucial o
exame da imagem laríngea, avaliação das estruturas faciais,
ouvidos, cavidade nasal, cavidade oral e orofaringe, nasofaringe,
inspeção de pescoço e palpação (SMITH & RAMIG, 1994).
A laringoscopia indireta pode ser realizada através do telescó-
pio rígido ou nasofibroscopia flexível, acoplada à filmadora,
videocassete e monitor de televisão. O telescópio rígido permite
uma melhor precisão de imagem, permitindo a visualização da
laringe durante o repouso e emissão sustentada de vogais. A
nasofibroscopia permite a visualização da laringe, faringe, palato
e esfíncter velofaríngico durante o repouso ou realização de várias
tarefas, tais como: fala espontânea, emissão sustentada de
vogais, tosse, deglutição, canto, etc. A videodocumentação é
importante para análise, revisão e orientação educacional ao
paciente. A videoestroboscopia é um importante recurso de
avaliação laríngea, no qual é possível ter informações a respeito
do comportamento da mucosa durante a vibração, simetria e
estabilidade dos movimentos e fechamento das pregas vocais, etc.

TERAPIA DE VOZ NAS DISFONIAS NEUROLÓGICAS


Até há poucos anos, a fonoterapia era considerada limitada e
sem valor pelos diferentes profissionais da área da saúde e pelos
próprios fonoaudiólogos.
O prognóstico degenerativo em muitos pacientes desencora-
java o encaminhamento por parte dos médicos e o atendimento
por parte dos fonoaudiólogos.
SARNO (1968) relatou que a fonoterapia apresentava resulta-
dos sobre a “psyché” do paciente e não sobre sua fala.
Felizmente, essa visão está sendo mudada em nossa realida-
de, estando os profissionais mais conscientes de que o tratamento
precoce favorece um “retardamento” da evolução dos distúrbios
da comunicação e que em muitos casos o paciente tem plena
capacidade para mudar.
As decisões sobre os objetivos da fonoterapia serão realiza-
das através de dados coletados na avaliação. Podemos dizer que
o planejamento terapêutico é uma conseqüência da avaliação.
Tais decisões serão baseadas na severidade do distúrbio e sua
influência na comunicação do paciente para a realização da
seleção de uma abordagem específica. Portanto, a terapia de voz
para pacientes disártricos não se baseia num programa com
roteiro previamente determinado.
Como as características da comunicação nesses pacientes
são comumente devido a um problema crônico com base num
distúrbio neuromotor, pode ser colocado como objetivo geral a
692 Fonoaudiologia Prática

maximização da comunicação funcional do paciente e a manuten-


ção da inteligibilidade da fala.
Os objetivos específicos podem variar de acordo com vários
fatores a serem considerados: o grau de severidade (leve, mode-
rado e severo), a neuropatologia, o status médico (estável, pro-
gressivo, melhor), métodos e instrumentos avaliáveis, tempo
avaliável (DARLEY e cols., 1975; ROSENBEK & LA POINTE, 1978;
YORKSTON e cols., 1988; RAMIG & SCHERER , 1992). É importante
considerar também a persistência e paciência por parte do pacien-
te para que haja um tempo possível para mudança, e principal-
mente a necessidade do paciente de comunicar-se (ROSENBEK &
LA POINTE, 1978; NETSELL & ROSENBEK, 1986).
A terapia de disartria pode ser realizada, baseada no tipo de
disartria (PERKINS, 1984) ao invés das características dos distúr-
bios da comunicação do paciente (DARLEY e cols., 1975; JOHNS,
1978; NETSELL & ROSENBEK, 1986).
Como no presente trabalho o tema discutido são as disfonias
neurológicas, a discussão das diferentes abordagens será basi-
camente sobre a terapia de voz.
O processo terapêutico não se divide em etapas, o que o
tornaria longo, cansativo e contrário à idéia de que a voz represen-
ta uma totalidade. A descrição realizada segue uma seqüência,
apenas com a finalidade de estudo.
O primeiro objetivo para um paciente que apresenta distúrbio
de adução com comprometimento severo é desenvolver a fona-
ção voluntária. Inicialmente, devem-se observar alguns atos “re-
flexos” que não envolvem o ato de falar, mas que são associados
à fonação. Por exemplo pigarrear, tossir, gargalhar, etc. É impor-
tante observar a posição (sentado, deitado ou em pé) em que a
fonação ocorre mais facilmente.
YORKSTON e cols. (1988) sugerem que o(s) acompanhante(s)
do paciente deve(m) anotar sempre que a fonação ocorre e quais
situações são mais estimuláveis, incluindo: posição do corpo, dor,
desconforto, etc. A transição da fonação reflexa para voluntária
varia de paciente para paciente; em alguns casos, a transição é
praticamente imediata, para outros, pode levar de meses a anos.
Para pacientes que apresentam a hipoadução, o trabalho
deve ter enfoque no aumento de adução das pregas vocais, com
técnicas envolvendo exercícios de empuxo (B OONE, 1971;
ARONSON, 1980; PRATER & SWIFT, 1984). Recentemente, os
exercícios de empuxo têm sido aplicado para melhorar a adução
e aumentar a loudness em pacientes portadores da doença de
Parkinson (RAMIG, 1988) com estudos apresentando resultados
positivos sobre a eficácia da terapia de voz (DROMEY e cols.,
1995).
Outra técnicas envolvem: ataque vocal brusco, exercícios de
voz com a cabeça inclinada para um lado (com o objetivo de
estimular a vibração e ação da prega vocal prejudicada), manipu-
lação digital da cartilagem tireóide (ARONSON, 1980); execução de
Avaliação e Terapia de Voz nas Disfonias Neurológicas 693

escalas musicais, articulação exagerada, maximização da resso-


nância oral, etc.
É importante também trabalhar com o suporte respiratório, a
fim de propiciar uma pressão subglótica consistente durante a
fala, a qual é produzida com o mínimo de fadiga e boa coordena-
ção pneumofonoarticulatória. A estabilização da postura
(ROSENBEK & LA POINTE, 1978) deve ser trabalhada em conjunto.
Durante a fala, o paciente deve ser orientado para inspirar
freqüentemente e iniciar a fonação com a expiração (RAMIG &
SCHERER, 1992). Há casos em que o paciente não apresenta
condições de melhorar o padrão respiratório e fonatório e conse-
qüentemente produzir loudness mais forte. Nestes pacientes,
pode ser indicado o uso de sistemas de amplificadores portáteis
(YORKSTON e cols., 1988).
Pacientes com hipoadução de pregas vocais podem apresen-
tar também paralisia ou fraqueza velofaríngica e articulatória. No
caso de insuficiência velofaríngica, a intervenção cirúrgica ou
protética pode ser necessária com o objetivo de propiciar um
suporte fisiológico adequado (ROSENBEK & LAPOINTE, 1978). Nes-
te trabalho não será possível discutir o trabalho fonoterápico dos
mecanismos velofaríngicos e articulatórios, tendo sido discutidos
com detalhes por vários autores (ROSENBEK & LA P OINTE, 1978;
JOHNS, 1978; YORKSTON e cols., 1988).
A fonoterapia para pacientes que apresentam hiperadução de
pregas vocais tem como principal objetivo reduzir o “excesso de
adução” de pregas vocais. As estratégias incluem relaxar a
musculatura laríngea e “facilitar” o início da fonação.
Entre as várias técnicas descritas na literatura, podemos citar:
método mastigatório; técnica do bocejo; exercícios de voz com
retardo no monitoramento auditivo, exercícios de relaxamento
cervical com emissão de voz simultânea, etc.
O suporte respiratório deve ser trabalhado com o objetivo de
ativar o uso de fluxo aéreo consistente e estável com a muscula-
tura respiratória relaxada dentro das possibilidades do paciente,
sempre trabalhando a postura conjuntamente.
ATEN (1984) sugere que os pacientes devem ser orientados a
produzir emissões fonatórias curtas, relaxadas e que devem ser
estimulados a melhorarem a precisão articulatória.
O tratamento inicial em alguns pacientes com hipercinesia
pode ser médico (farmacológico ou cirúrgico), ao invés do trata-
mento fonoterápico, propiciando melhores resultados, por serem
resistentes ao tratamento comportamental.
O principal enfoque de fonoterapia para pacientes com insta-
bilidade fonatória é melhorar a qualidade vocal (voz rouca, áspera,
instável, etc.), procurando alcançar uma voz estável e clara
(RAMIG & SCHERER, 1992).
Os pacientes devem ser orientados a maximizar o suporte
respiratório, a postura (conforme citados anteriormente), flexibili-
dade, eficiência e coordenação laríngea para que tenham condi-
694 Fonoaudiologia Prática

ções de sustentar uma voz estável com qualidade vocal clara e


consistente. A boa coaptação de pregas vocais tem sido relatada
como um fator essencial para que seja possível uma emissão
estável de voz.
O objetivo da fonoterapia para pacientes com distúrbios na
prosódia é aproximar a relação entre o significado de sua
mensagem e a produção da mesma (YORKSTON e cols., 1988).
Se o paciente sabe o que quer comunicar mas não consegue
usar a prosódia adequadamente, prejudicando a transmissão
de sua mensagem, o tratamento tem como objetivo, identificar
quais os componentes que o paciente possa controlar. Por
exemplo, aumentar a variação da freqüência fundamental, me-
lhorar a tessitura da voz. Para pacientes que apresentam
“excesso” de prosódia, comumente observada nos pacientes
atáxicos, é sugerido que o tratamento tenha como objetivo
reduzir as variações excessivas de freqüência fundamental e
intensidade (RAMIG & SCHERER, 1992). Aumentar estabilidade
fonatória, controlar a velocidade da fala, plasticidade vocal,
controle da extensão frasal são algumas sugestões gerais para
esses casos.
Quando ocorre dificuldade no uso do contraste surdo-sonoro,
YORKSTON e cols. (1988) sugerem que seja feita uma orientação
ao paciente para que exagere em aspectos diferentes do traço de
sonoridade. Por exemplo, modificação na duração da vogal que
precede o par surdo-sonoro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste capítulo foram descritos aspectos fonoaudiológicos dos
distúrbios neurológicos da laringe.
A terapia de voz para pacientes que apresentam disfonias
neurológicas deve ser intensiva, vigilante e coordenada com
outras formas de tratamento. Os tratamentos neurofarmacológico
ou neurocirúrgico são designados para tratar o distúrbio neuroló-
gico e podem interferir na performance da fala e fonação. Os
tratamentos laríngeo, fonocirúrgico ou comportamental são desig-
nados para tratar diretamente a disfunção na fonação e melhorar
a voz. O trabalho multiprofissional, ou seja, o trabalho integrado do
fonoaudiólogo, neurologista e otorrinolaringologista propiciará ao
paciente com distúrbio neurológico da laringe a maximização de
uma comunicação inteligível.
O sistema laríngeo pode ser considerado como o microcosmo
de todo o mecanismo da fala (NETSELL & ROSENBEK, 1986),
podendo os distúrbios da fonação serem relatados como sintoma
inicial de vários distúrbios neurológicos (como na doença de
Parkinson, por exemplo). Portanto, a avaliação da fonação deve
ser considerada como um pré-requisito para que possa contribuir
ao máximo no sucesso do tratamento.
Avaliação e Terapia de Voz nas Disfonias Neurológicas 695

Leitura recomendada
ARONSON, A.E. – Clinical Voice Disorders . New York, Thiéme, 1980.
ATEN, J. – Treatment of Spastic Dysarthria . In: PERKINS, W. Dysarthria
and Apraxia, New York, Thieme-Stratton, 1984.
BEHLAU, M.S. & HARADA, K.S. – Atendimento fonoaudiológico ao
paciente com doença de Parkinson. In: FERREIRA, L.P. Trabalhan-
do a Voz, Vários Enfoques em Fonoaudiologia. São Paulo, Summus,
1988. pp. 114-120.
BEHLAU, M.S. & PONTES, P.A.L. – Princípios de Reabilitação Vocal nas
Disfonias. São Paulo, Editora Paulista Publicações Médicas, 1990.
BOONE, D. – The Voice and Voice Therapy. Englewood Cliffs, NJ,
Prentice Hall, 1971.
CANTER, G. – Speech characteristics of patients with Parkinson’s
disease. III. Articulation, diadochokinesis, and overall speech
adequacy. J. Speech Hear. Disord., 30:217-24, 1965.
DARLEY, F.; ARONSON, A.E.; BROWN, J. – Motor Speech Disorders.
Philadelphia, Saunders, 1975.
DROMEY, C.; RAMIG, L.O.; JOHNSON, A.B. – Phonatory and articulatory
changes associated with increased vocal intensity in Parkinson’s
disase: a case study. J. Speech Hear. Res., 38(4):751-764, 1995.
HARADA, K.S. – Uma Análise da Fala de Pacientes Portadores de
Doença de Parkinson: Espectrográfica de Formantes, Computado-
rizada de Freqüência Fundamental, “Jitter”, “Shimmer” e de Pausas
Articulatórias. São Paulo, 1987. 56pp. [Monografia de Especializa-
ção em Fonoaudiologia. Escola Paulista de Medicina].
HARTMAN, D.E. & ABBS, J.H. – Dysarthrias of movement disorders. In:
JANKOVIC, J. & TOLOSA, E. Advances in Neurology. New York,
Raven Press, 1988. pp. 289-306.
JOHNS, D.F. – Clinical Management of Neurogenic Comunicative
Disorders. Boston, Little Brown and Company, 1978.
NETSELL, R. & ROSENBEK, J. – Treating the dysarthrias. In: NETSELL,
R. Neurobiologic View of Speech Production and the Dysarthrias.
Boston, College-Hill Press, 1986. pp. 123-149.
PRATER, R.J. & SWIFT, R.N. – Manual of Voice Therapy. Boston, Little
Brown, 1984.
RAMIG, L.A. & GOULD, W.J. – Speech characteristics in Parkinson’s
disease. Neurol. Consult., 4(1):1-6, 1986.
RAMIG, L.A. & SCHERER,R.C. – Speech therapy for neurological
disorders of the larynx. In: BLITZER, A. Neurological Disorders of the
Larynx. New York, Thième Medical Publishers, 1992. pp. 163-181.
ROSENBEK, J. & LaPOINTE, L. – The dysarthrias: description, diagnosis,
and treatment. In: JOHNS, D. Clinical Management of Neurogenic
Communicative Disorders. Boston, Little Brown, 1978. pp. 251-310.
SMITH, M. & RAMIG, L.A. – Neurological disorders and the voice. NCVS
Status and Progress Report, 7:207-227, 1994.
YORKSTON, K.M.; BEUKELMAN, D.R.; BELL, K.R. – Clinical
Management of Dysarthric Speakers. Boston, College-Hill Press,
1988.
Deficiência Auditiva 1
Disfonia Infantil 697

30
Disfonia Infantil

Rita de Cássia Hersan

INTRODUÇÃO
A necessidade de intervenção terapêutica em crianças que
apresentam alterações vocais, ainda hoje é tema de controvér-
sias. Com freqüência debate-se o grau de prejuízo que a
disfonia pode acarretar na vida de um jovem e também a
validade de se esperar que com o desenvolvimento da criança,
a alteração vocal regrida espontaneamente.
Sabemos através da experiência clínica que as alterações de
voz na infância podem interferir de modo bastante negativo no
desempenho social ou mesmo no desenvolvimento afetivo-emo-
cional de qualquer criança. Como isso pode ocorrer?
Eis alguns exemplos:
“Eu fico muito chateada todas as vezes que me confundem
com meu irmão quando atendo o telefone. Minha voz é rouca,
grave e feia... Eu adoro cantar, mas não consigo!”
Essa é a queixa de uma menina de 10 anos de idade que
estuda numa escola onde música e canto são atividades extrema-
mente valorizadas. Ela já havia comentado com os pais sobre a
sua dificuldade, mas nada foi feito até que a professora de canto
notasse a alteração.
O exame laringológico revelou cisto vocal unilateral e reação
contralateral na prega vocal oposta ao cisto. A criança evoluiu bem
com a fonoterapia, não sendo necessária a cirurgia. Muito ajudou-
a o seu conhecimento musical.
698 Fonoaudiologia Prática

“Minha filha tem uma voz muito diferente... Todas as pessoas


me perguntam se ela tem algum problema. Sua professora me
disse que ela evita falar, pois as outras crianças acham graça e
imitam a sua voz. Ela não vai bem na escola e tem se mostrado
muito nervosa.”
A paciente do sexo feminino, na época tinha 9 anos de idade,
porém desde os 7, esteve às voltas com fonoterapia para melhorar
a disfonia hipercinética que primeiramente havia sido diagnostica-
da. Na reavaliação do caso, foi constatado que a criança era
portadora de sulco vocal, uma alteração congênita de laringe que
pode ocasionar disfonia em grau variado, sendo o dessa criança
bastante intenso.
“A professora do meu filho se queixou de que quase não
consegue entendê-lo porque sua voz é muito rouca e falha
demais. Eu já havia percebido isso mas achava que era normal.”
Esse é o exemplo de um menino de 6 anos de idade bastante
extrovertido e falante que passa todas as manhãs em frente à
televisão, conversando com ela e imitando seus personagens. A
criança foi colaboradora e a videolaringoscopia revelou nódulo de
pregas vocais. Foi indicada fonoterapia e grande ênfase foi dada
à orientação familiar e escolar.
Com muita freqüência, pais e educadores se mostram bem
mais atentos ao desenvolvimento da linguagem e à precisão
articulatória do que às alterações de voz na infância. Estas,
comumente passam desapercebidas. Porém, graças à atuação
marcante do fonoaudiólogo junto às equipes multidisciplinares e
também nas escolas, cada vez mais se tem conseguido um
adequado esclarecimento a respeito do desempenho vocal da
criança. Dessa forma, convencer os pais sobre a importância e a
necessidade de se realizar um exame ou tratamento específico,
tornou-se tarefa mais simples nos nossos dias.

AVALIAÇÃO DE VOZ EM CRIANÇAS


Antes de se propor algum tipo de intervenção é necessária
uma avaliação criteriosa e detalhada para cada criança que nos
chega apresentando alteração da voz.
Independentemente de quem seja o primeiro profissional a
receber a criança, a avaliação otorrinolaringológica é indispensável.
É bastante aconselhável que se instrua os pais e também a criança
a respeito dessa avaliação, pois trata-se de um exame específico
que permite o estudo das diferentes estruturas e regiões do trato
vocal, além da investigação convencional, incluindo a verificação do
estado geral de saúde da criança e seus distúrbios mais freqüentes.
O procedimento mais utilizado para se examinar a laringe é a
laringoscopia indireta que pode ser realizada com o uso do espelho
laríngeo ou através de instrumentos de fibras ópticas.
Em bebês e crianças pequenas que apresentam sintomas
vocais sugestivos de alterações congênitas de laringe, a avalia-
Disfonia Infantil 699

ção pode ser realizada introduzindo-se o laringoscópio flexível


através da fossa nasal. Graças a esse procedimento, as limita-
ções decorrentes de natureza anatômica, reflexo nauseoso exa-
cerbado e idade do paciente, foram praticamente eliminadas e as
diversas estruturas e regiões do trato vocal podem ser avaliadas
sem a necessidade de anestesia geral.
Em crianças maiores, além do laringoscópio flexível, é possí-
vel a utilização do laringoscópio rígido introduzido através da
boca. De forma semelhante ao exame realizado com o espelho
laríngeo, a criança deve manter a língua suavemente tracionada
para fora da boca e emitir as vogais “é” e “i”. Para se reduzir o
reflexo nauseoso, utiliza-se anestesia tópica porém, mesmo as-
sim, nem sempre o exame é bem tolerado pelas crianças.
A possibilidade de se poder acoplar monitores de televisão
aos laringoscópios representa uma grande vantagem ao se exa-
minar crianças. Estas, muitas vezes permanecem atentas e
interessadas na imagem de suas próprias pregas vocais durante
a avaliação. Além disso, o acoplamento de instrumentos de
registro, como câmeras fotográficas, filmadoras e impressoras,
tem auxiliado bastante o diagnóstico, especialmente em crianças,
pois em alguns casos, o breve segmento do exame que fica
gravado pode ser revisto e analisado em diversas ocasiões.
Sempre que possível, o fonoaudiólogo deve preparar previa-
mente a criança para a avaliação otorrinolaringológica, através de
representação e simulação. Isso costuma facilitar a realização do
exame e também ajuda a aliviar a ansiedade da criança e da
família.
Com freqüência observa-se alteração de voz em crianças que
apresentam infecções repetitivas de vias aéreas. O desvio ou a
redução do fluxo aéreo da cavidade nasal, decorrentes de hiper-
trofia de adenóides, processo infeccioso ou alérgico das vias
aéreas, acarreta desequilíbrio ressonantal e de coordenação
pneumofonoarticulatória. Nesse caso, a criança necessita tam-
bém de cuidados médicos específicos e o prognóstico da terapia
vocal vai depender em grande parte da evolução satisfatória dos
fatores associados.
O desempenho vocal da criança pode ser prejudicado por uma
discreta perda auditiva. Daí a necessidade de se realizar a
audiometria tonal e o teste de discriminação de palavras como
parte do processo diagnóstico.

Contato com a criança


O contato entre a criança e o terapeuta deve ocorrer numa
atmosfera de participação e confiança mútua.
É possível que a princípio algumas crianças se sintam intimi-
dadas, pouco falantes e retraídas. Porém, é também bastante
provável que após alguns minutos elas já se mostrem bem mais
descontraídas com o terapeuta e adaptadas ao ambiente. Caso
700 Fonoaudiologia Prática

contrário, o terapeuta deve criar estratégias que propiciem uma


melhor interação, sempre levando em consideração a idade e as
predileções da criança.
É importante certificarmo-nos sobre o grau de conscientiza-
ção que a criança possui a respeito de sua alteração vocal. Com
freqüência, nota-se uma aparente indiferença da criança ou
mesmo, uma noção distorcida com relação ao distúrbio vocal,
devido principalmente aos comentários e atitudes inapropriadas,
adotadas por familiares ou professores que tiveram a intenção de
solucionar o problema.
Dificilmente uma criança pequena se queixa de dor, esforço ou
cansaço ao falar. Muitas vezes, elas se apresentam quase afônicas,
mas nem por isso se sentem limitadas ou impossibilitadas de
continuar falando, cantando ou gritando. Por outro lado, crianças
com mais idade, geralmente são capazes de identificar regiões do
corpo que se encontram tensas ou mesmo, situações rotineiras
que costumam acentuar ou prejudicar a qualidade da voz.

AVALIAÇÃO DA DINÂMICA RESPIRATÓRIA


A avaliação da dinâmica respiratória se faz com a criança em
repouso e também durante conversação espontânea e/ou dirigi-
da. Pode-se sugerir a descrição de uma seqüência de figuras, de
um filme ou um fato interessante ocorrido com a família. Caso a
criança se mostre retraída e pouco disposta a conversar, a
contagem de números assim como a emissão dos dias da semana
ou dos meses do ano, também pode ser solicitada enquanto se
observa o tipo e o modo respiratório, as pausas e os movimentos
corporais associados. Nem sempre a leitura de texto é recomen-
dada, pois a criança pode apresentar um desempenho respirató-
rio insatisfatório, comprometendo a avaliação, quando na realida-
de, o problema comumente está centrado na tarefa da leitura.
A dinâmica respiratória da criança com alteração vocal, cos-
tuma se caracterizar por inspirações superficiais, às vezes ruido-
sas, e controle insuficiente da expiração à fonação. Observa-se
com freqüência, fonação durante a inspiração, ou mesmo utiliza-
ção de ar de reserva, o que gera enorme tensão laríngea.
O tipo respiratório superior ou clavicular com expansão da
parte superior da caixa torácica e elevação dos ombros, costuma
ocorrer inadequadamente durante a fonação, embora em situa-
ção de repouso, seja possível a observação do tipo respiratório
médio ou mesmo do tipo costodiafragmáticoabdominal.
Para a avaliação da capacidade vital utiliza-se comumente o
espirômetro seco, solicitando-se à criança que inspire profunda-
mente e a seguir expire, da forma mais prolongada possível, todo
o ar na embocadura do tubo do aparelho. Deve-se ter o cuidado
de manter o espirômetro no mesmo nível da boca da criança. Os
valores da capacidade vital são variáveis em função de diversos
fatores como: idade, sexo, estatura, postura, condições de saúde
Disfonia Infantil 701

e treinamento físico. Fica incorreto portanto, estabelecer-se valo-


res médios baseados apenas em uma das variáveis citadas, como
por exemplo a idade da criança.
Sugere-se que a medida da capacidade vital realizada na
avaliação, seja utilizada apenas como referência da própria crian-
ça, podendo ser comparada com medidas periódicas durante o
processo terapêutico.
A coordenação pneumofonoarticulatória resultante do equilí-
brio entre as forças expiratórias, mioelásticas da laringe e muscu-
lares da articulação pode estar bastante comprometida na criança
disfônica.
Nem sempre é possível identificar predomínio de alteração
entre os níveis respiratório, fonatório ou articulatório pois na
criança, o crescimento constante e não-homogêneo das estrutu-
ras envolvidas na fonação, favorece o desequilíbrio das mesmas,
exigindo a readaptação funcional entre elas (VALLANCIEN, 1986).
Considera-se este um dos principais argumentos para se compre-
ender que as alterações vocais funcionais têm muitas chances de
ocorrer durante toda a infância.

AVALIAÇÃO DO COMPORTAMENTO VOCAL


A avaliação do comportamento vocal inclui a participação da
criança em situação de conversação e também em atividade
lúdica como a dramatização, o jogo e o canto. O comportamento
vocal habitual da criança nem sempre é obtido em sala de terapia.
Sendo assim, muitas vezes, a observação da criança em outros
ambientes e situações, como festas de aniversário, comemora-
ção escolar ou campeonato esportivo, pode acrescentar informa-
ções valiosas quanto à utilização da voz em diferentes ocasiões.
Os procedimentos básicos utilizados na avaliação do compor-
tamento vocal da criança não requerem instrumentos sofisticados
e a avaliação perceptiva auditiva permanece como o método mais
acessível e abrangente disponível (ANDREWS, 1995).
A análise vocal através de programas computadorizados,
ainda não faz parte da nossa rotina clínica. Além disso, pela falta
de dados normativos, torna-se inviável a comparação de medidas
acústicas e aerodinâmicas, obtidas entre crianças de mesmo
sexo, idade e nível sócio-econômico-cultural. Sendo assim, as
tarefas solicitadas à criança serão interpretadas pelo examinador
através da avaliação perceptiva auditiva e da leitura cuidadosa
dos parâmetros empregados.

Sistema de ressonância
Crianças com alteração vocal freqüentemente apresentam
desequilíbrio do sistema de ressonância, caracterizado por con-
centração excessiva da energia sonora em alguma região espe-
cífica do aparelho fonador.
702 Fonoaudiologia Prática

Para facilitar a identificação do foco predominante de resso-


nância, o examinador deve estar bastante atento a todas emis-
sões espontâneas da criança. Pode-se também solicitar a repeti-
ção de pares de palavras ou sentenças que oponham nasalidade
e oralidade.
A voz tensa, “presa na garganta” e pouco projetada é típica de
predomínio ressonantal baixo, ao nível de laringe.
A voz pastosa e abafada é resultante da redução de ressonân-
cia orofaríngea e costuma estar associada a hipertrofia de amíg-
dalas palatinas.
O predomínio de ressonância na região da faringe confere à
voz uma qualidade metálica e gutural, sendo bastante observado
em crianças que imitam outras vozes enquanto brincam.
O uso excessivo de ressonância nasal pode estar associado
a fatores emocionais quando excluídas as alterações orgânicas
ou funcionais ao nível de palato mole.

Tempo máximo de fonação


A medida do tempo máximo de fonação possibilita a análise
quantitativa e também qualitativa da função vocal podendo ser
utilizada tanto na avaliação, como também na evolução do pro-
cesso terapêutico. Trata-se do tempo máximo que a criança
consegue sustentar a emissão de um som numa só expiração
após uma inspiração profunda.
Com a utilização de um cronômetro, realiza-se a medida do
tempo máximo para as vogais /a/, /i/, /u/, para os fonemas
fricativos /s/ e /z/ e também para a contagem de números em
seqüência, tendo-se o cuidado de manter sempre um breve
intervalo entre uma avaliação e outra.
O examinador deve dar o modelo da tarefa a ser realizada e
permitir que a criança faça tentativas anteriores à aferição dos
tempos, para se certificar de que a mesma compreendeu o
procedimento.
Vários estudos apresentam os valores de tempo máximo de
fonação obtidos entre crianças e jovens sem alterações vocais
(L AUNER, 1971; FINNEGAN, 1984; C OLTON & CASPER, 1990). É
nítida a relação de aumento do tempo máximo de fonação com a
idade da criança, sendo que não há uma diferença significativa
entre os sexos até a idade de 10 anos, quando então os meninos
passam a alcançar tempos de fonação maiores que os tempos
obtidos pelas meninas.
Em nossa população, verificou-se que para as crianças até
a puberdade, os valores de tempo máximo de fonação tendem
a acompanhar em média o valor do número da idade da
criança. Constatou-se que crianças com 5 anos conseguem
manter por volta de 5s a emissão de uma vogal, crianças de 8
anos, sustentam por 8s e assim por diante (BEHLAU & P ONTES,
1995).
Disfonia Infantil 703

A medida do tempo máximo de fonação para as fricativas /s/ e


/z/ realizada entre crianças sem alterações vocais, costuma resultar
em valores iguais, sendo portanto a relação s/z próxima a 1,0.
PRATER & SWIFT (1984) referem que crianças em idade escolar
sem alterações vocais, são capazes de sustentar as vogais e os
fonemas fricativos /s/ e /z/ por um tempo máximo de 10s.
ECKEL & BOONE (1981) constataram que crianças com nódulo
ou pólipo vocal apresentam tempo de /z/ menor que o de /s/ e a
relação s/z maior que 1,4.
O estudo de RASTATTER & HYMAN (1982) revelou que nas
crianças com hipercontração das pregas vocais, o tempo de
emissão de /z/ pode se apresentar maior que o de /s/, provavel-
mente pela tendência da criança em prolongar o mecanismo de
válvula da laringe.
O tempo de contagem de números deve ser medido de forma
semelhante ao das vogais e fonemas fricativos, porém o examina-
dor não deve dar o modelo para não influenciar a criança com sua
própria velocidade de fala. Avalia-se o tempo, em segundos, que
a criança é capaz de manter a contagem dos números, como
sendo a eficiência para coordenar a respiração e a fonação num
processo de fala encadeada.
Nota-se com relação aos aspectos quantitativos da avaliação
do tempo máximo de fonação, que as crianças com desordens
vocais, geralmente apresentam tempos de emissão bastante
reduzidos para as vogais, relação s/z alterada e tempo de conta-
gem de números superior ao das vogais. Quanto aos aspectos
qualitativos, observa-se durante as emissões da criança, utiliza-
ção de ar de reserva, instabilidade de tom, intensidade e por
vezes, quebras de sonoridade.

Ataque vocal
A avaliação do ataque vocal ou do modo como a criança inicia
a fonação, ocorre durante a conversação espontânea e também
na repetição de palavras e sentenças iniciadas por vogais. Crian-
ças pequenas podem ser solicitadas a nomear figuras que iniciam
por vogais, enquanto se avaliam em suas emissões os ataques
vocais suaves, bruscos ou aspirados.
É importante notar que o ataque vocal pode variar dependendo
da intenção da mensagem e da situação de comunicação em que
a criança se encontra. Em momentos de grande euforia e excitação
é provável que predominem os inícios bruscos, enquanto em
situações de susto ou medo, prevalecem os inícios aspirados.
O ataque vocal brusco ocorre na maioria das emissões de
crianças com característica vocal hipertônica, assim como em
crianças agressivas ou de temperamento autoritário.
A observação de ataques vocais aspirados, sugere adução
insuficiente das pregas vocais, com expiração de ar antecedendo
o início da vibração das pregas vocais.
704 Fonoaudiologia Prática

É importante notar que geralmente crianças com qualidade


vocal rouco-soprosa, apresentam soprosidade ao longo das emis-
sões porém, não costumam iniciar a fonação com ataque aspira-
do, mas sim com ataque vocal brusco.

Freqüência fundamental e pitch


A freqüência fundamental das vozes infantis é superior à fre-
qüência fundamental das vozes dos adultos, porém com variação
entre as diversas idades. WILSON (1987) destacou que a freqüência
fundamental das vozes infantis diminui com o aumento da idade,
não havendo diferença entre os sexos até por volta dos 10 anos.
O valor da freqüência fundamental para crianças da cidade de
São Paulo, com idade variando entre 8 e 12 anos, obtido por
análise computadorizada foi de 236 Hz, o que corresponde
aproximadamente a nota musical lá sustenido (BEHLAU e cols.,
1985). Porém, sendo este um valor médio, a freqüência funda-
mental de vozes infantis pode ser ainda mais elevada, geralmente
por volta de 250 Hz, o que corresponde aproximadamente ao dó
na escala musical.
Para a avaliação da freqüência fundamental da fala de crian-
ças, recomenda-se a utilização de uma escaleta, miniórgão ou
teclado. A criança deve prolongar uma vogal em intensidade
média, enquanto o examinador compara a freqüência da vogal
emitida com as notas musicais do instrumento disponível. Nem
sempre é possível fazer a correspondência exata do tom emitido
pela criança com uma nota musical, porém deve-se considerar a
nota mais semelhante possível.
A freqüência fundamental da fala da criança com desordem
vocal de origem funcional, costuma ser mais baixa que a esperada
para o seu sexo e idade. Isso se deve ao fato de que na maioria dos
casos, há presença de lesão orgânica secundária, com conseqüen-
te aumento de massa e lentidão da vibração das pregas vocais.
Vozes com freqüência fundamental elevada, não compatível
com a idade e sexo, sugerem a presença de sulco vocal ou de
microdiafragma laríngeo.
Pitch é a sensação psicofísica relacionada à freqüência funda-
mental, ou seja o modo como se julga um som mais grave ou mais
agudo. Geralmente, quanto mais elevada a freqüência fundamen-
tal, mais agudo é o pitch da voz e quanto mais baixa a freqüência
fundamental, mais grave é o pitch da voz.
Ao se julgar o pitch como normal, agudo ou grave, deve-se
levar em consideração a situação específica de avaliação da
criança. O pitch pode variar entre uma atividade e outra, especial-
mente quando a criança se apresenta eufórica ou cansada.

Gama tonal e extensão vocal


A gama tonal da fala é identificada pelo número de notas acima
e abaixo da freqüência fundamental que aparece na fala encadeada
Disfonia Infantil 705

e pode ser avaliada durante conversação espontânea com a


criança ou através da repetição de sentenças e versos.
Considera-se a gama tonal normal quando ocorrem variações
da freqüência fundamental entre 3 a 5 semitons; monótona,
quando permanece num único e mesmo tom; restrita, quando há
pouca variação ou excessiva, com variações extremas e inade-
quadas para o conteúdo da mensagem.
A extensão vocal é obtida pelo número de notas musicais que
a criança é capaz de produzir, desde a mais grave até a mais
aguda, não importando a qualidade vocal resultante e o esforço
realizado.
A extensão vocal de crianças de 7 anos de idade sem
alterações vocais, costuma abranger aproximadamente 6 notas
musicais apenas. Por volta dos 12 anos, a criança já é capaz de
emitir entre 10 a 12 notas musicais (PERELLÓ, 1975).
Para se avaliar a extensão vocal da criança, solicita-se à
mesma que reproduza as notas emitidas num miniórgão ou
escaleta, levando-se em consideração sua freqüência fundamen-
tal e faixa etária.
Freqüentemente as crianças com alterações vocais apresen-
tam redução da extensão vocal caracterizada pela grande dificul-
dade em alcançar as notas mais agudas. Não costuma ser fácil a
avaliação da extensão vocal, mesmo em crianças sem alterações
de voz, a menos que elas já tenham sido trabalhadas musicalmente.
Como forma de padronização e também por ser bastante
simples e familiar às crianças, recomenda-se o uso da canção
“Parabéns a Você” para se avaliar a capacidade de modulação da
criança. Comumente observa-se que crianças disfônicas realizam
o canto de forma entrecortada e tensa, devido principalmente à
incoordenação pneumofonoarticulatória.

Intensidade vocal e loudness


A intensidade vocal é um parâmetro que se estabelece na
primeira infância e portanto deve ser cuidadosamente avaliado
entre as crianças. Embora passível de variação, em função da
situação ou do ruído ambiental a que a criança está exposta, o
padrão de intensidade vocal tende a se fixar como conseqüência
de características pessoais, familiares ou ainda culturais.
Para a avaliação da intensidade vocal é bastante útil a utiliza-
ção de um medidor de intensidade que fornece em decibel (dB),
o nível de emissão durante a conversa espontânea ou até mesmo,
dos abusos vocais realizados pela criança. Deve-se ter o cuidado
de manter o medidor posicionado a um metro de distância da boca
da criança.
SEYMOUR (1975) constatou em seu estudo que a intensidade
média de conversação entre meninos de 6 a 8 anos foi de 72 dB,
sendo considerada baixa ao redor de 62 dB e elevada aos 86 dB.
Geralmente toma-se como referência o valor de 60 dB para indicar
706 Fonoaudiologia Prática

baixa intensidade de conversação, entre 65 a 70 dB para intensi-


dade de conversação média habitual e acima de 80 dB como
intensidade elevada.
Loudness é a sensação psicofísica relacionada à intensidade,
o modo pelo qual julgamos um som como sendo forte, médio ou
fraco. Com freqüência observa-se que as crianças com alterações
vocais mantêm a loudness forte em diversas situações de conver-
sação, não se preocupando em adequá-la com o ambiente ou com
a intenção da mensagem.
Para se avaliar a capacidade de variação de intensidade da
voz ou mesmo da loudness, solicita-se à criança que emita
palavras ou frases colocando ênfase em determinados segmen-
tos. A situação de dramatização propicia uma oportunidade exce-
lente para se registrar a habilidade da criança pequena em variar
a intensidade da voz.

Articulação
A articulação dos sons da fala refere-se aos diferentes ajustes
motores entre os órgãos envolvidos na produção dos sons, assim
como ao encadeamento destes na fala.
Pode-se avaliar as zonas articulatórias dos sons da fala,
pedindo-se à criança que repita uma lista de palavras ou nomeie
uma série de figuras que possuam todos os sons do português. Na
presença de um distúrbio articulatório observado na fala da
criança, deve-se identificá-lo cuidadosamente, pois não raras
vezes, tal alteração acarreta um desequilíbrio na dinâmica fonatória
devido a ajustes motores compensatórios, esforço muscular e
tensão.
O tipo articulatório pode variar entre normal, indiferenciado,
travado e exagerado. Entre as crianças disfônicas, nota-se o
predomínio do tipo articulatório travado, seguido pelo tipo
indiferenciado.

Velocidade de fala
A velocidade de fala pode ser avaliada como sendo normal,
rápida ou lenta enquanto se observa a criança em várias situações
de comunicação.
Para se obter o número de palavras por minuto (ppm), deve-
se retirar uma amostra de 60s de gravação da fala encadeada da
criança e contar o número de palavras emitidas (WILSON, 1987).
No estudo realizado por SEYMOUR (1975), foram julgadas
extremamente lentas as crianças que apresentaram média de 58
ppm; velocidade normal com média de 119 ppm e extremamente
rápidas, crianças com média de 188 ppm.
Observa-se que crianças com alteração vocal apresentam
velocidade de fala rápida, o que gera excessiva sobrecarga do
aparelho fonador e também compromete a inteligibilidade da
fala.
Disfonia Infantil 707

ESTRUTURAS DA FONAÇÃO E FUNÇÕES


REFLEXO-VEGETATIVAS
As estruturas da fonação: lábios, língua, palato duro, véu
palatino, mandíbula e laringe, devem ser avaliadas com o objetivo
de se detectar alterações quanto à postura, tonicidade e mobilidade.
Recomenda-se também a descrição da oclusão e do estado
geral dos dentes da criança, pois alterações oclusais e falhas
dentárias podem ser resultantes de desequilíbrios musculares.
Observa-se que em alguns casos, o uso de aparelho ortodôntico
faz com que a criança se ressinta temporariamente pela modifica-
ção do espaço da cavidade da boca, porém a adaptação a essa
nova condição costuma ser rápida e não chega a trazer maiores
prejuízos à fonação.
É importante que a criança seja avaliada em situação de
repouso e também durante conversação, a fim de se observar
possíveis ajustes motores inadequados que possam comprome-
ter a dinâmica fonatória.
Considera-se importante observar as funções de mastigação
e deglutição nas crianças que apresentam disfonia, pois sendo
estas funções básicas e anteriores à fonação, quando comprome-
tidas, podem indicar alterações importantes dos órgãos envolvi-
dos na produção da fala.
Na prática, nota-se que atualmente é alta a incidência de
crianças disfônicas portadoras de alterações miofuncionais, com
comprometimento principalmente da deglutição. Acredita-se que
as alterações que acompanham os quadros de deglutição atípica,
podem também desencadear alterações de voz pela modificação
do posicionamento da laringe no pescoço, decorrente da má-
postura da língua. É provável que a inadaptação fônica resultante
promova a modificação da freqüência fundamental da voz e
também alteração da ressonância (HERSAN, 1982).

AVALIAÇÃO DA COMUNICAÇÃO INTERPESSOAL


A comunicação interpessoal se estabelece quando dois indi-
víduos se tornam conectados através da atividade mútua de se
expressar com significado. Isso pode ocorrer de forma breve ou
longa, privada ou pública, indireta ou direta; o que importa é o
vinculo que se estabelece (TRENHOLM & JENSEN, 1996).
O processo de comunicação se desenvolve numa relação
falante-ouvinte, onde o saber falar, descobrindo na criança o que
ela é capaz de compreender e o saber ouvir, demonstrando
atenção e interesse por aquilo que a criança transmite, é o modelo
de interação interpessoal que deve ser estabelecido.
Pode-se avaliar a capacidade de compreensão e expressão
da criança, além do seu nível de concentração, através da
conversação informal estabelecida, na qual as respostas não
708 Fonoaudiologia Prática

verbais, como o contato visual, a postura corporal e os gestos,


também têm enorme significado.

TERAPIA DE VOZ PARA CRIANÇAS


A terapia de voz para crianças não deve seguir um esquema
ou roteiro predeterminado, pois ao se definir a proposta terapêu-
tica, alguns fatores devem ser considerados, como a idade da
criança, sua capacidade de atenção e concentração, seu tempe-
ramento e predileções e principalmente, o tipo de alteração vocal
apresentado e o grau de severidade da mesma.
Com muita freqüência a criança não tem consciência do seu
distúrbio vocal, não identifica suas dificuldades e portanto, não se
mostra motivada para remediá-las. A motivação em geral é dos
pais, que por vezes se apresentam ansiosos com a eventual
possibilidade de indicação cirúrgica.
Uma das maiores conquistas para o êxito da terapia de voz
com criança é justamente, a sua motivação para uma participa-
ção ativa e efetiva. Cabe ao terapeuta, descobrir a melhor
maneira de motivar a criança, através de explicações simples e
adequadas, encorajando a mesma a uma melhor produção
vocal.
Quanto ao treinamento vocal, sugerem-se estratégias especí-
ficas e diversificadas, tomando-se o cuidado de adequá-las ao
interesse e necessidade de cada criança. Não se deve subestimar
a capacidade da criança em função da sua pouca idade, porém é
necessário tornar mais concretos e compreensíveis os parâme-
tros vocais que se pretende abordar em terapia.
ANDREWS (1986), propõe que a terapia de voz com crianças se
desenvolva por fases, a saber: conscientização, produção e
automatização. A autora destaca que nem sempre é necessário
se enfocar todas essas fases, porém dependendo da criança é
aconselhável se trabalhar com mais ênfase em alguma delas.
Considera-se importante em nosso meio, além da conscienti-
zação à criança e do treinamento vocal propriamente dito, acres-
centar a orientação familiar como parte integrante da abordagem
terapêutica para as disfonias infantis.
Em alguns casos haverá necessidade de se elaborar um
programa de reabilitação mais abrangente, no qual além dos pais,
outras pessoas como irmãos, avós, amigos, babás e professores
serão orientados e solicitados a colaborar.

Orientação familiar
Primeiramente é importante esclarecer os pais sobre o meca-
nismo de produção da voz, as características peculiares da laringe
infantil e o distúrbio vocal que a criança apresenta. Aconselha-se
o emprego de terminologia simples porém correta, sem exagero
em detalhes técnicos. O ideal é informar e satisfazer a curiosidade
Disfonia Infantil 709

e o interesse dos pais utilizando-se desenhos, fotografias ou


mesmo um vídeo para ilustração do caso.
O trabalho desenvolvido com os pais de crianças disfônicas não
se resume apenas a esse contato inicial e também não se
restringe a um programa de sessões fixas. À medida que se conhe-
ce melhor a criança e a família, serão propostas outras orientações
para esclarecer os pais quanto ao temperamento do filho, nocivida-
de dos abusos vocais e funcionamento familiar.
GOMES (1995), destaca que a falta de conhecimento sobre a
dinâmica familiar ou de preparo para o trabalho com os pais,
muitas vezes tem colocado o fonoaudiólogo frente a situações
imprevisíveis e desconfortáveis.
Na prática, observa-se com freqüência que as divergências e
os conflitos familiares costumam vir à tona, com o confronto entre
o pai e a mãe durante as sessões de orientação. Por isso se
considera tão importante a presença do casal e não apenas a
participação de um dos responsáveis.
Apesar da pouca tradição no campo de atuação do fonoaudió-
logo, o trabalho com os pais de crianças com alteração vocal, não
deve ser encarado como irrelevante no processo terapêutico.
Observa-se que é extremamente valiosa a atuação dos pais e
quando os mesmos se envolvem no processo de reabilitação da
criança, esta se torna mais rápida e bem-sucedida.
Sempre que possível, o terapeuta deverá planejar com os pais,
estratégias para modificar as condições e hábitos que favorecem o
mau uso ou o abuso vocal da criança. Entende-se porém, que essa
mudança de comportamentos e atividades, muitas vezes não é fácil
de se concretizar. Metas específicas e gradativas deverão ser
adotadas para facilitar o êxito em alcançá-las.
Entre os diversos tópicos a serem abordados com os pais,
considera-se de grande importância os que visam:
• tornar o ambiente familiar mais tranqüilo;
• estabelecer uma rotina adequada para a criança;
• evitar a competição sonora e especialmente a competição
vocal;
• poupar a permanência da criança em ambientes ruidosos;
• substituir as vocalizações forçadas e abusivas nos jogos e
brincadeiras por outros comportamentos alternativos;
• criar um código para alertar a criança quando a mesma
vocaliza de forma abusiva, ao invés de chamar sua atenção
constantemente;
• selecionar músicas apropriadas para a criança;
• incentivar a prática de esportes, especialmente os indivi-
duais ou de salão.
Segundo M INUCHIN & FISHMAN (1990), o profissional que se
propõe a trabalhar com a família co-participa da mesma, para
se tornar um agente de mudança, através de modalidades de
intervenção só possíveis àquela família em particular, visando
produzir um modo diferente e mais produtivo de viver.
710 Fonoaudiologia Prática

Conscientização da criança
O procedimento de conscientização geralmente tem seu início
com um esclarecimento à criança sobre o motivo de seu encami-
nhamento e indicação para a terapia.
De forma simples, explica-se o mecanismo da fonação e
também a alteração vocal apresentada pela criança, empregan-
do-se exemplos, conceitos e terminologia adequada, a fim de
evitar que a mesma crie falsas idéias sobre o assunto. Prefere-se
o emprego do termo nódulo vocal, ao invés de calo ou carocinho,
o adjetivo rouca, ao invés de feia e o verbo machucar ao invés de
estragar.
Em alguns casos é aconselhável transmitir essas explicações
sob a forma de pequenas estórias, adaptadas ao grau de compre-
ensão e maturidade da criança. Os desenhos realizados com a
própria criança para ilustrar tais estórias ajudam a fixar os concei-
tos já apresentados.
O terapeuta deve sempre demonstrar seu empenho e dispo-
sição em ajudar a criança a superar a alteração vocal, e também
reforçar que para isso, há necessidade de colaboração e partici-
pação da mesma.
Com relação aos abusos vocais, julga-se necessário esclare-
cer e orientar a criança sobre os danos que eles podem causar à
voz, porém demonstrando compreensão pois, muitos desses
comportamentos fazem parte do cotidiano da criança.
O menino não deve se sentir culpado porque gritou no jogo ou
numa competição na escola, mas deve saber que falar habitual-
mente aos berros representa uma séria barreira ao processo de
comunicação interpessoal.
A menina por sua vez, não precisa esconder que cantou por
horas, acompanhando o seu toca-fitas e dançando como se fosse
uma artista famosa. No entanto é necessário esclarecer que sua
voz ainda não alcança todas as notas musicais de determinadas
canções de sucesso.
As estórias também costumam ser valiosas estratégias para
se abordar exemplos de abusos vocais e nessa área, a criativida-
de do terapeuta representa uma ótima fonte de recursos.
Para se conscientizar a criança mais velha, pode-se utilizar o
mesmo material empregado na orientação aos pais e também um
questionário que o/a jovem deverá responder com o terapeuta
contendo perguntas básicas sobre o mecanismo de produção
vocal, higiene vocal e exemplos de alterações. É muito importante
se averiguar o que o/a jovem sente em relação a atual condição
de sua voz e como reage frente aos comentários (WILSON, 1987).
Costuma-se ainda, discutir com os jovens o processo
interpessoal de comunicação que envolve a percepção do outro,
da situação, do ambiente e também dos aspectos não-verbais,
como os gestos, postura, expressão facial, contato visual, pausa
e silêncio.
Disfonia Infantil 711

Treinamento vocal
O treinamento vocal tem por objetivo a obtenção de um padrão
de fonação adequado através de procedimentos terapêuticos que
estimulam por via auditiva, visual e proprioceptiva, o monitora-
mento vocal da criança, tornando-o mais concreto e motivante.
ANDREWS (1986) propõe que a primeira etapa do treinamento
vocal, vise ensinar a criança a identificar características vocais
específicas, realizadas por outra pessoa e somente numa segun-
da fase, deve-se solicitar à criança que identifique e descreva o
que ela própria produziu.
WILSON (1987) salienta que o treinamento auditivo é a chave
para se obter sucesso com a terapia de voz em crianças. Enfatiza
a importância de se realizar com a criança disfônica, atividades de
reconhecimento e discriminação dos parâmetros vocais, a princí-
pio com diferenças marcantes e depois com diferenças discretas.
Nota-se na prática que inicialmente é útil trabalhar os diferen-
tes atributos sonoros, como intensidade, altura e duração, através
de instrumentos musicais e posteriormente nas emissões do
terapeuta. Com as crianças pequenas, empregam-se fitas com
gravações de diversas vozes de pessoas, animais, sons ambien-
tais e domésticos para se estimular a percepção e discriminação
das mesmas.
O treinamento auditivo pode ser considerado como prepara-
tório para a fase de produção vocal, mas não deve se estender
muito, a não ser que a criança demonstre ter dificuldade nas
tarefas propostas.
Quanto ao treinamento vocal propriamente dito, diversas
abordagens podem ser utilizadas porém, deve-se ter em mente
que os exercícios enfocam um determinado parâmetro vocal,
enquanto a voz representa uma totalidade. A forma ordenada de
se apresentar a prática terapêutica é portanto, apenas um recurso
didático (BEHLAU & PONTES, 1995).
A escolha acertada de sons facilitadores que aumentam as
chances da criança em obter a emissão mais adequada e
producente é muito importante, principalmente na etapa inicial do
tratamento.
Quando se propõe um trabalho de respiração com a criança
disfônica, normalmente se associa a expiração à emissão de
sons, tendo-se por objetivo a coordenação pneumofônica.
Recomenda-se a produção dos sons facilitadores fricativos
surdos, fricativos sonoros e vibrantes, enquanto a criança realiza
exercícios respiratórios associados a gestos, desenhos ou mes-
mo durante o relaxamento específico cervical. Deve-se estar
atento para que não ocorra esforço excessivo nas emissões.

• Exemplificando: a criança deve inspirar e ao expirar, emitin-


do /s/ prolongado, executar um gesto com as mãos ou um
traço no papel que tenha o mesmo tempo de duração que
sua emissão.
712 Fonoaudiologia Prática

• A criança deve inspirar ao movimentar a cabeça para trás e


expirar, emitindo /f/ prolongado, enquanto movimenta a
cabeça lentamente para frente. O mesmo pode ser feito ao
se rodar ou tombar a cabeça para a direita e para a
esquerda.

Para propiciar uma melhor percepção do tempo de fala e do


tempo de pausa, sugere-se o trabalho com versos e poemas
ritmados, marcados por gestos ou movimentos corporais. Este
procedimento em geral, conscientiza a criança que falar durante
a inspiração ou utilizando ar de reserva, são formas abusivas de
fonação.
A vocalização com início suave deve ser reforçada constante-
mente, pois o ataque vocal brusco é bastante freqüente nas
emissões de crianças disfônicas. É necessário porém, que a
criança diferencie um ataque vocal brusco e indesejável, de um
ataque vocal suave e correto.
Para tanto, o terapeuta deve emitir vogais ou palavras
iniciadas por vogais e solicitar à criança que faça uma associa-
ção dos diferentes ataques produzidos, com gestos ou figuras
apresentadas. Nota-se que o gesto mais utilizado é o “soco”
para representar o ataque brusco e “mãos de maestro” para o
ataque suave.
A suavização da emissão da criança é favorecida pela técnica
do bocejo ou pela produção de um suspiro sonorizado, após
inspiração profunda. Exemplificando: a criança deve suspirar,
emitindo suavemente ai...ai..., enquanto se espreguiça.
Para se adequar o sistema de ressonância, recomendam-se
os sons facilitadores nasais que além de suavizadores, favorecem
a dissipação da energia sonora no trato vocal, deslocando o foco
de ressonância para a face. Exemplificando: a criança deve
vocalizar suavemente /m.../, com as mãos em forma de concha
sobre o nariz, sentindo a vibração do som na palma das mãos e
em seguida, abrir a concha, emitindo uma vogal curta.

• A criança deve emitir “nhoim, nhoim, nhoim” ou “nheim,


nheim, nheim”, enquanto gesticula com as mãos, desenhan-
do uma espiral no ar ou no papel.
• Mastigar vogais ou palavras, intercalando-as com /m.../ é
uma prática bastante efetiva para se conseguir melhor
desempenho oronasal.

Com o propósito de facilitar a compreensão da criança peque-


na a respeito dos diferentes focos de ressonância, costuma-se
fazer uma associação dos três níveis de ressonância, com o
desenho de uma casa de três andares, garagem = laringe (andar
inferior ou ressonância baixa), sala = boca (andar térreo ou
ressonância oral) e dormitório = nariz (andar superior ou resso-
nância nasal).
Disfonia Infantil 713

Ao se trabalhar a modificação do tom fundamental da criança,


geralmente emprega-se a modulação dos sons facilitadores e
também das vogais. As emissões devem ser breves e associadas
a gestos que representam a variação ascendente ou descendente
do tom. Exemplificando: a criança deve emitir a vibração de
língua- trrr... ou de lábios- brrr..., em tom ascendente com as mãos
acompanhando o som e dando a configuração de subida; ou em
tom descendente com as mãos indicando a volta do som.
A técnica de voz salmodiada é bastante recomendada quando
se pretende reforçar um mesmo nível de altura e intensidade,
diminuindo o padrão de fonação hipercinética, tão comum entre as
crianças. Além disso, a emissão de versos em voz salmodiada tem
sido empregada para auxiliar a criança a automatizar o tom
adequado.
A emissão do som basal, utilizada como recurso terapêutico,
tem sido muito efetiva nos casos de nódulo vocal porém, nota-se
que nem sempre é produzida pela criança que apresenta padrão
hipercinético de fonação. Recomendam-se várias tentativas e o
uso de vibrador sobre a cartilagem tireóidea para estimular a
produção do som basal.
A repetição ou leitura de frases, pequenos diálogos e versos
com variação de entonação, também auxilia a criança a identificar
novas possibilidades de produção vocal ao empregar gama tonal
mais variada.
O hábito de utilizar a voz em forte intensidade é considerado
abuso vocal e portanto, deve ser enfocado no processo terapêu-
tico (BOONE, 1983; JOHNSON, 1985; WILSON, 1987). Visto que esse
padrão se fixa na primeira infância, sua modificação requer
conscientização e grande empenho, não só por parte da criança,
mas também da família. É fundamental questionar a necessidade
da criança em manter tal comportamento, como forma de atrair
atenção, comandar, agredir ou liberar emoções. Além disso em
nosso meio, trata-se muitas vezes de um modelo vocal familiar,
difícil de ser modificado.
Com crianças pequenas é aconselhável associar a emissão
em intensidade elevada a um animal grande ou objeto de forte
potência, enquanto a emissão fraca deve ser associada a um
animal menor ou algo de pequena potência. As crianças se
mostram particularmente interessadas no medidor de nível sono-
ro e este pode ser utilizado para monitoramento visual das
emissões da criança.
As técnicas convencionais de relaxamento podem ser aplica-
das na criança que se mostra tensa, porém tem-se observado que
as crianças efetivamente relaxam, quando massageadas. A prin-
cípio, devido à recusa ao toque, lança-se mão de vibradores e
massageadores de borracha ou madeira, bastante atraentes para
as crianças. Observa-se que através da massagem realizada de
forma lúdica, porém eficiente, o terapeuta conquista a confiança
da criança.
714 Fonoaudiologia Prática

A massagem na criança pode ser realizada no corpo todo ou


apenas em um segmento dele, como rosto ou ombros. A criança
pode vivenciar tensão e relaxamento muscular, ao imitar um
robô sem articulações ou uma marionete de pano. A música
também pode ser utilizada como meio de promover relaxamen-
to, especialmente quando associada a movimentos amplos de
corpo.
O treinamento vocal com crianças disfônicas apresenta algu-
mas peculiaridades que merecem ser consideradas:

• Todo e qualquer procedimento realizado com a criança é


precedido por uma explicação simples e objetiva a respeito
de sua finalidade.
• Costuma-se dar nomes aos exercícios para melhor memo-
rizar suas características e finalidades, como por exemplo:

“exercício da mola”: emissão nasal de “nhoim, nhoim, nhoim,...”


ou “nheim, nheim, nheim,...”,
“conversa de passarinho”: modulação do som vibrante rrrr...,
“passeio da abelha”: modulação com a fricativa sonora zzz...
“canto do lobo”: emissão ascendente da vogal /u/ facilitadora
de ataque suave,
“montanha russa”: modulação da vogal /o/ ascendente e
descendente
“pizza”: massagem no corpo da criança

• Aconselha-se que a criança tenha uma fita gravada com as


emissões realizadas em terapia, para sua repetição em
casa, além de um caderno onde serão feitas as descrições
dos exercícios trabalhados, as ilustrações das estórias e
anotações dos versos.
• A reprodução dos exercícios em casa não é mandatória
porém, nota-se que na fase inicial de tratamento, a criança
se apresenta mais disposta e motivada a praticá-los, o que
repercute em bom progresso. Não é aconselhável fornecer
uma lista interminável de exercícios como lição de casa,
prefere-se que apenas um ou dois sejam selecionados e
trabalhados com interesse pela criança. Sugere-se à crian-
ça e à família, outro tipo de tarefa, como assistir a um filme
ou ler um livro que aborde temas relacionados ao que se está
trabalhando em terapia.
• Não se aconselha manter a criança com disfonia funcional
por um período prolongado em tratamento, pois em geral
ocorre a desmotivação e conseqüente estagnação do pro-
cesso terapêutico.
• A alta ou o espaçamento da terapia, geralmente se dá
quando a criança apresenta melhora da qualidade vocal e
também do aspecto clínico. Não é necessário portanto, que
a criança atinja todos os objetivos idealizados.
Disfonia Infantil 715

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O sucesso da terapia de voz com crianças depende de
diversos fatores e quando existem limitações anatômicas que são
permanentes e irreversíveis, como malformações congênitas ou
distúrbios neurológicos, a fonação da criança será a resultante da
melhor adaptação e compensação possível.
A terapia de voz para crianças é um tema extremamente
vasto, pois permite ao fonoaudiólogo, aproveitar as inúmeras
situações oferecidas pela própria criança, sendo portanto uma
contínua descoberta de novas possibilidades.
Acredita-se que com o avanço da tecnologia já presente em
nossos dias, logo serão incorporados à rotina terapêutica, os
recursos computadorizados, especialmente voltados para a ree-
ducação vocal em crianças.

Leitura recomendada
ANDREWS, M.L. – Voice Therapy for Children . New York, Longman,
1986.
ANDREWS, M.L. – Manual of Voice Treatment: Pediatrics Through
Geriatrics. San Diego, Singular, 1995.
BEHLAU, M.S. & PONTES,P.A. – Avaliação e Tratamento das Disfonias.
São Paulo, Lovise, 1995.
BEHLAU, M.S.; PONTES, P.A.; TOSI, O. – Determinação da
frequência fundamental e suas variações em altura (jitter) e
intensidade (shimmer) para falantes do português brasileiro.
Acta AWHO, 4:5-10, 1985.
BOONE, D.R. – The Voice and Voice Therapy. 3ª ed. New Jersey,
Prentice-Hall, 1983.
COLTON, R.H. & CASPER, J.K. – Understanding Voice Problems: A
Physiological Perspective for Diagnosis and Treatment. Baltimore,
Williams & Wilkins, 1990.
ECKEL, F.C. & BOONE, D.R. – The s/z ratio as an indicator of laryngeal
pathology. J. Speech Hear. Dis., 46:147-149, 1981.
FINNEGAN, D.E. – Maximum phonation time for children with normal
voices. J. Commun. Dis., 17:309-317, 1985.
GOMES, I.C. – E quando a família vem ao caso?. In: MARCHESAN, I.Q.;
BOLAFFI, C.; GOMES, I.C.; ZORZI, J.L. Tópicos em Fonoaudiolo-
gia. São Paulo, Lovise, 1995. pp. 483-496.
HERSAN, R.C. – Deglutição atípica e disfonias: novo enfoque terapêu-
tico. VII Congresso Latino Americano de Cirurgia Buco Maxilo Facial,
São Paulo, 1982.
JOHNSON, T.S. – Vocal Abuse Reduction Program. San Diego, College-
Hill Press, 1985.
LAUNER, P.G. – Maximum Phonation Time in Children. Unpublished
master’s thesis, State University of New York at Buffalo, 1971.
MINUCHIN, S.; FISHMAN, J. – Técnicas de Terapia Familiar. Porto
Alegre, Artes Médicas, 1990.
716 Fonoaudiologia Prática

PERELLÓ, J. – Canto-dicción . Barcelona, Científico Médica, 1975.


PRATER, R.J. & SWIFT, R.W. – Manual of Voice Therapy. Boston, Little
Brown, 1984.
RASTATTER, M.P. & HYMAN, M. – Maximum phoneme duration of /s/
and /z/ by children with vocal nodules. Lang. Speech Hear. Serv.
Sch., 13:197-199, 1982.
SEYMOUR, H.N. – Attributes of loudness, pitch and rate among male
children. J. Commun. Dis ., 8:97-104, 1975.
TRENHOLM, S. & JENSEN, A. – Interpersonal Communication. Belmont,
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VALLANCIEN, B. – Disfonia funcional da infância. In: LAUNAY, C. &
BOREL-MAISONNY, S. Distúrbios da Linguagem, da Fala e da Voz
na Infância. São Paulo, Roca, 1986.
WILSON, D.K. – Voice Problems of Children . 3ª ed. Florida, Williams &
Wilkins, 1987.
Atendimento em Grupo ao Disfônico 717

31
Atendimento em Grupo ao
Disfônico

Wanderlene Anelli

Pode-se conceituar grupo como um “conjunto de indivíduos


que interagem entre si, compartilhando certas normas numa
tarefa.” Porém, um grupo não começa a funcionar quando as
pessoas unem-se e isolam-se em um determinado espaço, tendo
conteúdos e contextos em comum. É necessário que haja intera-
ção entre os membros, partindo da solidariedade e indiscriminação
entre os mesmos. A integração é o ponto de maior importância na
constituição de qualquer grupo, caso contrário forma-se apenas
um “agrupamento de pessoas”.
Ao se conceituar o que vem a ser um grupo, passa-se a refletir
nas vantagens dos atendimentos fonoaudiológicos realizados em
grupo, e mais especificamente, neste momento, com os disfônicos.
Sabendo-se dos diversos fatores causais das disfonias e não
querendo reduzi-los a um único fator, que seria o fator social, não
se pode negar que este está sempre envolvido. Soma-se às outras
causas, agrava ou mantém o quadro, sendo muitas vezes o que
leva o indivíduo a buscar o tratamento para sua disfonia.
O trabalho em grupo facilita a atuação fonoaudiológica
dentro da perspectiva social da voz, já que permite ao paciente
perceber sua voz na interação com as pessoas. PICCOLOTTO
(1992) expõe que: “Se a voz existe em função de um outro
sujeito, em um processo que resultou de um esforço histórico de
funções readaptadas (alimentação e respiração), é em função
desse mesmo outro que ela pode se modificar de forma cons-
ciente ou não”.
718 Fonoaudiologia Prática

O atendimento terapêutico em grupo vai de encontro à vida


das pessoas, que acontece na maior parte do tempo dentro de
grupos. As pessoas sempre fazem parte de um grupo. Mesmo
quando o indivíduo refere não fazer parte de nenhum, está se
comportando de maneira a pertencer ao grupo dos que resistem
à interação grupal.
No trabalho em grupo é possível abranger objetivos dife-
rentes do atendimento individual. Pode-se trabalhar em situa-
ções de interação do paciente com outras pessoas que não
seja somente o terapeuta. O grupo propicia que as pessoas
aprendam a escutar e observar, a relacionar as próprias
opiniões com as alheias, a admitir que outros pensem de modo
diferente.
Inserindo as vantagens da experiência em grupo, citadas por
LUTERMAN (1979), no atendimento fonoaudiológico aos disfônicos
pode-se colocar cinco itens principais:

1. O grupo vai de encontro a algumas necessidades


humanas básicas: inclusão, controle e afeição
Na inclusão pensa-se na necessidade de ser uma pessoa
pertencente a um grupo e distinta dentro deste. Relaciona-se ao
sentimento de autovalorização.
Quanto ao controle, relaciona-se à necessidade de tomar
decisões em favor do bem-estar do outro, dando certo “poder
pessoal” ao indivíduo.
Já a afeição refere-se à emoção de estar próximo às pessoas,
sentindo-se amado e aceito.
Considera-se que a relação é fundamental na vida de uma
pessoa. BION (1975), relata que “o grupo é essencial para a
realização da vida mental de um homem... o grupo é potencial-
mente capaz de suprir o indivíduo com a satisfação de um certo
número de necessidades de sua vida mental que só podem ser
fornecidas por um grupo. Estou excluindo, evidentemente, as
satisfações de sua vida mental que podem ser obtidas na solidão
e, menos evidentemente, as satisfações que podem ser obtidas
dentro de sua família.”
Desta forma o grupo exerce influências no padrão vocal dos
indivíduos, podendo modificar o seu comportamento vocal vo-
luntariamente ou não. Ao passar pelos diferentes grupos sociais
(família, trabalho, amigos...) o indivíduo apresenta comporta-
mentos vocais também diversos. As pessoas com quem se
comunica exercem influências na sua voz, dependendo de
fatores como grau de proximidade, posição social, personalida-
de do outro e dos aspectos psicoemocionais que ocorrem no
momento.
Assim, unindo-se todos estes pontos citados vê-se que o
trabalho em grupo com o disfônico poderá abranger diretamente
aspectos fundamentais da emissão vocal do ser humano.
Atendimento em Grupo ao Disfônico 719

2. “um número de membros do grupo demonstra


uma capacidade natural e espontânea para lidar de
uma maneira facilitadora e terapêutica com a dor e o
sofrimento de outros” (LUTERMAN, 1979)
Na maioria dos grupos de disfônicos há pacientes que pos-
suem maior facilidade de compreensão do que está sendo expos-
to e percebido por cada um, o que auxilia no processo terapêutico.
Estes pacientes contribuem na percepção do outro com relação
aos aspectos discutidos e vivenciados, nas dúvidas, ansiedades,
medos, desmotivação, conscientização, comportamentos de de-
fesa e tudo que possa surgir durante as sessões. Isto mostra que
o terapeuta não é necessariamente responsável por tudo no
grupo. Muitas vezes um paciente tem melhor aceitação com
relação ao que um companheiro do grupo diz, do que o terapeuta
comenta sobre determinado comportamento.

3. O atendimento em grupo auxilia no trabalho com


o autoconhecimento e autopercepção
A fonoterapia em grupo para o disfônico coopera no trabalho
de conscientização e percepção da voz e das posturas corporais
(tensão), como também na compreensão da inter-relação dos
mesmos.
A situação de grupo tem uma dinâmica própria em que os
participantes auxiliam-se mutuamente, facilitando a autopercepção.
Tanto um paciente trabalha no sentido de se “autoconhecer”,
como ajuda ao outro em seu “autoconhecimento”.
Alguns pacientes só percebem sua tensão muscular após
perceber a de outro paciente. Só têm a possibilidade de ver em si
mesmos, depois de compreender o outro. O grupo tanto propicia
que o disfônico perceba sua psicodinâmica vocal como também o
efeito de sua expressão vocal sobre o ouvinte e deste sobre sua
voz, isto ocorre através das diversas situações vividas dentro do
grupo, com o objetivo direto de trabalhar estes aspectos.

4. O ambiente em grupo propicia que as pessoas


possam com maior facilidade expor seus
sentimentos, percebem que podem compartilhá-los e
que serão valorizados
Sentem que serão aceitos como são verdadeiramente, dei-
xando fluir seus sentimentos, que em muitos momentos, fora do
grupo, permanecem contidos. Quando um paciente começa a
expor seus sentimentos, os outros identificam-se e vêem nesta
situação uma oportunidade para também colocar suas angústias,
tristezas, frustrações...
Alguns relatos de pacientes que foram atendidos em grupo,
mostram o que se quer dizer:
“Pude falar uma porção de coisas que tinha dentro de mim.”
720 Fonoaudiologia Prática

“Estou me sentindo um zero à esquerda, um nada. Não


mostrei isso para ninguém, aqui no grupo foi o único lugar em que
consegui falar isso.”
BION (1975) relatou: “Julgado pelos padrões comuns de inter-
câmbio social, o desempenho do grupo é quase despido de
conteúdo intelectual. Além disso, se observarmos como suposi-
ções passam incontestadas, como declarações de fatos, e são
aceitas com tal, parece claro que o juízo crítico acha-se quase
inteiramente ausente... Seja o que for que ele pareça ser na
superfície, essa situação está carregada de emoções que exer-
cem uma influência poderosa e freqüentemente inobservada
sobre o indivíduo. Em resultado, suas emoções são estimuladas,
em detrimento de seu julgamento...”

5. “O grupo é um veículo para o processamento de


informações” (LUTERMAN, 1979)
A fonte do conteúdo trazido à terapia pode emergir de variadas
pessoas, não precisando ser necessariamente do terapeuta.
Como há mais pessoas, aparecem mais perguntas, dúvidas,
questionamentos...
É importante que o terapeuta que atenderá em grupo reflita
sobre alguns aspectos que são de grande importância na determi-
nação de suas atitudes durante o atendimento.
Ao organizar um grupo de atendimento o terapeuta deve ater-
se a alguns critérios de seleção quanto ao número de participan-
tes, sexo, idade e hipótese diagnóstica de cada um.
Quanto ao número, este não pode ser muito grande pois
dificulta a dinâmica de participação no grupo, deve-se optar por
um número suficiente para que haja interação e funcionamento
enquanto grupo, mantendo-se um grau de dispersão limitado.
Os grupos tanto podem ser formados por indivíduos do mes-
mo sexo como do sexo oposto. Pois em cada uma das formas
existem vantagens e desvantagens para o funcionamento do
grupo e aproveitamento dos seus participantes.
É importante manter pessoas da mesma faixa etária no grupo,
pois estar-se-á trabalhando com necessidades e interesses pró-
ximos, assim como facilidade ou dificuldade de compreensão por
parte de todos os membros do grupo.
Os grupos precisam ser formados por pacientes que possuam
hipóteses diagnósticas semelhantes, facilitando a abordagem
terapêutica. Observam-se vantagens ao formar-se grupos de
pacientes com indicação cirúrgica na fase pré e pós-operatória. A
troca de experiências entre estes pacientes colabora positiva-
mente no processo de terapia fonoaudiológica do disfônico.
O terapeuta precisa ter ao menos um contato individual com
cada membro do grupo, antes do início deste. Não só para fins de
avaliação e diagnóstico como também para percepção da
psicodinâmica da pessoa, selecionando em qual grupo cada um
poderá estar participando.
Atendimento em Grupo ao Disfônico 721

O terapeuta precisa tomar a atitude de facilitador. Como tal, tem


que perceber como é cada grupo, aceitá-lo e não tentar modificá-lo
segundo suas necessidades particulares de terapeuta. Cada grupo
tem sua personalidade e estilo, dois grupos nunca são iguais.
A não-aceitação de um grupo leva ao não-crescimento cole-
tivo ou pessoal. Tornando-se o grupo defensivo, tentando agradar
o terapeuta e justificando a todo instante seus comportamentos.
Deve-se iniciar um grupo sem expectativa de sua performan-
ce, para simplesmente poder aceitá-lo como é. Metaforicamente
percebe-se que o grupo é como uma confluência de várias
correntes de água, representando cada uma a vida dos membros
do grupo. Enquanto o grupo está trabalhando junto, há uma união
das águas e então gradualmente cada corrente separa-se, levan-
do consigo um pouco da água das outras correntes. Desta forma,
após esta união as correntes de água não serão mais as mesmas.
E o facilitador não consegue prever como esta mistura se dará.
O facilitador precisa perceber como o grupo funciona para
poder atuar no crescimento das pessoas, no que o grupo neces-
sita, no ambiente propício para o grupo e nos aspectos necessá-
rios para a terapia fonoaudiológica.
As atitudes que ocorrem na primeira sessão normalmente
tornam-se as normas do grupo, surgindo implicitamente do con-
senso grupal.
O terapeuta não deve impor como o grupo funcionará, mas apenas
ajudá-lo a assumir suas características, agindo de acordo com as
normas estabelecidas sem querer modificá-las segundo seus desejos.
O terapeuta pode usar da liderança não-diretiva (BLEGER, 1985),
colocando ao grupo uma norma construtiva e abrindo espaço para a
livre expressão de cada membro. O terapeuta pode sugerir algo aos
membros, em nível de comportamento e funcionamento do grupo,
porém o que for determinado por este deverá ser aceito e começar-se
o trabalho terapêutico a partir daí.
Quando conteúdos emocionais ou de percepção com relação
à voz, à tensão corporal ou outros começam a ser colocados por
um paciente, o facilitador precisa estar atento a suas próprias
reações, pois os outros membros o estarão observando, no que
diz respeito à aceitação do que está sendo dito, percebendo se o
terapeuta está julgando o que está ouvindo. Esta reação também
levará os outros pacientes a se sentirem seguros ou não para se
expor. Vale a pena lembrar que “os sentimentos apenas são e não
devem ser avaliados como bons ou maus”. E o mesmo pode-se
dizer com relação à percepção da voz ou de si mesmo.
Os pacientes disfônicos normalmente necessitam falar muito
sobre si mesmos e quando alguém do grupo ainda não está acostu-
mado a ouvir ou a esperar para poder falar, começam a falar em
paralelo ao que está sendo abordado no grupo ou tentam ter a atenção
do terapeuta só para eles, dirigindo-se somente a ele. Nestas situa-
ções cabe ao facilitador levar a discussão a ficar centrada em um só
assunto, não causando desinteresse nos outros membros. Pode-se
722 Fonoaudiologia Prática

também utilizar estes acontecimentos para percepção por parte do


paciente de como está vivendo as situações de comunicação.
O terapeuta não pode esquecer que cada membro apesar de
estar integrado no grupo precisa ser visto individualmente, lembran-
do-se sempre das características de sua personalidade e possibilida-
des de transformações dentro do processo terapêutico de sua disfonia.
O facilitador não é o membro que se responsabiliza pelo grupo
mas sim um membro responsável do grupo, intervém com um
papel especializado e predeterminado.
O terapeuta não deve atuar como quem leva os conhecimen-
tos que possui para serem aprendidos pelos pacientes, mas sim
deve repartir estes conhecimentos. Para o paciente, o que importa
não é o acúmulo de conhecimentos que o terapeuta possa ter e
sim como este consegue utilizá-los como instrumento para com-
preender e atuar na realidade.
Para o disfônico não importa só o quanto o terapeuta tenha
acumulado de conhecimentos sobre a disfonia e sim como poderá
ajudá-lo a lidar com esta situação. Como poderá atuar para
promover transformações no quadro de distúrbio da comunicação
que apresenta.
A fonoterapia em grupo para o disfônico possibilita que este
possa vivenciar experiências que propiciem seu crescimento e
desenvolvimento.
Estes pacientes apresentam um distúrbio da comunicação, o que
interfere na interação destes com os outros membros da sociedade,
que forma um grande “grupo”. Normalmente o disfônico dá grande
importância à impressão que os outros terão da sua voz, demonstran-
do que situações negativas de comunicação já ocorreram. O trabalho
em grupo com o disfônico propicia que ele possa viver situações em
que sua atuação na comunicação seja bem aceita e trabalhada de
forma a resgatar uma auto-imagem vocal positiva.
As situações vividas no grupo permitem que o disfônico tome
consciência de sua participação no mundo social e da interferên-
cia de sua voz nas situações de comunicação como um fator
positivo e que permite uma troca mais efetiva com as pessoas com
quem se comunica.
Assim, o disfônico poderá resgatar sua comunicação com a
sociedade em que vive.

Leitura recomendada
BION, W.R – Experiências com Grupos. 2ª ed., EDUSP, São Paulo,
1975.
BLEGER, J. – Grupos operativos no ensino. In: Temas de Psicologia.
Entrevista e Grupos. 2ª ed., Ed. Martins Fontes, 1985.
BLEGER, J. – O grupo como instituição e o grupo nas instituições. In:
Temas de Psicologia Entrevista e Grupos. 2ª ed., Ed. Martins Fontes,
1985.
LUTERMAN, D. – The parents in the Group. In: Couseling Parents of
Hearing Impaired Children. D. Ed., 1979.
32
Voz Profissional

Atuação Fonoaudiológica no
Trabalho com Cantores
Alcione Ramos Campiotto

INTRODUÇÃO

O trabalho fonoaudiológico junto a cantores pressupõe alguns


conhecimentos básicos e outros específicos, tanto da fonoaudio-
logia como de outras áreas. Este parece ser um ponto comum no
campo da fonoaudiologia que pretende conhecer, reabilitar e
pesquisar os chamados profissionais da voz. Para que o fonoau-
diólogo possa ser considerado apto para o trabalho com tais
profissionais, que se utilizam profissionalmente da voz cantada, e
não falada, é preciso que desenvolva, ao longo de sua formação
e exercício profissional, os conhecimentos teóricos básicos nas
áreas de anatomia e fisiologia da laringe; noções de acústica e
psicoacústica, de avaliação otorrinolaringológica do aparelho
fonador (trato vocal, laringe) e quais exames podem ser realiza-
dos pelo médico para avaliar tais estruturas – exame de laringos-
copia, indireta e direta, laringologia com o telescópio rígido,
endoscópio flexível, e assim por diante; habilitação em avaliação
perceptiva da voz; possibilidade de avaliação da respiração,
postura, ressonância e articulação, do mesmo modo como são
feitas as avaliações da voz falada. Quando o cliente que nos
procura é um cantor, no entanto, além de todos esses conheci-
mentos, devem ser acrescentadas noções, mesmo que superfi-
ciais, nas áreas da música, canto individual e coral, entre outros.
O fonoaudiólogo passa a lidar não só com termos como constrição
724 Fonoaudiologia Prática

laríngea, fenda fusiforme, nódulos de prega vocais, mas também


com alguns fisiologicamente estabelecidos, como falsete, voz de
peito, apoio, vibrato e outros não, como ar na voz, voz timbrada,
passagem, e assim por diante.
O contexto de aprendizado, treinamento e exercício profissio-
nal do cantor – assim como do ator, operador de telemarketing,
radialista, professor, etc. – é único (no sentido de típico) e variável
e é preciso que o fonoaudiólogo conheça tanto as nuances que
tornam o universo desse grupo de profissionais homogêneo,
como suas variações. Sem dúvida existem constantes comporta-
mentais que se identificam num grupo de cantores evangélicos,
do mesmo modo que outras características comuns os diferen-
ciam dos cantores da noite. Cabe ao fonoaudiólogo cercar-se do
maior número possível de informações sobre um ou outro grupo,
quer pela leitura, supervisão e cursos teóricos, quer pela entrevis-
ta ou o convívio com membros de tais grupo. Esta talvez seja a
maneira mais eficiente de adquirir conhecimento numa área
diferente da nossa de formação e atuação, ou seja, pensamos que
se torna muito importante, e até fundamental, muitas vezes, que
o fonoaudiólogo submeta a si próprio a aulas de canto, solfejo,
piano, ou ainda, se lhe for prazeroso, participe de grupos corais.
Nenhuma leitura substituirá tal vivência.
Não queremos dizer com isso que o fonoaudiólogo deva ser
um cantor, ou mesmo um bom cantor, para que possa desenvolver
um trabalho bem-feito com tais profissionais da voz. Acreditamos,
no entanto, que a possibilidade de emitir uma determinada nota
com volume e cor adequados serve como um ótimo modelo para
o cliente e, como em qualquer outro caso, o modelo parece ser um
ponto facilitador no desenvolvimento de um trabalho terapêutico.
Além do que, o fonoaudiólogo só poderá compreender, avaliar
e corrigir questões de respiração, apoio e colocação da voz no
canto, se ele mesmo tiver experimentado as diferentes possibili-
dades de execução e os resultados obtidos em cada uma delas.

AVALIAÇÃO
Toda avaliação fonoaudiológica começa com uma anamnese
completa e não deve ser diferente no caso do atendimento a
cantores, profissionais ou não, que podem tanto apresentar
queixa da voz falada ou cantada, como simplesmente querer
desenvolver mais suas potencialidades vocais.
Do mesmo modo, também essa anamnese pode começar
pela caracterização da queixa quanto a sua descrição, desenvol-
vimento, duração, sinais e sintomas associados.
Perguntaremos em seguida sobre outras queixas, saúde
geral e resultados de exames anteriormente realizados, lem-
brando que tais indivíduos deverão sempre ser encaminhados
para avaliação otorrinolaringológica, caso ainda não tenham
passado por uma.
Atuação Fonoaudiológica no Trabalho com Cantores 725

Referimo-nos até o presente momento ao profissional da voz,


mas na verdade a maioria das reflexões a seguir podem muito
bem ser deslocadas àqueles cantores semiprofissionais ou ama-
dores que eventualmente venham se consultar com o fonoaudió-
logo. Convencionalmente são considerados cantores profissio-
nais aqueles que exercem atividade remunerada, mesmo que o
canto não seja a sua fonte exclusiva de renda.
A próxima pergunta a se fazer em qualquer um dos casos é:
qual (is) o (s) estilo (s) o cantor desenvolve enquanto técnica ou
atuação? A diferenciação óbvia acontece entre os cantores popu-
lares e líricos, mas sabemos que cada um desses grandes grupos
pode ser dividido em vários outros subgrupos não menos grandio-
sos, tanto com relação ao número de adeptos, quanto com relação
às variáveis possíveis, por exemplo, canto erudito alemão, fran-
cês ou brasileiro; e canto popular, como o rock, pop, MPB,
sertanejo e muitos outros.
Os dois grandes grupos, lírico (ou erudito) e popular, pressu-
põem técnicas diversas e distintas, às vezes até mesmo antagô-
nicas, com relação à utilização da respiração, apoio diafragmáti-
co, abertura de boca e articulação. O canto popular, por exemplo,
privilegia a compreensão do texto, sendo clara a importância da
precisão articulatória nesses casos. Por outro lado, com relação
ao volume de voz, o cantor popular geralmente se beneficia do uso
do microfone e sistemas de amplificação sonora, enquanto o
cantor lírico muitas vezes depende exclusivamente do ar de seus
pulmões e da possibilidade de gerar uma grande pressão subglótica
para garantir a intensidade necessária nas grandes óperas. O
cantor lírico, segundo SEGRE & NAIDICH (1981), necessita desen-
volver, além de volume, ressonâncias e harmônicos; já a
expressividade e o estilo próprio são os atributos mais importantes
no canto popular, às vezes com vozes não muito dotadas; a dicção
e a modulação expressivas serão mais importantes que o jogo
melódico, as agilidades e as proezas vocálicas, indispensáveis no
canto lírico.
Além de determinar o estilo do cantor, habitual ou de forma-
ção, é importante que se determine o que podemos chamar de
qualificação técnica do cantor, quer dizer, a sua formação
teórica e prática. Devemos perguntar sobre aulas de canto (técni-
ca vocal) realizadas no passado ou no presente, determinando a
qualificação do professor, as condições onde as aulas foram
tomadas (individualmente ou em grupos), os pressupostos da
técnica adotada (no que diz respeito à respiração, foco ressonantal
e projeção da voz, entre outros), qual a duração e freqüência das
mesmas e por quanto tempo elas foram ou vêm sendo freqüenta-
das. Tais dados permitirão analisar a adequação da técnica às
possibilidades anatômicas do indivíduo, bem como a adequação
entre tal técnica e o estilo pretendido.
Complementando esse item, da qualificação técnica, deve-
mos perguntar sobre sua experiência em estúdio, se já gravou ou
726 Fonoaudiologia Prática

pretende gravar seu trabalho e qual a sua agenda – tanto em


relação às apresentações, como gravações – a médio e longo
prazo, a fim de se determinar a urgência da intervenção
fonoaudiológica e de que maneira o trabalho poderá ser dividido
e priorizado.
Podemos dissecar ainda mais a sua atividade, profissional ou
não, relativa ao canto, no que se refere à participação em coros,
com solista ou não, grupos vocais, banda, sendo nesta a sua
participação como crooner ou backing vocal, determinando ainda
o número de instrumentos da mesma. Todos esses dados servi-
rão para determinar o tipo e grau de exigência vocal, pois sabemos
que cada uma dessas modalidades, em particular, pressupõe
performances vocais diferentes. Não podemos esperar que a
exigência de um backing vocal seja a mesma que a de um crooner
em uma banda, embora, por outro lado, muitas vezes a atuação
do primeiro inclua coreografias e uma atividade física mais inten-
sa, em relação à do segundo. Do mesmo modo, uma banda de
rock com duas ou três guitarras, um baixo e uma bateria com
vários surdos, exigirá uma quantidade e qualidade vocais muito
diferentes do que se esperaria num grupo de jazz composto por
um contrabaixo, um baixo e trompete – os próprios estilos musi-
cais implicarão em diferentes comportamentos do trato vocal.
Levamos em conta, assim, o desgaste físico das apresenta-
ções – se o cantor canta em pé, sentado ou realizando coreogra-
fias corporais; o nível de ruído no palco – competição sonora; o
ambiente acústico onde acontece a apresentação – pequenos
bares, igrejas, palcos, tendas de circo, salões de buffet (casamen-
tos) ou espaços abertos (rodeios, quermesses, festas beneficen-
tes); a possibilidade do retorno (aparelhagem que, geralmente
colocada próxima ao cantor, no palco, serve como guia quanto à
sua própria voz); a qualidade do equipamento acústico, principal-
mente do microfone e a qualidade da equalização de todo o
sistema de som.
Especificando mais o item apresentações, devemos pergun-
tar sobre o número de performances semanais, bem como o
número de horas em cada uma delas; se acontecem intervalos
durante a apresentação de uma noite, por exemplo, e qual a sua
freqüência e duração e, finalmente, o que faz o cantor enquanto
aguarda sua próxima entrada (ingere bebidas alcoólicas ou gela-
das, fuma, conversa com colegas, etc.).
Não podemos esquecer de investigar se é feito o aquecimen-
to vocal antes das apresentações, de que maneira e por quanto
tempo. Os cantores líricos estão habituados a sempre aquecerem
sua voz antes de se apresentar. De um modo geral, eles são mais
conscientes quanto àqueles hábitos nocivos ou benignos para a
manutenção de sua saúde, geral e vocal – aquilo que comumente
o fonoaudiólogo chama de higiene vocal. Os cantores populares,
no entanto, dependendo de seu nível de profissionalização,
tempo de trabalho, qualidade técnica, etc. são mais arredios à
Atuação Fonoaudiológica no Trabalho com Cantores 727

prática de aquecimento do corpo e da voz. Espantosamente, tal


prática parece ser bastante mais freqüente entre os atores de
teatro que entre os cantores. Entre os cantores coralistas, o hábito
de aquecer a voz, antes dos ensaios ou apresentações varia
bastante quanto ao tipo, formação e direção do coro.
Devemos investigar do mesmo modo a realização de en-
saios, caracterizando sua freqüência ao longo da semana, o
número de horas durante cada sessão e no decorrer de uma
semana. O ambiente físico onde são realizados os ensaios
também deve ser descrito; especificando, ainda, quantas pessoas
dele participam, quem o conduz e de que maneira.
Além do desgaste físico e vocal relacionado à atividade,
profissional ou não do canto, devemos também caracterizar o uso
diário da voz em atividades de lazer, estudo, convívio familiar e
social, prática de esportes e, como isso é muito mais comum do
que possa parecer, em outra atividade profissional. Num país de
situação econômica como a nossa, é comum que músicos e
cantores (e, infelizmente não somente tais categorias) acumulem
mais de um emprego e, espantosamente, não raro esta atividade
exige do indivíduo um intenso uso da sua voz falada – como a área
de vendas, por exemplo. A desinformação faz com que o cantor
não se dê conta de que o uso excessivo da voz falada é prejudicial
para a saúde da voz cantada – eles parecem não relacionar as
atividades e as consideram como distintas, principalmente porque
é muito comum que encontremos alterações em uma área e não
em outra – dificuldade para cantar sem queixa para a fala e vice-
versa. Existe inclusive uma máxima entre os técnicos vocais e
fonoaudiólogos que diz que “o que cansa a voz cantada é a voz
falada”.
Abordaremos agora, finalmente, as questões da classifica-
ção vocal, não por considerá-las de menor importância, mas, ao
contrário, para que possamos tentar aprofundar esse aspecto
antes de introduzirmos o item do exame clínico.
Durante a anamnese questionamos nosso cliente sobre sua
classificação vocal, se é que ele a conhece e, ainda, há quanto
tempo ela foi feita e por quem. Novamente os cantores líricos e
coralistas demonstram maior conhecimento nesse assunto en-
quanto os cantores populares, principalmente os semiprofissionais
e amadores, muitas vezes desconhecem a resposta a estas
perguntas.
A classificação vocal mais comum divide as vozes masculinas
e femininas em três grupos cada, sendo as vozes graves os baixos
e contraltos, as médias os barítonos e mezzosopranos e as vozes
agudas os tenores e sopranos, respectivamente. Outras classifi-
cações mais específicas dividem ainda cada um dos grupos em
um ou mais subgrupos, como no caso dos tenores 1 e 2 e as
sopranos dramáticas, líricas e ligeiras, por exemplo. Muitos coros
optam pela divisão em seis vozes (onde são chamadas de
naipes), mas não menos freqüentemente eles são divididos em
728 Fonoaudiologia Prática

quatro, desconsiderando-se as vozes ditas como médias


(mezzosopranos e barítonos).
Várias são as maneiras de se classificar uma voz e, parado-
xalmente, as que são consideradas mais prudentes não levam em
conta apenas a extensão / tessitura vocal – que é o modo mais
comum de realizá-las. Outras maneiras consideram também a
extensão, a qualidade e a potência, além do volume dos
ressoadores, notas de passagem (acomodação dos ressoadores,
corte entre dois registros), tamanho das pregas vocais, estatura,
constituição física, altura da voz falada, características tempera-
mentais, endócrinas e sexuais (PERELLÓ, 1975). Podemos con-
cluir, portanto, que a tarefa de classificar uma voz não deve ser
apressada, devendo ocorrer após pelo menos alguns meses
(muitos profissionais mencionam o tempo mínimo de um ano) de
acompanhamento por um regente ou técnico vocal. Sem dúvida,
a extensão (que vai da nota mais grave à mais aguda que uma
pessoa é capaz de produzir, independentemente da qualidade da
emissão) e a tessitura (faixa de notas emitidas com qualidade, cor
e volumes uniformes) são o parâmetro básico durante a classifi-
cação de uma voz e é importante que saibamos que elas variam
com o crescimento (aumentam) e durante a velhice (diminuem),
além do que devem ser consideradas variações individuais como
treino, modo de fonação e estrutura anatômica.
Segundo PERELLÓ (1975), a grande maioria das vozes são
agudas (80%), tanto as masculinas como as femininas; enquanto
15% são médias e apenas 5% graves. Concluímos, então, que a
raridade das vozes graves pode levar a classificações errôneas de
vozes médias, principalmente em coros onde faltem pessoas em um
determinado naipe (contraltos, por exemplo). Às vezes, as vozes
médias apenas substituem as graves em uma ou outra peça,
conforme a necessidade. A importância deste fato fica clara quando
sabemos que cantar fora de nossa tessitura é um dos fatores mais
prejudiciais para a voz cantada, assim como desenvolver um reper-
tório excessivamente variado que pressuponha ajustes de mobiliza-
ção laríngea, mandibular e lingual, assim como ajustes de foco
ressonantal, muito diferentes e, às vezes opostos, num curto período
de tempo. Os cantores eruditos novamente se encontram em vanta-
gem em relação aos populares, nesse aspecto, pois costumam optar
por repertórios que melhor se adaptam a suas possibilidades vocais,
mas é claro que, mais uma vez, isso depende do grau de
profissionalização e nível técnico do cantor.

EXAME CLÍNICO
A avaliação dos profissionais da voz deveria ter início, à
medida do possível e de acordo com a necessidade verificada
na história pregressa, com uma avaliação médica global
enfocando possíveis distúrbios endócrinos, digestivos ou mes-
mo neurológicos.
Atuação Fonoaudiológica no Trabalho com Cantores 729

Em seguida, a avaliação otorrinolaringológica enfocaria as


condições da mucosa da boca, orofaringe e laringe, bem como a
presença de secreção, movimentação vertical e ântero-posterior
da laringe, assim como das pregas vocais e, finalmente, a avalia-
ção da condição dentária e mandibular, procurando por bruxismo
e desordens da articulação temporomandibular. Não deve ser
esquecido também o aspecto tão importante, nesses casos, da
audição quanto à detectabilidade dos sons e à possibilidade de
discriminação dos mesmos.
O exame fonoaudiológico deve prever a avaliação tanto da
voz falada quanto da voz cantada.
Com relação à voz falada, são observados os aspectos de
postura e tônus corporal, pitch habitual, loudness, respiração
(tipo, modo e coordenação pneumofonoarticulatória), articulação,
ressonância, variação melódica e qualidade vocal, por meio da
observação da emissão de vogais prolongadas, automatismos
(números em seqüência, dias da semana, meses dos ano),
leituras, conversa encadeada, como usualmente é feito.
Com relação à voz cantada, o ideal é que o cliente esteja em
pé e também na posição em que habitualmente ele costuma
cantar, inclusive acompanhado de um instrumento, se for esse
o caso. Pede-se que ele emita escalas (glissandos) com a vogal
mais confortável (o / i / costuma facilitar a “colocação” da voz),
ascendentes e descendentes, contínuas e em staccatto. Em
seguida, o cantor escolhe uma música de seu repertório para
cantar e pedimos a ele, ao longo da demonstração, que realize
variações quanto à intensidade (mais forte e mais fraca) e o
tom (mais grave e mais agudo) dentro da mesma música.
Pedimos ainda que ele cante uma música que considere mais
difícil ou onde sua dificuldade se torne mais evidente. Isto deve
ser feito porque devemos considerar a faixa dinâmica de
emissão da voz, tanto falada, quanto cantada, ou seja, as
possibilidades de emissão pelo mesmo sujeito são inúmeras e
é possível que ele apresente uma emissão que possa ser
considerada adequada em determinada faixa de freqüência ou
intensidade e em outra não.
Durante o exame é observada a postura (enfocando posição
de cabeça em relação aos ombros e destes em relação ao tronco
e, finalmente, deste em relação às pernas, posição e apoio dos
pés, endurecimento dos joelhos e/ou quadril, que devem estar
relaxados, assim como a face e a mandíbula, mas bem posi-
cionados) e avalia-se o aspecto da economia: o melhor desem-
penho com o menor esforço (ausência de tensão, postura de
lábios e língua, abertura da boca, posição da laringe, etc.).
Observa-se também a relação entre a classificação da voz
cantada e o tom médio habitual de fala, ou seja se existe uma
dissociação muito marcante entre a voz falada e a voz cantada;
consideramos que tal dissociação, guardadas as devidas propor-
ções, não deva acontecer.
730 Fonoaudiologia Prática

Também são considerados os aspectos de musicalidade,


melódica e rítmica e a afinação. É importante que se considere a
qualidade da emissão levando-se em consideração o estilo e
repertório – uma voz mais suave e soprosa na bossa nova, mais
tensa e nasal no sertanejo brasileiro, ou mais tensa, áspera,
rouca, forte ou até mesmo basal, no rock tipo heavy metal. O
ouvido do fonoaudiólogo deve estar atento nesse momento: o
canto, afastadas as avaliações de “gosto” pessoal, deve soar
condizente, com o cantor, o ouvinte e, mais uma vez, com o efeito
de emissão que se deseja.
A respiração também deve ser minuciosamente avaliada –
sendo que, com relação à voz cantada, o volume e a coordenação
são importantes, o cantor deve saber dosar a saída do ar e
reservar energia para os finais de frases e para as notas mais
longas ou mais agudas; é claro que o modo de respiração será
sempre, ou na maior parte do tempo, oral. Observamos ainda a
possibilidade de sustentação das notas, o apoio (estabilidade,
segurança, domínio) diafragmático e o registro (série de sons
tendo um caráter uniforme de emissão, timbre, sonoridade; o
registro médio é aquele que ocorre sem modificações laríngeas,
só ressoadores), principalmente a dinâmica de passagem entre
um e outro durante a evolução da partitura.

TERAPIA/DESENVOLVIMENTO VOCAL
Pelo valor que demos, durante a anamnese, ao detalhamento
em relação à rotina de atividade vocal e física do cliente que nos
procura para um trabalho com o canto, é possível antecipar que
consideramos um dos objetivos principais e iniciais desse traba-
lho, as orientações no que se refere a noções de anatomia e
fisiologia da voz e do canto; hábitos vocais nocivos (gritar, falar em
ambiente ruidoso, pigarrear, etc.); saúde vocal (fatores prejudi-
ciais à voz e/ou trato vocal: cigarro, álcool, drogas, ar condiciona-
do, alguns medicamentos, como os anti-histamínicos, distúrbios
hormonais, etc.), entre outras.
Na realidade, o termo orientação aqui empregado passa a
designar toda a assessoria técnica que o fonoaudiólogo pode
realizar com relação a dicas quanto aos exercícios fisiologicamen-
te mais convenientes para o aquecimento e desaquecimento
vocais; utilização de vestuário adequado que não impeça ou limite
os movimentos costodiafragmáticos durante a respiração; hábitos
vocais saudáveis; programação das apresentações quanto ao
número e duração dos intervalos; importância da hidratação;
possibilidade do uso de paliativos como vaporização; e tudo o
mais que se vislumbre como área de desinformação ou prejuízo,
a partir dos dados colhidos em anamnese.
No entanto, o trabalho fonoaudiológico com esta população
não deve jamais se limitar a uma lista de “pode” e “não pode”,
como às vezes costumamos observar. Muito mais importante do
Atuação Fonoaudiológica no Trabalho com Cantores 731

que proibir um comportamento é explicar porque ele não é


conveniente, quais os riscos reais aos quais o sujeito se expõe se
persistir com tal atitude e, principalmente, oferecer dados basea-
dos na anatomia e na fisiologia para refutá-los ou incentivá-los. Os
cantores costumam ter argumentos muito difíceis de contradizer
como “fulano, beltrano ou sicrano sempre fizeram isso (fumar,
aquecer a voz com conhaque, cantar sem aquecimento, comer
uma pratada de macarrão antes de dormir, e assim por diante) e
nunca tiveram problemas na voz”. O nosso argumento deve ser
tão forte quanto, quer dizer, esclarecer que realmente os benefí-
cios ou malefícios de certos comportamentos, hábitos ou substân-
cias variam muito de indivíduo para indivíduo e, além de preten-
dermos que ele próprio descubra o que lhe é benéfico ou prejudi-
cial, queremos que ele saiba que a voz tem a sua idade e que seu
envelhecimento, assim como de todo o corpo humano, depende
muito dos cuidados que tenhamos com ela. A desmistificação de
algumas idéias sobre o adequado movimento diafragmático, a
real função das pregas vestibulares e o mecanismo de produção
da voz de falsete não deve ser confundida com desrespeito às
experiências e crenças de cada um dos cantores que nos procu-
ram. Isto quer dizer que não devemos jamais subjugá-los com
relação aos seus conhecimentos ou sensações físicas, mas
devemos tratá-los à luz de uma teoria baseada na fisiologia,
lembrando que, nesse caso, vale muito mais um exercício de
observação e experimentação do que puramente o convencimen-
to intelectual. Quer dizer, mais do que falar ao paciente sobre a
importância do modo respiratório, é necessário propiciar ao pa-
ciente exercícios de soltura do diafragma, postura e encaixe do
quadril com joelhos semiflexionados quando em pé, massagem
em possíveis pontos de tensão como ombros, escápulas, costas
e peito, flexibilidade das articulações, controle expiratório, etc.
para que ele possa se desenvolver neste aspecto.
De modo geral, a terapia fonoaudiológica é dita como aquela
que irá buscar “a melhor emissão com o menor esforço ”, ou aquela
que irá propiciar uma utilização fisiologicamente compatível do
trato vocal e da laringe, e poderia ser dividida, resumidamente, em
exercícios corporais globais (visando o desenvolvimento de
uma atitude mais relaxada e adaptada ao espaço físico ao redor,
além de uma melhor expressão corporal durante o canto); exer-
cícios de segmentos corporais específicos como: mandíbula,
língua, pescoço, ombros ou tórax, de acordo com a necessidade
observada durante a avaliação (visando o desenvolvimento da
propriocepção em relação às estruturas anatômicas responsáveis
pela produção e amplificação dos sons, quanto ao tônus, postura
e possibilidade de mobilidade, assim como a repercussão na
qualidade sonora com a modificação das mesmas); respiração
(visando uma movimentação plena e controlada, jamais tensa,
dos músculos intercostais, abdominais e diafragma); exercícios
de apoio e exercícios técnicos (vocalises escolhidas segundo a
732 Fonoaudiologia Prática

necessidade de atuação sobre as áreas mais prejudicadas: arti-


culação, extensão, ressonância, etc.); nesse momento, é impor-
tante lembrar que a zona que deve ser trabalhada, no caso do
cantor popular, é a da fala, ou seja, uma oitava. A ampliação desta
zona de emissão, tanto para as notas agudas quanto graves,
deverá ser enfatizada nos cantores líricos e, quando se desejar
ampliar a tessitura de um cantor popular, isto deverá ser feito
levando-se em conta a manutenção do padrão articulatório, sem
prejuízo da compreensão do texto.
Segundo PERELLÓ (1975), o objetivo dos exercícios é desen-
volver a força muscular, o controle sobre a musculatura e o gosto
artístico. Neste ponto encontramos uma definição que se enqua-
dra melhor nos objetivos de uma aula de técnica vocal do que de
uma terapia fonoaudiológica. Aproveitaremos, então, para discutir
aqui a relação de completude que deve se estabelecer entre o
trabalho do otorrinolaringologista, do fonoaudiólogo e do profes-
sor de técnica vocal.
Segundo NUNES e cols. (1994), compete ao médico otorrino-
laringologista a descrição do quadro, a identificação das possí-
veis alterações funcionais ou lesões que determinam a disodia
(equivalente da disfonia em relação à voz cantada), assim como
interferências anatômico-funcionais de vias aéreas superiores.
Ele deve fornecer dados ao professor a fim de auxiliá-lo quanto à
classificação vocal e demais aspectos.
Quanto ao fonoaudiólogo, é da sua competência o estudo do
comportamento vocal da voz falada e cantada, analisar as reais
limitações funcionais que os achados otorrinolaringológicos ge-
ram e compreender as alterações acústico-funcionais relaciona-
das às ricas informações do professor de canto. O fonoaudiólogo
tem, ainda, a tarefa de buscar soluções a curto prazo, dentro da
rotina do cantor, das suas necessidades, na tentativa de preservar
a saúde vocal do mesmo.
Finalmente, classificada a voz, o professor ensinará o aluno
a conhecer a beleza da música e expressá-la o melhor possível.
Os estudos compreendem a educação vocal (adaptação da
respiração à emissão vocal e às cavidades de ressonância) e o
desenvolvimento neuromuscular (desenvolver as qualidades da
voz bem-colocada). Além disso, cabe a esse profissional os
cuidados na seleção de um repertório condizente com as qualida-
des e anseios de seu aluno, bem como trabalhar a interpretação
de cada peça musical.
Delimitados os papéis, é importante ressaltar, como já foi
anteriormente mencionado, que, mais do que dividir tarefas, o
importante é somar conhecimentos dentre as diferentes áreas, de
modo que um profissional possa acompanhar e sugerir caminhos
alternativos no desenvolvimento do trabalho de outro. Com tal
atitude, sairá ganhando o cantor, que poderá ser avaliado, com-
preendido e ajudado sob uma ótica caleidoscópica onde suas
várias facetas são consideradas.
Atuação Fonoaudiológica no Trabalho com Cantores 733

Leitura recomendada
CANCIAN, P. & CAMPIOTTO, A. R. – A voz cantada na muda vocal. Rev.
Pró-fono, 7(2), 1995.
CLEVELAND, T.F. – A clearer view of singing voice: 25 years of progress.
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DUARTE, M.D.; PASTRELO, A.C.; CAMPIOTTO, A.R. – O atendimento
terapêutico a cantores na Santa Casa de São Paulo. Trabalho
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734 Fonoaudiologia Prática

Atuação Fonoaudiológica no
Teatro – da Leitura à Partitura
Lucia Helena Gayotto
Suely Sula Master
Pascoal da Conceição

Antes de mais nada, é fundamental frisar que o fonoaudiólogo


deveria participar de todas as etapas do percurso da criação de
um espetáculo, para poder elaborar, junto com os atores, a
construção vocal de seus personagens. A combinação do treina-
mento vocal feito com os atores e a participação do fonoaudiólogo
nos ensaios vão dando materialidade à elaboração de uma voz,
que desde o início estará conectada à concepção criativa.
A compreensão do trabalho de preparação vocal no teatro
passa por conhecer as etapas da montagem do espetáculo,
estabelecendo a ligação entre o trabalho de voz e o processo
criativo. Potencializa muito o trabalho de voz participar dos en-
saios com uma escuta apurada e atenta, percebendo o desdobra-
mento do ator frente a seu personagem e como o diretor incita a
criação. Assim, o treinamento vocal ganha uma direção, um norte,
baseados não só no entendimento que o fonoaudiólogo tem da
voz dos atores, dos personagens e da peça, mas também na
relação criativa que vai constituindo com o elenco, com o diretor
e com o texto.

AS ETAPAS DO PROCESSO CRIATIVO E A


PREPARAÇÃO VOCAL
Primeira leitura
O primeiro passo é o texto escolhido para a encenação, que
vai dar material para todo o trabalho. O contato inicial com este
texto se dá na reunião, na qual ele é lido pelos atores, com a
presença do diretor, cenógrafo, figurinista, iluminador, preparador
vocal, produtor, preparador corporal e as demais pessoas envol-
vidas na montagem. Aqui está-se falando em linhas gerais que
podem ter variantes inumeráveis, mas veja que já neste encontro
as expectativas vão sendo criadas e uma formação inicial já se
apresenta: depois de definidos os papéis (protagonistas, antago-
nistas, coadjuvantes, figurantes) são conhecidas as idéias do
Atuação Fonoaudiológica no Teatro – da Leitura à Partitura 735

caráter dos personagens, suas ambições, desejos, etc. A obser-


vação cuidadosa do que ocorre numa primeira leitura vai trazer
dicas do trabalho que se terá pela frente. Ao ator caberá construir
um universo que é a vida do seu personagem, onde antes nada
existia.

Ensaios de mesa
Os ensaios de mesa são assim chamados porque normalmen-
te acontecem com os atores em torno de uma mesa ou em roda,
onde, normalmente, não há nenhuma movimentação, embora
algumas vezes seja necessário movimentar-se para dar maior
clareza ao que está sendo falado. Nestes ensaios ocorrem, a
princípio, leituras do texto por inteiro, ao final, atores, diretor e o
conjunto do grupo que vai participar da montagem, discutem os
vários aspectos do que foi visto.
Podem ser feitas várias leituras de mesa e várias discussões.
Essas discussões abordam, ainda, inúmeros aspectos dos inte-
resses de cada um dos artistas envolvidos, por exemplo, o
figurino, o cenário, a iluminação, a preparação vocal, a prepara-
ção corporal, mas basicamente, estas devem coincidir com o
sentido que o diretor quer dar ao trabalho, o que quer expressar
o autor e os atores que representarão o texto. O próximo passo é
a análise das situações propostas aos personagens, envolvendo
múltiplos elementos, como a sua psicologia, a sua história pesso-
al, suas intenções , seus anseios, os porquês, as certezas, ou seja,
sua trajetória durante a peça que por fim deverá revelar uma
faceta de sua humanidade: na vida, no amor, na dor, no ódio, na
ambição, no trabalho, na família.
Participar deste momento, como preparador vocal, é rico e
instigante, pois aí se efetua o conhecimento, na prática da
montagem, de cada ator com seu personagem. Estas são as
primeiras vezes que os atores se ouvem e contracenam, expe-
rimentando as dinâmicas e ritmos do texto a ser falado. Para o
fonoaudiólogo que vai preparar a voz do elenco, esta etapa dá
dicas dos recursos vocais dos atores (intensidade, freqüência,
articulação, ressonância, respiração, velocidade, duração, rit-
mo, projeção, entonação, ênfase e pausas), e esboça as primei-
ras necessidades vocais dos personagens. Perceber os recur-
sos vocais é neste momento um trabalho semelhante a uma
avaliação de voz: depois de ouvir algumas vezes as leituras de
mesa, já é possível saber das facilidades e dificuldades da voz
de cada ator e, portanto, traçar um plano de treinamento vocal.
A compreensão das primeiras exigências vocais do persona-
gem dá início ao trabalho de construção da sua voz, que será
experimentada na emissão do ator e percebida na escuta do
preparador vocal, do diretor e do próprio ator.
O personagem H AMLET, por exemplo, da peça clássica de
WILLIAM SHAKESPEARE , com frases conhecidíssimas como:
736 Fonoaudiologia Prática

“ Ser ou não ser”, “O resto é silêncio ”, é um papel que muitos


atores gostariam de interpretar no teatro. A Hamlet cabem
inúmeros monólogos que, sem dúvida, exigirão uma prepara-
ção intensa, requerendo como recurso vocal, destreza
articulatória que o ator terá que desenvolver; se por acaso o
ator apresentar um distúrbio articulatório, seu treino será
redobrado.
Em Hamlet, o ator terá pela frente um personagem que, na
primeira cena, vai, voltando da Universidade, encontrar o seu
querido pai morto; saber que sua mãe, mal-enterrado o pai, se
casou com o irmão do pai, que assume o trono da Dinamarca. A
seguir se depara com uma revelação atroz: “Há algo de podre no
reino da Dinamarca!”. A avalanche de revelações produzirá em
Hamlet conflitos que deverão estar expostos nas suas ações e
falas, mas que, por enquanto, nos ensaios de mesa, aparecerão
apenas timidamente.
Neste percurso inicial, e durante todo o processo, o ator faz
uma série de notações em seu texto, relativas à interpretação:
características do personagem, palavras-chave de cada fala,
pausas, situações das cenas, ações, objetivos dos personagens,
etc. Isto define a partitura do papel, descrita por STANISLAVSKI
(1986), que é uma referência muito forte de todos os dados e
marcos do processo criativo no teatro. Partindo destas notações
desenvolveu-se, junto com os atores, um registro feito no texto,
sugerido pela interpretação das falas, denominado partitura
vocal. * São anotadas as ênfases e as pausas que o ator utiliza e,
a partir delas, outros recursos vocais, tais como: curva melódica,
intensidade, velocidade, duração, articulação e ritmo, delineando
o primeiro desenho da partitura vocal. Esta não é uma marcação
rígida, no sentido de fechar-se numa forma, pelo contrário, cada
nova descoberta, cada nova emissão acrescenta novas possibi-
lidades à partitura vocal que, por isso, acompanhará também a
trajetória do ator, até mesmo depois da estréia, a cada espetáculo.
Os treinamentos vocais nesta etapa, de ensaios de mesa,
podem ser feitos a cada início de ensaio com todos os atores,
como um aquecimento geral, eventualmente priorizando alguns
recursos vocais já selecionados segundo a avaliação da voz dos
atores – feita pelo fonoaudiólogo – e as exigências vocais do
personagem, percebidas pelo diretor, pelo fonoaudiólogo e pelo
ator. Ao mesmo tempo, ocorrem treinamentos individuais para
trabalhar com alguma dificuldade vocal específica do ator e
preparar, com ele, sua partitura vocal neste estádio inicial.
Passada esta etapa, cabe a cada ator reforçar e mostrar com
mais clareza o desenho que apenas se assinalou nas primeiras
leituras, e mais, agora serão traçadas as linhas do percurso que

* GAYOTTO (1997), uma das autoras do presente texto, desenvolveu esta noção
nesta obra referida.
Atuação Fonoaudiológica no Teatro – da Leitura à Partitura 737

vai se seguir. O trabalho de mesa fundamenta aquilo que vai ser


realizado. O ator não sabe ainda qual será o resultado final de sua
criação. O interior e exterior do personagem lhe são agora
desconhecidos e mesmo aquilo que ele julga conhecido ainda
está em questão. Surgirão cada vez mais novas e desafiantes
questões. Não há nada definitivo. Tudo está pronto para um
mergulho no mais árduo e prazeroso trabalho artístico. Pronto
para ir à cena, ao espaço cênico.

Espaço cênico
Depois da primeira etapa com as leituras, agora o ator encon-
tra-se com o espaço cênico, onde toda a encenação irá acontecer.
O termo espaço é aqui usado em vez do comumente termo palco,
porque a encenação pode ocorrer em outros lugares além do
palco. Por vezes, mesmo dentro do espaço físico do teatro, as
montagens nem sempre se restringem ao palco.
Da mesma forma, à voz cabe “abraçar” este espaço, atingindo
várias direções e, para isso, tendo que ser trabalhada na percep-
ção do teatro como um todo. BEUTTENMÜLLER (1974), ao trabalhar
com o conhecimento do espaço pelo ator, ressalta a importância
da percepção visual e diz: “Ele tem que, antes de tudo, tomar
posse do espaço cênico através da visão”. É fundamental obser-
var a arquitetura do teatro, com suas formas, e os materiais
usados na construção, tais como: madeira, cimento, vidro, teci-
dos, mármore, acústicos ou não.
Tomando como exemplo alguns teatros, em suas disposições
entre palco e platéia, temos:
1. Palco italiano: tem o palco no fundo, de frente para a platéia.

Palco

Platéia

Os atores interpretam numa área limitada, sem contato direto


com o público – as últimas filas mal enxergam as expressões do ator.
O ator estará posicionado de frente, de lado ou de costas para a
platéia e a voz será direcionada para o público segundo estas
referências.
2. Arena: tem a platéia rodeando o palco.

Platéia

Palco
738 Fonoaudiologia Prática

A relação entre a ocupação sonora e seus direcionamentos


muda quando, neste caso, o ator tem ao mesmo tempo uma parte
da platéia às suas costas, outra a seu lado direito, a seu lado
esquerdo e outra à sua frente.
3. Podemos ainda apontar uma terceira ocupação do espaço,
com a ação cênica percorrendo todo o teatro, numa combinação
que envolve tanto o palco italiano como o de arena e também
outras possibilidades. Há encenações que optam por lugares
específicos, como por exemplo a peça LIVRO DE JÓ, direção de
Antônio Araújo, grande sucesso de público em 1995, que foi
encenada nas dependências do Hospital Humberto Primo. Ou,
como a encenação de BACANTES em 1996, do Grupo Uzyna
Uzona, direção de Zé Celso Martinez Correa, no Teatro Oficina,
cujo espaço cênico, obra dos arquitetos Lina Bo Bardi e Edson
Elito, comporta uma pista, ladeada de arquibancadas em três
níveis, um teto que se abre, cachoeira e jardim. A voz do ator,
nesta terceira ocupação, deverá ser projetada por onde ele
passar, nos mais diferentes pontos, numa relação sempre mutável
das disposições entre o ator e o público.
Obviamente, nos três exemplos dados, o som deve preencher
todo o espaço; o que muda são as relações entre o espaço da
encenação e o ocupado pelo público.
A visão do espaço pelos atores já lhes apresenta o primeiro
“enfrentamento” com o seu território de ação. Aqui ele terá que
expor, para que seja visto, ouvido, sentido e entendido, aquilo que
a princípio eram apenas conjecturas ou possibilidades. Terá que se
mostrar, dar à vista pública todas as suas conquistas e limitações.
Quanto à voz, o ator em contato com o espaço sempre terá, de cara,
dois requisitos fundamentais: ser ouvido e entendido ou, projetar
sua voz e articular claramente para que seja inteligível. HARVEY e
cols. (1992) afirmam que a loudness* aumentada no teatro se deve
a estes dois recursos vocais: a projeção nas paredes, no chão, no
teto, e a precisão articulatória. Os treinamentos vocais deverão
privilegiar este trabalho de base, ou seja, terão que dar conta deste
mínimo necessário para se falar em cena: ser ouvido e entendido.
Por isso, também, as partituras vocais serão aprimoradas em seus
novos desenhos, em função da utilização dos recursos vocais no
espaço e das novas descobertas interpretativas que o ator está
desvendando no seu corpo e na sua voz.
Quem? Onde? Quando? Como?
O espaço pergunta ao personagem questões de localização
não só geográficas como existenciais. Está só ou com alguém?

* “A sensação psicofísica relacionada à intensidade, ou seja, como julgamos um


som, considerando-o mais forte ou mais fraco, recebe o nome de loudness, e
sofre a influência da intensidade sonora, da freqüência, do sinal acústico e da
qualidade vocal, quando consideramos os sons da fala” (RUSSO & BEHLAU,
1993).
Atuação Fonoaudiológica no Teatro – da Leitura à Partitura 739

Em que lugar? Que época? De que maneira e por qual motivo?


São questões que remetem à situação, para a qual o personagem
terá que responder tendo como base seus objetivos, explícitos ou
não. É isto que fará com que ele desenvolva uma estratégia de
intenções, que poderão levá-lo ao seu objetivo, que será o fio
condutor das suas ações durante a peça.
No espaço vão ser feitos os ensaios das entradas, saídas e
locais de determinados acontecimentos, chamados ensaios de
marcação. É aqui que o ator vai se dar conta das exigências que
o espaço impõe ao seu trabalho. Coisas simples como andar,
correr, sair, entrar e falar serão revistas: o corpo do ator está sendo
requisitado. Seu contato, agora, é mais direto com a ação. Sua
presença sempre terá que ser sentida na cena e sua arma de
presença é o seu corpo e sua fala. O que ele tem a dizer? De onde
vem? Para onde vai? Qual seu objetivo? O que teme? A quem
ama? O que tem a dizer vale a pena ser ouvido? Sua entrada, sua
saída de cena vai alterar os rumos do que está acontecendo? Vai
acrescentar alguma coisa?
O “enfrentamento” acima referido é esse. O personagem que
se deu a conhecer através do autor, pelo texto, durante as leituras
de mesa, será agora conhecido também pelo seu andar, olhar e
por outros movimentos. O ator sentirá as primeiras dinâmicas
sendo provocadas pela relação entre o que fala com a voz e o que
fala com o corpo. Há necessidade de uma “fala única” que englobe
o físico todo do ator. Juntos, o corpo e a voz, serão o instrumento
perfeito para a melhor manifestação dos desejos e objetivos do
personagem.
Como fala meu personagem? A pergunta é a mesma para se
saber como ele anda. O ator precisa aprimorar seus instrumentos
e colocá-los à disposição das necessidades do personagem.
Começam então os trabalhos de corpo, postura, relaxamento e,
sempre interligados, os trabalhos de voz – com treinamentos
individuais e coletivos.
Este será o trabalho de construção artística, que virá tanto da
inspiração quando da transpiração. Diz-se no teatro que o traba-
lho na arte envolve 99% de transpiração e 1% de inspiração. Às
vezes, o talento nato de alguns atores não deixa ver a importância
desse trabalho constante de aprimoramento, pois, como um
diamante bruto, o talento necessita de lapidação delicada para
conquistar seu brilho. À inspiração, não sabemos qual seu fluxo,
não a temos à nossa disposição, como e quando queremos. Então
ao trabalho!

Os ensaios
Nesta fase, que compreende o longo período dos ensaios, o
ritmo das descobertas é mais intenso e também afloram, por outro
lado, as crises de impotência, de criatividade, de tédio, desejo de
desistir, desafios que o ator terá pela frente até alcançar a
740 Fonoaudiologia Prática

apresentação pública, quando enfrentará a princípio, sua estréia,


o primeiro contato com o espectador e depois a longa temporada
do espetáculo.
STANISLAVSKI, um dos grandes teóricos do teatro, ao estudar
as emoções, entendeu que elas acontecem em regiões indepen-
dentes da vontade. Dizia que não bastava querer, para se ficar
emocionado. As emoções acontecem em regiões que exigem do
ator estímulos para que reajam. Então, STANISLAVSKI propôs ao
ator ações físicas para a construção de seu personagem. Consi-
derando que as emoções são motores que nos levam ao movi-
mento, se fizermos o inverso, poderemos predispor o corpo às
emoções. No exemplo de Hamlet, o ator reconstrói, em seus
mínimos detalhes, as ações físicas do personagem: chega à
Dinamarca, encontra o pai morto, a mãe casada e o tio no trono.
Assim, pode acionar mecanismos subjetivos que, juntamente com
todos os outros conhecimentos que adquiriu no estudo da cena e
do personagem no trabalho de mesa, levam-no a uma emoção
viva.
O ator vai, exaustivamente, praticar no seu corpo e na sua voz
as ações. “Nesta fase, a aspiração do ator em executar ações
físicas e vocais, como derivação das vontades criadoras é muito
forte, como se não fosse possível conter seu corpo e sua voz”
(G AYOTTO, 1997). Da mesma maneira que o ator cria o mapa das
ações físicas do personagem, está também desenvolvendo um
“roteiro” vocal; pode-se falar em ações vocais (id. ib.), assim como
STANISLAVSKI (1986) fala de ações físicas. Só que no caso da ação
vocal, o mapa ou a partitura será criada pelos recursos vocais
usados pelo ator em seu personagem.
A definição do mapa de ações físicas e da partitura vocal não
garante ao ator a efetividade das ações no corpo e na voz, isto
depende de um processo afectivo: o ator, mobilizando os atores que
com ele contracenam e o público, de tal maneira que isto induza uma
modificação na situação por eles vivida. Ninguém melhor que
STANISLAVSKI (1986) para definir e contextualizar ação no teatro:
“Ação – ação verdadeira, produtiva, dotada de objetivo, esse é o
fator de máxima importância na criatividade e, por conseguinte,
também no falar! Falar é agir. Esta ação nos determina um objetivo:
instilar em outros o que vemos dentro de nós. Não é tão importante
que a outra pessoa venha ou não a ver o que temos em mente. A
natureza e o subconsciente podem cuidar disso. Nossa tarefa é
querer induzir nossas visões interiores em outras pessoas e esse
desejo origina a ação. Uma coisa é aparecer diante de um bom
público, despejar alguns trá-tá-tás e dar o fora. Outra coisa, muito
diferente, é subir ao palco e representar!” (id. ib.).
A elaboração das partituras vocais, nos treinamentos, acompa-
nha a descoberta das intenções das falas, dos objetivos, das
situações e das ações físicas dos personagens. O ator realiza ações
vocais à medida que vai relacionando os recursos da sua voz com
o universo do personagem. Por exemplo, depois de conhecida a
Atuação Fonoaudiológica no Teatro – da Leitura à Partitura 741

situação de Hamlet, vivendo o conflito de saber que o tio matou seu


pai, tendo a intenção de vencer este redemoinho de sensações, e
o objetivo de vingar a morte do pai, ele diz: “Ser ou não ser”. Os
recursos vocais que o ator utilizará ao dizer esta fala estarão
interligados a tudo isto, e também, às ações físicas que realiza
enquanto fala. Nos treinamentos vocais e nos ensaios com o diretor,
estas questões serão discutidas e aos poucos a partitura vocal vai
sendo criada pela anotação dos recursos vocais. Pode-se supor,
hipoteticamente, um desenho da partitura desta fala de Hamlet, em
função das poucas referências dadas anteriormente:

QUADRO 32.1 – Partitura vocal.



1. ser ênfase na palavra com intensidade forte

2. ou ênfase na palavra com alongamento e velocidade


lenta

3.não ser ênfase no sintagma com curva melódica descen-
dente e força articulatória

Certamente são inúmeras as configurações desta fala na com-


posição de uma provável partitura (Quadro 32.1). Esta pequena
anotação de partitura vocal, feita acima, esboça aqui, simplesmen-
te, uma possibilidade de interpretação de fala. Os recursos vocais
usados são, neste caso, relacionados a uma situação ambígua do
personagem – a fala foi dividida em três linhas, por três pausas
(referentes ao término da linha): o que fazer diante desta situação?
Pegar em armas? Usar que estratégias? No exemplo de partitura,
o recurso usado na primeira ênfase (linha 1) é de intensidade forte
– Hamlet questiona sua existência usando a força, quando traz à
tona seu conflito, sua situação. Na linha 2, o alongamento e a
velocidade lenta podem estar se referindo ao momento de reflexão
profunda de Hamlet, no qual ele “dá uma pausa”. Está entre o agir
e o não agir em seu objetivo maior de vingar a morte do pai. Depois,
na terceira linha, Hamlet está perto da derrota e da possível cons-
tatação de sua impotência (curva melódica descendente), mistura-
do com o vigor necessário para a virada da situação (força articula-
tória no sintagma). Está no âmago da questão de ser ou não ser.*

Ensaios individuais
Algumas vezes é necessária uma dedicação especial a determi-
nado ator e suas dificuldades com seu personagem. Durante o
processo de criação, o ator pode entrar por caminhos às vezes

* Esta pequena partitura foi criada para o presente texto, apenas com o intuito
de ilustrar um exemplo de interpretação desta fala. Para melhor compreensão
da partitura vocal , seus recursos e suas análises, consultar GAYOTTO (1997).
742 Fonoaudiologia Prática

fáceis e nem sempre corretos, que teriam como conseqüência um


personagem de sentido equivocado, quando não uma construção
vocal até perigosa para a saúde do ator. Muitas vezes o ator,
experimentando as dimensões do personagem na sua voz, vai além
do seu limite, pois as sensações por ele trabalhadas o levam a emitir
numa “zona” vocal desconhecida – se pensarmos que este perso-
nagem está se revelando para o próprio ator na prática de suas
emoções e das situações por ele vividas. Ou seja, algumas vezes
não é possível “controlar”, nesta emissão, as resultantes vocais e daí
o ator pode se “machucar”. O fonoaudiólogo entra em ação para
acompanhar este processo, nos ensaios individuais e com treina-
mentos vocais individuais, na busca, junto com o ator, de propiciar
a manifestação do personagem, indicando, ao mesmo tempo,
possíveis direções para uma boa manifestação vocal do ator.
Os ensaios individuais são realizados com o diretor, participan-
do eventualmente todo o elenco ou algum outro profissional. Nestes
ensaios pode-se, inclusive, refazer todo o trabalho que o ator
empreendeu para chegar onde está e apresentar-lhe sugestões
para que possa desenvolver melhor o que já conquistou, reforçando
ou suprimindo resultados, e enfrentando com ele os desafios a
superar.

Partitura vocal
Com os treinamentos vocais permeando todas estas etapas
do processo criativo, tem-se por fim, uma partitura vocal resultan-
te, na qual os recursos vocais estão combinados às característi-
cas cênicas do personagem: suas situações, objetivos, intenções
e ações físicas. A partitura é a referência vocal que liga os estádios
dos treinamentos e as etapas de criação do espetáculo, desde a
primeira leitura, passando pelos ensaios de mesa, o contato com
o espaço cênico, até os ensaios coletivos e individuais. Mesmo
assim, há ocasiões em que, até depois de estar sendo apresen-
tada a peça, volta-se ao trabalho de mesa para que determinada
cena possa ser melhorada, ou porque algum ator será substituído
e retomam-se os ensaios com o ator que chega.
O trabalho do fonoaudiólogo com as ações vocais, desenha-
das na partitura, dá contribuições técnicas e interpretativas à voz
dos atores. Portanto, pode atuar também como uma espécie de
direção vocal do espetáculo, trabalhando, ao mesmo tempo, as
necessidades vocais básicas para o espaço cênico, a saúde vocal
do ator e a construção vocal dos personagens.
Neste contexto, o preparador vocal se ocupa da voz tendo a
técnica e a criatividade como duas companheiras inseparáveis.
Pode acompanhar o elenco mesmo depois do espetáculo estar
em cartaz, na manutenção das vozes e, eventualmente, na
constante reelaboração da voz do personagem – bons diretores e
atores parecem estar sempre inquietos e, portanto, continuam
somando novas referências interpretativas que irão, certamente,
modificar as interpretações das falas e suas partituras vocais.
Atuação Fonoaudiológica no Teatro – da Leitura à Partitura 743

Percorridas estas etapas, o ator tem nas mãos o espetáculo


delineado, com suas entradas e saídas, seus mapas de ações
físicas, suas partituras vocais, porém, ele trabalha todo dia numa
peça em movimento, ao vivo, com o público e, desta maneira,
cada novo espetáculo poderá acrescentar outras probabilidades
de criação ao que já foi conquistado até aqui.

“O resto é silêncio.”
O trabalho foi ensaiado e o espetáculo está pronto.
Está? Não! Agora o desafio será manter fresco e vivo o texto como
na primeira vez. E esse desafio ocorrerá, dependendo do sucesso da
peça, durante meses, algumas vezes, anos. Como fazer? Será que
o tédio de um ator, ao interpretar um personagem inúmeras vezes já
representado, é sentido pela platéia? Sem vacilar, podemos afirmar
com toda certeza que sim. O teatro é comunicação ao vivo; uma
interpretação requentada faz bocejar tanto o ator como qualquer um
que esteja presente num espetáculo assim. O trabalho de criação é
ininterrupto, não tem fim, não há o que já foi conseguido, o que foi feito
ontem já não “existe” mais. Em Hamlet, deverá ser sempre pela
primeira vez que o ator receberá a notícia da morte do pai, do
casamento da mãe e da usurpação do trono pelo tio.
“O resto é silêncio” é a última fala do personagem HAMLET antes
de morrer, nessa grande tragédia de WILLIAM SHAKESPEARE. Con-
tam as fofocas de teatro que esta fala foi um “caco”, uma improvisa-
ção acrescentada ao texto pelo ator que fazia HAMLET, provavel-
mente porque ele se julgava convencido de ter interpretado tanto e
tão bem as suas cenas, que não valia a pena o público se preocupar
em ouvir, no futuro, mais que silêncio. Tudo já havia sido dito.
Porém, o texto de SHAKESPEARE não termina aí e muitas cenas
ainda acontecem. Homem de teatro, o “bardo”, sabia com certeza
que as coisas se aperfeiçoam, se redescobrem, morrem, vivem,
num infinito ciclo de descobertas.

Leitura recomendada
BARBA, E. – Além da Ilhas Flutuantes. Trad. Luis Otávio Burnier. São
Paulo – Campinas, Hucitec – Editora da Unicamp, 1991.
BERRY, C. – Voice and the Actor. New York, Macmillan Publishing
Company, 1973.
BEUTTENMÜLLER, M.G. & LAPORT, N. – Expressão Vocal e Expres-
são Corporal. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1974. p. 23.
GAYOTTO, L.H. – Voz do Ator, a Partitura da Ação. São Paulo, Summus
(no prelo), 1997.
HARVEY, P.L.; ARONSON, D.B.; COLEMAN, R.F. – Objective evaluation
of actors voices: Normative data on the trained theatrical voice. In:
21th THE VOICE FOUNDATION SYMPOSIUM,U.S.A. Oral
Apresentation. The Voice Foundation, 1992.
RUSSO, I. & BEHLAU, M. – Percepção da Fala: Análise Acústica do
Português Brasileiro. São Paulo, Ed. Lovise, 1993. p. 10.
STANISLAVSKI, C. – A Construção da Personagem. Trad. Pontes de Paula
Lima. 4ª.ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1986. 326 pp.
744 Fonoaudiologia Prática

Fonoaudiologia do Trabalho e o
Telemarketing
Eudosia Acuña Quinteiro

O nosso trabalho profissional começou no Rio de Janeiro,


após ser aluna do Colégio Pedro II e do Instituto de Educação. Por
alguns anos, exercemos a função de professora de 1º grau para
o então Estado da Guanabara. Permeando esse período, fomos
aluna do Conservatório Nacional de Teatro e lá privamos da
orientação de grandes mestres, entre eles, na área de voz, a
querida MARIA DA GLÓRIA BEUTTENMÜLLER.
Viemos para São Paulo e trabalhamos como atriz durante 9
anos, participando de 14 peças teatrais como atriz e cantora,
sendo os espetáculos, em sua grande maioria, de vanguarda.
Participamos também de 19 novelas, a maioria delas na TV Tupi;
realizamos 7 filmes, vários comerciais e novelas de rádio, bem
como dublagem e radiodifusão como apresentadora do Projeto
Minerva de Educação, na Rádio e TV Cultura de São Paulo.
Paralelamente a esse período, concluímos uma Licenciatura
Plena em Educação Artística – Música e, logo a seguir, Bachare-
lado em Música-Canto; também exercemos o magistério de 3º
grau em algumas faculdades na cidade de São Paulo e Grande
São Paulo, ministrando aulas de Educação Artística-Cênicas e de
Expressão Vocal. Buscamos, então, a Fonoaudiologia e nos
bacharelamos pela PUC-SP em 1985. Desde de 1981 realizamos
três direções de espetáculos teatrais e participamos como diretora
vocal de 26 espetáculos teatrais nas cidades de São Paulo e
Curitiba. Em nossa clínica, já montamos cerca de 50 personagens
teatrais para os mais diversos espetáculos, atendendo a atores de
renome nacional e internacional. Paralelamente, temos realizado
uma espécie de pronto-socorro vocal para muitos espetáculos.
Defendemos o nosso Mestrado em Artes na Escola de Comu-
nicações e Artes da USP-SP, onde atualmente somos professora
de Expressão Vocal na Escola de Artes Cênicas da USP (CAC).
O nosso doutorado está em fase final, também na USP-CAC,
concorrendo ao título de Doutora em Artes.
Também atuamos na Oficina de Atores da Rede Globo em
São Paulo onde realizamos, junto aos atores, um trabalho sobre
VOZ PARA TV. No momento, estamos realizando a direção vocal
de elenco do SBT (Sistema Brasileiro de Televisão), em São
Paulo. De toda essa experiência na arte de dizer, não deixamos
de preparar um bom número de políticos por todo o Brasil.
Fonoaudiologia do Trabalho e o Telemarketing 745

Nos últimos cinco anos, começamos a atender os profissio-


nais de Telemarketing, e é dessa nossa última experiência, o
Telemarketing, que vamos falar, uma vez que já treinamos em
torno de três mil teleoperadores nas cidades de São Paulo, Rio de
Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba. Com esta obra, estamos
completando o nosso nono trabalho em torno da voz e da fala.
O teleoperador ou operador em telemarketing é o profissional
remanescente da antiga profissão de telefonista, hoje, uma profis-
são renovada e atuando dentro de um verdadeiro arsenal tecno-
lógico e necessitando muito da Fonoaudiologia do Trabalho.
Trata-se de um trabalhador, que se não for bem-orientado
fonoaudiologicamente, corre graves riscos de prejuízos irreversí-
veis à sua boa saúde, no que diz respeito à audição e à fala, sendo
motivo de aposentadoria por invalidez. Lamentavelmente, já
acompanhamos a invalidez de alguns teleoperadores que não
mais puderam dar seqüência às suas funções profissionais por
prejuízos vocais. As altas tensões emocionais, o abuso vocal
causado por horas extras de trabalho e a competitividade no
atender a um alto número de clientes para conseguir prêmios,
além de alimentação inadequada e falta de repouso, são os
maiores inimigos desta profissão. Isso, sem contar a legalização
da profissão que, na prática, não existe; talvez por ser uma
atividade nova, as leis, os sindicatos, os empresários e os próprios
profissionais não se dêem conta dos perigos que rondam o
teleoperador. Cabe à Fonoaudiologia do Trabalho realizar a
prevenção, a conscientização, a orientação, o treinamento e a
reciclagem desse profissional no que diz respeito à audição, voz
e fala. Isso ainda não está claro pois temos conhecimento de
treinamento realizado por atores e demais profissionais ligados ao
RH, que por absoluto desconhecimento dos problemas da saúde
exercem ilegalmente funções específicas da Fonoaudiologia do
Trabalho.
O teleoperador, que também desconhece os perigos que
rondam a sua saúde, entrega-se ao exercício de uma profissão
aparentemente bastante inocente. Afinal, qual o mistério que
existe em se falar ao telefone? Bem, quando isso é feito de
maneira informal, realmente não há mistério algum. Os problemas
começam a aparecer quando o uso do telefone se torna uma
profissão, e é exatamente isso o que acontece com o teleoperador.
Para que o Fonoaudiólogo possa realizar um bom trabalho
dentro da área de telemarketing, faz-se necessária um atenção
especial a alguns itens fundamentais ao treinamento do
teleoperador.
Antes do treinamento do teleoperador, deve o Fonoaudiólogo
“convencer” e exigir do empresário os indispensáveis exames de
Otorrinolaringologia, com especial atenção aos problemas da
mucosa orofaríngea, às pregas vocais, aos problemas nasais e à
audição, sendo imprescindível um rigoroso exame audiométrico,
bem como uma criteriosa avaliação Fonoaudiológica. Qualquer
746 Fonoaudiologia Prática

desequilíbrio nessas áreas deve ser motivo de corte admissional.


Só devem ser admitidos funcionários em perfeito estado de saúde
da audição, voz e fala.
Em virtude da profissão de teleoperador ser ainda nova no
mercado, costumamos orientar o setor de RH das empresas que
prestamos serviços para o exame psicológico e oftalmológico,
além dos exames médicos de rotina admissional. Costumamos
falar, ao teleoperador, da postura corporal e da maneira adequada
da mão e do braço durante o ato da digitação, mas isso pode ser
melhor estudado em QUINTEIRO, 1995.
Uma vez selecionados os candidatos, passa-se, então, ao
treinamento propriamente dito. É bom que se esclareça que a
empresa entende como treinamento um determinado número de
horas-aula-simulação. Costumamos trabalhar, em sala de aula,
com os teleoperadores, dez horas-aula, tempo que se tem mos-
trado muito bom para tratar de algo tão novo, e mais cinco horas
de simulação e monitoração. Muitas empresas não estão prepa-
radas, tecnicamente, para que se realize a monitoração ou simu-
lação com os teleoperadores em treinamento, restando ao fo-
noaudiólogo a escuta do teleoperador em situação real de aten-
dimento ao cliente, o que está longe de ser o melhor, mas é
necessário que o profissional da Fonoaudiologia do Trabalho
aprenda a ser criativo e não se abale com pequenos detalhes. O
importante é realizar um bom trabalho na prevenção da saúde do
trabalhador.
A respiração e o relaxamento são pontos importantíssimos
dentro de um bom treinamento para teleoperadores. A respiração
ensinada por reflexo respiratório é a que se tem mostrado mais
conveniente, permitindo o uso da lateral e das costas da área
torácica, adaptando-se melhor ao uso profissional do falante
sentado. “Um bom treinamento de voz e fala começa pela respi-
ração” (QUINTEIRO, 1995). Logo após a respiração, vamos aos
cuidados com a voz.
“O trabalho vocal, que envolve voz e fala, é o fato mais importan-
te dentro de um atendimento por telemarketing. O cliente tem
apenas o som da voz e da fala do teleoperador que o atende como
referência da empresa como um todo. É importante separar som
(voz) de fala (código). O som pode estar agradável ou não, assim
como a fala pode estar cuidada ou não. Esses dois elementos, voz
e fala, dizem muito sobre uma empresa” (QUINTEIRO, 1995).
É de suma importância que se conscientize o teleoperador de
que está a serviço da fala profissional e do poder que esta fala
profissional emana em si mesma. Os vícios de linguagem devem
ser um alvo constante das atenções do treinamento: o cuidado
com as concordâncias verbais, a construção correta das frases, o
desembaraço no uso da linguagem, a fluência da fala. Um sujeito
que não tenha cursado pelo menos o segundo grau, nunca será
muito bom na profissão de teleoperador. Recomendamos sempre
o incentivo à leitura, principalmente dos nossos clássicos.
Fonoaudiologia do Trabalho e o Telemarketing 747

A nasalidade excessiva pode comprometer a comunicação


sonora por telemarketing, assim como todos os ruídos da voz e da
fala que possam acompanhar o teleoperador. Este profissional
deve ser conduzido a uma limpeza sonora consciente, criteriosa
e necessária ao bom desempenho da sua profissão. No equilíbrio
entre saber ouvir e saber falar é que encontramos os elementos
de êxito nesta profissão. A limpeza das vogais emitidas em toque
suave de cordas vocais é algo que deve ficar bem gravado no
treinamento do profissional da voz pois, no dia-a-dia, com a
pressão da empresa, com relação ao tempo de atendimento e
a pressão do cliente, também exigindo urgência no seu atendi-
mento, acabam por aumentar em muito o nível das tensões dos
atendentes, propiciando uma batida brusca de corda vocal que,
por repetição constante, leva a perigosas disfonias que fatalmente
empurram o profissional para o afastamento das suas funções de
falante. A humectação da mucosa é algo de suma importância
para esta profissão, não apenas pelo desgaste natural do ato de
fala, mas principalmente pelo ambiente onde essa função é
exercida, ou seja, o teleoperador fica exposto a um ar condiciona-
do sempre exageradamente frio e seco, o que nada favorece a
função de falante. Torna-se, então, importante a instalação entre
os profissionais da fala o hábito de se beber oito copos de água ao
dia, como norma profilática da profissão.
Não se pode esquecer nunca o uso da linguagem padrão
profissional onde a atenção para com os R e S, as concordâncias
verbais e a total ausência da linguagem chula, é de vital importân-
cia. Gostamos sempre de lembrar que fala é poder, e o poder de
uma empresa passa sempre pela voz e pela fala de um
teleoperador. Se o teleoperador não ouve bem e não fala bem, a
empresa perde muito da sua comunicação com os seus clientes.
O ritmo da fala em telemarketing deve ser motivo de atenção
durante o treinamento, uma vez que, quando falamos pela primei-
ra vez com uma pessoa, levamos um tempo de adaptação
orgânica entre ouvir e falar, e isso nem sempre é levado em
consideração pelos gerentes de produção que imprimem um ritmo
acelerado aos atendimentos, pressionando os teleoperadores em
relação ao tempo de atendimento; esquecem-se de que o cliente
não está treinado para este ritmo alucinante de relação comunica-
tiva, gerando uma grande confusão no entendimento, voltando à
empresa como casos a resolver e que seriam perfeitamente
evitados se o gerente de produção permitisse a comunicação
natural entre seres humanos que necessitam de um tempo para
realizar a sua comunicação verbal. Essa aceleração no ato de
comunicação sonora não cria apenas confusão no entendimento
das mensagens, mas está gerando uma rejeição, por parte da
população, ao atendimento por telefone, uma vez que é muito
complicado para o usuário competir com os “profissionais da
comunicação” que não dão uma chance aos “amadores
da comunicação”, ou melhor, o povo.
748 Fonoaudiologia Prática

Essa pequena falha dentro de uma estrutura de comunicação


pode comprometer em muito os serviços de um telemarketing, e
que pode ser perfeitamente controlado e evitado pela atenção ao
ritmo natural de uma conversa entre seres humanos saudáveis,
ou então, que esse gerente de produção tão exigente com o tempo
gasto nos atendimentos peça à empresa que faça um bom
treinamento com todos os clientes, assim o problema tempo-
atendimento ficará plenamente resolvido.
O tom da voz é um outro problema a ser resolvido. Por
equipamento inadequado da empresa ou da TELEBRÁS, o
teleoperador é obrigado a gritar os seus atendimentos, como se
fosse um pregão, gerando ruído-ambiente pouco recomendado e
prejuízo grave ao trato vocal do teleoperador, um desequilíbrio em
cadeia que deve ser observado e sanado o mais breve possível.
Com relação à audição o teleoperador deve ser muito bem
esclarecido e conscientizado acerca dos limites de estresse
auditivo e a necessidade da troca do fone de ouvido a cada hora
e meia de trabalho. O fone monoauricular é o que melhor se
adapta à função de teleoperador, pois permite a descompressão
craniana lateral a cada hora e meia, evitando, assim, a horrível
pressão no crânio que vai deixando os teleoperadores irritados e
nervosos, o que não se recomenda a uma empresa que pretenda
servir bem os seus clientes. Ainda com relação à audição é de
suma importância que o teleoperador e a empresa entendam que
o fone de ouvido é algo pessoal, intransferível, não podendo ser
usado de maneira comunitária, por uma questão de assepsia,
higiene, prevenção de saúde do trabalho.
Após o treinamento realizado em sala de aula, e onde foram
passados conceitos teóricos, passa o fonoaudiólogo a realizar,
com a equipe em treinamento, uma simulação. Em QUINTEIRO,
1995, encontramos: “A simulação faz parte do treinamento do
operador em telemarketing, usando, com desembaraço, o texto
previsto pela empresa, e em que uma situação, o mais próximo do
real é simulada.” É durante a simulação que o fonoaudiólogo
pode, ainda, reorganizar conceitos que não ficaram muito claros
durante o período de treinamento e que aparecem na simulação
ou por falta de fixação do conceito em si ou por um ruído pessoal
do teleoperador.
Ainda temos tempo para devolver ao teleoperador os resulta-
dos da escuta que foi feita durante o seu atendimento. Costuma-
mos ouvir três atendimentos, não seguidos, de cada teleoperador,
anotando todo e qualquer ruído que possa ocorrer durante o seu
atendimento ao cliente imaginário. É nessa oportunidade da
devolução da escuta da simulação que podemos oferecer alguns
exercícios de ordem pessoal que se façam necessários ao
teleoperador em questão, ajudando-o a reorganizar a sua comu-
nicação. O exercício deve ser algo simples, sem complicação e
que possa ser realizado sem a presença do fonoaudiólogo, mas
efetivo para a correção do ruído que foi observado.
Fonoaudiologia do Trabalho e o Telemarketing 749

No momento, as empresas contratam o fonoaudiólogo como


um prestador de serviços e isso tem um tempo limitado de ação,
um, dois ou três dias, nunca mais do que isso. A rapidez de ação
do fonoaudiólogo na percepção dos ruídos da comunicação do
teleoperador e a solução oportuna é algo importante para a
Fonoaudiologia do Trabalho em telemarketing. A empresa quer
soluções, ela não quer problemas. O profissional da Fonoaudiologia
do Trabalho deve estar sempre pronto para solucionar questões
e isso requer um nível de pesquisa específica muito alta, para que
se possam dar soluções rápidas e pertinentes aos problemas que
possam surgir. O fonoaudiólogo deve estar atento para o fato de
que o mais importante para a empresa é que o seu texto de
marketing seja falado de maneira impecável, evitando-se aquela
sensação de quem está lendo ou de quem está falando com uma
máquina.
O telemarketing pode ser dividido, no momento, em duas
formas bem-definidas: o telemarketing aberto, ou seja, o que
permite uma negociação ampla com o cliente e que exige, é claro,
um preparo bem cuidadoso do teleoperador, uma vez que respon-
derá ao cliente usando argumentos mais ou menos pensados pela
empresa, mas absolutamente impossíveis de serem previstos na
sua totalidade em diálogo livre com o cliente, o que nos resta é
uma seleção o mais criteriosa possível e um treinamento e
simulação realizados com o mais profundo cuidado; e o
telemarketing fechado, o mais usual no mercado, que trabalha
com um texto padrão previsto pela empresa e que não admite
qualquer mudança ou alteração. O treinamento deve ser condu-
zido a uma limpeza de comunicação oral o mais perfeita possível,
tirando a sensação de coisa decorada, robotizada, e promovendo
um diálogo natural com o cliente. Embora o texto esteja na forma
de linguagem escrita, deve ser falado, como uma conversa
espontânea, evitando aquele cantar típico e terrível de um atendente
mal-preparado que se torna rotineiro e falso, não dando gosto
algum em ser ouvido (QUINTEIRO, 1995).
Para finalizar, queremos falar de reciclagem, efetivamente o
ponto mais delicado de todo o trabalho fonoaudiológico voltado
para o telemarketing.
Durante muitos treinamentos, a sensação que nos passava
era a de que estávamos falando de algo que não interessava a
ninguém e que tudo era perfeitamente dispensável, tal o despreparo
dos futuros teleoperadores para com a função sonora que iriam
realizar. Em muitas ocasiões, confessamos a nossa tristeza com
tamanha ingenuidade e desconhecimento. Só o trabalho diário é
que revela, tardiamente, o desconforto e os perigos da profissão
de teleoperador, trazendo queixas perfeitamente evitáveis se
houvesse um pouco mais de atenção durante o treinamento. A
Fonoaudiologia do Trabalho, que cuida das atividades em
telemarketing, é ainda pouco conhecida pela população, deixan-
do as nossas preocupações profissionais sem o menor eco.
750 Fonoaudiologia Prática

No momento, temos realizado duas espécies de reciclagem


junto às empresas que assessoramos: a primeira é realizada por
um retorno muito espaçado, não-sistemático e diríamos de pouca
eficiência, mas oferecemos aos grupos já treinados o melhor das
nossas possibilidades profissionais, afinal, uma reciclagem é bem
melhor do que nenhuma. Oferecemos um programa renovador
dos conceitos anteriormente ministrados, com a absoluta certeza
do esquecimento por parte da maioria dos teleoperadores em
reciclagem e passamos, então, a resolver as queixas obviamente
ligadas à falta de atenção durante o treinamento anterior, ou
melhor, à falta de um contato profissional fonoaudiológico condi-
zente com a situação de trabalho. É um momento alegre e, ao
mesmo tempo, triste. Alegre porque conseguimos um novo con-
tato com a equipe treinada e temos a oportunidade de fixar
conceitos básicos à defesa da saúde da voz e da audição desses
teleoperadores, e triste porque só Deus sabe quando será o
próximo encontro. A segunda espécie de reciclagem é bem mais
atuante do que a primeira, pois trata-se de um encontro semanal
com a equipe de teleoperadores. O trabalho é realizado em dois
dias, metade da equipe em cada dia. A equipe do dia é dividida em
quatro grupos que serão rodiziados pela ação profissional preven-
tiva de um fisioterapeuta, um técnico em segurança do trabalho e
ergonomia, um fonoaudiólogo e o gerente de produção. Cada
profissional específico assume 15min com cada grupo, em situa-
ção lúdica, reforçando conceitos básicos de prevenção e aumen-
tando a consciência e a disposição do teleoperador para os
cuidados que se façam necessários ao bom exercício dessa
profissão. Isto é muito bom, mas ainda não é o ideal. Acreditamos
sim em dias melhores, e até lá, vamos trabalhando com as armas
que tivermos, conscientizando empresas e teleoperadores da
grande importância do treinamento, da reciclagem até que cada
telemarketing possa contar com a presença constante e diária de
um fonoaudiólogo responsável pela saúde da voz, da audição e da
estética da fala, aumentando e melhorando a qualidade da comu-
nicação entre as empresas e os seus clientes através do trabalho
preciso e bem-cuidado de um teleoperador.
Aos fonoaudiólogos que se encaminharem para o telema-
rketing, desejamos um grande futuro, afinal, os serviços por
telemarketing acenam para o futuro.

Leitura recomendada
QUINTEIRO, E.A. – O Poder da Voz e da Fala no Telemarketing:
Treinamento Vocal para Teleoperadores. São Paulo, Summus Edi-
torial, 1995.
Atuação Fonoaudiológica com
Locutores de Rádio
Iára Bittante de Oliveira

INTRODUÇÃO
Não há como negar o crescimento da área de atuação do
fonoaudiólogo junto a adultos e crianças, que utilizam a voz
profissionalmente.
Dentro deste campo, o locutor de rádio é um dos profissionais
que pode se beneficiar muito da ajuda de um fonoaudiólogo. Basta
considerarmos que na comunicação radiofônica não há imagem
visual. Ao contrário, essa imagem é fantasiada pelos ouvintes de
rádio, principalmente a partir das características vocais do locutor.
É delegada à voz a função de veicular emoções. São canaliza-
das para a voz e a fala todas as possibilidades de comunicação,
quando esta acontece por intermédio do rádio.
Pensando assim, o fonoaudiólogo que resolver atuar nesta
área, além de gostar muito do que irá fazer, deverá estar sempre
muito atento aos detalhes da produção da voz e fala deste
profissional. Pequenas alterações podem desviar o sentido da-
quela comunicação.
Neste trabalho são combinadas técnicas de aprimoramento
vocal com espontaneidade de comunicação, sem interferir no
estilo individual de cada locutor, respeitando-se os diversos tipos
de locução.
Torna-se evidente, a necessidade de se conhecer caracterís-
ticas e necessidades deste profissional, identificando ainda quais
os riscos que ele possui de desenvolver uma desordem de voz,
por conta das condições do uso profissional desta.
É necessário, portanto, estar atento às tendências aos abusos
e mau uso vocais, por parte do locutor de rádio, decorrentes de seu
tipo de demanda vocal (OLIVEIRA, 1995). Uma locução esportiva
pode ilustrar com clareza esta situação. Basta imaginar que
nestes casos, há pelo menos 90min de fala acelerada, pratica-
mente ininterrupta, a intensidade da voz variando entre 50 e 80 dB
(em momentos de grito de gol), com uso de extensa gama tonal e
variação de entoação. Para tornar a situação mais difícil, muitas
vezes ainda, o trabalho é desenvolvido em presença de ruído, sob
intenso calor, ou mesmo no ar condicionado.
Estando o fonoaudiólogo informado sobre a realidade deste
profissional, além de desenvolver o aprimoramento da comu-
752 Fonoaudiologia Prática

nicação, estará atuando também na prevenção da saúde vocal


do locutor e consequentemente, melhorando sua qualidade de
vida. Não se trata, portanto, de um trabalho de reabilitação
fonoaudiológica, cuja abordagem fica voltada para terapia de
distúrbios da voz.
Neste capítulo trataremos mais do trabalho fonoaudiológico,
desenvolvido em grupo, mencionando-se eventualmente, situa-
ções que podem se modificar quando a abordagem é feita
individualmente.

CONHECENDO O LOCUTOR
Sem dúvida alguma, a entrevista com o profissional é de
extrema importância. Aqui iremos saber sobre seu nível de
escolaridade, área de atuação no rádio: esportiva (narração
futebolística, repórter de campo, comentarista esportivo), locu-
ção de notícias, jornalismo, reportagem externa, comerciais,
área artística, humorística e outros. Neste sentido é importante
saber ainda, se o locutor trabalha em estação de transmissão de
AM (Amplitude Modulada) ou FM (Freqüência Modulada). Isto
porque os estilos de locução variam em função das caracterís-
ticas do público-alvo, nível sócio-cultural, idade, etc. e, conse-
qüentemente, os locutores variam seus estilos de comunicação,
emprego da voz, forma de falar, pronúncia, ritmo, articulação,
etc. (OLIVEIRA , 1995).
São pesquisados também, o tempo de atuação no rádio,
dados quanto aos cuidados com a voz, conhecimentos que este
profissional possui sobre profilaxia vocal e outras atividades
desenvolvidas pelo locutor. Muitas vezes, eles desenvolvem
atuações paralelas, que também exigem um alto nível de produ-
ção vocal como no caso do canto ou trabalho com vendas e isto
irá influenciar no desempenho da voz.
São levantados ainda, aspectos relacionados à saúde geral e
vocal, hábitos quanto a álcool e fumo, hidratação e alimentação
(qualidade e horários das refeições), exercícios físicos, descanso
e lazer.
Com relação à produção vocal propriamente dita, sugerimos
coletar amostras de voz, tanto de fala espontânea como simu-
lando uma situação de radiodifusão, emitindo uma notícia,
fazendo um comentário e lendo. Esta amostra é gravada em fita
cassete para comparações futuras, de preferência realizada
com microfone, através de gravação feita diretamente da mesa
de som, para se evitar interferências ou ruídos que atrapalhem
a análise.
Aspectos básicos de uma avaliação de voz devem ser
realizados, contando-se com a possibilidade do surgimento de
indivíduos com alterações vocais importantes, os quais deverão
ser encaminhados para exames e condutas necessárias.
Atuação Fonoaudiológica com Locutores de Rádio 753

Sugerimos observar principalmente, os itens abaixo:


a) Tensões de cintura escapular, adequação ou não do
alinhamento postural (ANDREWS, 1995), principalmente eixo pos-
tural cabeça-pescoço, que influenciam na produção vocal.
b) Respiração e coordenação pneumofônica, observando-
se tipos respiratórios, (deslocamentos da caixa torácica nas
tomadas de ar para fala), uso de ar de reserva, alterações
inadequadas do volume da voz e do ritmo da fala em função da
má-coordenação fonorrespiratória.
c) Alterações miofuncionais orais e problemas articulatórios
podem ser percebidos durante a fala, através da observação da
deglutição da saliva (como são coordenadas deglutição, respiração
e fala), acúmulo de saliva na boca e a própria protrusão da língua na
produção dos fonemas /t/, /d/, /n/, /s/ e /z/. Os contatos articulatórios
e os ajustes da cavidade oral no momento da fala devem ser
observados. Desvios de mandíbula e deslocamentos tensos com
fechamento do espaço oral, influenciam muito, não só na clareza da
articulação como no equilíbrio ressonantal e na projeção vocal. Por
outro lado, a articulação exagerada, com excesso de abertura de
mandíbula, também altera a fala, além de fazer parte de um estilo de
locução antigo, artificial. Atenção especial deve ser dada aos
fonemas plosivos, que ao serem produzidos com tensão labial,
excesso de pressão aérea, irão causar distorções na fala microfônica.
Os fonemas /r/, /l/ e grupos consonantais devem ser avaliados com
muita atenção, de preferência, em contextos frasais com elevada
ocorrência destes. Muitos dos erros articulatórios na locução, são
devidos a estes fonemas. Observar também os deslocamentos da
mandíbula, verificando se há adequada mobilidade de língua, ou
esta mostra-se inábil sendo compensada pela movimentação de
outras estruturas. Quanto ao arquifonema /r/, é importante lembrar
que regionalismos somente são admitidos em locuções específicas
e uma retroflexão ou mesmo uma produção posteriorizada (como na
fala de um carioca), pode estar escondendo uma dificuldade
articulatória.
d) A voz e o equilíbrio ressonantal devem ser avaliados. A
concentração do foco de ressonância em dada estrutura, gerando
aparente desequilíbrio, por exemplo nasal, no caso da locução,
somente deve ser feita com a finalidade de se caricaturizar uma
voz. Por outro lado, a ressonância excessivamente oral tira a
espontaneidade da locução. Um pitch adequado garantirá uma
produção vocal sem esforços. Muitas vezes o locutor em início de
carreira tem como modelo um outro profissional e isto faz com que
ele force um nível tonal inapropriado, levando-o ao mau uso vocal.
Quanto à qualidade vocal, é importante certificar-se de que não
haja características de desordens vocais, do tipo: soprosidade
involuntária, aspereza, rouquidão, etc. Nos demais casos, de
cunho mais estético, o trabalho técnico incumbir-se-á de trazer
equilíbrio vocal na locução. Há muitos estilos de locução, portanto,
muitas possibilidades de aproveitamento de vozes.
754 Fonoaudiologia Prática

e) Sintomas vocais negativos, auditivos e sensoriais devem


sempre ser pesquisados junto aos locutores, através de questio-
nários.

Locutor conhecendo a fisiologia da voz e a


higiene vocal
Para que um locutor possa cuidar bem de sua voz e explorar ao
máximo seu aparelho fonador, adaptando-se rapidamente a todas
às necessidades de comunicação, ele precisa conhecer todas estas
estruturas. Isto deve ser feito de forma constante, ao longo do
trabalho fonoaudiológico. Além de um conhecimento teórico-prático
deste aparelho, feito através de explicações da fisiologia vocal,
possibilidades de auto-exploração, (tátil-cinestésica, feedback acús-
tico, etc.) devem sempre ser criadas. Podemos utilizar filmes de
nasovideolaringoscopias de laringes normais, em processo de
produção de voz falada, para ajudar no conhecimento da fisiologia
da voz. Em nosso trabalho, temos observado especial interesse dos
locutores por um filme desta natureza, que foi realizado com um
locutor simulando uma narração de futebol.
Quanto à higiene vocal muito se tem dito sobre os cuidados
básicos com a voz, os quais não abordaremos aqui e que se
aplicam ao locutor. Ressalta-se a importância de uma adequada
hidratação, considerando-se que boa parte dos locutores traba-
lham sob condições que facilitam perda de líquido, como no caso
do forte calor em cabines de transmissão ou no campo aberto sob
sol. Apenas lembraremos que nesses casos o ideal é que a
reposição hídrica seja feita, parceladamente numa temperatura
não inferior a 12° C (água gelada), lembrando-se que o choque
térmico, predispõe o indivíduo a irritações e infecções das vias
aéreas superiores (COUTO, 1995). Desta forma, aconselhamos
que durante o trabalho, o hábito de ingerir água de bebedouros
elétricos, tão comum em corredores de empresas, seja abandona-
do, quando estes estiverem programados para baixas temperaturas.
OLIVEIRA (1995) chama atenção para uma série de cuidados
voltados à realidade do locutor, propostos a partir de pesquisa de
abusos e mau uso vocais realizada com profissionais da área.
Foram enfocados tabagismo, gargarejo, choque térmico, alimen-
tação, refluxo gástrico, hábito de pigarrear para limpar a garganta
e outros. Muito difundido no meio deste tipo de profissional, é a
questão do gargarejo sem indicação médica, feito com substân-
cias químicas variáveis, com o objetivo de “limpar a voz”. Este
hábito pode colocar em risco a saúde bucal e vocal destes
profissionais. Este aspecto deve sempre ser investigado e os
locutores orientados para não se utilizarem desta conduta.
Em resumo, propomos uma higiene vocal abordada de forma
gradual e crítica, visando-se a conscientização do indivíduo. O
locutor deve saber das implicações físicas de determinados
hábitos inadequados, que comprometem sua saúde vocal, pois,
Atuação Fonoaudiológica com Locutores de Rádio 755

somente assim, haverá realmente mudanças eficazes. Lembra-


mos finalmente que, tais propostas modificadoras devem respei-
tar as circunstâncias e necessidades deste profissional (OLIVEIRA,
1988).

Trabalho técnico com o locutor


Considerações preliminares
Temos procurado mostrar ao locutor que, mudanças e uso de
certas técnicas, só no momento da locução, não funcionam.
Recorrer ao uso das orientações recebidas somente ao utilizar a
voz profissionalmente seria uma preocupação a mais e poderia
piorar, ao invés de melhorar aquela comunicação. Naquele mo-
mento, muitas são as intercorrências que acontecem juntamente
com a locução. Telefonemas de ouvintes, notícias de última hora
a serem dadas, controle de entrada de reportagens externas
durante a programação, pessoas entrando e saindo do estúdio e
ainda, o locutor tendo que operar a mesa de som, enquanto fala.
Isto tudo, sem contar que trabalhando sentado, o apoio diafragmá-
tico torna-se mais difícil e a liberação do tronco dificultada pela
tendência a se curvar (O LIVEIRA, 1995). Existe, portanto, a neces-
sidade do profissional incorporar determinadas condutas em seu
dia-a-dia, mantendo assim adequado preparo vocal.
Alterações vocais acontecidas com indivíduos que utilizam a
voz profissionalmente podem advir de falhas na utilização da voz
falada não profissional (SATALOFF, 1991).
Desta forma, postura adequada, alinhamento do tronco, en-
caixe de cabeça, evitando o estiramento do pescoço e adequada
respiração costodiafragmática caminham juntos, e a adequação
de um aspecto depende da adequação do outro para que a
mudança ocorra totalmente. Não há respiração correta com má-
postura e nem projeção vocal sem adequada respiração e boa
abertura de mandíbula. O encaixe de tronco e cabeça contribui
para que a mandíbula movimente-se verticalmente de forma
relaxada, facilitando a produção vocal e boa articulação dos
fonemas. A agilidade articulatória tão necessária ao locutor de
rádio está também na dependência de movimentos de mandíbula
amplos e sem tensão que, por sua vez, se beneficiam com a
postura adequada.

Postura na locução
Com relação à postura, achamos que o locutor deve ser
orientado de forma global. Desde a posição para dormir, dando
preferência àquelas que facilitam a respiração nasal, para que se
evite o ressecamento da mucosa laríngea, principalmente para os
locutores que trabalham logo pela manhã, até a adequação da
postura ao falar. Para que a orientação seja eficiente, é necessário
que o fonoaudiólogo conheça esta área e não invada outros
756 Fonoaudiologia Prática

campos profissionais mas ao contrário, fique atento e ao perceber


alterações posturais importantes, encaminhe a pessoa aos espe-
cialistas.
A locução é em geral realizada na posição sentada, sendo que
em alguns casos o locutor prefere trabalhar em pé, normalmente
em caso de narração futebolística. Assim orientamos:
a) Locução sentada – Verificar em primeiro lugar os ajustes
de cadeira, microfone e mesa de trabalho. Manter o tronco
alongado, sentar-se sobre o quadril, variando o ângulo tronco-
coxas, entre 90 e 110° (COUTO, 1995), evitando-se curvar o corpo
para frente, que dificultaria apoio costodiafragmático ou ao contrá-
rio, estendê-lo além do limite, o que resultaria em tensão estática
da musculatura do pescoço, comprometendo a boa produção
vocal da mesma forma. O apoio dos pés no chão é recomendado
em termos ergonômicos. O locutor deve certificar-se de que está
havendo liberdade de movimentos respiratórios ao falar,
garantindo a expansão da região costodiafragmática na inspira-
ção. Lembramos também ao locutor, que ele não deve falar em
posições desalinhadas, quadril para um lado e tronco para outro
ou mesmo, segurar o telefone entre o ombro e a orelha enquanto
atende aos seus ouvintes, causando tensão da musculatura
cervical, mau posicionamento do pescoço, resultando em prejuízo
da produção vocal.
b) Locução em pé – Orientar o locutor para que este mante-
nha-se com os pés ligeiramente afastados, quadril encaixado de
forma normotônica, tronco alongado, ombros relaxados e cabeça
em alinhamento com o tronco. SATALOFF (1981) chama a atenção
para que sejam evitados balanceios de tronco que estariam
interferindo no apoio diafragmático, ora sobrecarregando a região
lombar e ora a musculatura retoabdominal. Nesta situação é
exigido volume de voz, portanto, uma boa sustentação, evitando-
se ao máximo a hiperfunção laríngea. É conveniente lembrar que
os movimentos respiratórios e a sustentação da voz, quando a
pessoa está em pé, são mais fáceis de serem realizados do que
quando na postura sentada.
A normotonia corporal deve ser enfatizada. Para isto, exer-
cícios de alongamento podem ser recomendados. Em nível de
preparo para a locução, exercícios isotônicos de cintura escapular,
como os descritos por FERREIRA & FREIRE (1977), são ensinados
e recomendados para que sejam feitos sempre que houver
necessidade. Recomendamos que em processo de aquecimento
após a realização dos exercícios isotônicos, já citados, exercícios
de isometria sejam desenvolvidos. Eles devem abranger os qua-
tro pontos básicos de deslocamento da cabeça, oferecendo-se
resistência em cada um destes pontos, seguidos de alongamento
do pescoço na direção da força realizada anteriormente. Em
outras palavras, a pessoa deverá oferecer contra-resistência com
as mãos à cabeça, que será forçada para frente, para trás, para um
lado e para o outro, completando-se o movimento com o
Atuação Fonoaudiológica com Locutores de Rádio 757

alongamento do pescoço, através do deslocamento da cabeça


naquelas direções. Indicamos este tipo de exercício com critério,
em caso de uso profissional da voz, considerando-se a grande
exigência vocal subseqüente. Fica contra-indicado para pessoas
que tenham problemas circulatórios ou de coluna, sem avaliação
especializada prévia.

Respiração e coordenação pneumofono-


articulatória na locução
Como já colocamos anteriormente, a respiração costodia-
fragmática, constitui o tipo respiratório mais indicado para a
fonação. Quando em grupo ou mesmo em trabalho individual,
temos tentado esclarecer as desvantagens de se realizar respira-
ção do tipo costal superior, por sobrecarregar a musculatura do
pescoço e facilitar a tensão laríngea. Há também a necessidade
de se diferenciar a respiração abdominal que acaba por causar
tensões e registro vocal muito vibrante no peito, tirando a natura-
lidade da voz. As inspirações não podem ser forçadas, sendo que
as tomadas de ar devem ser feitas em quantidades naturais,
contribuem para que não haja excessiva pressão laríngea, evitan-
do-se ataques vocais bruscos (QUINTEIRO, 1989).
Para adequação do tipo respiratório, indicamos que a pessoa
mantenha-se em postura adequada e inicie movimentos respira-
tórios colocando as mãos horizontalmente à frente do tronco na
região costodiafragmática. Ela irá exercer em si própria, uma leve
pressão com os dedos para dentro (logo abaixo do esterno), ao
expirar e soltar as mãos no momento da inspiração (QUINTEIRO,
1989). Esta forma de começar uma educação respiratória costu-
ma ser eficiente e fácil de ser realizada principalmente no caso de
trabalho em grupo. Uma outra forma é pedir para que as pessoas
do grupo auxiliem-se mutuamente no desenvolvimento dos exer-
cícios de respiração. Assim, observando um colega, o locutor
poderá aprender de forma mais rápida a perceber acertos e erros
em si próprio. Indicamos os seguintes exercícios:
a) Realizando exercício respiratório com contra-resistên-
cia – Realizar uma inspiração empurrando, com a musculatura
retoabdominal, a mão do colega que oferece resistência contrária
ao movimento. O colega exerce uma pressão na região, logo
abaixo do esterno, de seu companheiro, com os quatro dedos
retos e unidos, dobrados somente ao nível da palma da mão,
formando com esta um ângulo de 90°. No momento da inspiração
haverá contra-resistência da forma como foi descrita acima e ao
expirar haverá a entrada das costas da mão para dentro da região,
facilitando a percepção dos movimentos.
b) Percebendo a expansão das costelas e os movimentos
de fole pulmonar – Um colega irá colocar as mãos, com os dedos
unidos, lateralmente ao tronco, na região das últimas costelas
(baixo tórax), do companheiro que irá realizar o exercício. En-
758 Fonoaudiologia Prática

quanto este inspira, o outro exercerá uma leve pressão contrária,


para que os deslocamentos laterais e ântero-posteriores, que
ocorrem com a caixa torácica durante a respiração, sejam melhor
percebidos. Tais movimentos são considerados semelhantes à
ação de um fole (HIXON , 1991). Desta forma, há também a
vigilância do companheiro e em caso de dúvidas o fonoaudiólogo
é chamado. Neste momento é também treinada a retenção da
respiração, para que fique clara ao locutor a pausa respiratória,
muito importante na organização do sopro expiratório para a
fonação. Este controle será necessário, quando formos treinar as
projeções vocais de “grito de gol” com o locutor, ou mesmo no caso
de locução realizada com maior volume de voz, para ajudar no
controle da hiperfunção laríngea.
A partir daí, exercícios de controle respiratório, dissociando
velocidades na inspiração e expiração, são propostos com o
objetivo de aprimorar o conhecimento dos movimentos respirató-
rios. Em outras palavras, iremos mostrar que existem diferentes
esquemas respiratórios voluntários, de acordo com a necessida-
de de comunicação. Isto é realizado rapidamente e o mais cedo
possível será associado às situações de comunicação. Acredita-
mos que só há incorporação de uma técnica, quando a pessoa
percebe a aplicação prática que esta possui, melhorando sua
qualidade de comunicação.

Coordenação pneumofonoarticulatória
Os princípios básicos da coordenação pneumofônica são
trabalhados com os locutores e não serão abordados aqui. Cha-
mamos a atenção para a necessidade de haver um tempo de
fonação compatível com as necessidades de locução. Para isto,
enfatizamos exercícios que propiciem aumento do tempo de
fonação sempre coordenados com a articulação, pois respiração,
coordenação fonação-respiração e articulação fazem parte de
uma mesma unidade funcional (BEHLAU & PONTES, 1995). Esse
dinamismo deve ser percebido pelo locutor, portanto, são propos-
tos exercícios com esta finalidade. São escolhidos frases e textos
com ocorrência de grupos consonantais, arquifonema /r/ para
serem lidos em voz alta ao grupo ou ao fonoaudiólogo e gravados
em fita cassete para que o locutor perceba suas falhas e acertos.
Os exercícios são feitos em diferentes volumes, com e sem
microfone e em diferentes velocidades, dando-se preferência a
ritmos acelerados, contando-se que estes são os mais utilizados
nas locuções e também os mais difíceis de serem realizados. Os
primeiros ensaios de variação de entoação já são experimentados
aqui. O locutor é alertado para perceber as diferentes quantidades
de ar, que estão implícitas nestas tarefas.
Atenção especial é dada aos movimentos de mandíbula, que
devem ser amplos e relaxados, o que chamamos de “ mandíbula a
favor da gravidade” para que ele perceba que a amplitude de
Atuação Fonoaudiológica com Locutores de Rádio 759

movimento está mais na dependência do relaxamento da muscula-


tura do que no exercício de levar tal estrutura para baixo, o que seria
um esforço a mais. A dissociação dos movimentos de língua e de
mandíbula é importante e o locutor é muito solicitado a exercitar-se
em casa, neste momento, pois ele não deve ficar somente na
dependência do trabalho com o fonoaudiólogo. Aqui é trabalhado
também a posição correta de repouso da língua, sendo que altera-
ções importantes da motricidade oral já não seriam abordados
nesse tipo de trabalho de aprimoramento de comunicação e sim a
nível reabilitativo. Para facilitar o trabalho articulatório, exercícios de
mastigação mostram-se eficientes e podem começar a serem feitos
logo no começo do processo para que, ao chegarmos neste ponto,
os travamentos e tensões musculares já estejam minimizados.
Mastigação de garrote executados de forma ampla, sem tensão,
com ritmo, alternadamente nos dois lados da boca e utilizando-se
somente a região dos dentes trituradores, tem mostrado ótimos
resultados para atingirmos uma abertura adequada de mandíbula,
sem aparecimento de tensões. Importante ressaltar que sobrear-
ticulação não é desejada a não ser na forma de exercício (BEHLAU
& PONTES, 1995), para que seja percebido pelo locutor que voz e
articulação tornam-se mais claras quando a abertura de boca é
adequada. Visando o relaxamento da mímica facial, ensinamos o
locutor a utilizar o garrote , entre dentes superiores e o lábio superior,
transferindo-o para a parte inferior (lábio e dentes inferiores) e desta
para a parte superior novamente, várias vezes. Ele fará isto realizan-
do exercícios de ressonância (som do “m” prolongado), concomitan-
temente, iniciando assim a colocação da voz num foco ressonantal
na face, percebendo melhor as vibrações. Para isto cortamos o
garrote, na medida de extensão que vai de pré-molar a pré-molar,
da arcada dentária superior.

Voz, entoação e ritmo na locução


O trabalho com a voz propriamente dita, é particularmente
importante. O locutor deve saber discriminar uma produção vocal
feita sem esforço, com equilíbrio ressonantal de outras, cujas
formas de produção geram esforço muscular compensatório e
alterações na qualidade vocal. Aqui visamos ao máximo aprovei-
tamento do aparelho fonador para a melhor produção vocal, feita
de forma a economizar esforços vocais desnecessários.
Para melhor projeção vocal, em paralelo ao processo descrito
anteriormente, iniciamos um trabalho com exercícios de resso-
nância, que irão contribuir para uma amplitude harmônica da voz
e adequação do pitch.
Técnicas de mascado vocal (OLIVEIRA, 1988), humming e de
associação destas com projeção de sons orais mostram-se bas-
tante eficientes neste casos. Assim, o foco ressonantal é encon-
trado e mantido durante os exercícios de prática de locução. Em
caso de necessidade, a princípio, os exercícios de ressonância,
760 Fonoaudiologia Prática

são realizados com o tronco curvado para baixo, de modo a


facilitar tal vibração e a percepção desta, no rosto e na cabeça.
Visando o controle adequado do pitch e proporcionando um
monitoramento visual deste processo, o uso de um afinador
eletrônico digital de instrumentos musicais tem sido utilizado por
nós com sucesso. Ao se emitir os sons vocais, o afinador acusa a
nota musical e a freqüência em que se encontra aquela voz. O
indivíduo pode perceber assim, quando modifica seu nível tonal
ou mesmo, quando diminui consideravelmente a intensidade da
voz, pois, os sinais luminosos e a agulha do instrumento acusam
as alterações piscando e oscilando, apontando outras freqüên-
cias. Temos utilizado este recurso principalmente quando o traba-
lho é feito de forma individual. No nosso caso, temos utilizado o
afinador BOSS – Chromatic Tuner, TU-12H. Considerando a
dificuldade ainda existente em se adquirir equipamento para o
trabalho em fonoaudiologia com voz, esta é uma opção que
poderá ser utilizada com facilidade de manuseio e transporte.
Quanto à entoação, criamos situações onde os diversos
sentidos dados aos vocábulos e frases podem ser expressos
através de diferentes combinações melódicas (OLIVEIRA, 1988).
Situações de textos com diálogos e diferentes personagens
contribuem grandemente para que o locutor trabalhe a voz em
diferentes contextos, resultando em maior flexibilidade.
No caso do trabalho em grupo, esta situação é mais fácil de ser
explorada. O locutor acaba por se soltar mais e até descobrir
talentos que não sabia possuir, como no caso de se fazer humor.
Mesmo que não seja sua atuação ou intenção de atuação naquela
área de locução, temos tido resultados e críticas positivas ao
incentivar o grupo a realizar tarefas desta natureza. Os locutores
relatam terem se sentido mais criativos dentro de seu trabalho, a
partir de exercícios deste tipo. Eles passam por diversas etapas
desde a locução de notícias, locução comercial, esportiva e até
experimentando caricaturizar vozes para diferentes personagens,
tanto inéditos quanto imitações. O importante, além de desenvolver
uma flexibilidade, é ensiná-los como fazer determinadas vozes
sem abusos e com o menor esforço possível.
Nesta etapa eles são chamados a perceber a variação no uso
dos registros vocais, nos focos de ressonância, posturas
articulatórias variando em função das intenções de comunicação
e até mesmo a importância de uma mímica facial ou um gesto
como complemento à fala, que contribuirá para que o trabalho
vocal seja o mais fiel possível àquela intenção de comunicação.
Diferentes ritmos acontecem em função do tipo de locução, e
procuramos mostrar ao locutor que estas variações devem ocorrer
sem prejuízo de outras unidades envolvidas. Em outras palavras, ao
acelerar o ritmo da locução, a boa articulação deve ser mantida, não
devendo haver mudanças na projeção vocal. A pausa respiratória
necessita ocorrer da mesma forma, para que não seja utilizado o ar
de reserva na fala. Lembramos que apesar de não haver imagem
Atuação Fonoaudiológica com Locutores de Rádio 761

visual na comunicação radiofônica, o ritmo corporal e a soltura de


gestos ajudam a sentir melhor o ritmo da fala.
Estas situações permitem ainda perceber como as estruturas e
aspectos da voz e fala são dependentes um do outro. O locutor deve
ter esta percepção e relacionar o trabalho vocal num conjunto.

CONCLUSÕES
Nossa intenção neste capítulo foi passar uma forma de atua-
ção que permita não só um trabalho com locutor, mas também
acreditamos que muito do que foi apresentado possa ser útil em
outras áreas da voz profissional.
Torna-se fascinante o trabalho nesta área, pelo fato de arte e
ciência necessitarem caminhar juntas. Saber valorizar nuances e
buscar perfeição é da arte, propor técnicas para levar as estrutu-
ras da fonação a atingirem o que se busca, com bases em
conhecimentos anatomofisiológicos, bem como saber prevenir a
saúde vocal do usuário da voz profissional, é ciência.
Entender esses dois caminhos entrelaçados é Fonoaudiolo-
gia, uma ciência com uma boa dose de paixão.

Agradecimento
Ao Prof. Dr. Otacilio de C. Lopes Filho, pelo convite de participação neste livro.
É sempre muito bom dispor de um espaço como esse, para expor nossas
experiências e as reflexões que delas emergem.

Leitura recomendada
ANDREWS, M.L. – Manual of Voice Treatment Pediatrics Through
Geriatrics. San Diego, Singular Publishing Group, 1995.
BEHLAU, M.& PONTES, P. – Avaliação e Tratamento das Disfonias. São
Paulo, Lovise, 1995.
COUTO, H.A – Ergonomia Aplicada ao Trabalho. Belo Horizonte, Ergo,
Vol. I e II, 1995.
FERREIRA, L.P.& FREIRE, R. – Técnicas de Impostação e Comunica-
ção Oral. São Paulo, Loyola, 1977.
HIXON, T. J. – Respiratory Function in Speech and Song. California,
Singular Publishing Group, 1991.
OLIVEIRA, I.B. – A educação vocal na radiodifusão. In: FERREIRA, L.P.
Trabalhando a Voz. São Paulo, Summus, 1988.
OLIVEIRA, I. B. – A educação vocal nos meios de comunicação e arte:
a voz na radiodifusão. In: FERREIRA, L.P.; OLIVEIRA I.B.; QUIN-
TEIRO, E.A.; MORATO, E.M. Voz Profissional: O Profissional da
Voz. São Paulo, Pró-fono, 1995.
QUINTEIRO, E.A. – Estética da Voz; Uma Voz para o Ator . São Paulo,
Summus, 1989.
SATALOFF, R.T. – Professional singers: the science and art of clinical
care. Am. J.Otolaringol ., 2:251-266, 1981.
SATALOFF, R.T. & SPIEGEL, J.R. – Care of professional voice.
Otolaryngol. Clin. North. Am., 24:1093-1124, 1991.
Deficiência Auditiva 1
Avaliando e Tratando o Sistema Estomatognático 763

33
Avaliando e Tratando o
Sistema Estomatognático

Irene Queiroz Marchesan

Ao avaliarmos o sistema estomatognático não podemos nos


esquecer que ele é composto de partes duras e moles, ou seja,
ossos e músculos. Portanto, não adianta conhecer apenas as
partes moles, como os lábios, língua e bochechas, tendo como
justificativa o fato de que somos fonoaudiólogos, assim como não
se justifica que o dentista conheça somente as partes duras, como
os ossos e os dentes.
A avaliação deverá ser completa. Não só examinaremos todas
as estruturas que compõem este sistema, como deveremos, acima
de tudo, relacioná-las entre si, já prevendo o que será possível
ocorrer. Um bom clínico, ao fazer a anamnese já poderá estar
examinando seu paciente. Comportamentos, posturas, hábitos e
funções podem ser observadas durante as perguntas da anamnese,
sejam estas feitas para os pais ou para o próprio paciente. Para que
isto ocorra, é claro que a pessoa a ser examinada deverá estar
presente durante a anamnese. Os terapeutas podem escolher se
querem fazer a anamnese diretamente com o paciente, só com os
pais ou com os pais e o paciente. As três maneiras de colher os
dados podem ser adequadas, se bem utilizadas, e todas apresen-
tarão aspectos positivos e negativos. Cada terapeuta deverá encon-
trar para si, ou para cada caso, a melhor maneira de conhecer a
problemática dos pacientes que o procuram.
O sistema estomatognático, é composto por ossos, dentes,
articulação temporomandibular, músculos, sistema vascular e
nervoso e espaços vazios. Sobre os ossos estão as partes moles
764 Fonoaudiologia Prática

e, portanto, ao examinarmos as partes duras, poderemos prever


como ocorrem as funções. Qualquer alteração, principalmente
sobre os dentes, tenderá a levar a um desarranjo de todo o
sistema. Dentre os principais ossos que compõem a face desta-
caremos a maxila e a mandíbula. Sobre estas bases estão
implantados os dentes. O ser humano nasce, cresce, desenvolve-
se e envelhece. Ocorrerão modificações durante toda a vida.
Sendo assim, não podemos tomar um único parâmetro de norma-
lidade para a avaliação. Devemos ter sempre em mente que
nossas estruturas, dentro de um processo normal de desenvolvi-
mento, modificam-se constantemente.
Um dos fatores que podem levar a estas modificações é a
hereditariedade. Observarmos as características dos familiares
pode ser uma forma de obtermos indícios sobre possíveis cami-
nhos que o futuro crescimento de nossos pacientes pode tomar.
Outro fator interferente, e que deverá ser relevado durante o
exame, é sabermos de que meio sócio-econômico eles provêm.
Não poderíamos deixar de citar, ainda, que exercerá grande
influência em nosso trabalho o conhecimento técnico-científico
dos profissionais envolvidos no caso, como o dentista e o otorrino-
laringologista, assim como o interesse do paciente e de sua família
pelo trabalho. É também de fundamental importância que os
fonoaudiólogos mantenham-se bem-informados e atualizados
em relação aos problemas com os quais pretendem atuar.
O paciente e sua família devem estar conscientes da neces-
sidade do trabalho e participarem de todo o processo terapêutico
para que seja possível alcançar as modificações pretendidas.
Nunca é demais lembrar que qualquer modificação virá de dentro
para fora, ou seja, o profissional pode interferir, determinando o
que o paciente deve fazer mas só ele é quem poderá fazer algo por
si mesmo. Sendo assim, mesmo com ótimos profissionais traba-
lhando no caso, se não houver uma verdadeira participação do
paciente e de seus familiares, dificilmente conseguiremos um
resultado positivo.
Faremos, a seguir, um roteiro didático para que possamos nos
orientar na anamnese e no exame de nossos clientes. Somente a
partir da coleta destes dados poderemos pensar no planejamento
terapêutico.

ANAMNESE
O que usar? Roteiros prontos? Folhas em branco? Perguntas
semidirigidas? Ou será que é melhor deixar os pais falarem sem
perguntarmos nada? Temos visto que os jovens fonoaudiólogos
se perdem inicialmente a respeito do que usar ao estarem pela
primeira vez com um paciente. Não é importante que um questio-
nário formal exista. Na verdade, tanto faz a forma como iremos
abordar a família para descobrir o que queremos saber. Se vamos
dirigi-los ou simplesmente deixar que contem livremente o que
Avaliando e Tratando o Sistema Estomatognático 765

entendem como importante para aquele momento. O essencial é


que saibamos manejar, e compreender, a técnica escolhida para
a primeira entrevista. Devemos ressaltar que ambas as formas,
entrevistar sem roteiros e fazer perguntas preestabelecidas, são
maneiras interessantes e muitas vezes fundamentais. Às vezes,
é mais uma questão de rotina ou de como aprendemos a colher
dados.
Devemos, no entanto, ter claro que nenhum modelo será
suficientemente bom quando o estamos utilizando apenas porque
o temos em mãos, sem compreendermos exatamente o que o
autor daquele tipo de anamnese queria quando a elaborou. Os
autores de anamneses e exames quando fazem seus roteiros,
têm em sua mente um conceito do que é o problema em questão
e das possíveis causas que levaram a ele. Sendo assim, irão
tentar, através de perguntas e técnicas de exame, comprovar
suas hipóteses chegando às causas do problema. Conhecer o
que aquele instrumento específico pretende, ou seja, o que o autor
daquele questionário, ou forma de entrevistar ou examinar, tinha
como princípio teórico é o mais importante. Até porque, desta
maneira, saberemos se estes princípios são os mesmos que
queremos adotar e nos quais acreditamos.
Em relação às perguntas específicas para cada caso, pode-
mos dizer que serão inúteis se não estiverem ligadas a um
conhecimento que justifique a questão. Exemplo disto seria per-
guntarmos para uma mãe com quantos centímetros e com que
peso seu filho nasceu e não sabermos os parâmetros de norma-
lidade. Outro bom exemplo seria o de uma criança de 6 anos que
tem como queixa, simplesmente, a troca do fonema /k/ por /t/, e
perguntamos se a mãe fez abortos, quantos e em que condição.
Estas perguntas não são significativas para o caso, com certeza.
Tampouco nos levam a um raciocínio clínico acerca das possíveis
causas da troca do /k/ pelo /t/ que era a queixa inicial. Muitas
vezes, recorremos a um roteiro predeterminado onde existem
questões as quais não sabemos o que querem dizer, qual o
parâmetro de normalidade e, até mesmo, como utilizar estes
dados no futuro. Estas perguntas e respostas acabam se tornando
um monte de papel arquivado sem significado.
O primeiro contato com o paciente deve servir, entre uma
série de razões, para criar vínculos entre terapeuta e família,
criar hipóteses diagnósticas, levantar novas questões e possí-
veis encaminhamentos. Como se pode perceber, fazer entrevis-
tas e/ou anamneses não é algo fácil. Fundamentação teórica,
raciocínio inferencial e alguma perspicácia, são elementos
necessários para que se obtenha com sucesso aquilo que se
pretende. Um conhecimento mínimo da patologia é condição
básica para nos orientarmos dentro da anamnese. Só desta
maneira poderemos, ao final, interpretar de forma adequada o
que colhemos. Agindo desta maneira, os próximos encontros
passarão a ser uma continuidade do primeiro, não havendo a
766 Fonoaudiologia Prática

quebra entre a anamnese, o exame e a terapia. Devemos evitar


que cada bloco se torne estanque e sem vínculo com o seguinte.
A anamnese, o exame e a terapia devem ter os mesmos
princípios e também uma continuidade entre eles.

Sugestões para a elaboração de um roteiro de


anamnese
Primeira parte
Se estamos confusos por onde começar, sugiro iniciarmos
pela coleta de dados que irão identificar o paciente, perguntan-
do dados como nome, data de nascimento, nome dos pais,
profissão, endereço, escolaridade, etc. Podemos terminar esta
parte com a queixa, ou seja, com a razão que levou o paciente
a nos procurar. Este momento é essencial, pois os pais, ou o
paciente, podem falar livremente sobre as razões que os trouxe-
ram até nós, quem os encaminhou, quais são suas expectativas
de tratamento. Eles podem, enfim, contar sua história sem que
sejam interrompidos.

Segunda Parte
A partir desta primeira coleta de dados, iremos dirigir nossas
questões de acordo com a queixa apresentada na primeira parte.
Temos observado que as questões das anamneses são direcio-
nadas basicamente na busca de causas para o problema.
Estaremos em busca das causas por três diferentes razões:
1. Para saber se a causa ainda está presente, o que dificultaria
a solução do caso. Exemplo: mordida aberta anterior com sucção
de dedo.
2. Se a causa for genética há necessidade de orientação
médica, principalmente para o caso de novas gestações. Exem-
plo: síndromes.
3. Para conhecer as possíveis razões que teriam levado
àquele problema, embora a causa, propriamente dita, não
esteja mais presente. Isto nos fornece elementos para o plane-
jamento de futuros programas de prevenção e orientação.
Exemplo: uso de mamadeira por longo prazo com furo aumen-
tado.
As questões específicas em casos de motricidade oral serão
sobre:

Desenvolvimento global
Partir da idade atual e retornar ao passado, caso seja neces-
sário. Quando partimos do momento atual é mais fácil para os pais
ou para o próprio paciente relatar, com precisão, o que queremos
saber. Podemos, a partir do relato deles, perguntar se sempre foi
assim ou se antes existiam estas ou outras dificuldades, e em que
nível.
Avaliando e Tratando o Sistema Estomatognático 767

Saúde anterior e atual


Fazer perguntas principalmente relacionadas a aspectos res-
piratórios. Caso existam, ou tenham existido doenças, devemos
perguntar como ocorreram, como foram tratadas, quais medica-
mentos foram usados, dificuldades para curar, recidivas, mudan-
ças de profissionais etc. Este roteiro já nos dará uma visão das
dificuldades que podemos encontrar em nosso trabalho. Exem-
plo: paciente com 14 anos, respirador bucal desde os 4, com
inúmeros tratamentos sem sucesso. Queixa: lábios entreabertos
dificultando o tratamento ortodôntico.

Alimentação
Perguntar como se comporta, desde a infância, em relação
às características dos alimentos que come: consistência, varie-
dade, textura e quantidade. Não deixar de investigar o que a
família pensa sobre este assunto e como ela própria se alimen-
ta, de uma maneira geral. Devemos nos lembrar que muito do
que aprendemos em relação a alimentos, como causa de
problemas ligados à motricidade oral, são mudanças de toda
uma sociedade em relação aos seus hábitos alimentares. Isto
gera conflitos quando pretendemos orientar os pais sobre estes
aspectos, uma vez que toda a família pode estar se alimentando
da mesma maneira que a criança em questão.

Escolaridade
Perguntar sobre as escolas que freqüentou. No caso de
mudanças, porque elas ocorreram. Como tem sido seu aproveita-
mento. Quais são as exigências por parte dos pais. Quais são as
disciplinas nas quais a criança tem melhores rendimentos e quais
as que são piores. Obter dados gerais sobre a escolarização
podem nos dar dois tipos de informação: primeiro, sobre as
capacidades de aprendizagem da criança e, em segundo lugar, o
nível de interesse, concentração e atenção do futuro paciente. Às
vezes, temos à nossa frente uma criança extremamente inteligen-
te, mas ligada apenas em jogos de vídeo game, entendendo que
o resto é perda de tempo. Isto pode significar que seu interesse na
terapia será baixo, dificultando sobremaneira o andamento do
tratamento.

Sono
Perguntas sobre o sono também são importantes em casos de
motricidade oral. Se roncam, babam, levam água para o quarto e
bebem durante a noite, se acordam com a boca seca e se têm
apnéia noturna, são dados que nos levam a conhecer melhor a
parte respiratória. Posições adotadas para dormir também são de
fundamental interesse para verificarmos possíveis interferências
no crescimento ou na má-oclusão.
768 Fonoaudiologia Prática

Questões finais
A pergunta final sempre deverá retornar para a queixa inicial.
De modo geral, devemos encerrar perguntando se há alguma
coisa a mais que o paciente e/ou os pais gostariam de nos
informar. Se existem outras colocações que não foram feitas
durante a queixa inicial e que poderiam ser feitas neste momento,
caso os pais acreditem tenham importância para o caso. Deixá-los
falar livremente neste momento pode nos dar uma outra visão da
queixa inicial ou sabermos o que, de fato, eles esperam do
tratamento.
Terminada a anamnese devemos dar início ao exame. Duran-
te o exame podemos estar retomando as questões respondidas
na anamnese. Ao examinarmos podemos observar que determi-
nada informação não corresponde ao que estamos vendo e, por
isto, devemos voltar a fazer perguntas sobre o que não está
fazendo sentido. Às vezes, percebemos, durante o exame, que
faltou perguntar algo essencial. Outras vezes, os próprios pais, ou
o paciente, lembram-se de alguma informação que lhes parece
pertinente frente ao que estamos examinando. Esta é a razão pela
qual devemos entender que anamnese e exame não devem ser
separados e devem vir seqüencialmente. Mesmo assim, sabemos
que muitas questões não serão discutidas naquele momento pois
ficam esquecidas ou, simplesmente, não há, ainda, um vínculo
para que sejam ditas. Este é um motivo pelo qual sempre apare-
cem novas informações durante as sessões seguintes, na medida
em que os pais e/ou o paciente adquirem confiança no terapeuta.
Estes processos de colher dados e examinar, no sentido de
compreender o problema, não se esgotam no primeiro encontro.
Na verdade, até o último dia estaremos fazendo novas considera-
ções sobre o caso. É absolutamente dinâmico e interligado o
processo de avaliação e tratamento.

AVALIAÇÃO DO SISTEMA ESTOMATOGNÁTICO


I. Postura corporal
A postura corporal é o primeiro item a ser avaliado. Grande
parte dos problemas encontrados nas funções orais são devidos
à postura corporal inadequada. Devemos examinar o paciente em
pé, de frente, de costas e de lado. Nestas posições observar o
corpo todo e avaliar posturas inadequadas e assimetrias. Depois,
com o paciente sentado, devemos observar a cabeça em relação
ao tronco. Por último, observar as assimetrias faciais. Fotografar
o paciente nas diversas posições, principalmente se houver
alterações, será o ideal, pois somente desta maneira poderemos
obter, no final do tratamento, comparações entre o antes e o
depois. As filmagens são amostras dinâmicas do exame, enquan-
to as fotos são estáticas. Ambas são importantes e devem, na
medida do possível, ser realizadas.
Avaliando e Tratando o Sistema Estomatognático 769

II. Partes duras


Maxila – lembrar que são duas. Portanto um lado pode estar
diferente do outro. Alterações de palato duro, dificultarão ou
modificarão o posicionamento da língua e sua funções. O estrei-
tamento da maxila, muitas vezes é decorrente da respiração
bucal. Outras causas também devem ser pesquisadas como
hereditariedade e/ou má-oclusão. É importante saber que expan-
sões realizadas em maxilas atrésicas, quando ocorrem após o
crescimento craniofacial, são apenas dentárias e não estão de
fato interferindo no osso. Um palato atresiado interferirá na respi-
ração pelo nariz, pois estará diminuindo o espaço aéreo superior.
Todos estes dados são importantes pois nos ajudarão a compor
o quadro do paciente, não só na avaliação mas também, principal-
mente, no prognóstico da terapia.
Mandíbula – A língua está inserida na mandíbula, portanto,
seu formato será fortemente influenciado pelo tamanho e profun-
didade deste osso. Da mesma forma, a língua contribuirá forte-
mente para a sua forma. Uma forte correlação entre estas duas
estruturas é esperada. Muitas discussões existem sobre quem
causou o que. Não é nosso intuito neste momento, descobrirmos
os vilões dos prejuízos encontrados mas, como sabemos destas
relações, procuraremos intervir durante o crescimento para evitar
maiores danos do que aqueles que já são determinados pela
genética.
Maxila e mandíbula – Observar relações de tamanho e de
posicionamento entre maxila e mandíbula para compreendermos
a força e o funcionamento dos músculos que recobrem estas
estruturas. Por exemplo, em faces mais longas, a musculatura
tenderá a ser mais fraca. Em faces onde exista retrognatia, o
selamento labial ficará dificultado. Em arcos mais estreitos a
língua tenderá a “sobrar” nas laterais. A fala também sofrerá
grande influência do posicionamento da mandíbula porque quan-
do esta estiver muito retroposta em relação à maxila tende a haver
um deslizamento da mandíbula para a frente na produção dos
fonemas sibilantes.
Relações entre maxila, mandíbula e base do crânio –
Relacionar estes dois ossos comparando-os com a base do crânio
também é de grande importância para os fonoaudiólogos. Obser-
vando esta relação, poderemos, por exemplo, verificar se é a
maxila que está maior, ou se foi a mandíbula que não cresceu
suficientemente, caracterizando, em ambos os casos, uma rela-
ção de Classe II. Ter este tipo de informação pode ser de grande
valia para a seleção de exercícios que iremos propor ao paciente.
Durante a fase de desenvolvimento, sabendo que a mandíbula
está com pouco crescimento, podemos ajudar liberando a força do
músculo mentalis através de exercícios isométricos, além de
exercitar a mandíbula com exercícios de anteriorização. Devemos
investir ainda mais nos exercícios mastigatórios.
770 Fonoaudiologia Prática

Dentes – Ao examinarmos os dentes devemos nos lembrar


que estes iniciam sua erupção em torno dos 6 meses de idade. A
dentição descídua completa-se por volta dos 2 anos e meio, com
20 dentes na boca. Há diastemas naturais entre os dentes, que
garantirão a correta erupção dos dentes definitivos. Destes 20
dentes, 8 incisivos e 4 caninos servirão para o corte do alimento
e os 8 molares restantes farão o trabalho, propriamente dito, de
mastigação. A falta de um bom relacionamento entre os dentes,
cáries, ausência de algum elemento e a presença de extra-
numerários são algumas das causas que podem alterar as fun-
ções de mastigar e/ou deglutir. Portanto, conhecer a estrutura
dentária é fundamental para podermos avaliar as funções
estomatognáticas e compreendermos melhor algumas de suas
alterações. No caso de dúvida, não devemos deixar de consultar
um dentista para esclarecermos o problema.
Para a realização de um trabalho ortodôntico é solicitada, pelo
dentista, uma documentação ortodôntica. Esta documentação é
composta por fotos, modelos, e radiografias, entre outros. O
ortodontista a utiliza para fazer o planejamento de seu trabalho. O
fonoaudiólogo, de comum acordo com este profissional, poderá
visualizar melhor os problemas ósseos e/ou dentários utilizando a
telerradiografia e a radiografia panorâmica. Podemos solicitar ao
ortodontista que nos auxilie a compreender melhor este material.
Desta forma, podemos avaliar que possibilidades as partes moles,
com as quais trabalhamos, têm de se acomodar sobre as partes
duras, que as sustentam.

III. Partes moles


Lábios – Examinaremos primeiramente, cada lábio, isolada-
mente. Observaremos em repouso e em função. No repouso,
observar: tamanho, posicionamento e simetria. Devemos obser-
var e comparar entre si a metade direita e a metade esquerda,
tanto do lábio superior quanto do lábio inferior. Ao examinarmos
o lábio superior, devemos imaginá-lo dividido ao meio para
verificarmos se um lado é igual ao outro. Em geral, o lado mais
curto e mais fino é o que trabalha mais. Esta simples observação,
que um lado do lábio é mais fino do que o outro, assim como todas
as outras deste capítulo, não podem ser tomadas como regra.
Elas irão ajudar o clínico não só a registrar o que vê, uma
assimetria, por exemplo, mas a tentar compreender qual é o
significado da alteração encontrada. Temos que nos lembrar
sempre que, ao realizar um exame, estaremos tentando compre-
ender o que os dados podem significar. O objetivo é unir as
informações do exame àquelas colhidas durante a anamnese
para que possamos entender a razão de uma determinada função
ocorrer desta ou daquela maneira. Neste exemplo específico do
lábio superior, verificamos, por exemplo, que o lado direito do lábio
é mais fino e de menor tamanho. Em seguida, observamos que a
Avaliando e Tratando o Sistema Estomatognático 771

bochecha do mesmo lado é mais alta e tem maior consistência ao


toque, além de maior força. Observamos ainda, que os dentes do
mesmo lado tem melhor oclusão do que do outro e finalmente,
lembramos que, na anamnese, o cliente referiu que preferia
mastigar deste lado. Há uma coerência entre os dados do exame
e os da anamnese. É isto que devemos buscar o tempo todo, ou
seja, coerência entre aquilo que vemos e aquilo que ouvimos
quando a história nos foi relatada. Agindo desta maneira estare-
mos não só descrevendo, mas também compreendendo, as
causas daquilo que está ocorrendo com o paciente. Mantendo o
mesmo exemplo, se o paciente durante a anamnese não sabia de
que lado mastigava, ao encontrarmos os dados anteriormente
citados com relação a lábios, bochechas e dentes, podemos
prever que ele mastiga do lado direito. Estes dados vão nos fazer
ficar mais atentos durante o exame da função mastigatória. Poder
prever como se realiza uma função a partir das estruturas envol-
vidas facilita nosso exame e ajuda a explicar para o paciente as
razões de possíveis disfunções.
Outro ponto de controvérsias diz respeito ao tamanho do lábio
superior. Em geral, afirma-se que o lábio superior é curto quando
mais do que um terço dos incisivos superiores aparecem. Primei-
ro, devemos nos perguntar o que é um lábio curto? Afinal, qual é
o tamanho, em milímetros, de um lábio normal? Fazer a nós
mesmos estas e outras perguntas pode ser o começo de um bom
exame. É interessante como a fonoaudiologia não se preocupou,
durante muito tempo, com possíveis padrões de normalidade.
Partimos direto para a busca do patológico. Esquecemos ainda
algo bastante importante: o paciente que nos procura no consul-
tório é, ou pelo menos pensamos que seja, patológico. Assim
sendo, qual é o nosso parâmetro? Aliás, será que existe um
parâmetro de normalidade para tamanho de lábio ou mesmo para
outras formas e funções as quais estamos avaliando? Voltemos
então ao tamanho do lábio superior. Medir partes moles é bastante
difícil pois uma simples contração no momento da mensuração já
trará diferenças sensíveis. Usar um bom instrumento para tomar
as medidas também é importante. Os paquímetros de metal
apesar de mais caros, são de melhor qualidade do que os de
plástico. Saber usar este tipo de instrumento é fundamental.
Comparar o tamanho do lábio com o tamanho do osso que ele
deve cobrir é o nosso objetivo para sabermos se o lábio é curto ou
não. Na verdade, não há um tamanho normal para o lábio superior.
Dizemos que há normalidade quando são encontradas propor-
ções adequadas entre partes moles e partes duras. Ao tomarmos
a medida do lábio superior em milímetros observamos que, muitas
vezes, este lábio que nos parece extremamente curto, na medida
em que expõe os incisivos superiores é, na verdade, mais longo
do que o lábio superior de outras pessoas que não ficam com os
incisivos expostos. Outro detalhe importante diz respeito a verifi-
car com atenção o ângulo nasolabial. Quando este ângulo está
772 Fonoaudiologia Prática

muito aberto, em geral a ponta do nariz está arrebitada e os dentes


ficam mais expostos. Isto pode significar que o lábio, por causa do
nariz estar arrebitado, está posicionado fora do lugar, dando-nos
a impressão de ser curto. Estes exemplos são amostras de como
devemos estar sempre atentos e preocupados em fazer conside-
rações e relações entre o que estamos vendo, e não apenas
anotar, pura e simplesmente, o que foi visto.
Imagino que você, meu caro leitor, possa, neste exato momen-
to, estar confuso. Afinal devemos ou não nos preocupar com
dados de normalidade? A fonoaudiologia, ao avaliar problemas de
motricidade oral teve, no passado um único padrão de normal e é
desta noção fixa de normalidade que devemos nos afastar.
Existem vários normais. Normal é o que funciona bem, dentro de
suas possibilidades. Tudo fica dependente das relações existen-
tes entre as partes duras e moles. Esta regra deve valer para todas
as estruturas avaliadas.
Língua – Ao avaliarmos esta estrutura vamos procurar vê-la
dentro da boca, e não fora. Ao encontrarmos marcas de dentes
sobre ela em suas laterais, nem sempre isto significa algo impor-
tante para o clínico. Por exemplo, podemos, por estresse, estar
com a língua marcada por apertamento temporário. Por outro
lado, estas marcas podem existir há muitos anos, e não ter nada
a ver com o problema que estamos avaliando. No entanto, as
marcas podem significar que a língua, realmente, está apertada.
Esta pressão sobre a língua pode estar ocorrendo porque a boca
é pequena para a língua, porque a língua é grande para a boca ou,
ainda, porque os dentes estão inclinados lingualmente, diminuin-
do o espaço intra-oral. Dizer apenas que existem marcas não
elucida nada. Novamente, os dados só terão valor quando com-
parados entre si ou quando levantarmos hipóteses das possíveis
causas daquilo que foi encontrado.
A presença de sulcos longitudinais na língua, freqüentemente
dois ou três, significa que pode haver uma desproporção entre sua
largura e a largura da cavidade oral, o que acarreta uma espécie
de dobra em sua superfície. Avaliar o tamanho das amígdalas
pode nos elucidar acerca da razão da protrusão da língua.
Grandes amígdalas não permitem o posicionamento correto des-
te órgão pois isto dificultaria sobremaneira a respiração. Ainda,
em relação ao posicionamento da língua, devemos verificar a
altura da face. Indivíduos de face mais longa apresentam maior
dificuldade em posicionar e deglutir com a língua na papila,
principalmente se este quadro vier acompanhado de respiração
bucal. Temos observado também que pacientes Classe III de
Angle posicionam sua língua no soalho da boca uma vez que a
mandíbula é maior do que a maxila. A língua de pessoas com esta
característica tende a estar aumentada na altura. Os respiradores
bucais tendem a elevar o dorso da língua mantendo a ponta para
baixo. A mesma posição tem sido encontrada, com freqüência,
nos Classe II de Angle. A força da língua tem sido associada ao
Avaliando e Tratando o Sistema Estomatognático 773

tipo de alimentação. Comidas mais pastosas exigem menor força


de mastigação e, conseqüentemente, menor movimentação da
língua. As características genéticas, no entanto, determinam
fortemente estes padrões de força e de tamanho enquanto as
condições ambientais contribuem para melhorar ou piorá-los.
Bochechas – Devemos avaliar a simetria, a altura e a força de
ambas as bochechas lembrando que elas deverão ser compara-
das entre si e não com as bochechas de outras pessoas. Não
devemos nos esquecer que as demais estruturas que as circun-
dam terão grande influência sobre elas. Uma das funções das
bochechas é colaborar, durante a mastigação, com a manutenção
do alimento sobre os dentes. Em uma mastigação unilateral
ocorrerá o fortalecimento da bochecha do mesmo lado. Caso esta
mastigação unilateral já venha ocorrendo há muito tempo, prova-
velmente encontraremos uma hipertrofia da bochecha do lado
onde ocorre a mastigação, o que resultará numa diferença de
tamanho bastante razoável. A bochecha do lado em que predomi-
na a mastigação tende a ser mais alta e a distância entre a
comissura labial e o canto externo do olho deste lado, tende a ser
menor do que a distância do outro lado.

IV. Funções realizadas pelos órgãos


fonoarticulatórios
Embora sejam várias as funções que as partes moles e duras
dos órgãos fonoarticulatórios podem realizar, limitar-nos-emos,
no decorrer deste capítulo, a abordar a respiração, a mastigação,
a deglutição e o ato de fala.

Respiração
Os seres humanos nascem respirando pelo nariz e, a não ser
que ocorram impedimentos mecânicos ou fisiológicos assim con-
tinuará até a morte. Isto significa que ao encontrarmos um pacien-
te com respiração bucal devemos buscar compreender por que
ele não está realizando esta função de forma normal. Devemos
nos lembrar que, a maior parte das vezes, a respiração não é
puramente bucal, mas sim mista, isto é, dá-se pelo nariz e pela
boca. As causas mais freqüentes de uma respiração inadequada
referem-se a problemas mecânicos. Estes problemas podem
estar na nasofaringe (adenóide), na orofaringe (amígdalas), ou no
próprio nariz, como um desvio de septo ou mais comumente, as
hipertrofias de conchas que impedem ou diminuem a entrada do
ar. Para conhecermos de forma correta qual a razão da respiração
estar ocorrendo por via inadequada, uma consulta ao otorrino-
laringologista é fundamental sendo que a mesma deve acontecer
antes de iniciarmos nosso tratamento. Caso o médico nos informe
que, do ponto de vista clínico, não existem problemas, devemos
ainda considerar se o paciente tem possibilidade de oclusão labial
para que a respiração possa ocorrer pelo nariz. Se existir uma
774 Fonoaudiologia Prática

tipologia desfavorável, ou mesmo uma oclusão que não permita o


correto selamento, outra indicação, agora para a ortodontia,
será necessária antes do nosso tratamento. Verificar que nosso
paciente não respira pelo nariz é muito fácil. Descobrir as possí-
veis causas, encaminhá-lo corretamente e tratá-lo no momento
adequado é mais difícil e precisa de um conhecimento maior do
que o óbvio comentário de que ele não respira pela via correta.
Como sempre, precisamos nos preparar para inferir causas,
estabelecer relações e prioridades de tratamento.

Mastigação
Para avaliarmos esta função precisamos, em primeiro lugar,
conhecer os dentes e como eles se relacionam. A oclusão e a
tipologia facial determinam a força e o modo de mastigar. Em
segundo lugar, vamos pesquisar, com bastante detalhamento, os
hábitos alimentares, não só do paciente mas, principalmente, de
sua família. Hábito alimentar não é só o que se come. É necessário
saber o como, o quando, o tempo disponível, valores que se dão
para a alimentação, dinheiro que se investe nisto, etc... Normal-
mente, o problema alimentar não é só do paciente mas é da
família, ou do meio no qual aquele indivíduo vive. Como prova
específica, pode-se utilizar, em todas as avaliações, um mesmo
alimento para que se possa criar um padrão de exame. O pão
francês é uma boa opção pois é fácil de encontrar e, praticamente,
todos o comem.
Filmar o exame também é aconselhável para que seja possí-
vel fazer comparações posteriores com maior objetividade. Lem-
brar que os limites de mastigação impostos pela oclusão só serão
resolvidos após o tratamento da oclusão. Como prova específica
podemos sugerir que o paciente coma o pão normalmente, como
está acostumado. Após duas ou três dentadas, perguntamos
onde está mastigando melhor, ou seja, qual é o lado de preferên-
cia mastigatória e por que prefere este lado. Caso o paciente não
saiba identificar, devemos sugerir-lhe que coma mais alguns
pedaços para observar como ele sente a mastigação acontecen-
do. Em seguida, devemos pedir que mastigue apenas de um lado
e observe relatando, em seguida, como foi. Depois repetimos a
mesma prova, usando o outro lado da boca. Por fim, sugerimos
que volte a mastigar como o faz normalmente.
Lembrar que, após cada prova, devemos pedir ao próprio
paciente que descreva como se sentiu, se foi fácil e quais foram as
dificuldades encontradas. Esta forma de avaliar faz com que possa-
mos ter a nossa visão e também a do próprio paciente sobre como
está se processando sua função mastigatória. Mesmo que o pacien-
te não saiba nada, ou só tenha uma visão parcial daquilo que ocorre,
isto não é importante. Agindo desta maneira podemos saber o que
o paciente percebe e já o estaremos ajudando a ficar mais atento,
deste momento para a frente, em relação à sua mastigação.
Avaliando e Tratando o Sistema Estomatognático 775

Praticamente iniciamos o processo terapêutico durante a


avaliação. Estes procedimentos de anamnese, exame e a própria
terapia devem ser contínuos e interligados. Não podemos ter
momentos estanques onde a anamnese segue uma linha, o
exame outra, e ambos estão desvinculados da terapia. Com muita
freqüência, observamos que anamneses e exames com uma
riqueza de dados são simplesmente arquivados para todo o
sempre sem nenhuma ligação ou importância para a terapia.

Deglutição
Esta função dá continuidade ao processo de mastigação e,
como tal, não pode e nem deve ser avaliada em separado da
mesma. Ao observarmos a mastigação também observaremos o
paciente deglutindo, pois esta seqüência é natural. Nada mais
lógico do que olharmos, ao mesmo tempo, as duas funções.
Assim, como não vamos pedir para que o paciente faça um bolo
alimentar e nos mostre antes de deglutir, não pediremos que abra
os lábios a fim de olharmos dentro da sua boca enquanto deglute.
Estas duas formas de avaliar levam a atipias alterando, evidente-
mente, o processo natural.
Seria bastante interessante que os terapeutas fizessem as
provas neles próprios e em pessoas normais para avaliar a
eficácia e os resultados de tais procedimentos, antes de aplicá-los
ao paciente. Normalmente, vamos mastigando e engolindo. Não
fazemos um único e grande bolo de tudo o que está sendo
mastigado para então deglutir. Quando isto ocorre, tendemos a
realizar um movimento de cabeça para trás, na tentativa de
aumentar o espaço orofaríngeo para que todo o alimento possa
passar de uma só vez. Isto acaba sendo classificado como
“deglutição atípica”, quando na verdade, foi algo que provocamos
ao pedirmos uma forma de deglutição que é antinatural.
Assim como esta atipia, muitas outras são provocadas pelos
examinadores. Até o dentista, quando pede para que o paciente
degluta com os lábios entreabertos, numa posição em que o
corpo está reclinado dificultando a deglutição, também causa
uma atipia. Sugiro ao leitor atento experimentar deglutir nessas
circunstâncias, não se esquecendo de um babador. Sabemos
que os sujeitos Classe II de Angle, com grandes desproporções
maxilomandibulares, deglutem com os lábios separados e,
mesmo assim, procuram fazer um selamento compensatório
que é o do lábio inferior com os dentes superiores. O selamento
anterior é necessário para manter uma pressão negativa no
interior da boca e todas as pessoas procuram obtê-la de alguma
maneira.
Às vezes, vamos ter, de fato, a projeção anterior da língua no
momento da deglutição. Ao invés de apenas apontar tal fato
tentaremos compreender suas razões. Pode haver uma mordida
aberta anterior; podem existir amígdalas hipertrofiadas, trazendo
776 Fonoaudiologia Prática

a língua para a frente para criar um espaço posterior de passa-


gem; outras vezes, em função da respiração bucal, encontramos
a língua posicionada embaixo e com sua força diminuída. Ou seja,
sempre há ou houve, no passado, uma razão para que a deglutição
não se processasse de forma normal. Ninguém deglute errado
porque assim o quer. Em geral, deglutimos da maneira que nos é
possível. O nosso papel é mais do que repetir o diagnóstico pobre
de “deglutição atípica”. Devemos descobrir qual é a causa da
inadequação deste modo de deglutir e, mais do que a causa,
tentar verificar quais são as possibilidades que o paciente tem de
deglutir de uma outra maneira que não aquela por nós encontrada.

Fala
Avaliar a fala, em geral, requer procedimentos mais simples.
Podemos verificar como o paciente fala e que tipos de trocas
apresenta, apenas conversando com ele. Em geral, os pais
sabem quais os fonemas que os filhos omitem ou trocam. Muitas
vezes, já na anamnese, podemos ficar conhecendo, com certa
margem de segurança, quais são os problemas de fala existentes.
No entanto, para uma avaliação mais precisa é importante não só
sabermos quais são as trocas ou omissões mas, mais uma vez,
tentar compreender a razão destas trocas e quais as possibilida-
des de correção. Com muita freqüência encontramos problemas
de fala que fazem parte de problemas de linguagem. Infelizmente,
muitas vezes, acabamos simplificando e realizando análises
somente parciais, reduzindo problemas de desenvolvimento de
linguagem em meras trocas ou omissões de fonemas. As distor-
ções por sua vez, podem estar relacionadas a problemas de
forma, ou seja, a características anatômicas das estruturas que
produzem fala.

TERAPIA
O grande momento chegou. Muito provavelmente alguns de
vocês, meus caros colegas, vieram direto a esta parte do capítulo
sem ter lido as demais páginas que antecederam este ponto. É
uma pena. Talvez seja por isto que a fonoaudiologia tem caminha-
do tão lentamente. Buscamos, durante muitos anos, soluções
prontas e isto não nos leva a raciocinar. Porém, se me enganei e
você já leu o restante, já percebeu que não há uma regra única,
nem para avaliar e, muito menos, para a terapia. Podemos falar,
talvez, de princípios terapêuticos e também pensarmos no que
inviabilizaria a terapia. Após a avaliação, isto é, a anamnese e o
exame, indicaremos, outros profissionais e/ou exames, caso
sejam necessários, para um melhor diagnóstico. Antes da família
deixar nossa sala, já neste primeiro encontro, devemos dar a eles,
e ao paciente, um prognóstico e um tempo aproximado de terapia.
Sempre que vamos ao médico procuramos saber qual remédio
Avaliando e Tratando o Sistema Estomatognático 777

devemos tomar, quais os efeitos colaterais e, o mais importante de


tudo, em quanto tempo vamos ficar “curados”. A expectativa de
nosso paciente não é diferente da nossa quando estamos no
papel de paciente. Eles também querem saber em quanto tempo
o problema estará resolvido e se a terapia vai dar resultado.
Alguns chegam a nos perguntar se não existe nenhum remédio
para ajudar na terapia.
Nem sempre, quando encerramos a consulta, temos respos-
tas precisas para tudo o que o paciente gostaria de saber. Desta
forma, faremos prognósticos próximos daquilo que imaginamos
que vá ocorrer. É recomendável propormos reavaliações de dois
em dois meses, quando o problema parece ser mais simples, e de
três em três, ou quatro em quatro meses, caso o problema nos
pareça mais complicado. Assim, teremos um tempo maior de
trabalho para que possamos emitir uma opinião mais precisa. Nas
reavaliações sistemáticas devemos explicar de forma clara para
os pais, e para o paciente, o problema em questão e como o
estamos conduzindo. Agindo desta forma poderemos fazer com
que todos tenham uma visão do percurso terapêutico em seus
detalhes, e não somente do início e do fim do trabalho. Em geral,
os pais imaginam que o terapeuta consegue fazer tudo sozinho.
Acredita-se que, como num milagre de transformação, o terapeuta
toma o paciente e o devolve novinho em folha. Com as reavaliações
periódicas pode-se mostrar que as melhoras são progressivas e
dependem da participação de todos.
Nestas reavaliações conseguimos, ainda, averiguar se nos-
sas hipóteses diagnósticas estão corretas ou não. Podem ser de
grande ajuda as informações pertinentes trazidas pelos pais e isto
só se torna possível na medida em que os mesmos participam do
processo terapêutico. Verificamos, ainda, o índice de satisfação,
ou de insatisfação, com o trabalho que vem sendo realizado.
Desta maneira, dificilmente seremos surpreendidos por atitudes
dos pais como a de abandonar o tratamento com a desculpa de
que o terapeuta chegou atrasado para uma sessão. Na verdade,
eles utilizaram este pretexto para descarregar toda a insatisfação
que sentem e terminar com uma situação que para eles, de algum
modo, não era vista como favorável. Falaremos agora de
especificidades da terapia do Sistema Sensório Motor Oral.

Respiração
Após o exame otorrinolaringológico poderemos iniciar nosso
trabalho. Caso o paciente tenha apenas um hábito de respirar
inadequadamente, a terapia será mais tranqüila do que nos casos
com pacientes alérgicos. Mesmo que o paciente tenha um impe-
dimento mecânico, como hipertrofia de adenóide, será válido
trabalharmos com ele pois as tentativas seguidas de respiração,
via nariz, podem ajudar na desobstrução ou mesmo no tratamento
médico.
778 Fonoaudiologia Prática

Devemos iniciar o tratamento fazendo comentários sobre a


importância da respiração nasal e quais são as estruturas que
compõem o aparelho respiratório. Devemos também explicar
quais são suas dificuldades para utilizar esta via e as possibilida-
des de utilizá-la. Precisamos ensiná-lo a limpar o nariz e fazer com
que ele aprenda a utilizá-lo, inicialmente em terapia. Não adianta
pedir para que faça exercícios respiratórios em casa e esperar que
isto ocorra normalmente. O paciente precisa começar por treinar
na terapia e ir relatando as dificuldades que está sentindo. O
terapeuta deverá, neste instante, estar atento para poder explicar
ao paciente possíveis dúvidas que possa ter: porque não passa ar
pelo nariz, porque as narinas ardem na inspiração, porque dá
tontura, porque falta ar, etc. O terapeuta tem que conhecer bem
a anatomia e a fisiologia do aparelho respiratório para poder
explicar ao paciente todos os sintomas que vão aparecendo
durante as sucessivas tentativas de aprender a inspirar e expirar
pelo nariz.
No caso de pacientes alérgicos, a terapia pode se processar
da mesma maneira. No entanto, os resultados tendem a ser
parciais. Devemos informar a família que não vamos curar a
alergia. Mas, o fato de o paciente usar mais vezes o nariz nos
momentos que não está em crise, poderá fazer com que estas
crises até diminuam. Normalmente, o paciente alérgico, apesar de
estar muitas vezes desobstruído, não percebe isto e, por hábito,
continua usando a boca para respirar. A terapia é bastante útil uma
vez que pode levar o paciente a perceber estes momentos e a usar
o nariz mais vezes.

Mastigação
Pacientes com a oclusão normal
Devemos ensinar, basicamente, uma mastigação com os
lábios ocluídos, utilizando os dois lados da boca, alternadamente,
para a trituração dos alimentos. A quantidade de comida colocada
na boca também é importante. Muita comida não permite uma
mastigação eficiente. A velocidade também deve ser controlada.
Não devemos trabalhar forçando a ingestão de alimentos que o
paciente não aprecia. A alimentação deve ser algo prazeroso. Não
há necessidade de iniciar com alimentos pastosos para depois
passar para sólidos, a não ser em pacientes muito pequenos ou
com alterações neurológicas. Conversar com os pais sobre hábi-
tos alimentares e formas de alimentação também é fundamental,
uma vez que o paciente está conosco poucas horas por dia.
Devemos trabalhar com exercícios de força, quando houver
necessidade, solicitando que os mesmos sejam realizados uma
vez por dia, durante alguns minutos. É mais importante a realiza-
ção diária, com pouco tempo de duração, porém sistemática, do
que por um tempo prolongado, mas que não seja realizada
rotineiramente.
Avaliando e Tratando o Sistema Estomatognático 779

Pacientes com problemas oclusais


Se existem problemas com a oclusão dentária, o ideal é que
o paciente seja primeiro tratado com o odontólogo para depois
fazer terapia, caso seja necessário. Se o paciente não necessitar
de tratamento odontológico, iremos trabalhar da mesma maneira
apenas respeitando as possibilidades que ele apresenta para
realizar a mastigação. A forma de mastigar encontrada pode ser
melhorada, mesmo que não fique “perfeita”. Trabalhamos expli-
cando o que é uma mastigação ideal e como é que ele, paciente,
está realizando tal função. Mostramos que, apesar de sua forma
oclusal possa não ser a melhor, é a condição que ele efetivamente
tem, e que sempre existe algo que pode ser melhorado. Ele
mesmo será o agente de suas mudanças e estará informando o
terapeuta sobre o que ocorre, quais as tentativas que faz para
mudar e como está percebendo e sentindo as mudanças que
estão se processando.

Deglutição
Observamos que: quando o paciente pode respirar pelo
nariz; quando tem uma boa oclusão; quando mantém os lábios
ocluídos; quando o espaço interno é compatível com o tamanho
da língua e, quando ele mastiga adequadamente, também pode
deglutir corretamente. Os demais pacientes, que não apresen-
tam tais características, terão que adaptar seu modo de deglutir
às condições existentes. No paciente que, apesar das boas
condições de forma e de respiração, deglute com projeção
anterior, devemos verificar a postura da língua e corporal, o
tônus, os hábitos alimentares e modificá-los, caso seja neces-
sário. Em geral, após adequarmos postura, tônus, e respiração
o paciente já consegue deglutir melhor. Os exercícios para
aumentar a força da língua e para melhorar a propriocepção são
fundamentais para a obtenção de um melhor posicionamento da
língua dentro da cavidade oral. De maneira geral, o trabalho com
a deglutição propriamente dita é o menos importante, pois ao
darmos condições anatômicas e havendo melhora das demais
funções, naturalmente a língua se posiciona e funciona adequa-
damente.
O trabalho com alterações da motricidade oral é vasto e exige,
de maneira geral, que o diagnóstico tenha sido bem feito. Quando
está claro para ambos, paciente e terapeuta, quais são os limites
possíveis e a importância do trabalho a ser realizado, o investi-
mento de todos é maior e os resultados mais favoráveis.

Leitura recomendada
BIANCHINI, E.M.G. – A Cefalometria nas Alterações Miofuncionais
Orais: Diagnóstico e Tratamento Fonoaudiológico. Pró-Fono Depar-
tamento Editorial, 1993.
780 Fonoaudiologia Prática

DOUGLAS, C.R. – Tratado de Fisiologia Aplicada às Ciências da Saúde.


Editora Robe, 1994.
JABUR, L.B. – Avaliação fonoaudiológica. In: Ortodontia – Diagnóstico
e Planejamento Clínico. Org. Flavio Vellini Ferreira, Editora Artes
Médicas, 1996. pp. 273-301.
MARCHESAN, I.Q. – Motricidade Oral. Visão Clínica do Trabalho
Fonoaudiológico Integrado com outras Especialidades. Editora
Pancast, 1993.
MARCHESAN, I.Q. & KRAKAUER, L.H. – A importância do trabalho
respiratório na terapia miofuncional. In: Tópicos em Fonoaudiologia.
Vol II. Editora Lovise, 1995. pp. 155-160.
PETRELLI, E. – Ortodontia para Fonoaudiologia. Editora Lovise, 1992.
WARREN, D.W. & SPALDING, P.M. – Dentofacial Morphology and
Breathing: A Century of Controversy, in Current Controversies in
Orthodontics . Quintessence Publishing Co, Inc., Chicago, 1991. pp.
45-76.
Cirurgia Ortognática e Fonoaudiologia 781

34
Cirurgia Ortognática e
Fonoaudiologia

Luis Carlos Manganello Souza


Alcione Ramos Campiotto
Ronaldo Rodrigues Freitas

INTRODUÇÃO
A cirurgia ortognática é um ramo da cirurgia, que trata dos
pacientes portadores de deformidades dentofaciais, objetivando
restabelecer a função mastigatória e proporcionar uma melhor
harmonia facial.
Para cumprir estes objetivos ela é completada por outra
especialidade odontológica que é a Ortodontia.
É Importante considerar que estes pacientes são operados
em nível hospitalar e na grande maioria das vezes sob anestesia
geral.

DIAGNÓSTICO DAS DEFORMIDADES DENTOFACIAIS


Exame clínico
É dividido em duas fases: exame extra-oral da face e exame
da cavidade bucal.

Exame da face
Este exame é realizado com o paciente de pé e olhando para
a frente.
A princípio observamos se existe harmonia entre os terços
superior, médio e inferior da face; se existe simetria entre os lados
782 Fonoaudiologia Prática

direito e esquerdo. Observamos ainda se o sulco nasogeniano é


bem-definido ou não.
Analisar se a relação dos incisivos superiores e lábio superior
é satisfatória.
Com o paciente de perfil observamos as projeções das regiões
malar, da maxila e do mento, e se existe harmonia entre elas ou não.

Exame da cavidade bucal


A observação principal é relacionada à oclusão dentária, pois
a mesma é fundamental para o diagnóstico das deformidades.
As chaves de oclusão de molar e de canino são observadas, assim
como as relações transversas dos arcos dentários (Atresia, etc.).
Muito importante também é a observação do estado de saúde
dos dentes, do periodonto e da mucosa bucal.

Avaliação radiográfica
A radiografia que nos auxilia muito, e que deve ser solicitada
rotineiramente, em cirurgia ortognática é a panorâmica, pois
através da mesma observaremos: a textura óssea, presença ou
não de dentes inclusos e processos patológicos.

Estudos cefalométricos
Os estudos antropométricos são realizados através de radio-
grafia cefalométrica de perfil, onde devem estar bem-evidencia-
das as estruturas ósseas, dentárias e os tecidos moles.
Existem diversas análises cefalométricas difundidas por todo
o mundo, aqui discutiremos alguns aspectos da análise cefalo-
métrica de Steiner (Fig. 34.1).

S
SNA 82°
SNB 80°

B
SNA = 82° ± 2
SNB = 80° ± 2
ANB = 02° ± 2 FIGURA 34.1 – Análise cefalométrica de Steiner.
Cirurgia Ortognática e Fonoaudiologia 783

Os ângulos SNA e SNB relacionam a maxila e a mandíbula


com a base do crânio, respectivamente.
Valores maiores indicam excessos no sentido ântero-poste-
rior, valores menores indicam retrusão.
O ângulo ANB relaciona a maxila e a mandíbula entre si.
Valores negativos indicam retrusão maxilar ou excesso mandibu-
lar. Valores maiores que 4 indicam retrusão mandibular ou exces-
so maxilar no sentido ântero-posterior.
A análise de McNamara relaciona a maxila à mandíbula, partin-
do do princípio que elas devem guardar, normalmente, uma relação
constante a fim de preservar a estética e a oclusão dentária. Estas
medidas são lineares partindo do ponto mais posterior do côndilo e
dirigindo-se para o ponto A da maxila e para o ponto Gnatio da
mandíbula. Despreza qualquer relação com a base do crânio.

Ortodontia
Uma vez realizado o diagnóstico da deformidade, e constata-
da a presença de alterações das arcadas dentárias, o paciente é
encaminhado para o ortodontista, afim de realizar um tratamento
visando um melhor posicionamento e nivelamentos dos dentes
nas arcadas.
A finalidade deste tratamento ortodôntico pré-operatório é,
primeiro, para que o paciente possa ter a correção das giroversões
e maus posicionamentos dentários e, segundo, para que imedi-
atamente após a cirurgia possa se conseguir uma boa oclusão
dentária, devolvendo assim a função mastigatória ao paciente,
e também uma melhor estabilidade da cirurgia, evitando com
isto as recidivas.

Estudo dos modelos de gesso


As arcadas dentárias do paciente devem ser moldadas, e os
modelos de gesso obtidos; através de um arco facial devem ser
fixados em articulador semi-ajustável.
Uma vez montados no articular, passaremos a estudar os
modelos de gesso, observando os seguintes aspectos: a relação
dos dentes superiores com os inferiores, presença ou não de
sobremordida, mordida aberta e mordida cruzada, ausências,
rotações, ectopias e anomalias dentais, presença de diástemas
ou apinhamento.

Avaliação fonoaudiológica
Dentro da cirurgia ortognática a fonoaudiologia exerce um
importante papel no diagnóstico e tratamento dos distúrbios e
alterações de postura da língua e lábios, o que é uma constante
nos pacientes portadores de deformidades dentofaciais.
A orientação e tratamento prévio à cirurgia auxilia em muito na
prevenção das recidivas.
784 Fonoaudiologia Prática

PRINCIPAIS DEFORMIDADES DENTOFACIAIS E


RESPECTIVOS TRATAMENTOS
1. Mandibulares
Prognatismo mandibular (Fig. 34.2)
É um maior crescimento da mandíbula em relação à maxila,
provocando assim um desarranjo na oclusão dentária. É a defor-
midade que mais apresenta procura por tratamento cirúrgico,
principalmente em mulheres, pois confere uma aparência estética
desarmônica. Estudos feitos em faces consideradas bonitas mos-
tram que para a mulher, um ligeiro retroposicionamento do mento
é esteticamente bem-aceito enquanto no homem um mento mais
projetado é mais harmônico. Para a correção desta deformidade
estão descritas várias técnicas cirúrgicas, a mais comumente
utilizada é a sagital, realizada por via intra-oral.

FIGURA 34.2 – Esquema da oclusão dentária em


paciente com prognatismo.

Osteotomias para a correção do prognatismo


Osteotomia vertical do ramo (Fig. 34.3)
Esta técnica pode ser realizada por via cutânea ou intra-oral.
Consiste em uma osteotomia vertical, desde a chanfradura
sigmóide até a borda inferior da mandíbula, na região do ângulo.
Esta técnica permite recuos de até 8 mm.

FIGURA 34.3 – Esquema de osteotomia vertical da mandíbula.


Cirurgia Ortognática e Fonoaudiologia 785

Osteotomia subcondilar (Fig. 34.4)


É realizada através de uma incisão pré-auricular, tomando-se
o cuidado com os ramos do nervo facial.
Outra estrutura anatômica desta região é a artéria temporal
superficial, que poderá ser ligada ou não conforme a necessidade,
durante dissecção dos tecidos, até atingir a região da articulação
temporomandibular.
A osteotomia é realizada no colo do côndilo.

FIGURA 34.4 – Esquema de osteotomia de colo de côndilo.

Osteotomia sagital (Fig. 34.5)


Esta técnica foi descrita originalmente por OBWEGESER em
1957, e desde então já sofreu inúmeras modificações. É realizada
por via intra-oral, através de uma incisão na mucosa, desde a
borda anterior do ramo ascendente até a região de fundo de sulco
na altura do segundo molar inferior.
É iniciada através de uma osteotomia horizontal, no lado
lingual do ramo, acima da língula mandibular e continuada através
do bordo anterior do ramo, seguindo em direção dos molares
através da linha oblíqua externa, na altura do segundo molar é
iniciada uma osteotomia vertical do corpo até atingir o bordo
inferior.
A osteotomia é completada por meio de cinzéis retos, dando
assim dois segmentos um proximal e outro distal, permitindo que
haja o recuo da mandíbula. É a única osteotomia que permite uma

FIGURA 34.5 – Esquema de osteotomia sagital da mandíbula.


786 Fonoaudiologia Prática

fixação rígida, com parafusos ou miniplacas liberando, portanto, o


paciente do bloqueio maxilomandibular. É muito importante esta
consideração pois o paciente poderá higienizar os dentes, abrir a
boca, conversar de uma maneira praticamente normal. A dieta
durante os primeiros 30 dias, no entanto, deve ser leve, evitando
esforços mastigatórios.

Avanço mandibular
Esta mesma técnica é utilizada para avanços mandibulares.
Quando a mandíbula se encontra retroposicionada, é feita a
osteotomia sagital e ao invés de recuar, como no prognatismo,
se faz o avanço da porção anterior. É interessante anotar que há
um estiramento muscular importante nestes casos e que se for
de mais de 10 mm está indicada a miotomia dos depressores da
mandíbula, digástrico, genióideo principalmente. Nestes casos,
também pode-se proceder a osteossíntese entre os fragmentos
ósseos com parafusos a fim de evitar o bloqueio maxilomandi-
bular.

Microgenia ou mento pequeno (Fig.34.6A e B)


É um distúrbio de desenvolvimento em que o paciente
apresenta-se com uma oclusão dentária normal, porém ocorre
uma falta de desenvolvimento do mento, dando o aspecto de
bird face.
O tratamento para este tipo de deformidade se divide em:
enxerto ósseo na região mentoniana, implante de material alo-
plástico ou uma osteotomia horizontal oblíqua deslizante para
avanço. Esta osteotomia é realizada por via intra-oral, através de
uma incisão em fundo de sulco de pré-molares de um lado até pré-
molares do lado oposto.

A
B

FIGURA 34.6 – A) Microgenia, pontilhado na área de osteotomia no mento. B) Após o avanço do mento.
Cirurgia Ortognática e Fonoaudiologia 787

Macrogenia ou mento grande (Fig. 34.7A e B)


É uma anomalia de desenvolvimento, em que o
paciente, apresenta-se com uma oclusão dentária normal, po-
rém com um crescimento exagerado do mento, dando o aspecto
de prognata.
O tratamento consiste em uma osteotomia horizontal oblíqua
deslizante, para recuo de todo o mento.

A B
FIGURA 34.7 – A) Macrogenia, pontilhado na área de osteotomia. B) Após o recuo do mento.

2. Maxilares
Deformidades maxilares são comuns em nosso meio,
principalmente devido à presença da mistura racial. Deve-se
ter em conta que para o diagnóstico da deformidade há
necessidade do exame clínico e radiográfico, pois, muitas
vezes uma deformidade que aparentemente está localizada
na mandíbula na realidade ocorre devido a um mau desenvol-
vimento da maxila.
São várias as alterações que podem ocorrer na maxila,
tanto no plano ântero-posterior, quanto no vertical, quanto no
transversal, e todas são passíveis de tratamento ortodôntico-
cirúrgico.

Protrusão maxilar (Fig. 34.8)


Os pacientes portadores desta deformidade apresentam-se
com uma projeção exagerada de toda a porção anterior do maxilar
superior. É característica da raça negra.
O tratamento consiste na remoção de um pré-molar de cada
lado, acompanhada de ostectomia e uma osteotomia para recuo
de todo o bloco anterior da maxila.
788 Fonoaudiologia Prática

FIGURA 34.8 – Esquema de osteotomia segmentar de maxila.

Retrusão maxilar (Fig. 34.9)


O paciente apresentava-se com um achatamento do terço
médio da face, dando a falsa impressão de tratar-se de um
prognata.
O tratamento consiste no avanço total da maxila através de
uma osteotomia do tipo Le Fort I (horizontal) da maxila.
Mostraremos um caso clínico que envolve uma série de
deformidades dentofaciais, incluindo, prognatismo, excesso ver-
tical da maxila e mordida aberta.

FIGURA 34.9 – Esquema de osteotomia total de maxila (Le Fort I).

Caso clínico (Figs. 34.10 a 34.15) (Colaborou Dr. Mario


Cappellette – ortodontista)
Complicações da cirurgia ortognática
Recidiva
A recidiva depende de vários fatores: tratamento ortodôntico
inadequado, bloqueio maxilomandibular insatisfatório e por um
tempo menor do que o desejado, um incorreto posicionamento do
côndilo durante a realização do bloqueio intermaxilar ou durante
a fixação interna rígida, a não-observância de um seguimento
fonoaudiológico adequado.
Cirurgia Ortognática e Fonoaudiologia 789

Infecção
É bastante rara a presença de infecção nas osteotomias para
correção das deformidades dentofaciais.
Normalmente durante estas intervenções, iniciamos antibio-
ticoterapia profilática com 1g de cefalosporina EV antes da cirur-
gia e a cada 6h por um período de 72h.

Necrose pulpar
É um acidente raro de acontecer, mas pode ocorrer se não
for respeitado o comprimento dos dentes localizados na região das
osteotomias.
Toda osteotomia deve se localizar no mínimo 5 mm distante dos
ápices dentários, para preservar a vitalidade óssea, e em conseqüên-
cia o feixe vasculonervoso da polpa do dente.

Necrose óssea
É um acidente bastante grave que poderá ocorrer se não
forem observados os princípios básicos que são: cuidadosa
manipulação dos tecidos, respeito às estruturas que permitirão a
revascularização e desinserção mínima dos tecidos moles das
estruturas osteotomizadas.

A B

C
FIGURA 34.10 – Paciente com deformidade dentofacial. A) Frente; B) perfil; C) intra-oral – mordida
aberta anterior.
790 Fonoaudiologia Prática

FIGURA 34.11 – Radiografia cefalométrica de FIGURA 34.12 – Análise cefalométrica da radio-


perfil. grafia.

FIGURA 34.13 – Montagem dos modelos em FIGURA 34.14 – Intra-oral – oclusão após o trata-
articulador semi-ajustável. “Cirurgia nos modelos”. mento ortodôntico-cirúrgico na mandíbula e na
maxila.

A B
FIGURA 34.15 – Paciente de perfil pós-operatório. A) Perfil. B) Frente.
Cirurgia Ortognática e Fonoaudiologia 791

FONOAUDIOLOGIA NAS CIRURGIAS ORTOGNÁTICAS:


POR QUE, COMO E QUANDO?
Por que? Introdução
A primeira idéia que nos ocorre ao pensarmos no atendimento
fonoaudiológico de pacientes submetidos a cirurgias ortognáticas,
é que este jamais poderá ser concebido como um trabalho isolado,
realizado no ambiente exclusivo, e de certo modo solitário, de uma
sala de consultório – uma relação bipolar entre cliente e terapeuta.
O profissional que pretende desenvolver um trabalho de (re)
habilitação miofuncional oral junto a pacientes que se submetem
a cirurgias de maxila e mandíbula, simples ou combinadas, será
melhor sucedido em sua tarefa, se compreender a necessidade
de manter-se informado sobre o trabalho realizado pelo ortodontista
e pelo cirurgião bucomaxilofacial ou craniomaxilofacial (cirurgiões
plásticos), além de outras especialidades, como odontólogos,
protéticos, otorrinolaringologistas e mesmo psicólogos que façam
parte da equipe interdisciplinar.
A rotina dos procedimentos de avaliação, movimentações
ortodônticas e cirurgia a que estes pacientes são submetidos
devem ser conhecidas pelo fonoaudiólogo, assim como todas
as etapas e ocorrências possíveis ao longo do período que
compreende desde a busca da correção do defeito pelo pacien-
te, passando pelo diagnóstico, pela preparação cirúrgica, o ato
cirúrgico em si e as intercorrências do pós-operatório. O que
diferencia o atendimento fonoaudiológico a este tipo especial de
paciente, em relação aos distúrbios funcionais do sistema esto-
matognático, que já são uma clientela vasta e conhecida em
nossos consultórios, são justamente os procedimentos de rotina
realizados em função de uma cirurgia, conforme vimos na seção
anterior.
O tratamento ortodôntico-cirúrgico, sem dúvida, permite um
melhor posicionamento e proporção entre maxila e mandíbula,
alterando tanto o perfil ósseo quanto dos tecidos moles do
paciente, que tendem a se adaptar, até mesmo por forças da
inércia, ao novo posicionamento dos ossos. Ele não é suficiente,
no entanto, algumas vezes, para a correção das alterações de
postura, funcionalidade e dos distúrbios musculares quanto à
força e direção das contrações realizadas. Visando um equilíbrio
muscular estável, a terapia fonoaudiológica contribui para que
diminuam as recidivas provocadas pela manutenção de padrões
funcionais adaptativos inadequados.
O ideal é o que o fonoaudiólogo possa participar de todo
o processo desde seu início, ou seja, desde o momento do
diagnóstico. Neste caso, o diagnóstico diz respeito à possibi-
lidade de detectar alterações miofuncionais orais que pos-
sam comprometer o resultado obtido pela ortodontia e pela
cirurgia.
792 Fonoaudiologia Prática

Como? Avaliação dos distúrbios


miofuncionais orais relacionados à presença
de deformidades dentofaciais
A avaliação fonoaudiológica pode ser dividida em duas partes,
didaticamente: a anamnese e o exame clínico propriamente dito,
sendo que este tem início desde o primeiro contato realizado com
o paciente. É imprescindível que esta avaliação seja realizada de
maneira minuciosa, pois dela depende a detecção das adapta-
ções e/ou disfunções, assim como um adequado planejamento
quanto ao que deverá ser feito e quando.

Anamnese
A entrevista inicial dos pacientes indicados para uma Cirurgia
Ortognática deve enfocar, principalmente, os dados relativos às
principais funções do sistema estomatognático, ou seja, respiração,
mastigação, deglutição e fala, além de pesquisar sinais e sintomas de
desordens temporomandibulares (DTM), enfocando as possíveis
adaptações e/ou alterações e seu grau de severidade e delimitando
o grau de consciência do indivíduo quanto a estas alterações. É de
grande importância também, detectar a presença de hábitos
parafuncionais que ocorram, tais como: onicofagia, bruxismo, sucção
digital (presente em boa parte dos casos de mordida aberta anterior
dentária e/ou esqueletal, mesmo em indivíduos adultos), etc.
Convém lembrar que, por habitualmente se tratarem de pa-
cientes adultos ou jovens adultos de pelo menos 16 anos, não há
a necessidade de detalhar todo o desenvolvimento psicomotor do
paciente, nem mesmo o desenvolvimento do processo de alimen-
tação (aleitamento materno, introdução da mamadeira, dos ali-
mentos pastosos e sólidos, e assim por diante), uma vez que o
importante é determinar hábitos nocivos, tanto de alimentação,
quanto parafuncionais, que tenham participação atual sobre todo
o sistema estomatognático.
É muito importante que se aproveite este primeiro contato
para se observar questões posturais quanto à cabeça em
relação ao pescoço, este em relação aos ombros e assim por
diante, bem como em relação à posição em repouso de lábios
e língua, e mesmo vícios de articulação ou hábitos (mordiscar os
lábios ou bochechas, passar a língua sobre o lábio, interpor o
lábio inferior entre as arcadas, etc.).

Quanto à respiração, deve-se saber:


• se existe queixa atual ou pregressa;
• se predomina o modo nasal, oral ou misto;
• se apresenta ronco ou dispnéia durante o sono, bem como
sialorréia;
• se apresenta sintomas alérgicos (espirros, coriza, prurido
nasal, etc.);
Cirurgia Ortognática e Fonoaudiologia 793

• se foram realizados tratamentos medicamentosos e/ou ci-


rúrgicos por parte do otorrinolaringologista.
A respiração nasal é função primordial para que se desen-
volva satisfatoriamente o crescimento facial; atualmente, já são
bastante conhecidas e divulgadas as conseqüências da manu-
tenção de uma respiração oral sobre o desenvolvimento do
sistema estomatognático e de um adequado padrão funcional
muscular oral.

Quanto à mastigação deve-se questionar o paciente


quanto:
• existem queixas atuais ou pregressas;
• o paciente considera sua mastigação eficiente;
• se predomina o modo uni, bilateral ou alternado (relação
com a dominância hemisférica, número de elementos den-
tários em cada hemiarcada);
• sinais e/ou sintomas gastrointestinais tais como: azia, má-
digestão, constipação,etc. o que poderia indicar, além de
outras alterações, ineficiência da atividade mastigatória;
• se é ruidosa, o que poderia indicar atividade exagerada da
língua, às vezes até mesmo compensatória ou complemen-
tar à mastigação ineficiente;
• se o paciente refere comer de boca aberta (insuficiência na
respiração nasal);
• se há referência à fadiga muscular, dor em região pré-
auricular ou masseteriana ou, ainda, relacionada à mobilida-
de da ATM.
Durante a entrevista inicial é importante que se investiguem os
hábitos alimentares do paciente quanto à freqüência das refei-
ções, à consistência dos alimentos e quantidade de fibras ingeri-
das. Tais informações poderão ser úteis nas orientações pós-
operatórias, bem como facilitar a conscientização do paciente
quanto à sua própria função mastigatória.
JUNQUEIRA & CAMPIOTTO (1992) concluíram que os indivíduos
Classe III de Angle apresentaram a função mastigatória alterada,
não demonstraram noção deste fato e sequer perceberam que a
mastigação poderia ocorrer de formas diversas. Os indivíduos
Classe I também, na sua grande maioria, não têm idéia dos
processos e etapas dessa função.
Do mesmo modo, ASO & CAMPIOTTO (1994), em trabalho
realizado no Setor de Terapia Fonoaudiológica, Departamento
de ORL, da Santa Casa de São Paulo, afirmaram que, apesar da
necessidade da intervenção fonoaudiológica devido às altera-
ções miofuncionais evidentes, nem sempre o paciente está
conscientizado destes fatos. A maioria dos pacientes prognatas
se submetem ou submeter-se-ão à cirurgia corretiva por moti-
vos estéticos (37,5% das mulheres e 62,5% dos homens),
mesmo que a alteração da função seja evidente. Cabe ao
fonoaudiólogo, então, realizar um trabalho de conscientização
794 Fonoaudiologia Prática

destas alterações funcionais, mostrando a relação existente


entre estas e a deformidade maxilomandibular.

Quanto à deglutição, são investigados:


• queixas;
• engasgos, o que poderia indicar incoordenação entre a
respiração e a deglutição (elevação de laringe concomitante
ao retroposicionamento da língua);
• auxiliada por líquidos, o que poderia indicar deficiência da
força de língua e musculatura supra e infra-hióidea.

Quanto à postura habitual dos lábios e língua:


Muitas vezes, num primeiro encontro, o paciente demonstra
não ter consciência da postura habitual de seus órgãos
fonoarticulatórios, principalmente, da presença ou não de
selamento labial ou da postura mais freqüente da língua em
repouso (papila, no soalho da boca, intermediária e às vezes até
mesmo entrearcadas, estando tais posições geralmente relacio-
nadas ao tipo de face, oclusão e mordida e ao espaço intrabucal
apresentados). No entanto, às vezes numa segunda oportunida-
de, o paciente refere ter observado melhor e descoberto qual a
posição habitual mais freqüente. Na verdade, seria ideal que se
orientasse o paciente desde o início a realizar esse exercício de
observação.
A língua, nas deformidades no sentido ântero-posterior, apre-
senta-se plana e hipotônica no soalho da boca; há um aumento de
volume que comumente é confundido com macroglossia, sendo
necessária uma avaliação precisa do tamanho da língua em
relação à cavidade bucal e do tônus muscular, para não se incorrer
em erros de diagnóstico e submeter o paciente a uma glossectomia
desnecessária (D’ AGOSTINO, 1987 e 1988). Convém lembrar que
tais casos de macroglossia são raros e estão geralmente relacio-
nados a síndromes genéticas.

Quanto aos hábitos parafuncionais


É de grande importância que se delimitem não só a presença
destes, mas, principalmente, a freqüência, a duração e a intensi-
dade de sua ocorrência. Desse modo, não basta saber se o
paciente rói unha ou objetos, mas se este é um hábito freqüente,
ou mesmo constante e qual a força muscular empregada. Sabe-
mos que, muitas vezes, a presença de hábitos parafuncionais
acompanha uma Desordem Temporomandibular, distúrbio bas-
tante freqüente em pacientes portadores de deformidades
maxilomandibulares; chegando a ser, muitas vezes, o motivo da
opção pela cirurgia. O hábito mais comum e prejudicial nesses
casos é, sem dúvida, o bruxismo (cêntrico ou excêntrico), mas
também podem ocorrer a onicofagia, alterações posturais da
cabeça (“forçando” a musculatura mastigatória mais intensamen-
Cirurgia Ortognática e Fonoaudiologia 795

te de um lado que de outro), apoio da mão contra o queixo, mesmo


ao dormir, deslocamentos excessivos da mandíbula durante o
tabagismo ou fala, etc.

Quanto à fala
Questiona-se o paciente quanto à presença de dificuldades ou
impedimentos na articulação dos fonemas/sons. Observamos
que, embora sejam muito comuns as alterações articulatórias,
principalmente as distorções relacionadas ao ponto articulatório
dos fonemas, em pacientes portadores de deformidades
dentofaciais, geralmente tais alterações não são conscientes no
paciente, até mesmo por não serem acusticamente perceptíveis
para um ouvido menos treinado, a não ser no caso do sigmatismo
(ceceio) frontal e/ou lateral moderado ou severo.
Não podemos esquecer, ainda, de anotar os dados referentes
à Saúde Geral do paciente, bem como aos Antecedentes Pes-
soais e Familiares (relativos à deformidade apresentada) e trata-
mentos ortodônticos, fonoaudiológicos, medicamentosos e/ou
cirúrgicos realizados, que são de suma importância para a com-
preensão global de cada caso. Muitas vezes encontramos um
paciente que já consultou diversos profissionais em diferentes
áreas (ortodontistas, primeira e principalmente, bem como cirur-
giões plásticos e bucomaxilofaciais ou fonoaudiólogos) antes de
optar pelo diagnóstico e condutas atuais, à procura de uma
solução para o seu problema. Desse modo, consideramos impor-
tante que se conheça, ainda, o caminho percorrido pelo paciente
até chegar à consulta fonoaudiológica. Esses dados podem
contribuir de maneira preciosa para que possamos compreender
a motivação do paciente quanto à cirurgia além de seu nível de
ansiedade, desenvolvimento afetivo, dedicação, sua confiança na
equipe atual, etc.

Exame
O exame fonoaudiológico baseia-se, fundamentalmente, na
observação do indivíduo do ponto de vista estático – aspectos da
anatomia, morfologia e postura das estruturas orofaciais – e,
principalmente, dinâmicos, isto é, durante a realização das dife-
rentes atividades funcionais. O objetivo é detectar desequilíbrios
importantes que possam interferir negativamente na cirurgia (D’
AGOSTINO, 1987 e 1988), sendo os dados obtidos, em sua maioria,
de caráter subjetivo e, portanto, qualitativos e não quantitativos. É,
no entanto, importante estabelecer alguns parâmetros mensurá-
veis para uma comparação efetiva entre os resultados pré e pós-
cirúrgicos (ALTMANN, 1987).
De um modo geral, a avaliação destes pacientes segue os
preceitos já discutidos, no capítulo anterior, da avaliação habitual
do sistema estomatognático.
796 Fonoaudiologia Prática

Devem-se considerar:
Simetria e proporção facial: a) ântero-posterior: posição da
maxila em relação à mandíbula; b ) craniocaudal: relação entre
terços superior, médio e inferior da face; c) látero-lateral: assime-
tria de hemifaces, cuja presença, quando relacionada aos tecidos
moles, pode indicar a presença de uma mastigação unilateral,
salvo os casos de atrofias hemicraniofaciais.
Postura de cabeça e ombros
A posição fisiológica da mandíbula em repouso depende da
posição da cabeça, assim como mudanças na posição da cabeça
também produzem mudanças na posição da língua na cavidade
oral (SCHWARZ, 1928). Além disso, a duração da fase de mascagem
do músculo masseter mostrou-se reduzida quando a cabeça
estava flexionada para frente e aumentada quando flexionada
para trás, assim como a atividade integrada máxima da EMG
(eletromiografia) mostrou-se diminuída para o músculo masseter
quando a cabeça estava fletida para frente em estudo realizado
por WINNBERG & PANCHERZ (1983).
Exame dos órgãos fonoarticulatórios (lábios, língua, freios
labiais e lingual, bochechas, palato mole e duro, arcos dentários):
quanto aos seus aspectos anatomomorfológicos; além da inspe-
ção da orofaringe com relação à presença de amígdalas
hipertróficas.
A mobilidade de lábios, língua, bochechas, palato mole e
mandíbula é avaliada pedindo-se ao paciente para executar, ou
reproduzir a partir de modelo, tanto movimentos simples quanto
seqüencializados. Nos casos destes pacientes, a serem subme-
tidos à uma cirurgia ortognática, não é comum que se apresentem
problemas significativos nessa área, a não ser na presença de um
freio lingual muito anteriorizado, por exemplo, prejudicando a
movimentação da língua.
Nos casos onde existam dúvidas quanto à integridade do
fechamento velofaríngeo, na presença de uma hipernasalidade
leve ou mesmo discreta, por exemplo, deve-se realizar uma
avaliação minuciosa de tal esfíncter por meio de endoscopia
flexível (nasofaringolaringoscopia), preferencialmente. Tal proce-
dimento é particularmente importante nas programações de avan-
ço maxilar, principalmente na presença de fissuras palatinas.
Devem-se sempre relacionar os dados obtidos durante a
avaliação da morfologia e força muscular à tipologia facial obser-
vada, segundo seu perfil ósseo e com relação aos tecidos moles.
Relacionamos, ainda, o tipo facial ao tipo de mordida e de oclusão
apresentadas, do mesmo modo que anotamos a presença de
agenesias de elementos dentários, falhas por extrações, altera-
ções de implantação dentária, diástemas, desvios da linha média,
o estado de conservação dos dentes, etc.
Ainda com relação à intervenção da forma na função, quanto
ao tamanho e conformação do palato duro, se ogival pode estar
relacionado à presença de uma respiração de modo oral e, por
Cirurgia Ortognática e Fonoaudiologia 797

outro lado, uma mordida cruzada completa determina, obviamen-


te, a presença de uma mastigação se não ineficiente, pelo menos
alterada. Por isso, é fundamental que os dados de anatomia sejam
sempre correlacionados aos aspectos da funcionalidade e vice-
versa. Ou seja, não há como se descrever a forma sem vislumbrar
a condição funcional esperada. Do mesmo modo, não há como se
determinar uma disfunção sem que se conheça a forma subjacen-
te e se compreenda até que ponto a segunda é a condição para
a existência da primeira.
O exame segue com a observação da postura, em repouso, de
lábios e língua. A presença de atividade muscular outra, durante
o repouso, que não a de orbicular de lábios pode indicar desequi-
líbrio muscular, embora saibamos que isso seria impossível na
presença de uma protrusão maxilar ou de uma retrognatia.
Passa-se, então, para a observação do tônus de ação da
musculatura de lábios, língua, bochechas e musculatura masti-
gatória. É feita a palpação da musculatura referida e é pedido que o
indivíduo realize diferentes movimentos enquanto o examinador
aplica uma força contrária com o auxílio da espátula (às vezes é
preferível a realização das manobras com o próprio dedo do exami-
nador, com a utilização de luvas de látex). Bucinadores, masseteres
e temporais são palpados durante a solicitação de máxima intercus-
pidação pelo paciente, bem como durante a mastigação.
Segue-se, então, o exame das funções do sistema estoma-
tognático: respiração, mastigação, deglutição e fala.
Tão importante quanto à classificação dentoesquelética é a
análise da função neuromuscular, pois é através da harmonia na
funcionalidade do conjunto que se estabilizam as estruturas
estáticas. Estando tais estruturas discrepantes, são de se esperar
características funcionais adaptativas (BIANCHINI, 1995).
A respiração já começa a ser avaliada durante toda a anamne-
se quanto ao modo (nasal, oral ou misto; viciosa ou patológica, de
suplência), o tipo (superior, inferior ou costodiafragmático) e
coordenação pneumofonoarticulatória (CPFA) (utilização de pau-
sas durante o discurso, ritmo fonorrespiratório, etc.). Avalia-se,
ainda, se a respiração é silenciosa ou ruidosa, o que pode indicar
a presença de uma obstrução de vias aéreas superiores, sendo
que é possível determinar o nível da obstrução pelo tipo de ruído
observado (mais nasal, mais faríngeo, etc.). É interessante tam-
bém que se utilize o espelho de Glatzel a fim de se determinar a
permeabilidade das narinas, a simetria do fluxo aéreo de cada
narina e também o ritmo inspiratório-expiratório. É preciso cuida-
do no sentido de não se classificar erroneamente uma respiração
como oral, quando o que ocorre realmente é uma impossibilidade
de selamento labial. Deve-se, então, desenvolver uma capacida-
de de observar minuciosamente tal aspecto.
Quanto à mastigação, pede-se para o paciente mastigar um
alimento, de preferência de consistência sólida, porém macio e
razoavelmente resistente. Convém lembrar que a presença de
798 Fonoaudiologia Prática

aparelhagem ortodôntica fixa pode prejudicar, ou mesmo impedir,


a incisão dos alimentos pelos dentes, devido à presença dos
braquetes, o que poderia ser erroneamente classificado, mais
uma vez, como disfunção. É muito comum, ainda, o paciente
relatar que “come muito depressa” ou “muito devagar”. Tal altera-
ção rítmica, consideradas as variações individuais, pode ser
indicativa de uma disfunção.
Quanto à deglutição, ela é avaliada já no momento da masti-
gação, ou seja, considerando-se os alimentos sólidos, mas é
conveniente que se realize a avaliação desta função também com
relação aos líquidos e à saliva.
Devemos lembrar que não se deve considerar a avaliação
como o momento único da primeira consulta e se deve sempre
colocar em questionamento a condição encontrada. Por exemplo:
o indivíduo apresenta-se, durante a avaliação, com a postura de
lábios entreabertos e a respiração mista; deve-se questionar a
função nasal no momento da consulta: o paciente está gripado?
em crise alérgica? etc.
Quanto à fala, ela é avaliada durante todo o processo de
anamnese e exame, observando-se as emissões espontâneas
dos indivíduos. Pode ser realizado, ainda, um levantamento das
possibilidades articulatórias de cada um dos fonemas da língua,
por meio da repetição de sílabas isoladas, palavras e frases, onde
a avaliação da emissão é feita tanto do ponto de vista visual
quanto acústico. Caso ainda ocorram dúvidas, é possível que se
peça para o paciente ler uma lista de palavras foneticamente
balan-ceadas, mas isso geralmente não se faz necessário na
presença de um avaliador experiente. É importante que se consi-
dere a precisão e amplitude articulatórias, além da produção dos
fonemas especificamente.
A voz do paciente também deve ser enfocada, pois além de
objeto de estudo de fonoaudiólogo, sabemos existir intimidade
fisiológica entre as funções de mastigação, deglutição, fala e
fonação, uma vez que o assim chamado “aparelho fonador”
engloba as estruturas do sistema estomatognático. Devem-se
enfocar itens como: qualidade vocal (rouco-soprosa, áspera,
crepitante, etc.), altura, intensidade e, principalmente – devido à
íntima relação entre estes aspectos e os aspectos de tamanho e
configuração das estruturas faciais – a ressonância e projeção
vocais.
Um paciente respirador oral, Classe II, que apresente postura
habitual de dorso de língua elevado, além da diminuição da cavida-
de nasal e nasofaríngea, muitas vezes apresenta uma fala de
característica própria que chamamos de “pastosa”, em conseqüên-
cia da diminuição da precisão articulatória e em função da diminui-
ção da atividade muscular geral, assim como pela impossibilidade
do uso adequado das “caixas de ressonância” (boca, nariz, seios
paranasais). A ressonância nesses casos é, geralmente, hiponasal
(rinolalia fechada ou voz anasalada, a “voz do resfriado”).
Cirurgia Ortognática e Fonoaudiologia 799

Os problemas relacionados à função velofaríngea e


hipernasalidade, após as osteotomias Le Fort I, II ou III dependem
da magnitude do avanço maxilar e o status do sistema velo-
faríngeo pré-operatório (anterior à cirurgia) (KABAN, 1990). Em
nossa experiência, tal disfunção não tem sido observada, porém,
maior atenção deve ser dada aos casos onde a cirurgia será
realizada, como já dissemos, em pacientes portadores de fissura
palatina ou labiopalatina.
A avaliação da ATM e suas funções ocorrerá como descrito no
próximo capítulo, deve-se, particularmente, fazer a medição da
abertura bucal, considerando-se, por exemplo, a medida
interincisal, a fim de se obter um parâmetro de comparação entre
o pré e o pós-operatório, após a retirada do bloqueio intermaxilar
rígido (BIM). É avaliada, também, a mobilidade da mandíbula,
tanto no sentido póstero-anterior quanto lateral.

Quando? A terapia miofuncional


A terapia fonoaudiológica nos casos indicados para uma
Cirurgia Ortognática pode ser dividida, para fins didáticos, quanto:
a) ao tipo de abordagem: informativa (orientadora), preventiva ou
corretiva; e b) à época do atendimento realizado: pré-operatório,
o período de fixação intermaxilar (ou o período estabelecido pelo
cirurgião como repouso da atividade mastigatória – que dura entre
35 e 60 dias) e após a retirada do BIM, ou após tal período de
repouso da mastigação.
As três abordagens, que diferem quanto ao objetivo principal
pretendido, apesar de distintas mas complementares, se alternam
de acordo com a etapa do atendimento do paciente, seja anterior
ou posterior ao ato cirúrgico, variando conforme as alterações
encontradas durante a anamnese e exame, bem como com a
proximidade da data cirúrgica.
A primeira, a abordagem orientadora ou informativa, diz res-
peito à explanação ao paciente sobre a fisiologia normal da
atividade muscular e funções neurovegetativas. O conhecimento
destes aspectos parece facilitar a compreensão do paciente
quanto às suas próprias alterações/adaptações funcionais e quanto
à razão do atendimento fonoaudiológico necessário. São dadas
também informações quanto à alimentação (principalmente con-
sistência dos alimentos) e higiene oral, além dos aspectos gerais
das cirurgias quanto às diferentes técnicas empregadas, tipos de
anestesia, presença de dor e/ou edema no pós-operatório, utiliza-
ção do BIM, quando necessário, etc., observando que as informa-
ções sejam passadas de acordo com as dúvidas e angústias
referidas pelo próprio paciente, embora seja nossa função estimulá-
lo a trazer seus questionamentos para as consultas seguintes.
Acreditamos que, quanto mais informado sobre todo o proces-
so cirúrgico e reabilitador, além dos procedimentos utilizados,
mais colaborador, seguro e menos ansioso será o paciente. As
800 Fonoaudiologia Prática

sessões de fonoterapia se mostram eficientes nesta função, pela


maior facilidade do paciente expressar as suas dúvidas devido à
alta freqüência dos atendimentos (uma ou até duas vezes por
semana, dependendo da fase em que o paciente se encontra) e
à duração das mesmas (30 a 45min), necessárias pela própria
característica do trabalho miofuncional e tipo de relação paciente-
terapeuta estabelecida.
Este tipo de abordagem, orientadora, de um certo modo educativa,
deve permear todas as três fases do atendimento; a posição do
fonoaudiólogo deve ser a de quem está sempre pronto e preparado
para responder às dúvidas e questionamentos do paciente.
A segunda abordagem, do trabalho preventivo, nestes casos,
não diz respeito à prevenção das deformidades, já instaladas (o
que só poderia ser feito num momento bastante mais anterior do
desenvolvimento/crescimento das estruturas craniofaciais, ou
seja, na criança), mas à prevenção quanto aos aspectos funcio-
nais que possam pôr em risco a estabilidade conseguida no
transoperatório. A questão da prevenção em fonoaudiologia é
assunto extenso e controverso e não é nosso objetivo discuti-lo
neste capítulo. A prevenção, nesse caso, é em relação à obten-
ção/manutenção de uma adequada atividade muscular quanto à
direção do movimento e à força nele empregada. Diz respeito
também ao trabalho durante o pós-operatório, quanto à preven-
ção da manutenção de hábitos parafuncionais (hábitos orais
viciosos) e quanto às atitudes inadequadas do paciente, decor-
rentes da falta de informação. A atuação preventiva acompanha
principalmente o pós-operatório imediato e após a retirada do
BIM. No primeiro caso, do pós-operatório imediato, a atuação
fonoaudiológica prevê que não se permitam posturas inadequa-
das ou distorções nas funções (como a utilização de canudo
durante a alimentação, o que consideramos inadequado pela
força empregada, bem como tendência ao esforço de abertura de
boca durante a fala, etc.).
Quanto à abordagem corretiva, esta engloba todo o trabalho
miofuncional propriamente dito. Relaciona-se à correção dos
distúrbios posturais, musculares (hiper ou hipotonias) e funcionais
por meio de exercícios isométricos e isotônicos, de acordo com a
necessidade de cada caso, para a adequação do tônus postural
e de ação dos tecidos moles que envolvem as estruturas ósseas
faciais. Denomina-se Terapia Miofuncional o conjunto de procedi-
mentos e técnicas para reeducação de padrões musculares
inadequados (SEGOVIA, 1977), gerados por desequilíbrios muscu-
lares, com a eliminação das forças antagônicas que interferem
nos padrões normais da mastigação, deglutição e articulação das
palavras (D’ AGOSTINO, 1987 e 1988).
Com relação às etapas de atendimento nos casos das cirur-
gias ortognáticas temos:
a) O período pré-operatório, onde são trabalhados, além dos
citados anteriormente:
Cirurgia Ortognática e Fonoaudiologia 801

• a conscientização do paciente quanto aos hábitos orais


viciosos apresentados e à necessidade de eliminá-los;
• o desenvolvimento da propriocepção a fim de permitir um
alto grau de conhecimento das estruturas faciais e seus
esquemas corporais, tão importante para a correção das
funções alteradas;
• fisiologia da mastigação e deglutição;
• pontos adequados de repouso para lábios e língua.
Quando possível, os rudimentos das funções de mastigação
e deglutição são introduzidos nesta etapa, porém muitas vezes
a desproporção é muito intensa de modo a não permitir a própria
realização das funções, sendo necessário aguardar o pós-
operatório para realizar o aprendizado das mesmas. A coloca-
ção da deglutição no pré-cirúrgico oferece grande vantagem,
impedindo que as forças anômalas de língua venham
desestabilizar o bloqueio e oferecendo segurança no período
logo após a retirada destas. Devemos levar em consideração o
fato de que deglutimos duas vezes por minuto, enquanto acor-
dados, nove vezes por minuto durante a alimentação e que a
língua exerce uma pressão de aproximadamente 1, 8 a 2, 7 kg
durante a deglutição. Nesse período, pressões atípicas da
língua, muito fortes e constantes, somando-se à incompetência
labial, podem causar recidivas em poucas semanas (ALTMANN;
D’ AGOSTINO; PSILLAKIS, 1987).
b) O período de BIM rígido, quando utilizado, é, sem dúvida, o
de maior limitação para o trabalho fonoaudiológico, que ocorre
somente sob a forma de algumas sessões espaçadas onde são
retomadas as orientações quanto à higiene, alimentação, presença
de hipocinestesia e edema facial. Podem ser realizados exercícios
isotônicos de lábios, língua e bochechas, bem como de propiocepção
de postura de língua, principalmente, e lábios, em repouso.
É dada atenção especial ao aspecto da mímica facial, muitas
vezes reduzida nesse período pelo medo do paciente em
relação à possibilidade de sentir dor durante a movimentação
dos órgãos. A fala, desse modo, tende a apresentar diminuição
da precisão e amplitude articulatórias e isso deve ser apontado
e treinado com o paciente.
Quanto à alimentação, orienta-se o paciente a reduzir os
intervalos entre as refeições (2 a 3h) que deverá ser exclusiva-
mente de líquidos: chás, sopas, sucos e vitaminas, batidos no
liqüidificador e peneirados, sempre que possível, a fim de se
facilitar a higiene. Esta deverá ser feita após cada uma das
refeições, cuidadosamente, com uma escova pequena e macia,
além do uso de bochechos com substâncias recomendadas pelo
cirurgião ou ortodontista (Cepacol, Malvona, etc.) e poderá ser
dificultada pela presença dos elásticos de contenção, bem como
do próprio aparelho ortodôntico ou arco de Erich.
c) O período após a retirada do BIM acontece após 15 a 20
dias, dependendo da disposição do paciente, da liberação pelo
802 Fonoaudiologia Prática

cirurgião e da avaliação fonoaudiológica prévia, e nele são traba-


lhados os seguintes aspectos:
• reintrodução gradual da alimentação sólida;
• exercícios para recuperação da abertura de boca. Convém
citar que, embora alguns profissionais contra-indiquem tais
procedimentos, julgando que a abertura da boca se recupe-
re espontaneamente, em maior ou menor tempo, a autora
considera que o uso de exercícios isotônicos leves, além de
diminuir sobremaneira o tempo de recuperação das medi-
das interincisais, ajuda o paciente a lidar com a ansiedade
da recuperação da mobilidade plena da mandíbula, bem
como viabiliza uma melhor higienização dos dentes laterais.
Desse modo, são trabalhados os movimentos verticais,
laterais e anteriores da mandíbula;
• adequação da funções que se mostraram alteradas no pré-
operatório e que não se corrigiram espontaneamente numa
relação maxilomandibular mais propícia;
• avaliação da sensibilidade extra e intra-oralmente.
A perda de sensibilidade, principalmente na região vestibular
e de lábio superior, nos casos de osteotomias da maxila, e de
mento, nos casos de osteotomias da mandíbula, é bastante
freqüente devido à lesão ou compressão de microterminações
nervosas em função de edema e, apesar de transitória (pode levar
um período de até 18 meses para a sua recuperação total) deve
ser considerada durante o processo terapêutico, pois prejudica a
percepção do paciente quanto ao aprendizado ou manutenção
das funções adequadas; o paciente pode apresentar dificuldade
em conter a saliva no vestíbulo bucal (sialorréia) ou mesmo
durante a ingestão de líquidos, por exemplo. Isto é mais comum
nos primeiros dias do pós-operatório, sendo, geralmente, contor-
nado pelo próprio paciente, sem a necessidade de nossa inter-
venção.
Não podemos nos esquecer dos aspectos emocionais relacio-
nados à auto-estima e auto-reconhecimento afetados pela reali-
zação das cirurgias craniofaciais e que tais aspectos deverão ser
abordados e elaborados pelo paciente, com a ajuda do terapeuta,
durante todo o processo de reabilitação miofuncional. O conceito
de tratamento morfofuncional integrado ultrapassa a dimensão
localizada de conferir saúde e estética apenas dentofacial e se
estende, em realidade e por conseqüência, a lhes proporcionar,
também, melhorias em termos de saúde geral, conferindo aos
mesmos as melhores condições respiratórias, metabólicas, pos-
turais e por extenso, inclusive, psicossociais (KÖHLER; KÖHLER;
KÖHLER, 1995).
O tratamento fonoaudiológico requer paciência e dedicação do
paciente, assim como grande tolerância à frustração, uma vez que
ele estará sempre sendo testado em seus limites, na tentativa de
realizar ou corrigir posturas e funções que lhe são dificultadas. Cabe
ao fonoaudiólogo a capacidade de acolher e apontar os comporta-
Cirurgia Ortognática e Fonoaudiologia 803

mentos agressivos ou deprimidos, conseqüências da frustração,


assim como sempre incentivar o paciente e apontar sua melhora, a
fim de tornar mais suportável esse caminho de transformação
estético-funcional e psicológico ao qual está submetido.

Leitura recomendada
ALTMANN, E.B.C. – Avaliação miofuncional nas deformidades
maxilomandibulares. In: PSILLAKIS, J. M.; ZANINI, A.S.; MÉLEGA,
M.J.; COSTA, A.E.; CRUZ, L.R. Cirurgia Craniomaxilofacial –
Osteotomias Estéticas da Face . Rio de Janeiro, MEDSI, 1987. pp.
325-331.
ALTMANN, E.B.C.; D’AGOSTINO, L.; PSILLAKIS, J.M. – Tratamento
fonoaudiológico nas deformidades maxilomandibulares. In:
PSILLAKIS, J.M.; ZANINI, A.S.; MÉLEGA, M.J.; COSTA, A.E.;
CRUZ, L. R. Cirurgia Craniomaxilofacial – Osteotomias Estéticas da
Face. Rio de Janeiro, MEDSI, 1987.
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mandibular rami for correction of prognathism. J. Oral Surg., 12:185,
1954.
D’AGOSTINO, L. – Características fonoaudiológicas nas deformidades
maxilomandibulares. In: PSILLAKIS, J.M.; ZANINI, A.S.; MÉLEGA,
M.J.; COSTA, A.E.; CRUZ, L. R. Cirurgia Craniomaxilofacial –
Osteotomias Estéticas da Face . Rio de Janeiro, MEDSI, 1987. pp.
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________________ – Princípios de fonoaudiologia nas deformidades
craniofaciais. In: MÉLEGA, M.J.; ZANINI, A.S.; PSILLAKIS, J.M.
Cirurgia Plástica Reparadora e Estética. Rio de Janeiro, MEDSI,
1988. pp. 307-319.
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– tratamento cirúrgico. Rev. Paul. Odontol., 18(4):26-30,1996.
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Desordens Temporomandibulares 805

35
Desordens
Temporomandibulares

Nicolas Tenorio-Cabezas

ANATOMIA DA ARTICULAÇÃO
TEMPOROMANDIBULAR
A articulação temporomandibular (ATM) está localizada entre
a região distal e superior terminal da mandíbula e a região inferior
e lateral do osso temporal, sendo limitada posteriormente pela
espinha pós-glenóide, a região escamosa do temporal, o conduto
auditivo externo e a região posterior da fossa mandibular, anterior-
mente pelo tubérculo articular, medialmente pela espinha do
esfenóide, lateralmente pela parede lateral externa da fossa
mandibular e o músculo masseter, superiormente pelo osso
temporal e arco zigomático.
É importante enfatizar que a oclusão dentária influencia nota-
velmente a posição e movimentos das estruturas internas da
cápsula articular, o disco interarticular é ajustado entre as super-
fícies articulares e serve para compensar as irregularidades
destas superfícies articulares, adaptando-se perfeitamente sobre
as superfícies recíprocas contrárias.

COMPONENTES ARTICULARES
A ATM é um elemento do aparelho estomatognático, constituin-
do um sistema dinâmico. As características anatômicas e funcio-
nais serão analisadas em conjunto com as morfológicas, que as
classificam como articulação ou diartrose, sendo seu mecanismo
funcional baseado nos princípios de uma articulação côncavo-
convexa, na qual, em cada articulação, existem duas articulações,
806 Fonoaudiologia Prática

o compartimento superior e o inferior, o disco que a divide entre o


osso temporal e o côndilo mandibular. A articulação superior está
localizada entre a fossa mandibular do temporal e a eminência
articular e o disco, a mesma apresenta um movimento de deslo-
camento, onde se tem a translação; a articulação inferior, por ser
uma articulação giratória, funciona com movimento de rotação.
A ATM diferencia-se das outras articulações por não estar
revestida por cartilagem hialina, mas por uma camada de tecido
fibroso avascular, sendo estes tecidos resistentes à compressão.
Todas as superfícies articulares e o disco estão cobertos por
fibrocartilagem não possuindo sistema vasculonervoso nas áreas
que suportam pressão, como o disco, especialmente, em sua
porção central fibrosa densa.
O teto da fossa mandibular do osso temporal é bastante fino,
o que indica que não é uma área que suporta pressão, pois o
côndilo não se articula neste lugar (Fig. 35.1).
2

1 9 7

6
3
11
10
6 13

5
6

14
16
4
12
15

FIGURA 35.1 – Articulação temporomandibular. 1 = Superfície articular da fossa mandibular; 2 = compartimen-


to superior; 3 = disco articular; 4 = cápsula; 5 = superfície articular do côndilo; 6 = membrana sinovial; 7 = sutura
escamotimpânica; 8 = glândula parótida; 9 = porção vascular do disco; 10 = porção anterior do disco; 11 =
feixe superior do pterigóideo lateral; 12 = feixe inferior do pterigóideo lateral; 13 = porção superior da zona
bilaminar do disco; 14 = porção inferior da zona bilaminar do disco; 15 = nervo aurículo-temporal; 16 = vasos
sangüíneos.

Côndilo mandibular
O côndilo da mandíbula é composto pela cabeça e pescoço;
a cabeça é de forma ovóide, convexa muito mais no sentido
ântero-posterior e menos em sentido mediolateral e com conve-
xidade aumentando ao redor do pólo medial; a parte superior do
côndilo é a superfície que articula junto à ATM, apresentando o
eixo perpendicular ao ramo da mandíbula. Numa vista lateral, o
Desordens Temporomandibulares 807

côndilo aparece inclinado anteriormente com sua superfície


articular em sua face ântero-superior. O tamanho no adulto é de
aproximadamente 15 a 20 mm de comprimento e 8 a 10 mm de
largura (B LAUSTEIN & H EFFEZ, 1990), e sua margem lateral
externa está só a 1 mm abaixo da pele, o que facilita a palpação
durante o movimento mandibular. Anteriormente, o côndilo
apresenta uma zona rugosa que se une com o colo do côndilo,
chamada fossa pterigóidea, na qual se insere o feixe inferior do
músculo pterigóideo lateral. O pólo lateral do côndilo é, às vezes
pontiagudo, projeta-se discretamente para o plano dos ramos e
apresenta uma área rugosa, onde se une ao disco articular e ao
ligamento temporomandibular ou lateral; o pólo medial é fre-
qüentemente arredondado e estende-se para dentro do plano
dos ramos da mandíbula.

Fossa mandibular
É composta inteiramente pela porção escamosa do osso
temporal, localizada na face inferior do osso temporal, anterior
aos elementos do tímpano do complexo temporal, sendo, na
parte posterior, côncava tanto no sentido lateral quanto ântero-
posterior. Sua parte anterior apresenta uma eminência articular
convexa.
Do ponto de vista funcional, a parte côncava da fossa mandi-
bular não constitui um componente funcional da mesma, servindo
apenas como receptor para o côndilo, quando se aproxima a
mandíbula da maxila; a parte superior está constituída pela
superfície côncava superior do disco e o côndilo da mandíbula. Ao
relacionar as superfícies articulares tanto da eminência articular
quanto do côndilo mandibular, estas apresentam as superfícies
articulares convexas e, portanto, há uma relação incongruente
que torna necessária a existência do disco que passa a ser a
compensação funcional desta incongruência.
A fossa mandibular encontra-se localizada abaixo e na frente
do meato acústico externo, é limitada, no meio, pela fissura
escamotimpânica e atrás pelo tubérculo pós-glenóide do osso
temporal que forma o limite posterior da fossa mandibular. A
porção timpânica do osso temporal encontra-se atrás da ATM, e
com o tubérculo pós-glenóide evita-se um deslocamento posterior
que traumatizaria esta área.

Eminência articular
A eminência articular é o côndilo do osso temporal que forma
o limite anterior da fossa mandibular, convexa no sentido ântero-
posterior; sua superfície anterior apresenta uma inclinação suave
que tem continuidade com a raiz média do arco zigomático; sendo
o côndilo e o disco articular movimentados para frente da eminên-
cia articular, quando se realiza a abertura bucal normal, esta
posição é considerada fisiológica.
808 Fonoaudiologia Prática

Disco articular
O disco articular é uma placa de forma ovalada, com perfil em
S itálico nos cortes sagitais. O disco separa a ATM em dois
compartimentos, que além de dividir em duas cavidades por
intermédio das superfícies bicôncavas, estas são recíprocas e
congruentes nos dois compartimentos, de tal modo que, funcio-
nalmente, tanto o côndilo como a eminência articular do osso
temporal encontram-se em contato, não entre si, mas contra a
superfície oposta do disco. A porção central é mais delgada do que
as margens, onde o tecido fibroso é mais denso; a porção central
do disco tem de 1 a 2 mm de espessura e está localizada entre as
superfícies articulares que suportam pressão; esta porção do
disco é avascular e não está inervada.
Pela parte medial e lateral, o disco se insere dentro das
margens laterais rugosas do côndilo. Nesse sentido, o disco e a
cápsula estão separadamente unidos medial e lateralmente em
inserções independentes da cápsula, o que permite que o disco se
movimente com o côndilo (RAYNE, 1987; OKENSON , 1991).
Na parte posterior, o disco está conectado à cápsula por um
coxim esponjoso retrodiscal que se curva abaixo e ao lado do
côndilo, apresentando uma área de tecido frouxo ricamente
vascularizado denominado “zona retrodiscal”. Nesta área, o disco
se une à cápsula fibrosa que envolve a articulação. Ele está
formado por uma camada inferior e superior de feixes alargados
de tecido conjuntivo, denominada “zona bilaminar”; as camadas
emergem e divergem do disco para o fuso com a cápsula articular
acima e abaixo. O estrato superior ou lâmina superior liga-se ao
processo pós-glenóide e sua borda medial é o verdadeiro limite
posterior da articulação. Esta lâmina é fixada por fibras elásticas
que exercem um efeito retrátil no disco, sob certas condições; a
lâmina inferior curva-se inferiormente ao lado do côndilo, unindo-
se à cápsula no limite inferior do espaço articular, no colo condilar.
Pela frente, o disco encontra-se em conexão com a cápsula, onde
o feixe superior do músculo pterigóide lateral se insere, através da
cápsula na parte média do bordo anterior do disco (WILKINSON,
1988; CARPENTIER e cols. 1988; WILKINSON & CHANG, 1989; DEO
e cols., 1988); outros autores não compartilham esta opinião,
acreditam que só em alguns pode-se encontrar uma verdadeira
inserção (YUNG e cols., 1990; LOUGHNER e cols., 1996).
O disco é estabilizado pelos ligamentos ao côndilo, de tal
forma que este fique fixo em posição, evitando que se movimente
para trás e para acima, quando a mandíbula exerce uma grande
pressão.

Cápsula articular
É uma membrana fibrosa e fina que envolve a ATM; insere-se
no osso temporal nos limites médio e lateral da fossa mandibular
e na frente, até a eminência articular, e atrás, aparece na super-
Desordens Temporomandibulares 809

fície anterior da apófise pós-glenóide, inserindo-se no colo do


côndilo mandibular.
A cápsula é frouxa nas regiões média e posterior, e lateral-
mente encontra-se reforçada pelo ligamento lateral ou
temporomandibular, onde é mais tensa.

Ligamentos
1. O ligamento temporomandibular é um ligamento denomina-
do colateral, e apresenta suas fibras orientadas de tal maneira,
que nos movimentos da articulação estas fibras não são distendidas
ou relaxadas o que indica que os ligamentos da ATM não restrin-
gem o movimento normal da mandíbula e, por isso, não são
necessários para o funcionamento da articulação. Embora acre-
dite-se que este ligamento limite os movimentos retrusivos da
mandíbula, protegendo os tecidos da região posterior da ATM.
2. O ligamento esfenomandibular é um resquício da cartilagem
de Meckel; eleva-se a partir da espinha angular do osso esfenóide
e da fissura petrotimpânica e depois corre em direção posterior e
externamente até inserir-se na língua da mandíbula; este ligamento
é passivo durante os movimentos da mandíbula, mantendo relativa-
mente a mesma intensidade de tensão durante a abertura e o
fechamento da boca.
3. O ligamento estilomandibular é uma densa concentração
localizada na fáscia cervical; estendendo-se a partir do processo
estilóide para o ângulo mandibular, cobrindo a superfície externa
do processo e do ligamento estilóide e ligando-se ao osso na parte
posterior do ângulo mandibular, difundindo-se anteriormente como
ampla lâmina fascial cobrindo a superfície interna do músculo
pterigóide medial; o ligamento estilomandibular está frouxo quan-
do as arcadas estão fechadas ou quando a mandíbula está em
repouso e relaxa-se notoriamente quando a boca está aberta,
porque o ângulo da mandíbula oscila para cima e para trás e ao
mesmo tempo o côndilo desliza para baixo e para frente.

Membrana sinovial
A membrana sinovial é uma fina camada muito vascularizada
de tecido conjuntivo, que reveste as superfícies da ATM, não
suporta pressão e não é funcionante; esta membrana é especial-
mente abundante nos setores mais vascularizados e inervados
das superfícies superior e inferior da zona retrodiscal, sempre se
apresentando nas regiões periféricas à área funcional.
Estes tecidos produzem o líquido sinovial, que é um dialisado
dos vasos sangüíneos; é formado principalmente de uma
proteoglicana que contém ácido hialurônico e um complexo de
mucopolissacarídeos que reforçam as proteoglicanas dentro de
um dialisado plasmático, dando as características de lubrifican-
te e deslizante ao líquido sinovial. A quantidade de líquido
sinovial aumenta quando a articulação encontra-se sob maior
810 Fonoaudiologia Prática

pressão e o número de movimentos mandibulares também é


aumentado, promovendo lubrificação e nutrição a todas as
superfícies da ATM.

Vascularização e inervação temporomandibular


A ATM é vascularizada através da circulação colateral de
todos os vasos sangüíneos na área da articulação; a artéria
carótida externa irriga por meio de ramos articulares que se
originam na artéria maxilar, a porção anterior da ATM obtém sua
irrigação das artérias profundas, temporal posterior e massetérica,
ramos da artéria maxilar, artérias timpânicas anterior, auricular
profunda e meníngea média irrigam as faces posterior e média da
ATM; as faces posterior e lateral da articulação são irrigadas por
ramos da artéria temporal superficial.
As veias que drenam a ATM correspondem às artérias que a
irrigam; essas veias desembocam no plexo pterigóideo, temporal
superficial e maxilar.
Estas mesmas áreas também se encontram inervadas, inclu-
sive a cápsula articular, o tecido subsinovial e a periferia do disco
articular, porém, as áreas de pressão que são: a porção central do
disco articular, as superfícies articulares do côndilo e do osso
temporal parecem não ter inervação.
O nervo trigêmeo, com seu ramo do nervo mandibular, deriva
ramos articulares de suas divisões anterior e posterior para a
ATM; estes são ramos do mesmo tronco nervoso que enervam os
músculos mastigatórios.
A porção anterior da ATM está inervada pelos ramos do nervo
massetérico e ramo anterior do nervo mandibular (ramo do trigê-
meo), a porção posterior da ATM está inervada pelos ramos do
nervo aurículo-temporal da divisão posterior do ramo mandibular
do nervo trigêmeo.
JOHANSSON e cols. (1990), ao realizarem um estudo radiográ-
fico e histológico, revelam que existem, topograficamente, influên-
cias mecânicas sobre os ramos conhecidos que passam na região
da ATM. O nervo aurículo-temporal, nervo massetérico e ramos
do temporal profundo posterior explicariam as dores que simulam
neuralgia em alguns pacientes com disfunção de ATM.
A ATM, como outras articulações, possui terminações de
Ruffini, órgãos tendinosos de Golgi, terminações de Paccini e
terminações livres, sendo estas últimas as mais numerosas,
seguidas, em ordem decrescente, pelas terminações de Ruffini.
Os receptores de Golgi e Paccini estão escassamente distribuídos
nesta articulação.

BIOMECÂNICA NORMAL DA ATM


A ATM representa a articulação da mandíbula ao osso tempo-
ral do crânio, os componentes ósseos da articulação estão sepa-
rados por uma estrutura composta de tecido conjuntivo fibroso
Desordens Temporomandibulares 811

denso que é o disco articular, e a limitação e integridade são


mantidas pelos ligamentos, que são compostos por fibras coláge-
nas que têm comprimento específico. Porém, estes ligamentos
não participam ativamente na função da articulação já que só
atuam como guias para restringir certos movimentos (movimentos
bordejantes), permitindo outros movimentos (movimentos funcio-
nais); caso os movimentos da articulação forcem constantemente
os ligamentos, o comprimento destes pode ser alterado porque
têm pouca habilidade para esticar-se e, portanto, quando isto
ocorre freqüentemente se alongam, criando mudanças na
biomecânica da ATM que podem levar a mudanças patológicas.
A ATM é capaz de movimentos de “dobradiça” e de “desloca-
mento” e, portanto, é conhecida como articulação ginglimoartrodial
e para simplificar o mecanismo desta articulação complexa, será
separada em duas distintas articulações. A articulação inferior é
constituída pelo côndilo e pelo disco articular inserido por ligamen-
tos; formando o complexo côndilo-disco, estrutura esta em que
ocorre o movimento de rotação; a articulação superior é formada
pelo complexo côndilo-disco que se articula com a fossa mandibu-
lar, ocorrendo nela o movimento de translação. O complexo
côndilo-disco movimenta-se fora da fossa durante o movimento
de abertura bucal (OKENSON, 1991).
O disco é inserido ao côndilo medial e lateralmente pelos
ligamentos colaterais do disco. Estes ligamentos permitem rota-
ção do disco através da superfície articular do côndilo em direção
anterior e posterior e restrição dos movimentos mediais ou late-
rais. A quantidade do movimento de rotação anterior e posterior do
disco também é limitada por ligamentos, a lâmina retrodiscal
inferior limita a rotação anterior do disco sobre o côndilo e o
ligamento capsular anterior limita a rotação posterior do disco.
A morfologia do disco é extremamente importante, apresentan-
do-se muito delgado na zona intermediária, espesso no bordo
anterior e mais grosso no bordo posterior. O côndilo articula-se na
zona intermediária do disco e é mantido nesta posição pela pressão
interarticular constante dada pelos músculos elevadores da mandí-
bula (masseter, temporal e pterigóideo medial) e ligamentos articu-
lares (OSBORN, 1989). Apesar da pressão entre o côndilo, disco e
fossa mandibular estar de acordo com a atividade dos músculos
elevadores, sempre alguma pressão é mantida para prevenir sepa-
ração das superfícies articulares, pois se o contato entre elas for
perdido, a possibilidade de deslocamento existirá.
Na região posterior ao disco encontram-se os tecidos
retrodiscais, altamente vascularizados e bem-inervados; anterior
ao complexo côndilo-disco está o músculo pterigóideo lateral com
seus feixes superior e inferior. O feixe inferior se insere no colo do
côndilo, enquanto o feixe superior se insere no colo do côndilo e
no disco articular (OKENSON , 1991). Acredita-se que o feixe inferior
do pterigóideo seja ativado juntamente com os músculos
depressores da mandíbula (abertura bucal). Já o feixe superior é
812 Fonoaudiologia Prática

ativado juntamente com os músculos elevadores da mandíbula


(fechamento bucal). O feixe superior do músculo pterigóideo
parece ser um músculo estabilizador para o complexo côndilo-
disco, especialmente durante a mastigação unilateral.
Quando o complexo côndilo-disco translada para baixo da
eminência articular (abertura bucal), o disco roda posteriormente
ao côndilo. A superfície superior do tecido retrodiscal é diferente
de qualquer outro tecido da articulação. A lâmina retrodiscal
superior é composta de tecido conjuntivo frouxo e fibras de
elastina, que permitem ao complexo côndilo-disco a translação à
frente sem produzir dano aos tecidos retrodiscais. É notório que
durante a abertura máxima da boca a lâmina retrodiscal superior
é fortemente esticada e produz uma força de retração posterior no
disco; sendo assim é a única estrutura da ATM capaz de produzir
este tipo de força.
Durante a abertura e fechamento da mandíbula, o disco e o
côndilo movimentam-se juntos não pela inserção dos ligamentos
mas por duas razões fundamentais:
A morfologia do disco e pressão interarticular sempre presen-
tes garantem a manutenção do côndilo na zona intermediária mais
fina do disco. As margens anterior e posterior do disco forçam-no
a movimentar-se junto ao côndilo, durante a abertura e o fecha-
mento bucal. Portanto, a morfologia do disco é muito importante
para o movimento do côndilo. Se existe alguma alteração na
pressão interarticular ou uma mudança na morfologia do disco, o
movimento côndilo-disco pode ser alterado e isto, de fato, é o
começo de uma desordem de interferência do disco.

DESORDENS TEMPOROMANDIBULARES
As desordens temporomandibulares (DTM) são caracteriza-
das como doenças que envolvem vários problemas clínicos,
comprometendo os músculos da mastigação; a ATM e estruturas
orofaciais associadas são as principais causas de dor de origem
não-dental na região orofacial.
O sintoma mais comumente encontrado é a dor nos músculos
da mastigação, na região pré-auricular e na ATM. Também
apresentam estalos articulares e dificuldade de abertura bucal.
Apresentamos a seguir os principais diagnósticos de acordo
com a American Academy of Oral Pain (1993).

Diagnósticos das condições clínicas


Desordens musculares
Nas desordens musculares estão incluídas tanto as desor-
dens dolorosas como as não-dolorosas; as condições inco-
muns devem ser excluídas como espasmo muscular, miosite e
contratura.
Desordens Temporomandibulares 813

Dor miofascial – Dor de origem muscular, incluindo queixa de


dor, bem como dor associada a áreas localizadas nos músculos
com sensibilidade à palpação; o paciente queixa-se principal-
mente de: dor na mandíbula, têmporas, face, área pré-auricular ou
dentro do ouvido, em repouso ou durante função e também em
resposta à palpação.

Desordens internas
Deslocamentos do disco
Deslocamento do disco com redução – O disco está deslo-
cado da sua posição entre o côndilo e a eminência para uma
posição anterior e medial ou lateral, mas redução em abertura
total, geralmente resultando em um ruído.

Sinais e sintomas principais


1. Clique recíproco na ATM (clique tanto em abertura vertical
como em fechamento, que ocorre num ponto a pelo menos 5 mm
a mais na abertura da distância interincisal do que no fechamento
e é eliminado em abertura protrusiva).
2. Clique na ATM nos movimentos de abertura ou fechamento
e reproduzível em 2 ou 3 tentativas consecutivas e clique durante
excursão lateral ou protrusão, reproduzível em 2 a 3 tentativas
consecutivas.
Deslocamento de disco sem redução e com abertura limita-
da – Uma condição em que o disco é deslocado da sua posição
normal entre o côndilo e a fossa para uma posição anterior e medial
ou lateral, associado à abertura mandibular limitada.

Sinais e sintomas principais


1. História de limitação significativa de abertura;
2. Distensão passiva aumenta a abertura por 4 mm ou menos,
além da abertura máxima não-assistida;
3. Excursão contralateral < 7mm e/ou desvio não-corrigido
para o lado ipsilateral na abertura;
4. Ou: a) ausência de ruído articular; ou b) presença de ruído
articular não satisfazendo critérios de deslocamento de disco com
redução.
Deslocamento de disco sem redução e sem abertura
limitada – Uma condição na qual o disco está deslocado da sua
posição entre o côndilo e a eminência para uma posição anterior
e medial ou lateral, não-associada à abertura limitada.

Sinais e sintomas principais


1. História de limitação significativa da abertura mandibular;
2. Máxima abertura não-assistida > 35 mm;
3. Distensão passiva aumenta a abertura em 5 mm ou mais,
além da abertura máxima não-assistida;
814 Fonoaudiologia Prática

4. Excursão contralateral ≥ 7 mm;


5. Presença de ruídos articulares não satisfazendo critérios de
deslocamento de disco com redução.
6. Nos casos que permitem exame por imagens, pode-se
utilizar a artrografia ou ressonância magnética que revelam a
posição do disco articular sem redução.

Artralgia, artrite e artrose


Artralgia – Dor e sensibilidade na cápsula articular e/ou
revestimento sinovial da ATM.

Sinais e sintomas principais


1. Dor em uma ou ambas as ATM durante a palpação.
2. Dor na região da articulação ou dor dentro da articulação
durante os movimentos mandibulares.
Osteoartrite da ATM – Condição inflamatória dentro da
articulação resultante de uma condição degenerativa das estrutu-
ras articulares.
1. Artralgia, de acordo com o item anterior.
2. Crepitação evidente na articulação.
Imagem – Tomografia mostra uma ou mais das seguintes
características: erosão da delineação cortical normal, esclerose
de partes ou de todo o côndilo e eminência articular, achatamento
de superfícies articulares e formação osteofítica.
Osteoartrose da ATM – Desordem degenerativa da articula-
ção em que forma e estrutura da articulação são anormais.
1. Ausência de todos os sinais da artralgia, ausência de dor na
região da ATM, ausência de dor na ATM à palpação, durante
máxima abertura não-assistida, durante abertura assistida e em
excursões laterais.
2. Crepitação evidente na articulação.
Imagem – Através da tomografia podemos verificar possíveis
alterações como as seguintes: erosão da delineação cortical nor-
mal, esclerose de partes ou de todo o côndilo e eminência articular,
achatamento de superfícies articulares, formação osteofítica.

Tratamento das desordens


temporomandibulares
A maioria dos tratamentos recomendados para as desor-
dens temporomandibulares são para aliviar os sintomas e en-
volvem uma equipe multidisciplinar. Sabemos que o tratamento
necessita do auxílio da medicina física e também a ajuda de um
psicólogo para modificar o comportamento. É importante iden-
tificar as etiologias mais comuns das DTM como o trauma,
hábitos parafuncionais, artrite reumatóide e hiperatividade mus-
cular generalizada, sendo que o tratamento está diretamente
relacionado com o fator etiológico.
Desordens Temporomandibulares 815

A) Terapia inicial
1. Descanso articular por redução do uso da mandíbula por
dieta mole e limitação de movimentos.
2. Aplicação de bolsas de calor ou gelo.
3. Medicação analgésica e drogas antiinflamatórias não este-
róides (AINE) quando necessárias.
4. Explicação detalhada das desordens aos pacientes, com
linguagem clara e simples.
Concomitantemente é realizada uma conscientização dos
hábitos parafuncionais para se conseguir uma modificação do
comportamento:
1. Educar o paciente para evitar hábitos de apertar os dentes e de
manter tensão muscular nos músculos orofaciais e da mastigação.
2. Ensinar ao paciente exercícios de conscientização de
postura de ombros, cabeça, mandíbula e língua.
3. Realizar consulta psicológica para detectar e reduzir estresse.
4. Indicar tratamento para conseguir o relaxamento.

B) Deslocamento de disco com redução


Tratamento
1. Não há tratamento atualmente aceito com padrão para
função descoordenada côndilo-disco, o estalido progressivamen-
te mais ruidoso é mais preocupante. Os casos mais dolorosos são
os que precisam de tratamento e estes são geralmente tratados
com placa oclusal.
A placa reposicionadora pode ser usada se a estabilizadora
não consegue eliminar o clique e a dor. Deve ter o uso contínuo
(24h/dia), normalmente elimina o ruído, mas freqüentemente
resulta em mordida aberta posterior. Mesmo se esta for tratada, o
estalido tende a voltar depois de algum tempo. O uso parcial
noturno ou diurno reduz a freqüência do clique sem alteração
oclusal permanente. Obter uma articulação sem ruído não é
necessário, pois normalmente este não progride.
Em qualquer caso, no uso da placa estabilizadora ou
reposicionadora, o paciente deve ser informado de efeitos nega-
tivos (alteração oclusal irreversível, terapia oclusal extensa e
retorno do estalido) antes do uso de placas.
2. Se os objetivos de diminuição da dor, diminuição da inten-
sidade e freqüência de estalido não forem alcançados (em 6
semanas), o uso da placa deve ser interrompido.
Uma terceira opção terapêutica seria a artrocentese (lava-
gem), discoplastia ou disectomia; estas podem estar indicadas em
casos de pacientes com sintomas refratários ao tratamento.

C) Deslocamento de disco sem redução


Tratamento
1. Travamento agudo (menos de 1 mês): tentativa de redução
manual, se for bem-sucedido provavelmente o estalido voltará.
816 Fonoaudiologia Prática

2. Se a manipulação falhar tratar a mialgia e artralgia por meios


físicos e usar placa estabilizadora por 2 a 3 semanas, tentando
redução manual a cada semana, posteriormente indica-se uma
placa pivotante.
3. Se o travamento persistir indica-se a artrocentese, esta
intervenção é de bom prognóstico porque favorece uma maior
extensão do movimento articular por debridamento de adesões e
lavagem do compartimento articular superior. O prognóstico é
menos favorável se existirem alterações osteoartríticas.
4. Mesmo travamentos não-tratados sofrem alterações artrí-
ticas e remodelamento intracapsular sem seqüelas significantes,
e com o tempo uma maior mobilidade mandibular ocorrerá.
Intervenções cirúrgicas devem-se restringir à dor articular com
incapacidade funcional e às disfunções que provaram ser refratá-
rias aos procedimentos clínicos já descritos.

D) Condições inflamatórias
a) Artralgia
• Sinovite.

Tratamento
1. Se a origem da dor é duvidosa, realizar bloqueio anestésico.
2. Dor intracapsular é tratada como osteoartrite, incluindo
terapia inicial e placa estabilizadora.
3. Se a dor for refratária a isto e persistente, considerar
artrocentese.
• Injúria traumática.
• Capsulite.

Tratamento
1. Tratar com terapia inicial incluindo drogas antiinflamatórias
não-esteróides.
2. Terapia física na fase aguda e também como suporte.
3. Seqüelas pós-traumáticas são tratadas de acordo com o
diagnóstico: estalido, travamento, alterações oclusais ou até,
em alguns casos, anquilose articular.
4. Deslocamento condilar demonstrado radiograficamente
deve ser reduzido manualmente, às vezes com sedação endo-
venosa.
5. Estiramento traumático de ligamentos e músculos são
tratados com terapia inicial e física para aliviar sintomas agudos.

b) Artrites localizadas na ATM


Tratamento
Geralmente pacientes com osteoartrose e remodelamento
são assintomáticos e não requerem tratamento.
Desordens Temporomandibulares 817

Se a progressão é evidente, considerar a placa estabilizado-


ra, particularmente se não existir estabilidade oclusal ou o
paciente apresentar hábitos de bruxismo severo ou apertamento.
1. Tratar fase aguda com terapia inicial e drogas antiinflama-
tórias.
2. Injeções com esteróides mostraram ser efetivas, particular-
mente em pacientes com poucas alterações ósseas ou que já
foram usadas com sucesso em outras articulações do paciente.
Não mais que três aplicações em intervalos não menores que 1
mês são recomendadas.
3. Injeções de hialuronato de sódio podem ser alternativa aos
corticosteróides.
4. Placas oclusais para estabilização e minimizar bruxismo e
apertamento são indicadas.
5. Sintomas progressivos e dor significante refratária a trata-
mentos conservadores requerem consulta reumatológica ou cirúr-
gica. Porém, prognóstico a longo prazo normalmente é favorável
sem intervenção cirúrgica.

c) Artrite sistêmica generalizada


Tratamento
1. Tratar ATM somente após consulta médica. A poliartrite
nem sempre é a origem da queixa articular do paciente.
2. Terapia inicial para alívio da fase aguda: injeções de
esteróides, se necessário.
3. Exercícios de extensão de movimentos, na fase não-
aguda.
4. Placas estabilizadoras, se as alterações articulares levam
à instabilidade oclusal.
5. Deformidades ou marcadas seqüelas podem necessitar de
tratamento ortodôntico ou reconstrução oclusal e, às vezes,
cirurgia reconstrutiva e somente quando a doença está controlada
ou em remissão, como os casos de mordida aberta ou
micrognatismo, nestes quadros indica-se cirurgia ortognática.

E) Luxação recidivante do côndilo mandibular


Tratamento
1. Se há auto-redução, aconselhar o paciente a evitar
movimentos amplos de abertura bucal que provoquem a luxa-
ção. Tratar a mialgia e artralgia associadas com antiinflamató-
rios não esteróides.
2. Se existir bruxismo noturno ou apertamento, como fator
agravante, neste caso podemos indicar o uso de placa estabiliza-
dora.
3. Deslocamento agudo não auto-reduzido geralmente pode
ser corrigido por manipulação passiva seguida de terapia de
suporte.
818 Fonoaudiologia Prática

4. Deslocamentos recorrentes podem necessitar de bloqueio


maxilofacial com elásticos para restringir abertura mandibular por
4 a 6 semanas.
5. Se isto não for suficiente e o paciente continuar com o quadro
de luxação, intervenções cirúrgicas podem ser consideradas, como
a eminectomia. Atualmente é o procedimento mais aceito.

F) Desordens dos músculos mastigatórios


Tratamento
• Metas
1. Redução eventual ou eliminação da parafunção muscular.
2. Restauração do comprimento muscular normal.
3. Melhoria da força e coordenação dos músculos após cessar
a dor.

a) Dor miofascial
Tratamento
1. Terapia inicial por 14 a 21 dias, no mínimo.
2. Medicação antiinflamatória não-esteróide para controlar o
edema e inflamação.
3. Assim que inflamação e dor cessarem, instituir exercícios de
mandíbula e língua para obter coordenação, força, comprimento
e postura muscular.
4. Havendo hábitos de apertar e ranger dentes, devemos
indicar o uso de placa estabilizadora nas primeiras 6 a 8 semanas
(exceto durante a alimentação), para relaxar, estabilizar e prote-
ger estruturas e reduzir atividade muscular noturna. Ajustar a pla-
ca para obter contatos em relação cêntrica e habitual e deso-
clusão anterior. Paciente não deve morder a placa, pois ela não
tem por finalidade repor ou realinhar a mandíbula. O não uso da
placa para comer previne má-oclusão induzida pela mesma.
5. Alguns pacientes podem se queixar de oclusão instável repe-
tida e consistente, o que pode ser corrigido com ajuste oclusal, porém
somente após a resolução dos sintomas mantida por algum tempo.
6. Se problemas oclusais extensos existem, pode ser necessá-
rio tratamento ortodôntico, prótese ou cirurgia ortognática, porém
sua indicação não deve ser diferente daquela de pacientes normais.
7. Na suspeita de tensão muscular orofacial, dar ênfase ao
treinamento de postura correta e relaxamento de mandíbula e
língua. Se há travamento reflexo ou trismo são indicados exercí-
cios de estiramento.
8. Se há dor miofascial generalizada, usar vapor de gelo,
massagem, injeção anestésica (procaína) em trigger points, se-
guidos de estiramento dos músculos envolvidos. Concomitante-
mente, exercícios caseiros e relaxamento devem ser instituídos.
9. Se a dor persistir por mais de 3 a 4 semanas, checar o
cumprimento dos exercícios caseiros, pois muitas vezes não são
executados regular ou corretamente.
Desordens Temporomandibulares 819

10. Terapia física como ultra-som ou estimulação elétrica


(TENS), 2 a 3 vezes por semana, por 2 a 3 semanas adicionais,
pode ser indicada.

b) Miosite
Tratamento
1. Terapia inicial com bolsa de gelo.
2. Medicação antiinflamatória não-esteróide.
3. Terapia física (ultra-som, TENS).
4. É contraproducente a placa oclusal, a não ser em evidente
presença de bruxismo.

c) Espasmo
Tratamento
1. Aplicar gelo e estirar o músculo nos limites suportáveis.
2. Medicação relaxante muscular.
3. Placa estabilizadora.
4. Terapia de modificação de comportamento.
5. Terapia física de mobilização para restabelecer comprimen-
to muscular e diminuir atividade. Programa de exercícios.
6. Bloqueio anestésico e estiramento passivo do músculo, se
necessário.

Agradecimentos
À Cirurgiã Dentista Francine Ribeiro de Arruda pela revisão bibliográfica e
correção do texto.

Leitura recomendada
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Atuação Fonoaudiológica na Desordem Temporomandibular 821

36
Atuação Fonoaudiológica na
Desordem
Temporomandibular

Wanderlene Anelli

A articulação temporomandibular (ATM) é a articulação res-


ponsável pelos movimentos mandibulares, associada à ação dos
músculos mastigatórios. Estes movimentos possibilitam a realiza-
ção das Funções Estomatognáticas – sucção, mastigação,
deglutição, fala e fonação. Portanto, quando há alteração muscu-
lar e das Funções Estomatognáticas cabe ao Fonoaudiólogo atuar
como membro da equipe que cuida do indivíduo que apresenta a
desordem temporomandibular (DTM). FELÍCIO (1994) cita que
GELB & BERNSTEIN (1983), WEINBERG (1974) e GREENE (1974)
indicaram a mioterapia como parte do tratamento da DTM, pois
verificavam alterações das funções estomatognáticas.
O objetivo do trabalho fonoaudiológico é adequar a tonicidade
e mobilidade muscular, adaptando as Funções Estomatognáticas,
para que não haja a dor muscular tanto em repouso como no
movimento e para que este ocorra de forma coordenada e precisa,
sem desvios da linha média no fechamento e/ou abertura da boca.
Porém, antes da atuação em terapia, o fonoaudiólogo deve
realizar a anamnese e avaliação específicas. Durante a anamne-
se procura-se obter dados com relação à queixa do paciente
relacionada à dor muscular facial ou na região pré-auricular,
ruídos articulares, desvios da linha média na abertura e/ou fecha-
mento da boca, restrição na abertura da boca, tempo de evolução
e antecedentes de trauma na região.
822 Fonoaudiologia Prática

Questiona-se quanto:
• saúde geral/sono;
• tensão corporal;
• hábitos parafuncionais e de postura da mandíbula;
• funções estomatognáticas;
• dentes/próteses dentárias/tratamento ortodôntico;
• voz;
• psicodinâmica, incluindo satisfação pessoal e motivação no
ambiente de trabalho, social e familiar.
É necessário verificar se o paciente já fez algum tratamento
com relação à queixa apresentada.
É de grande importância ouvir o paciente no que ele tiver a
necessidade de falar, esclarecer, questionar. Porque muito do que
ele tem a dizer normalmente está diretamente relacionado à dor
que ele sente e é o motivo pelo qual ele procura os profissionais
que o tratam e neste momento o fonoaudiólogo.
A avaliação clínica fonoaudiológica deve iniciar observando-
se a postura corporal do indivíduo, principalmente quanto à coluna
vertebral, ombros, posição da cabeça em repouso, assimetrias
entre os lados do corpo. Observar a tonicidade muscular geral do
corpo, atendo-se à região cervical e pescoço.
Observar a face, verificando se há assimetria entre as hemifaces
e as porções superior, média e inferior. Constatar o tipo facial
(mesofacial, dólicofacial, braquifacial) do paciente é importante
para verificarmos a adaptação feita pelos órgãos fonoarticulatórios
(OFA) no repouso e nas funções estomatognáticas.
Na avaliação, devem-se verificar a morfologia, tonicidade e
mobilidade dos OFAs.

Podendo-se encontrar quanto aos lábios:


• tanto lábio superior evertido, inferior hipotônico, permane-
cendo com lábios entreabertos, quanto lábio inferior e supe-
rior hipertônicos, estirados e constantemente vedados com
tensão;
• assimetria na movimentação;
• interposição do lábio inferior entre as arcadas dentárias, no
repouso;
• às vezes observam-se marcas dos dentes inferiores interna-
mente no lábio inferior;

Com relação a língua observa-se:


• hipotonia ou tonicidade adequada;
• comprimida na cavidade oral quando há apertamento dos
dentes, ficando com marcas destes em toda a borda da
língua;
• em repouso pode estar ocorrendo interposição entre as
arcadas dentárias na região anterior ou posterior.
Atuação Fonoaudiológica na Desordem Temporomandibular 823

Pode-se encontrar o seguinte na avaliação muscular:


• músculos bucinadores por vezes hipotônicos e por vezes
com tonicidade adequada;
• músculos masseteres podem estar hipertônicos ou em
espasmo, verificar se as alterações são unilaterais ou bila-
terais;
• músculos temporais, pterigóideos mediais e laterais,
esternocleidomastóideos e trapézios normalmente encon-
tram-se hipertônicos e doloridos à palpação e movimentação.
Ao observar as arcadas dentárias é importante verificar: a
oclusão dentária, se há ausências dentárias e uso de próteses
dentárias.
As alterações relacionadas à oclusão dentária não são neces-
sariamente a causa da DTM, porém muitas são agravantes da
desordem. Ausências dentárias ou outros fatores dentários que
impeçam a realização das Funções Estomatognáticas com equi-
líbrio neuromuscular precisam ser pesquisadas e indicado o
tratamento correto, como condição para o trabalho com a adequa-
ção destas funções.
Quanto à posição da mandíbula, verificar como permanece em
repouso: apertamento, desvio da linha média, em protrusão ou
retrusão. Alterações na postura de repouso da mandíbula indicam que
está ocorrendo um desequilíbrio nas forças musculares, envolvendo
a musculatura elevadora e abaixadora da mandíbula. Reflete tam-
bém, ou melhor, há inter-relação com as Funções Estomatognáticas,
assim como com as outras estruturas deste sistema.
Deve-se avaliar os movimentos mandibulares de abertura,
fechamento, lateralidade para direita e esquerda, protrusão e
retrusão, verificando-se há amplitude destes movimentos, se
ocorrem ruídos articulares (estalo ou crepitação), se há tensão
excessiva na musculatura e/ou incoordenação muscular que
levem a desvios da linha média no momento da abertura e/ou
fechamento mandibular. Cada movimento deve ser avaliado
isoladamente, lembrando-se que o movimento de circundação
(movimento cíclico) é verificado durante a mastigação.
Realiza-se avaliação das funções estomatognáticas dentro
dos procedimentos fonoaudiológicos comuns, atendo-se a alguns
aspectos específicos nos indivíduos com DTM.

Podendo-se encontrar quanto à:


Respiração – Normalmente encontra-se superior e superfi-
cial, havendo assistematicamente incoordenação pneumofônica.
Mastigação – Verificar se há simetria na força muscular
durante a mastigação, se realiza movimento cíclico e como o
realiza. Muitos pacientes realizam o movimento cíclico de forma
restrita devido à tensão muscular, outros não conseguem realizá-
lo, ocorrendo apenas movimentos verticais (abertura e fechamen-
to) durante a mastigação.
824 Fonoaudiologia Prática

Observar com que dentes realiza a trituração do alimento e se


ocorre mastigação bilateral. Muitos pacientes realizam mastiga-
ção unilateral. Isto pode estar ocorrendo por impossibilidade de
mastigar no lado oposto ou por hábito.
Deglutição – As alterações que mais ocorrem são pressio-
namento da língua contra os dentes durante a deglutição e tensão
na musculatura perioral.
Verificar se ocorre deslocamento lateral da mandíbula durante
a deglutição. Normalmente este ocorre para o lado que não dói ou
há menos dor.
Fala – Poderá ocorrer diminuição da flexibilidade articulatória
por tensão muscular.
Podendo-se encontrar também sigmatismo anterior ou poste-
rior e projeção da língua na emissão de /t/, /d/, /n/ e /l/.
A voz deve ser avaliada, pois devido à tensão muscular da
região cervical encontram-se alterações vocais que caracterizam
a disfonia funcional. Devendo-se encaminhar para avaliação
otorrinolaringológica os pacientes que apresentarem sintomas de
disfonia.
Faz-se necessário verificar a ocorrência de hábitos parafun-
cionais , levando-se em conta a freqüência, intensidade e dura-
ção destes, para que se possa avaliar o quanto estes hábitos
são prejudiciais para o funcionamento coordenado e indolor das
ATMs.
Em maior freqüência encontram-se como hábitos parafuncio-
nais o roer unhas, mascar chiclete ou comer bala constantemente,
morder lápis ou algum objeto.
O hábito de permanecer com apoio de mão na mandíbula ou em
apertamento cêntrico ou excêntrico (briquismo) deve ser verificado
pelo fonoaudiólogo, pois estas posturas mandibulares podem acar-
retar alterações musculares e sendo causa ou agravante precisam
ser eliminadas ou ao menos diminuídas o máximo possível.
Ao iniciar a fonoterapia (mioterapia) com o paciente que
apresenta desordem temporomandibular é importante partir da
explicação de qual é o objetivo da Fonoaudiologia na equipe que
o trata; o que será trabalhado precisa ficar claro para o paciente.
Como estes pacientes geralmente estão com dor na musculatura
facial, desejam que esta seja eliminada imediatamente; muitas
vezes vêm de muitos outros profissionais em busca da eliminação
ou ao menos da diminuição da dor muscular.
Porém, o trabalho mioterápico de relaxamento e adequação
do tono muscular não tem este efeito rápido como o paciente espera
e isto deve ser explicado. Pois, muitas vezes, o paciente desiste
da fonoterapia por não ter compreendido isto.
Cabe também ao fonoaudiólogo orientar o paciente quanto à
dieta. Deve evitar alimentos de consistência muito sólida, permane-
cendo com alimentação de pastosa a sólida pouco consistente e ir
gradualmente retornando a alimentos mais sólidos, conforme a
musculatura venha a ter possibilidade de movimentação sem dor.
Atuação Fonoaudiológica na Desordem Temporomandibular 825

Orientar quanto ao limite de abertura da boca, pois caso este


movimento ocorra com dor ou ruídos articulares muito fortes,
deve perceber em que medida pode realizar o movimento de
abertura da mandíbula sem que isto ocorra, evitando ter mais
dor e desconforto. Conforme ocorra melhora do tono e da
movimentação muscular, este limite inicial também vai sendo
eliminado, podendo o paciente realizar a apreensão do alimento
com abertura de boca dentro da normalidade esperada.
A princípio, parte-se do relaxamento global, atingindo prin-
cipalmente a região cervical e escapular, porém toda muscula-
tura postural que esteja tensa deverá ser trabalhada com rela-
xamento. A técnica utilizada poderá ser com massagens, shiatsu,
sugestão ou outra que esteja de acordo com a necessidade e
aceitação do paciente.
O relaxamento através da massagem atinge pontos profun-
dos da musculatura da pessoa e traz grande benefício ao
paciente com DTM. Segundo BELAFONTE & K NASTER (1991) “A
pressão que recebemos na massagem afeta o que está sob a
pele. Relaxamos os músculos que estão enrijecidos por exercí-
cio e tensão. Ajudamos o sangue e a linfa a circularem, fazendo,
desta forma, com que todas as partes do corpo possam receber
nutrientes essenciais, como o oxigênio, livrar-se de produtos em
excesso e defender-se das doenças. Estimulamos receptores
sensoriais que repassam ordens ao nosso sistema corporal,
dizendo a ele para relaxar ou movimentar-se. Alguns médicos
acreditam, ainda, que a massagem possa interromper a libera-
ção de endorfinas, narcótico natural do corpo, que comanda os
sentimentos e alivia as dores.”
A postura corporal precisa ser trabalhada em nível de cons-
cientização e modificação. Sendo necessário, o paciente deverá
ser encaminhado para avaliação do ortopedista e posterior traba-
lho fisioterápico.
O relaxamento é estendido à região facial, fazendo-se mas-
sagem em toda a musculatura. Dando-se ênfase à relacionada
aos movimentos mandibulares. Normalmente precisa-se
massagear os músculos masseteres e temporais. A massagem
deve atingir os pontos de dor muscular, porém a intensidade da
pressão exercida deve respeitar a tolerância da pessoa massa-
geada, podendo-se ir aumentando conforme esta permitir.
Trabalha-se também com exercícios miorrelaxantes atra-
vés dos movimentos mandibulares realizados com uma con-
tra-resistência (MOLINA , 1989), promovendo relaxamento
muscular dos músculos antagonistas. Estes exercícios, além
de propiciar relaxamento, colaboram no aumento da circula-
ção sangüínea local. Os exercícios realizados para se obter
relaxamento devem ser realizados sem força ou vigor. “É
preciso que o exercício não conclua em estiramento, nem
tampouco que as fases estendam-se até o ponto de produzir
dor” (B ARROS, 1993).
826 Fonoaudiologia Prática

Associada à massagem, visando o relaxamento, pode-se


fazer compressa quente úmida na musculatura, lembrando-se
que não deve atingir a região pré-auricular. Sobre as ATMs pode-
se trabalhar com compressa fria úmida.
As compressas quentes proporcionam aumento na circulação
sangüínea superficial, aumentando o metabolismo celular. Mais
nutrientes são levados para a região e mais catabólitos são
absorvidos. São indicadas para as mialgias. Já as compressas
frias (crioterapia) proporcionam vasoconstrição vascular; apre-
sentam ação analgésica em conseqüência da diminuição na
velocidade de propagação dos estímulos nociceptivos; aumento
da circulação periférica, quando o estímulo é retirado; diminuição
do metabolismo celular enquanto o estímulo estiver atuando.
Desde o início da mioterapia, trabalha-se com o paciente
conscientizando-o da necessidade de retirar os hábitos parafun-
cionais e posturas inadequadas da mandíbula que estão atuando
como causadores e/ou agravantes da DTM.
Na mioterapia trabalha-se com a adequação do tono da
musculatura que se encontra hipotônica, realizando exercícios
isotônicos e isométricos de acordo com a necessidade.
Neste momento é necessário respeitar a possibilidade de realizar
movimentos mandibulares, na escolha dos exercícios a serem pro-
postos, evitando que o paciente sinta dor ou qualquer desconforto.
Estando toda a musculatura sem dor e com tonicidade ade-
quada, ou seja, tanto a hipertônica com tensão diminuída como a
hipotônica com tono aumentado, é possível dar maior ênfase ao
trabalho específico com os movimentos mandibulares de abertu-
ra, fechamento e lateralidade.
Nos casos de restrição na abertura, normalmente com o traba-
lho de relaxamento muscular, envolvendo os músculos digástrico e
pterigóideo lateral, esta torna-se mais ampla. Caso não se tenha
atingido o padrão de normalidade para sexo e idade, trabalha-se
com exercícios que visem esta abertura, como: manter a ponta da
língua na papila e abrir e fechar a boca, forçando no momento da
abertura; reforçar o movimento de abertura com resistência, exercí-
cios com o objetivo de trabalhar com o soalho da boca.
Havendo desvio da linha média na abertura e/ou fechamento,
este deve ser trabalhado, pois pode estar havendo uma incoorde-
nação ou hipertonicidade muscular, não possibilitando movimen-
to muscular harmônico bilateral. Descartando-se, nestes casos,
alterações internas da ATM.
Dá-se maior ênfase ao movimento de lateralidade, com e sem
resistência, para o lado oposto ao do desvio, e realiza-se massa-
gem na musculatura com maior contração.
O trabalho com as funções estomatognáticas deve objetivar a
adaptação das mesmas às condições musculares (tono e mobili-
dade) e de movimentação mandibular.
Adaptar a mastigação envolve em primeiro lugar que o paciente
possa realizar os movimentos mandibulares sem dor e com amplitude
Atuação Fonoaudiológica na Desordem Temporomandibular 827

suficiente para a execução de tal função. A mastigação deve ser


adaptada às possibilidades de cada paciente realizar os movimentos.
Tem-se como objetivo que a mastigação possa ser realizada
bilateralmente, com movimentos cíclicos e com força muscular
adequada e simétrica.
É importante que os músculos masseteres não estejam em
hipertonicidade para a realização da mastigação.
Antes de se iniciar este trabalho é preciso que o paciente
esteja em condições musculares de se alimentar com alimentos
de consistência sólida.
Havendo alterações na deglutição, concomitantemente ao
trabalho com a mastigação, esta função também pode ser adap-
tada. Conscientizando-se o paciente com relação à sua importân-
cia e interferência na manutenção da harmonia neuromuscular e
de funções do sistema estomatognático.
A respiração que muitas vezes encontra-se alterada em nível
do tipo respiratório pode ser trabalhada associada ao que foi
desenvolvido com relação ao relaxamento da musculatura cervi-
cal/escapular e postura corporal.
É importante ter como objetivo a conscientização, por parte do
paciente, da sua respiração e do envolvimento desta com a
musculatura cervical, torácica e abdominal. Também se faz ne-
cessário trabalhar a coordenação pneumofônica, pois às vezes
encontramos pacientes utilizando ar-reserva durante a fonação.
Havendo alterações vocais, estas podem ser abordadas tanto
no decorrer do trabalho mioterápico como após a adequação da
musculatura facial e diminuição da sintomatologia de dor facial.
Normalmente, trabalha-se para suavização da emissão, elimina-
ção de ataques vocais bruscos e equilíbrio da ressonância.
Porém, havendo alterações estruturais mínimas nas pregas vo-
cais, o tratamento deve ser específico para tal.
A base da terapia fonoaudiológica com pacientes que apre-
sentam DTM é a mioterapia, porém não se pode esquecer que o
fonoaudiólogo atua com pessoas que apresentam um distúrbio de
comunicação. A pessoa que possui a DTM tem, associada a dor
na musculatura facial, movimentos mandibulares reduzidos para
a fala. Sua comunicação torna-se também restrita ou sempre
acompanhada do desconforto da dor. Isto se reflete em todo o seu
corpo (postura corporal tensa) e como não poderia deixar de ser,
o aspecto psicoemocional também está envolvido como fator
desencadeante e/ou mantenedor da dor.
A dor, por si só, já expressa que algo está em desequilíbrio no
funcionamento do organismo. “A dor do corpo faz chegar à cons-
ciência que algo vai mal, mas não é o suficiente, é preciso decifrá-
la ... O corpo que dói se expressa através da dor” (FELÍCIO, 1994).
Partindo-se desta visão, o objetivo do trabalho fonoaudiológico
não é apenas o de eliminar os sintomas e alterações musculares,
mas também o de compreender, junto com o paciente, o significado
desta dor.
828 Fonoaudiologia Prática

É importante que a pessoa possa falar sobre a sua dor e a que


causas a atribui e isto ser discutido com o fonoaudiólogo. É
necessário que a pessoa passe a refletir e pesquisar sobre a sua
dor e não apenas a relate para os profissionais.
Têm-se condições de explicar ao paciente como ocorre a
relação corpo/mente do ser humano para que ele possa ir tendo a
real noção do que acontece com a dor que ele sente (de onde
realmente provem, quanto o psicoemocional está envolvido). “... se
a pessoa não tomar consciência da origem de sua dor para assim
procurar modificar as relações causais, após a interrupção do
tratamento farmacológico ou outros, como aparelhos e mesmo
exercícios realizados de maneira mecânica, que agem principal-
mente sobre os sintomas, aquelas continuarão presentes e conse-
qüentemente a sintomatologia, pois os procedimentos citados de
nada adiantarão, no caso da DTM, se homens e mulheres continua-
rem adotando um modo rígido de ser humano” (FELÍCIO, 1994).
O aspecto psicoemocional deve ser inserido na terapia
fonoaudiológica, ao se verificar o quanto a dinâmica do dia-a-dia
da pessoa interfere nas tensões musculares que possui. São
feitos exercícios para o relaxamento mas precisa-se atuar tam-
bém nas emoções que levam às tensões. Por isso, se faz neces-
sária a atuação do profissional de psicologia.
O fonoaudiólogo precisa ver e perceber o paciente que possui
a DTM de uma forma que vá além de grupos musculares rígidos
e sem coordenação na movimentação. Assim, poderá atuar mais
amplamente, obtendo maiores êxitos.

Leitura recomendada
BARROS, J.J. – Mioterapia na Síndrome de Dor e Disfunção da Articu-
lação Temporomandibular in Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo
Facial. São Paulo, 1993.
CORREIA, F.A.S. – Aspectos fonoaudiológicos da ATM. In: BARROS, J.J.
& RODE, S.M. Tratamento das Disfunções Craniomandibulares –
ATM. Editora Santos, 1995.
FELÍCIO, C.M. – Fonoaudiologia nas Distúrbios Temporomandibulares.
São Paulo, Pancast Editora, 1994.
LOPES, M.G.P. & RODE,S.M. – Meios fisioterápicos no tratamento das
disfunções da ATM. In: BARROS, J.J. & RODE, S.M. Tratamento
das Disfunções Craniomandibulares – ATM. São Paulo, Editora
Santos,1995.
MOLINA, O.F. – Disfunção da ATM in Fisiopatologia Craniomandibular.
São Paulo, Pancast Editora, 1989.
MOLINA, O.F. – Função e Distribuição da Musculatura do Aparelho
Estomatognático in Fisiopatologia Craniomandibular. São Paulo,
Pancast Editora, 1989.
MOLINA, O.F. – Modalidades de Tratamento in Fisiopatologia
Craniomandibular. São Paulo, Pancast Editora, 1989.
PORTNOI, A.G. – Estresse e distúrbios craniomandibulares. In: BAR-
ROS, J.J. & RODE, S.M. Tratamento das Disfunções Craniomandi-
bulares – ATM. Editora Santos, São Paulo, 1995.
Fissuras Labiopalatinas e Insuficiência Velofaríngea 829

37
Fissuras Labiopalatinas e
Insuficiência Velofaríngea

Lídia D’Agostino
Liliane Pereira Machado
Rejane Aparecida de Lima

“Se é importante corrigir as características anormais da fala do


fissurado palatal em algum tempo nas vidas de nossos pacientes,
então é ainda mais importante fazer isso antes que as marcas da
rejeição ou o sentimento de anormalidade ou diferença sejam
formados no desenvolvimento de suas personalidades.”
(BZOCH, 1979)

As fissuras labiopalatinas (FLP) são malformações congêni-


tas de lábio e de palato, consideradas craniofaciais e enquadra-
das na classificação das displasias (CARDIM, 1989).
Vários estudos foram realizados na busca da incidência de
fissuras labiopalatinas na população. No Brasil, FONSECA &
RESENDE (1971) realizaram um estudo com 67.321 recém-nasci-
dos na Casa Maternal Dona Leonor Mendes de Barros, em São
Paulo, constatando 101 portadores de fissuras labiopalatinas,
implicando numa incidência de 1:673 nascimentos.
CAPELOZZA e cols. (1987) relatam, após revisão da literatura,
os conceitos vigentes na epidemiologia das fissuras labiopalatinas.
As fissuras de lábio e do palato podem ocorrer associadas ou
isoladamente e não elegem grupos sociais, apresentando diver-
sificação quanto à raça. A maior incidência ocorre na raça amarela
e a menor na negra, enquanto a raça branca apresenta uma
incidência intermediária. Quanto ao sexo, 60% das fissuras ocor-
rem em indivíduos do sexo masculino. A fissura transforame
unilateral esquerda é a mais comum entre todos os tipos de
830 Fonoaudiologia Prática

fissura, predominando em indivíduos do sexo masculino, enquan-


to a fissura pós-forame predomina nos indivíduos do sexo femini-
no. A tendência de aumento da incidência é bastante discutida,
assim como a influência sazonal como fator efetivo de aumento da
incidência.
O maior conhecimento destas anomalias e profissionais cada
vez mais capacitados, vêem aprimorando os processos de reabi-
litação, porém programas de atendimento ainda não são priorida-
de de Saúde Pública, apesar da alta incidência desta anomalia na
população brasileira. O índice de mortalidade no primeiro ano de
vida é superior nos indivíduos portadores de fissuras labiopalatinas
em relação aos não portadores, sendo as malformações congêni-
tas múltiplas a principal causa destas mortes.

CLASSIFICAÇÃO DAS FISSURAS LABIOPALATINAS


Na literatura encontramos inúmeras classificações, como as
propostas por DAVIS & RITCHIE (1922) e VEAU (1931) de acordo com
as estruturas anatômicas envolvidas ou como as propostas por
KERNAHAN & STARK (1958) e HARKINS e cols. (1962) segundo as estru-
turas embrionárias afetadas, sendo estas as mais citadas mundial-
mente. No Brasil, a mais difundida e utilizada atualmente é a classi-
ficação de SPINA (1972), tomando-se por base o forame incisivo:

• Pré-forame incompleta, unilateral direita ou esquerda ou


bilateral (Fig. 37.1A).
• Pré-forame completa, unilateral direita ou esquerda ou bila-
teral (Fig. 37.1B).
• Pós-forame completa (Fig. 37.1C).
• Pós-forame incompleta (Fig. 37.1D).
• Transforame, unilateral direita ou esquerda ou bilateral.
(Fig. 37.1E e F).

QUADRO 37.1 – Estruturas anatômicas afetadas segundo a classificação


de SPINA (1972).
Lábio Alvéolo Palato duro Palato mole
Pré-forame incompleta* + – – –
Pré-forame completa* + + – –
Pós-forame completa – – + +
Pós-forame incompleta – – – +
Transforame* + + + +
* Unilateral direita ou esquerda ou bilateral.

Outros tipos mais raros podem ocorrer, como a fissura pré-


forame cicatricial de Keith, com um leve sinal de cicatrização,
dando uma aparência normal ao lábio na postura de repouso
Fissuras Labiopalatinas e Insuficiência Velofaríngea 831

A B

C D

E F

FIGURA 37.1 – A) Fissura pré-forame incompleta unilateral esquerda. B) Fissura pré-forame completa
unilateral esquerda. C) Fissura pós-forame completa. D) Fissura pós-forame incompleta. E) Fissura
transforame unilateral esquerda. F) Fissura transforame bilateral.

(Fig. 37.2A), porém no movimento de protrusão pode-se notar


direcionamento e inserção anômala da musculatura orbicular,
formando-se uma depressão na cicatriz (Fig. 37.2B). As fissuras
pré-forame associadas à fissura pós-forame incompleta ocorrem
mais raramente (Fig. 37.3).
Encontramos ainda, dentro da classificação das fissuras pós-
forame, as fissuras submucosa (Fig. 37.4A) e submucosa oculta
(Fig. 37.4B).
832 Fonoaudiologia Prática

A B

FIGURA 37.2 – A) Fissura pré-forame cicatricial de Keith. B) Observa-se durante a protrusão labial,
depressão na cicatriz.

FIGURA 37.3 – Fissura pré-forame completa associada à fissura pós-forame incompleta.

A B

FIGURA 37.4 – A) Fissura submucosa, nota-se zona translúcida mediana no palato. B) Visão
nasolaringoscópica de fissura submucosa oculta, nota-se depressão na superfície do véu palatino.
Fissuras Labiopalatinas e Insuficiência Velofaríngea 833

Fissura submucosa
Na fissura submucosa ocorre a clássica tríade, associada à
voz de qualidade predominantemente nasal:

• Úvula bífida.
• Diástase da musculatura velar, observando-se uma zona
translúcida mediana.
• Chanfradura na borda posterior do palato (palpável com o
dedo).

Na observação clínica, encontramos casos de fissura


submucosa associada à úvula íntegra. Encontramos também
casos mais raros, como a fissura submucosa associada às fissu-
ras pré-forame.

Fissura submucosa oculta


A fissura submucosa oculta é de difícil diagnóstico clínico, uma
vez que as estruturas da cavidade oral estão aparentemente
íntegras, sendo o único sinal observável a qualidade vocal predo-
minantemente nasal. O diagnóstico é realizado através do estudo
nasolaringoscópico da região velar.
KAPLAN (1975) descreveu um caso apresentando hiperna-
salidade de causa desconhecida e cavidade intra-oral sem altera-
ções visíveis, com diagnóstico intracirúrgico de orientação anor-
mal das fibras musculares do véu palatino.
CROFT e cols. (1978) observaram hipoplasia do músculo da
úvula e possível diástase da musculatura velar na sua superfície
nasal através de diagnóstico nasolaringoscópico.
Esta variedade de associações de tipos de fissuras pode ser
explicada pelo fato das fissuras labiais serem embriológica e
patogenicamente diferentes das fissuras de palato.

Diagnóstico das fissuras labiopalatinas


O diagnóstico das fissuras submucosa e submucosa oculta
freqüentemente é tardio. O recém-nascido ao apresentar refluxo
nasal na deglutição é submetido a exames para detectar outras
patologias como, por exemplo, gastroesofágicas e neurológicas.
Somente ao iniciar a fala, é levantada a hipótese da presença de
uma fissura submucosa pelo comprometimento da qualidade vocal.
O diagnóstico da fissura pós-forame incompleta freqüente-
mente passa desapercebida por ocasião do nascimento do bebê.
São geralmente diagnosticadas nos primeiros dias de vida, quan-
do tentativas frustradas de alimentação por via oral e complica-
ções pulmonares (aspirações recorrentes), levam a mãe a procu-
rar ajuda médica.
Atualmente o diagnóstico pré-natal das fissuras labiopalatinas é
possível de ser realizado a partir da 16ª semana, mais precisamente
834 Fonoaudiologia Prática

na 18ª semana de gestação, através da ecografia obstétrica. Este


exame normalmente é indicado quando existe um antecedente
familiar da patologia ou de outra malformação fetal ou ainda, quando
é detectado um agente teratogênico como anti-epilépticos, vitamina
A e seus derivados, intoxicação etílica crônica e uso de drogas
(VASQUEZ, BUIS, MARTINEZ, 1994).
Na avaliação das fissuras labiopalatinas uma questão
torna-se essencial: a fissura é isolada e de bom prognóstico ou
faz parte de um quadro sindrômico com malformações múlti-
plas? Nestes casos, o prognóstico não depende exclusiva-
mente da presença da fissura, mas das outras anomalias
associadas. No caso de estar associada a malformações
múltiplas craniofaciais, neurológicas, auditivas, cardíacas e
outras, o importante é conhecer a patologia principal para se
priorizar os tratamentos.

CARACTERÍSTICAS ANATÔMICAS DAS FISSURAS


LABIOPALATINAS
Na fissura labial unilateral, observa-se a inserção anômala
das fibras musculares da porção superior do segmento maior
do orbicular do lábio na base da columela do nariz e das fibras
musculares do segmento menor na base da narina afetada,
provocando uma inclinação caudal da asa do nariz. Nas
fissuras labiais bilaterais, as fibras das duas hemiporções
superiores do músculo orbicular inserem-se na base das duas
narinas, com presença do prolábio que não contém fibras
musculares.
Nas fissuras palatinas, nota-se hipodesenvolvimento muscu-
lar da aponeurose palatina e do músculo tensor do véu palatino.
Os músculos elevadores do véu palatino encontram-se anomala-
mente inseridos na borda posterior do palato ou acompanhando
a borda óssea medial da fissura.
Nas fissuras labiopalatinas, as inserções anômalas da mus-
culatura labial e palatina tornam-se antifuncionais. Na fissura
labial, a musculatura se torna atrófica, impropriamente posicionada,
interferindo na postura e função oral. Na fissura palatina, a
musculatura não cumpre sua função de fechamento velofaríngeo
e proteção das vias aéreas superiores.

ATUAÇÃO INTERDISCIPLINAR
A reabilitação completa dos pacientes portadores de fissuras
labiopalatinas constitui a meta principal de todo o tratamento
realizado em equipe (Fig. 37.5). O tratamento não é exclusiva-
mente cirúrgico, mas sim interdisciplinar, no qual todas as áreas
se complementam. Cada profissional faz sua avaliação específi-
ca, estabelece o seu seguimento pré e pós-cirúrgico dentro do
Fissuras Labiopalatinas e Insuficiência Velofaríngea 835

planejamento da equipe. O tratamento requer paciência e tempo,


tanto dos pais como dos profissionais.

Equipe interdisciplinar:
Cirurgia plástica
Genética
Pediatria
Otorrinolaringologia
Ortodontia e ortopedia funcional dos maxilares
Nutrição
Fonoaudiologia
Saúde mental
Serviço social
Outros

Cirurgia plástica

Nutrição Genética

Serviço social Pediatria geral


Paciente
FLP
Ortodontia Saúde mental

Otorrino Outros

Fonoaudiologia

FIGURA 37.5 – Equipe interdisciplinar.

Cirurgia plástica
O cirurgião plástico faz a avaliação do tipo de fissura, planeja a
cronologia do seu tratamento e realiza a cirurgia. É fundamental que
o cirurgião conheça a fundo as alterações anatômicas específicas
das fissuras labiopalatinas, a fim de restaurar a anatomia e propor-
cionar o equilíbrio muscular, restabelecendo as funções alteradas e
promovendo um crescimento facial adequado, possibilitando assim
a correção funcional a ser realizada pelo fonoaudiólogo.
A cronologia e a técnica cirúrgica eleita variam segundo cada
cirurgião. A maioria dos cirurgiões realiza a queiloplastia, correção
cirúrgica dos lábios, por volta dos 3 meses de idade. Nesta época,
a criança já atingiu o peso adequado, cerca de 6 kg, e a região
labial apresenta dimensões anatômicas favoráveis para serem
manipuladas cirurgicamente. Cuidados especiais devem ser to-
836 Fonoaudiologia Prática

mados com crianças prematuras cujo desenvolvimento físico é


geralmente mais lento.
A fissura transforame bilateral assume maior gravidade, não
só pelas alterações anatômicas, como pelas funcionais presen-
tes. Conseqüentemente, seu tratamento torna-se mais difícil e as
técnicas cirúrgicas nem sempre conseguem sanar todos os pro-
blemas relacionados a esta anomalia. A pré-maxila, livre dos
segmentos da maxila e da ação modeladora e reguladora exerci-
da pelo músculo orbicular oral, que se encontra fendido, projeta-
se livremente, em grau variável, para frente e para cima, devido ao
crescimento do septo cartilaginoso.
Na cronologia cirúrgica clássica, a maioria dos cirurgiões
realiza a palatoplastia, correção do palato, em dois tempos: a
anterior, entre 12 e 15 meses, e a posterior, até os 18 meses,
visando fundamentalmente obter o fechamento total do palato
antes do início da fala articulada.
Existe uma diversidade de técnicas, seqüência e faixa etária
para a realização das cirurgias. O importante é compreender que
não há uma cronologia padrão. A lógica terapêutica depende da
experiência e da filosofia de cada equipe.
Na literatura, os autores divergem quanto à idade ideal da
cirurgia devido às repercussões no desenvolvimento ósseo da
face e no desenvolvimento da fala. Quanto à problemática auditi-
va, a comparação entre cirurgias precoces ou tardias do palato
posterior não demonstram diferença quanto à incidência de otite
média secretora.

Genética
O geneticista avalia o caso para determinar possíveis causas
e orienta a família quanto ao risco de repetição da patologia. Nos
casos de fissuras labiopalatinas associadas a síndromes, o
diagnóstico detalhado é importante no planejamento cirúrgico e
demais tratamentos. Por exemplo, na Trissomia 13 (síndrome de
Patau) há importante cardiopatia; na síndrome velocardiofacial há
risco de secção da artéria carótida durante a faringoplastia devido
à presença de ectopia da carótida.
O aconselhamento genético oferece à família a opção de gerar
ou não outros filhos mediante o conhecimento do risco de repeti-
ção da patologia.

Pediatria
O pediatra avalia o desenvolvimento ponderoestatural e as
condições gerais da criança, verificando se há queixa quanto a
dificuldades constantes de deglutição comprometendo o estado
nutricional, que pode ser um problema isolado próprio da fissura,
decorrente de distúrbios transitórios normais da infância ou patolo-
gias que requerem conhecimentos de áreas específicas como
neurologia, pneumologia gastroenterologia e otorrinolaringologia.
Fissuras Labiopalatinas e Insuficiência Velofaríngea 837

KOBINGER, ZUCCOLOTTO, COCOZZA (1996) enfatizam a importância


do diagnóstico diferencial correto dos distúrbios da deglutição.
As crianças, ao apresentarem condições cirúrgicas ideais, são
encaminhadas ao cirurgião plástico.

Otorrinolaringologia
O otorrinolaringologista realiza o diagnóstico, o acompanha-
mento e a conduta nos casos de infecções e alterações auditivas,
de vias aéreas superiores, de faringe e de laringe.
Os indivíduos portadores de malformações craniofaciais são
de risco para o desenvolvimento de perdas auditivas de acordo
com o Joint Committee on Infant Hearing (1994). MACHADO e cols.
(1995) identificaram cerca de 76% de achados imitanciométricos
sugestivos de alteração condutiva em indivíduos portadores de
fissuras palatinas nas idades de 2 meses a 12 anos, independen-
temente da correção cirúrgica do palato.
A atresia parcial de coanas é outra malformação associada
às fissuras labiopalatinas, principalmente nos quadros
sindrômicos, considerada um fator determinante de dificuldade
de respiração no recém-nascido e que requer o acompanha-
mento otorrinolaringológico.

Ortodontia e odontopediatria
A seqüela óssea das fissuras labiopalatinas determina altera-
ções importantes no crescimento dos processos alveolares e das
arcadas dentárias, interferindo no crescimento facial, caracteriza-
do por hipoplasia maxilar. A intervenção da ortopedia funcional
pré e pós-cirúrgica são de fundamental importância para direcio-
nar o crescimento dos segmentos alveolares e propiciar correção
ortodôntica (Fig. 37.6A e B; e Fig. 37.7A e B).

A B

FIGURA 37.6 – A) Fissura transforame bilateral com protrusão da pré-maxila. B) Fissura transforame
unilateral muito larga, com úlcera de contato na mucosa do vômer causada pelo bico da mamadeira.
Indicação de uso de placa palatina pré-cirúrgica em ambos os casos.
838 Fonoaudiologia Prática

A B

FIGURA 37.7 – A) Placa palatina – ortopedia pré-cirúrgica. B) Bebê com a placa palatina. (Fotos cedidas
pela Profª. Drª. Márcia André. Disciplina de Prótese Buco-maxilo-facial da Faculdade de Odontologia
da Universidade de São Paulo/FOUSP.)

Nutrição
Os pacientes portadores de fissuras labiopalatinas freqüen-
temente apresentam carência nutricional por falta de informa-
ção da família em relação ao valor nutritivo dos alimentos e
medo de alimentar a criança frente às dificuldades de alimenta-
ção por via oral. O nutricionista, em conjunto com o pediatra e
o fonoaudiólogo, orienta a mãe principalmente nos casos em
que a presença de anemia e baixo peso impossibilitam a cirurgia
dentro da cronologia eleita.

Fonoaudiologia
O fonoaudiólogo tem atuação efetiva dentro da equipe no
diagnóstico e no acompanhamento pré e pós-cirúrgico, com
intervenções adequadas a cada fase do seu desenvolvimento e
planejamento cirúrgico.

Saúde mental (psicologia e terapia ocupacional)


Algumas crianças apresentam déficits motores, retardo ou
atraso no desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM) compro-
metendo a evolução da terapia fonoaudiológica. Este atraso
deve-se a vários fatores como concepção indesejada, quebra
da relação do apego entre a mãe e a criança, superproteção e
rejeição. Outro fator importante relaciona-se a postura cervical
no ato da alimentação, que se for mantida inadequada pode
acarretar futuras alterações posturais (PEREIRA , 1995).
O atendimento pode ser mensal ou semanal, dependendo
da necessidade e da faixa etária da criança. Os profissionais
trabalham em conjunto com o fonoaudiólogo. Ao tomarmos esta
norma de conduta, baseados na observação e experiência
adquirida ao longo dos anos de trabalho, reduzimos o tempo de
terapia.
Fissuras Labiopalatinas e Insuficiência Velofaríngea 839

Serviço social
O assistente social faz o estudo sócio-econômico da família,
da dinâmica familiar, do ambiente e das condições de moradia
para detectar possíveis fatores que interfiram no tratamento
proposto pela equipe e estabelece meios para viabilizá-lo.

ATUAÇÃO FONOAUDIOLÓGICA
Recém-nascido
Quando o primeiro atendimento é realizado no berçário, a
atuação deve ser o mais delicada possível, pois uma malformação
na face do recém-nascido é muito difícil de ser aceita pelos pais
e familiares. O sentimento de rejeição está presente e deve ser
encarado, neste momento, como normal, pois a mãe não espera
nove meses por uma criança com problemas, devendo ser auxi-
liada na elaboração da rejeição e na criação de vínculos positivos
com o recém-nascido para poder colaborar efetivamente no
tratamento. É um momento delicado, no qual o vínculo mãe-filho
não está formado e dele dependem funções vitais da criança,
como a amamentação. Este fato nos traz a questão quanto à
dificuldade maior do aleitamento materno ser da criança ou da
mãe em aceitar amamentar um bebê malformado.
O aleitamento materno é um fator importante e necessário para
a formação da imunidade contra infecções respiratórias e otites
médias, entre outras doenças infectocontagiosas, além de propiciar
o adequado desenvolvimento da face e a maturação do sistema
motor oral.

Anamnese
Na anamnese devem constar informações quanto a:
• intercorrências e uso de medicamentos na gestação;
• condições do nascimento;
• intercorrências no parto;
• antecedentes familiares;
• estado emocional da mãe.

Avaliação
Na avaliação do recém-nascido devem-se considerar:
• classificação das características da malformação, no caso
de síndromes; não se conhecendo a classificação, devem-
se descrever as características da malformação como por
exemplo: lábio em formato de gaivota, implantação baixa de
orelha, face assimétrica, fácies atípica;
• reflexos neuromotores;
• condições morfofuncionais dos órgãos fonoarticulatórios;
• condições de alimentação por via oral: relação entre a força
da sucção e o fluxo do leite.
840 Fonoaudiologia Prática

Na presença de hipersialorréia e vias aéreas obstruídas,


convém que o fisioterapeuta ou a enfermeira aspirem a secreção
antes da alimentação. A presença de hipersialorréia pode ser um
sinal de incoordenação no ato de deglutir com risco de aspiração
pulmonar. Nessa fase, as aspirações com conseqüente pneumo-
nia e parada cardiorrespiratória podem ocorrer, sendo uma das
causas de mortalidade de recém-nascidos portadores de fissuras
labiopalatinas.
Na seqüência de Pierre Robin, caracterizada por micrognatia,
glossoptose e fissura palatina em forma de U invertido, os cuida-
dos são redobrados devido aos sérios problemas respiratórios,
utilizando-se técnicas de reanimação específicas:
• Postura em decúbito ventral ou lateral exagerado e elevação
do berço.
• Reequilíbrio muscular da região orofacial através de massa-
gens.
• Estimulação da sucção.
• Alimentação por sonda nasogástrica combinada com via
oral, se necessário, nos primeiros dias de vida.
A eleição da postura, ventral ou lateral e da elevação do berço,
cabeceira ou pés, devem ser aquelas que proporcionem maior
conforto respiratório ao recém-nascido, cedendo a tiragem inter-
costal e os sinais de desconforto.

Alimentação
O ideal é o aleitamento materno, mas diante da dificuldade da
criança na alimentação ou da mãe em lidar com a situação,
freqüentemente é adotada a mamadeira. O uso da sonda naso-
gástrica fica restrito a casos especiais como na seqüência de
Pierre Robin nos primeiros dias de vida ou cardiopatias, para se
evitar situações de estresse e esforço e conseqüente perda de
peso e risco de vida.
A postura de alimentação deverá ser totalmente vertical, para
impedir o refluxo nasal e aspiração broncopulmonar.
Quanto ao bico preconiza-se o tipo ortodôntico por ter o
bulbo mais curto, o que propicia a anteriorização da língua.
Normalmente, a língua encontra-se inserida na fenda e, portan-
to, posteriorizada. Contudo, algumas crianças têm dificuldade
de adaptação a este formato de bico, ocorrendo perda significa-
tiva de peso. Nestes casos, temos que ser maleáveis tentando
outros formatos, partindo do princípio de que o bico bom é
aquele no qual a criança consegue sugar. O furo tem que ser
adequado à força de sucção do bebê, com o fluxo de leite
próximo ao gotejar constante, permitindo que a criança se
alimente com ritmo e coordenação da sucção, deglutição e
respiração, mantendo-se sempre o bico cheio de leite evitando-
se assim a ingestão excessiva de ar.
Alguns sinais nos fazem suspeitar de incoordenação de
sucção e de deglutição como a contração e o rubor da região
Fissuras Labiopalatinas e Insuficiência Velofaríngea 841

supraciliar, devendo a mãe interromper o fluxo de leite abaixan-


do o frasco da mamadeira sem retirar o bico da cavidade oral, a
fim de que o bebê faça as pausas necessárias para a respiração.
Na ocorrência de regurgitações e vômitos constantes, deve-
se averiguar detalhadamente como os alimentos estão sendo
administrados, observando-se também a criança no momento
da alimentação.
Normalmente o tempo de mamada varia em torno de 20 a
30min, respeitando-se as limitações individuais e da patologia.
Observamos o ganho de peso mensal, que deve ser em torno de
600 g, no mínimo, para verificar se a técnica de administração
alimentar está correta.
Algumas manobras favorecem a sucção como:
• puxar o bico levemente para fora;
• pressionar a face externa das bochechas;
• pressionar a região submandibular;
• apertar o frasco da mamadeira e/ou bico;
• pressionar o bico sobre a língua.
Durante o primeiro mês de vida, convém que se fracione o
horário da alimentação em intervalos de 2/2h e sempre que o bebê
sentir fome, até que forme seu relógio biológico, passando então,
a alimentar-se num intervalo de 3/3h.
Quando a fissura labiopalatina é uma malformação isolada,
em duas semanas aproximadamente, o bebê estará se alimen-
tando bem por via oral. Caso ultrapasse este período com
dificuldades constantes, apesar das manobras adequadas, con-
vém encaminhar o recém-nascido para avaliação diagnóstica
de outras patologias, por exemplo, laringomalacia, fístulas
traqueais, incoordenação cricofaríngea, alterações pulmona-
res, cardíacas, gastroesofágicas, urinárias e neurológicas. Na
seqüência de Pierre Robin, este período é de aproximadamente
2 meses.
A função do fonoaudiólogo é atender às necessidades da
criança, esclarecer a família, orientando com segurança e
mostrando que existem recursos para a reabilitação. A partir
daí, o vínculo mãe-criança-terapeuta torna-se peça fundamen-
tal em todo o processo terapêutico.

Fonoaudiólogo

Paciente Família
842 Fonoaudiologia Prática

0 a 3 anos de idade
O acompanhamento nessa fase é mensal, com avaliação do
desenvolvimento global da criança, incluindo orientações à mãe
quanto aos aspectos:

• motor
• auditivo
• cognitivo
• lingüístico
• nutricional

A alimentação é um fator importante nessa fase, pois dará


à criança condições para a realização da cirurgia, uma vez que
a presença de anemia e desnutrição a inviabilizam. Sua impor-
tância também se reflete na maturação da musculatura orofacial
propiciando um crescimento facial favorável. O tipo e consis-
tência dos alimentos não são diferentes dos oferecidos para a
criança sem fissuras labiopalatinas quanto à época de introdu-
ção.
A mãe deverá ser esclarecida quanto à importância das
vitaminas e ferro presentes nos alimentos: vitamina C, na preven-
ção de gripes, resfriados, aumento da imunidade, cicatrização da
cirurgia; ferro, na prevenção de anemias; vitamina K, na preven-
ção de hemorragias.
A orientação para proteger a boca dos bebês antes da
queiloplastia com fraldas, quando sair à rua nos dias frios, a fim de
aquecer o ar inspirado, diminui a ocorrência de resfriados e
infecções respiratórias tão freqüentes nestes pacientes.

Desenvolvimento cognitivo-motor
O desenvolvimento cognitivo-motor está relacionado ao da
fala, devendo ser valorizado, explicando-se à mãe cada fase do
desenvolvimento na qual o bebê se encontra e orientando-a
quanto a atividades de estimulação. PEREIRA (1995) constatou
que geralmente estas crianças desenvolvem-se hipoativas,
manipuladoras, com contato pobre, dificuldades de vivenciar
situações novas, inseguras e dependentes, introvertidas e emoci-
onalmente imaturas, apresentando conseqüentemente dificulda-
des na área psicomotora.
O desenvolvimento cognitivo motor adequado e a capacidade
de manter a atenção e a concentração em atividades dirigidas são
fatores fundamentais para a realização do processo terapêutico
em torno dos 3 anos de idade.
O desempenho da criança é avaliado nos retornos mensais.
Caso não se encontre dentro dos padrões normais de desenvol-
vimento, deve-se procurar a etiologia orgânica ou funcional,
muitas vezes com um circunstancial agravante e realizar os
devidos encaminhamentos.
Fissuras Labiopalatinas e Insuficiência Velofaríngea 843

Desenvolvimento da linguagem e fala


As alterações no desenvolvimento da linguagem e da fala
enquadram-se nos distúrbios de aquisição de fala, uma vez que
estas crianças cumprem as etapas de aquisição da linguagem
dentro da normalidade, estando apenas comprometido o seu de-
sempenho de fala, não havendo portanto atraso na aquisição, como
erroneamente pode ser interpretado. Caso ocorra um atraso na
aquisição da linguagem e fala, deve-se procurar uma etiologia
auditiva, neurológica, cognitiva ou afetivo-emocional, tornando-se
esta a prioridade no tratamento, respeitando-se as limitações im-
postas pela patologia agravante.
Os distúrbios relacionados à função auditiva referem-se à otite
média secretora durante os primeiros anos de vida, levando a
possível alteração no processamento auditivo central.
A mãe é orientada a estimular a linguagem oral fazendo uso
de jogos vocálicos, proporcionando modelos positivos de fala,
realizando contato visual antes de iniciar sua emissão, a fim de
desenvolver a atenção auditiva para sons verbais, estimulando a
audição mono e binaural e assim minimizar os possíveis efeitos da
otite no desenvolvimento de fala da criança. Valorizando os atos
de comunicação ao “entender” a emissão da criança e seus
esforços em se comunicar, apesar das limitações impostas pela
fissura, a mãe estará reforçando seu desempenho de fala.
A superproteção familiar como um fator circunstancial restringe
a qualidade e quantidade de estímulos recebidos pela criança, o que
pode resultar em um atraso de desenvolvimento de fala. A fala é um
comportamento aprendido com parâmetros observáveis. Na crian-
ça portadora de fissura labiopalatina, as tentativas de comunicação
são pouco efetivas e frustrantes em decorrência do distúrbio
articulatório. A família não entendendo essas tentativas antecipa-se
na resposta ou atende a outros meios de comunicação, geralmente
o gestual, prejudicando o processo de desenvolvimento da fala.
As orientações fonoaudiológicas nesta fase são, portanto,
primordiais.

Função auditiva
O fonoaudiólogo e a família devem ficar atentos para detectar
possíveis sinais de alterações auditivas. Recomenda-se avalia-
ção audiológica periódica a cada 6 meses através da realização
de audiometria e imitanciometria. A otite média secretora é a
causa mais freqüente das alterações auditivas.

PROCEDIMENTOS FONOAUDIOLÓGICOS NO
PÓS-CIRÚRGICO DAS FISSURAS LABIOPALATINAS
Os cuidados pós-operatórios imediatos envolvem a alimenta-
ção, que deve ser reiniciada tão logo a criança esteja acordada da
anestesia, mantendo dieta líquida e em temperatura ambiente,
844 Fonoaudiologia Prática

por 15 a 20 dias. Os bicos de mamadeiras e chupetas são


suspensos por 20 dias. Os membros superiores devem ser imo-
bilizados em extensão no caso da criança ter o hábito de sucção
digital ou de levar a mão à boca.
No pós-operatório, podemos ter complicações imediatas como
obstrução das vias aéreas por edema e/ou sangramento, hemor-
ragias, infecções e deiscências.
A avaliação fonoaudiológica é realizada 30 dias após a
queiloplastia, devendo ser observado o resultado cirúrgico quanto
ao aspecto anatomofuncional: mobilidade, tono muscular, cicatri-
zes, encurtamentos, entalhes ou aderências. A mãe é orientada
quanto a massagens e exercícios de mobilidade na região da
cicatriz do lábio. As massagens têm por finalidade amenizar a
hipertrofia da cicatriz, proporcionando mobilidade labial: protru-
são, distensão e oclusão com pressão. Deve ser realizada com o
dedo indicador no início da cicatriz, junto ao orifício narinário,
descendo no sentido da cicatriz em movimentos circulares com
pressão firme, mas suave, até o vermelhão do lábio. Convém usar
um creme hidratante para facilitar a manobra na face externa do
lábio. O mesmo procedimento é realizado com o dedo indicador na
face interna e o polegar na face externa do lábio. As massagens
são seguidas de exercícios de mobilidade com o auxílio dos
dedos. A mãe deve escolher o horário no qual a criança apresenta-
se mais receptiva, permitindo assim a realização do procedimen-
to. As massagens são interrompidas quando a região cicatricial
tornar-se mais maleável, sem sinal de hipertrofia, permitindo a
mobilidade labial adequada. Deve-se retomar o acompanhamen-
to mensal ou semanal conforme o programa individual estabele-
cido.
A avaliação fonoaudiológica pós-palatoplastia é realizada
também 30 dias após a cirurgia, observando-se o resultado
cirúrgico da reconstrução anatomofuncional do palato mole, pala-
to duro e arcadas alveolares.

Palato mole
• Extensão em relação à parede posterior da faringe.
• Presença de fístulas, cicatrizes hipertróficas ou deiscências.
• Mobilidade do véu palatino e medialização das paredes
laterais da faringe através do reflexo de vômito ou choro em
crianças menores e através da emissão das vogais susten-
tadas /a/ ou /e/ em crianças maiores e adultos.

A avaliação clínica da mobilidade do véu palatino e medializa-


ção das paredes laterais da faringe têm por finalidade detectar as
seqüelas iatrogênicas pós-cirúrgicas. A emissão da vogal /a/ pode
ser realizada sem o fechamento velofaríngeo completo por alguns
indivíduos, contudo apresenta-se como um parâmetro clínico
para verificarmos se a mobilidade está preservada.
Fissuras Labiopalatinas e Insuficiência Velofaríngea 845

Palato duro
• Aspecto da cicatriz cirúrgica.
• Presença de fístulas ou deiscências.
• Presença de atresia.

Arcadas alveolares e dentição


• Presença de alterações oclusais e falhas dentárias.
• Presença de fístulas anteriores.

A qualidade vocal e a articulação são reavaliadas após a


realização das cirurgias.
O acompanhamento fonoaudiológico mensal dos bebês a partir
dos 18 meses poderá ser espaçado a cada 2 ou 3 meses, caso estes
apresentem um bom desenvolvimento neuropsicomotor e de lin-
guagem, até completarem 36 meses de idade. Nesta fase, as
orientações visam à emissão da fala através de exercícios que
facilitem o fluxo de ar oral, pressão e protrusão labial, elevação da
ponta de língua. Os indivíduos portadores de fissuras labiopalatinas
geralmente apresentam, além das seqüelas cirúrgicas, alterações
práxicas dos órgãos fonoarticulatórios, mantendo a língua em
postura baixa, substituindo os movimentos de ponta pelo dorso na
emissão dos fonemas linguoalveolares, lábio superior com mobili-
dade limitada prejudicando a qualidade da fala.

A partir dos 3 anos de idade


A criança, se necessário, poderá iniciar terapia semanal aproxi-
madamente aos 36 meses, em sessões individuais ou em grupo,
sendo estas mais produtivas. Os objetivos da terapia fonoaudiológi-
ca visam ao controle neuromuscular e coordenação dos órgãos
fonoarticulatórios na emissão dos sons de fala transferindo a
emissão correta dos sons para a fala espontânea (carry-over).
Os indivíduos portadores de fissuras labiopalatinas apresen-
tam distúrbios da comunicação decorrentes de fatores orgânicos,
funcionais e/ou circunstanciais agravantes.

Fatores orgânicos
• Resultado anatomofuncional do tratamento cirúrgico.
• Insuficiência velofaríngea.
• Fatores individuais, como cicatrização.
• Alterações dentárias e oclusais.
• Distúrbios da audição, periférico e/ou central.
• Distúrbios respiratórios.
• Outros comprometimentos.

Fatores funcionais
• Manutenção de padrões neuromusculares aprendidos in-
corretamente.
846 Fonoaudiologia Prática

Fatores circunstanciais
• Desenvolvimento afetivo-emocional.
• Atitudes inadequadas dos pais por superproteção ou aban-
dono.
• Meio ambiente pouco estimulador, principalmente no que se
refere à comunicação e estimulação sonora.
• Orientação inadequada dos profissionais da saúde.

O indivíduo portador de fissuras labiopalatinas pode apresen-


tar alterações de fala, resultantes de movimentos compensatórios
principalmente na emissão dos sons plosivos, por adução brusca
das pregas vocais caracterizando o golpe de glote; e nos fricativos,
ocorrendo uma fricção audível do fluxo de ar na região posterior
da orofaringe, pela alteração práxica da língua, na tentativa de
evitar escape de ar nasal, caracterizando as fricativas faríngeas.
Estas compensações articulatórias podem ser indicativas de
insuficiência velofaríngea, diagnosticada através de exames ob-
jetivos específicos.
Pode ocorrer também:
• co-articulação quando a substituição compensatória é pre-
cedida por uma articulação correta do som de fala;
• o enfraquecimento dos fonemas sonoros por dificuldade de
manter a sonorização devido à tensão laríngea e/ou hipoto-
nia da parte média da língua;
• a omissão de consoantes;
• alteração de ponto articulatório nos sons linguoalveolares
/t, d, n, l/ com projeção lingual;
• alteração do ponto e modo articulatórios dos sons fricativos
/s, z/ com projeção lingual na tentativa de canalizar o fluxo
aéreo bucal;
• nos sons bilabiais, a projeção lingual poderá ser compensa-
tória a uma seqüela labial importante.
A presença de sincinesias faciais é indicativa de insufi-
ciência velofaríngea, na tentativa de realizar um ponto de
constrição nasal anterior. As alterações do ritmo de fala,
normalmente acelerado, piora a qualidade da emissão, tor-
nando-a mais nasal, uma vez que os pontos articulatórios são
pouco definidos.
Os mecanismos articulatórios compensatórios posteriorizam
a língua, com uso acentuado do dorso, anteriorizando a mandí-
bula durante a fala, acarretando tensão na região faríngea e
laríngea, piorando a função velofaríngea.
PINHO & JOO (1995) observaram em sua experiência clínica
com as disfonias, relações significativas entre determinados tipos
de fendas glóticas e o fechamento velofaríngeo deficiente. Pode-
mos considerar as fendas glóticas como secundárias à insuficiên-
cia velofaríngea, em decorrência da tensão gerada na região
laríngea na tentativa de controlar o escape nasal.
Fissuras Labiopalatinas e Insuficiência Velofaríngea 847

TERAPIA FONOAUDIOLÓGICA APÓS


PALATOPLASTIA PRIMÁRIA
Conhecendo-se o mecanismo de fala do indivíduo portador de
fissuras labiopalatinas, torna-se simples estabelecer um progra-
ma terapêutico adequado a cada caso. Os pontos de articulação
devem ser anteriorizados, usando-se pistas visuais, táteis e
auditivas para a correta colocação do fonema na presença de
substituições compensatórias.
Os profissionais que trabalham com indivíduos portadores de
fissuras labiopalatinas chegaram à mesma conclusão quanto à
necessidade de correção das articulações compensatórias com
adequação dos pontos articulatórios dos sons da fala, direcionan-
do o fluxo de ar aéreo para a cavidade oral, utilizando técnicas
diretas anteriormente preconizadas, adaptadas ou mesmo cria-
das pelo profissional. A utilização de pistas auditivas, visuais e
táteis são fundamentais neste processo, uma vez que nosso
objetivo maior é desenvolver a consciência fonológica do indivíduo.
O importante é dar ênfase às pistas auditivas. Sugerimos
aumentar a duração da emissão dos sons fricativos surdos em
relação ao seu par sonoro e dos sons plosivos sonoros em relação
ao seu par surdo. Aumentar a duração da aspiração na emissão do
som k/ e emitir o som /l/ com maior duração de tempo comparado ao
/r/ (RUSSO & BEHLAU, 1993), favorecendo o reconhecimento auditivo
dos sons e realizando o treinamento auditivo com os sons verbais.
Iniciamos o treino de fala com a emissão prolongada das vogais.
Sugerimos que se mantenha a hierarquia de emissão dos sons de
fala, elegendo mais do que um som de fala alterado de acordo com
a facilidade de emissão apresentada pela criança. Primeiramente
solicitamos a emissão isolada e prolongada; em seguida, associada
à emissão de vogais; depois, em sílabas com vogais prolongadas e
com elevação da freqüência fundamental e da intensidade; em
palavras, com a sílaba na posição inicial, medial e final; em frases
curtas com predominância do som eleito e por fim, em frases
complexas e textos. As atividades que envolvem as rimas propiciam
atenção auditiva aos sons da fala.
aaaaaaaaa➹
a➹a➹
a➷ a➷ a
a➹ a➹
ffffff➸➸➸➸➸➸➸➸
fffuuu➸➸➸➸➸➸a
fffuuu➸➸➸➸➸aaa
fffuuu➸➸aaaaaaaa
fffuuuaaaaaaaaaaaa
fffaaaaaaaaaaaaaaaa
fffa➸➸➸➸➸➸caaa
faca
Exemplo do treino de fala – vogal /a/ e som fricativo /f/
848 Fonoaudiologia Prática

No processo terapêutico para adequação dos padrões de


articulação, a qualidade vocal predominantemente nasal não deve
ser valorizada num primeiro momento. GREENE (1972) Apud PICCOLI
(1994) definiu escape nasal como a fricção audível que ocorre
durante a emissão das consoantes, enquanto a nasalidade da voz
está relacionada à emissão das vogais. Na atuação clínica, obser-
vamos indivíduos que apresentam um escape nasal audível durante
a emissão de determinada consoante, contudo não podem ser
classificados pela análise perceptiva auditiva como uma voz de
qualidade predominantemente nasal. Os achados nasolaringoscó-
picos, em alguns casos, não concordam com os da análise perceptiva
auditiva. Pode ocorrer o julgamento auditivo da presença de uma
grande nasalidade na voz porém com um pequeno gap no fecha-
mento velofaríngeo, na avaliação nasolaringoscópica. GREENE (1972)
e PRATER & SWIFT (1986) Apud PICOLLI (1994) afirmaram que a
nasalidade da voz é determinada por outros fatores e não exclusi-
vamente pelo fechamento velofaríngeo, estando envolvidas princi-
palmente a posição da língua, a abertura da boca, a intensidade e
a freqüência fundamental do som laríngeo.
Exercícios com sons de fala emitidos através do fluxo aéreo
direcionado para a cavidade oral permitem o relaxamento da região
perioral e faringolaríngea. Muitas vezes, técnicas inadequadamente
selecionadas ou aplicadas provocam tensão laríngea. A utilização
do som basal como recurso terapêutico para disfonias orgânicas,
funcionais e organofuncionais já foi bastante comprovada e divulgada
por autores como BOONE & MCFARLANE (1988), BEHLAU & PONTES
(1990a; 1995b), CARRARA (1991), PINHO & PONTES (1991) demons-
trando seu efeito como indutor de ajuste musculoesquelético mais
favorável numa emissão subseqüente no registro modal, uma vez
que é realizado com a laringe abaixo do ponto de deglutição, com
pregas vocais bastante espessas e, portanto, com maior área de
mucosa livre para vibrar. MACHADO (1996) demonstrou que o uso do
som basal implica numa maior constrição da parte nasal da faringe
comparado ao registro modal, sugerindo-o como recurso terapêuti-
co nas insuficiências ou incompetências velofaríngeas em casos
selecionados. O uso do som basal, visando à adequação da
qualidade vocal, permite através da emissão de vogais neste
registro vocal, atuar diretamente na parte nasal da faringe de forma
isométrica. A utilização do espelho de Glatzel na realização da prova
terapêutica é um recurso clínico na indicação do uso do som basal.
A reavaliação nasolaringoscópica para diagnóstico e conduta
deve ser indicada quando, após um período de terapia articulatória,
as articulações compensatórias e qualidade vocal predominante-
mente nasal persistirem na fala espontânea.

INSUFICIÊNCIA VELOFARÍNGEA (IVF)


A compreensão da função velofaríngea é imprescindível para o
fonoaudiólogo que trabalha com fissuras labiopalatinas. A função
Fissuras Labiopalatinas e Insuficiência Velofaríngea 849

velofaríngea alterada é um dos aspectos mais comumente observa-


dos durante a avaliação da fala do indivíduo portador de fissura do
palato. O fechamento adequado do esfíncter velofaríngeo no proces-
so da articulação dos sons orais da fala permite que toda corrente
aérea sonorizada seja direcionada para a cavidade oral, na qual, pela
ação dos elementos articulatórios, produzirá a fala normal.
A terapia fonoaudiológica corrige os mecanismos articulatórios
compensatórios que são os componentes secundários da insufi-
ciência velofaríngea. Enfatizamos que a terapia fonoaudiológica
não corrige a insuficiência velofaríngea.
L ANG & KIPFMUELLER (1969) definiram a incompetência
velofaríngea como sendo a incapacidade de fechamento do
esfíncter velofaríngeo de ordem funcional, na qual as estruturas
anatômicas apresentam-se aparentemente íntegras e a insufi-
ciência velofaríngea, como sendo a falta de tecido necessário ao
fechamento velofaríngeo.
A função velofaríngea depende da integridade da musculatura
palatofaríngea, porém em alguns casos, mesmo após uma ade-
quada cirurgia reconstrutiva do palato, o indivíduo apresenta uma
voz predominantemente nasal por provável hipoplasia congênita
desta musculatura.
TABITH (1989) classificou as etiologias das insuficiências
velofaríngeas em orgânicas, funcionais e associação de ambas.

Orgânicas
• Desproporção palatofaríngea congênita constituída por pa-
lato curto congênito, faringomegalia ou associação de ambos.
• Desproporção palatofaríngea adquirida decorrente de ade-
noidectomia.
• Alterações anatômicas dos músculos do palato e do anel
velofaríngeo.
• Paresia ou paralisia palatina, central ou periférica.

Funcionais
• Deficiência mental.
• Deficiência auditiva.

Associação desses fatores

MÚSCULOS PALATOFARÍNGEOS
Os músculos da região da faringe nasal são:
• músculo tensor do véu palatino;
• músculo elevador do véu palatino;
• músculo da úvula (par)
• músculo palatofaríngeo
• músculo constritor superior da faringe;
• músculo palatoglosso.
850 Fonoaudiologia Prática

Músculo tensor do véu palatino


Não tem atividade pneumática, estando mais limitado à deglu-
tição, acredita-se que efetua a abertura da tuba auditiva, abaixando
ligeiramente a porção anterior do véu durante a deglutição.

Músculo elevador do véu palatino


No fechamento velofaríngeo, traciona o véu para cima e para
trás em direção à parede posterior da faringe nos adultos. Nas
crianças, a sua angulação é mais vertical, elevando o véu contra a
massa adenoideana. Dentre os músculos palatofaríngeos, o mús-
culo elevador do véu palatino e o músculo da úvula são considera-
dos os mais importantes no fechamento velofaríngeo completo.

Músculo da úvula (par)


Localizado na face dorsal do véu, conhecido como “eminência
do elevador”, promove o fechamento da linha média do esfíncter
velofaríngeo. Clinicamente, observa-se encurtamento da úvula.

Músculo palatofaríngeo
Tensiona a parede lateral faríngea superior e medialmente,
estreitando a orofaringe. Sem função nos sons nasais.

Músculo constritor superior da faringe


Estreita a parte nasal da faringe com medialização da parede
lateral e com menor deslocamento da parede posterior.

Músculo palatoglosso
Movimenta o véu palatino para baixo e para frente.

Padrões de fechamento velofaríngeo


SKOLNICK, MCCALL , BARNES (1973) classificaram os padrões
de fechamento velofaríngeo em:

Coronal – Quando há maior participação do véu palatino no


fechamento velofaríngeo.
Sagital – Quando há maior participação das paredes laterais
da faringe no fechamento velofaríngeo.
Circular – Quando há participação similar do véu palatino e
paredes laterais da faringe no fechamento velofaríngeo.
Circular com prega de Passavant – Considerado como uma
variação do tipo circular, quando há a formação da prega de Passavant
na parede posterior da faringe durante o fechamento velofaríngeo.

Há controvérsias quanto à eficácia do fechamento circular


com auxílio da prega de Passavant, eminência que se forma na
parede posterior da faringe, devido a sua localização que pode ser
velar, vertical ou uvular.
Fissuras Labiopalatinas e Insuficiência Velofaríngea 851

DIAGNÓSTICO DA INSUFICIÊNCIA VELOFARÍNGEA


O primeiro diagnóstico da insuficiência velofaríngea é clínico,
detectando-se sinais como qualidade vocal predominantemente
nasal, distúrbios articulatórios caracterizados principalmente por
substituições glóticas e otites de repetição. Esses sinais combina-
dos podem ser indícios da presença da insuficiência velofaríngea,
que será confirmada através de uma avaliação objetiva para se
verificar o grau desta insuficiência velofaríngea.

Avaliação clínica da insuficiência


velofaríngea
A avaliação clínica tem por finalidade detectar:
Hipernasalidade – Utilizando-se o teste de ressonância cul
de sac (BZOCH, 1979). O paciente emite a vogal /i/ fechando e
abrindo as narinas com os dedos polegar e indicador. No paciente
normal não observamos alterações de ressonância.
Escape de ar nasal – Utilizando-se o espelho de Glatzel,
colocado horizontalmente abaixo das narinas, e pedindo ao
paciente para soprar e emitir os sons /s/, /f/ e /σ/ prolongados
isoladamente e associados à vogal /i/. Normalmente, não deve
haver embaçamento do espelho. Não devemos realizar essa
prova diagnóstica na presença de substituições glóticas, pois dará
um falso negativo.
Distúrbios articulatórios – Avaliando-se o sistema fonêmico
para detectar substituições glóticas como golpe de glote, fricativas
faríngeas, sigmatismo laríngeo e co-articulação. A presença das
substituições glóticas podem ser indício de insuficiência
velofaríngea, mas podem mascará-la. Por esse motivo, devem ser
corrigidas e somente a sua persistência, após terapia fonoarticu-
latória adequada, é considerada como sinal de insuficiência
velofaríngea.

Avaliação objetiva da insuficiência


velofaríngea
A avaliação objetiva é realizada para diagnóstico do grau da
insuficiência velofaríngea, podendo ser realizada através de ima-
gens radiológicas, sendo a videofluoroscopia e a nasolaringoscopia
as mais utilizadas. Cada exame tem suas vantagens e limitações.
O ideal será a combinação dos dois para a avaliação estática e
dinâmica na fala e deglutição. A necessidade de colaboração do
paciente muitas vezes inviabiliza a avaliação nasofaringoscópica
em pacientes de uma faixa etária menor. Como são pacientes já
muito manipulados por exames, procedimentos médicos e cirúr-
gicos, tendem a resistir com medo ao exame, exigindo do médico
muito tato e sensibilidade. Na videofluoroscopia, a desvantagem
é a exposição à radiação.
852 Fonoaudiologia Prática

Pelo resultado da avaliação do grau da insuficiência velofa-


ríngea, o próximo passo é determinar a conduta imediata, cirúrgi-
ca ou terapia fonoaudiológica.

Tratamento cirúrgico nas insuficiências


velofaríngeas
O objetivo é a correção dos componentes primários da
insuficiência velofaríngea, hipernasalidade e escape de ar na-
sal. A eleição da técnica cirúrgica mais adequada ao tipo de
fechamento velofaríngeo será indicada pelo Cirurgião Plástico.
Na eleição da técnica o cirurgião leva em conta vários fatores,
como a presença de vegetação adenoideana, forma do palato,
participação das paredes laterais e posterior, gap e padrão de
fechamento velofaríngeo.
As técnicas cirúrgicas são variadas. Podemos citar:
Hynes – Projeção da parede posterior da faringe pela inclusão
de silicone sólida na parede posterior da faringe
Push-back – Alongamento do palato em direção à parede
posterior da faringe. O alongamento do véu palatino é normalmen-
te considerado insatisfatório, sendo reservado para casos que
apresentam um pequeno gap no fechamento velofaríngeo.
Retalho faríngeo – De pedículo inferior ou de pedículo
superior. O resultado do retalho faríngeo de pedículo superior
mostra-se mais eficaz em relação ao de pedículo inferior, sendo
utilizado quando há boa mobilidade das paredes laterais da
faringe. Os retalhos faríngeos duplos descritos por ISSHIKI (1975)
são mais efetivos, considerando-se a atrofia do retalho que
normalmente ocorre no pós-cirúrgico.
O entrosamento e troca de conhecimentos entre o profissional
que realiza o exame e o que executa a correção cirúrgica é
imprescindível para resultados mais satisfatórios.

Tratamento fonoaudiológico nas


insuficiências velofaríngeas
Avaliação do sistema sensoriomotor oral
• Sensibilidade
• Tonicidade
• Mobilidade

Palato mole – Observam-se o comprimento, mobilidade,


fístulas, cicatrizes, largura da faringe, profundidade e condição
das amígdalas.
PICCOLI (1995) adaptou a classificação proposta por HENNINGSON
& ISBERG (1986) para avaliação da voz e da fala. Recomenda-se
documentar o exame com gravação em fita cassete (modo de
gravação mono). A ressonância e a articulação recebem valores de
zero a quatro, conforme o grau de comprometimento.
Fissuras Labiopalatinas e Insuficiência Velofaríngea 853

Ressonância
0. Ressonância normal.
1. Ressonância normal, levemente nasal mas aceitável.
2. Ressonância predominantemente nasal com necessidade
de tratamento.
3. Ressonância severamente nasal com necessidade urgente
de tratamento.
4. Fala ininteligível devido à hipernasalidade.

Articulação
0. Sem articulação glótica (articulação normal).
1. Articulação com enfraquecimento de fonemas.
2. Articulação com pontos corretos e/ou com omissões e
discreta co-articulação glótica.
3. Substituição glótica ocasional e co-articulação considerá-
vel.
4. Substituições glóticas na maioria dos sons plosivos e
fricativos.

Conduta
• Sem insuficiência velofaríngea e com distúrbio articulatório
→ terapia fonoaudiológica.

• Insuficiência velofaríngea leve → terapia fonoaudiológica


por 6 meses → reavaliação nasolaringoscópica → terapia
fonoaudiológica ou cirurgia.

• Insuficiência velofaríngea severa → cirurgia (faringoplastia)


→ terapia fonoaudiológica.

Sugerimos a realização de provas terapêuticas durante a reali-


zação da avaliação nasolaringoscópica. O treino articulatório, o
recurso da voz cochichada, a oclusão das narinas, a projeção
controversa /s/ (PICCOLI, MONTENEGRO, TSUJI, 1995) ou a emissão
de vogais em registro basal poderão ser usados em terapia quando,
pela avaliação nasolaringoscópica, observa-se melhor fechamento
velofaríngeo com esses procedimentos.

Terapia fonoaudiológica após correção


cirúrgica da insuficiência velofaríngea
A terapia fonoaudiológica deve ser iniciada após a correção
cirúrgica quando cede o edema, com 45 dias aproximadamente,
utilizando-se as mesmas técnicas de direcionamento do fluxo
do ar pela cavidade oral, usando pistas visuais, cinestésicas e
táteis.
854 Fonoaudiologia Prática

Importância da presença de adenóides e


amígdalas nos indivíduos portadores de
fissuras labiopalatinas
A estrutura velofaríngea apresenta uma fisiologia complexa
pela multiplicidade de funções concomitantes como a articulação
dos sons da fala, a deglutição, a respiração nasal e a abertura da
tuba auditiva para aeração da cavidade timpânica. As amígdalas
e as adenóides, pelo volume que ocupam na região da orofaringe
e da faringe nasal, podem interferir, ajudando ou dificultando as
funções velofaríngeas.
Quando presentes, as adenóides podem ajudar no fechamento
velofaríngeo, como ocorre nas crianças, mas em alguns casos,
tornam-se a causa de infecções constantes das vias aéreas supe-
riores e otites recorrentes, prejudicando a saúde geral da criança.
Nesses casos, a avaliação cuidadosa, as tentativas de tratamentos
medicamentosos e a indicação cirúrgica de adenoamigdalectomia
devem ser acompanhadas de perto pelo fonoaudiólogo. A mãe deve
ser esclarecida pelo otorrinolaringologista, cirurgião plástico e fo-
noaudiólogo quanto à possibilidade de nasalização dos sons da fala
e qualidade vocal predominantemente nasal no pós-cirúrgico e os
recursos disponíveis para posterior correção.

SEQÜELAS DE FISSURAS LABIOPALATINAS


MÉLEGA & ROXO (1992) afirmam que a correção cirúrgica
primária das fissuras labiopalatinas é de fundamental importância
no restabelecimento estético-funcional. Muitas vezes ocorrem
seqüelas, por falhas técnicas na cirurgia primária como o fecha-
mento sob tensão, ocorrência de infecção na linha de sutura ou o
desenvolvimento de cicatriz hipertrófica. O fonoaudiólogo fre-
qüentemente se depara com seqüelas que inviabilizam um bom
resultado na terapia fonoaudiológica.
Quando ocorrem seqüelas cirúrgicas, o desenvolvimento es-
tético, funcional, social e psicológico do indivíduo fica comprome-
tido por toda sua vida.
As seqüelas cirúrgicas envolvem as partes moles, lábios e
palato, as partes duras , ossos da face e as deformidades nasais.

SEQÜELAS DE PARTES MOLES


Estas seqüelas são observadas nos lábios e palato anterior e
posterior.

Lábios
• Cicatrizes hipertróficas, prejudicando a mobilidade: protru-
são, distensão e oclusão labial (Fig. 37.8B).
• Deiscências por infecção ou uso inadequado das técnicas
cirúrgicas (Fig. 37.8C).
Fissuras Labiopalatinas e Insuficiência Velofaríngea 855

• Perda de substância quando o vermelhão do lábio superior


está completamente apagado (Fig. 37.8A).
• Presença de entalhe na região da cicatriz provocando uma
retração do lábio superior.

A B

FIGURA 37.8 – A) Perda de substância com o


vermelhão do lábio superior completamente apa-
gado. B) Cicatriz hipertrófica no lábio superior. C)
Falta de continuidade do músculo orbicular oral. C

Palato anterior
A presença de fístulas e deiscências da mucosa do palato
anterior não prejudicam a voz, porém podem proporcionar escape
nasal de líquidos durante a alimentação. A correção cirúrgica é
realizada após tratamento ortopédico-ortodôntico para expansão
palatina quando há colapso das lâminas, provocado pela retração
cicatricial da mucosa. A intervenção cirúrgica antes do procedi-
mento de separação das lâminas palatinas poderá ser inútil pois,
com a expansão, há risco de recidiva da fístula. O palato anterior
atrésico dificulta a postura lingual em repouso, na articulação dos
fonemas linguoalveolares, assim como, a adequada coaptação
no ato da deglutição (Fig. 37.9).
856 Fonoaudiologia Prática

FIGURA 37.9 – Deiscência do palato anterior.

Palato posterior
As seqüelas do palato posterior, fístulas ou cicatrizes, são
significativas no que diz respeito à fonação, sendo a gravidade
proporcional à dimensão da seqüela.

Fístulas
As fístulas assintomáticas com menos de 5 mm provocam o
escape de líquidos mas não afetam a voz, porém, as maiores
que 5 mm, consideradas sintomáticas, provocam escape de
líquidos, de alimentos e escape nasal durante a emissão fonoarti-
culatória (Fig. 37.10 A e B). A correção das fístulas deve ser feita
posteriormente à terapia fonoarticulatória. No processo tera-
pêutico, não há preocupação com o escape nasal e sim com a
correção fonoarticulatória. Uma vez corrigida a articulação,
realiza-se a avaliação da função velofaríngea através da
nasolaringoscopia. Detectando-se a insuficiência velofaríngea,
o cirurgião plástico realiza a correção da fístula e da insuficiên-
cia velofaríngea num único tempo cirúrgico. Quanto a menos

A B

FIGURA 37.10 – A) Fístula oronasal assintomática. B) Fístula oronasal sintomática.


Fissuras Labiopalatinas e Insuficiência Velofaríngea 857

tempos cirúrgicos o paciente for submetido, menores serão os


riscos e possibilidades de novas seqüelas.

Cicatrizes
As cicatrizes hipertróficas (Fig. 37.11) são seqüelas que
podem ser decorrentes de grandes descolamentos periostais,
manuseio agressivo dos instrumentos cirúrgicos, falta de domínio
da técnica cirúrgica ou infecções no pós-operatório.
Na avaliação clínica, observa-se hipertrofia da cicatriz cirúrgi-
ca ou mau direcionamento das fibras musculares. Em alguns
casos, na avaliação nasolaringoscópica observa-se boa mobilida-
de das paredes laterais e posterior da faringe, mas o véu palatino
não se aproxima para participar do fechamento velofaríngeo,
limitado pela presença da cicatriz. O palato posterior pode, em
casos mais graves, apresentar-se sem mobilidade devido à perda
de substância por infecção ou necrose por lesão arterial, podendo
ocorrer a perda total desta estrutura.

FIGURA 37.11 – Cicatriz hipertrófica no palato


mole.

SEQÜELAS DE PARTES ÓSSEAS


As seqüelas de partes ósseas são o estigma do indivíduo
portador de fissura labiopalatina, nas quais o volume do esqueleto
ósseo é menor que o normal, determinando uma deformidade
ântero-posterior por alteração do crescimento maxilar (PSILLAKIS,
1982), o que confere uma cavidade nasal menor, apresentando
uma hipoplasia do terço médio da face.
A face é constituída pelos ossos malares, maxila e mandíbula.
Quando ocorre alteração no crescimento de um destes, os demais
também serão afetados, interferindo diretamente no desenvolvi-
mento das arcadas dentárias. As alterações da oclusão dentária
são bastante acentuadas, sendo passíveis de correção através da
cirurgia ortognática, ortodontia e reabilitação oral protética, no
indivíduo adulto. Na criança, há possibilidades de intervenção
precoce através da ortodontia preventiva e/ou ortopedia funcional
dos maxilares, auxiliando o crescimento facial mais harmônico.
858 Fonoaudiologia Prática

Podemos observar alterações estéticas do perfil mole acom-


panhando a hiploplasia maxilar como um lábio superior retroposto,
queda do sulco nasogeniano, retificação ou concavidade da
região jugal da bochecha (Fig. 37.12).

Seqüela óssea

A B
FIGURA 37.12 – A) Deformidade ântero-posterior. B) Alteração da oclusão dentária.

DEFORMIDADES NASAIS
Na fissura labiopalatina unilateral, a asa do nariz do lado
fissurado apresenta uma inclinação caudal e o lado são, mais
cranial, o que leva a desvio do septo cartilaginoso, horizontalização
e estreitamento da narina fissurada, causando obstrução nasal e
alteração na respiração.
Na fissura labiopalatina bilateral, não observamos desvio do
septo cartilaginoso, uma vez que o mesmo não está implantado
sobre nenhuma das lâminas palatinas, porém a columela é curta, o
que leva a uma horizontalização e estreitamento das narinas,
provocando obstrução nasal e alteração na respiração (Fig. 37.13).
Na avaliação nasolaringoscópica, estas alterações devem ser
consideradas pelo profissional que realiza o exame.

A B
FIGURA 37.13 – A) Deformidade nasal na fissura unilateral. B) Deformidade nasal na fissura bilateral.
Fissuras Labiopalatinas e Insuficiência Velofaríngea 859

CORREÇÃO CIRÚRGICA DAS SEQÜELAS


As correções das seqüelas, tanto de partes moles como as
de partes duras e as deformidades nasais são cirúrgicas, com
acompanhamento fonoaudiológico no pré e pós-operatório.
Diversas técnicas cirúrgicas podem ser utilizadas de acordo
com a extensão e a gravidade da seqüela, como por exemplo,
os retalhos de músculo bucinador ou o enxerto de língua, para
correção de fístulas e de deiscências no palato e o avanço de
maxila e/ou retroposição de mandíbula nas desproporções
ósseas.
Quando esgotadas as possibilidades de correção cirúrgica e
mesmo assim não se obtém um resultado satisfatório, o fonoau-
diólogo deve utilizar recursos terapêuticos que promovam
modificações na função, por mínimas que pareçam, mas que
propiciem ao indivíduo uma qualidade de vida melhor.

Leitura recomendada
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Atuação Fonoaudiológica nos Distúrbios Articulatórios 861

38
Atuação Fonoaudiológica
nos Distúrbios Articulatórios

Zelita Caldeira Ferreira Guedes

INTRODUÇÃO

Os distúrbios articulatórios são as alterações mais comuns da


fala. Mundialmente, esta alteração aparece como a manifestação
mais freqüente dentre a população infantil ou adulta. De acordo
com VAN RIPER (1972) cerca de 75% dos problemas de fala são
articulatórios.
A fala, de forma genérica, pode ser entendida como a maneira
de se comunicar oralmente, assim como é o processo observável
da linguagem oral. Já os distúrbios articulatórios que hoje são
reconhecidos como desvios fonológicos evolutivos seriam as
falhas, caracterizadas de forma simplista por trocas, omissões e
distorções dos fonemas na fala.
Estas perturbações podem ser ocasionadas por problemas
anatômicos (fissura labial e palatina, hipoacusia, macro ou
microglossia), por problemas emocionais (psicoses infantis, desa-
justes psicológicos graves) ou por causas funcionais, onde a
criança apresenta dificuldade para falar, sem contudo apresentar
como fator etiológico, as razões anteriormente citadas.
BALEN (1995) comenta que algumas crianças, ao desenvolver sua
fala, apresentam alterações fonológicas, criando dificuldades de
comunicação, pois não há unidades contrastivas em suas emissões.
VAN R IPER (1972) diz que alguém é portador de um distúrbio de
fala, quando a pessoa se distancia tanto do padrão do interlocutor,
862 Fonoaudiologia Prática

que chama a atenção deste, interfere na comunicação e cria um


processamento inadequado. Para ele a fala é alterada quando é
“proeminente, ininteligível e desagradável”.
Pode-se dizer que é recente a preocupação com as alterações
da fala. PERKINS (1971) relata que até há algum tempo, o distúrbio
articulatório, bem como outras alterações de fala, eram vistos
como um problema neuromuscular ou perceptivo, ou mesmo de
aprendizado, mas não como decorrentes de uma exposição
sistemática de linguagem.
Ainda segundo PERKINS (1971), o fonoaudiólogo é responsá-
vel inicialmente por “entender os aspectos comportamentais da
fala, ter acesso ao conhecimento de modo científico, confiar nas
disciplinas afins para assegurar seu estudo do processo de
comunicação, e aplicar o seu conhecimento aos problemas
intrincados envolvidos nas alterações da fala”.
A maior importância que se deve dar a este questionamento
é o fato de que somente o Homem desenvolve a fala. É através
dela que ele revela seus anseios e desejos, seus temores, sua
alegria ou tristeza, frustrações e todos os outros sentimentos que
possam ser demonstrados através das palavras.

FISIOLOGIA DA FALA
Graças ao sistema nervoso central, as estruturas dos siste-
mas respiratório e digestivo puderam associar-se e produzir a fala.
Para WEST (1971) a fala é uma função da respiração, que se
deve às mudanças neurofisiológicas dos reflexos laríngeos, que
podem ocasionar significados discriminatórios (exemplos no por-
tuguês: faca vs. vaca, casa vs. caça, etc.).
A musculatura da articulação recebe impulsos voluntários dos
nervos cranianos: hipoglosso (XII par), glossofaríngeo (IX par) e
plexo faríngeo – glossofaríngeo, vago e acessório (IX, X e XI
pares).
Sabe-se que a menor unidade com significado na linguagem
é a palavra. Para seu reconhecimento, inicialmente a pessoa
recebe os estímulos auditivo, tátil, visual, proprioceptivo e poste-
riormente estes estímulos são levados ao lobo parietal do hemis-
fério esquerdo onde se dá o “reconhecimento consciente” (WEST,
1971). Se a situação exige que a pessoa fale a palavra, então os
estímulos saem do lobo parietal e vão para córtex motor esquerdo
do lobo frontal, e na área de Broca, a palavra torna-se consciente
através da fala. Neste momento, as células motoras especiais da
fissura de Rolando (borda posterior do lobo frontal esquerdo) são
acionadas levando o estímulo para o corpo caloso e transferindo-
o para o hemisfério direito. A partir do momento em que é iniciado
o processo de emissão da palavra, sensações na área são
recebidas. Estas vêm pelas vias auditiva e proprioceptiva. Estas
sensações iniciam os próximos movimentos envolvendo os sons
que deverão ser emitidos, formando portanto as palavras.
Atuação Fonoaudiológica nos Distúrbios Articulatórios 863

O mais interessante disto tudo, segundo G RAY (1971), é que


os movimentos para fala são complexos e variáveis. Eles se
modificam de acordo com o contexto fonético, com a carga
emocional ou com a formalidade ou informalidade da situação,
tornando a articulação em algumas situações mais acurada e,
portanto, melhorando a inteligibilidade. Para ele, durante a produ-
ção de qualquer som, tanto isolado como dentro de contexto,
deve-se observar: que o som deve ser correta e adequadamente
formado, ter sustentação da respiração e a formação para a
produção do próximo som deve ser limpa, positiva e atenta.
Na produção dos fonemas, do ponto de vista da execução do
movimento para a emissão, pode-se dizer apenas se esta é
aceitável ou não, pois ela está intrinsicamente associada à inteli-
gibilidade.
A melhor flexibilidade e agilidade dos órgãos fonoarticulatórios
vai proporcionar melhor clareza na produção. Falta de precisão
decorrente de malformações, por exemplo, interfere diretamente
na comunicação.
Nesta situação, não se pode esquecer da importância da
respiração. Se o ar estiver dissociado do movimento articulatório,
por melhor que este último seja, não existirá a emissão sonora. Na
diferença de vibração para a realização dos fonemas sonoros e
surdos, a passagem do ar também é de suma importância.
Cabe salientar, que embora a realização fonética se constitua
em uma importante forma de atualizar a comunicação, o que
realmente conta do ponto de vista da interação social é o conteúdo
que se quer comunicar.
Os fonemas podem ser classificados de várias formas, segun-
do GRAY (1971): pela modificação da voz produzida na laringe e
com ressonância nasal ou oral; pela obstrução total ou parcial da
passagem do ar nas pregas vocais e posteriormente pelo contato
do palato, língua ou lábios e pela combinação de ambos.
As pregas vocais podem permitir a passagem livre do ar que
vem dos pulmões, ou oferecer certa resistência. No primeiro caso,
realizam-se os fonemas surdos, no segundo, os sonoros. Quando
as pregas estão semicerradas, tem-se a produção dos fonemas
sussurrados.
O som que foi produzido na laringe precisa ser ampliado nas
caixas de ressonância. A cavidade bucal parece ser a caixa mais
importante, embora haja também a faringe, as fossas nasais e a
projeção anterior dos lábios. Quando o esfíncter velofaríngeo
encontra-se fechado, há a produção dos sons orais. Devido à
posição da língua, pode-se ter a ressonância mais anterior ou
mais posterior na cavidade oral.
Dependendo do obstáculo que o ar encontra à sua frente,
ocorre o modo de articulação. Há uma ampla variação desde a
abertura mais ampla como na vogal /a/ até a obstrução total como
no /p/. Quando a obstrução é total, os fonemas produzidos são os
oclusivos. Quando a obstrução é parcial, os fonemas são fricativos.
864 Fonoaudiologia Prática

A língua também modifica a sua posição dentro da boca.


Quando a ponta está em contato com o palato e o ar passa pelas
bordas, temos a produção do /l/. Se ocorre uma ou mais batidas
neste ponto, tem-se o flap ou a vibrante /r/. É a variação de
movimento de língua e lábios que produzirá os pontos articulatórios:
bilabiais, linguodentais, dentolabiais, etc.
De acordo com CABRAL (1973), a fonética é a ciência que
estuda os sons da fala. Estes podem ser estudados do ponto de
vista articulatório ou acústico, pela fisiologia e pela física,
respectivamente. A fonética “procura descrever os sons do
ponto de vista das modificações que o ar expelido pelos pul-
mões sofre ao passar pelo aparelho fonador, no ato da fala, bem
como outros sons produzidos pela ingressão do ar na boca,
sucção ou percussão dos lábios ou língua ou oclusão da glote”
(p. 43).
Segundo YAVAS e cols. (1992), “o inventário fonético de uma
língua é o conjunto de sons ou segmentos utilizados pelos
falantes, incluindo características de diferentes variedades” (p. 37).

SEGMENTOS p b t d k g f v s z s z c j m n ñ R r l λ y w
TRAÇOS
SOANTE – – – – – – – – – – – – – – + + + + + + + + +
SILÁBICO – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – –
CONSONANTAL + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + – –
CONTÍNUO – – – – – – + + + + + + – – – – + + + + + + +
MET. RETARD. – – – – – – + +
NASAL – – – – – – – – – – – – – – + + + – – – – – –
LATERAL – – – – – – – – – – – – – – – – – – – + + – –
ANTERIOR + + + + – – + + + + – – – – + + – – + + – – –
CORONAL – – + + – – – – + + + + + + – + – – + + + – –
ALTO – – – – + + – – – – + + + + – – + + – – + + +
POSTERIOR – – – – + + – – – – – – – – – – – + – – – – +
SONORO – + – + – + – + – + – + – + + + + + + + + + +
ESTRIDENTE – – – – – – + + + + + + + + – – – – – – – – –

Matriz dos segmentos consonantais do português, segundo o modelo de traços distintivos de CHOMSKY & HALLE
(1968).

Os sons da fala podem ser investigados de acordo com a


função que eles exercem. Para que se realize este estudo, temos
a fonologia. Ela, segundo JAKOBSON (1972), vai estudar basica-
mente as diferenças fônicas que distinguem as significações
dentro da língua. Uma característica qualquer, que distingue dois
sons e duas significações, constitui uma oposição fonológica. Por
exemplo: faca e vaca são palavras com significados diferentes,
onde os sons /f/ e /v/ opõem-se pelo traço de sonoridade; têm
portanto um valor contrastivo.
Atuação Fonoaudiológica nos Distúrbios Articulatórios 865

DESENVOLVIMENTO DA FALA
Como já foi citado anteriormente, o aprendizado das pala-
vras dá-se devido a uma série de sensações que são substi-
tuídas por palavras. SAUSSURE (1972) chama de signo lingüístico
aquilo que une um conceito a uma imagem acústica. Este não
é o som puramente físico, mas a “impressão psíquica” (p. 80)
desse som.
No processo de aquisição de linguagem, a criança é exposta
ao seu meio ambiente e gradativamente vai depreendendo e
emitindo os sons desta língua, que constituirão a sua fala. Entre-
tanto, nem sempre esse processo ocorre de forma adequada.
O desenvolvimento da fala, segundo PERKINS (1971), é um
produto do desenvolvimento vocal e articulatório, mas principal-
mente do desenvolvimento lingüístico. A motivação para falar é
um aspecto que de forma alguma pode-se esquecer: além do
treino da habilidade para a emissão dos fonemas, a criança
precisa saber o que quer dizer, quais as palavras que devem ser
usadas. Este processo atende especificamente a necessidade de
expressar idéias.
Quando a criança torna-se capaz de selecionar os sons de sua
língua, também as palavras passam a ser escolhidas corretamen-
te, através de escolhas gramaticais e semânticas. Há a seleção
sintática que realizará a formação das frases com conteúdo
significativo. Neste momento, porém, ainda há uma dificuldade: a
inteligibilidade. Nem sempre a criança tem habilidade para a
realização do fonema. Houve o desenvolvimento fonológico ade-
quado, mas que às vezes apresenta certos contrastes com a
produção articulatória.
O que se verifica é que, embora a criança consiga depreender
os fonemas e as características que os diferenciam uns dos
outros, ela ainda não é capaz de produzir estas diferenças na sua
totalidade. Os ajustes motores necessários para tal produção
ainda não são efetivos.
Imagina-se que inicialmente a criança apenas ouça uma série
de ruídos que com o tempo são distinguidos pela melodia,
evidenciando a entonação. Este procedimento favorece a com-
preensão da fala.
Os mecanismos biológicos que determinam a fala são altamen-
te especializados. A aerodinâmica do trato vocal, por exemplo,
permite um melhor controle do pitch e da qualidade dos fonemas.
Além disso, a mobilidade da língua, lábios e palato permite a
acuidade de movimentos, fazendo com que seja relativamente fácil
emitir sons em cadeia. O ajuste laríngeo para a emissão das vogais
é primordial, sendo necessária uma maturação das estruturas, que
ocorre durante o desenvolvimento da criança, a partir do choro.
Alguns fatores podem interferir no processo da articulação dos
fonemas. Segundo SPINELLI e cols. (1984), existem fatores aferen-
tes e eferentes que agem diretamente na produção articulatória.
866 Fonoaudiologia Prática

Os aferentes são aqueles que levam informações ao SNC referen-


tes às funções auditiva, tátil, proprioceptiva e visual e que colabo-
rarão com a correção, quando necessária, do movimento
articulatório.
A função auditiva fornece o modelo acústico (recepção,
discriminação e memória) vindo tanto do meio externo, como da
produção do próprio indivíduo. Trabalhos como o de ADAMS &
G ATHERCOLE (1995) evidenciam que uma memória fonológica
pobre produz uma fala espontânea gramaticalmente menos
complexa, com vocabulário mais restrito e com reduzida capa-
cidade de modificações nos diferentes contextos. Portanto, as
habilidades articulatórias são instrumentos indiretos para o
desenvolvimento dos padrões de produção de fala. Crianças
com memória fonológica mais pobre acabam produzindo mais
erros de origem fonológica em sua fala, pois as primeiras
realizações articulatórias podem influenciar diretamente nos
padrões de memória fonológica da criança e estes favorecerão
o aprendizado de estruturas sintáticas.
A função tátil informa sobre os pontos de contato durante a
emissão dos fonemas. MCDONALD & AUNGST (1967) afirmam que
a dificuldade para perceber formas na cavidade intra-oral está
associada à inabilidade para perceber a posição da língua e à
alteração articulatória. Vários autores encontraram pacientes
adultos ou crianças com distúrbio articulatório e com mais dificul-
dade para reconhecer formas. Estes dados são verificados nas
pesquisas de MOSER e cols. (1967); WEINBERG e cols. (1970);
RINGEL e cols. (1970) e nas de ROSENBECK e cols. (1973) que em
quadros de apraxia também verificaram aquela dificuldade che-
gando a afirmar que em parte a alteração da função orossensorial
contribui para os quadros de apraxia. COLELLA (1988), estudando
um grupo de crianças de 5 a 8 anos, concluiu que as crianças com
alteração de fala apresentaram também “alteração da função
orossensorial significantemente maior que as crianças normais”.
A função proprioceptiva corresponde às informações vindas
dos músculos e tendões que analisam a complexidade do movi-
mento para a formação de cada um dos sons articulados.
E por fim a função visual que se responsabiliza pela formação
visual da produção fonoarticulatória.
Quanto aos fatores eferentes, é necessário que os movimen-
tos para a realização de cada fonema sejam precisos, com
velocidade e pressão adequadas e na seqüência correta.
Vários estudos têm sido realizados demonstrando que certas
alterações das estruturas participantes (má-oclusão dentária,
flacidez da língua, por exemplo) acabam por prejudicar a realiza-
ção do fonema, tornando-o distorcido.
HARRINGTON & BREINHOLT (1963) realizaram estudo que
demonstra a relação da emissão incorreta de /s/ e /z/ relaciona-
da à protrusão dos lábios e à projeção da língua, além da
dentalização de /t,d,n,l/. O mesmo ocorreu na pesquisa de
Atuação Fonoaudiológica nos Distúrbios Articulatórios 867

ANSTENDIG (1966) que estudou crianças com deglutição atípica


e que também distorciam os fonemas sibilantes. ERLICH (1967)
destacou em seus trabalhos a grande porcentagem de crianças
que apresentavam concomitantemente alteração de postura de
língua durante a respiração e dificuldade de fala. BLOOMER
(1971) apresentou uma relação entre as más-oclusões e distúr-
bios articulatórios, além da respiração oral. COLEMAN & GULLIKSON
(1971) afirmaram que crianças que apresentam distúrbio
articulatório e que passam a apresentar oclusão dentária com
alterações, podem ter suas dificuldades acentuadas. BARRET &
HANSON (1974) afirmaram que a má-oclusão causa o distúrbio
de fala. Para eles a deglutição normal é um fator preponderante
para a correta emissão de fala. Eles referiram que a mordida
aberta anterior com deglutição atípica acarretaria distorção de
/s/ e /z/; que o avanço maxilar afetaria a produção das bilabiais
/p, b, m/ e que a Classe III de Angle poderia afetar a emissão de
/f, v/. FERRAZ (1980) pode correlacionar a má-oclusão à articu-
lação assim como ARAÚJO (1986) e WERTZNER (1990) correla-
cionaram os desvios da deglutição aos da fonação. VAIDERGON
& HANSON (1991) indicaram a inter-relação entre os hábitos
inadequados de sucção e os padrões atípicos de deglutição que
favorecem a realização distorcida dos fonemas /s/ e /z/. COLLUCCI
(1991) encontrou correlação entre as distorções na produção de
fonemas dentais e alveolares e a amplitude alterada do arco
dental superior.
JAKOBSON (1968) observou que a ordem de aquisição de
fonemas nas diferentes línguas dá-se de forma semelhante.
Esta padronização baseia-se nos traços distintivos, que obede-
cem à seguinte ordem: oposição entre vogal – consoante,
fonema oral – nasal, fonema bilabial – dental, oclusivo bilabial –
velar ou oclusivo dental – velar. Os fonemas oclusivos antece-
dem os fricativos e estes os líquidos. MENYUK (1975) acrescenta
outros traços também importantes na distinção entre os fone-
mas: sonoridade, nasalidade, estridência, continuidade e ponto
de articulação.
YAVAS (1988) estudou crianças no Rio Grande do Sul e
conseguiu determinar o desenvolvimento fonológico desta amos-
tra de crianças brasileiras. As plosivas são as primeiras a serem
adquiridas, principalmente as dentais. As fricativas anteriores
são produzidas antes que as posteriores: /f e v/ antes de /s e z/
(3 anos a 3 anos e 4 meses) e estes antes de /s/ e /z/ (entre 3
anos e 4 meses e 4 anos). De acordo com BALEN (1995), essa
ordem é da aquisição fonológica e não fonética, pois a possibi-
lidade de produção de /s/ e /z/ é anterior. As líquidas são de
aquisição mais tardia: /l/ aos 2 anos e 8 meses, /R/ aos 3 anos,
/r/ aos 4 anos e /λ/ aos 4 anos e 2 meses. Os encontros
consonantais acontecem depois dos 4 anos. As líquidas normal-
mente são substituídas por [y].
868 Fonoaudiologia Prática

DESVIOS DA FALA
Para PERKINS (1971) a aquisição dos fonemas dá-se até os 7
anos mais ou menos. Para ele, a memória é imprescindível na
aquisição da fala principalmente para o armazenamento das
informações adquiridas durante todo o desenvolvimento, já que a
fala e a linguagem são aprendidas.
MILISEN (1971) observou que os primeiros estudos sobre as
alterações de fala deram-se por volta da década de 40. O que
provocava muito questionamento e investigação era o fato da fala
ser um processo dinâmico, impossível de se estabelecer padrões
imutáveis. Um mesmo indivíduo pode falar de mil maneiras
diferentes a cada momento, dependendo de seu desejo. Um
mesmo som pode ser modificado pela mesma pessoa desde o seu
nascimento até a sua morte. A variabilidade aumenta, tornando
portanto as situações mais difíceis, em termos de previsão de
como um som será emitido.
Por ser a fala um meio de comunicação, ela envolve o falante
e o ouvinte. No caso de desvios da fala, tanto o falante como seu
interlocutor atuam de forma diferente, interferindo na comunica-
ção. Esta interferência pode ser incômoda e desagradável.
Toda e qualquer ação comunicativa exige atenção. No caso
dos distúrbios, esta atenção desloca o seu foco mais para a forma
como o falante fala, do que para aquilo que ele quer expressar.
Esta situação pode em pouco tempo, por exemplo num diálogo,
criar uma situação embaraçosa e até de rejeição. Cabe lembrar
agora, que há um índice de aceitabilidade, que fará com que a
situação acima descrita seja mais ou menos aceita pelo interlocutor
e pelo falante, que também pode se sentir constrangido pelo seu
defeito. Pode-se depreender portanto, que, a medida para se dizer
se um indivíduo é ou não portador de um distúrbio mais ou menos
grave passa a ser relativa à resposta de um ou de ambos à
situação de comunicação. Segundo VAN RIPER (1972), este fator
de aceitabilidade é muito mais tolerado nas crianças pequenas do
que nas maiores. Espera-se que crianças pequenas falem errado,
mas não se admite que crianças em idade escolar façam o
mesmo.
IRWIN (1946) estudando o comportamento verbal de crianças,
comprovou que a freqüência de produção de sons aumenta até os
30 meses de idade. Nesta época a criança já é capaz de apresen-
tar um comportamento muito parecido com o do adulto. Entretan-
to, existem variações individuais bastante grandes, tanto de
quantidade de fonemas como da ordem de manifestação.
As variações de fala encontradas nas crianças indicam que
um atraso na produção dos fonemas, bem como a redução de
variedade de produção podem constituir um dado de observação
importante para se diagnosticar uma alteração de fala.
Sabe-se que os meninos são mais lentos para adquirir a fala
e apresentam alterações mais freqüentemente do que as meni-
Atuação Fonoaudiológica nos Distúrbios Articulatórios 869

nas. IRWIN & CHEN (1946) verificaram que os meninos tendem a


ser inferiores às meninas, no decorrer do segundo ano de vida,
quanto à produção dos fonemas. TOMÉ (1995) encontrou em seu
estudo um predomínio de 62,1% de meninos falando errado e as
alterações articulatórias mais freqüentes foram relacionadas aos
fonemas dentoalveolares. SPIKER (1951) encontrou meninas su-
periores aos meninos entre o 20º e 30º mês, quanto à variedade
de produção de fonemas.
Alterações cognitivas, emocionais, sensoriais, anatômicas,
neurológicas e diferenças ambientais podem atrasar o desenvolvi-
mento da fala. Crianças com retardo intelectual, além de demora-
rem mais para iniciar a falar, apresentam mais imprecisões articulatórias
e alterações mais complexas do que as crianças normais. O
mesmo ocorrerá com aqueles portadores de neuroses ou psico-
ses. Os surdos, como se sabe, vão apresentar um desenvolvimen-
to de fala característico. Aquelas crianças portadoras de malforma-
ções também terão um padrão de fala com manifestações especí-
ficas, bem como as portadoras de doenças neurológicas congêni-
tas, adquiridas ou progressivas. Ocasionalmente, a língua pode
apresentar alterações anatômicas como na macroglossia (língua
muito grande), microglossia (língua muito pequena) e aglossia
(ausência parcial ou total da língua). Nestes casos, a fala será
realizada de forma compensada através de movimentos de lábios
e dentes, que substituem a ponta da língua nos fonemas apicais,
o assoalho da boca e o coto da língua posteriorizam-se para junto
com palato realizarem os fonemas de dorso de língua e os arcos
palatais podem se aproximar para a execução de sons posteriores
(BLOOMER, 1971). GUEDES e cols. (1990) atenderam uma criança
com estas características e sua fala tornou-se bastante inteligível
como afirma WEINBERG e cols. (1969). Crianças institucionalizadas
também apresentam produção deficitária. A falta de estimulação e
reforço fazem-nas apresentar uma manifestação aquém daquela
esperada para a idade. Também aquelas crianças oriundas de
classes sociais mais desfavorecidas costumam apresentar altera-
ções articulatórias, que nestes casos são consideradas como
diferenças de linguagem.
Nestes casos, as alterações articulatórias deverão ser julgadas
a partir do transtorno mais evidente do paciente. Estas manifesta-
ções não poderão ser apenas classificadas como distúrbio
articulatório, mas como alteração de fala com um caráter total-
mente distinto daquilo que se entende como distúrbio articulatório.
Autores como TEMPLIN (1957) afirmam que as alterações
articulatórias nas crianças pequenas são tantas que não se deve
dizer que isto é um distúrbio. Para ela, a idade de maturação de
um determinado fonema foi definida como aquela, em que 75%
das crianças pesquisadas poderiam produzi-lo. Vários pesquisa-
dores encontram ainda no decorrer dos primeiros anos escolares,
crianças que incorrem em uma ou outra alteração articulatória. Se
esta alteração perdura durante a adolescência e idade adulta,
870 Fonoaudiologia Prática

MILISEN (1971) acredita que se trata de outra alteração, que não


articulatória apenas.
VAN R IPER (1972) afirma que são poucas as crianças que
desde o início são capazes de realizar todos os fonemas sem
qualquer alteração. Trocas, omissões e distorções podem ocorrer
a cada instante.
É conveniente salientar-se que embora as omissões, trocas
e distorções possam ocorrer em diferentes momentos nas
diferentes pessoas, estas são meras manifestações com cau-
sas diferentes. Quando analisamos a fala de um portador de
disartria, por exemplo, temos que ter em mente que o seu
problema é de origem neurológica central ou periférica. O
portador de apraxia embora cometa erros semelhantes, tem
como causa de seu problema a não-organização dos movimen-
tos necessários para a emissão de cada fonema. No caso dos
distúrbios articulatórios, a causa não é de origem orgânica e sim
fonética/fonológica.
WINITZ (1969) depois de rever detalhadamente toda sua
pesquisa, chegou à conclusão que não existe uma causa única
para o distúrbio articulatório. Ele também concluiu que diferenças
significantes entre os grupos que articulam mal e os que articulam
bem, não são consistentes, nos seguintes aspectos: “padrão
motor geral, padrão motor oral e facial, lateralidade, inteligência,
sensibilidade cinestésica, anomalias dentais, estruturas orais e
faciais, deglutição atípica, desenvolvimento, doenças, memória
auditiva, personalidade e adequação de linguagem”. Esta evidên-
cia vem apenas demonstrar que embora muitos autores tenham
encontrado estes dados como causa do distúrbio articulatório em
seus pacientes, outros não as encontraram tão declaradamente.
Quando um paciente chega para o tratamento, o reconheci-
mento de seu quadro fonêmico/fonológico alterado não é suficien-
te para se iniciar o trabalho de reabilitação. É necessário, sim,
tentar reconhecer onde está a falha deste indivíduo. Anamnese e
avaliação de linguagem detalhadas são essenciais para se ter
idéia do que há por trás da manifestação da fala.
A anamnese deve conter os dados de gestação, parto, desen-
volvimento motor global e específico e de funções neuro-
vegetativas (respiração, sucção, deglutição e mastigação), de-
senvolvimento de fala e linguagem, doenças, fatores mentais e
educacionais, condições familiares e ambientais.
Normalmente, a avaliação deve constar de tarefas que pos-
sam evidenciar a emissão de fala do indivíduo, caracterizando-a
da melhor forma possível. Conversa espontânea, repetição de
sons isolados, repetição de palavras e frases, nomeação de figuras,
discriminação dos sons da fala, além da análise anatomofuncional
detalhada de todas as estruturas envolvidas na fonoarticulação
são imprescindíveis à obtenção de dados fidedignos, para o
diagnóstico. Além disso, as funções cognitivas relacionadas à
memória, atenção, etc. devem ser levadas em conta.
Atuação Fonoaudiológica nos Distúrbios Articulatórios 871

Nestas testagens, a freqüência dos erros, se esta ocorrência


é sistemática ou assistemática, se a prevalência do erro é em
sílaba tônica, se a alteração ocorre em todas as emissões ou há
uma seleção para sílaba inicial, medial ou final, são aspectos que
podem ser considerados.
Aparentemente a relação causa-efeito é muito simples. Um
determinado problema ocasiona a alteração de fala. E normal-
mente este é um mau funcionamento biológico. MILISEN (1971)
acredita que este modelo médico não é conclusivo para as
alterações da comunicação. Enquanto o médico debate-se com
processos fisiológicos para realizar o seu diagnóstico, o fonoau-
diólogo encontra o processo de desenvolvimento e aprendiza-
gem. A febre pode ser quantificada e se ela for alta, em qualquer
idade, sua manifestação tem o mesmo valor clínico. O mesmo não
acontece com as manifestações da fala. Existem mudanças na
mesma pessoa em todo o decorrer de sua vida.
“O componente de aprendizagem que envolve a produção de
fala é dinâmico e progressivo”. Na concepção deste autor, o
diagnóstico fonoaudiológico deve abandonar o conceito tradicio-
nal de selecionar etiologia e sintomas. “Se a natureza da produção
de fala é afetada por toda experiência de fala relevante até o
momento em que a resposta está sendo dada, então estas
respostas e as condições que as proporcionaram contribuem para
o aprendizado” (p. 636).
Como a comunicação deve ser vista como um processo como
um todo, a análise das partes pode ser perigosa por desviar
algumas informações, que deveriam estar neste conjunto.
Ao se realizar a avaliação, o profissional não pode perder de
vista a situação que o indivíduo está vivenciando. E a própria
interação entre eles é um fator a ser analisado.
Para YAVAS e cols. (1992) a aquisição lingüística implica no
domínio fonético (realização dos sons) e fonológico (uso dos sons
com valor contrastivo). Uma criança deve dominar o inventário
fonético e o sistema fonológico de sua língua. A avaliação vai
justamente procurar identificar de que forma a criança vem reali-
zando tal processo.
De acordo com BALEN (1995), a aquisição fonológica na
criança dá-se até os 5 anos de idade.
No distúrbio articulatório, a produção dos fonemas se encon-
tra prejudicada. Ela pode ter um caráter fonético, quando o som
é articulado incorretamente devido a um problema físico ou
mecânico ou um caráter fonológico quando existe uma falha na
correspondência do sistema de contrastes que é utilizado pelos
falantes da língua. Um exemplo desta diferença ocorre quando a
criança emite a palavra sapato com a língua entre os dentes,
distorcendo o /s/. Embora haja uma realização fonética inadequa-
da, o traço fonológico distintivo permanece.
LOWE (1994) conclui que “a perda de um contraste fonológico
indica uma desordem fonológica, considerando que as produções
872 Fonoaudiologia Prática

de erros que ainda preservam contrastes são consideradas de


natureza fonética” (p. 132). Portanto, entende-se que as distorções
são erros fonéticos e os demais podem ser considerados fonológicos.
Entretanto, existem situações em que ambos se encontram presen-
tes. Por exemplo, uma criança que produza uma emissão distorcida
do /s/, como o sigmatismo lateral tanto para sapato como para
chapéu terá evidentemente alteração fonética e fonológica.
A criança pode adquirir a fala com alterações fonológicas sem
causas aparentes, que constituem os Desvios Fonológicos
Evolutivos, como já foi comentado.
Durante a avaliação, é necessário investigar até que ponto o
indivíduo está consciente de sua própria dificuldade, pois este é
também um importante dado a ser trabalhado.
Normalmente, a criança recebe a sua produção incorreta
como resposta à sua própria emissão. Reconhecer, portanto,
agora, se sua dificuldade é fonética ou fonológica torna-se um
fator decisivo para a conclusão do diagnóstico e posterior segui-
mento terapêutico. Caso este círculo vicioso não seja identificado,
a manutenção do padrão incorreto pode ser preservada.
Segundo STAMPE (1973) através de uma operação mental
aplicada à fala, a criança deixa de usar o “difícil”. Ela vai facilitar
a articulação tanto do ponto de vista motor como de planejamento.
Dentre as formas como ela pode, portanto, se expressar há a
omissão – quando o fonema não é emitido – apo no lugar de sapo;
troca ou substituição – quando o fonema é trocado por outro – tola
no lugar de cola; distorção – quando o som produzido aproxima-
se do desejado – emissão interdentalizada em sapo; adição –
quando se acrescentam sons – blicicleta; transposição – quando
há inversão silábica – cardeno no lugar de caderno.
É conveniente lembrar que a discriminação auditiva às vezes
encontra-se prejudicada nas crianças que articulam mal. WINITZ
(1984) salienta que a investigação sobre a habilidade da criança
para discriminar sons, permite ao terapeuta reconhecer o quanto
aquela é capaz de dominar a estrutura fonológica de sua língua.
É óbvio também que os limiares auditivos devem ser determi-
nados para que não se corra o risco de estarmos diante de um
paciente com perda auditiva condutiva, devido a otites médias.

TERAPIA
A partir dos dados obtidos da anamnese e avaliação de
linguagem (embora neste texto tenha-se dado maior ênfase à
avaliação da fala, não se deve esquecer que a linguagem, como
um todo, deve ser analisada) pode-se determinar o plano a ser
executado em terapia.
Desde que se tenha certeza do tipo de alteração de que a
criança é portadora, pode-se estabelecer a conduta necessária.
Naqueles casos em que o paciente apresenta uma alteração
articulatória de origem fonética, é necessário verificar que compo-
Atuação Fonoaudiológica nos Distúrbios Articulatórios 873

nentes musculares necessitam de intervenção. Normalmente é a


língua que se encontra flácida e com mobilidade reduzida ou
prejudicada, sendo, portanto, conveniente que se estabeleçam
exercícios de fortalecimento e mobilidade desses músculos.
Quando a abordagem para a terapia requer uma melhoria do
padrão motor para a execução do fonema, é necessário que se
estabeleçam o tônus e a mobilidade adequados, de acordo com
o padrão da língua. Neste caso, exercícios isométricos e isotônicos
serão utilizados para permitir melhores condições de movimento
para a realização dos sons da fala.
Para VAN RIPER (1972) tal procedimento deve ser realizado
com o som isolado, depois em sílabas, em palavras e frases.
É importante fazer a criança reconhecer qual o movimento que
ela está executando para compreender o que será solicitado para
a emissão correta do som. Por exemplo, a criança que emite o /s/
interdentalizado. Ela deverá verificar sua emissão com a língua
entre os dentes incisivos superiores e inferiores e a seguir perce-
ber que a ponta da língua deverá estar sempre atrás dos dentes,
e não entre eles.
Nesta fase é importante que os familiares colaborem dando o
padrão correto para a criança. Uma orientação que os esclareça
sobre as alterações faz-se necessária.
Ainda de acordo com VAN RIPER (1972), a terapia fonética
passa por diferentes períodos: isolamento, estimulação, identifi-
cação e discriminação, onde o treino auditivo é muito mais
importante do que o treino motor propriamente dito. A criança vai
detectar aquele som mal-articulado nos outros e nela própria. A
partir da identificação, ela será capaz de tentar articular de forma
correta – a execução motora. Toda vez que ela conseguir aproxi-
mar a sua execução do padrão correto, a sua capacidade auditiva
será capaz de detectar quão próximo ela está deste padrão e
mostrar o quanto ela está próxima do acerto.
A execução motora tem a sua importância. Muitas vezes uma
simples imprecisão pode ocasionar um erro articulatório. Porém,
é necessário que se tenha certeza de que a criança saiba a
diferença fonológica que existe atrás de cada movimento. Do
contrário, ela será treinada a executar um determinado movimen-
to, que não necessariamente esteja vinculado ao processo
fonológico.
A terapia para distúrbio articulatório, baseada nos traços
fonológicos, segundo HERNANDORENA & LAMPRECHT (1988), deve
dirigir-se à aquisição dos traços e não a um só fonema, pois desta
forma atingem-se o sistema e seu funcionamento e não apenas a
emissão alterada. Desta forma, a atuação é na mente, na reorga-
nização cognitiva e não na articulação apenas.
A vantagem desta abordagem é que ao se sistematizar um
determinado traço contrastante, este é generalizado para todo
o conjunto de fonemas e não apenas para uma determinada
emissão.
874 Fonoaudiologia Prática

De acordo com YAVAS e cols. (1988) duas estratégias são


normalmente utilizadas:

• Usar um ou mais fonemas para treinar o traço em questão.


• Ensinar todos os fonemas que apresentam o mesmo traço
em questão.

Por exemplo, na distinção entre /t/ e /f/ (plosiva e fricativa –


traço contínuo – e +) usam-se palavras como pares mínimos: testa
– festa. Na abordagem fonológica não se trabalha o fonema
isoladamente mas todo o processo.
INGRAM (1976) sugere os seguintes passos:

• Selecionar os processos que comprometem mais a inteligi-


bilidade.
• Selecionar os processos menos estáveis.
• Selecionar os processos mais comuns das crianças pequenas.

EDWARDS (1983) orienta alguns outros fatores para a execu-


ção da terapia:

• Escolher processos que permitam sucesso imediato, que


sirvam de estimuladores.
• Escolher processos que afetam a inteligibilidade.
• Escolher processos iniciais, como fonemas de aquisição
anterior.
• Escolher processos que interagem em mais de uma regra.

WEINER (1979, p. 123) recomenda que se utilize a seguinte


ordem na terapia:

• “Processos de estrutura silábica:


eliminação de consoantes finais;
substituição glotal;
eliminação de sílaba átona;
redução de encontro consonantal.
• Processos de harmonização:
sonorização pré-vocálica;
dessonorização de consoante final;
assimilação velar;
assimilação labial;
assimilação alveolar.
• Processo de contraste de traços:
plosivização;
africação;
semivocalização de fricativas;
anteriorização;
desnasalização;
semivocalização de líquidas;
vocalização”.
Atuação Fonoaudiológica nos Distúrbios Articulatórios 875

Para LOWE (1994), a terapia deve conter os seguintes passos:

• Conhecimento do sistema fonológico da criança;


• Identificação do processo objetivo que levará à conduta
terapêutica;
• Identificação dos sons objetivos dentro do processo sele-
cionado;
• Desenvolvimento da seleção de palavras a serem utilizadas
para os sons a serem trabalhados;
• Desenvolvimento das atividades lingüísticas que usem o
material, enfatizem a generalização e promovam o domínio
da criança sobre sua dificuldade.

É primordial que se considere que a fala é uma manifestação


da linguagem, portanto, qualquer que seja a abordagem, não se
deve esquecer que a linguagem é que deve ser estimulada.
Histórias, dramatizações, jogos e brincadeiras devem ser utiliza-
dos com o intuito de se obter um maior número de oportunidades
para a criança expressar-se.
É importante também ressaltar que dia a dia é acrescentado
algo mais ao conhecimento, pois este é dinâmico e, portanto,
exige mudanças contínuas. Acompanhar tal desenvolvimento é
obrigação do bom profissional. O fonoaudiólogo deve ter a res-
ponsabilidade de procurar novas informações, continuar estudan-
do novas abordagens e fazendo o máximo para ser capaz de
oferecer o melhor para o seu cliente.

Leitura recomendada
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and speech production in preschool children. J. Speech Hear. Res.,
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876 Fonoaudiologia Prática

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Distúrbios de Linguagem em Crianças Pequenas 877

39
Distúrbios de Linguagem em
Crianças Pequenas
Considerações sobre o Desenvolvimento, Avaliação e
Terapia da Linguagem

Jaime Luiz Zorzi

INTRODUÇÃO

Este capítulo tem por objetivo abordar os distúrbios da lingua-


gem que afetam o desenvolvimento de crianças ainda pequenas
que, por algumas razões, não estão conseguindo desenvolver a
linguagem de uma forma adequada. Embora nossa temática
esteja centrada nestas crianças que apresentam dificuldades
quanto ao processo de aquisição de linguagem, iniciaremos
abordando a evolução das demais crianças que, também por uma
série de razões, estão tendo sucesso em desenvolver suas
habilidades lingüísticas. A análise do chamado desenvolvimento
normal se faz necessária porque pode nos fornecer elementos
para uma melhor compreensão dos distúrbios da linguagem e,
conseqüentemente, possibilitar a elaboração de um plano tera-
pêutico mais eficaz.
Falamos em crianças pequenas e em intervenção precoce.
Sabemos que, realmente, quanto mais cedo os problemas pude-
rem ser detectados e tratados, maiores serão as possibilidades de
superação dos mesmos. Porém, infelizmente, temos visto crian-
ças que só procuram um atendimento fonoaudiológico quando já
estão com 3 ou 4 anos de idade. Ora, também sabemos que o
período esperado para a aquisição de linguagem vai de 1 a 2 anos
de idade. É difícil compreender como, tendo tais crianças ultrapas-
sado os 2 anos sem adquirirem linguagem, chegando aos 3 ou até
878 Fonoaudiologia Prática

mesmo aos 4 anos sem terem desenvolvido as habilidades


lingüísticas esperadas, não tenham sido encaminhadas para um
exame ou tratamento fonoaudiológico. Pediatras e demais profis-
sionais que têm oportunidade de acompanhar a evolução de
crianças deveriam estar muito atentos quanto às etapas de
aquisição da linguagem para poder agir adequadamente quando
suspeitam de problemas neste sentido.
Creio que o trabalho fonoaudiológico junto aos bebês conside-
rados de alto risco e o acompanhamento evolutivo que eles
necessitam possam ajudar o fonoaudiólogo a ampliar a possibili-
dade de iniciar, de fato, tratamentos precoces para o desenvolvi-
mento da comunicação quando detectarem que tais bebês apre-
sentam riscos ou indícios de atrasos.
Podemos nos perguntar que fatores estão presentes neste
grupo numeroso de crianças para as quais adquirir linguagem não
se mostra problemático, por mais complexa que esta aquisição
possa ser. Elas são capazes de desenvolver linguagem de uma
forma tão rápida e natural que suas capacidades de aprendiza-
gem até surpreendem os adultos. Provavelmente, a maior parte
destes pais não saibam nos dizer nem como, nem quando e,
talvez, nem o porquê. Mas sabem que esta aquisição acontecerá
e assim esperam. E também sabem que o surgimento da lingua-
gem é um sinal de que seus filhos estão se desenvolvendo bem.
Muitas crianças, por volta do primeiro aniversário, começam a
ensaiar suas primeiras palavras. Porém, antes de chegarem a
esta forma verbal de linguagem, desenvolveram uma série de
habilidades comunicativas mais gerais num plano pré-lingüístico.
Para que esse desenvolvimento comunicativo anterior ao uso das
palavras ocorresse e fosse garantindo o aparecimento de formas
lingüísticas mais evoluídas, algumas condições se fizeram neces-
sárias. Vamos apontar seis destes fatores determinantes do
desenvolvimento da comunicação infantil:

1. A criança necessita ter uma razão ou motivo para se


comunicar: uma intenção.
2. Há necessidade de se ter algo para comunicar: um conteúdo.
3. É também necessário um meio de comunicação: uma
forma.
4. Há necessidade de se ter pessoas com quem se comuni-
car: um parceiro.
5. Há que se ter condições favoráveis para a interação: uma
situação ou contexto.
6. A criança também necessita ter capacidades cognitivas
favoráveis para atuar sobre o mundo e compreendê-lo.

Temos, assim esboçados, seis importantes fatores que, com-


binados, asseguram ou criam condições favoráveis para o desen-
volvimento de capacidades comunicativas. Como podemos notar,
a comunicação tem, em sua origem, uma função nitidamente
Distúrbios de Linguagem em Crianças Pequenas 879

social. A criança, interagindo com as pessoas e com as coisas,


organiza experiências, constrói conhecimentos, sente desejos, ou
seja, elabora os conteúdos de sua atividade mental e isto graças
à sua atividade cognitiva. São estes conteúdos que irá comunicar,
por alguma razão: porque deseja um objeto que não está ao seu
alcance e quer expressar este desejo para que possa ter acesso
ao objeto; porque quer chamar a atenção para algo que está
vendo acontecer e quer partilhar com o adulto ou, ainda, porque
quer chamar atenção sobre si mesma.
Para que tudo isto seja possível, isto é, a fim de que suas
intenções, experiências ou desejos sejam expressos, a criança
necessita lançar mão de alguma forma de comunicação que pode
ser um meio verbal, ou não-verbal, dependendo de suas possibi-
lidades. A pessoa ou parceiro com quem a criança quer se
comunicar pode ser alguém que está próximo a ela. Mas não basta
simplesmente a criança ter uma razão para se comunicar e tomar
a iniciativa. O adulto deve estar receptivo, atento, tem que estar
sensível aos esforços comunicativos que a criança está fazendo,
tem que ser capaz de atribuir significação aos mesmos e isto faz
parte das condições favoráveis para a interação.
Antes de ser capaz de empregar recursos lingüísticos para a
comunicação, a criança desenvolve meios não-verbais e isto
acontece gradativamente graças às experiências interativas que
vai tendo com os outros. Desde seu nascimento, ela tem oportu-
nidades de tomar parte de eventos que possuem um caráter
comunicativo, que implicam em relações com as pessoas que
estão ao seu lado. Como conseqüência de tais vivências interativas
e comunicativas, a criança vai adquirindo formas de manifestar
seus conteúdos mentais, assim como também vai desenvolvendo
estratégias para compreender os desejos e as intenções dos
outros.

DESENVOLVIMENTO DA COMUNICAÇÃO PRÉ-VERBAL


Compreender o processo evolutivo da comunicação, que se
organiza inicialmente em formas não-verbais para chegar a for-
mas verbais ou lingüísticas, é de fundamental importância para o
entendimento das alterações da linguagem que podem atingir o
desenvolvimento infantil.
De acordo com estudos voltados para a análise dos processos
interativos, o desenvolvimento da comunicação pré-verbal pode
ser dividido em quatro níveis:

Nível I – Comunicação não-intencional –


comportamentos reativos
Este primeiro nível de desenvolvimento da comunicação cor-
responde, aproximadamente, aos dois primeiros meses de vida
do bebê. Nesta fase, seus comportamentos estão caracterizados
880 Fonoaudiologia Prática

por reações determinadas por uma organização nervosa reflexa.


Em poucas palavras, o bebê mais reage ao mundo do que age
sobre ele, uma vez que recursos que permitam ações voluntárias
não estão ainda suficientemente constituídos.
Nesta fase inicial da evolução, o bebê ainda não é capaz de
fazer uma diferenciação entre ele mesmo e os outros que o
cercam. Dito de outra forma, ele ainda não se constituiu como
sujeito. Comunicação implica em interação social entre parceiros
diferenciados que buscam meios que possibilitem a relação entre
eles. Apesar de tais limitações, isto é, da criança desta fase ainda
não ter alcançado tais distinções, pode-se falar em comunicação,
porém não intencional.
O bebê olha, movimenta o corpo, mostra interesse pelas
pessoas e objetos, procura seguir trajetórias, vocaliza, chora,
agarra objetos que são colocados em sua mão, reage a sons e a
vozes familiares e assim por diante. Embora tais comportamentos
sejam ainda elementares e resultem desta interação indiferencia-
da da criança consigo mesma e com os fatos do mundo, os adultos
tendem a interpretar tais reações como comportamentos ou atos
comunicativos. Determinadas vocalizações e movimentos podem
ser interpretados como sensações de conforto e prazer, enquanto
outros comportamentos do mesmo tipo podem ser tidos como
comunicação de desconforto, de desprazer. A atenção visual do
bebê pode ser tomada como uma tentativa de comunicar.
Embora a criança ainda não tenha condições de comunicar
algo intencionalmente, a tendência dos adultos de atribuírem a ela
tal capacidade constitui-se um fator relevante para o desenvolvi-
mento posterior na medida em que a criança, aos poucos vai
podendo perceber que sua expressividade vocal, corporal, tem
um efeito sobre o outro até que chegará um dia em que ela, de
modo proposital, irá empregar tais recursos com fins comunica-
tivos.

Nível II – Comunicação não-intencional –


comportamentos ativos
Em termos cronológicos, o segundo nível de desenvolvimento
da comunicação abrange, aproximadamente, dos 2 aos 8 meses
de idade. Se observarmos, neste intervalo de tempo, todas as
aquisições ou novas aprendizagens que vão ocorrendo na vida do
bebê, constataremos que ele se torna cada vez mais ativo, ou
seja, cada vez mais capaz de organizar procedimentos para
explorar o mundo ao seu redor.
Passada a fase inicial das reações reflexas e, principalmente
após uma série de coordenações sensoriomotoras, como a coor-
denação mão-boca, a coordenação visão-audição e, principal-
mente, a coordenação da atividade manual com a atividade visual,
os bebês vão demonstrando um interesse crescente acerca de
tudo o que está ao alcance. As coisas que são vistas despertam
Distúrbios de Linguagem em Crianças Pequenas 881

o desejo de pegar, as coisas que são pegas também devem ser


vistas, ouvidas e sentidas pela boca e assim por diante. A criança
está receptiva para o mundo e quer experimentá-lo, atuar sobre
ele de todas as formas.
Pessoas e coisas tornam-se centros de grande interesse de
exploração e de conhecimento para a criança. Podemos acres-
centar ainda que os progressos de ordem motora, como conseguir
virar o corpo, permanecer sentado, aproximar o corpo de objetos,
deslocar-se pelo chão arrastando-se ou engatinhando, permitem
uma expansão da área de ação da criança.
Maior interesse pelos objetos e pessoas, maiores recursos
para interagir e maior domínio motor compõem características
importantes desta etapa. Porém, apesar de todas estas habilida-
des, a criança não se mostra capaz de organizar procedimentos
comunicativos intencionais, uma vez que também a diferenciação
dela mesma como sujeito ainda não está consolidada.
Por outro lado, apesar de tais limitações, vai ficando cada vez
mais facilitado para o adulto o papel de atribuir valores comunica-
tivos aos comportamentos dos bebês, na medida em que eles
tentam sistematicamente atuar sobre a realidade. Não é difícil
para um adulto, por exemplo, ao presenciar seu filho sentado no
chão, esticando o braço com a mão aberta, dobrando o corpo para
a frente e olhando atentamente para objeto que está um pouco
distante de seu campo de preensão, concluir que seu filho deseja
o objeto. O adulto, então, pega o objeto e dá para a criança
dizendo “Quer a bolinha? Toma a bolinha”.
A criança queria pegar o objeto diretamente. Não era sua
intenção mostrar para o adulto qual era o seu desejo. Porém, o
adulto foi capaz de atribuir um significado comunicativo ao seu
comportamento e agir de acordo com sua suposição. Podemos
imaginar que fatos como este, ocorrendo de forma regular,
repetitiva, vão criando na criança expectativas de que certos
comportamentos produzem determinados resultados. Ela pode
começar a prever resultados e a descoberta de suas potencialida-
des expressivas pode resultar, mais tarde na comunicação inten-
cional, usando recursos gestuais e vocais.

Nível III – Comunicação pré-lingüística


intencional elementar
Este terceiro nível de comunicação pré-verbal está caracteri-
zado pelo aparecimento de condutas comunicativas novas e que
revelam a intencionalidade da criança. Isto é, motivada por
alguma razão, a criança busca meios de comunicar alguma coisa
para alguém. Comportamentos deste tipo começam a ser obser-
vados a partir dos 8 meses de idade, sendo que tal fase se
prolonga até aproximadamente os 12 meses.
A criança dirige comportamentos comunicativos intencionais
a outras pessoas tendo a noção de que pode usá-las como
882 Fonoaudiologia Prática

agentes para atuar sobre as coisas. Para tanto, emprega alguns


recursos ainda elementares para poder agir sobre o outro. Por
exemplo, a criança pode ficar olhando alternadamente para o
objeto que deseja e para o adulto que está próximo, procurando
desta forma deliberada expressar seu desejo de ter acesso ao
objeto; pode esticar a mão em direção àquilo que quer e ficar
olhando alternadamente para o adulto e para o objeto; pode
manipular fisicamente o adulto empurrando sua mão na direção
do objeto que deseja e assim por diante. Tais comportamentos
tendem, muitas vezes, a ser acompanhados de vocalização à
medida que a criança também vai compreendendo suas possibi-
lidades de utilizar recursos vocais na comunicação e verificar os
efeitos que elas produzem em suas tentativas de comunicar.
Como pode ser observado, o início da intencionalidade é
marcado por alguns indícios: a criança dirige atitudes comunica-
tivas aos outros procurando dar início à interação ou respondendo
às tentativas dos outros; persiste no comportamento comunicati-
vo até que o adulto responda e fica aguardando que o outro
responda aos seus esforços.
Algumas funções têm sido atribuídas às atitudes comunicati-
vas das crianças:
1. Comportamentos com função regulatória, ou seja, compor-
tamentos que têm por objetivo a obtenção de algo ou a satisfação
de uma necessidade. A criança pode estar solicitando uma ação
ou um objeto por parte do adulto, assim como pode estar querendo
evidenciar que deseja encerrar uma ação.
2. Comportamentos ou atitudes comunicativas que têm uma
função social, ou seja, cujo objetivo é atrair a atenção do outro
sobre si mesmo, ou manter tal atenção. Fazem parte desta
categoria comportamentos exibicionistas e, mais tarde, atitudes
destinadas a solicitar permissão e cumprimentar as pessoas.
3. Atitudes comunicativas cuja função é a de garantir um
foco de atenção conjunta, isto é, o objetivo da criança é o de
chamar a atenção do outro para algo que desperta sua própria
atenção, buscando partilhar tal experiência. É como se a criança
estivesse fazendo um “comentário” da situação, embora por
meios não-verbais. A atitude de pedir informações sobre as
coisas, que surge mais tarde, também faz parte desta função de
obter atenção conjunta. Desenvolver habilidades no sentido de
entrar em sintonia com as outras pessoas e, juntamente com
elas, focalizar a atenção sobre um mesmo objeto ou situação
sobre a qual irão agir alternando ações de um modo coordena-
do, corresponde a padrões de interação social primários. Dificul-
dades de atenção, poucos recursos para interação com os
objetos e dificuldades na realização de ações conjuntas são
fatores que se apresentam como agravantes dos atrasos no
desenvolvimento da comunicação.
Estes avanços no plano do desenvolvimento comunicativo
não ocorrem isoladamente. Paralelamente a tais progressos e
Distúrbios de Linguagem em Crianças Pequenas 883

interligando-se aos mesmos podemos observar também progres-


sos significativos no aspecto cognitivo. A esta faixa etária, em
termos da formação da inteligência da criança, corresponde à
quarta fase sensoriomotora.
A quarta fase do desenvolvimento sensoriomotor está ca-
racterizada pelo aparecimento das chamadas condutas inteli-
gentes ou instrumentais, ou seja, a criança procura meios
adequados para atingir objetivos que não podem ser diretamen-
te alcançados. Tendo, por exemplo, interesse em pegar um
objeto que está fora do seu alcance, mas compreendendo que
ele está sobre seu cobertor, a criança puxa o cobertor para
trazer o objeto para perto de si. Ou, observando que um
brinquedo caiu e rolou para debaixo de uma almofada, bate
nesta almofada, afastando-a, para poder ter acesso ao brinque-
do desejado. Há, nestes casos, uma coordenação bem elabora-
da de ações: para chegar a um determinado objetivo, a criança
sabe que deve agir de determinadas formas.
Em termos de comunicação intencional, podemos observar que
tal capacidade de coordenar ações passa a ser aplicada também no
plano das relações pessoais, o que fica evidente principalmente
quando a criança usa a comunicação com uma função regulatória.
Em outras palavras, desejando um objeto que não consegue pegar
ou, desejando que o adulto aja sobre um objeto para que ele se
movimente ou ainda, desejando por fim a uma ação, a criança
organizará procedimentos comunicativos que servirão como meio
para atuar sobre o adulto que, por sua vez, servirá também como
meio para que ela tenha acesso ao objeto, veja o objeto se
movimentando ou presencie o fim de uma ação.
Para chegar a este ponto, a criança necessita desenvolver
alguns conhecimentos que implicam a noção de sujeito, de ação
e de objeto: de alguém, capaz de agir sobre os objetos e
pessoas e produzir resultados Quanto à noção de sujeito, esta
fase é marcada por uma grau mais evoluído de diferenciação
que a criança faz entre ela mesma e os outros. Ou seja, a
construção da noção de eu, de sujeito, está mais consolidada
nesta fase, o que significa que a contraparte, isto é, a noção do
outro também se firme. A formação desta noção permite que a
criança atribua aos outros o papel de sujeito, isto é, de pessoas
que têm a capacidade de atuar sobre o meio e que podem
desempenhar o papel de intermediários entre ela, criança, e
seus desejos. Mas para que o outro possa desempenhar este
papel, a criança precisa tomar a iniciativa da interação e comu-
nicar, de alguma forma, seus desejos ou intenções.
Como foi apontado, a criança também precisa consolidar a
noção de objeto. Construir a noção de objeto significa que ela é
agora capaz não só de diferenciar-se dos outros como também
é capaz de diferenciar-se dos objetos. O mundo se torna um
mundo de pessoas e de coisas, sendo a criança uma pessoa
dentre as demais. Uma mostra de que a criança apresenta tal
884 Fonoaudiologia Prática

noção pode ser vista quando ela começa a procurar objetos que
desapareceram de seu campo de percepção. Anteriormente à
construção da noção de objeto, toda vez que pessoas ou objetos
deixavam de ser vistos, tocados ou ouvidos, é como se tivessem
deixado também de existir. Porém, nesta fase, os comporta-
mentos da criança, principalmente no sentido de procurar pelos
objetos desaparecidos, revelam que agora, para ela, o mundo
continua existindo, independente dela estar vendo as coisas ou
não.
Nesta fase, a capacidade de imitar também mostra um grande
desenvolvimento. As crianças começam a se interessar por mo-
delos novos, isto é, sons e movimentos que elas ainda não sabiam
produzir. Começam a se interessar também por imitar movimen-
tos que não são visíveis no próprio corpo, como os que envolvem
movimentos na região da face: abrir e fechar a boca, pôr a língua
para fora, segurar a orelha, tocar o dedo no nariz e assim por
diante. O interesse pelas coisas novas vindas dos outros ajuda a
criança a fazer correspondências entre o próprio corpo e o corpo
dos outros e a descobrir possibilidades de expressão que serão
empregadas com fins de comunicação.

Nível IV – Comunicação pré-lingüística


intencional convencional
Este nível de desenvolvimento da comunicação corresponde a
um desdobramento da fase anterior. Já sendo capaz de organizar
atitudes comunicativas intencionais, mas de modo ainda elementar,
a criança começa a incorporar novas formas ou atos comunicativos
que têm caráter convencional. Ou seja, a criança, a partir das
observações que vai fazendo acerca dos comportamentos comuni-
cativos dos outros, passa a usar os mesmos gestos e expressões.
Deste modo, começa a utilizar atitudes comunicativas que são
de uso comum entre as pessoas, o que garante o aspecto de
convencionalidade. O gesto de apontar começa a ser usado siste-
maticamente; balançar a cabeça para expressar negação; movi-
mentar a cabeça para expressar afirmação; fazer movimento de
“chamar” com as mãos; gesto de bater, fazer “tchau”, etc. Estes
comportamentos começam a ser observados aproximadamente a
partir dos 12 meses, idade que também corresponde ao início da
quinta fase sensoriomotora e que vai até os 18 meses.
A inteligência dos bebês, nesta etapa, está caracterizada
por um grande interesse que eles manifestam pelas coisas
novas e por levar adiante formas diversificadas de manipulação
dos objetos. Estas atitudes levam o nome de experimentações
ativas e revelam o prazer muito grande que eles encontram ao
explorar os objetos de várias maneiras e “estudar” o que acon-
tece com os mesmos. Por exemplo, bater um objeto em outros
variando batidas fortes e fracas, colocar os objetos uns dentro
dos outros, empilhar e assim por diante.
Distúrbios de Linguagem em Crianças Pequenas 885

O comportamento imitativo, como foi apontado, segue a


mesma tendência. O interesse pelas novidades é intenso e as
crianças querem imitar tudo o que vêem. As crianças parecem
querer espelhar o que os outros fazem, imitando-os. Esta
tendência imitativa acaba por despertar nas crianças também
um interesse na imitação de novos sons que observam as
pessoas produzindo. Inclusive palavras. Além de começarem a
imitar gestos e expressões convencionais que os outros empre-
gam na comunicação, passam também a mostrar tentativas de
imitar o uso de palavras. As crianças parecem que, de fato,
adquiriram a capacidade de identificação e isto implica em
querer ser igual ao outro e, ser igual significa agir da mesma
maneira, inclusive falando.
Muitas crianças iniciam o uso da linguagem nesta fase de
desenvolvimento (12 a 18 meses), inaugurando a primeira etapa
do desenvolvimento lingüístico propriamente dito, que correspon-
de à fase dos enunciados de uma só palavra. O uso de comunica-
ção, agora também verbal, acaba se mesclando com as formas
não-verbais de comunicação e enriquecendo-as. A criança au-
menta seu poder de comunicar.
Porém, embora a linguagem seja uma conduta simbólica,
isto é, se caracterize pelo uso de símbolos verbais, ou signifi-
cantes, que representam realidades ausentes, ou significados,
nesta fase de desenvolvimento ela ainda não atingiu um grau de
simbolismo propriamente dito. A linguagem, neste momento
inicial, está ligada à situação presente, dependendo daquilo que
ainda está no campo da percepção da criança. Ela pode dizer
“papai”, quando vê o pai chegando em casa, quando o ouve abrir
a porta; ela pode dizer “au au” quando ouve ou vê um cachorro
latindo. Mas, apesar de estar usando palavras, ainda está na
dependência de indícios concretos para poder utilizá-las: fala
sobre o imediato, sobre o que está de algum modo presente. A
linguagem começará a configurar-se como uma conduta verda-
deiramente simbólica à medida que vai se consolidando a
capacidade representativa mais geral que anuncia o término do
período sensoriomotor.

A FORMAÇÃO DAS CONDUTAS SIMBÓLICAS

A última fase do período sensoriomotor, que vai aproximada-


mente de 18 a 24 meses de idade, é marcada pelo surgimento
de condutas representativas que revelam o início da formação de
uma nova capacidade conhecida como função simbólica ou
representativa. Em outras palavras, a criança desenvolve a pos-
sibilidade de lidar com realidades ausentes, simbolizando-as de
alguma forma. Tal capacidade manifesta-se nas condutas comu-
nicativas, na forma como a criança brinca ou manipula os objetos
e no modo como passa a realizar as imitações.
886 Fonoaudiologia Prática

Brinquedo simbólico
No que diz respeito ao modo de brincar, a novidade é que,
agora, a criança passa a usar os objetos simbolicamente. Os
brinquedos são utilizados para representar situações vividas
rotineiramente pela criança, como é o caso do dormir, do alimen-
tar-se, do banho: ela faz de conta que está preparando comida
usando uma panelinha e uma colherinha; esfrega uma esponja no
próprio corpo como se estivesse tomando banho; encosta sua
cabeça numa miniatura de cama como se fosse dormir e assim por
diante.

Formação hierárquica do simbolismo no


brinquedo
Condutas de transição
1. Uso convencional dos objetos
2. Esquemas simbólicos
3. Aplicação em outros

Condutas simbólicas
4. Sistematização da aplicação em outros
5. Seqüências de ações simbólicas
6. Uso de símbolos

• Uso convencional dos objetos


Aproximadamente, a partir dos 12 ou 13 meses de idade, os
bebês começam a demonstrar um interesse crescente em usar uma
série de objetos de uma forma convencional, isto é, do mesmo modo
que observa as demais pessoas fazendo. Uma esponja de banho é
esfregada pelo corpo, o pente é passado na cabeça, uma colherinha
fica sendo mexida dentro de uma xícara e assim por diante. Por meio
de condutas imitativas, ou seja, querendo agir da maneira que as
outras pessoas agem, a criança vai desenvolvendo novas ações e
descobrindo a finalidade dos objetos.

• Esquemas simbólicos
Estas condutas marcam o aparecimento de um simbolismo,
ainda elementar, no brincar infantil. Corresponde à reprodução
fictícia, pela criança, daquelas ações que são rotina em sua vida. A
criança faz de conta que come, que toma banho, que dorme, etc.
Todo o simbolismo está ainda centrado no próprio corpo da criança.

• Aplicação das ações em outros


A criança começa a brincar de faz-de-conta com outros
parceiros, que podem ser os adultos ou bonecos. Estes parceiros
começam a participar, esporadicamente, do brinquedo sendo
então banhados, alimentados, etc.
Distúrbios de Linguagem em Crianças Pequenas 887

• Sistematização da aplicação de ações em outros


As ações eventuais de atribuir aos adultos e aos bonecos o
papel de participantes ou atores do brinquedo simbólico tornam-
se, agora, sistemáticas. Este acontecimento evidencia progres-
sos na formação do simbolismo. À medida que a criança atribui
aos outros uma capacidade de agir análoga à sua, ocorre um
desligamento ou descentração da atividade simbólica em relação
a si mesma.

• Seqüências de ações simbólicas


As ações simbólicas começam a se coordenar na forma de
seqüências. Situações rotineiras, até então representadas isola-
damente passam a se combinar em seqüências mais complexas
e mais próximas da realidade. Há uma espécie de planejamento
e antecipação das ações. Em vez de colocar diretamente um
boneco na sua caminha, a criança primeiro coloca o colchão,
depois o travesseiro, coloca em seguida o boneco e, depois de
tudo, ainda procura um pano para cobri-lo. Chegando a este
ponto, onde é capaz de organizar seqüências, a criança tende a
aumentar seu tempo de manipulação dos objetos com os quais
está brincando.

• Uso de símbolos
A criança começa a usar substitutos simbólicos dos objetos
criados por ela mesma. Ela se mostra capaz de transformar um
objeto no representante de outro. Ao invés de ficar limitada a usar
miniaturas como símbolos dos objetos reais, a criança cria, ela
mesma, novos símbolos. Por exemplo, pondo seus bonecos para
deitar em miniaturas de camas, constata que um deles ficou sem
cama. Para resolver tal problema, recorre, por exemplo, a uma
peça de bloco de construção retangular e a utiliza como se fosse
a cama faltante para deitar seu boneco. É também comum
observar, neste ponto, o uso das palavras para simbolizar objetos
ausentes. Por exemplo, pegando um boneco a criança diz “vai
tomá banho” e, com sua mão, faz o gesto de abrir uma torneira
dizendo “ligá chuveru” .

Imitação
Quanto à imitação, ao invés de limitar-se a imitar aquilo que
está presenciando diretamente, ou seja, modelos perceptíveis,
a criança começa também a imitar pessoas ou situações ausen-
tes, isto é, coisas que já ocorreram e que, para serem imitadas,
dependem de uma possibilidade de evocação. Desta forma, por
exemplo, tendo presenciado uma cena qualquer pela manhã e,
sem tê-la reproduzido nesta situação, só vem a imitar a mesma
cena pela noite, parecendo evocar, via imitação, o fato já
passado.
888 Fonoaudiologia Prática

Esta capacidade simbólica geral tem um efeito marcante


sobre o desenvolvimento da comunicação. Por um lado, a lingua-
gem verbal começa a desempenhar uma função representativa
propriamente dita. A criança começa a usar a linguagem para
descrever ações que está realizando ou que está vendo aconte-
cer. Da mesma forma, passa também a usar a linguagem para
fazer referências a um passado e a um presente imediatos,
relatando fatos recém-finalizados assim como fatos que irá reali-
zar em seguida. Por exemplo, brincando de dar banho em um
boneco, a criança diz “banho”, descrevendo a ação que está
realizando. Em seguida, antes de colocar o boneco deitado em
uma miniatura de cama, diz “vai naná” e, pouco tempo depois de
ter colocado o boneco deitado, retira-o da cama dizendo “nano”.
Esta capacidade da linguagem representar não só o momento
presente, mas começar a fazer referência ao passado e ao
presente tende a aumentar progressivamente. Principalmente
após os 2 anos de idade, é comum assistirmos cenas nas quais a
criança relata, verbalmente, algo que aconteceu com ela numa
situação passada como, por exemplo, quando conta para o pai,
que estava ausente, que tinha caído e batido a cabeça.

Comunicação simbólica
Também a comunicação não-verbal começa a incorporar
atitudes simbólicas.
Gestos simbólicos, que representam ações ou objetos, são
incorporados às formas mais elementares de comunicação não-
verbal, até então limitadas a gestos indicativos. A criança pode,
por exemplo, solicitar algo para tomar fazendo o gesto de beber,
pode solicitar uma boneca fazendo o gesto de ninar e assim por
diante.
O surgimento das condutas simbólicas por volta dos 2 anos
de idade marca o término do período sensoriomotor e o início de
uma nova etapa de desenvolvimento denominada período re-
presentativo que, como o próprio nome sugere, é marcado pela
capacidade que a criança vai adquirindo de lidar com realidades
ausentes.

AVALIANDO CRIANÇAS PEQUENAS


No início deste artigo, foram apontadas algumas condições
fundamentais para a aquisição da linguagem a partir do desenvol-
vimento pré-lingüístico: alguma razão para comunicar; algo a ser
comunicado; uma forma de comunicação; parceiros; contexto
adequado e uma capacidade simbólica para dar conta da forma-
ção de conhecimentos a serem comunicados e do domínio dos
meios de comunicação.
Podemos ilustrar estas condições, integrando-as em três
grandes áreas, da seguinte forma:
Distúrbios de Linguagem em Crianças Pequenas 889

LINGUAGEM

cognição interação
social

comunicação
pré-verbal

Aspectos a serem avaliados


Três grandes aspectos ou áreas de desenvolvimento mos-
tram-se como importantes para serem avaliadas. Não estaremos
nos limitando a uma avaliação de linguagem, propriamente dita,
pois poderemos estar lidando com crianças que ainda não chega-
ram a um nível lingüístico de desenvolvimento. Parece mais
apropriado falarmos em uma avaliação global de processos
ligados ao desenvolvimento:

• capacidades cognitivas;
• habilidades sociais;
• níveis de comunicação.

Material empregado na avaliação


Crianças pequenas interessam-se, principalmente, por mate-
riais tridimensionais como miniaturas, recipientes com tampas,
canecas de encaixe e blocos de construção. É este tipo de
material que deve ser oferecido para que as crianças manipulem
e que servem de contexto para nossa interação com elas:

• miniaturas: objetos da casa como cadeira, mesa, cama,


privada, panela, televisão, sofá, colher, mamadeira, prato,
armário, caixa de fósforos vazia, etc.;
• canecas de encaixe e recipientes com tampas;
• objetos sem uso definido: pedaço de papel, pedaço de pano,
bloquinhos de madeira ou plástico;
• bonecos e bichinhos;
• blocos de madeira para jogos de construção.

Situação de avaliação
Primeiramente, o fonoaudiólogo pode oferecer os brinquedos
para que a criança os manipule. Sem assumir uma atitude diretiva,
890 Fonoaudiologia Prática

o examinador deve incentivar a criança a explorar os objetos e a


assumir atitudes comunicativas. O examinador deve adotar uma
postura de observador, ouvinte e de aguardo de manifestação de
atos comunicativos por parte da criança, devendo responder de
maneira natural a tais comportamentos.
Num segundo momento, ou até mesmo inicialmente, se ne-
cessário, o fonoaudiólogo pode pedir aos pais, ou ao acompa-
nhante, que brinque com a criança. Os pais devem ser orientados
no sentido de que brinquem com ela do modo como estão
acostumados a fazer, procurando agir de forma natural, como
procedem em casa nas ocasiões em que estão interagindo com
seus filhos.

Avaliando aspectos cognitivos


Quando observamos as crianças manipulando os objetos, po-
demos obter indícios importantes acerca de como elas conseguem
organizar sua atividade para explorar as características dos objetos
(se produzem sons, se pulam, qual a consistência, perspectivas
espaciais, etc.), que tipos de significações está atribuindo aos
mesmos e que tipos de relações está estabelecendo entre eles.
As crianças pequenas tendem a manipular objetos um a um:
reviram na mão, afastam e aproximam dos olhos, chupam, apal-
pam, batem, esfregam, arranham, puxam as partes, balançam e
assim por diante. Por volta de 11 ou 12 meses, começam a
manipular dois ou mais objetos ao mesmo tempo: batem um no
outro; esfregam um no outro; utilizam um objeto para afastar ou
aproximar outro; empilham objetos; escondem debaixo de outros;
põem e tiram partes dos objetos; põem um objeto dentro do outro,
etc. Nestes casos, dizemos que os significados que as crianças
atribuem aos objetos são práticos, ou seja, utilizam os objetos de
acordo com funções que elas próprias atribuem aos mesmos.
No decorrer do segundo ano, como já foi apontado, ao lado
destas ações sensoriomotoras ou práticas, começam a surgir
formas novas de manipular os objetos e a atribuição de novas
significações a eles. Quando as crianças passam a usar os objetos
da mesma forma que vêem as demais pessoas fazendo, estão
atribuindo aos mesmos significados convencionais. Quando come-
çam a usá-los de modo representativo, como na brincadeira de faz-
de-conta, estão atribuindo significados simbólicos aos mesmos.
Observar:

a) Como a criança manipula e interage com os objetos


Esquemas de interação
• explora os objetos um a um: que tipos de ações realiza com
eles;
• atua sobre 2 ou mais objetos ao mesmo tempo relacionan-
do-os: que tipos de ações e que tipos de relações;
• interesse pelos objetos;
Distúrbios de Linguagem em Crianças Pequenas 891

• persistência ou não na atividade quando encontra algum


obstáculo;
• explora os objetos de modo diversificado, agindo de diferen-
tes maneiras sobre eles;
• explora os objetos a partir de poucas ações, de modo rápido
e superficial.
Nível de desenvolvimento do simbolismo
• uso convencional dos objetos;
• esquemas simbólicos;
• uso de bonecos no brinquedo simbólico;
• ações simbólicas em seqüência;
• uso de objetos substitutos.
Atribuição de significados
• práticos;
• convencionais;
• simbólicos.

b) Habilidades de imitação vocal e motora


Imitação vocal/sonora
• som de tosse; som de raspar a garganta (rrr);
• pa – pa; ta – ta – ta – ta; ca – ca – ca;
• mamãe; nenê; au – au; papai;
• abrir e fechar a boca estalando os lábios.
Imitação de movimentos não visíveis no próprio corpo
• tocar na orelha com uma das mãos;
• pôr a mão na testa;
• segurar o cabelo;
• tocar com o dedo indicador na ponta da língua;
• tocar nas faces alternadamente com o dedo indicador.
Imitação de ações com os objetos
• tampar e destampar alternadamente uma caixa;
• cobrir um objeto com um lenço;
• balançar um objeto amarrado a um barbante;
• empilhar um bloco de madeira sobre outro e derrubar.
Solicitação de reprodução de modelos ou situações ausentes
• como faz para comer?
• como faz para dormir?
• como faz para pentear o cabelo?
• como a mamãe faz quando fica brava?

A avaliação destes itens permite caracterizar que recursos as


crianças estão utilizando para interagir com os objetos para
melhor conhecê-los, assim como quais são as habilidades de
imitação que já desenvolveram. Desta forma, podemos ter indí-
cios a respeito de que fase de desenvolvimento cognitivo elas
podem estar atravessando: sensoriomotoras (Fases I a V); fase
de transição entre o período sensoriomotor e o período represen-
tativo (Fase VI) ou se já atingiram características típicas do
período representativo propriamente dito.
892 Fonoaudiologia Prática

Avaliando habilidades interativas/sociais


a) Verificar se há presença de indícios de
comportamentos interativos intencionais
• dirige comportamentos aos outros, não-verbais ou verbais,
com a finalidade de iniciar interações ou mesmo para
responder às tentativas de interação dos outros;
• continua insistindo nos comportamentos comunicativos quando
os outros não reagem de imediato às suas tentativas de interação;
• adota uma postura ou comportamento de quem espera uma
resposta do outro às suas atitudes comunicativas.

b) Identificar as funções dos comportamentos


comunicativos
• função regulatória
solicita objetos;
solicita ações;
protesta (solicita encerramento de uma ação).
• função de atrair ou manter a atenção sobre si mesma;
• função de garantir a atenção conjunta.

Caracterizando o grau de desenvolvimento da


comunicação
a) Níveis de desenvolvimento
• nível I – atitudes comunicativas não-intencionais reativas;
• nível II – atitudes comunicativas não-intencionais – compor-
tamentos ativos;
• nível III – atitudes comunicativas intencionais elementares;
• nível IV – atitudes comunicativas intencionais convencio-
nais ;
• faz uso de comunicação lingüística – caracterizar a fase de
desenvolvimento de linguagem;
• faz uso de comunicação simbólica não-verbal.

b) Recursos expressivos empregados na comunicação


• gestuais não-simbólicos;
• vocais não-simbólicos (vocalizações que não têm o caráter
de palavras);
• gestuais simbólicos;
• vocais simbólicos (principalmente onomatopéias);
• verbais.

Observando as atitudes comunicativas dos pais


a) Atitudes diretivas – controladoras
• adulto propõe temas e situações;
• mantém o controle e a direção da interação;
Distúrbios de Linguagem em Crianças Pequenas 893

• linguagem diretiva: grande número de imperativos e pergun-


tas a fim de verificar capacidades ou ensinar coisas;
• trunca ou quebra a interação com sucessivos julgamentos
de valor: não é assim; parabéns; muito bem, etc.;
• iniciam a maior parte dos tópicos de interação;
• falam em excesso;
• não sabem aguardar ou limitam as possibilidades de respos-
tas espontâneas das crianças;
• tendem a ignorar ou a não aproveitar adequadamente as
iniciativas das crianças;
• não conseguem compreender ou responder aos esforços
comunicativos que as crianças fazem.

b) Atitudes não-diretivas – facilitadoras


• aguardam iniciativas por parte das crianças;
• procuram adequar seu nível de linguagem ao nível da criança;
• buscam proximidade física para facilitar interação;
• interpretam atos não-intencionais como se fossem intencio-
nais;
• estão atentos aos esforços comunicativos por parte das
crianças;
• dão oportunidades de ação para as crianças;
• imitam comportamentos das crianças;
• ficam aguardando respostas por parte das crianças.

DISTÚRBIOS DE LINGUAGEM
A denominação “distúrbios de linguagem” diz respeito a com-
prometimentos no curso evolutivo da aquisição da linguagem. Os
distúrbios que mais comumente afetam o desenvolvimento da
criança pequena são os chamados “retardos de aquisição da
linguagem”.
Crianças apresentando condições evolutivas favoráveis ten-
dem a adquirir linguagem no decorrer do segundo ano de vida,
entre 1 e 2 anos de idade. Algumas crianças já começam a ensaiar
as primeiras palavras por volta do primeiro aniversário. Outras
começam mais tarde.
Podemos observar, portanto, diferenças quanto à época em
que as crianças começam a utilizar a linguagem. Há uma série de
fatores que podem ser apontados como determinantes de tais
diferenças: ritmo de desenvolvimento de cada um, estimulação
em geral e mais especificamente, de linguagem, condições emo-
cionais e maturidade social, hereditariedade, doenças e outros
fatores que possam afetar o tempo de aquisição.
Um dos parâmetros que podem ser utilizados para a caracte-
rização dos retardos de linguagem diz respeito à idade. Crianças
que chegam à faixa etária dos 2 anos sem terem adquirido
linguagem merecem uma atenção especial, pois podem estar
894 Fonoaudiologia Prática

revelando dificuldades quanto ao desenvolvimento lingüístico.


Neste caso, o critério que está sendo empregado refere-se à
própria linguagem, ou seja, um possível atraso só estará sendo
considerado depois de ter sido ultrapassada a idade em que
comumente as crianças adquirem linguagem.
Porém, podemos falar também em retardos de desenvolvimen-
to da comunicação, atingindo a evolução de níveis pré-lingüísticos
antes de se manifestar em níveis verbais. O diagnóstico, nestes
casos pode ser feito através da observação e análise dos níveis de
desenvolvimento pré-lingüístico, social e cognitivo do bebê ainda
pequeno. Estas são condições mais ideais para diagnóstico e
tratamento dos distúrbios da comunicação em crianças.

Classificando os retardos de linguagem


A classificação dos retardos de aquisição da linguagem pode
ser feita tomando-se como referência as dificuldades encontradas
e sua abrangência. Podemos dividir os retardos em dois grandes
grupos, sempre considerando que, embora possam estar sendo
classificadas num mesmo grupo, as crianças divergem entre si
quanto ao grau de dificuldades e extensão das mesmas. Esta
classificação leva em conta a existência de dificuldades específi-
cas quanto à aquisição da linguagem ou dificuldades globais de
desenvolvimento e se aplica a crianças que não adquiriram
linguagem na idade esperada.

Grupo I – Retardo de linguagem fazendo parte


de atraso global do desenvolvimento
Subgrupo A – Crianças apresentando ausência de condu-
tas simbólicas, com comportamentos organizados a nível
sensoriomotor.

Esquemas de interação com os objetos


• modo de manipulação de objetos tipicamente sensoriomotor;
• ausência de condutas simbólicas;
• conjunto de ações pouco evoluídas tendendo à repetição
sem variação;
• poucas formas de explorar e manipular os objetos;
• dificuldades de atenção e tempo de concentração reduzi-
dos;
• ausência de atividade construtiva elaborada;
• ausência de brincadeira de conteúdo simbólico.

Imitação
• dificuldades maiores, em geral, para imitar sons e movimen-
tos não-visíveis no próprio corpo;
• dificuldades para imitar ações com os objetos;
• não conseguem imitar modelos ausentes.
Distúrbios de Linguagem em Crianças Pequenas 895

Habilidades interativas / sociais


• crianças com atrasos mais importantes podem não apresentar,
ainda, comportamentos intencionais para garantir a interação;
• quando presentes, a função dos comportamentos comuni-
cativos tende a ser predominantemente regulatória;
• dificuldades para manter atenção conjunta;

Graus de desenvolvimento da comunicação


• crianças com atrasos mais acentuados podem ainda não
estar apresentando comportamentos comunicativos inten-
cionais – Níveis I e II;
• não fazem uso de comunicação lingüística;
• não apresentam outras formas de comunicação simbólica,
mesmo não verbais;
• podem apresentar comportamentos comunicativos típicos
dos Níveis III e IV;
• recursos expressivos empregados na comunicação limita-
dos a gestos e vocalizações não-simbólicos.

Atitudes comunicativas dos pais


• tendem a ser diretivas e pouco adequadas, de forma geral.

Subgrupo B – Crianças com atraso global do desenvolvimen-


to e que já apresentam algum grau de simbolismo em suas
condutas que, apesar de presentes, estão defasadas em relação
ao esperado para a idade.

Esquemas de interação com os objetos


• manipulam os objetos alternando entre formas sensoriomo-
toras e simbólicas, tendendo a um predomínio da explora-
ção sensoriomotora;
• atribuem significados práticos, convencionais e simbólicos
aos objetos;
• brinquedo simbólico presente, elementar, com graus variá-
veis de simbolismo podendo ser constatados;
• manipulação dos objetos tende a ser breve e superficial;
• tempo de atenção curto;
• tendem a desistir com facilidade quando surge algum obs-
táculo na manipulação;
• atividade construtiva pouco desenvolvida.

Imitação
• dificuldades para imitar sons em geral e movimentos não
visíveis no próprio corpo;
• imitação de modelos ausentes ocorrendo de forma elemen-
tar, pouco precisa;
• maior facilidade para imitar ações sobre objetos.
896 Fonoaudiologia Prática

Habilidades interativas / sociais


• apresentam comportamentos intencionais para garantir a
interação;
• a função dos comportamentos comunicativos tende a ser
principalmente regulatória;
• dificuldades para manter atenção conjunta e alternar ações
numa atividade a dois.

Graus de desenvolvimento da comunicação


• apresentam algum domínio de linguagem, estando porém
defasados em relação ao esperado para a idade cronológica;
• podem apresentar formas de comunicação simbólica não-
verbais;
• podem estar empregando recursos simbólicos na comuni-
cação, que tendem a ser mais elementares.

Atitudes comunicativas dos pais


• tendem a ser diretivas e pouco adequadas às características
das crianças.

Grupo II – Retardo simples de linguagem


A prática clínica tem demonstrado ser comum encontrarmos
crianças apresentando dificuldades ou impedimentos mais acen-
tuados no que diz respeito à aquisição da linguagem. O problema
configura-se como mais específico, sendo que outros aspectos do
desenvolvimento estão menos comprometidos, ou seja, estão
evoluindo dentro dos limites do que é considerado normalidade.
Este tipo de problema é encontrado, por exemplo, em crianças
com deficiência auditiva que, devido a um impedimento físico, têm
um comprometimento quanto ao domínio da linguagem. Porém,
tal tipo de problema não está restrito ao deficiente auditivo.
Crianças sem distúrbios da audição podem também apresentar tal
tipo de defasagem.
No caso de crianças ouvintes é possível considerarmos este
problema como um retardo específico, ou simples, de linguagem.
Correspondem a um grupo de crianças que, embora já possam
estar revelando um desenvolvimento mais avançado em condu-
tas simbólicas, como o brinquedo de faz-de-conta e a imitação
diferida, não apresentam uma evolução correspondente no plano
da linguagem. Embora possam revelar uma boa compreensão de
linguagem, a capacidade expressiva pode estar ausente, ou em
fases mais elementares do que a esperada para a idade e o
desenvolvimento geral que a criança apresenta.
Um dos fatores que podem estar agravando ou interferindo
neste tipo de atraso diz respeito à vivência, por parte da criança,
de situações ou ambientes pouco favoráveis para o desenvolvi-
mento da linguagem e até mesmo de habilidades comunicativas
Distúrbios de Linguagem em Crianças Pequenas 897

mais gerais. Sabemos que o domínio da linguagem pela criança


é altamente dependente da qualidade das situações de interação
com os outros. Habilidades sociais, habilidades comunicativas e
estilos de interação dos adultos devem ficar bem caracterizados
na avaliação.

Características gerais comumente encontradas


nas crianças com atrasos simples de linguagem
Esquemas de interação com os objetos
• desenvolvimento sensoriomotor sem alterações;
• habilidades para jogos de construção podem estar bem-
desenvolvidas;
• brinquedo simbólico revela que a criança tem capacidade
para lidar com símbolos, que consegue representar conhe-
cimentos e experiências através de brinquedos e gestos, o
mesmo não acontecendo com a linguagem;
• significados convencionais e simbólicos são atribuídos aos
objetos;
• tendem a apresentar formas variadas de manipulação dos
objetos e tempo mais prolongado de exploração.

Imitação
• podem não apresentar dificuldades para reproduzir movi-
mentos não-visíveis no próprio corpo;
• em geral, não apresentam dificuldades para reproduzir
ações realizadas com objetos;
• podem não apresentar problemas para imitar modelos au-
sentes;
• tendem a apresentar maior dificuldade, ou até mesmo
desinteresse, na imitação de sons e palavras.

Habilidades interativas/sociais
• algumas crianças podem apresentar dificuldades para orga-
nizar comportamentos comunicativos intencionais;
• algumas crianças tendem a atuar diretamente sobre o meio,
buscando a interação com os outros de modo pouco siste-
mático;
• a função dos comportamentos comunicativos tende a ser
principalmente regulatória;
• tendem a apresentar pouca habilidade para garantir a aten-
ção conjunta e desenvolver atividades com outros.

Graus de desenvolvimento da comunicação


• podem apresentar algum domínio de linguagem, estando,
porém, defasados em relação ao esperado para a idade
cronológica;
898 Fonoaudiologia Prática

• podem apresentar formas de comunicação simbólica não-


verbais – gestos simbólicos;
• podem estar empregando formas de comunicação vocais e
gestuais não-simbólicas;
• apesar de já apresentarem uma capacidade para lidar com
símbolos, a comunicação pode estar limitada a formas não
simbólicas como as encontradas nos Níveis III e IV da
comunicação pré-lingüística.

Atitudes comunicativas dos pais


• tendem a ser diretivas e pouco adequadas às características
das crianças.

PLANEJANDO UM TRABALHO DE INTERVENÇÃO


FONOAUDIOLÓGICA
A pergunta que sempre nos fazemos diz respeito a como tratar
crianças com retardos de aquisição da linguagem. Porém, como
é possível constatar, não podemos falar de uma maneira única ou
de um procedimento padrão para trabalhar do ponto de vista
fonoaudiológico. Na realidade, falamos em retardos de aquisição
da linguagem, o que implica em configurações diversificadas, com
problemas variando em termos de profundidade e graus de
extensão. Isto significa que devemos adequar o trabalho
fonoterápico ao perfil de desenvolvimento de cada criança.
Atuarmos com uma criança que apresenta um atraso global
de desenvolvimento e ausência de condutas simbólicas pode
requerer um tipo de trabalho e estimulação distinto da criança
que esteja apresentando um retardo simples de linguagem.
Uma atividade que pode ser bastante útil e eficiente para uma
criança pode ser completamente ineficaz ou inútil para a outra.
Foi por esta razão que este artigo começou abordando questões
ligadas ao desenvolvimento normal da comunicação e suas
relações com o desenvolvimento de capacidades cognitivas e
sociais. Precisamos, antes de mais nada, compreender o tipo de
retardo que a criança apresenta, quais aspectos de seu desen-
volvimento estão mais prejudicados, quais aspectos estão me-
lhor preservados, assim como em que nível evolutivo se encon-
tram. Um dos preceitos básicos da intervenção terapêutica diz
respeito a entrar em sintonia com a criança para poder desen-
volver nela habilidades interativas e isto implica em sermos
sensíveis aos seus interesses e capacidades, em sermos capa-
zes de acompanhar detalhes de seu desenvolvimento.
Apontamos três áreas que atuam como determinantes do desen-
volvimento da linguagem: cognição, capacidades comunicativas
pré-verbais e habilidades para interação social. Avaliando aspectos
ligados a estas áreas, pudemos categorizar dois grandes grupos de
retardos de aquisição de linguagem. O primeiro grupo apresenta não
Distúrbios de Linguagem em Crianças Pequenas 899

somente um atraso no desenvolvimento da comunicação, mas


também problemas quanto aos aspectos cognitivos e sociais. Neste
primeiro grupo foram apontados dois subgrupos diferenciados pelo
fato da criança apresentar ou não condutas de caráter simbólico. As
três áreas de desenvolvimento estão prejudicadas. Obviamente, o
trabalho terapêutico deve ser levado a cabo no sentido de estimular
o desenvolvimento comunicativo, social e cognitivo uma vez que
todos estes aspectos encontram-se com problemas.
O segundo grupo, das crianças consideradas como apresentan-
do um retardo simples de linguagem, evidencia dificuldades mais
centradas no desenvolvimento de habilidades sociais e comunica-
tivas. A criança pode até ter condições cognitivas e representativas
para adquirir linguagem mas, ao que tudo indica, a função comuni-
cativa da linguagem está pouco desenvolvida.
Apesar das diferenças, as crianças dos dois grandes grupos
de retardos de aquisição de linguagem evidenciam, de modo
geral, dificuldades no plano do desenvolvimento de capacidades
comunicativas e sociais. Recursos interativos pobres produzem
um efeito negativo sobre a comunicação uma vez que esta é uma
atividade que implica em relações sociais. Em razão de tais
déficits, estas crianças muito podem se beneficiar de situações
que busquem dar a elas melhores condições para uma sintonia
mais afinada com as outras pessoas a fim de que consigam
manter um foco de atenção comum e possam agir e se comunicar
de modo coordenado e sincronizado com seus parceiros.

Algumas estratégias facilitadoras para


terapeutas e pais interagirem com crianças
apresentando atrasos no desenvolvimento da
linguagem
• Aguardar, observar e ouvir tudo o que a criança tem para
manifestar: gestos, vocalizações e olhares.
• Não atuar de forma diretiva e controladora, dando oportuni-
dades para a criança manifestar seus desejos, interesses e
necessidades.
• Fornecer oportunidades que favoreçam a comunicação e
saber aguardar uma resposta.
• Propiciar situações de interação com equilíbrio de turnos
comunicativos.
• Usar linguagem compatível com as possibilidades de com-
preensão pela criança.
• Interpretar atos não-intencionais como se fossem atos co-
municativos intencionais.
• Não dar automaticamente as coisas para a criança: aguar-
dar que ela tome iniciativas para solicitar os objetos.
• Conhecer as capacidades comunicativas típicas de cada
criança e saber que é com este recurso que se pode contar
no momento da interação com elas.
900 Fonoaudiologia Prática

• Solicitar pouco de suas capacidades ou exigir acima do que


ela pode responder significa possível quebra da interação
por falta de sintonia entre os interlocutores.
• Garantir a proximidade física e o contato face a face: a
proximidade facilita o intercâmbio comunicativo.
• Imitar sistematicamente o que a criança faz é uma forma
eficiente de chegar ao seu nível: é como sintonizar na
mesma estação em que ela opera.
• Dar nome às coisas, de modo natural. Nomear sistematica-
mente objetos e ações aumenta a possibilidade de compreen-
são assim como conduz ao uso de palavras novas.
• As situações do dia a dia devem ser adaptadas de modo que
levem a criança a usar a linguagem como um meio privile-
giado de ação.
• Criar pequenos problemas cujas soluções impliquem em
atos comunicativos: por exemplo, dar a mamadeira vazia na
hora de tomar o leite; apresentar uma caixa sem o conteúdo
que habitualmente a criança encontra dentro dela e assim
por diante. Aguardar as atitudes da criança para resolver
situações como esta.

ATENÇÃO
• Quando as necessidades das crianças são atendidas sem
ser preciso qualquer esforço de comunicação por parte
delas, ou quando o ambiente está estruturado para que
consigam diretamente tudo o que pretendem, encontramos
situações pouco favoráveis para que elas iniciem comunica-
ção e compreendam suas funções.
• Crianças com dificuldades de linguagem têm, em geral,
pouca iniciativa e desistem com facilidade quando surge
algum obstáculo às suas tentativas de ação. Quando
terapeutas e pais respondem prontamente a tais tentativas
podem estar dando-lhes mais confiança e aumentando sua
iniciativa na medida em que elas sentem que podem se
comunicar.

IMPORTANTE
• Aprender a observar e dar sentido aos comportamentos das
crianças é um dos pontos fundamentais de uma proposta
terapêutica.
• Aprender a observar e analisar os próprios comportamentos
ao interagir com as crianças é um segundo ponto-chave do
trabalho fonoaudiológico.
• O fonoaudiólogo deve ser preparado adequadamente a fim
de promover estratégias favoráveis para o desenvolvimento
das capacidades comunicativas de crianças com problemas
de linguagem. Curiosamente, as atitudes inadequadas que
comumente observamos nos pais ao interagirem com seus
filhos com dificuldades de comunicação também podemos
Distúrbios de Linguagem em Crianças Pequenas 901

observar em nossas terapias de linguagem. Nossa tendên-


cia, em geral, é de dirigir e controlar. Mas não é este tipo de
atitude que pode beneficiar estas crianças. Elas necessitam
de atitudes facilitadoras.

EVITAR
• Tomar sistematicamente a iniciativa da comunicação.
• Ficar testando as capacidades das crianças com ordens e
perguntas.
• Ficar dirigindo a ação da criança dizendo como ela deve agir
ou proceder.
• Interromper os silêncios que correspondem ao tempo de es-
pera que se deve dar para que a criança tome a iniciativa da
comunicação.
• Ficar falando no lugar da criança.
• Falar em excesso sem dar tempo para a criança responder
ou tomar a iniciativa.
• Muitas das crianças que já atingiram níveis simbólicos de
comunicação podem até ser capazes de responder pergun-
tas ou seguir instruções mas, em geral, não são capazes de
usar a linguagem para fins de comunicação espontânea.
Não é este o objetivo da terapia fonoaudiológica.
• Situações desfavoráveis para uma comunicação eficaz têm
por efeito afastar a criança da linguagem. Quando não tem
oportunidades para iniciar comunicação, ou quando seus
esforços para conseguir a interação não têm efeito, a criança
não tem oportunidades de experimentar suas capacidades
de comunicar.

O que enfatizar no trabalho terapêutico:


diretrizes gerais
O objetivo, neste momento, é o de apresentar uma série de
situações que, em virtude do nível de desenvolvimento alcan-
çado por cada criança, podem despertar a atenção das
mesmas e motivá-las para a ação sobre o meio. Estas situa-
ções podem servir de contexto para as interações e trocas
comunicativas entre o terapeuta e a criança, seguindo os prin-
cípios apontados anteriormente e, ao mesmo tempo, estimular
sua atividade cognitiva.

A) Crianças apresentando um retardo de aquisição de


linguagem como parte de um atraso global do
desenvolvimento: comportamento tipicamente em nível
sensoriomotor, com ausência de condutas simbólicas
• Estimular a atividade de exploração sensoriomotora: o
interesse deste grupo de crianças está centrado em nível
sensoriomotor com atribuição de significados práticos (até
902 Fonoaudiologia Prática

a Fase IV sensoriomotora) e convencionais (a partir da


Fase V) aos objetos. A atenção está mais voltada a
manipular os objetos a fim de conhecer suas propriedades
físicas (apalpar, puxar, balançar, esfregar, bater, por na
boca) e, no caso de crianças que já atingiram a Fase IV,
estabelecer relações entre eles (empilhar, encaixar, bater
um objeto no outro, etc.)
• Desenvolver condutas imitativas ligadas a:
movimentos visíveis no próprio corpo;
movimentos não visíveis no próprio corpo (a partir da
Fase IV);
vocalizações;
ações diversas sobre os objetos, tomando como modelo
inicial as ações que a criança já realiza com os objetos.
• Facilitar o desenvolvimento de procedimentos comunicati-
vos
estimular o surgimento de condutas comunicativas intencio-
nais, caso ainda não estejam presentes;
favorecer o aparecimento de condutas comunicativas con-
vencionais caso a criança já apresente comportamentos
comunicativos elementares (a imitação é um importante
meio para que isto aconteça);
favorecer o desenvolvimento de condutas verbais para
aquelas crianças que já chegaram ao uso de gestos conven-
cionais e que estão apresentando condições de imitar mo-
delos sonoros.

B) Crianças apresentando um retardo de aquisição de


linguagem como parte de um atraso global do
desenvolvimento – presença de condutas simbólicas
• Propiciar atividades sensoriomotoras: principalmente ex-
ploração de relações espaciais entre os objetos e jogos de
construção.
• Estimular comportamentos imitativos
movimentos visíveis no próprio corpo;
movimentos não-visíveis no próprio corpo;
ações diversas sobre os objetos;
vocalizações, onomatopéias e palavras;
imitação de modelos ausentes.
• Brinquedo simbólico.
• Atitudes comunicativas
uso de linguagem verbal;
uso de formas simbólicas não-verbais de comunicação.

C) Crianças apresentando atrasos simples de


linguagem
• Estimular situações propícias ao brinquedo simbólico.
• Estimular atividades ligadas a jogos de construção.
Distúrbios de Linguagem em Crianças Pequenas 903

• Estimular o desenvolvimento de comportamentos imitativos


vocalizações em geral, onomatopéias e palavras;
imitação de movimentos não-visíveis no próprio corpo;
imitação de modelos ausentes;
imitação de ações diversas sobre os objetos.
• Comportamentos comunicativos
uso de linguagem;
uso de formas simbólicas não-verbais.
Como já foi apontado anteriormente, a imitação desempenha
um papel fundamental no desenvolvimento infantil, tanto do ponto
de vista social e comunicativo quanto do ponto de vista cognitivo.
Criar condições que promovam a evolução do comportamento
imitativo é de primordial importância para a obtenção de progres-
sos na criança. Alguns procedimentos para tornar a imitação uma
conduta facilitada e sistemática podem ser:
1. Imitar sistematicamente os comportamentos da criança a
fim de estabelecer uma identidade de ações e o reconhe-
cimento de que o outro é um parceiro que se comporta de
modo familiar, reconhecível.
2. Fazer da imitação uma forma sistemática de garantir inte-
rações com a criança.
3. Fazer com que a imitação se torne uma conduta recíproca:
a criança imita o outro assim como propõe modelos para
serem imitados.
4. Fazer com que a imitação possa ser um meio que promova
uma maior diversificação de modos de agir da criança:
• inicialmente imitar, de modo idêntico, ações que a criança
realiza com os objetos a fim de começar a obter sua atenção
para a ação que estamos reproduzindo;
• à medida que a criança comece a ficar atenta e a se
interessar pela imitação que estamos fazendo, por reconhecê-
la como familiar, começar a propor mudanças para que
agora a criança imite o que estamos dando como modelo:
promover variações sobre a mesma ação que a criança
estava realizando: por exemplo, bater fraco, bater com
força, bater uma vez, bater várias vezes;
manter a ação que a criança estava realizando e fazer variar
os objetos: por exemplo, bater no chão, bater numa caixa,
bater na barriga e assim por diante;
manter o objeto sobre o qual a criança agia e fazer variar as
ações a serem aplicadas sobre o mesmo: por exemplo, se ela
estava sacudindo um chocalho, propor outras ações como esfre-
gá-lo no chão, batê-lo numa caixa, apalpá-lo, escondê-lo, etc.

Como podemos considerar o sucesso na


terapia?
Para finalizar este artigo creio ser de fundamental importância
abordar a questão do que é o sucesso da terapia de crianças com
904 Fonoaudiologia Prática

retardos de aquisição de linguagem. O sucesso, para muitos,


pode corresponder a atingir o objetivo de fazer a criança falar, isto
é, usar a linguagem oral. De fato, esta deve ser nossa meta que,
às vezes, pode estar próxima de ser atingida. Porém, como
costuma acontecer com muita freqüência, tal meta pode estar
longe do alcance imediato da criança e isto significa que se tornará
um objetivo, que, se possível, poderá ser atingido a médio ou
longo prazo.
Quando não conhecemos de perto os caminhos do desenvol-
vimento infantil e as etapas que ele deve percorrer, não consegui-
mos pensar a médio e longo prazo. Queremos resultados imedia-
tos. Uma boa terapia é criança falando e um bom terapeuta é
aquele que faz a criança falar. Mas, apesar de todos os nossos
esforços, o tempo pode passar e a criança não desenvolver a
linguagem. Vem a ansiedade: não somos bons terapeutas. Acen-
tua-se nossa tendência diretiva e controladora. Precisamos fazer
com que ela aprenda, precisamos provar nossa competência.
Acabamos falando pela criança, o tempo todo. E vem a sensação
de insucesso que, muito provavelmente, não será só nossa. Esta
sensação, seguramente, poderá estar sendo partilhada pela
própria criança que não viu seus esforços comunicativos, por mais
simples ou elementares que fossem, terem qualquer efeito sobre
o outro. Acrescente-se a isso tudo a sensação de que não
consegue agradar ao outro porque não corresponde aos seus
desejos ou expectativas. O outro, nestes casos, podemos ser nós
mesmos realizando, na realidade, uma antiterapia.
Qualquer meta só pode ser atingida quando se percorre um
caminho para chegar até ela. O sucesso da terapia fonoaudioló-
gica é composto de pequenos sucessos que representam peque-
nos passos em direção a comportamentos mais elaborados ou
complexos. O objetivo da terapia deve ser sempre um próximo
passo, por menor que seja ou por mais elementar que possa
parecer. Uma criança que não estava apresentando atitudes
comunicativas intencionais e que passa a ser capaz de organizar
comportamentos comunicativos intencionais elementares está,
efetivamente, obtendo um grande sucesso em seu desenvolvi-
mento. Quando começar a variar suas formas de comunicar
descobrindo, por exemplo, as possibilidades de utilizar
vocalizações, estará obtendo mais sucessos. Chegar ao uso de
gestos convencionais para comunicar-se representará mais su-
cessos. Portanto, devemos considerar como sucesso, ou pro-
gresso na terapia, toda e qualquer mudança que implique no
aparecimento de novas condutas que possibilitem formas mais
eficazes de comunicação.

Leitura recomendada
CANTWELL, D. & BAKER, L. – Developmental Speech and Language
Disorders. Guilford Press, 1987.
Distúrbios de Linguagem em Crianças Pequenas 905

EDWARDS, B.B. – Developmental Disorders of Language. Whurr


Publishers, 1989.
HAGE, S. R. V. – Investigando a linguagem na ausência da oralidade. In:
MARCHESAN, I. Q. et al.(org.). Tópicos em Fonoaudiologia. Vol. III.
Editora Lovise, 1996.
HULIT, L.M. & HOWARD, M.R. – Born to Talk. Macmillan Publishing,
1993.
HANSON, M.J. & LYNCH, E. – Early Intervention. PRO-ED, 1995.
LIMONGI, S.C.O. – Da ação a expressão oral: subsídios para avaliação
da linguagem pelo psicopedagogo. In: OLIVEIRA, V. B. & BOSSA,
N. A. Avaliação Psicopedagógica da Criança de Zero a Seis Anos.
Editora Vozes, 1994.
LURIA, A.R. & YODOVICH, F.I. – Linguagem e Desenvolvimento Intelec-
tual na Criança. Artes Médicas, 1985.
MANOLSON, A. – Falar: Um Jogo a Dois. Edições Afrontamento, 1985.
PENNER, A. P. – Communication, cognition, and social interaction in the
Angelman syndrome. American Journal of Medical Genetics, 46:34-
39, 1993.
PENNER, A. P. – Habilidades de interação social de estudantes com
retardo mental severo durante interações com adultos conhecidos.
In: MARCHESAN, I. Q. et al. Tópicos em Fonoaudiologia . Vol. III.
Editora Lovise, 1996.
PIAGET, J. – O Nascimento da Inteligência na Criança. 3ª ed., Zahar,
1978.
VENEZIANO, E. – Developpement normal et processus d’acquisition
des caracteristiques de base du langage. In: KREMIN, A. & LECLECQ,
M. Approche Neuropsychologic de l’Enfant. Ed. de la Soc. De
Neuropsychologie, 1992.
VYGOTSKY, L.S. – Pensamento e Linguagem. Antídoto, 1979.
WARREN, F. S. & REICHLE, J. – Causes and Effects in Communication
and Language Intervention. Vol. 1. Paul Brookes Publishing, 1992.
ZORZI, J.L. – Aquisição da Linguagem Infantil – Desenvolvimento,
Alterações e Terapia. Editora Pancast, 1993.
ZORZI, J.L. – Linguagem e Desenvolvimento Cognitivo – A Evolução do
Simbolismo na Criança. Editora Pancast, 1994.
Deficiência Auditiva 1
Diagnóstico e Terapia dos Distúrbios do Aprendizado da Leitura e Escrita 907

40
Diagnóstico e Terapia dos
Distúrbios do Aprendizado
da Leitura e Escrita

Mirna Reni Marchioni Tedesco

Apesar de ser o dia-a-dia da clínica fonoaudiológica, o trata-


mento dos distúrbios do aprendizado da leitura e escrita implicam
num grande desafio.
A escrita é uma das formas mais elevadas da linguagem, que
vai além da decodificação gráfica, tarefa por si só extremamente
complexa. Implica na compreensão de que conjuntos de traços
visuais possuem valores simbólicos. Discorrer sobre suas altera-
ções, talvez seja a tarefa mais árdua no campo da fonoaudiologia,
considerando as controvérsias terminológicas e os diferentes
princípios das linhas de tratamento. Sem mencionar, ainda, a
grande dificuldade no estabelecimento dos terrenos das áreas
afins: pedagogia, psicologia e fonoaudiologia, papéis que muitas
vezes se confundem, dependendo da concepção que se tem do
problema.
Partindo destas colocações, seria pretensioso demais desejar
que este capítulo fosse decisivo para o estabelecimento de
verdades imutáveis sobre o assunto. Gostaríamos contudo que, a
partir da discussão de alguns conceitos, pudéssemos possibilitar
uma reflexão crítica sobre os critérios de diagnóstico e tratamento
dos distúrbios de leitura e escrita.
908 Fonoaudiologia Prática

DIAGNÓSTICO

Concepção de distúrbio
Em relação ao aprendizado da leitura e da escrita, a necessi-
dade de um processo diagnóstico é determinada pela existência
de sintomas e sinais de alterações que comprometam, num
sentido estrito, a forma, e, num sentido amplo, a funcionalidade da
comunicação gráfica.
O rumo deste diagnóstico será determinado a partir da
concepção que se tem de distúrbio. Assim, de maneira simplista,
pode restringir-se a comprovação da presença de trocas
grafêmicas, tão conhecidas e freqüentes, e da posterior determi-
nação da causa e da natureza das mesmas. Entretanto, sem que
se ignore a presença destes sintomas clássicos, a partir da
consideração das dimensões biológica, cognitiva e social da
aprendizagem, o diagnóstico pode seguir caminhos mais reflexi-
vos, ocupando-se em verificar o real valor simbólico que a leitura
e a escrita assumem no momento em que afloram as alterações
que motivaram o processo.
As controvérsias diagnósticas foram geradas a partir das
diferentes concepções de distúrbio de leitura e escrita.
Os primeiros relatos literários sobre o assunto tiveram seu
início em meados do século XIX, época em que os transtornos da
linguagem foram relacionados aos comprometimentos do hemis-
fério cerebral esquerdo. Nesta época, em função das inúmeras
descrições das alterações da linguagem em afásicos, as dificulda-
des de leitura e escrita apareciam vinculadas à presença de
alterações orgânicas, sendo encontradas em diversos trabalhos
literários com a denominação de alexia, dislexia e cegueira verbal.
No início do século XX, uma série de estudos fazem referên-
cias a um novo quadro clínico, dissociado dos quadros afásicos,
que a princípio denominou-se cegueira verbal congênita. Somen-
te após a 1ª Grande Guerra, surgia a convicção da existência de
perturbações do aprendizado acadêmico. Sob o ponto de vista
tradicional, estes distúrbios específicos de aprendizagem foram
rotulados como dislexias, disgrafias e discalculias.
Posteriormente, a dislexia foi considerada como constitucio-
nal ou genética, sendo denominada dislexia específica de evolu-
ção. A dislexia também esteve relacionada a algumas das chama-
das síndromes psicomotoras, pelo fato de muitas vezes encon-
trar-se associada a alterações comportamentais como hiperativi-
dade e perseveração.
Na tentativa de descaracterizar um quadro sindrômico, partin-
do ainda de uma visão organicista, muitos autores convencidos da
complexidade do problema adotaram um termo mais amplo –
distúrbio de aprendizagem – no qual a dislexia pode ser incluída.
Dentro deste prisma, JOHNSON & MYKLEBUST observaram diferen-
ças nas manifestações do distúrbio, encontrando crianças com
Diagnóstico e Terapia dos Distúrbios do Aprendizado da Leitura e Escrita 909

deficiências no aprendizado da leitura ou no uso da linguagem


escrita, que revelavam outras alterações como hiperatividade,
deficiências na aquisição da palavra falada, em soletração, no
cálculo, julgamento de distância, tamanho, altura e comprimento,
sem que pudessem, entretanto, determinar sintomas comuns que
caracterizassem uma única síndrome.
Pouco depois, QUIRÓS & SCHRAGER, que anteriormente ado-
tavam o termo dislexia, passaram a valorizar os propósitos práti-
cos do prognóstico e do tratamento dos distúrbios de aprendiza-
gem, classificando-os clinicamente como primários e secundá-
rios. Nos distúrbios primários estariam comprometidas as aquisi-
ções especificamente humanas: língua, linguagem, leitura, escri-
ta e cálculo matemático. Os distúrbios primários de aprendizagem
seriam resultado de compensações de disfunções cerebrais e de
deficiências perceptuais (especialmente auditivas e visuais) ou
de deficiências nas aferências posturais (especialmente vestibu-
lares e proprioceptivas).
Nos distúrbios secundários de aprendizagem, os aspectos
específicos seriam uma conseqüência de anormalidades senso-
riais, neurológicas, psíquicas e circunstanciais (quadros anterior-
mente descritos como dano cerebral, paralisia cerebral, retardo
mental, desajuste social, etc.).
Paralelamente à visão organicista dos autores clássicos, a
teoria lingüística de Chomsky veio dar origem aos princípios da
psicolingüística contemporânea, interferindo na visão que até
então se tinha da aprendizagem humana. Tais princípios, come-
çaram a promover mudanças no entendimento dos processos de
aquisição da linguagem oral na criança e conseqüentemente nos
processos do aprendizado da leitura e escrita. Dentro desta
concepção, vários autores passam a levar em conta não somente
as condições internas de aprendizagem, representadas pela
integridade anatomofuncional e pelas condições cognitivas, mas
também a valorizar as condições externas, representadas pelo
campo de estímulos recebidos. Desta forma, o aspecto social da
aprendizagem passa a ser a tônica da mudança de postura frente
ao diagnóstico do que, até então, era tido, indiscutivelmente,
como uma patologia da linguagem.
A partir de então, foi estabelecida a divergência entre as
diferentes linhas diagnósticas, sendo que, cada qual, dentro de
sua concepção, passou a valorizar aspectos individuais para a
determinação do distúrbio ou não-distúrbio.
Considerando que na análise de uma população, os achados
mais freqüentes determinam a normalidade, e, tendo em vista os
atuais padrões sócio-econômico-culturais da população brasilei-
ra, poderíamos afirmar que, dentro da concepção tradicional de
distúrbio do aprendizado, no nosso país o normal é apresentar
alterações de leitura e escrita. Por esta razão, a visão do apren-
dizado não pode ser genérica para uma população que, apesar de
fazer uso de uma mesma língua e de representá-la por meio de um
910 Fonoaudiologia Prática

mesmo código gráfico, apresenta particularidades quando se


levam em conta expectativas, costumes e necessidades indivi-
duais, dependendo das comunidades nas quais se integra.
A decisão do que denominar distúrbio do aprendizado da
leitura e da escrita, portanto, deveria partir do conhecimento real
das condições individuais de aprendizagem.
A crítica aos atuais modelos diagnósticos reside no fato de
que, os conhecimentos adquiridos sobre os distúrbios do apren-
dizado da leitura e da escrita no decorrer do século foram sendo
substituídos a partir da consciência de novos caminhos. A soma-
tória de tais conhecimentos deve servir como fundamento para
uma pesquisa que leve em conta todos os aspectos da aprendiza-
gem, para que não se corra o risco de mais uma vez determinar-
mos uma “síndrome”, seja ela orgânica ou social, para a qual não
tenhamos respostas eficientes.

Causas dos distúrbios do aprendizado


O aprendizado da leitura e da escrita está vinculado a um
conjunto de fatores, adotando como princípios o domínio da
linguagem e a capacidade de simbolização. A análise pormenori-
zada das manifestações de um suposto distúrbio deve pautar-se
pelas condições internas e externas necessárias ao desenvolvi-
mento deste aprendizado.
Podemos dizer que as condições internas de aprendizagem
definem o sujeito como um organismo, cuja integridade anatomo-
funcional possibilita a percepção dos estímulos e um comporta-
mento adequado frente aos mesmos, de acordo com as situações
em que se apresentam.
Por outro lado, as condições externas definem o campo de
estímulos recebidos, onde o meio ambiente representa um papel
fundamental no fornecimento destes estímulos, de forma que os
mesmos sejam suficientes para garantir respostas ativas por parte
do sujeito.
A análise da combinação dos fenômenos biológicos e am-
bientais fornece subsídios para uma investigação das variáveis
originárias do distúrbio.
Considerando que de início o diagnóstico é sempre uma
hipótese, levantamos alguns fatores prováveis deste distúrbio,
relacionando-os às condições internas e externas de aprendiza-
gem, que podem evidenciar desde uma simples alteração na
qualidade do aprendizado específico da leitura e da escrita, ou, de
maneira genérica, revelar desvios nos processos de aprendiza-
gem, que dentre suas manifestações secundárias, revelariam um
distúrbio no aprendizado da leitura e da escrita.
A) Integridade motora – A integridade do movimento é
determinada por um processo seqüencial e seriado de ações
neuromusculares que levam a uma mudança progressiva e gradu-
al de posturas, posições e atitudes no espaço e no tempo.
Diagnóstico e Terapia dos Distúrbios do Aprendizado da Leitura e Escrita 911

Lesões ou desordens corticais de origem genética, neona-


tal, traumática ou pós-encefálica podem determinar o apareci-
mento de alterações motoras táxicas ou práxicas ou perceptuais
gnósicas, que por vezes comprometem os processos cognitivos
em diferentes graus, interferindo no desenvolvimento e
abrangência da linguagem e conseqüentemente nos processos
de leitura e escrita.
B) Integridade sensorioperceptual – Por meio da integração
sensorial a informação do meio ambiente é organizada e interpre-
tada para o planejamento e execução da integração do indivíduo
com este meio. Toda a integração passa de aferências sensoriais
gerais para as específicas indo dos mecanismos somestésicos e
vestibulares, responsáveis pela regulação integrativa postural e
sensorial, aos mecanismos reguladores da audição e visão.
Desta forma, distúrbios vestibulares ou distúrbios auditivos e
visuais periféricos ou centrais podem comprometer essa integri-
dade.
Dentro deste aspecto, maior destaque tem sido dado à audi-
ção, vista como o canal principal de recepção de informações
lingüísticas. A audiologia tem reconhecido que não somente as
alterações condutivas e neurossensoriais determinam distúrbios
de linguagem e aprendizagem, valorizando também o processa-
mento das informações no decorrer da via auditiva. As alterações
do processamento auditivo central têm sido amplamente estuda-
das, visto que caracterizam muitas crianças que manifestam
distúrbios de linguagem e do aprendizado da leitura e da escrita.
Estas alterações têm sido essencialmente caracterizadas por um
rendimento pobre em atividades que implicam em atenção, discri-
minação, identificação figura-fundo, memória, análise-síntese,
seqüências temporais e generalizações auditivas. Os exames
audiológicos são imprescindíveis nas alterações de linguagem,
assim como os testes específicos do processamento auditivo vêm
sendo desenvolvidos e aplicados em maior escala nas alterações
do aprendizado.
C) Integridade sócio-emocional – Possibilidades reais que
o meio oferece em termos de quantidade, qualidade, freqüência
dos estímulos. Interessam nesse aspecto as características do
ambiente, moradia, relações familiares, a escola e demais comu-
nidades que o indivíduo freqüenta e o acesso aos canais de
informação e ao lazer.
A integridade sócio-emocional será estabelecida a partir das
expectativas do indivíduo frente às relações travadas nos diferen-
tes grupos sociais, procurando verificar o que o meio oferece no
que concerne a suas ideologias e valores, não somente relaciona-
dos à sua classe social, mas a seu grau de consciência e
participação.
Para a análise da aprendizagem e do aprendizado específico
da leitura e da escrita importam, portanto, não somente os
aspectos individuais de cada um dos ambientes, porém suas inter-
912 Fonoaudiologia Prática

relações em termos de adequação com as expectativas e costu-


mes primários do sujeito. Incidem sobre a análise do aprendizado
a motivação do indivíduo e os meios utilizados para sua estimula-
ção. Nesse sentido, as alterações do aprendizado relacionam-se
à não-identificação do indivíduo com o meio e com a forma que
este lhe transmite informações.

Manifestação do distúrbio
Levando-se em conta as condições internas e externas de
aprendizagem e a partir das considerações iniciais do que deve-
mos conceber como distúrbio, a análise pormenorizada das
manifestações do mesmo torna-se indispensável para um diagnós-
tico seguro. O aprendizado da leitura e da escrita está vinculado
a um conjunto de fatores, adotando como princípios o domínio da
linguagem e a capacidade de simbolização.
A aquisição de cada sistema de símbolos pressupõe uma
capacidade para integrar experiências e perceber suas representa-
ções não-verbais de maneira a diferenciá-las por meio de um ou outro
símbolo, e a partir de então atribuir-lhes significado e memorizá-los.
Uma reflexão sobre a complexidade deste processo possibi-
lita a compreensão da aquisição de um código gráfico pela
criança. Justifica inclusive a determinação de sintomas comuns
que caracterizam os quadros sindrômicos anteriormente descri-
tos. Já que o desenvolvimento da linguagem é o ponto de partida
para a simbolização, qualquer interferência em seu caminho
poderá representar uma ameaça para o aprendizado do código
gráfico. É por essa razão que as manifestações de alterações nos
aspectos cognitivos da linguagem têm sido tão valorizadas.
Para determinarmos “o quê”, “quando” e “quanto” temos de
distúrbio, precisamos entender que as freqüentes alterações
de esquema corporal, localização espacial, temporal e lateralidade
citadas na literatura especializada no assunto são manifestações
de alterações no processo de desenvolvimento da linguagem e
como conseqüência, também do aprendizado específico da leitu-
ra e da escrita. Sem perder de vista que estes aspectos da
linguagem são de fundamental importância na avaliação, e muitas
vezes, o ponto de partida para tratamento, não podemos ignorar
que a suspeita de um distúrbio do aprendizado baseia-se nos
parâmetros de uma leitura-escrita ideal, cuja organização seja
determinada pela perfeição da forma e do conteúdo gráfico.
No que concerne à leitura, o respeito à forma estará represen-
tado por uma adequada decodificação dos símbolos gráficos em
seqüência, respeitando-se o ritmo determinado pelos sinais de
pontuação. A compreensão do significado do conjunto dos ele-
mentos decodificados determina a adequação do conteúdo.
Já em relação à escrita, a adequação da forma diz respeito à
emissão gráfica de palavras, respeitando-se a relação entre os
fonemas da língua e sua representação grafêmica de acordo com
Diagnóstico e Terapia dos Distúrbios do Aprendizado da Leitura e Escrita 913

as regras ortográficas. Além disso, implica numa organização no


espaço-papel, determinada tanto por sua seqüência de acordo
com a estrutura gramatical, quanto pela adequação da forma e
tamanho dos grafemas, da distância entre os mesmos e da
direção e sentido de seu traçado. A coerência na elaboração
gráfica indica a adequação do conteúdo.
Considerando que o avaliador deve levar em conta os diferen-
tes momentos do aprendizado da leitura e escrita, elencamos as
principais manifestações que devem ser valorizadas para a pes-
quisa de um possível distúrbio.

Manifestações de alterações no aprendizado da


leitura e da escrita
• DESVIOS DE FORMA
1. Trocas, omissões ou inversões grafêmicas – Também
denominadas de disortografia. Dizem respeito às manifestações
vistas como mais freqüentes nas crianças de idade escolar,
representadas por trocas, inversões ou omissões de grafemas de
diferentes naturezas.
A compreensão de que existe uma relação entre as letras e
os sons da fala é o modelo ideal do sistema alfabético. Entretanto,
na língua portuguesa existem várias situações onde nem sempre
existe uma correspondência única, acarretando confusões quan-
to à escolha do grafema a ser decodificado ou simbolizado no ato
da leitura e da escrita. Por este motivo, é aceitável que nos
momentos iniciais do aprendizado, estas confusões caracteriza-
das pelas trocas grafêmicas sejam bastante freqüentes. Contudo,
em qualquer momento do aprendizado, uma investigação quanto
à natureza destas confusões poderá fornecer indicativos da
necessidade ou não de uma intervenção terapêutica.
Desta forma, dentre os erros verificados podemos destacar:
A) Trocas de natureza perceptual auditiva – Trocas de
grafemas na representação de fonemas auditivamente semelhan-
tes. Podem manifestar-se por trocas na representação gráfica de
fonemas que se contrapõem pelo ponto ou modo articulatório,
porém as mais freqüentes são as trocas pelo traço de sonoridade
(f ´ v; p ´ b; t ´ d; c ´ g; x,ch ´ j,g).
Pela dificuldade de percepção auditiva, podemos verificar tam-
bém omissões de grafemas, sendo que os mais freqüentemente
omitidos são os que representam os arquifonemas /R/, /S/, /N/ e /L.
A dificuldade perceptual auditiva pode ter ainda como sinto-
mas as inversões de grafemas ou de sílabas dentro da palavra ou
até mesmo omissões silábicas.
Considerando que estas trocas e omissões são vistas como
de natureza auditiva, as mesmas podem, ou não, vir precedidas
de alterações na fala.
B) Trocas de natureza perceptual visual – Podemos verifi-
car dois tipos de confusões na escolha dos grafemas a serem
914 Fonoaudiologia Prática

representados. A primeira delas diz respeito às trocas caracteriza-


das pela dificuldade na verificação de que diferentes grafemas
podem corresponder a um mesmo fonema. Intimamente relacio-
nadas à memória visual e, por vezes, ao domínio das regras
ortográficas (x ´ ch; s ´ ss ´ c ´ ç ´ xc ´ sc; s ´ z ´ x; c´qu).
O segundo caso relaciona-se às trocas visuais de grafemas de
traçados semelhantes, cuja diferenciação é determinada pelo seu
posicionamento em relação espaço-papel. Também denomina-
das de inversões e reversões de letras (p ´ b; p ´ q; b ´ d; u ´ n).
2. Disgrafia – Alteração no formato, direção e/ou sentido do
traçado dos grafemas que de qualquer forma comprometa a
decodificação do produto gráfico.
3. Alterações no ritmo da leitura – Podem ser representadas
pela leitura silabada, ou com velocidade diminuída, sem respeito
aos sinais de pontuação.

• DESVIOS NO CONTEÚDO DA LEITURA E DA ESCRITA


Dificuldade de compreensão e elaboração gráfica – Diferen-
temente do que deveria ocorrer, os desvios no conteúdo da elabora-
ção gráfica são menos valorizados na identificação dos sintomas, e
conseqüentemente no tratamento de um distúrbio do aprendizado da
leitura e escrita. Isto porque, dentro do processo específico do
aprendizado, os problemas de compreensão e elaboração gráfica
não se manifestam até que a criança tenha adquirido um nível de
leitura e escrita que vá além de palavras ou sentenças simples. Assim,
diferentemente das alterações de forma que podem ser percebidas
desde o seu início, a observação de alterações no conteúdo da
linguagem escrita são identificadas mais tardiamente. Considerando
que o real objetivo da escrita é o de possibilitar a comunicação de
idéias por meio do código gráfico, deveríamos priorizar o conteúdo das
emissões gráficas, desde o início da sua manifestação.
Não devemos nos deter somente em como a criança estrutura
suas frases, através do uso de uma seqüência que respeite a
gramática ou a sintaxe, mas observar sua motivação e possibili-
dades para receber ou representar graficamente uma idéia.
Desta forma, o momento do aprendizado e a motivação para
a escrita são fundamentais para a determinação de desvios que
podem se manifestar pela dificuldade de compreender e repre-
sentar desde os símbolos mais primitivos como figuras e dese-
nhos, até a formalização gráfica propriamente dita, representada
por palavras, frases ou textos.

Manifestações de alterações no desenvolvimento


da linguagem
Dependendo da natureza do problema do aprendizado, as
manifestações específicas podem ser precedidas ou ter origem a
partir de suas relações com os seguintes aspectos de linguagem:
• desorganização dos movimentos do corpo no espaço;
• alterações na freqüência e ritmo dos movimentos corporais;
Diagnóstico e Terapia dos Distúrbios do Aprendizado da Leitura e Escrita 915

• dificuldade de identificação das posições e das relações


espaciais traçadas entre o próprio corpo e as demais pes-
soas e os objetos;
• dificuldade de orientação e seqüência temporal;
• dificuldade de percepção e representação não-verbal: ges-
tos e expressões;
• alterações nos processos de simbolização lingüística: dimi-
nuição ou atraso na compreensão/emissão de fala, no
tocante ao vocabulário e/ou estruturação;
• alterações de memória auditiva e/ou visual;
• dificuldade na percepção ou discriminação de estímulos
auditivos relacionados à intensidade e altura tonal;
• dificuldade na percepção ou discriminação de estímulos vi-
suais;
• dificuldade em análise-síntese auditiva ou visual;
• alterações da percepção figura-fundo auditiva ou visual;
• trocas ou omissões articulatórias.

Anamnese
Toda anamnese tem por objetivo a coleta de instrumentos
gerais a partir da queixa, para posterior investigação e análise dos
dados relevantes no processo de pesquisa diagnóstica.
No caso especial dos distúrbios do aprendizado da leitura e da
escrita, temos que ser muito mais cuidadosos em relação a alguns
detalhes que possam parecer irrelevantes na pesquisa das de-
mais patologias da linguagem. Um dos pontos mais importantes
é o motivo da procura do fonoaudiólogo.
No caso de uma suposta alteração no aprendizado da leitura
e escrita, o que leva o paciente ou seus familiares a procurarem
um diagnóstico e conseqüente tratamento fonoaudiológico?
O motivo da procura nos dá uma idéia do objetivo do queixoso
e traduz suas expectativas quanto ao tratamento. Este aspecto
deve ser considerado na medida em que o paciente coloca o
problema como seu ou imposto por outrem.
Muito comuns são as situações em que o paciente é encaminha-
do pela escola, e a família só decide pela procura de um atendimento
por temor a represálias. Este é um ponto de grande importância,
tanto para o diagnóstico como para o estabelecimento de um
prognóstico, pois a falta de clareza na colocação da queixa sugere
baixas expectativas e pouca colaboração no tratamento, uma vez
que o paciente não enxerga o quadro como um problema.
Assim, desde o contato inicial, faz-se necessário um esclare-
cimento das correlações entre a queixa trazida pelo paciente e os
possíveis comprometimentos a serem pesquisados, assim como
devem ser esclarecidos todos os procedimentos do processo
diagnóstico, destacando-se seus objetivos.
Considerando que as crianças com distúrbios do aprendizado
têm uma baixa auto-estima em função de seus fracassos escolares,
916 Fonoaudiologia Prática

outro aspecto fundamental é possibilitar sua presença e participa-


ção nas entrevistas com seus pais. Com esta atitude, conseguimos
evitar que sejam criadas fantasias em relação ao que será questio-
nado pelo fonoaudiólogo e relatado pelos responsáveis, facilitando
inclusive a percepção do real motivo de uma intervenção. Entretan-
to, a decisão nessa participação deve ficar a cargo do paciente.
A presença do sujeito na entrevista fornece indicativos de suas
relações com os familiares, possibilitando inclusive a verificação
de suas reações diante da verbalização do problema.
Em relação aos aspectos formais, os questionamentos a serem
realizados na anamnese não apresentam inovações. A partir da
queixa e de sua história pregressa, devem ser discutidos os antece-
dentes mórbidos, os antecedentes familiares, os dados gerais de
desenvolvimento, o desenvolvimento de linguagem e de aprendiza-
gem, os dados sobre o aprendizado específico. Devem ser funda-
mentalmente analisadas as inter-relações da história trazidas pelos
envolvidos no problema e as expectativas que o paciente e o seu
meio criam a partir dela, para que posteriormente possamos buscar
alternativas de intervenção adequadas, sejam elas concretizadas
por meio de terapias fonoaudiológicas ou variações destas condu-
tas convencionais.

Avaliação da leitura e da escrita


A partir de nosso posicionamento frente ao problema, parece
evidente que somente a identificação das manifestações de
alterações de leitura e escrita não são suficientes para a determi-
nação da natureza de um suposto distúrbio.
A avaliação de linguagem é imprescindível. Devemos ter clare-
za de que o objetivo desta avaliação vai além da escolha de provas
ou de testes específicos que determinem pontuações. O comporta-
mento frente a situações reais de comunicação e a funcionalidade
da linguagem são os elementos de maior importância diagnóstica.
O ponto determinante para a escolha das estratégias de
avaliação é o estigma do distúrbio. A criança cria uma auto-
imagem negativa em virtude de seus fracassos escolares e, por
temor a novas falhas, evita a execução de atividades formais de
leitura e escrita, principalmente nas situações de avaliação. Por
este motivo, o avaliador deve esclarecer o seu papel de terapeuta
desde o processo diagnóstico, procurando promover, de início,
atividades específicas menos formalizadas e, apesar disso,
suficientes para contemplar o objetivo da avaliação.
Levando em consideração os campos de interesse da criança,
podemos fazer da conversa espontânea, dos jogos e das ativida-
des gráficas informais, instrumentos interessantes para o início da
avaliação, possibilitando maior descontração na execução poste-
rior de provas formais, quando necessárias.
Para que possamos relacionar as manifestações à natureza
do problema, valorizamos os aspectos a serem pesquisados.
Diagnóstico e Terapia dos Distúrbios do Aprendizado da Leitura e Escrita 917

ASPECTO OBJETIVO/VARIÁVEIS ESTRATÉGIAS/ OBSERVAÇÕES

Campos de interesse Direcionar a escolha das estratégias de avaliação Informações da anamnese e conversa espon-
• Idade tânea
• Sexo
• Atividades de lazer
• Atividades de vida diária
Motor • Movimentação geral: observação da qualidade Movimentos espontâneos
e quantidade dos movimentos intencionais e
não intencionais considerando postura, equi-
líbrio, coordenação e ritmo
• Motricidade fina: observação da postura e qua- Desenho e emissões gráficas espontâneas
lidade dos movimentos de pulso, mão e dedos
no ato da escrita
Cognitivo • Orientação do corpo no espaço: observação do Movimentos espontâneos: esbarra em obje-
conhecimento de direção, tamanhos e posi- tos? caminha na direção correta?
ções
• Percepção das posições do corpo em relação às Reprodução de movimentos corporais, jogos
demais pessoas a aos objetos: observação que envolvam relações espaciais: colocar
do conhecimento de direção, tamanhos e objetos em caixas, trilhas, labirintos, blocos
posições lógicos, etc.
• Orientação e seqüência temporal: observação Conversa espontânea, seqüêncialização de fi-
das noções temporais guras; relatos do dia-a-dia; contar histórias a
partir de figuras
• Orientação da lateralidade: observação da mão Movimentação espontânea ao pegar objetos,
preferencial e qualidade do movimento. amarrar sapatos, apontar lápis, escrever, etc.
Sensorial auditivo • Percepção Identificação ou reprodução de sons produzi-
• Discriminação dos pelo ambiente, pelo corpo, pela natureza
• Memória Identificação ou reprodução de diferenças de
• Análise-síntese altura, intensidade, duração, ritmo
• Figura-fundo Memória para sons não-verbais e verbais
Formar palavras a partir da emissão de sílabas
Figura-fundo não-verbal e verbal
Localização do estímulo auditivo: direita, es-
querda, atrás, na frente
Discriminação de fonemas ou sílabas diferen-
tes e parecidas
Reconhecimento de palavras parecidas
Sensorial visual • Percepção Percepção de detalhes em figuras
• Discriminação Discriminação de símbolos gráficos iguais, pa-
• Memória recidos e diferentes
• Análise-síntese Memória para estímulos visuais: três estímulos
• Figura-fundo Quebra-cabeça
Identificação de determinado elemento em fi-
gura

Visomotor Direção e sentido do traçado Desenho e emissões gráficas espontâneas


Representação e externali- • Intenção comunicativa Conversa espontânea: fala e gestos; emissões
zação do pensamento • Meio de comunicação preferencial gráficas espontâneas; desenho, escrita
• Efetividade da comunicação

Fala • Compreensão Conversa espontânea, narrativa de fatos do


• Emissão: dia-a-dia, respostas a perguntas, reação a
Aspectos fonológicos afirmações absurdas
Sintaxe
Vocabulário
Consciência das irregularidades da língua

Leitura e escrita • Leitura Identificação de grafemas


• Emissão gráfica: Leitura de palavras
Ortografia Leitura de histórias
Direção e sentido dos traçados Emissões gráficas espontâneas
Posicionamento, tamanho e regularidade dos Elaboração de história
grafemas Cópia
Uso da letra cursiva ou de imprensa Ditado de palavras
Domínio de regras ortográficas Ditado de textos
918 Fonoaudiologia Prática

TERAPIA
A partir do diagnóstico de um distúrbio do aprendizado da
leitura e da escrita, o primeiro ponto a ser considerado é a conduta
frente aos achados da avaliação.
A razão que motivou o processo diagnóstico deve ser
retomada, relacionando-a às eventuais alterações encontra-
das, devendo ser explicitadas aos familiares e ao paciente,
associadas às possíveis causas do distúrbio. A partir de então
a busca de uma melhor conduta frente ao problema deve ser
adotada.
No caso da constatação da necessidade de um atendimento
fonoaudiológico, o primeiro aspecto a ser considerado e a motiva-
ção para a escrita, que só ocorre na medida em que a mesma
assuma um significado para o paciente. Essa motivação é repre-
sentada por uma necessidade real de se comunicar por meio do
código gráfico, e, para que isto ocorra a escrita deve se tornar
parte integrante de sua vida no fornecimento de informações;
deve deixar de ser somente uma obrigação escolar, fornecendo
elementos comunicativos essenciais.
Dependendo da natureza das alterações, e, seguindo a linha
de raciocínio da avaliação de linguagem, forneceremos alguns
objetivos terapêuticos para o distúrbio do aprendizado da leitura
e da escrita, levando o princípio da motivação.

Atividades motoras
Motricidade geral
1. Consciência global do corpo: andar, correr, saltar, rodar,
etc.
2. Equilíbrio estático e dinâmico: ficar parado, ficar num pé só.
3. Dissociação de movimentos: reproduzir uma série de posi-
ções de braços, pernas, mãos.
4. Jogos mímicos.

Motricidade fina: específicas para as disgrafias


1. Atividades com as mãos e dedos: embaralhar cartas,
abotoar e desabotoar, cortar, rasgar papel, manipular
marionetes, jogar bolas de gude, reproduzir movimentos
dissociados dos dedos de uma mesma mão.
2. Pinturas e desenhos livres.
3. Pinturas dirigidas, procurando preencher todo o espaço do
papel.
4. Execução de diferentes formas gráficas: linhas retas hori-
zontais, verticais ou oblíquas, linhas circulares e formas
geométricas.
5. Execução de símbolos gráficos a partir de modelos.
Diagnóstico e Terapia dos Distúrbios do Aprendizado da Leitura e Escrita 919

Atividades cognitivas
1. Espaciais: andar em cima de espaços demarcados, entrar
e sair de compartimentos de diferentes tamanhos, passar
por baixo ou por cima de obstáculos, mudar a direção ou o
sentido dos movimentos corporais, colocar objetos de
diferentes tamanhos em recipientes, imitação de movimen-
tos corporais globais ou de membros superiores e inferio-
res seguindo uma seqüência;
2. Temporais: reproduzir diferentes ritmos, criar ritmos,
seqüencializar figuras, seqüencializar fatos a partir da
apresentação de uma história.
3. Lateralidade: traçar linhas dividindo objetos simétricos verifi-
cando sua igualdade e a relação lado direito e esquerdo, traçar
linhas dividindo figuras do corpo humano, movimentar mem-
bros superiores ou inferiores direito e esquerdo de maneira
alternada, mudar de posição (frente e costas) enquanto movi-
menta membros superiores e inferiores.

Atividades de audibilização
A) Identificação e discriminação auditiva
1. Localização auditiva: estímulos não-verbais e verbais em
todas as posições: na frente, atrás, do lado direito, do lado
esquerdo.
2. Identificação e discriminação de sons referentes à altura
tonal e intensidade.
3. Discriminação de vozes conhecidas.
4. Identificação de sons ambientais e associações com sua
fonte.
5. Discriminação entre sons ambientais iguais, parecidos e
diferentes.
6. Discriminação entre sons da fala iguais, parecidos e dife-
rentes.
7. Reconhecimento e discriminação de sons consonantais
específicos.
8. Exercícios de rimas com palavras.

B) Seqüência temporal e memória auditiva


1. Ritmo e seqüência.
2. Responder a ordens verbais (entoação).
3. Responder a ordens verbais com simbolização.
4. Seqüencializar sons ambientais.
5. Seqüencializar sons da fala.
6. Evocar seqüências a partir de símbolos.
7. Ordenar orações desordenadas.
8. Outros: aumentar frases.
Rimas de ação.
Músicas.
920 Fonoaudiologia Prática

C) Percepção discriminativa
Altura, intensidade, duração, ritmo.
1. Não-verbal – som isolado, pares, trios e combinações entre
matizes.
2. Verbal – vogais, sílabas com fonemas parecidos, logatomas,
pares mínimos.

D) Percepção analítico-sintética
1. Não-verbal – seqüências de 3 a 4 estímulos a serem
sintetizados num todo.
2. Verbal – recompor palavras fragmentadas por sílabas, ou
frases fragmentadas por palavras. A partir destas (sílabas
ou palavras), formar novas palavras ou frases.

E) Percepção figura-fundo
Não-verbal e verbal com ruído de fundo.

F) Memória
1. Não-verbal – 2 a 4 estímulos.
2. Verbal – séries de palavras simples com aumento de
complexidade.
Aumento de ordens contidas em uma mesma mensa-
gem verbal.
Completar detalhes omitidos na segunda versão de uma
história.
Reconhecer palavras que integrem outras, por exemplo,
soldado.

Atividades de visualização
1. Identificação de diferenças em figuras.
2. Identificação de detalhes em figuras.
3. Discriminação de palavras com grafias iguais, parecidas e
diferentes.
4. Discriminação de grafemas iguais, parecidos e diferentes.
5. Memória para seqüência de estímulos visuais: gestos,
figuras, palavras.
6. Análise-síntese visual: recortar figura em 2 ou 4 partes e
depois montá-la; quebra-cabeça; caça-palavras.
7. Discriminar figura-fundo visual.

Atividades de estimulação da linguagem e da


fala
1. Dramatizações.
2. Contar histórias, novelas, filmes.
3. Adivinhações.
4. Descrições.
5. Absurdos.
Diagnóstico e Terapia dos Distúrbios do Aprendizado da Leitura e Escrita 921

6. Opostos.
7. Categorias.
8. Funções.
9. Suposições.
10. Palavras com vários significados.
11. Derivados das palavras.

Atividades de estimulação da leitura e da


escrita
A) Motivação para a leitura e elaboração gráfica
Crianças com alterações no conteúdo da elaboração gráfica,
necessitam de uma estimulação especial para que encontrem na
escrita uma forma agradável de receber informações ou manifes-
tar suas idéias. Ao estimulá-las, devemos levar em conta condi-
ções indispensáveis para a sua motivação e envolvimento em
atividades informais ou dirigidas:
• Tomada de consciência do objetivo real da leitura. A criança
deve ser levada a sentir a necessidade de ler, o que pode
ocorrer por meio de jogos e atividades motivantes que
requeiram a leitura de regras, partindo-se de representa-
ções gráficas com aumento de complexidade de simboli-
zação: figuras de ação, logotipos que identifiquem um pro-
duto, palavras e frases.
• A partir da análise do campo de estímulos do meio ambiente
do indivíduo, fornecer diferentes materiais de leitura, prefe-
rencialmente ilustrados, partindo sempre de conteúdos sig-
nificativos e do interesse da criança: histórias, gibis, revis-
tas, jornais, propagandas, embalagens, etc.
• Valorização de qualquer tentativa espontânea de decodi-
ficação ou produção gráfica.
• Considerando que grande parte das crianças com alterações
de forma (trocas, omissões, inversões de grafemas) temem
escrever pelo seu histórico de desaprovações, enfatizar o
valor do conteúdo de suas emissões gráficas procurando, de
início, evitar correções de ortografia ou de gramática.

B) Sugestões de atividades para o desenvolvimento


do conteúdo gráfico
• Estimular o desenho e a pintura, vistos como primeira forma
de comunicação gráfica.
• Editar a fala da criança (palavras ou frases) e solicitar uma
leitura conjunta desta produção pode ser uma atividade
motivante, considerando que a mesma pode reconhecer o
conteúdo de sua verbalização, antecipando-se à
decodificação e conferindo a produção gráfica do terapeuta.
• Escrita conjunta de um tema pré-determinado, onde um
cada desenha ou escreve uma palavra ou uma linha da
composição.
922 Fonoaudiologia Prática

• Sugerir a confecção de uma agenda ou diário onde a criança


desenhe ou escreva coisas de seu interesse; por se tratar de
um registro de caráter pessoal, não devemos ler as anota-
ções feitas pela criança, valorizando somente o seu ato de
escrever.
• Substituir palavras em frases retiradas do contexto, onde
sejam mantidas as estruturas gramáticas pode ser uma
atividade divertida. Por exemplo, podemos sortear palavras
previamente grafadas, para a substituição de determinados
elementos da frase:
A menina caiu da cadeira.
a menina – a mulher, o homem, a boneca, etc.
caiu da – sentou na, quebrou a, pintou a, etc.
cadeira – árvore, escada, cama, etc.
• preencher balões de diálogos em ilustrações;
• completar ou aumentar frases;
• criar títulos para histórias;
• mudar o final de histórias.

C) Atividades ortográficas
Mais uma vez, a estimulação deve seguir os princípios da
motivação. Antes da formalização desse trabalho, a criança
deve ter consciência de que o mais importante é o conteúdo de
sua comunicação gráfica. A correção da forma deve basear -
se na escrita produzida a partir da necessidade de comunica-
ção gráfica, determinada pelos diferentes contextos terapêu-
ticos.

Trocas e omissões de natureza perceptual auditiva


Podem se manifestar na comunicação oral e na gráfica ou
somente nesta última.
Sucede o trabalho geral de audibilização: atenção, discrimina-
ção, memória, análise-síntese, figura-fundo auditivas. As ativida-
des específicas que abrangem esses aspectos devem ser repre-
sentadas graficamente pelo terapeuta, pela criança ou por ambos.
Sugestões:
• Extrair e representar graficamente, a partir de atividades
contextualizadas, palavras que se contenham o fonema
omitido, ou um dos fonemas do par (ou pares), responsável
pela dificuldade de discriminação (atenção, memória).
• Evocar e criar listas de palavras que contenham este mesmo
som (análise-síntese).
• Formar novas palavras a partir da sílaba inicial, medial ou
final das palavras evocadas, procurando incluir o fonema/
grafema em questão (análise-síntese).
• Construir frases diferentes com as palavras extraídas do
contexto (memória, análise-síntese, elaboração).
• No caso da troca, proceder da mesma maneira com o outro
fonema do par.
Diagnóstico e Terapia dos Distúrbios do Aprendizado da Leitura e Escrita 923

• Contrapor as palavras levantadas, procurando característi-


cas acústicas que diferenciem os fonemas que as com-
põem, usando também as pistas táteis e cinestésicas (dis-
criminação).
• Discriminar auditivamente as palavras levantadas, associa-
das aos seus respectivos grafemas.
• Discriminar novas palavras que contenham os pares traba-
lhados.
• Proceder da mesma forma com os demais pares de dificul-
dade.

Trocas e omissões de natureza perceptual visual


Sucede o trabalho geral de visualização: atenção, discrimi-
nação, memória, análise-síntese, figura-fundo visuais. Suges-
tões:
• Possibilitar um contato visual repetitivo com as palavras
que contenham os grafemas em questão: jogos de me-
mória, loto de palavras, palavras derivadas, sorteio de
palavras.
• Depreensão de regras ortográficas a partir da evocação de
palavras que contenham o mesmo som. O terapeuta escre-
ve estas palavras e a criança deve procurar a diferença de
grafia marcando as semelhantes por meio de uma mesma
representação. Por exemplo, regra do s (posição inicial) e ss
(posição medial e final):

sapato passo passarinho solidão sino sono

assustado sempre péssimo assunto

• Criar listas de palavras a partir da depreensão das regras.


• As trocas específicas da posição de grafemas (inversões,
reversões) implicam no trabalho de desenvolvimento das
noções de espaciais descritas anteriormente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Algumas das colocações feitas neste capítulo tiveram
como objetivo fornecer subsídios para uma reflexão sobre
as condutas frente aos distúrbios do aprendizado da leitura
e da escrita e, acima de tudo, despertar o interesse para a
busca de soluções mais efetivas para o seu diagnóstico e
tratamento.
De maneira alguma houve a pretensão de esgotar o assunto.
Espera-se contudo que, as colocações ora feitas, possam servir
de motivação para a procura de novos caminhos fonoaudiológi-
cos, através de pesquisas e estudos mais aprofundados dos
aspectos aqui levantados.
924 Fonoaudiologia Prática

Leitura recomendada
CONDEMARIN, M. & CHADWICCK, M. – A Escrita Criativa e Formal.
Porto Alegre, Artes Médicas, 1987.
FERREIRO, M. & TEBEROSKY, A. – Psicogênese da Língua Escri-
ta . 3ª ed. Porto Alegre, Artes Médicas, 1990.
JOHNSON, D.J. & MYKLEBUST, H.R. – Distúrbios de Aprendiza-
gem . 2ª ed. São Paulo, Pioneira, 1987.
LE BOULCH, J. – Educação Psicomotora. 2ª ed. Porto Alegre, Artes
Médicas, 1988.
PAIN, S. – Diagnóstico e Tratamento dos Problemas de Aprendizagem.
Porto Alegre, Artes Médicas, 1985.
SCHRAGER, O.L. – Lengua, Lenguage y Escolaridad. Buenos Aires,
Panamericana, 1985.
VIGOTSKII, L.S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. – Linguagem, Desen-
volvimento e Aprendizagem. São Paulo, Ícone, 1988.
A Metáfora da Dislexia 925

41
A Metáfora da Dislexia

Regina Maria Freire

INTRODUÇÃO
O primeiro objetivo deste trabalho será revisitar historicamen-
te a literatura sobre a dislexia.* Iniciaremos com seu nascimento
no campo médico, ocasionado pela necessidade de nomear a
perda da capacidade de dar sentido a símbolos verbais escritos ou
impressos, em alguns pacientes com afasia – perda de linguagem
– após a ocorrência de acidente vascular cerebral. O termo
dislexia foi sugerido primeiramente pelo professor BERLIN DE
STUTTGART, em 1887, mas acredita-se que a perda da habilidade
para ler já tinha sido identificada muito antes pelo médico JOHAN
SCHMIDT (1640–1690). A literatura médica reconhece KUSSMAUL
(1877) como o primeiro (e possivelmente o único) a isolar a
inabilidade para leitura como uma entidade nosológica autônoma,
denominando-a cegueira verbal. Para este autor é possível,
embora raro, encontrar-se dificuldades para a leitura sem nenhum
comprometimento correlato em nível de visão, intelecto ou lingua-
gem. No entanto, seu pioneirismo não parece ter conquistado
seguidores já que a maioria dos médicos continuou a concebê-la
como uma doença ligada ao funcionamento cerebral e ao desempe-
nho lingüístico. Um cirurgião ocular chamado JAMES HINSHELWOOD,

* Consultar o capítulo II de CRITCHLEY, M. (1970), THE DISLEXIC CHILD, para


maiores detalhes sobre o histórico da dislexia.
926 Fonoaudiologia Prática

a partir de uma série de estudos de casos realizados com


crianças, identifica uma dificuldade para a leitura que seria inata
e acrescenta o atributo congênita à já denominada cegueira
verbal. Essa síndrome interessa inicialmente apenas os oftalmo-
logistas, mas acaba sendo adotada por grande parte da comuni-
dade científica que passa a crer num tipo específico de afasia
inata, para explicar o que se chamou primeiramente de cegueira
verbal congênita. A partir da analogia com os casos adquiridos de
alexia ou dislexia surge a idéia especulativa de uma aplasia
congênita de um ou ambos os giros angulares. Mas, sem evidên-
cia a favor ou contra, aqueles que imaginavam um defeito estru-
tural do cérebro passaram a ser a minoria.
Agora os pesquisadores visualizam um atraso de natureza
funcional e gradativamente nasce a concepção de atraso
maturacional para explicar as mesmas dificuldades para ler. O
termo dislexia ressurge ressignificado como sintoma. Após um
período que pode ser chamado de identificação e descrição,
começa uma era de análises e discussões com várias e diferentes
mudanças de direção, marcada por dúvidas, indecisões e confu-
são.
Em 1925, SAMUEL ORTON, ao estudar crianças retardadas que
não conseguiam aprender a ler, descobriu nelas outros fenôme-
nos importantes e correlatos, tais como: canhotismo ou
ambidextrismo e uma tendência a inversões quando na tentativa
de ler ou escrever, algumas vezes culminando em escrita ou
leitura em espelho. O RTON acreditava que atrás destes casos
haveria um estado de dominância occipital ambígua, de natureza
fisiológica. Afirmava ainda que “tais distúrbios deveriam respon-
der a treinamento específico.... se formos inteligentes o suficiente
para inventar os métodos próprios de treinamento para atingir as
necessidades de cada caso em particular” (tradução MINHA)
(Apud MACDONALD CRITCHLEY,1970).
O trabalho de ORTON dirigiu as atenções para fatores que até
então não eram considerados importantes para a aprendizagem
da leitura. O interesse pelo tema escapa à alçada da medicina e
alcança educadores, psicólogos, sociólogos e mais recentemente
fonoaudiólogos e psicopedagogos. Elenca-se um número de
faculdades necessárias para o ato de ler: percepção e discrimina-
ção de formas e sons, associação de sons com a aparência visual
das letras, ligação de nomes com grupos de letras e significados
com grupos de palavras, fatores auditivos, motores, visuais e de
memória. As dificuldades em aprender a ler e escrever passam a
ser vistas não como uma entidade claramente definida e sim como
uma resultante de uma diversidade de fatores entre os quais pode-
se citar a presença de problemas emocionais. Os jovens analfa-
betos ou semi-analfabetos passam a ser vistos como o produto de
circunstâncias ambientais adversas e a base para a leitura deixa
de ser uma questão só médica para se tornar-se também uma
questão sociológica.
A Metáfora da Dislexia 927

Resumindo pode-se afirmar que o termo dislexia (ou alexia, ou


cegueira verbal congênita, ou estrefossimbolia, ou legastenia, ou
tifolexia, ou ambliopia verbal, ou bradilexia, ou amnésia visual
verbal, entre outros) é tomado de empréstimo à medicina e, por
analogia, passa a designar toda e qualquer dificuldade em apren-
der a ler e a escrever apesar da integridade das capacidades
intelectuais. Sua causa deixa de ser lesional e é obscurecida por
uma noção vaga de disfunção cerebral, ou atraso maturacional ou
alterações inatas e/ou hereditárias. Desta forma, o termo dislexia
perde especificidade e pode ser tudo, inclusive a justificativa para
o fracasso da escola em desempenhar seu papel de alfabetizadora.
Pouco a pouco se agregam termos restritivos à palavra dislexia –
de desenvolvimento, específica de evolução – ou se usam termos
parafrásticos – distúrbios de leitura e escrita, dificuldades de
leitura, problemas de aprendizagem – como forma de diferenciar
os “vários” tipos de dislexia a partir de sua suposta causa ou
sintomatologia.
No entanto, nem essa demanda de restrição nem a origem da
dislexia ou sequer sua existência são postos em discussão nos
clássicos que se propõem a atuar em sua “cura”. Autores como
BOREL-MAISONNY, A NDREA JADOULLE, FRANCIS KOCHER, A RLETTE
BOURCIER ou ainda RENÉE ZAZZO, J. DE A JURIAGUERRA e J ULIO
BERNALDO DE QUIRÓS preferem concordar com a definição de que
é disléxica a criança que, em seu processo de alfabetização,
encontra dificuldades para a aprendizagem da leitura e da escri-
ta, evidenciadas por sua defasagem em relação ao resto dos
colegas. Sua atitude de passar ao largo do questionamento
dessa definição para centrar a discussão sobre a estruturação da
terapia contribuiu para sedimentar a noção de patologização das
crianças com atraso escolar. Dessa forma atribui-se então ao
professor ou coordenador pedagógico, a tarefa de encaminhar os
chamados casos que necessitam de atendimento especializado.
Assim, a identificação da dislexia é realizada de forma circuns-
tancial por aquele que, ao fazer o encaminhamento da criança,
espera ver sua hipótese diagnóstica referendada para livrar-se
da responsabilidade pela alfabetização dessa criança. O especia-
lista – seja ele médico, psicólogo ou fonoaudiólogo – irá proceder
à verificação da queixa através da aplicação de provas que
avaliem as capacidades perceptuais ou o sistema funcional da
linguagem (o psicólogo ou o fonoaudiólogo) ou ainda a integrida-
de neurológica (o médico) da criança. Se a clínica é de verificação
da existência de habilidades entendidas como anteriores e im-
prescindíveis para a alfabetização e a queixa é de fracasso
escolar, então essas habilidades com certeza não estarão pre-
sentes na criança sob análise. Conseqüentemente acredita-se
numa relação de causalidade entre elementos tão heterogêneos
como fracasso escolar e essa pressuposta capacidade (ante-
rior?) para aprender a ler e escrever. Essa capacidade (orgânica?
mental? psicológica?) – localizada ou não em nível cerebral – é
928 Fonoaudiologia Prática

definida de forma vaga e ampla. O único ponto em que todos os


autores parecem concordar é que não há déficits intelectuais,
afetivos ou lesionais nessas crianças.
Mas, se a principal preocupação dos especialistas é a pretendi-
da relação entre a etiologia e a elaboração de um treinamento
específico, ou entre a forma como a escrita se apresenta e a
chamada prontidão para a alfabetização, ou a tão discutida comple-
xidade do objeto escrita ou ainda o real despreparo da escola para
alfabetizar, o cerne da questão permanece praticamente intocado
por quase um século. Pode-se concordar, do ponto de vista da
medicina, que compete a ela apenas olhar a dislexia enquanto
entidade nosológica, discutir a respeito de sua origem (lesional,
funcional ou maturacional) ou analisar seus sintomas descritos
como responsáveis por uma leitura sofrível ou impossível. No
entanto, se discutir a etiologia é atribuição da clínica médica, a
natureza do objeto afetado – a escrita – certamente não o é. Essa
questão só passará a dominar a cena no final dos anos 70, quando
a natureza desse objeto é alçada para o centro da discussão.

A NATUREZA DO OBJETO ESCRITA


É o trabalho de EMÍLIA FERREIRO e ANA TEBEROSKY que, em
1979, traz à cena a natureza do objeto escrita, entendido por elas
como objeto de conhecimento e, portanto, passível de aprendiza-
gem. As autoras criticam a concepção de escrita como código de
transcrição gráfica das unidades sonoras – defendida pela psico-
logia e pela pedagogia tradicionais – para privilegiar o seu estatuto
de representação da linguagem. Ressaltam que, ao se conceber
a escrita como código de transcrição que converte unidades
sonoras em unidades gráficas, privilegia-se a discriminação
perceptiva das modalidades envolvidas. Sendo assim, não se
questiona a natureza das unidades utilizadas. A linguagem como
tal é colocada entre parênteses ou melhor, reduzida a uma série
de sons. O pressuposto final é quase transparente: se não há
dificuldade em discriminar entre duas formas visuais próximas,
nem entre duas formas auditivas próximas, nem também para
desenhá-las, não deveria existir dificuldade para aprender a ler, já
que se trata de uma simples transcrição do sonoro para um código
visual. Mas caso se conceba a aprendizagem da língua escrita
como a compreensão do modo de construção de um sistema de
representação, o problema se coloca em outros termos, pois sua
aprendizagem se converte na apropriação de um novo objeto de
conhecimento, ou seja, em uma aprendizagem conceitual.
De acordo com seu ponto de vista, a produção escrita das
crianças, estigmatizada pela noção de erro e acerto e conseqüen-
temente pela noção de normal e patológico, passa a um outro
estatuto. A exaustiva pesquisa realizada pelas autoras ressignifica
os chamados “erros” como hipóteses ou pressupostos do proces-
so de construção da escrita enquanto objeto de conhecimento.
A Metáfora da Dislexia 929

Seriam erros construtivos, ou seja, o caminho obrigatório e neces-


sário para aqueles que estão construindo um sistema de repre-
sentação, no caso a escrita alfabética.
Compromissada com a teoria epistemológica de PIAGET, FER-
REIRO (1984) se propõe a apresentar os aspectos fundamentais
da evolução psicogenética do sistema de escrita partindo da
observação e da análise das primeiras escritas infantis. Do ponto
de vista construtivo, diz a autora que a escrita infantil segue “uma
linha de evolução surpreendentemente regular” (FERREIRO, op.
cit., p. 18) com três grandes períodos:
1º) a distinção entre o modo de representação icônico e o não-
icônico;
2º) a construção de formas de diferenciação;
3º) a fonetização da escrita.
A partir da análise da escrita infantil, FERREIRO mostra que as
crianças sabem sobre a escrita antes de chegar à escola e que
esse saber ou não é reconhecido pela escola ou é entendido como
indesejável por contrariar a hierarquia proposta pelos métodos
tradicionais de alfabetização. Indica, com sua análise, que não há
erros na escrita inicial mas formas diversas da escrita formal que,
anteriores e necessárias, corporificam o processo de aquisição da
escrita pela criança.
Resumindo, pensar a escrita do ponto de vista de sua nature-
za, ainda que como manifestação do desenvolvimento cognitivo,
certamente trouxe ganhos consideráveis aos estudos da área. No
entanto, seus reflexos foram muito mais teóricos que práticos. De
um lado, especialmente na cidade de São Paulo e especialmente
dirigido ao ensino público, há desde cursos (de reciclagem, de
extensão e de especialização), palestras, grupos de estudos até
a criação de escolas de alfabetização “ferrerianas”. Apesar disso,
a escolarização, de forma ampla, permanece pensando e pensa-
da tradicionalmente. De outro, psicolingüistas compromissados
com outras linhas teóricas entram na discussão e trazem outras
perspectivas de onde se olhar o objeto escrita. Entre essas
perspectivas daremos destaque àquela que toma como princípio
outra concepção de linguagem e de sujeito, em que a natureza
do objeto escrita é simbólica. Para tanto, indicaremos o porquê do
abandono da epistemologia piagetiana como lugar das explica-
ções do processo de aquisição da escrita pela criança.

O SIMBÓLICO COMO LUGAR DE INSERÇÃO DO


OBJETO ESCRITA
É a afirmação da própria EMÍLIA FERREIRO de que “tudo que
sabemos sobre como a criança aprende a falar é relevante para
o entendimento desse processo (de alfabetização) * que inaugura

* Apud DE LEMOS, 1988.


930 Fonoaudiologia Prática

um outro tipo de reflexão sobre a escrita, inspirado pelos estudos


em aquisição de linguagem oral. Esta reflexão irá privilegiar as
relações entre a escrita e a oralidade, entendendo a ambas como
modalidades de uma mesma instância simbólica. É DE LEMOS
quem, em uma de suas raras incursões pela esfera da escrita,
haverá de chamar a atenção para o fato de que é nas práticas
discursivas orais que o que é lido ou escrito ganha sentido. Ou
ainda que uma outra visão interacionista (a desta autora, em
aquisição de linguagem) vem se contrapor à primeira ao descartar
a noção de interação como relação entre sujeitos já constituídos
ou entre sujeito e objeto de conhecimento, reinterpretando-a
como alienação, como filiação, como assujeitamento. Isto subver-
te as noções psicológicas de sujeito uno, centrado, cônscio de si
mesmo, capaz de se colocar diante do outro e da escrita, privile-
giadas pela abordagem cognitivista. Traz à cena o lugar do outro
como o de funcionamento lingüístico-discursivo. É deste lugar, do
lugar do outro, que a escrita é reinventada, ressignificada para a
criança. Ou ainda que os lugares de quem ensina e quem aprende
são relativos.
Resta-nos, portanto, realinhar, na mesma medida, algumas
outras afirmações feitas por FERREIRO. Se de um lado a descons-
trução da concepção tradicional de sujeito põe em questionamen-
to as noções de hierarquia, evolução e desenvolvimento, de outro,
as chamadas interações entre sujeitos ou entre sujeito e objeto,
devem ser ressignificadas e entendidas dentro de um processo
maior – o de letramento – sobre o qual falaremos mais adiante.
Alguns trabalhos que perseguem essa outra tendência de atribuir
à escrita um outro lugar de constituição do sujeito da linguagem
criticam o fato de FERREIRO usar os dados da escrita inicial como
evidência de um conhecimento maior e anterior, entendendo o
simbólico como transparente já que isomórfico ao cognitivo.
Ressaltam ainda a higienização dos dados infantis com a
marginalização do que é episódico, singular e variável, ou seja, de
dados indiciais que pedem interpretação. Criticam ainda a leitura
dos mesmos dados apenas como produtos que se dão a conhecer
como manifestações externas de mecanismos internos de orga-
nização. Enfim, apontam para a obrigatoriedade de se adotar uma
postura de perplexidade e desconforto frente à escrita inicial para
que se instaure a necessidade de se buscar uma outra inserção
das pesquisas que efetivamente tente compreender o funciona-
mento da escrita e seu papel enquanto instância simbólica
(ABAURRE, 1991).

O LETRAMENTO
Quem primeiro vai verticalizar a discussão sobre letramento
é TFOUNI (1988 e 1995). Para a autora, letramento e alfabetiza-
ção são processos de aquisição de um sistema escrito que
diferem entre si pelo fato do segundo pertencer ao âmbito do
A Metáfora da Dislexia 931

individual e o primeiro ao do social. Assim, alfabetização e


letramento são processos interligados porém distintos enquan-
to abrangência e natureza. Um não é redutível ao outro nem há
superposição entre os dois. A questão de suas diferenças é
aprofundada nos trabalhos acima aos quais remetemos o leitor
interessado. Nosso interesse particular será pelo letramento
enquanto possibilidade de explicação das diferenças que carac-
terizam as crianças das séries escolares iniciais e que tanto
desnorteiam os professores.
O letramento tem por objetivo focalizar os aspectos sócio-
históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade
e aponta para o fato das mudanças sociais desta mesma socieda-
de serem devidas ao seu grau de letramento. Através de pesqui-
sas com adultos não-alfabetizados, TFOUNI (1988) observa que
estes têm capacidade para descentrar o raciocínio e resolver
conflitos e contradições da mesma forma que os alfabetizados e
atribuem estas capacidades ao fato de viverem numa sociedade
letrada. Conclui assim que não existem pessoas iletradas já que
mesmo entre os não-alfabetizados encontram-se características
que usualmente são atribuídas a grupos alfabetizados. Refere
ainda que tanto pode haver características orais no discurso
escrito, quanto traços da escrita no discurso oral. Salienta a
interpenetração entre as duas modalidades.
Observa-se com estas afirmações, mais uma vez, a impossi-
bilidade de se discutir a questão da linguagem escrita como se
esta fosse apenas a representação da linguagem oral. A cada
momento reafirmam-se as relações estreitas entre estas modali-
dades de linguagem e a necessidade de entendê-las a partir de
um mesmo recorte teórico.
Neste momento vale a pena proceder à revisão de algumas
colocações de FERREIRO possibilitada pela definição do letramento
enquanto processo sócio-histórico de constituição do sujeito da/
na escrita. Para esta autora, a fala da criança sobre a escrita,
obtida através do método clínico, é indicativa de um sujeito que
“vai descobrindo as propriedades dos sistemas simbólicos atra-
vés de um prolongado processo construtivo” (op. cit. p. 43). Esse
processo é a construção de “um poderoso* esquema interpretati-
vo” e eu diria, tão poderoso que permite que a criança invente um
tipo singular de escrita como afirma FERREIRO a respeito do que
chamou de escrita silábica. Assim, para essa autora, o esquema
interpretativo da criança lhe permite trabalhar “informações”, as
mais variadas como a escrita presente em diversos portadores de
texto (embalagens, cartazes, tevê, roupas, livros, revistas); a
informação específica que adultos destinam às crianças (leitura
de histórias e outras atividades em que o adulto esclarece a
criança o que é a escrita e sua função) e a informação obtida

* Grifo nosso.
932 Fonoaudiologia Prática

através de atos sociais dos quais fazem parte o ler e o escrever.


Ora, à luz do que dissemos anteriormente, todas essas atividades
nada mais são do que a manifestação do processo de letramento
ou, em última instância, do assujeitamento da criança pela escrita.
À medida em que for sendo aprisionada pela trama desta outra
modalidade do simbólico, a escrita da criança irá se distanciando
da singularidade e se assemelhando àquela do adulto, do outro
nela. Sua escrita não pode ser uma construção própria porque
perpassada pelo letramento, pela escrita já-lá. Os chamados
erros, mesmo os episódicos e singulares, são marcas indiciais
deste esgarçamento/fechamento da trama simbólica. Assim, a
possibilidade de interpretar não está na criança ou no outro, mas
na própria linguagem que atravessa a ambos. É um simbólico
(oralidade) que fala de outro simbólico (escrita) mas não no
sentido entendido pela metalinguagem mas sim da visão lacaniana
em que sentido é a remissão de um significante a outro e assim
infinitamente. Portanto, a interpretação não está em nenhum lugar
ou ainda pode estar em qualquer lugar.
Visto também sob esse mesmo prisma, poderíamos concor-
dar com FERREIRO que a escrita não é um código mas discordar
que seja apenas um sistema de representação. É preciso primeiro
entender a escrita como funcionamento – tal como se propõe na
abordagem DE L EMOS com relação à linguagem oral – para que se
possa pensar a alfabetização, ou melhor dizendo a escolarização.
A palavra alfabetização é inadequada por trazer a idéia de
mudança de estado – analfabeto para alfabetizado – quando
sabemos que não há iletrados no sentido da ausência de saber
sobre a escrita mas sim graus de letramento. O uso das palavras
(i)letrado e analfabeto(izado) remete a uma outra questão, esta
sim ideológica por dizer respeito ao papel da escrita no estatuto do
sujeito, ou seja, na sua possibilidade de deslocar-se da posição de
analfabeto para a de cidadão.

COMO FICA A CHAMADA PRONTIDÃO PARA


ALFABETIZAÇÃO?
É claro que, tal como é conhecida tradicionalmente, a prontidão
para alfabetização deixa de ter razão de existência. Ou seja, o que
se propõe é um afastamento da concepção de escrita apenas como
objeto a ser conhecido e uma inserção significada da criança no
mundo letrado. Devemos lembrar que o processo de aquisição da
escrita pela criança tem início com seu nascimento, pois antes ainda
de escrever ou ler o bebê já é falado pela mãe através de um discurso
oral perpassado pela textualidade. Esse processo de aquisição tem
continuidade nas práticas discursivas orais em que portadores de
texto são significados e onde a escrita passa a ter função social.
Atividades de leitura e escrita (histórias infantis, ler a receita do
médico e os jornais, escrever bilhetes, cartas, convites e listas de
A Metáfora da Dislexia 933

compras) tornam-se lugares privilegiados para a constituição da


criança por essa modalidade de linguagem. É neste processo social
– o chamado letramento – que a criança é efetivamente preparada
para a alfabetização. A escrita poderá fazer mais ou menos parte da
vida da criança dada sua inserção social. É por esta razão que
crianças miseráveis de grandes cidades geralmente conhecem
mais sobre a escrita que crianças miseráveis de cidades pequenas.
A presença repetida desta escrita no grande número de luminosos,
de anúncios, na sinalização das ruas, nos ônibus, nas grifes de lojas
e ainda a obrigatoriedade de interpretá-los para poder entender a
megalópole, opera diferenças marcantes. Crianças que vendem
doces ou objetos ou que apenas vivem de mendicância reconhecem
nas letras as diferenças que identificam este ou aquele produto e
ainda conhecem os números e fazem contas melhor e com mais
rapidez que as crianças da geração da máquina de somar ou do
computador. Portanto, preparar a criança para a alfabetização não
deve ser entendido como uma tarefa de responsabilidade da escola
que deve ser incorporada ao planejamento curricular, porém muito
mais como dar à criança a possibilidade de integrar atividades onde
a escrita tem sua função natural resgatada pelo outro que a
interpreta enquanto atividade simbólica e constitutiva do sujeito.

A INTERPRETAÇÃO DA ESCRITA DA CRIANÇA


É cada vez maior o número de crianças que procuram trata-
mento psicológico, fonoaudiológico ou ainda psicopedagógico,
encaminhadas principalmente pela escola mas também por agen-
tes de saúde que identificam essas crianças como portadoras de
uma entidade nosológica indefinida que se manifesta através de
problemas de aprendizagem. * Deixando de lado a discussão da
pertinência do encaminhamento ou de suas razões, seria interes-
sante instrumentar esses profissionais com dados da escrita que
apontam no sentido inverso àquele pretendido por quem encami-
nha. Seguindo em parte a proposta de ABAURRE (1987), entende-
mos que trazer novamente à tona a interpretação e discussão das
produções escritas da criança pode fortalecer o ponto de vista que
vimos procurando defender ao longo deste texto. Entendo esta
tarefa como necessária na medida em que o grande índice de
analfabetismo em nosso país e especialmente em São Paulo e a
política de postergar a reprovação para a 3ª série do primeiro grau
parecem indicar que nem os trabalhos de FERREIRO** nem os
trabalhos de nossos lingüistas têm atingido seu objetivo. Não nos

* Utilizaremos este termo como forma de nos referir a toda e qualquer dita
dificuldade de leitura ou de escrita.
** Cabe salientar que EMILIA FERREIRO esteve várias vezes em São Paulo para
dar palestras a professores da rede municipal de ensino e ainda que, vários
de seus seguidores ministraram cursos para professores da rede particular e
da rede pública. Não temos dados oficiais sobre esse assunto.
934 Fonoaudiologia Prática

compete discutir aqui as razões disto mas sim constatar essa


realidade e retomar pontos importantes já discutidos e debatidos
com o objetivo de talvez tornar mais claras as idéias, objetivando
principalmente os educadores e os terapeutas.
Saber como o texto foi produzido ou suas condições de
produção é o primeiro dado de extrema relevância para o proces-
so de interpretação. Quanto mais natural a situação de sua
produção, mais ele terá a dizer da relação da criança com a
escrita. A sugestão de um tema ou a escolha de uma figura, tanto
pelo professor como pela criança, podem ser formas interessan-
tes de levá-la a produzir um texto. Deixar lápis e papel sulfite à
vista pode permitir que a criança use o espaço como quiser sem
obrigatoriamente traçar seguindo as linhas do papel pautado que
geralmente evoca o funcionamento escolar. Abolir o uso da
borracha pode permitir que as idas e voltas de um sujeito sobre
seu texto, ou seja, o efeito deste sobre seu autor seja visível no
papel. Pode-se ainda observar essas idas e voltas através do
acompanhamento – quando possível – dessa elaboração gráfica.
O segundo ponto importante diz respeito à aparência do
texto infantil. A apresentação pode apontar para a liberdade da
criança em escrever por ser este um lugar de constituição, de
autoria, como diz TFOUNI (1995). É comum que textos desse tipo
não apresentem nenhuma preocupação com acentuação, orto-
grafia ou pontuação. Mas a apresentação pode, por outro lado,
trazer as marcas de um aprisionamento pela convencionalidade
valorizada pela escola. Tratar-se-á de um texto cuja maior
preocupação está na presença do cabeçalho, da data, do título,
do uso de parágrafo ou de letras maiúsculas, da acentuação e
da pontuação. Será um texto em que o uso da borracha ou o
traçado superposto de letras mostra a insistência do conven-
cional em dominar/domar a escrita.
O terceiro ponto leva-nos para a organização do texto. Aí
reside realmente o trabalho do alfabetizador: a autoria. Segundo
ORLANDI (1983) “a noção de autor é já uma função da noção de
sujeito responsável pela organização do sentido e pela unidade do
texto, produzindo o efeito de continuidade do sujeito”. Exercer a
autoria é garantir certos efeitos de sentido no leitor. Mas principal-
mente exercer a autoria na escrita inicial é poder dizer de si,
identificando-se com um personagem do texto ou assumindo-se
como narrador de sua própria história. O que a criança escreve
não é novo: já foi escrito/dito antes mas é o fato de dar ao repetível
um lugar na história que permite sua interpretação e sua identifi-
cação ao sujeito. Segundo ORLANDI, o repetível em si não historiciza,
sendo apenas um exercício mnemônico. É o que podemos obser-
var em várias produções infantis onde o texto da escola (cartilha
formal ou informal) se repete na escrita da criança. Já a repetição
histórica, por inscrever o dizer no repetível enquanto memória/rede
de filiações, atribui sentido ao que é dito/escrito e identifica o
sujeito ao autor.
A Metáfora da Dislexia 935

O quarto e último ponto tem como foco a ortografia. O que


destacaremos em nossa interpretação da forma infantil de
grafar é seu papel de indiciador do processo de constituição da
criança pela escrita. Lembro ao leitor que o ponto de vista
adotado é o da alienação do sujeito pela linguagem, de seu
assujeitamento. Assim, a linguagem (oral ou escrita) não repre-
senta nada a não ser a si própria. Portanto, esse ponto de vista
levanta duas questões: a primeira diz respeito ao fato de que
embora ao analisar a ortografia se esteja pensando em unida-
des – as letras – o que a criança lê ou escreve se lhe apresenta
como uma forma diversa de unidade. Exemplos disso são a
escrita de palavras com menor ou maior número de letras que
o determinado ou nas quais a segmentação se apresenta de
forma diferente àquela dada pela gramática. Geralmente, o
critério de segmentação utilizado é o da regularidade do apare-
cimento da forma em outros textos. Por isso, a não-segmenta-
ção de determinantes (por exemplo: o, a, os, as) que parecem
à criança parte de outras palavras e não palavras em si.
A segunda questão remete ao fato de que não sendo a escrita
transcrição da linguagem oral, o uso intercambiável de letras
como B/P e outros pares mínimos * não podem ser explicados do
ponto de vista perceptual, mas indica apenas que neste momento
do processo a contigüidade desses dois sons permite entender a
ambos como formas alternativas de escrever o mesmo. É o que
ocorre também no uso indiferenciado de S, SS, Ç, C, acrescentan-
do-se aí o fato de que o sentido, para o leitor, não é afetado. Ainda,
o fato da criança deixar de grafar a vogal em palavras, nas quais
seu som parece incorporado à consoante, é outra marca do
processo de constituição da criança pela escrita, como pode-se
observar quando ela escreve d por de, nla por nela, mdo por medo,
e assim sucessivamente. Estes fatos mostram que a criança ainda
não foi totalmente assujeitada pela escrita. Quando isto ocorrer
haverá apenas uma forma possível de escrever o dito: aquela
determinada pela gramática da língua. A questão da hipercorreção
ou da interferência da oralidade na escrita não será discutida por
entendermos que isto já foi feito extensamente por vários autores
principalmente por ABAURRE (1987).
Dois fatos levarão a criança a deslocar-se em sua relação com
a escrita: um é o que chamaremos de efeito leitor, ou seja, o fato
de que o leitor sofre um efeito diverso do esperado pela criança se
a sua escrita não for padrão. Outro é o que chamaremos de efeito-
leitura, ou seja, o fato de que ao ler a criança se depara com formas
escritas que diferem da sua, embora signifiquem o mesmo, ou
seja, gerem o mesmo efeito. Estes efeitos a levam a se interrogar

* Dá-se o nome de par mínimo aos fonemas que se opõem por um único traço,
no caso, o de sonoridade. Assim, subentende-se aí também os pares /d/ e /t/,
/g/ e /k/, /v/ e /f/, /z/ e /s/, / / e / /.
936 Fonoaudiologia Prática

e a interrogar o outro, o intérprete da forma padrão. Desta forma,


é a interpretação da escrita que ressignifica os chamados erros
infantis e, aos poucos, assujeita a criança à ordem da língua,
apagando os traços desse percurso de constituição.

O que fazer?
Esta é a pergunta que os educadores geralmente fazem ao
perceber o ponto de vista aqui defendido e entender que, em
última instância, cabe à escola resolver questões que são de sua
responsabilidade. Se a escola não for responsável pelo processo
de alfabetização, quem o será? Se esta tarefa não for entendida
como sua, que papel caberá à escola nesse processo? Na
realidade, a resposta a essa pergunta não deve remeter à expec-
tativa de orientação quanto ao conteúdo de uma disciplina. Se
para a escola alfabetizar for ensinar letras, sílabas, combinação
destas em palavras e de palavras em sentenças, então não há o
que discutir. No entanto, se outro for o ponto de vista adotado – a
alfabetização enquanto uma das faces do letramento – tornar o
sujeito letrado é emergí-lo em situações onde a escrita é
contextualizadamente necessária. A partir deste olhar o que
realmente importa é a possibilidade de reconhecer o erro como
indiciador do efeito do funcionamento do texto escrito sobre a
criança. Interpretar o texto infantil é uma forma de se escutar a
criança, de ouvir o que ela tem a dizer sobre este objeto que a
domina e que nós, ilusoriamente, acreditamos que possa ser
dominado.
Salientaremos alguns pontos deste percurso. Resgatar a
função social da escrita é o ponto de partida. Isso pode ser feito
basicamente através da presença significada de portadores de
textos na situação escolar. Sinalizar o ambiente à mesma maneira
que qualquer edifício público, colocar avisos no quadro, ler os
jornais, fazer anotações (no diário, na agenda, no caderno),
propor a escrita de cartas, bilhetes e convites, cantar à vista da
letra da música entre outras tantas atividades que o professor/
terapeuta pode criar e que objetivam colocar a escrita/leitura em
circulação são o passo seguinte. Propor atividades como a já
tradicional brincadeira do faz-de-conta em que a escrita aparece
sob as mais variadas formas – da lista de compras, do cheque, da
nota fiscal, da lição, da receita médica ou da receita de bolo – e não
dispensar a atividade de contar histórias em que as crianças
acompanham as leituras de livros infantis e sugerem formas de
dar continuidade à história ou de mudar seu final, ou ainda de
contar uma outra história, dão sentido ao percurso da relação da
criança com a escrita.
Finalmente, podemos dizer que os efeitos da mudança de
perspectiva – olhar a escrita como lugar de funcionamento da
língua e da criança – são aqueles evidenciados em crianças que
se alfabetizam fora da escola, ou seja, que aprendem a ler e
A Metáfora da Dislexia 937

escrever em casa. Isso é possível em ambientes letrados, onde a


escrita é valorizada e o outro/intérprete (pai, mãe, irmãos) não
está atravessado pela ideologia alfabetizadora. Nestes lugares o
erro é visto com naturalidade, como parte obrigatória do percurso,
como mais uma das formas de contradição entre o ponto de vista
do adulto e o da criança. Portanto, sua ocorrência não desloca a
criança de seu papel de aprendiz nem a reduz ao que a escola
chama de dificuldade de aprendizagem. Em última instância, o
estranhamento do outro (professor/ terapeuta/ reeducador) diante
do erro não pode nem deve ter como efeito a patologização da
criança. Desse ponto de vista, a dislexia é uma cruel metáfora do
processo de aquisição da escrita que pode impedir o acesso da
criança ao processo de escolarização e, conseqüentemente, a
sua constituição enquanto sujeito e cidadão.

Leitura recomendada
ABAURRE, M.B.M – Indícios das primeiras operações de reelaboração
nos textos infantis. vol. 1. Anais do XII Seminário de Gel, 1993.
ABAURRE, M.B.M. – Lingüística e pedagogia. In: SCOZ, E. et al.
Psicopedagogia – O Caráter Interdisciplinar na Formação e Atuação
Profissional. Porto Alegre, Ed. Artes Médicas, 1987.
ABAURRE, M.B.M – O estudos lingüísticos e a aquisição da escrita.
Anais do 2º Encontro Nacional sobre Aquisição da Linguagem.
Ceaal, R.S., 1991.
DE LEMOS, C.T.G. Prefácio. In: KATO, M. A Concepção da Escrita pela
Criança. Campinas, São Paulo, Pontes Editores, 1988.
REGO, L.B – O Desenvolvimento da língua escrita pela criança: uma
perspectiva sócio-funcional. In: SCOZ, E. et al. Psicopedagogia – O
Caráter Interdisciplinar na Formação e Atuação Profissional. Porto
Alegre, Ed. Artes Médicas, 1987.
TFOUNI, L.V. – Adultos não Alfabetizados: O Avesso do Avesso.
Campinas, Pontes Editores, 1988.
TFOUNI, L.V. – Letramento e Alfabetização. São Paulo, Ed. Cortez,
1995.
Deficiência Auditiva 1
Avaliação e Terapia dos Distúrbios Neurológicos da Linguagem e Fala 939

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Avaliação e Terapia dos
Distúrbios Neurológicos da
Linguagem e Fala

Karin Zazo Ortiz

Este capítulo tem por objetivo discutir a avaliação e a terapia


das principais alterações de fala e linguagem que acometem o
sujeito adulto vítima de uma lesão cerebral.
As três mais importantes alterações que ocorrem de forma
súbita e que necessitam de intervenção fonoaudiológica são
afasia, disartria e apraxia.
Obviamente, existem outras alterações que necessitam de
intervenção fonoaudiológica como agnosias, demências, dislexias
e disgrafias adquiridas que não serão abordadas neste capítulo
pela especificidade do mesmo.

AFASIA
Muitas são as definições encontradas para este distúrbio e
elas são, de certa forma, coincidentes. Entre elas, citamos a
definição dada por COUDRY (1988)1 e a de LAPOINTE (1977)2:

1 “A afasia se caracteriza por alteração de processos lingüís-


ticos de significação de origem articulatória e discursiva (nesta
incluídos aspectos gramaticais) produzida por lesão focal adqui-
rida no sistema nervoso central, em zonas responsáveis pela
linguagem, podendo ou não se associarem a alterações de outros
processos cognitivos.”
2 “A afasia é um distúrbio lingüístico-simbólico.”
940 Fonoaudiologia Prática

No início do estudo destes “distúrbios de linguagem” decor-


rentes de lesões cerebrais, houve necessidade de se conhecer
amplamente as manifestações, e, a partir desta necessidade,
surgiu um grande número de definições dos quadros e de
taxonomias. Atualmente, com exceção do quadro de afasia pro-
gressiva primária, recentemente descrito enquanto entidade clíni-
ca (MESULAM, 1982), todos os outros quadros foram amplamente
descritos. No entanto, tentar “colocar” o sujeito afásico num
destes quadros com o intuito de “realizar o diagnóstico” pode não
trazer, necessariamente, resoluções para a atuação terapêutica.
No entanto, é interessante conhecê-las e elas possuem utilidade
principalmente quando realizamos a discussão multidisciplinar,
sendo importante que todos tenham noção das manifestações
que estão presentes nos quadros, quando uma certa nomencla-
tura é utilizada.
Antes de entrarmos na classificação propriamente dita, vamos
definir os sintomas que podem estar presentes nos quadros:
Desvio fonético ou parafasia fonética – É uma alteração de
fala, caracterizada por uma distorção na produção dos fonemas,
sendo estes mal pronunciados.
Desvio fonêmico – É uma alteração caracterizada por uma
inadequação na seleção do fonema ou na combinação dos
fonemas na cadeia da fala. Tal alteração pode se manifestar como
trocas, omissões, acréscimos de fonemas ou de sílabas. É tam-
bém chamado de parafasia fonêmica, em substituições como em
cavalo por cajalo/vacalo, entre outras possíveis; e de parafasia
verbal formal, quando a troca, substituição, omissão ou acréscimo
origina outra palavra da língua, no entanto, é importante ressaltar
que esta não é uma troca semântica. É o que ocorreria na
ocorrência de “calo” na tentativa de emissão de cavalo, de “mato”
ou “gato” na tentativa de pato. Estas mesmas manifestações,
quando ocorrem na escrita, são chamadas, respectivamente, de
paragrafia literal e paragrafia verbal formal ou grafêmica.
Estereotipias – Repetições perseverativas e involuntárias de
um determinado comportamento. Elas podem ocorrer na comuni-
cação oral e/ou na gráfica e, às vezes, a estereotipia é uma palavra
ou expressão conhecida ou também pode ser uma seqüência
fonêmica ou grafêmica sem significado. Por exemplo, um sujeito
que ao falar só emite “opa” e outro que ao falar só emite “untá”; um
sujeito que na escrita, independente do estímulo solicitado, só
emite “iea” e outro, que sempre assina o nome.
Agramatismo – É uma alteração na estrutura sintáxica,
caracterizada pela omissão de elementos gramaticais. Tais alte-
rações podem variar quanto à severidade, sendo mais comum a
omissão de elementos de classe fechada, que não têm represen-
tação extralingüística, como artigos, preposições, conectivos, ou
seja, as palavras gramaticais tendem a ser eliminadas da fala,
permanecendo as lexicais. GLEASON e cols. (1975) afirmaram que
a prosódia também deve ser considerada nas manifestações
Avaliação e Terapia dos Distúrbios Neurológicos da Linguagem e Fala 941

gramaticais “...a influência de elementos prosódicos é determi-


nante na aniquilação ou não de uma palavra com função grama-
tical.” Tal manifestação pode ocorrer tanto na fala quanto na
escrita.
Redução – Diminuição do número de enunciados numa
unidade de tempo.
Parafasia semântica – É uma troca de um vocábulo por outro,
estando os dois relacionados semanticamente. Por exemplo, o
paciente ao tencionar dizer caneta, diz lápis. Quando os termos
têm relação semântica tão estreita como no exemplo dado, pode-
se falar também em desvio vocabular; quando o sujeito, ao tentar
dizer uma palavra, a substitui por uma frase, temos a paráfrase e
para o mesmo exemplo dado ele poderia dizer “aquilo com que se
escreve”; e, finalmente, quando o indivíduo não consegue acessar
o léxico, permanecendo um vazio/lacuna em seu enunciado,
temos a anomia. Estes comportamentos também podem ser
observados em provas específicas como a de nomeação.
Neologismos – São seqüências fonêmicas ou grafêmicas
que obedecem às regras da língua, assemelhando-se às pala-
vras, mas que não existem na língua, não sendo compreendidas
pelos interlocutores e não estando dicionarizadas. Por exemplo:
“eu fui pegar um necape”; uma fala/escrita repleta de neologismos
se torna um jargão, incompreensível aos ouvintes e esta manifes-
tação também recebe o nome de jargonafasia – quando ocorre na
fala, ou jargonografia – quando ocorre na escrita.
Supressão – É ausência total de uma emissão oral ou gráfica.

Observações
As manifestações até então descritas são estruturais e estão
restritas às palavras e frases. Deve-se observar suas ocorrências,
mas, para se fazer uma avaliação, faz-se necessário também
avaliar o nível discursivo.
A nomenclatura apresentada a seguir foi única e exclusiva-
mente escolhida, entre as muitas outras possíveis, por ser a mais
comum e utilizada.

Afasias emissivas
Fazem parte deste grupo as afasias cujo déficit de expressão
é maior do que o déficit de compreensão.

Afasia de Broca
É a afasia de expressão mais comumente encontrada. Carac-
teriza-se por ser do tipo não-fluente, sendo que a expressão oral
pode estar comprometida em diversos graus. Na fase aguda, o
paciente pode apresentar supressão de fala e de escrita ou
estereotipia. As estereotipias são freqüentes e podem se manter;
podemos ainda encontrar parafasias fonéticas e/ou fonêmicas,
942 Fonoaudiologia Prática

redução e agramatismo. A anomia pode estar presente, mas


aparece geralmente no discurso. A compreensão está preservada
ou levemente comprometida, podendo o paciente apresentar
dificuldades em compreender frases complexas, textos e elemen-
tos gramaticais.
A escrita também pode evoluir da fase aguda com redução,
agramatismo e paragrafias. A compreensão da escrita pode estar
mais alterada do que a compreensão oral.

Afasia de condução
É uma afasia fluente, caracterizada por parafasias fonêmicas,
podendo ainda aparecer anomias ou parafasias semânticas
durante a fala. O discurso pode aparecer truncado, com hesita-
ções e autocorreções. A característica marcante deste tipo de
afasia são os erros encontrados na prova de repetição, em que
a emissão mostra-se muito mais prejudicada do que a fala
espontânea.
Na escrita espontânea e no ditado podem aparecer paragrafias
literais e grafêmicas, no entanto, o paciente pode apresentar bom
desempenho na cópia. Na leitura em voz alta, o paciente apresen-
ta melhor desempenho do que nas provas de repetição.
A alteração de compreensão, similar à que se encontra nas
afasias de Broca típicas – normal ou com alterações leves – fazem
supor que a afasia de condução pode ser a evolução de uma
afasia de Wernicke.

Afasia transcortical motora


É um tipo de afasia não-fluente, cuja principal característica é
a redução de fala. O paciente apresenta uma linguagem espontâ-
nea extremamente reduzida, sendo a expressão marcadamente
lenta e breve. Como toda afasia transcortical, a repetição é boa e,
especificamente neste caso, é muito melhor do que a emissão oral
observada durante a fala espontânea. A compreensão geralmen-
te está preservada. Na escrita pode-se observar a mesma falta de
iniciativa/inércia observadas na fala e a leitura está normal ou
pouco comprometida.

Afasias receptivas
Fazem parte deste grupo as afasias, cujo déficit de compreen-
são é maior do que o déficit de expressão.

Afasia de Wernicke
É a afasia de compreensão mais grave, definida por um
conjunto de características bastante específicas. A compreensão
oral encontra-se gravemente comprometida. A expressão é mar-
cada por discurso fluente e abundante, fala logorréica e jargo-
nafásica e pela grande presença de neologismos. A fala apresen-
Avaliação e Terapia dos Distúrbios Neurológicos da Linguagem e Fala 943

ta curva melódica/entonação normais e o sujeito fala sem consi-


derar o interlocutor. A associação com anosognosia é bastante
freqüente. A compreensão gráfica pode estar tão comprometida
quanto a compreensão oral ou pode estar um pouco melhor. Há
possibilidade de redução na expressão gráfica, sendo que o
ditado está sempre muito alterado e pior do que a cópia.

Afasia transcortical sensorial


É uma afasia fluente, em que aparecem déficits severos ou
moderados de compreensão. O paciente é capaz de realizar muito
bem provas de repetição, sem necessariamente compreender o
que repete. Na fala aparecem parafasias semânticas, anomias e
circunlóquios. A compreensão da escrita também se encontra
alterada, e, pode ocorrer do paciente apresentar uma leitura em
voz alta praticamente normal (ou com algumas parafasias) sem,
no entanto, compreender o que leu. A escrita espontânea pode
apresentar paragrafias de todos os tipos e o paciente provavel-
mente apresentará melhor desempenho no ditado do que nas
demais provas.

Afasia amnéstica/anômica
É uma afasia fluente, caracterizada basicamente por altera-
ções semânticas como as parafasias semânticas, perífrases e
anomias, estando o acesso lexical prejudicado. Como a anomia é
uma manifestação freqüente em muitas afasias, esta afasia mui-
tas vezes é a evolução de outro tipo, mais comumente, das afasias
de Wernicke ou transcortical sensorial, sendo esta a justificativa
de pertencer a este conjunto de afasias, uma vez que a compreen-
são oral está preservada ou apenas levemente comprometida
(para conteúdos mais complexos). Na escrita podem aparecer as
mesmas falhas encontradas no discurso oral, e a leitura geralmen-
te está preservada.

Formas mistas
Afasia transcortical mista
É uma afasia que se caracteriza pela repetição preservada,
estando tanto a emissão quanto a compreensão severamente
comprometidas. A fala é caracterizada por estereotipias e há
supressão da escrita. Cabe ressaltar que embora a repetição
esteja preservada, ela ocorre com falhas, ou seja, ela não é tão
boa quanto nos quadros de afasia transcortical motora ou sensorial.

Afasia mista
São os quadros de afasia que apresentam características de
vários dos quadros descritos, sem se restringir a nenhum deles.
Na verdade, as afasias mistas são muito comuns.
944 Fonoaudiologia Prática

Afasia global
É a afasia mais grave, caracterizada por comprometimento
severo da emissão e da compreensão oral e gráfica. Geralmente,
o paciente apresenta mutismo na emissão oral ou ela está restrita
a estereotipias e automatismos. Há supressão da emissão gráfi-
ca. Existe uma variedade de formas clínicas; quando a compreen-
são melhora muito, mas não chega a ficar tão boa quanto a
esperada para uma afasia de Broca, temos a afasia motora mista.
No entanto, muitos dos casos evoluem para uma afasia de Broca.

Afasias subcorticais
As afasias subcorticais foram recentemente descritas e só
puderam ser melhor estudadas com o advento da neuroimagem
que propiciou melhor compreensão dos quadros numa tentativa
de maior correlação anatomoclínica. Assimetria funcional seme-
lhante à observada na corticalidade é encontrada em nível
subcortical, ou seja, alguns aspectos da linguagem e da memória
verbal se relacionam predominantemente ao hemisfério esquer-
do, enquanto outros aspectos da linguagem, bem como as capa-
cidades construtivas, visuoespaciais, de atenção e memória vi-
suais, com o hemisfério direito. É importante ressaltar que as
afasias subcorticais são extremamente variáveis tanto quanto à
variedade de sintomas encontrados dentro de um mesmo quadro,
quanto aos graus de severidade. PUEL e cols. (1984) descreveram
25 casos de lesões subcorticais e tentaram verificar as correla-
ções anatomoclínicas nestes casos. Dentre estes 25 pacientes, 4
apresentavam apenas disartria; 9 apresentavam formas clássicas
de afasia (2 apresentavam afasia global, 3 apresentavam afasia
de Broca, 3 apresentavam afasia de Wernicke e 1 apresentava
afasia de condução); os outros 12 pacientes apresentavam for-
mas mistas de afasia, sendo 10 casos muito atípicos. Esses 10
casos muito atípicos também apresentavam as mais variadas
lesões subcorticais. CROSSON (1985) apresentou um modelo,
segundo o qual a linguagem depende das estruturas corticais e
das subcorticais que interagem num processo dinâmico. As estru-
turas subcorticais mais importantes neste processamento seriam
o tálamo, o gânglio basal, o pálido e o caudado. Através deste
modelo, o autor consegue explicar porque poderíamos encontrar
afasias clássicas (como no estudo acima citado) em lesões
subcorticais e também casos atípicos, uma vez que se trata de um
circuito de processamento da linguagem extremamente comple-
xo. M ENDONÇA (1994) nos apresenta a afasia talâmica, a afasia
dos gânglios da base caudado, putamen e cápsula interna:

Afasia talâmica
As afasias talâmicas geralmente são atípicas e, dentre os
quadros subcorticais, costumam ser as mais transitórias. Elas
Avaliação e Terapia dos Distúrbios Neurológicos da Linguagem e Fala 945

podem ser do tipo fluente ou não-fluente. A fluente caracteriza-se


por parafasias semânticas, neologismos, anomia e perda da
espontaneidade. Na não-fluente, observa-se compreensão me-
nos prejudicada que a expressão, repetição boa, hipofonia e
parafasias fonéticas. Em ambas, a leitura costuma estar menos
prejudicada do que a escrita.

Afasias dos gânglios da base


Apresentam-se sob formas mais variadas e são mais dura-
douras. Lesões de caudado geram afasias do tipo fluente e não-
fluente. Nas duas formas aparecem erros semânticos, persevera-
ções, repetição boa ou pouco alterada e a compreensão tende a
ser melhor do que a expressão. Podem aparecer também sinais
frontais como falta de iniciativa ou de motivação. Lesões de
putamen geram afasias do tipo fluente e não-fluente. Na forma
não-fluente a repetição e a compreensão estão preservadas, e na
fluente a compreensão encontra-se prejudicada em maior grau.
Lesões de pálido não causam afasias.
Lesões de cápsula interna podem causar distúrbios fluentes
ou não-fluentes cujas características principais são as parafasias
fonéticas.

Afasia progressiva primária


É definida por um déficit progressivo de linguagem, sem
alterações nas demais funções cognitivas por um período mínimo
de 2 anos. Obviamente, para o diagnóstico, é necessário acompa-
nhar o caso longitudinalmente. Segundo DELGADO e cols. que
descreveram um caso recentemente (1995), em relação às mani-
festações lingüísticas, podem haver variações, sendo encontra-
das formas fluentes e não-fluentes, anomia como um dos primei-
ros sintomas, parafasias fonêmicas e, em alguns casos,
agramatismo.

Avaliação
O fenômeno da perda da fala decorrente de uma lesão
cerebral é muito antigo e praticamente a totalidade dos sintomas
de afasia foram descritos muito antes do século XX. Durante as
três décadas anteriores à histórica contribuição de BROCA, já
havia interesse e controvérsia crescente quanto aos mecanismos
de desordens orgânicas da fala.
No século XX, a grande quantidade de ex-combatentes com
lesões cerebrais e problemas de fala/linguagem que sobreviveu à
Segunda Grande Guerra Mundial obrigou a sociedade do pós-
guerra a organizar atividades para a reabilitação dos lesados,
principalmente as vítimas de traumatismos cranianos e baleados,
ocupando os afásicos, um lugar preponderante. Uma resposta
imediata à circunstância do pós-guerra foi a publicação de um
vasto número de tratados sobre a afasia e sua avaliação.
946 Fonoaudiologia Prática

Apenas em relação à avaliação destes pacientes, pode-se


observar que, nestes últimos 40 anos, um grande número de
testes para afasia foi elaborado, principalmente nos países
de língua inglesa. Outros países têm adaptado baterias america-
nas ou construíram algumas escalas originais. Além das baterias
já publicadas, muitas equipes médicas estabeleceram seus pró-
prios materiais de testagem, os quais, muitas vezes, incluem
subtestes retirados de escalas já existentes.
Enquanto alguns autores se esforçam por utilizar os testes
existentes ou criar novos, outros autores questionam sua utilida-
de. Muitos afasiólogos ainda se valem de testes para identificar
quais as modalidades da linguagem que estão prejudicadas e
delinear o tipo de afasia que o paciente apresenta.
Uma das críticas mais severas feita à aplicação de testes em
afásicos refere-se ao fato de que a maior parte das tarefas são
metalingüísticas, ficando o teste falho na investigação da compe-
tência comunicativa do paciente. De fato, todos os testes apresen-
tam tarefas como: compreensão oral, compreensão gráfica, có-
pia, ditado, leitura em voz alta, repetição, denominação, entre
outras, podendo ainda variar quanto à especificidade dos estímu-
los apresentados – por exemplo, para a prova de repetição –
repetição de fonemas, de sílabas, de palavras, de frases, etc.
COUDRY (1988) afirma que os procedimentos avaliativos e
analítico-descritivos (incluindo as baterias de teste-padrão) apre-
sentam as seguintes inadequações:

• “Descontextualização das tarefas de linguagem propostas,


simulando situações artificiais para uma suposta atividade
lingüística.
• Predominância de tarefas metalingüísticas que, embora ne-
cessárias para o diagnóstico, não podem substituir atividades
lingüísticas e a consideração dos processos epilingüísticos
envolvidos na reconstrução da linguagem pelo sujeito afásico.
• O fato de que a natureza das tarefas propostas corresponde
a exercícios fundados na língua escrita, com um forte
compromisso com o escolar, quando não se reduzem a
técnicas de abordagem do fenômeno para levantar fatos
necessários à descrição acadêmica da afasia.
• Insuficiência nos dados empíricos: a perspectiva teórica
reducionista do fenômeno da linguagem acaba por restringir
os fatos justamente àqueles que não são nem os mais
significativos, nem os mais relevantes para caracterizar as
dificuldades lingüísticas do afásico e fornecer subsídios
para o acompanhamento”.

Embora sejam pertinentes as considerações feitas pela auto-


ra, é valido ressaltar que pesquisadores e clínicos concordam que
o teste não deve ser usado como instrumento único na avaliação
e sabem considerar suas limitações.
Avaliação e Terapia dos Distúrbios Neurológicos da Linguagem e Fala 947

Deste modo, para se obter uma idéia precisa das falhas


comunicativas e das necessidades do paciente, deve-se recolher
um grande número de dados a respeito de seu comportamento
verbal e não-verbal em um grande número de circunstâncias.
Uma bateria de testes para pacientes afásicos, desde que
adaptada à realidade lingüística da comunidade que a usa, pode
ser utilizada, desde que não seja um instrumento único no
diagnóstico da linguagem, que o avaliador tenha bom senso em
sua aplicação, e que ele considere também a história prévia de
linguagem do sujeito. Além disto, facilita o registro dos dados e
possibilita a reavaliação a partir de um mesmo instrumento.

Prognóstico
A maioria dos pacientes afásicos mostra uma melhora espontâ-
nea nos meses subseqüentes à lesão. O período de recuperação
espontânea aparece de forma variada na literatura, mas a maioria
dos autores reconhece este período entre os 3 e os 6 primeiros
meses. Uma das questões que sempre esteve presente quando se
tratou da reabilitação da afasia é o quanto esta recuperação pode
ser influenciada de modo positivo pela terapia fonoaudiológica.
BASSO (1993) realizou uma revisão da literatura sobre os
fatores de prognóstico relativos à recuperação, os efeitos do
tratamento e os padrões de recuperação em grupos de pacientes
e em pacientes considerados individualmente. Em seu estudo,
considerou apenas as variáveis experimentais, uma vez que
existem muitos fatores que interferem no prognóstico do paciente,
mas que não são quantificáveis, como ocorre com a motivação,
por exemplo, que é um fator importantíssimo quando se fala em
reabilitação, mas que não pode ser considerado cientificamente.
Assim, a autora dividiu essas variáveis em dois grupos, a saber:
fatores individuais como a idade, o sexo e a preferência manual;
e fatores neurológicos como a etiologia, localização e tamanho da
lesão, a severidade e o tipo da afasia. O “efeito da terapia” foi
considerado separadamente. A autora concluiu que os fatores
individuais têm um pequeno papel na recuperação das afasias,
sendo mais relevantes a gravidade inicial do problema, que está
relacionada à extensão e à localização da lesão, e a reabilitação.
A terapia não modifica o perfil da recuperação espontânea, mas
a torna possível em um número de pacientes que não apresentaria
nenhuma melhora e ainda acelera a recuperação espontânea dos
pacientes em acompanhamento.

Terapia
A preocupação em se criar métodos de reabilitação para o
paciente cérebro-lesado ocupou lugar preponderante a partir da
década de 40. Uma revisão das metodologias usadas na terapia
das afasias permite observar diferentes pressupostos teóricos
que explicam o problema e se propõe a “solucioná-lo”.
948 Fonoaudiologia Prática

Escolas terapêuticas
Segundo HORI (1991); PEÑA-CASANOVA; BERTRAN-SERRA &
MANERO (1995), constituem-se em:

1. Escola didática
Presente no final do século passado e no início deste século,
esta escola terapêutica não se fundamenta em nenhum princípio
teórico. A linguagem é “reensinada” usando-se métodos de ensi-
no tradicionais.

2. Escola de modificação do comportamento/escola


operante
A ênfase está mais nos métodos de terapia do que na
natureza da mesma. Partindo da psicologia do comportamento,
se estabelecem os métodos através dos quais se realiza a
“reaprendizagem da linguagem”. A escola operante difundida
nos EUA, visou essencialmente as afasias. Nela, a linha de base
para a terapia foi o estabelecimento de um nível de comporta-
mento bem preciso.
Os princípios terapêuticos básicos desta escola são:
• Princípio do condicionamento operante.
• Influência da aprendizagem programada.

A escola tem por princípios gerais:


• Ocorrências e usos de ocorrências conseqüentes e antece-
dentes.
• Aumento da probabilidade de aparição: reforço positivo ou
reforço negativo.
• Diminuição da probabilidade de aparição: ausência de
reforço.

Estímulo discriminativo positivo – Um estímulo, ou


situação estimulante, cuja presença está associada a um
reforço.
Estímulo discriminativo negativo – Um estímulo cuja au-
sência está relacionada à ausência do reforço.
Comportamento emissivo
• Comportamentos a serem modificados ou instalados.
• Devem ser observáveis e bem definidos.

3. Escola de estimulação da linguagem/escola


empírica
Esta escola evidencia a necessidade de tratamento do pacien-
te acometido pela lesão cerebral e, segundo suas idéias, a terapia
deve se fundamentar numa estimulação adequada que permita
ao sujeito afásico fazer ressurgir as “capacidades” que estariam
hipoteticamente intactas.
Avaliação e Terapia dos Distúrbios Neurológicos da Linguagem e Fala 949

Ela se baseia fundamentalmente no seguimento do desen-


volvimento da linguagem da criança e da aprendizagem da
leitura e da escrita. Observa-se uma visão estruturalista na
análise do distúrbio, que para esta escola, era essencialmente
a afasia.
O método teve sua origem na transferência e na adaptação
dos métodos de reeducação ou educação utilizados na infân-
cia.
Os princípios terapêuticos básicos desta escola são:
• Realizar uma análise estrutural prévia das alterações apre-
sentadas pelo paciente.
• A motivação deve ser considerada.

A escola tem por princípios gerais:


• Importância da estimulação verbal.
• Adaptação do ritmo de trabalho e da complexidade de
exercícios a cada caso em particular.
• Reflexão geral sobre o processo de reeducação – aspectos
clínicos, neurológicos e psicológicos.
• A utilização do repertório de componentes verbais ou outros
residuais.
• A utilização sistemática de todas as vias de entrada/
poliestimulação.
• Respeito a uma hierarquia crescente nas aprendizagens
propostas.
• Passagem do automático ao voluntário e do voluntário ao
automático.

São exemplos deste tipo de proposta terapêutica a reeduca-


ção pela estimulação auditiva de SCHUELL ; a reeducação
semiológica dos afásicos segundo LHERMITTE & DUCARNE e a
reeducação global dos afásicos segundo WEPMAN.

4. Escola de reorganização da função/escola


soviética
Esta escola, difundida por LURIA e seus seguidores, visava
a reabilitar não apenas as afasias mas todos os distúrbios
neuropsicológicos. O método está diretamente relacionado ao
quadro teórico desenvolvido por L URIA, em que a linguagem é
vista como sendo o resultado do trabalho de distintos sistemas
e subsistemas funcionais inter-relacionados. A conduta tera-
pêutica depende da interpretação teórica dos problemas apre-
sentados, pois ela se fundamenta no uso dos subsistemas
intactos. Esta concepção integrativa do funcionamento do Sis-
tema Nervoso Central levou ao alargamento da visão do proces-
so terapêutico. Os princípios terapêuticos básicos desta escola
estão relacionados a uma análise estrutural preliminar dos
problemas apresentados pelo paciente.
950 Fonoaudiologia Prática

A escola tem por princípios gerais:


• A restauração diferenciada do sistema perturbado, através
da elucidação das causas da patologia, da compreensão da
desorganização cerebral conseqüente a lesão e da avalia-
ção dos mecanismos responsáveis pelos déficits.
• A utilização dos componentes funcionais que permaneceram
intactos, através da identificação do déficit e da reorganização
do sistema funcional, contornando os componentes deficitários.
• A divisão no tempo e na graduação das dificuldades, sendo
as atividades decompostas em ações curtas, do simples ao
complexo, para reeducação e automatização e, novos pro-
cedimentos são propostos ao sujeito, à medida que se
interiorizam conhecimentos discutidos.

5. Escola pragmática
O objetivo desta escola é melhorar a atuação do paciente em
sua vida cotidiana, sendo a preocupação com a comunicação
mais importante do que a própria linguagem.
Os princípios terapêuticos básicos desta escola são:
• Contextualizar ao máximo as atividades realizadas em tera-
pia, através de um estudo minuncioso do meio social e da
dinâmica intra e extrapessoal do paciente.
• Melhor utilização possível das capacidades mantidas intactas.

A escola tem por princípios gerais:


• Livre escolha de papéis.
• Livre escolha do material utilizado.
• Livre escolha do canal de comunicação.

6. Escola neoclássica
Está baseada nos modelos funcionais clássicos sobre a
linguagem e também prevê a manutenção das habilidades intactas.
É representada pelo grupo de estudiosos de Boston.

7. Escola neurolingüística
É uma escola que se baseia em teorias lingüísticas e se
propõe a criar uma proposta teórica psicolingüística da afasia, a
fim de aumentar a eficácia da terapia. Desenvolveu-se amplamen-
te na Alemanha e na França.

8. Escola de neuropsicologia cognitiva


É uma escola cuja terapia se fundamenta nas teorias e
modelos funcionais sobre o processamento normal da linguagem.
Nesta escola, o estudo de caso único é fundamental.

Existem muitas “técnicas” descritas para a terapia do paciente


afásico. As “técnicas” perpassam os distúrbios da compreensão e
os da emissão, as anomias, os distúrbios relacionados à leitura e à
Avaliação e Terapia dos Distúrbios Neurológicos da Linguagem e Fala 951

escrita e os distúrbios relacionados ao discurso. Os terapeutas


abordam ainda o uso de sistemas alternativos de comunicação na
reabilitação – comunicação não-verbal: terapia gestual, o Bliss o
non-Slip, linguagem de sinais, entre outros, bem como o uso de
computadores. Existem muitas propostas terapêuticas como a
Terapia Melódica, a Terapia em Grupo, a Terapia para Afásicos
Globais, entre outras. É importante para o profissional que lida com
estes pacientes, conhecer todas as propostas, mas antes de aplicar
qualquer uma delas, ele deve se preocupar em se identificar com o
pressuposto de linguagem nelas existentes e, além disso, buscar
interpretar e entender o conjunto das manifestações apresentadas
pelo paciente, ao invés de atuar com “sintomas” isoladamente.
Para finalizar as considerações acerca de terapia na afasia,
sempre é necessário realizar uma intervenção familiar nestes
casos. A família pode apresentar uma enorme variedade de mani-
festações que demonstram a desestruturação que esta patologia
provocou e que, certamente irão interferir no processo terapêutico.
O terapeuta deve estar atento e realizar intervenções periódicas
com a família. A intervenção terapêutica exclusiva ao paciente, ou
seja, quando a família é desconsiderada pelo terapeuta, ou não
participa do processo vivido pelo paciente, dificilmente é eficaz.

DISARTRIA
Definição – “Articulação imperfeita” da fala causada por uma
lesão no sistema nervoso central ou periférico. As disartrias são
caracterizadas por fraqueza, incoordenação ou paralisia do apa-
relho fonador.

Características
• Existem diversos tipos de disartrias.
• A característica comum a todas elas é a imprecisão na
articulação das consoantes.
• São características principais: monoaltura, monointen-
sidade, qualidade ruidosa e velocidade lenta (exceto em
Parkinson).

Tipos de disartria
Disartria espástica
Características – Voz áspera, com esforço, tensa-estrangu-
lada, monotonia, articulação imprecisa das consoantes e
hipernasalidade.

Disartria flácida
Foi o primeiro tipo de disartria descrita. Tem por característi-
cas: voz soprosa, monoaltura, articulação imprecisa das consoan-
tes e hipernasalidade.
952 Fonoaudiologia Prática

Disartria atáxica
Características – Voz áspera, com esforço, tensa-estrangu-
lada, interrupção articulatória irregular, acentuação excessiva,
mas sem diferenciação da sílaba tônica ou do elemento frasal
mais importante.

Disartria hipocinética
Características – Voz monótona, com monoaltura e
monointensidade, acentuação reduzida e articulação imprecisa
das consoantes.

Disartria hipercinética
Características – Voz áspera, monoaltura, interrupção articula-
tória irregular e articulação imprecisa/distorcida das vogais.

Principais quadros neurológicos e sintomas


associados
Desordens do neurônio motor superior – córtex e
trato piramidal
• Paralisia suprabulbar ou pseudobulbar – Disartria espástica
É uma lesão progressiva bilateral que atinge os tratos córtico-
bulbares. O paciente apresenta reflexos de espasticidade e
hipertonicidade de laringe. Fala, fonação e deglutição estão sempre
comprometidas.

Desordens extrapiramidais
• Parkinsonismo (gânglio basal – substância negra) – Disar-
tria hipocinética.
São características desta patologia: hipocinesia, rigidez mus-
cular e tremor involuntário.
O paciente apresenta voz trêmula, com monoaltura e
monointensidade, dificuldades de deglutição/disfagia e mímica
facial inexpressiva (“máscara”).

• Síndrome de Shy-Drager (envolvimento bulbar, piramidal e


extrapiramidal) – Disartria “mista” (componentes de atáxica
+ hipocinética + espástica).
A fala apresenta-se com monoaltura e monointensidade. O
paciente apresenta dificuldades respiratórias, de movimentação
de véu palatino e disfagia.

• Coréia de Huntington (gânglio basal) – Disartria hipercinética.


A voz é caracterizada por rouquidão e aspereza. Na fala
podem aparecer quebras abruptas.
Nesta doença podem ocorrer outras manifestações (além das
manifestações de fala), como perda de memória e capacidade
intelectual.
Avaliação e Terapia dos Distúrbios Neurológicos da Linguagem e Fala 953

• Esclerose lateral amiotrófica (N. M. superior e N. M inferior) –


Disartria “mista” (componentes de atáxica e espástica) ou
flácida.
É uma doença progressiva, cujos primeiros sinais são fraque-
za muscular e cãibras. A fala é extremamente lenta e, nas fases
finais da doença, aparece a disfagia.

Desordens cerebelares
• Síndrome de Arnold-Chiari (congênita – bulbo/cerebelo) –
Disartria atáxica.
A disartria nesta doença caracteriza-se por aspereza.

Danos de localização desconhecida


• Esclerose múltipla (esclerose da substância branca do cére-
bro e medula espinhal) – Disartria atáxica ou disartria flácida.
É uma neuropatia progressiva, em que ocorre paralisia bilate-
ral das pregas vocais. Nesta doença, podem estar associados
sintomas como: vertigem, nistagmo e disfagia.

Desordens da junção mioneural


• Miastenia gravis
Nesta doença, as principais manifestações fonoaudiológicas
são: hipernasalidade, voz inspiratória, disfonia e disfagia, sendo
sintomas específicos da doença a fadiga muscular, a diplopia e a
visão turva.

Terapia
Antes de iniciarmos a intervenção terapêutica é fundamental
conhecermos a etiologia da disartria, pois, como vimos, algumas
aparecem como manifestação de doenças degenerativas do Siste-
ma Nervoso e neste caso, a terapia tem objetivos diferentes.
HALPERN (1986) sugeriu seis fatores que influenciam o trata-
mento de pacientes disártricos. Esses fatores são:
1. Estado neurológico e história – Lesões subcorticais
bilaterais, doenças degenerativas e disartrias que apresentam
disfagias associadas tendem a apresentar pior prognóstico.
2. Idade – Crianças geralmente apresentam melhor prognós-
tico do que os adultos e, pacientes muito idosos apresentam um
pior prognóstico.
3. “Ajustes automáticos” – Em resposta à lesão, alguns pacien-
tes desenvolvem mecanismos compensatórios que podem melhorar
ou prejudicar a articulação. Os ajustes, no entanto, podem facilitar a
articulação de pacientes que apresentam prognóstico ruim.
4. Tratamento multidisciplinar – A intervenção multidiscipli-
nar favorece a recuperação do paciente.
5. Personalidade e inteligência do sujeito – O otimismo e a
motivação com o tratamento são pontos importantes que favore-
954 Fonoaudiologia Prática

cem o prognóstico. No entanto, nem todos os pacientes são


capazes de se manterem otimistas após a lesão cerebral.
6. Sistema de “suporte” – O paciente deve ter outras
ocupações além da terapia.
Embora muitos tipos de disartrias tenham sido descritos, a
terapia deve ser centrada numa análise minuciosa das manifesta-
ções da desordem em questão.
N ETSELL & DANIEL (1979) sugeriram as bases para reabi-
litação deste distúrbio, que se baseava na análise de cada um
dos componentes da fala: 1. músculos e estruturas da respi-
ração; 2. laringe; 3. área do véu palatino; 4. base de língua; 5.
ponta de língua; 6. lábios; 7. mandíbula. A partir desta análise,
os autores propuseram que a seleção e a hierarquia dos
procedimentos terapêuticos seguem diretamente a fisiologia
de funcionamento e a severidade de cada um dos componen-
tes envolvidos.
LAPOINTE & ROSENBEK (1985) consideram os processos moto-
res básicos: respiração, fonação, ressonância, articulação e
prosódia, como os pontos fundamentais para o tratamento.
Alguns procedimentos são básicos e devem ser pensados
pelo terapeuta:
Respiração – Podem ser observadas: frases curtas, inspira-
ção freqüente, fonação por curto período, aumento do tempo de
pausa entre as palavras, fala na inspiração (comum na disartria
espástica) entre outras.
Fonação – Podem ser observadas: variações importantes de
freqüência e intensidade (ou ausência da possibilidade de realizar
variações), voz tensa-estrangulada, voz soprosa, entre outras. No
caso de voz tensa-estrangulada é comum o uso da “ técnica de
fonação relaxada”, “técnica do bocejo”, exercícios de relaxamento
na região da cintura escapular e pescoço. São também usados
exercícios de mastigação selvagem. Evita-se o uso de fonemas
plosivos e guturais, que exigem maior contração da musculatura.
A voz soprosa, por sua vez, decorre, na maioria dos casos, de
paralisia de pregas vocais uni ou bilateral. Nestes casos, é comum
o uso da técnica de empuxo.
Ressonância – As manifestações mais comuns são a hipo ou
a hipernasalidade. A hipernasalidade está freqüentemente asso-
ciada à alteração ou ausência de movimentação do véu palatino.
As condutas serão diferentes dependendo do grau de severidade
e da causa deste comprometimento.
Articulação – Podem ser utilizadas as mais variadas técnicas
neste trabalho. É importante ressaltar que alguns autores afirmam
que o trabalho com a articulação deve se iniciar com um treino
auditivo, para que o paciente adquira uma compreensão clara do
problema.
Prosódia – Alterações de prosódia podem ser minimizadas
trabalhando-se com altura e intensidade. Pode-se solicitar ao pa-
ciente, por exemplo, que numa frase identifique o elemento principal
Avaliação e Terapia dos Distúrbios Neurológicos da Linguagem e Fala 955

e que aumente a intensidade de voz neste elemento. Nos casos


mais graves, pode-se realizar a mesma estratégia dentro da palavra,
trabalhando-se com a sílaba tônica. Às vezes pode ser necessário
realizar um treino anterior, preparatório, podendo-se melhorar a
variação da altura com a facilitação do uso de uma escaleta.

APRAXIA
“É uma desordem da articulação, que resulta da perda,
causada por uma lesão cerebral, da capacidade de organizar o
posicionamento da musculatura da fala e de seqüencializar os
movimentos na produção espontânea de fonemas ou de uma
seqüência de fonemas; porém esta dificuldade não é acompa-
nhada por fraqueza ou lentidão significantes, ou incoordenação
destes músculos nos movimentos reflexos ou automáticos”
(JOHNS & DARLEY, 1970).

Principais características
01. Os erros de articulação aumentam proporcionalmente à
complexidade do ajuste motor que a articulação exige. Assim, as
vogais são articuladas mais facilmente do que as consoantes
simples que, por sua vez, são melhor articuladas do que os grupos
consonantais. A zona de articulação do fonema é outro ponto que
deve ser considerado, sendo os fonemas palatais e dentais mais
suscetíveis a erros do que outros fonemas (LAPOINTE & JOHNS,
1975). A repetição de fonemas é mais fácil de pontos anteriores
para posteriores do que o inverso, ou seja, é mais fácil repetir -pa-
ta-ca do que ca-ta-pa.
02. Consoantes iniciais tendem a ser freqüentemente pior
articuladas do que as consoantes em outras posições.
03. Leituras repetidas de um mesmo material permitiram
verificar que os pacientes apráxicos podem reincidir nos erros e,
em alguns casos, observou-se menor número de erros em leituras
sucessivas, no entanto, sem mudanças significantes.
04. Freqüência do fonema: fonemas que aparecem com
freqüência elevada na língua tendem a ser melhor articulados do
que os que aparecem menos freqüentemente.
05. Tipos de erros: aparecem inúmeros erros fonêmicos,
incluindo- se omissões, adições, repetições e, principalmente,
substituições.
06. Em relação aos aspectos seqüenciais, uma análise dos
erros destes pacientes revela três tipos fundamentais: antecipa-
ção, reiteração e “ metástase” (inversão de fonemas).
07. Os pacientes apráxicos apresentam uma acentuada discre-
pância entre a performance na fala automática e a fala espontânea,
sendo boa na primeira e extremamente prejudicada na segunda.
08. A repetição se apresenta pior do que a fala espontânea,
além de apresentar maior tempo de latência.
956 Fonoaudiologia Prática

09. A extensão da palavra é uma variável importante, sendo


que os erros de articulação aumentam com o aumento da exten-
são da palavra.
10. Na leitura em voz alta de um conteúdo conhecido, parece
que os erros de articulação não aparecem “ao acaso”. Eles
aparecem com maior incidência nas palavras que são fundamen-
tais para a comunicação, que tenham valor lingüístico no enuncia-
do, ou que estejam ligados a algum conteúdo psicológico.
11. A articulação correta é influenciada pela forma de apresen-
tação do estímulo. Os pacientes produzem melhor estímulos que
podem ver e escutar do que os de uma fita gravada, por exemplo.
Portanto, as pistas visuais e auditivas têm uma grande importância.
12. Alguns tipos de variáveis auditivas, visuais e psicológicas
não parecem interferir na precisão articulatória. Por exemplo, o
uso de um ruído de fundo para que o paciente não preste tanta
atenção em seus próprios erros não favorece a produção articu-
latória.
O conhecimento deste quadro complexo, bem como suas
características, permite ao profissional planejar a terapia de forma
mais adequada.

Princípios gerais de terapia


A terapia deve ser centrada na desordem de articulação
sendo, portanto, bastante diferente das terapias para as afasias e
para as disartrias. Além disto, algumas condições fonéticas que
interferem na produção articulatória devem ser sempre conside-
radas como: zona e modo de produção do fonema, distância entre
fonemas sucessivos, freqüência do fonema e das palavras e a
dificuldade nos fonemas iniciais.
Estes são os fatores principais quando se pensa na terapia do
paciente apráxico. No entanto, como nos demais quadros até aqui
descritos, existem autores que propõem métodos para a reabilita-
ção deste distúrbio. A título de ilustração, segue o método propos-
to por DABUL & BOLLIER (1976):
Para as autoras, a seqüencialização dos fonemas na fala é
reconhecidamente o fator mais grave que prejudica a fala do
paciente apráxico. A fim de que o paciente possa superar esta
dificuldade, as autoras propõem as seguintes etapas:
01. Produção correta e domínio das consoantes isoladas: a
adequação da produção isolada das consoantes é condição para
uma seqüencialização correta. Após o aprendizado do padrão
correto (no mínimo 18 posicionamentos corretos, em 20 tentati-
vas), muda-se a etapa.
02. Repetição rápida de cada consoante com a vogal /a/: esta
etapa consiste em que o paciente consiga sair de um padrão
correto de articulação e possa retornar a ele de forma correta e
rapidamente. Esta habilidade é fundamental para os ajustes
articulatórios rápidos que são exigidos durante a conversa espon-
Avaliação e Terapia dos Distúrbios Neurológicos da Linguagem e Fala 957

tânea. O paciente deve ser capaz de realizar 60 repetições


corretas em 15s para passar à etapa seguinte.
03. Colocação dos fonemas nas sílabas: esta etapa aumenta
a habilidade do paciente de mudar de uma postura articulatória
para outra. Nesta etapa são dadas variações de CV-CV como / fa-
ta / e combinações do tipo CVC como /pap/. O paciente deve ser
capaz de repetir corretamente 20 pares de sílabas em 15s para
passar para a etapa seguinte.
04. Produção das palavras através dos fonemas e das sílabas:
esta etapa é possível quando o paciente adquire um “vocabulário”
das posições articulatórias. Quando o paciente encontra uma
palavra que não é capaz de produzir, ele deve produzi-la dizendo
cada fonema isoladamente e, a seguir, combiná-los dentro das
sílabas e das palavras.
As autoras apresentaram um caso cuja reabilitação seguiu
este método.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este capítulo teve por objetivo esboçar questões como avalia-
ção/diagnóstico e terapia/reabilitação nos quadros de Afasia,
Disartria e Apraxia em sujeitos adultos, vítimas de lesões cere-
brais. Este “esboço” se propôs apenas a levantar questionamentos
e reflexões sobre o atendimento a estes pacientes, bem como,
através de uma visão geral, nortear o estudo destes quadros
complexos que, no atendimento fonoaudiológico, se apresentam
com suas múltiplas facetas.

Leitura recomendada
BASSO, A. – Fatores de prognóstico em afasia. In: RODRIGUES, N. &
MANSUR, L. L. Temas em Neuropsicologia. São Paulo, 1993. pp. 63-77.
COUDRY, M.I.H. – Diário de Narciso. Discurso e Afasia. 1ª ed. São
Paulo, Martins Fontes, 1988.
CROSSON, B. – Subcortical functions in language: a working model.
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DABUL, B. & BOLLIER, B. – Therapeutic approaches to apraxia. J.
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DELGADO, A.P.; CARAMELLI, P.; MANSUR, L.L.; JAREMA, G;
LECOURS, A.R. – Estudo longitudinal em caso de afasia progressi-
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GLEASON, J.B.; GOODGLASS, H.; GREEN, E.; ACKERMAN, N.; HIDE,
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HALPERN, H. – Therapy for agnosia, apraxia and dysartria. In: CHAPEY,
R. Language Intervention Strategies in Adult Aphasia. 2ª ed. Williams
& Wilkins, Baltimore, 1986.
958 Fonoaudiologia Prática

HORI, C.N. – Reeducação da aflasia: propostas e fundamentos


teóricos. II Congresso Latino Americano de Neuropsicologia,
SBNP, Fita nº 7, 1991.
JAKUBOVICZ, R. & MEINBERG, R. – Introdução à Afasia. Elementos
para Diagnóstico e Terapia. 6ª ed., Rio de Janeiro, Revunter, 1996.
JENKINS, J.J.; JIMENEZ, P.E.; SHA1W, R.E.; SEFER, J.W. – Afasia en
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KERTESZ, A. – Aphasia and associated disorders. Taxonomy,
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MESULAM, M.M. – Slowly progressive aphasia without generalized
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Alterações de Linguagem Associadas a Distúrbios Emocionais 959

43
Alterações de Linguagem
Associadas a Distúrbios
Emocionais

Fernanda Dreux Miranda Fernandes

Existem diversas tendências norteando as discussões a res-


peito das relações entre a linguagem e as questões emocionais,
os quadros clínicos resultantes e as possíveis abordagens tera-
pêuticas. Embora caiba ao fonoaudiólogo, especialmente en-
quanto terapeuta de linguagem, o domínio de uma área de
conhecimento que envolve a interface de ciências como a psico-
logia e a lingüística, é freqüente que este profissional enfrente
dificuldades para traçar as linhas de distinção e contato entre
diversas teorias, conceitos e terminologia.
Assim, se por um lado é essencial que o terapeuta de lingua-
gem fundamente cientificamente sua atuação clínica, por outro, a
identificação da perspectiva psicolingüística (e/ou psicodinâmica)
que norteia a prática profissional não é tarefa fácil para muitos
profissionais.
Não são poucos os fonoaudiólogos que, quando confrontados
com questões a respeito de seu papel profissional, sua área de
atuação e seus limites, sentem-se intimidados e carentes de uma
“linguagem” que fundamente sua argumentação.
No que diz respeito especificamente à área dos distúrbios
emocionais, as discussões envolvendo os limites profissionais entre
fonoaudiólogos e psicólogos tendem a revelar um ponto que não
deveria mais ser objeto de questionamento: não é possível fragmen-
tar o paciente, nem sua doença, nem suas dificuldades, nem suas
possibilidades de progresso. Qualquer tentativa de determinar
limites profissionais através da delimitação de tarefas seguramente
960

reduzirá as possibilidades de aproveitamento de todo o potencial de


algum dos profissionais (ou provavelmente de ambos). Essa não é
uma alternativa útil ao paciente nem à ciência.
O objetivo deste capítulo é fornecer alguns elementos que
indiquem as relações que podem ser estabelecidas entre a
linguagem e as questões emocionais, segundo as teorias e as
pesquisas mais recentes e sua aplicabilidade na clínica fonoau-
diológica, tanto na instância do diagnóstico quanto na da terapia.
Além disso, através das referências bibliográficas, algumas su-
gestões serão feitas no sentido de nortear estudos mais apro-
fundados.

DESENVOLVIMENTO DE LINGUAGEM E O
DESENVOLVIMENTO EMOCIONAL
As perspectivas pragmáticas (AUSTIN, 1962; SEARLE, 1981) a
respeito da linguagem determinaram a inclusão de elementos
sociais e contextuais em todos os estudos de linguagem e
especialmente na investigação de seu desenvolvimento. Nesse
sentido, são essenciais os trabalhos de HALLIDAY (1978), CAMAIONI
(1980 e 1986), SCHIEFFELIN (1983) e BATES (1976 e 1979), entre
outros.
A mãe ocupa papel central no desenvolvimento da linguagem
da criança, enquanto seu primeiro interlocutor, responsável pela
inclusão da criança no mundo lingüístico, que não se distingue do
mundo social. Temos aqui o primeiro ponto de contato entre as
teorias sobre o desenvolvimento de linguagem e as que abordam
o desenvolvimento emocional, especialmente a psicanálise. Tam-
bém sob os pontos de vista psicanalíticos (freudianos, kleinianos
ou lacanianos) a mãe é o primeiro “objeto de amor” da criança, seu
interlocutor preferencial, o grande responsável pelos primeiros
passos de seu desenvolvimento egóico.
As idéias propostas por BATES, especialmente a noção de
heterocronia, são muito úteis para essa discussão. É essencial
que estejam claras as relações de interdependência e interferên-
cia que se estabelecem entre as diversas áreas do desenvolvi-
mento. Propõe-se a noção de pré-requisito como uma estrutura
que fornece o substrato necessário para a estrutura de um outro
sistema. Desta forma, os pré-requisitos para a linguagem não
podem ser estabelecidos em termos de manifestações comporta-
mentais ou da performance em tarefas como permanência de
objetos, uso de instrumentos, interação social ou qualquer outra.
As relações estruturais entre as habilidades lingüísticas e não
lingüísticas estão no nível da organização subjacente que permite
que essas manifestações de desenvolvimento ocorram.
É claro que o termo permite estabelecer uma relação de
causalidade muito diferente das noções de causa e efeito geral-
mente envolvidas nas discussões que abordam os pré-requisitos
Alterações de Linguagem Associadas a Distúrbios Emocionais 961

para a linguagem. Neste sentido, o conceito de heterocronia


envolve a idéia de que a conquista de novas habilidades é
possibilitada por mudanças qualitativas em habilidades associa-
das já existentes.
Assim, a dissociação entre os aspectos cognitivos e emocio-
nais e o desenvolvimento da linguagem, mais do que desneces-
sária, seria inadequada.
Não é objetivo deste capítulo discutir exaustivamente os
elementos de organização psicológica necessários ou suficientes
para o desenvolvimento da linguagem, nem as diversas perspec-
tivas psicológicas que abordam essas questões. Parece suficien-
te partirmos do pressuposto de que é imprescindível que haja
alguma diferenciação entre o eu e o mundo, além de uma certa
quantidade de autoconfiança e motivação para comunicação. (O
leitor poderá identificar estas mesmas idéias expressas como:
distinção do ego, integração do objeto de amor e suficientes
vivências de instinto de vida – ou ainda de seio bom.)
Por outro lado, o estabelecimento de uma relação afetiva com
algum interlocutor preferencial (no caso de uma criança, geral-
mente a mãe) determinará, desde muito precocemente, padrões
de comunicação simétricos, se forem considerados também os
seus aspectos não-lingüísticos. Essa comunicação servirá como
uma espécie de retroalimentação para ambos os elementos da
díade. Ou seja, os sucessos e fracassos serão determinados por
ambos, deverão ser reparados por ambos e irão gerar sentimen-
tos de satisfação ou frustração em ambos.
Este quadro será reproduzido indefinidamente ao longo da
vida de todo ser humano, determinando uma situação em que o
desenvolvimento da linguagem não é interrompido, a não ser por
processos patológicos. Estes, por sua vez, também exigirão
adaptações a reorganizações que envolverão não só os aspectos
lingüísticos mas também os cognitivos e os emocionais, de todo
o contexto afetado.
Desta forma, evidentemente caberá ao fonoaudiólogo o ma-
nejo de uma situação muito mais ampla do que a alteração, o
distúrbio ou a ausência de linguagem de seu paciente. Quer ele
queira ou não, seu trabalho envolverá também, pelo menos, os
aspectos emocionais e cognitivos de seu paciente e de sua família
(ou seu contexto social), seja qual for a patologia apresentada.
Neste capítulo, trataremos mais especificamente dos distúr-
bios emocionais da criança e suas alterações de linguagem, bem
como de sua abordagem fonoaudiológica.

DISTÚRBIOS EMOCIONAIS
Este é um termo amplo e pouco específico, que é utilizado
neste trabalho para fazer referência ao que se supõe que sejam
alterações do desenvolvimento ou da organização afetiva da
criança.
962

Não serão discutidas as questões a respeito das psicoses


infantis, se elas correspondem a alterações emocionais ou orgâ-
nicas, se o autismo infantil é uma psicose ou um distúrbio
abrangente de desenvolvimento (APA, 1989), se psicose simbiótica
e síndrome de Asperger são entidades nosológicas específicas
ou se deveriam ser chamadas, respectivamente, de desarmonia
evolutiva e autismo de alto funcionamento. Esses temas foram
abordados em trabalhos anteriores (FERNANDES; PASTORELLO;
SCHEUER, 1996 e FERNANDES, 1996).
Ao longo da experiência clínica, algumas idéias têm se
mostrado fundamentais para a compreensão clínica tanto de
quadros de distúrbios de linguagem em que é possível identifi-
car componentes de organização (ou de desorganização) emo-
cional significativos quanto de quadros graves de psicoses
infantis. A maior parte dessas idéias é expressa por autoras
como KLEIN (1932), M ANONI (1964), M AHLER (1979) e TUSTIN
(1975, 1981 e 1990).
Assim, a utilização de conceitos psicanalíticos tem favorecido
a compreensão de aspectos psicodinâmicos e, desta forma,
permitido que a atuação clínica responda mais adequadamente
às necessidades de cada paciente e de sua família.
É essencial notar que isso não quer dizer que os conceitos
psicanalíticos tenham passado ou devam passar a ser empregados
na atuação terapêutica. As questões terapêuticas serão abordadas
mais adiante, mas é fundamental que fique claro desde já que
mesmo o domínio dos conceitos psicanalíticos não autoriza o
fonoaudiólogo a interpretar psicanaliticamente qualquer manifesta-
ção de seu paciente. Basicamente dois pontos estão envolvidos: o
primeiro é que o contrato (mesmo que não explícito) que é estabe-
lecido entre o fonoaudiólogo e o paciente e/ou sua família diz
respeito a uma terapia fonoaudiológica e nada além disso; o
segundo diz respeito à técnica: a psicanálise não é estabelecida
apenas por um conjunto de conceitos, mas também por uma técnica
específica e bem-determinada (FREUD, 1969). Dessa forma, as
noções psicanalíticas, tenham elas sido aprendidas através de
cursos, leituras, supervisões, ou qualquer outro meio, poderão ser
muito úteis para o fonoaudiólogo na determinação de sua compreen-
são clínica de cada quadro e de cada processo terapêutico, e podem
até ser consideradas na determinação da técnica fonoaudiológica
empregada, mas não deverão fazer parte dessa técnica
Essas idéias basicamente referem-se ao desenvolvimento da
organização egóica e às possíveis falhas nesse processo. Assim,
o desenvolvimento egóico corresponderia à conquista de formas
cada vez mais elaboradas de organizações de defesas do ego,
sem que as formas primitivas sejam de alguma forma perdidas. As
formas de organização estabelecidas durante o primeiro ano de
vida são essenciais para que se possa pensar em qualquer
processo de desorganização futuro ou na manutenção de estru-
turas psicodinâmicas primitivas.
Alterações de Linguagem Associadas a Distúrbios Emocionais 963

A organização mais primitiva é chamada por KLEIN de posição


esquizo-paranóide e refere-se aos primeiros meses de vida do
bebê, em que não há diferenciação entre eu e não-eu e as
vivências boas e más (que KLEIN chama de seio bom e seio mau
e FREUD chama de instinto de vida e instinto de morte) são
experimentadas de forma drasticamente distinta. Ou seja, as
experiências de prazer e desprazer são experimentadas como
dois pólos, sem que haja possibilidade de sensações e vivências
intermediárias.
A partir do segundo semestre de vida começa a haver a
percepção da mãe enquanto objeto de amor, embora ainda
fragmentado. Nesse período, o vínculo entre mãe e bebê parece
a este último como ameaçado, pois está começando a haver a
distinção entre o eu e o não-eu. A esta organização KLEIN chama
de posição depressiva.
A organização psicodinâmica dos quadros de psicose infantil
está relacionada a essas noções. Assim, MAHLER sugere que o
autismo infantil corresponde à manutenção do funcionamento
esquizo-paranóide como única forma possível de organização e
chama de psicose simbiótica o quadro resultante da manutenção do
intenso vínculo mãe-bebê estabelecido na posição depressiva.
Essa mesma distinção é feita por TUSTIN que, entretanto, chama a
esses quadros de autismo primário e autismo secundário, respecti-
vamente. Outras formas de indicar essa distinção são sugeridas
também por outros autores (KANNER, 1957 e LANG, 1979).
Para esta discussão o essencial é que esses quadros sejam
estabelecidos como referências a que se possa retornar para
estabelecer relações específicas. Evidentemente, tanto os qua-
dros de psicoses infantis quanto o desenvolvimento egóico foram
grosseiramente sintetizados, apenas para que se possa discutir
os quadros mais comuns de distúrbios de linguagem associados.
Novamente remeto o leitor às obras mencionadas, para uma
leitura mais aprofundada e essencial a respeito do tema.

ALTERAÇÕES DE LINGUAGEM NAS


PSICOSES INFANTIS
O termo psicoses infantis estará fazendo referência aos qua-
dros mencionados anteriormente, sem que a questão de seu
diagnóstico esteja sendo discutida (SCHWARTZMAN, ASSUMPÇÃO
JR. e cols., 1995; FERNANDES, PASTORELLO, S CHEUER, 1996 e
FERNANDES, 1996). Essa perspectiva estará sendo utilizada, pois
mesmo que o critério para diagnosticar as psicoses infantis seja
outro, a compreensão da psicodinâmica propiciada por ela tem se
mostrado útil à prática clínica.
Toda a literatura envolvendo os quadros de psicose infantil,
desde suas primeiras descrições, invariavelmente menciona as
alterações de linguagem como parte da sintomatologia observada.
964

As pesquisas a esse respeito envolvem desde as questões


referentes aos possíveis mecanismos causais, componentes neu-
rológicos, questões de memória, cognição e hereditariedade, até
propostas terapêuticas e educacionais, em geral baseadas em
treinamento ou condicionamento operante (para uma resenha
mais completa, ver FERNANDES, 1995). Entretanto nenhuma des-
sas pesquisas forneceu respostas definitivas e nenhuma dessas
propostas de intervenção determinou progressos significativos e
generalizáveis.
As teorias pragmáticas parecem oferecer uma perspectiva
mais produtiva de abordagem das questões de linguagem envol-
vidas nas psicoses infantis pois permitem que o foco deixe de
estar nos aspectos formais da linguagem e passe para seu uso
funcional.
Assim, especialmente os trabalhos de WETHERBY (1981,
1982,1984,1986 e1989) passam a propor novas formas de inves-
tigar a comunicação de crianças psicóticas e permitem propostas
terapêuticas mais próximas de suas necessidades.
Partindo do pressuposto segundo o qual linguagem, cognição,
sociabilidade e afetividade são elementos indissociáveis, a inves-
tigação e a terapia de linguagem devem necessariamente levar
em conta todos esses aspectos. Da mesma forma, se a linguagem
deve ser considerada em relação a seu contexto e a todos os
elementos comunicativos envolvidos, a investigação e a terapia
de linguagem não podem deixar de incluí-los.
Dessa forma, foi sendo evidenciado que as dificuldades de
linguagem relacionadas às psicoses infantis dizem respeito a
dificuldades com o uso funcional da linguagem, ou seja, seus
aspectos interativos. Em casos específicos podem haver altera-
ções em qualquer um dos aspectos da fala ou da linguagem, oral
ou escrita; entretanto, as dificuldades com o uso comunicativo da
linguagem podem ser identificados em praticamente todos os
casos.
Caberá ao fonoaudiólogo estabelecer quais as funções comu-
nicativas expressas por uma determinada criança, que meios ela
usa para isso, que estratégias discursivas ela pode utilizar, como
ela reage a quebras comunicativas e se ela utiliza elementos de
reparação para os processos comunicativos interrompidos. Os
mesmos critérios devem ser utilizados na observação da comuni-
cação do terapeuta, pois o foco central dos processo terapêutico
deve ser o estabelecimento de um processo simétrico de comuni-
cação.
Existem diversos modelos para a investigação dos aspectos
pragmáticos da comunicação, sua aplicabilidade clínica depende-
rá da especificidade do caso em questão e o essencial é que haja
alguma coerência interna no modelo utilizado, que ele possa
descrever e organizar todos os elementos de todos os aspectos
envolvidos e que os mesmos critérios sejam empregados para
investigar a comunicação da criança e do terapeuta.
Alterações de Linguagem Associadas a Distúrbios Emocionais 965

O espaço comunicativo ocupado pela criança e pelo terapeuta


também deve ser levado em consideração, pois a criança ocupará
esse espaço, desde que ela não precise disputá-lo com o terapeuta.
Alguns quadros específicos de psicose infantil, como a síndro-
me de Asperger e o autismo de alto funcionamento, são descritos
na literatura como apresentando boa performance lingüística.
Entretanto, tanto as descrições mais precisas quanto a experiên-
cia clínica indicam que as dificuldades funcionais de comunicação
também ocorrem nesses casos (PASTORELLO, 1996).
Uma característica específica freqüentemente associada aos
quadros de autismo e psicose infantil é a ecolalia. As definições de
ecolalia referem-se à repetição, significativa ou não, de emissões
ouvidas anteriormente. Essas repetições podem ser de suas
próprias emissões ou das de outras pessoas. As emissões
ecolálicas podem ser caracterizadas como ecolalia tardia – em
que a repetição ocorre após um lapso de tempo da emissão
modelo; ecolalia imediata – em que a reprodução ocorre imedia-
tamente depois da emissão modelo; ou ecolalia mitigada – em que
ocorrem modificações da emissão original, no sentido de torná-la
mais adequada à comunicação.
Embora durante muito tempo a ecolalia tenha sido considerada
sem função comunicativa e diversos programas terapêuticos te-
nham proposto sua extinção, a literatura pragmática permite a
identificação de funções comunicativas da fala ecolálica, como
manutenção de contato, declarativa, experimental, auto-regulatória,
afirmativa e regulatória (FERNANDES, PASTORELLO, SCHEUER, 1996).

ALTERAÇÕES DE LINGUAGEM ASSOCIADAS A


DISTÚRBIOS EMOCIONAIS
Uma outra vertente das relações entre os distúrbios emocionais
e as alterações de linguagem diz respeito aos componentes emocio-
nais dos quadros mais classicamente relacionados à fonoaudiologia.
Não é objetivo deste capítulo discutir detidamente os quadros de
distúrbios articulatórios, retardos de aquisição de linguagem, altera-
ções de voz, distúrbios de fluência ou distúrbios de aprendizagem.
Mas é essencial que o clínico considere cuidadosamente os aspec-
tos emocionais envolvidos nas alterações de fala e linguagem que
representam o cotidiano da prática fonoaudiológica, não apenas
como elementos paralelos aos processos terapêuticos, mas como
fundamentais também para o diagnóstico. Diversos trabalhos re-
centes têm enfocado essas relações, entretanto, sugiro a leitura de
ANZIEU, GIBELLO, GORI e cols. (1977) como fundamental.

ALGUMAS QUESTÕES TERAPÊUTICAS


A atividade terapêutica porta uma complexidade que é fre-
qüentemente espelhada nas discussões a seu respeito. Em geral,
966

essas discussões, ou escapam da complexidade, abordando


questões estritamente técnicas (às vezes até mecânicas), ou a
reproduzem, resultando em debates herméticos que, embora
ricos do ponto de vista filosófico, têm sua aplicabilidade clínica
diluída.
Serão abordadas questões relativas à terapia de linguagem
em psicoses infantis, pois estas representam o quadro clínico em
que as questões emocionais ficam mais nítidas. O leitor notará
claramente a relação entre essa discussão e a consideração dos
aspectos emocionais envolvidos em basicamente todo processo
de terapia de linguagem.
Poucas são as publicações que, especialmente no Brasil, ex-
põem o trabalho do fonoaudiólogo, em seu cotidiano terapêutico
com crianças psicóticas, e permitem reflexões a respeito (HERRERO,
1995; FERNANDES, PASTORELLO, SCHEUER, 1996; PASTORELLO, 1996).
A terapia de linguagem com crianças psicóticas envolve
obrigatoriamente dois aspectos bem distintos: o primeiro é a
formação do fonoaudiólogo no que diz respeito à possibilidade de
estabelecimento de um pensamento clínico abrangente que, por
um lado, possibilite a determinação de hipóteses diagnósticas e,
por outro, permita a relação entre a prática e o conhecimento
científico produzido. Ou seja, é necessário que o fonoaudiólogo
possa estabelecer um raciocínio diagnóstico e clínico (mesmo que
isso não signifique um diagnóstico formal definitivo) que funda-
mente sua prática terapêutica, juntamente com uma certa baga-
gem envolvendo os conhecimentos existentes na área.
Outro aspecto essencial diz respeito ao envolvimento pessoal
do fonoaudiólogo no processo terapêutico. Muito freqüentemente
será necessário que ele estabeleça uma posição diferenciada
daquela estabelecida pela família, pois ela pode estar sendo
considerada coadjuvante no processo do distúrbio ou bloqueado-
ra do processo terapêutico. Por outro lado, é absolutamente
essencial que o terapeuta esteja completamente disponível para
suportar um tipo de envolvimento freqüentemente muito primitivo
com a criança psicótica, e investir nesse envolvimento enquanto
elemento terapêutico.
Embora esse não seja um objetivo central deste capítulo, mais
uma palavra a respeito do envolvimento familiar. Mesmo que o
terapeuta de linguagem não tenha como objetivo o trabalho com
a família (e essa pode ser uma opção legítima, especialmente se
ele não tiver uma sólida formação para isso), é praticamente
impossível escapar de questões como a resistência e o papel da
criança doente na dinâmica familiar, pois esses elementos esta-
rão intervindo diretamente no processo terapêutico e exigirão
manejo específico e cuidadoso.
Voltando nossa atenção especificamente para a criança, o
primeiro passo será o estabelecimento de um raciocínio diagnós-
tico. Quer haja ou não uma equipe multidisciplinar; havendo um
diagnóstico psiquiátrico, psicológico, neurológico, foniátrico, ou
Alterações de Linguagem Associadas a Distúrbios Emocionais 967

não; o fonoaudiólogo deverá usar todos os elementos disponíveis


para estabelecer o seu diagnóstico de linguagem. Evidentemente
a noção de diagnóstico envolve o conceito básico de conhecimen-
to abrangente e ele será tão mais útil quanto mais clínico e menos
rotulador.
Assim, não é absolutamente necessário que se chegue ao
nome do distúrbio apresentado pela criança (até porque parece
haver cada vez menos consenso a respeito dos distúrbios identi-
ficados), mas será fundamental para o processo terapêutico, que
sejam estabelecidas as características fundamentais da comuni-
cação da criança, em todos os seus níveis, e identificadas ao
menos hipóteses a respeito das relações entre as alterações
observadas e o quadro afetivo, cognitivo e social apresentado.
A partir destes elementos poderão ser determinadas as alte-
rações de linguagem que parecem estar mais relacionadas ao
quadro clínico global, não apenas no sentido de traçar prioridades
terapêuticas mas também no sentido de apontar áreas que
exigirão abordagens mais cuidadosas, ou mais observação, du-
rante o processo terapêutico. (Por exemplo, uma criança autista,
com hábito de levar à boca todos os objetos que encontra, mesmo
que apresente hipotonia de órgãos fonoarticulatórios e sialorréia,
não deverá ser submetida a exercícios e manipulação da região
oral sem uma cuidadosa avaliação a respeito da repercussão
dessa atividade para a sua organização afetiva.)
Como já foi mencionado anteriormente, embora as crianças
psicóticas possam apresentar os mais variados sintomas de
alterações de fala e linguagem, as dificuldades centrais associa-
das a esses quadros clínicos dizem respeito ao uso funcional da
comunicação. Ou seja, suas maiores dificuldades estão relacio-
nadas ao uso da linguagem com funções comunicativas, bem
como às habilidades discursivas. Assim, esses podem ser ele-
mentos centrais para o processo terapêutico.
As situações que estabelecem relações simétricas entre os
interlocutores são as que mais favorecem o uso de habilidades
pragmáticas como as de conversação, as de narrativa e as não-
comunicativas.
As habilidades discursivas envolvem o uso de mecanismos
conversacionais que, por exemplo, garantem a atenção do ouvin-
te, a manutenção dos turnos de fala, a identificação de tópicos do
discurso, a reconstituição das relações semânticas e a reparação
de quebras comunicativas. Essas habilidades serão exercidas em
situações naturais em que possam haver distrações ou mudanças
no foco de atenção de ambos os interlocutores, assim como
informações novas e interesse efetivo em compartilhá-las.
Muito freqüentemente as atividades que proporcionam algu-
ma simetria comunicativa exigem que o terapeuta abandone a
posição de direcionador da situação terapêutica e submeta-se a
negociar com a criança cada elemento do contexto. É essencial
que o fonoaudiólogo, independentemente de suas experiências
968

anteriores, admita que cada criança é tão desconhecida para ele


quanto ele o é para a criança e que cada processo terapêutico é,
basicamente, um processo de descoberta. Isso não que dizer que
as experiências e os estudos anteriores não sejam úteis a cada
novo caso (ao contrário), mas simplesmente que, caberá ao
terapeuta descobrir que sentido fazem sua experiência e seus
estudos para cada criança em particular.
O uso de meios comunicativos gestuais e não-verbais, além
dos verbais, deve também ser considerado, assim como o uso
preferencial de determinado meio comunicativo para expressar
funções específicas.
Outro ponto que merece consideração é o uso não-comunica-
tivo da linguagem, que envolve o uso da linguagem para resolução
de problemas, o papel da linguagem no estabelecimento da
própria identidade e o jogo e a metalinguagem. No trabalho com
crianças psicóticas fica evidente que não há possibilidade de
dissociação entre o uso da linguagem com função de comunica-
ção e seu uso enquanto elemento de desenvolvimento cognitivo
e afetivo.
Os aspectos lingüísticos mencionados visam exemplificar
elementos que podem ser considerados na prática terapêutica
com crianças psicóticas, evidentemente não são os únicos. Em
um trabalho anterior (F ERNANDES, 1996), identifiquei as funções
comunicativas expressas por 50 crianças e adolescentes autistas
e seus terapeutas e estabeleci 20 categorias funcionais diferen-
tes, das quais as mais comumente expressas pelos pacientes
foram (em ordem crescente) as de comentários, performativos,
nomeação, pedidos de ação, jogo e não-focalizada. Os adultos
expressaram mais freqüentemente performativos, pedidos de
ação, exibição, comentários e pedidos de informação (também
em ordem crescente).
Esses elementos servem para objetivar os aspectos pragmá-
ticos da comunicação que são, com freqüência, os mais alterados
nas crianças psicóticas. Essa possibilidade de objetividade, entre-
tanto, não deve ser considerada como um fator que pode substituir
o envolvimento pessoal essencial para qualquer processo tera-
pêutico e, em particular, com crianças psicóticas.
Outros aspectos a respeito da atividade terapêutica com
crianças psicóticas, como a atenção exigida do terapeuta (que
deve envolver todo o contexto terapêutico, inclusive seus aspec-
tos históricos), a questão da eficácia terapêutica (que envolve
todos os elementos do processo), a solidão do terapeuta (que
pode ser mitigada por supervisões, grupos de estudo e discus-
sões de caso), as possibilidades em equipes multidisciplinares
(em que o fonoaudiólogo tem um papel nítido e específico, que
não precisa limitar-se às manifestações de fala nem deve mistu-
rar-se com os de outros profissionais) e a necessidade de busca
contínua de aperfeiçoamento profissional (que evidentemente
não é exclusividade do trabalho com crianças psicóticas) foram
Alterações de Linguagem Associadas a Distúrbios Emocionais 969

abordados em outros trabalhos (FERNANDES, P ASTORELLO,


SCHEUER, 1996; FERNANDES, 1996).

Leitura recomendada
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Estatística de Distúrbios Mentais – DSM III-R. São Paulo, Editora
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Gagueira 971

44
Gagueira

Silvia Friedman

INTRODUÇÃO

Um interesse de mais de duas décadas pela manifestação da


gagueira acompanhando a literatura pertinente, bem como a
atividade clínica com gagueira e as pesquisas que desenvolvi a
respeito da sua origem e das características do seu atendimento
clínico, mostram com clareza estarmos diante de um fenômeno
que, para ser entendido, não pode ser olhado estritamente pela
ótica da manifestação articulatória que o caracteriza, mas sim de
uma perspectiva que integre o biológico, o psicológico e o social.
Além disso, para chegar a considerar o fenômeno de gaguejar
propriamente dito, é preciso considerar antes que ele pertence a
uma realidade mais ampla, e esta realidade é a da habilidade de
falar. Assim, não é simplesmente a gagueira, mas também a fala
que exige uma visão biopsicossocial para que possa ser entendida.
Para compreender o desenvolvimento da habilidade de falar,
além de conhecer as características do desenvolvimento biológi-
co do indivíduo e dentro dele o da sua atividade motora, é preciso
compreender o desenvolvimento do psiquismo face às caracterís-
ticas do grupo social ao qual os indivíduos pertencem e ao tipo de
relações que se estabelecem entre os indivíduos e o meio social.
Todos esses aspectos determinam o desenvolvimento da fala.
Exemplificando, temos que a língua falada pelo grupo social a que
um indivíduo pertence determina o desenvolvimento da sua
972

atividade motora articulatória. Os músculos da fala condicionam-


se às características fonéticas da língua falada. A quantidade e a
qualidade da fala a que o indivíduo está exposto; as oportunidades
que tem para falar; as reações que encontra à sua produção de
fala influenciam o seu desejo de mostrar-se (ou não) como ser
falante e a formação de uma imagem de si como ser que fala.
Estas são todas condições que influenciarão sua forma de produ-
zir-se como falante. Sendo assim, para entender o desenvolvi-
mento da habilidade de falar e dentro dela o gaguejar, é preciso
construir um raciocínio que articule a dimensão biológica (que
compreende a motricidade e a ativação das emoções) com a
psicológica (que compreende a habilidade de racionar e os
estados afetivos) e com a social (que compreende os costumes,
valores e regras assumidos pelo grupo a que o indivíduo pertence).
Estabelecidas essas condições, pode-se considerar que o estu-
do da manifestação da gagueira é um estudo que amplia os
conhecimentos sobre a natureza humana vista como unidade
psíquica que se constrói num movimento de mútuas determinações
com o biológico e o social. Dentro dessa concepção de homem e de
fala, tenho procurado desenvolver uma explicação teórica que leve
em conta não meramente o gaguejar, mas a capacidade do
indivíduo produzir-se como falante e os seus problemas com a
fluência. Uma explicação que leve em consideração a realidade
social que cerca e determina o indivíduo, influenciando-o na forma-
ção de crenças e valores particulares e influenciando-o pelo tipo de
oportunidades que lhe oferece, condicionando, desse modo, sua
natureza biológica e psíquica.

GAGUEIRA NATURAL
A partir do contexto acima delineado, parece importante
trabalhar, em primeiro lugar, a noção da gagueira com um
fenômeno natural, para, em função dela, formar conceitos cien-
tíficos que norteiam os procedimentos e a postura clínica voltados
para a avaliação e a terapia fonoaudiológicas tanto do falar fluente
como do gaguejado.
A manifestação da gagueira, tomada em sentido amplo, pode
ser entendida como algo natural à produção de fala das pessoas,
em qualquer período da vida (infantil ou adulta). Tanto é assim que
os lingüistas, quando definem fluência, explicam que se trata de
uma produção de fala em que, normalmente, ocorrem diferentes
tipos de interrupções como hesitações, prolongamentos, repeti-
ções e pequenos bloqueios, dependendo dos estados subjetivos
do sujeito que fala e das condições em que se dá a comunicação.
A gagueira é uma condição natural ao ato de falar devido a,
pelo menos, três tipos de determinações: as motoras, as cogniti-
vas e as emocionais. Para entender essas determinações é
necessário examiná-las em separado, considerando, entretanto,
que elas podem agir separadamente ou simultaneamente e sem-
Gagueira 973

pre em reciprocidade com as características da situação em que o


indivíduo se encontra.
As determinações motoras se referem ao fato de ser a atividade
de fala composta pelos movimentos mais finos que o corpo humano
pode realizar. Essa condição, por si só, implica em possíveis falhas
na produção articulatória que só podem ser encaradas como
perfeitamente naturais à atividade de falar, se levarmos em conta
que em qualquer tipo de atividade motora, menos elaborada do que
esta (andar a pé, andar de bicicleta, escrever), o ser humano
também produz falhas consideradas como naturais.
As determinações cognitivas dizem respeito ao trabalho de
elaboração do pensamento em linguagem, que encontra na
atividade articulatória sua principal forma de expressão. Várias
dificuldades próprias ao desenrolar desse processo, como demo-
ra na evocação de certas palavras; hesitação diante da melhor
forma de expressar verbalmente uma idéia; concorrência subjeti-
va entre palavras de significado idêntico ou semelhante, etc.,
provocam quebras, prolongamentos e repetições na produção da
fala. Estas manifestações são parte integrante da forma espontâ-
nea de falar dos indivíduos.
As determinações emocionais, finalmente, nos remetem tanto
ao plano motor como ao cognitivo. Antes de analisá-las, é preciso
considerar que as emoções surgem a partir das condições do
próprio organismo (sono, fome, dor, doença, etc.) e/ou daquilo
que a pessoa pensa e sente sobre si mesma e sobre as situações
sociais que enfrentadas, em função dos seus próprios valores e
crenças sobre o mundo e as coisas.
Do ponto de vista motor, devemos considerar, de acordo com
SHERER (1981), que as emoções experimentadas pelo indivíduo
manifestam-se sempre por meio de modificações do tono visceral
e muscular. As emoções manifestam-se, assim, como aceleração
da batida cardíaca e do ritmo respiratório; como frio no peito ou na
barriga; como tensionamento de diferentes partes do corpo, por
exemplo a musculatura do abdômen, do peito, do pescoço, dos
ombros, do rosto, entre outras. De acordo com o tipo e intensidade
da emoção experimentada e das correlatas características das
alterações viscerais e musculares mencionadas, a atividade neu-
romuscular própria à atividade da fala pode ser consideravelmen-
te influenciada, favorecendo a produção de quebras, repetições,
hesitações.
Do ponto de vista cognitivo, de acordo com WALLON (em
MARTINET , 1972), devemos considerar que emoção e cognição
são inversamente proporcionais. Quanto mais uma dada emoção
está ativada, tanto mais os pensamentos assumem o seu colorido.
Inversamente, quanto mais o indivíduo está envolvido em ativida-
des racionais, mais as condições físicas descritas, correlatas de
ativações emocionais, se diluem. Sendo assim, os estados de
emoção ativada interferem no processo de elaboração dos pensa-
mentos em linguagem, gerando fenômenos como o “branco na
974

mente”, a dificuldade de articular as idéias em frases, etc., o que


mais uma vez promove hesitações, repetições e bloqueios.
A ativação da emoção, desse modo, é passível de produzir
alterações na fluência da fala, basicamente, porque interfere com
a cognição e com a motricidade. Parece-nos interessante, aqui,
citar alguns exemplos sobre a relação entre ativação de emoções
e produção de gagueira, extraídos da experiência clínica com os
problemas da fluência, que indicam caminhos possíveis de inves-
tigação sobre as características da produção de si como falante.
Temos observado, de modo consistente, que certas emoções têm
um potencial para produzir gagueira e outras, para produzir
fluência. Assim, o intimidamento, a vergonha, o medo, a expecta-
tiva, a ansiedade e a cobrança mostram-se ligados à produção de
gagueira. Já a raiva mostra-se ligada à produção de fluência
(inclusive em pessoas tidas como gagas).
Dadas as condições acima descritas, vemos que múltiplas são
as contingências ligadas ao processo de produção de fala que,
naturalmente, levam ao aparecimento da gagueira, sem que isto
tenha qualquer outro significado que não aquele estritamente
pertinente a essas contingências. Vamos então a mais exemplos,
que ilustrem as condições assinaladas, mostrando as relações
entre a atividade de falar, as emoções e o processo de pensamen-
to. Imaginemos crianças de 3 a 4 anos de idade chegando da
escola ansiosas para contar aos pais todas as vivências que lá
experimentaram. Elas parecem querer contar tudo de uma vez, de
acordo com a imagem do todo vivenciado que está em suas
mentes. Em tal contexto, tanto a cognição como a motricidade
sofrem influências e a fala pode surgir com uma série de hesita-
ções, repetições e bloqueios. Imaginemos essas crianças em
contextos familiares em que elas são os representantes mais
jovens. Todos dominam a linguagem melhor do que elas e falam
muito. Isto pode fazê-las sentir falta de oportunidade para falar,
expectativa de falar bem e ansiedade para falar, provocando
também influências na cognição e na motricidade que levam ao
mesmo resultado acima assinalado. Imaginemos agora alunos
adolescentes ou adultos, em sala de aula, diante da situação de
apresentar um seminário. É também o tipo de situação que pode
provocar insegurança, ansiedade, cobrança e expectativa, emo-
ções que poderão interferir com a motricidade e o pensamento,
imprimindo uma série de quebras no ritmo da fala. Assim também,
pode-se observar gagueira em muitos indivíduos quando expos-
tos a situações em que se sentem pouco a vontade, como por
exemplo ao serem filmados, ao falar com pessoas que conside-
ram hierarquicamente superiores, ao falar em público, dando uma
entrevista ou contando fatos constrangedores.
Dirigindo agora o foco para situações que dêem mais desta-
que à influência da atividade cognitiva na fluência, imaginemos
um entrevistador conversando com seu entrevistado em inglês, ao
mesmo tempo em que traduz a conversa ao português para a
Gagueira 975

platéia. O tempo de evocação de palavras e frase fica aumentado


pelo constante ir e vir de um idioma para o outro, e nesse processo,
geralmente, se produzem grande número de quebras na fala. Em
menor escala, quebras também se produzem quando esquece-
mos uma palavra, perdemos o rumo de uma argumentação,
censuramos uma palavra que estávamos na eminência de pro-
nunciar.
Certamente, muitos outros exemplos poderiam ser acrescen-
tados a esta lista, inclusive, tirados da própria experiência do leitor.
É interessante notar que os interlocutores, em geral, toleram
perfeitamente bem essa gagueira e, via de regra demonstram,
nem notar que ela está acontecendo. Mas, isso nem sempre é
assim. A gagueira natural cuja condição de existência descreve-
mos até aqui, pode ter efeitos especiais em pais, professores e,
mais recentemente, em fonoaudiólogos, quando eles a escutam
de seus filhos, alunos, pacientes. Esse efeito também pode existir
do próprio sujeito que fala para consigo, conforme explicaremos
adiante. Tal efeito está ligado à uma visão idealizada da fluência,
a qual corresponde uma visão estigmatizada da gagueira, das
quais trataremos a seguir.
É importante destacar, lembrando o contexto dos exemplos
acima construidos, que não se pode pré definir (como fazem
alguns), quanta gagueira constitui o patamar do natural e quanta
gagueira está fora desse patamar. Ou tratamos de entender a
produção da fala a partir das contingências motoras, emocionais
e cognitivas que lhe são peculiares, com a mente livre de precon-
ceitos, e passamos a construir uma visão científica própria da
Fonoaudiologia, sobre as características da produção de si como
falante; ou continuamos a assumir as definições a priori sobre o
que é normal e o que é o patológico na fluência, pautadas em
idealizações da atividade de falar e na estigmatização da gagueira,
e continuamos a desumanizar a fala.
O principal motivador da desumanização é, no nosso enten-
der, a visão reducionista da atividade de fala, entendida puramen-
te como mecanismo articulatório, a que já nos referimos no início
do capítulo. Uma de suas formas de existência é o estigma ligado
ao comportamento de gaguejar (que neste capítulo tratamos de
desfazer com as explicações a respeito da gagueira com manifes-
tação natural). Esse estigma recebeu, na atualidade, um reforço
no trabalho de vários pesquisadores norte-americanos e euro-
peus, que, sem dúvida, têm uma contribuição importante no
estudo e compreensão da gagueira e são considerados como
clássicos na literatura sobre o tema. Apesar de sua importância,
no bojo de suas obras, emitiram conceitos de valor sobre o
gaguejar e postularam, com base evidentemente numa visão
idealizada de homem e linguagem, qual forma e quantidade de
gagueira seria normal e qual seria patológica; em qual idade
gaguejar seria normal e em qual seria patológico. É importante
estar atento à esses conceitos de valor espalhados pela literatura,
976

que têm, inclusive, suficiente força paradigmática para sustentar,


até hoje, os rumos seguidos pela pesquisa e pela clínica relativas
à gagueira. É importante estar atento, para ser capaz de descolar-
se deles e discernir as efetivas características da atividade de falar
e dentro delas do gaguejar. O dogma estigmatizante, ainda
vigente, determina uma visão patologizada da gagueira tanto no
campo científico como no do senso comum. Essa visão, que é
veiculada nas relações de comunicação que se estabelecem
entre pais e filhos, professores e alunos, médicos ou fonoaudiólogos
e clientes ou é desenvolvida a partir dos julgamentos que o
indivíduo faz sobre si mesmo, cria marcas na personalidade
daqueles a quem se dirige, geradoras do que descreverei adiante
como sendo gagueira-sofrimento.
Cabe aqui uma consideração sobre os termos “gagueira
natural” e “gagueira-sofrimento”, os quais venho adotando em
meus trabalhos. A palavra “gagueira”, tanto do ponto de vista
científico, como do ponto de vista do senso comum, abrange em
seu campo semântico a manifestação de uma patologia. Ao
mesmo tempo, principalmente no senso comum, a palavra tam-
bém é freqüentemente empregada para nomear manifestações
de quebras no falar que são consideradas absolutamente normais
pelos ouvintes. Para manter esse sentido popular da palavra,
retratar com fidelidade (no meu entender) a natureza do fenômeno
em questão e, ao mesmo tempo, cooperar com a desestigmatização
do comportamento que ele designa, é que proponho essa
adjetivação da palavra gagueira. Entendo, entretanto, que esses
dois adjetivos não esgotam as possibilidades de adjetivá-la. Como
exemplo, pode-se citar a gagueira que aparece em virtude da
disfonia espástica, a qual necessitaria de maiores estudos numa
dimensão biopsicossocial para que se pudessem estabelecer
semelhanças e diferenças entre ela e as gagueiras (natural e
sofrimento) a que dedico este capítulo. Nesse sentido, muitas
pesquisas ainda estão para ser desenvolvidas na Fonoaudiologia
e outras áreas afins, para que se possa escrever um capítulo
sobre todas as dimensões em que a gagueira pode aparecer.

Avaliação e terapia
A concepção que se tem sobre os fenômenos é fundamental
para definir a forma de avaliá-los e de tratá-los. Assim, coerente-
mente com o que se disse até aqui a respeito da gagueira natural,
para poder avaliá-la, é importante, em primeiro lugar, que o
terapeuta desenvolva sua escuta para os diferentes padrões de
fala e fluência dos indivíduos, nas diferentes faixas etárias,
incluindo nisso uma análise crítica de seu próprio padrão, para
familiarizar-se com a realidade e abandonar as idealizações. Isto
visa formar uma capacidade de observação da fala não-influenciada
pelos falsos dogmas sobre a fluência e a gagueira, para que não
se reproduzam os falsos conceitos que o senso comum e os ideais
Gagueira 977

de fala de alguns teóricos da gagueira criaram. Para que não se


reproduza a idealizada proibição do gaguejar. Na prática clínica,
isto significa não fazer análises precipitadas da produção de
gagueira em situações de consultório, familiares, escolares,
de gravação, de filmagem e outras, nas quais se olha apenas para
fragmentos da vida de uma pessoa e se desconsideram os efeitos
da situação sobre psiquismo do sujeito como determinantes de
sua forma circunstancial de produzir fala. Agindo dessa forma, se
desconsideram os possíveis estados de inibição, vergonha, co-
brança, como geradores de gagueira natural e com isso se
desconsidera também a singularidade da pessoa face à integrida-
de da sua capacidade fonoarticulatória, que se apresenta de
diferentes formas, em diferentes situações sociais. É preciso
superar a mentalidade de patologizar os momentos de gagueira
agindo como se esses momentos fossem absolutos e proibitivos.
Nesse sentido, somente com a mente vazia das tradicionais
idealizações sobre a fala é que nos tornamos capazes de observar
a expressão espontânea da fala de alguém, esteja ele tenso ou
descontraído diante da situação que se lhe apresenta.
Tudo isso é fundamental para promover o adequado desen-
volvimento da capacidade de produzir-se como falante e, para
aprofundar a idéia, fazemos algumas considerações sobre a
formação da identidade dos indivíduos, com o objetivo de ressal-
tar a estreita relação entre as características da identidade, no que
diz respeito à imagem de si como falante, e a capacidade de
produzir fala. A identidade se forma a partir das características
próprias de cada indivíduo e das relações de comunicação que se
estabelecem entre ele e o mundo, por cujo intermédio ele recebe
as crenças, regras e valores do grupo social a que pertence. O
conjunto de crenças, regras e valores se referem às coisas e
pessoas do mundo incluindo a si próprio. Nesse contexto, cada
indivíduo forma uma imagem de si como alguém que ocupa um
lugar nesse universo de determinações, imagem que certamente
estará impregnada das concepções que compartilha com os
outros a respeito de si mesmo. A fala, por sua vez, é uma atividade
motora automatizada, produzida, portanto, sem que, consciente-
mente, se tenha necessidade de gerar os movimentos que estão
sendo realizados, o que lhe confere uma grande dose de espon-
taneidade. Considerando que a manutenção da espontaneidade
da fala é ingrediente fundamental para a adequada produção de
si como falante, imaginemos as conseqüências, para a formação
da identidade de um indivíduo, o compartilhar com os outros um
julgamento desfavorável sobre a sua capacidade de produzir fala.
O julgamento desfavorável, que significa não aceitar o padrão
espontâneo de fala, muito provavelmente levará o indivíduo a
tentar falar bem para ser aceito pelo seu grupo. O fato dele fazê-
lo a partir de um julgamento negativo de sua fala, a partir de uma
imagem negativa de si como falante, tem desdobramento que
analisaremos melhor ao desenvolver a questão da gagueira-
978

sofrimento. Por ora, consideramos apenas, de acordo com


WATZLAWICK (1986), que fazer por meio de tentativas algo que
deveria acontecer espontaneamente cria uma condição adversa
à produção da fala, gerando toda sorte de tensões tanto nos
órgãos fonoarticulatórios como em todo o corpo. Sendo assim,
quanto mais o indivíduo tentar falar bem, menos conseguirá fazê-
lo. Nessa medida é que, diante de qualquer padrão de fala, o
terapeuta deve sempre cooperar para a formação de uma imagem
positiva de falante, cooperar para a construção de confiança na
capacidade de falar, uma vez que este sentimento é fundamental
para ser capaz de produzir-se como bom falante. O cuidado com
a formação de uma imagem positiva de falante na identidade é a
questão fundamental no trabalho com a capacidade de produzir-
se como falante, esteja em pauta a gagueira natural ou a gagueira-
sofrimento.
Para que se possa promover tal imagem na situação terapêu-
tica, é preciso, em primeiro lugar, diante da queixa de gagueira ser
capaz de reconhecer se ela é natural ou sofrimento. Para a
gagueira natural, antes de desenvolver consideração sobre o que
julgo ser uma orientação útil, gostaria de comentar duas orienta-
ções muito freqüentes atualmente entre os fonoaudiólogos, para
mostrar que elas são completamente contraditórias com a posição
clínica que aqui desenvolvo. São elas: 1. dizer que não há com
que se preocupar, que isso deve passar com a idade; e 2. dizer
que não se deve chamar a atenção da criança, e que se deve
agir como se nada estivesse acontecendo.
As duas orientações são falaciosas, porque, de acordo com o
que dissemos até aqui, na primeira frase se deixa implícito que a
gagueira deve passar e isso significa que nada é feito para superar
o estigma idealizado sobre a gagueira, o dogma de que por
enquanto, tudo bem, mas mais tarde não. Nessas condições, a
preocupação daquele que se queixou da gagueira dificilmente pode,
de fato, passar. Ela apenas assume uma nova forma, a forma da
espera de que o comportamento desapareça. Isto, por sua vez, é
uma nova forma de não-aceitação do padrão de fala que continuará
a fazer suas marcas nefastas na imagem de falante. Na segunda
frase, também nada é feito para desfazer o estigma e ainda se pede,
explicitamente, para que se finja o que não se sente. Isto imprime,
sem dúvida, um novo formato, mais velado, porém não menos
nefasto, para a não-aceitação do padrão de fala.
De acordo com os resultados das minhas pesquisas e da
atividade clínica daí decorrente, considero que o procedimento
mais útil diante da queixa de gagueira é, como já disse, aquele que
vai de encontro ao desenvolvimento de uma imagem positiva de
falante, o que significa cooperar com a construção do sentimento
de confiança na capacidade de falar. Para isso, deve-se ajudar a
quem se queixa da gagueira a compreender e, conseqüentemen-
te, aceitar o comportamento de gaguejar, por que somente dessa
maneira se pode garantir a formação de uma imagem adequada
Gagueira 979

de falante. Isso pode ser feito fazendo ver que em torno do


gaguejar se escuta muita fluência, o que indica a integridade da
capacidade fonoarticulatória e fazendo ver que o gaguejar é um
comportamento perfeitamente natural, quando entendido como o
que realmente é, ou seja: produto das relações entre a emoção,
a cognição e a motricidade.
Diante destas explicações fica fácil fazer ver que o comporta-
mento de fala do sujeito em questão é normal. Nesse contexto, é
importante, ainda, fazer ver que não se pode querer controlar o
que é automático e que as atividades automáticas funcionam
tanto melhor, quanto mais se confia nelas. É de grande ajuda
também fazer ver a gagueira nos outros, dando exemplos sobre
quando e como esse comportamento acontece corriqueiramente
na vida diária, sugerindo à pessoa que preste atenção à gagueira
dos outros no seu cotidiano, na TV, etc.
Em síntese, trata-se de mudar o significado da manifestação
da gagueira para que ela possa ser vista não como um defeito,
mas como uma manifestação natural, como um momento da
fluência, para que possa ser vista como expressão motora
da atividade emocional e cognitiva tão-somente. Para que tudo
isso tenha lugar, não é o indivíduo que apresenta a gagueira, mas
as pessoas que se queixam dela (geralmente os pais) que devem
ser envolvidas num processo terapêutico, no qual receberão os
esclarecimentos necessários e aprenderão a ter um comporta-
mento congruente de acolhida, de receptividade aos momentos
de gagueira (sem desviar o olhar; sem expressar emoções nega-
tivas, seja verbalmente ou por meio de reações corporais; sem
falar pela criança; sem interromper sua fala), dentro do qual
estimularão a criança a continuar falando e a farão sentir que
estão disponíveis para ouvi-la.
Esse tipo de reação do interlocutor é a mais favorável, porque
quando gagueja (naturalmente ou em sofrimento) o indivíduo está
de fato enfrentando dificuldades inerentes à atividade de falar e
precisa de receptividade para continuar a produzir com confiança
o seu discurso. A reação da receptividade promove uma significa-
tiva e progressiva diminuição ou desaparecimento do padrão
gaguejado no próprio momento de comunicação vivido. Isto não
significa seu desaparecimento em todas as demais situações de
fala que se sucederão. Esperar tal coisa é não ter conseguido a
mudança nas crenças e valores sobre a fala que movimentavam
a consciência de quem olhava para a gagueira, é não ter superado
o preconceito contra ela.
Para que as pessoas que se queixam possam aprender a ter
o comportamento de acolhida e receptividade à gagueira, além
das explicações a que já nos referimos é fundamental auxiliá-los
a serem capazes de ouvir a fala a partir da nova concepção. Para
isso criam-se situações terapêuticas nas quais se ajudam essas
pessoas a ver objetivamente a gagueira como um momento da
fala no meio da fluência. A partir da análise de conversas ao vivo
980

ou em vídeo, entre os pais e a criança, entre o terapeuta e a


criança, apontam-se momentos de fluência, mostram-se as liga-
ções entre momentos de gagueira e estados emocionais, elabo-
ração de enunciados complexos ou elaborações articulatórias
complexas. Promovem-se também situações de conversa entre o
terapeuta e a criança, na presença dos pais, para mostrar como
a reação de receptividade realizada pelo terapeuta, faz diminuir e
desaparecer a gagueira.
Há ainda outras condições que devem ser trabalhadas
terapeuticamente, quando se constata ser o caso. Grande exigên-
cia e cobrança na fala e em outras atividades deve ser
conscientizada como produtora de ansiedade. Grande concorrên-
cia para falar deve ser conscientizada também como produtora de
ansiedade e expectativa e deve ser aconselhado dar mais opor-
tunidades de fala. Pode ser necessário, além de aconselhar,
trabalhar neste aspecto, o que o terapeuta pode fazer apontando
aos pais, nas reuniões terapêuticas, momentos em que podem e
devem dar oportunidades para a criança falar. Pode ser feito,
também, por meio de interações entre o terapeuta e o paciente
que os pais observam, e por meio da observação de vídeos da
interação pais criança. Familiares com padrões extremamente
rápidos de fala devem ser ajudados pelo terapeuta a desenvolver
um padrão mais lento. Familiares que se comunicam por meio de
um registro muito complexo de fala para que a criança, na idade
em que se encontra, possa compreendê-la, devem ser ajudados
a desenvolver um padrão mais simples. Familiares que não dão
atenção e valor ao que a criança fala, devem ser ajudados a
modificar essas características. Evidentemente, o trabalho com a
família pode apresentar desdobramentos que venham a sugerir a
necessidade de terapia familiar no âmbito da clínica psicológica.
Tudo quanto foi dito com relação ao trabalho de mudança de
concepção de fala e de gagueira é pertinente não apenas à
família, mas também a outras pessoas e à escola ou qualquer
outra instituição, desde que se constatem evidências de padrões
idealizados de fala e de estigmatização da gagueira de alguém.
Isto poderá exigir do terapeuta encontros com outras pessoas que
não diretamente os pais, como avós, irmãos, coordenadores e
professores.

GAGUEIRA-SOFRIMENTO
O que dissemos até aqui sobre a gagueira natural, abre o
caminho para o que temos a dizer sobre a gagueira-sofrimento. A
primeira consideração é que a concepção de gagueira natural e os
procedimentos delineados evitam que se desencadeie o desen-
volvimento da gagueira-sofrimento ou, se desencadeado, possa
ser revertido o mais prontamente possível. A reversão do proces-
so se deve justamente ao fato de que a gagueira-sofrimento se
inicia pela não-aceitação do padrão de fala. Essa não-aceitação
Gagueira 981

pode ter lugar seja pelo julgamento de outros sobre o padrão de


fala de alguém, seja pelo julgamento do próprio indivíduo que em
algum momento (na leitura em voz alta na sala de aula, por
exemplo) se escuta gaguejando, desde que ele, evidentemente,
tenha introjetado em suas concepções o estigma sobre a gagueira.
Em ambos os casos a origem do julgamento está sempre ligada
ao meio externo, sempre se trata de uma valorização socialmente
aprendida, uma vez que não há outra condição para a aceitação
ou não-aceitação de padrões, sejam eles quais forem.
No que diz respeito a fala, a não-aceitação, como já vimos,
esbarra no fato de ser ela uma atividade automatizada que se
produz com grande dose de espontaneidade. A não-aceitação do
padrão envolve rejeição social e leva o indivíduo a inibir sua fala,
justamente na tentativa de adequar-se a algum padrão idealizado
e ser aceito socialmente. Passa assim a tentar falar bem, o que,
em outras palavras, significa fazer por meio de tentativas algo que
devia fazer espontaneamente. Isso constitui um tipo de compor-
tamento definido como paradoxal, que, como já dissemos, não
leva ao alcance do objetivo desejado, porque provoca tensões nos
órgãos fonoarticulatórios e no corpo. A partir desse tipo de
compreensão da gagueira é possível explicar a conhecida máxi-
ma que alguns estudiosos da gagueira enunciaram: “quanto mais
se tenta falar bem, menos se consegue fazê-lo”. Instalada essa
condição paradoxal na forma de produção da fala de alguém,
forma-se um círculo vicioso em que, por não aceitar e/ou não ver
aceito o seu padrão, a pessoa tenta falar bem. Isso, por sua vez,
gera o padrão que não é aceito que continuamente estimula a
tentativa de falar bem. É num contexto desse tipo que se determi-
na, na subjetividade, a formação de uma imagem negativa,
estigmatizada de falante. Essa imagem estigmatizada manifesta-
se por meio da mobilização de previsões de falhas nos movimen-
tos de fala que o indivíduo ainda irá realizar, sendo que ele assim
o faz, na tentativa de evitar gaguejar. Note-se que essa previsão
sobre os movimentos que ainda não foram realizados, equivale,
efetivamente, a planejar as falhas na fala. Conforme os valores
que o indivíduo atribui às situações de fala em que se envolve e
a si mesmo dentro dessas situações e ainda, de acordo com as
correspondentes emoções que nele se ativam, ele vive em maior
ou menor grau a impressão de que terá as falhas. Em função
disso, desenvolvem-se os conhecidos truques para falar bem, tais
como trocas de palavras, movimentos corporais associados,
interposições desnecessárias de sons, etc. Para o sujeito, estes
mecanismos são usados para disparar a fluência e para esconder
ou fugir da gagueira. Sua existência nos mostra de forma materia-
lizada a existência da previsão de falhas sobre os movimentos de
fala que ainda não foram realizados. Desse modo, observamos
uma sofisticação no círculo vicioso que se move entre a não-
aceitação da gagueira e a ineficiente tentativa de falar bem, por
intermédio do aparecimento de verdadeiros rituais para falar bem,
982

que vão se tornando automáticos com o uso constante e passam


a compor padrões articulatórios peculiares a cada indivíduo que
acredita na sua incapacidade de falar e a prevê. São estas as
condições de funcionamento do que proponho seja chamado de
gagueira-sofrimento.
O que distingue o falante comum do falante que vive a
gagueira-sofrimento é, fundamentalmente, a imagem estigmati-
zada de falante. Embora tal afirmação possa, de início, espantar
um pouco, não é difícil justificá-la se considerarmos que existem
indivíduos que experienciam todo o quadro anteriormente descri-
to, no que se refere aos aspectos subjetivos, mas o fazem de tal
modo que, na objetividade, raramente pronunciam uma palavra
em que efetivamente se escute gagueira. Eles fazem constantes
trocas de palavras e de frases para compor aquilo que pretendem
falar, sendo que, muitas vezes, acabam até falando coisas dife-
rentes do que pretendiam, para pronunciar somente as palavras
que estão certos de não gaguejar.
É impossível a um falante saber de antemão todas as palavras
que irá pronunciar ao longo do fluxo de um discurso, a menos que
ele o tenha por escrito. Por isso mesmo, em pesquisas prelimina-
res, buscamos entender a lógica que norteia o reconhecimento
das palavras que serão gaguejadas e libera as outras. Essa lógica,
ao que parece, está ligada às palavras com maior carga de
significado para o sujeito num dado discurso. Elas não só são mais
salientes perceptualmente, mas carregam maior carga de emo-
ção e, desse modo, é nelas que se ativa, digamos assim, a
imagem negativa de falante. Esse assunto, entretanto, requer
estudos mais aprofundados e não temos ainda dados suficientes
para poder desenvolvê-lo no presente capítulo.
Retomemos a questão do desenvolvimento da imagem estig-
matizada de falante, para considerarmos a idade em que ela pode
começar a existir na vida de um falante. A partir do momento em
que o indivíduo adquire consciência de si, mesmo, consciência de
ser alguém diferente dos outros, o que segundo WALLON (em
MARTINET , 1972) acontece entre o fim do segundo e o início do
terceiro ano de vida, é possível desenvolver uma imagem estig-
matizada de falante.

Avaliação e terapia
Como se pode depreender de tudo quanto foi dito até aqui, a
avaliação da gagueira está centrada na análise e compreensão das
relações de reciprocidade entre quatro aspectos que dizem respeito
à história de vida do indivíduo designado como gago: seus conteú-
dos subjetivos sobre a fala; os conteúdos subjetivos dos outros que
para ele são significativos, sobre sua fala; as características das
relações de comunicação que vivencia e ao padrão de fala que
apresenta. Por intermédio da escuta da história de vida do indivíduo,
que está articulada à daqueles que o cercam, apreendem-se as
Gagueira 983

formas de atribuição de sentidos e significados à sua realidade da


fala, apreende-se a estrutura desse campo de significados. Esses
significados se expressam nas palavras que se encadeiam forman-
do o discurso e retratam as representações sobre a fala e a gagueira.
Para obter isso, é favorável solicitar o relato de situações que
exemplifiquem a queixa, pedindo a descrição das características
identificadas no indivíduo e na situação; do mesmo modo, perguntar
sobre a existência de momentos de fala fluentes e suas devidas
características. Quando o paciente é alguém que decidiu por si
mesmo fazer a terapia (o que geralmente se dá com adolescentes
e adultos), é ele quem necessariamente deverá relatar a sua
história, mesmo que outro (pais, esposo(a)) também o façam.
Quando o paciente é alguém designado por outros, a história é
contada por aqueles (geralmente seus pais) que o trouxeram ou
pretendem trazê-lo para a terapia. Nesses casos, como já dissemos,
são os significados sobre a fala desses adultos que precisamos
conhecer para modificar, porque são a esses significados que a
criança está exposta e, portanto, são eles que estão determinando
a formação de sua imagem de falante. Nesses casos, evidentemen-
te, também é importante escutar o sujeito designado, para saber o
que ele diz sobre a sua fala, sobre a razão de estar na presença de
um terapeuta e, ao mesmo tempo, perceber o seu padrão de fala,
para poder avaliar como está sua imagem de falante. A última
afirmação significa que, por intermédio do padrão de fala, podemos
obter informações sobre a subjetividade do sujeito, questão que
retomaremos um pouco adiante.
Obviamente, o primeiro contato com um caso se constitui em
uma situação em que o terapeuta se inteira da história dos
indivíduos que o procuram para poder situar-se no contexto de
suas vidas e de sua queixa. Entretanto, esse momento não deve
ser visto como estanque e como separado do processo terapêu-
tico, como se houvesse uma hierarquia: primeiro avaliar, depois
tratar. Na verdade, o modo de escutar do terapeuta, as expres-
sões do seu rosto, seu ritmo respiratório, as posturas que seu
corpo assume quando escuta e quando fala, os conteúdos de
sua fala, os tons e entoações que assumem a sua voz já são ou
deveriam ser parte do tratamento. Do mesmo modo, a cada
novo encontro, por meio dos diálogos que se estabelecem, se
dá continuidade ao tratamento, ao mesmo tempo em que se
prossegue com a coleta de dados (informações) que permitem
melhorar a compreensão avaliativa do caso e definir as escolhas
pertinentes à forma de conduzir a abordagem terapêutica.
Assim sendo, não se deve imaginar que há interações entre
paciente terapeuta que sejam exclusivamente de avaliação e
outras exclusivamente de tratamento, e é apenas para efeitos
didáticos que se descrevem separadamente os conteúdos per-
tinentes a cada um.
Não é difícil perceber se o paciente designado tem ou não uma
imagem estigmatizada de falante observando as relações de
984

comunicação que se estabelecem entre ele e os outros que o


acompanham e/ou entre ele e o terapeuta. Quando o indivíduo
não está sob a pressão da estigmatização da fala, exibe espon-
taneidade, está livre de truques (artifícios) disparadores e/ou de
ocultamento, está livre de tensões articulatórias fortes. Sua fala,
entretanto, não custa repetir, pode conter (ou não) um número
significativo (variável e impossível de ser definido) de repetições,
hesitações, pequenos bloqueios.
Quando o indivíduo tem uma imagem estigmatizada de falan-
te, sua fala se caracteriza pelo paradoxo de tentar o espontâneo.
Essa condição promove a produção de tensão nos órgãos
fonoarticulatórios e em outras partes do corpo, porque o sujeito
acredita saber de antemão o que irá acontecer com sua articula-
ção e acredita em algo que não quer que aconteça. Com isso,
concomitantemente à produção de muitos fonemas, o movimento
automático de elevação do diafragma para produzir voz é acom-
panhado de um movimento de fechamento das cordas vocais, que
quebra, momentaneamente, a produção automática da fala. Os
indivíduos que conseguem ocultar bem a gagueira, aos quais nos
referimos alguns parágrafos acima, geralmente apresentam bre-
ves fechamentos das cordas vocais, seguidos, muito rapidamen-
te, de palavras fluentes, de tal forma que somente o ouvinte
treinado é capaz de captar o fenômeno. Freqüentemente é esse
o comportamento motor que promove a ruptura de fala caracterís-
tica da gagueira. Em certos indivíduos ele pode durar vários
segundos, e a ele vão se somando toda uma série de outros
comportamentos para evitar a fala que ficou presa ou para
desencadeá-la, sempre motivados pela tentativa de falar bem.
Esses comportamentos, de modo geral, além de incluírem a
substituição rápida das palavras em que a gagueira é prevista, por
outras de significado semelhante, por modos diferentes de ex-
pressar o mesmo conteúdo ou até por mudanças de conteúdo,
incluem a repetição das palavras do discurso que antecedem a
palavra em que a gagueira foi prevista; a inclusão de inspirações
e expirações, sons ou palavras desnecessárias antes das pala-
vras em que a gagueira foi prevista; aparecimento de movimentos
bizarros em outras partes do corpo (como jogar a cabeça para trás
elevando o queixo; piscar excessivamente os olhos; fechar de
modo tenso as pálpebras; tamborilar os dedos; bater na própria
coxa ou outra parte do corpo, etc.), tudo isso como meio de ajudar
a produzir as palavras em que a gagueira é prevista.
Passamos agora a um detalhamento da terapêutica e co-
meçamos explicitando que a gagueira em si, vista de modo
isolado, não é o alvo da abordagem. O alvo são as soluções
tentadas para impedir ou evitar a manifestação da gagueira, uma
vez que são elas as geradoras da gagueira-sofrimento.
Reestruturando o campo de significados que motivam o compor-
tamento de tentar evitar o gaguejar, podemos levar os indivíduos
a restabelecerem sua forma espontânea de falar, ou seja, a
Gagueira 985

reencontrarem a sua fluência. É visando a isto que a terapêutica


está centrada na atribuição de novos significados à realidade da
fala, de forma a permitir a reestruturação das representações
ligadas à produção da fala e a gagueira. Trabalha-se, em síntese,
na mudança dos conteúdos e do movimento da subjetividade dos
indivíduos no que se refere à sua imagem de falante, para que uma
imagem estigmatizada possa dar lugar a uma imagem de bom
falante.
A qualidade dos resultados de uma abordagem terapêutica
funciona como provas da pertinência ou da adequação da concep-
ção que lhe é subjacente. Desenvolvemos esta forma de aborda-
gem porque a observação dos resultados obtidos com as aborda-
gens terapêuticas centradas unicamente num trabalho com o
aspecto articulatório mostram não favorecer a superação das
condições subjetivas que sustentam a produção da gagueira e
ainda, acabam por reforçá-la. Elas, geralmente, modificam signifi-
cativamente a forma de produção da gagueira, gerando
padrões de fala mais fluentes, mas o fazem pelo refinamento de
truques para falar bem. O indivíduo passa a ser muito mais
competente nas estratégias que lhe permitem lidar com a anteci-
pação da gagueira, ocultando-a. Pode-se dizer que se trata de
levar os sujeitos que manifestam objetivamente a gagueira ao
estado daqueles que conseguem ocultá-la muito bem, sendo que,
para estes, esse tipo de tratamento não teria qualquer sentido. Se
o tratamento desenvolve apenas uma forma eficiente de ocultar a
gagueira, esta, enquanto sofrimento, não foi superada.
A proposta terapêutica aqui descrita nasce de uma compreen-
são do movimento subjetivo que sustenta a manifestação da
gagueira-sofrimento. Essa compreensão mostra que é possível ir
mais longe e devolver o sujeito a uma condição natural de falante
pela modificação dos conteúdos da sua subjetividade ligados à
atividade de falar. Isso é importante porque desse modo se criam
condições para que esses sujeitos possam ser fluentes sem
sofrimento.
A reestruturação do campo de significação ligado à produção
da fala centra-se no desenvolvimento de condições que promo-
vam a aceitação da gagueira como um momento da fala e da
emoção, e isto se refere tanto à gagueira natural como à gagueira-
sofrimento. Ao aceitar a gagueira rompe-se o círculo vicioso que
a sustenta, porque se anula a necessidade de tentar falar bem,
isso permite a dissolução das tensões e o desaparecimento dos
truques.
Dois tipos de aspectos se entrelaçam ao longo do processo
terapêutico. Um se refere ao desenvolvimento de uma consciên-
cia crítica, apoiada em conhecimentos científicos, sobre a produ-
ção da fala e da gagueira. O outro se refere ao desenvolvimento
da sensibilidade corporal, sendo que essa sensibilidade também
subsidia a consciência crítica. Ambos, na forma de trabalho que
assumo, se apóiam basicamente no diálogo entre paciente e
986

terapeuta. Vale lembrar, entretanto, que o trabalho corporal pode


seguir diferentes linhas, podendo ser feito em grande parte por
meio do toque e da massagem, o que, evidentemente, em alguma
medida, não exclui o diálogo. Os dois tipos de procedimento visam
à reestruturação dos significados ligados à fala e à imagem de si
mesmo como falante.
Para promover a reestruturação, ou seja, as mudanças nas
crenças e valores sobre a fala que movimentam a consciência
dos outros significados e/ou do indivíduo que vive a gagueira
como um sofrimento, toda a interação se organiza a partir de
dois princípios: o isomorfismo e a cooperação. Estes se comple-
mentam entre si.
O isomorfismo significa que o terapeuta se mantém no campo
de referência do paciente. Se o paciente, ao contar o que o aflige,
usar preferencialmente um dos verbos: sentir, ver ou pensar, o
terapeuta, isomorficamente, falará em sensações, visões ou pen-
samentos ao construir as suas ressignificações. Usam-se o mes-
mo tipo de palavras, de padrões tonais e de gestos que o paciente.
Além disso, o terapeuta deve estar atento ao modo de raciocinar
e à concepção de mundo do paciente, para organizar o seu
discurso a partir deles.
Por exemplo: se o paciente dissesse “não imagino como
poderei continuar vivendo com essa gagueira”, o terapeuta pode-
ria dizer: “realmente, como você poderia continuar vivendo com
essa gagueira vendo-a do modo como você a vê ?” O terapeuta
assume o modo de ver do paciente, e acrescenta-lhe uma novida-
de que restringe o não poder viver com a gagueira a algum modo
de vê-la, o que sugere a possibilidade de poder viver com ela
vendo-a de algum outro modo. Quanto mais próxima estiver a
ressignificação da concepção de mundo e do modo de expressar-
se do paciente, mais chances há de que a nova informação ancore
nos seus significados prévios.
A cooperação significa que o terapeuta e o paciente estão
sempre de acordo com relação ao modo de agir do paciente. O
modo de agir do paciente é sempre encarado pelo terapeuta
como a forma do paciente cooperar com o processo terapêutico.
Assim, se o paciente relatar que não consegue realizar as
tarefas solicitadas pelo terapeuta, este poderá responder que
isso mostra que as tarefas não estavam bem-adequadas às
suas necessidades presentes ou, ainda, que a solicitação para
realizar tarefas não é a forma de se obter progressos neste
momento.
Claro está que os modos de interação cooperativos e
isomórficos não se explicitam, em toda a sua riqueza, nestes
pequenos exemplos e que não é possível produzir uma receita a
respeito do modo de empregá-los. O mais interessante para se
obter maiores detalhes seria ler os textos de BANDLER & GRINDER
(1982); DE SHAZER (1986), WATZLAWICK (1986) e FRIEDMAN (1994)
para se familiarizar com esses procedimentos.
Gagueira 987

Fazendo uma síntese do que dissemos até aqui temos que,


mantendo uma postura isomórfica e cooperativa, buscar progres-
sivamente promover a aceitação da gagueira e construir uma
imagem de bom falante. Para isso, trabalha-se no desenvolvimen-
to de uma consciência crítica sobre a produção da fala e da
gagueira e no desenvolvimento da sensibilidade corporal, sendo
esta, parte importante da formação da consciência crítica e
subsídio fundamental para construir novas formas de lidar com a
fala e a gagueira. A linha norteadora desse trabalho é a apresen-
tação, ao indivíduo, de novos pontos de vista sobre seus modos
de sentir, pensar e agir tradicionais. Isto se fundamenta na
concepção de que ver, sob um ângulo diferente, velhos proble-
mas, leva ao aparecimento de mudanças nas manifestações
subjetivas e objetivas a eles ligadas.
Numa tentativa de construir uma seqüência terapêutica que
detalhe como isto funciona, temos que o ponto de partida é a
acolhida do discurso do paciente, tanto no que se refere ao seu
conteúdo, como à sua forma de falar. O acolhimento da forma de
falar desperta sentimentos positivos e cria o clima de uma intera-
ção favorável. No conteúdo se mostram as representações sobre
a fala e a gagueira, na sua estrutura de raciocínio peculiar, e isto
norteará a elaboração das ressignificações.
As ressignificações ou novos pontos de vista são produto do
conhecimento científico que se entrelaça ao modo pelo qual o
paciente vê seu problema, transformando-o. Assim, freqüente-
mente, depois que o paciente expôs o seu modo de ver a gagueira,
explicamos as peculiaridades inerentes à atividade de fala
(automatismo, espontaneidade), fornecendo as explicações que
demonstram que a gagueira não é produto de um problema na
fala, mas produto do comportamento de prevê-la. Se isso for
conseguido, temos uma mudança de ponto de vista. A gagueira,
de uma coisa aparentemente sem lógica (porque quanto mais ele
tenta evitá-la mais ela aparece), passará a ser vista dentro de uma
lógica que a explica. Isso por si só já diminui o sofrimento. Convém
dizer que, geralmente, muitas sessões (nas quais as explicações
e demonstrações assumem diferentes formas) podem ser neces-
sárias para atingir esse ponto com o paciente. Convém dizer
também que há significativas diferenças na maneira de mostrar
isso a uma criança ou a um adulto. Um adulto será sensível às
explicações e demonstrações, já para a criança é mais adequado,
simplesmente, fazer afirmações sobre o novo ponto de vista, a
partir do ponto de vista por ela assumido. Assim, por exemplo, se
ela responder que sabe de antemão em quais palavras vai
gaguejar, podemos encenar espanto e afirmar que isso é algo
bastante interessante para alguém fazer, certamente muito enge-
nhoso e trabalhoso e mostra que ela é muito boa com a fala, mas
que, na verdade – e isso ela não podia saber sem vir a essa
consulta – a fala é automática e essa coisa tão difícil que ela está
fazendo provoca muitas quebras no falar. Combinamos, então, a
988

partir daí, que seria muito melhor se ela deixasse de lado esse
trabalho de procurar gagueira em palavras que ainda nem sequer
falou.
Alcançado o novo ponto de vista, investe-se numa postura
de auto-observação. Por intermédio da auto-observação o pa-
ciente passa a perceber, no dia-a-dia, quanto ele costuma prever
suas quebras, e quanto os seus momentos de gagueira estão
ligados a essa previsão. Isso aprofunda o novo ponto de vista, ou
seja, a compreensão da gagueira, bem como a possibilidade de
aceitá-la como conseqüência lógica de um padrão peculiar do seu
modo de pensar e sentir-se numa dada situação.
Paralelamente a esse trabalho, desenvolve-se, por meio de
técnicas de abordagem corporal, a sensibilidade para o próprio
corpo. Esse desenvolvimento visa, primeiramente, fazer com que
o paciente sinta sua efetiva capacidade de fala. Sinta e perceba
que todos os sons que aparecem gaguejados aparecem também
sem gagueira. Sinta, enfim, que o comportamento de gaguejar, ao
contrário do que ele imaginava, não representa uma incapacidade
na sua habilidade de falar, mas sim um estado que sua fala pode
assumir sob certas condições que ele está começando a reconhe-
cer. Isto dá suporte e facilita o desenvolvimento da capacidade de
auto-observação crítica. Alcançado esse ponto, o trabalho com a
sensibilidade corporal prossegue, ainda, para o reconhecimento
dos padrões motores da sua gagueira e para o desenvolvimento
da capacidade de gaguejar de propósito.
Para chegar a tudo isso é importante descrever e vivenciar
com o paciente todos os detalhes que compõem a habilidade de
fala. A respiração e a capacidade de respirar na porção baixa,
média e alta. A produção da voz. A produção de cada fonema. A
percepção de que se pode interferir na respiração, no padrão
vocal, no modo mais ou menos preciso de articular cada fonema,
na velocidade da articulação, na entoação. A percepção de que
não se pode interferir com a seqüência de produção dos fonemas
que vão compondo as palavras e as frases, adivinhando as falhas,
porque essa produção é automatizada e era, justamente, o ponto
no qual ele acreditava poder interferir. Para isso, por intermédio
das técnicas pertinentes, pode-se levar o paciente a estados de
relaxamento físico e mental profundos, preferencialmente na
posição sentada, para nesse estado propor-lhe fala automática
(seqüências de números, meses, dias da semana); nomeações
de cores, lugares, objetos, conforme aparecem em sua mente;
relato da característica de lugares que conhece e/ou que cria em
sua imaginação e finalmente relatos de eventos de sua vida.
Com crianças dificilmente se poderá usar a técnica de
relaxamento anteriomente descrita. Se relaxamento é necessá-
rio, a técnica do toque, da massagem, pode ser mais interessan-
te. E, de uma forma lúdica, pode-se vivenciar momentos de fala
automática e espontânea que a levem a perceber-se um falante
competente.
Gagueira 989

Com o uso dessa técnica, o paciente vai desenvolvendo sua


percepção a respeito dos sentimentos, pensamentos e caracterís-
ticas musculares que compõem o estado de fala livre, fluente e o
estado da gagueira-sofrimento. Vai-se tornando capaz de perce-
ber-se como alguém que possui plena capacidade de falar, mas
que sob tais e tais pensamentos e sentimentos, geradores de tais
e tais tensões musculares nos órgãos fonoarticulatórios, nada
pode fazer senão deixar-se gaguejar. Com isso, vai ficando claro
que o processo terapêutico não pretende treiná-lo a falar bem, o
que não teria sentido, mas pretende ajudá-lo a lidar com certos
padrões de pensamento, sentimento e tensões musculares liga-
das à fala, superando-os. Isso deixa claro para ele, também,
porque o alvo do trabalho é superar o preconceito contra a
gagueira, é deixar-se gaguejar.
As vivências com o terapeuta descritas anteriormente constro-
em a capacidade do paciente observar-se no dia-a-dia, com-
preendendo porque gagueja e porque está fluente nas diferentes
horas e lugares. Essa compreensão é parte da aceitação da
gagueira. A capacidade de observação descrita, por sua vez,
permite a construção de estratégias para lidar com a gagueira, que
se constituem em novos elementos que o paciente articula aos
velhos hábitos típicos da gagueira. Estas estratégias, basicamen-
te, se dirigem aos momentos antes da gagueira, durante a
gagueira e depois da gagueira, bem como à postura de falante
como um todo.
Antes da gagueira, o paciente passa a ser capaz de observar
criticamente, ou seja, ver sob um novo ponto de vista, os pensa-
mentos ou sentimentos antecipatórios (o saber que em tal palavra
vai gaguejar, o procurar substituir palavras ou frases). O novo
modo de vê-los lhe permite mudar sua relação com eles. Explican-
do por meio de uma metáfora temos que, em vez de “embarcar”
nos velhos modos de ver, ele pode afastar-se deles, achar graça
neles, porque sabe que eles não passam de uma crença construí-
da sobre sua capacidade de falar, e crenças podem mudar. Ele vê
agora que ao substituir por uma nova palavra a palavra na qual
havia previsto gagueira, ele estava resolvendo com fala um
problema de fala, o que, no fim das contas, só mostra que ele é
capaz de falar.
Durante a gagueira, o paciente é capaz de observar criticamente
os seus sentimentos, pensamentos e, mais tarde, os seus mús-
culos, especialmente os da fonoarticulação (a observação do as-
pecto muscular é a mais difícil de ser alcançada, justamente, porque
este é a materialização da imagem de falante que o paciente tem
lutado para evitar). Isto lhe permite perceber porque gagueja e
aceitar-se nesse comportamento no momento mesmo que ele
ocorre, o que concorre sensivelmente para a diminuição da tensão
e conseqüentemente do tempo e da freqüência da gagueira.
Depois da gagueira o paciente se torna capaz de perceber que
a gagueira é apenas um momento da fala e da emoção. Deixa de
990

viver a gagueira presente como antecipação da gagueira futura


ou, metaforicamente mais uma vez, não vive mais a sensação de
que o momento de gagueira no presente “contamina” toda a sua
fala subseqüente. Isto significa que dá pouca ou nenhuma impor-
tância ao fato de ter gaguejado.
Quanto à postura de falante como um todo o paciente se torna
capaz de perceber e valorizar a sua fluência. Passa a ser capaz
também de brincar com a gagueira, geralmente, gaguejando de
propósito em momentos de sua escolha. Com isso deixa de
perceber na sua fluência uma ameaça, um sinal de que a qualquer
momento sobrevirá a gagueira.
Paralelamente a tudo isso, trabalha-se, ainda, na observação
das relações de comunicação, para o desenvolvimento de uma
visão crítica sobre os modos de pensar, sentir e agir em relação
aos outros. No estado da gagueira-sofrimento o paciente, via de
regra, vê em todas as pessoas a rejeição à sua gagueira, vê nelas
cobrança para que fale dentro de um padrão de fluência que ele
idealiza. Ele também tem a impressão que todos, exceto ele, têm
essa fluência ideal. A observação das relações de comunicação
é orientada pelo conhecimento, novo para o paciente, de que as
pessoas estão mais preocupadas consigo do que com o outro e de
que seus padrões de resposta não são uma reação direta à
gagueira ou a qualquer outra manifestação do outro, mas são
conseqüência de seus próprios estados interiores. Desse modo,
o paciente é orientado a ver na reação do outro uma amostra do
tipo de pessoa que esse outro é. Isso acaba por ajudá-lo a ver as
diferenças entre as pessoas e a deixar de colocar-se como sujeito
principal da cena. Percebe que há pessoas que são receptivas
com ele e com a maioria, enquanto há outras que reagem a todos
sempre de forma agressiva e assim por diante. Tudo isso vai
colaborando para tirar da gagueira a importância que originalmen-
te lhe era dada. Em função disso, o paciente se torna mais
receptivo para os outros e passa a enfrentar situações de comu-
nicação que antes evitava. Mais detalhes sobres as característi-
cas das relações entre as pessoas que gaguejam e os outros,
podem ser encontrados em GOMES & FRIEDMAN (1996).
Desfazer rituais para falar bem é sem dúvida uma tarefa difícil,
por serem eles automatizados pelo uso, constituindo o padrão
peculiar de fala do indivíduo, tanto quanto é automatizado e
peculiar o padrão de falar de qualquer um de nós. Para que se
possa chegar a desfazê-los é fundamental que o paciente tenha
chegado a algum patamar de aceitação da gagueira, sendo capaz
de compreendê-la não como um problema de fala, mas como
produto de seu comportamento de prevê-la. Enquanto isto não é
alcançado, o paciente tende a ver tudo que o terapeuta lhe sugere
como mais alguma coisa que ele pode usar para tentar falar bem.
E dentro desse espírito, é evidente que não há condições para
desfazer rituais, muito pelo contrário. Sentindo algum grau de
aceitação para com a gagueira ele se torna capaz de ver os rituais
Gagueira 991

para falar bem, como parte da gagueira e não como solução viável
para ela. Com o auxílio dos progressos na vivência corporal pode
então observar como se constituem muscularmente esses rituais
e perceber que, efetivamente, a fala fluente produzida em nada
depende de sua existência. A auto-observação dos rituais dentro
de um contexto em que o indivíduo sabe que eles são parte da
manutenção da gagueira, aliada às vivências que lhe permitem
sentir-se bom falante, promove uma gradativa desativação des-
ses rituais porque acabam perdendo a sua função.
A gagueira voluntária, que já mencionamos anteriormente,
também é bastante eficiente para desfazer os rituais e devolver o
indivíduo ao seu estado fluente. Os rituais e tudo o mais que for
identificado como parte da gagueira serão usados de forma
proposital, sendo aconselhável imitar uma forma de gagueira de
cada vez, até que a pessoa se familiarize e possa imitar várias
formas, caso existam, em um mesmo período de fala. Este
comportamento reverte todo o esquema da gagueira-sofrimento,
porque ao produzir gagueira de um modo voluntário, suprime-se
a emoção negativa e o contexto de tentar falar bem a ela
associadas; ao mesmo tempo, ao produzir gagueira voluntária o
paciente está aceitando a gagueira. Com isso, o sujeito de vítima
passa a ver-se como autor da gagueira e pode passar a sentir
domínio sobre ela. Para trabalhar com isso, porém, as mesmas
condições acima delineadas são necessárias: aceitar a gagueira
e ter vivências corporais da fluência e da gagueira.
Resta dizer que todo o trabalho de observação das relações
de comunicação, de auto-observação dos sentimentos e dos
pensamentos ligados à gagueira; a vivência corporal da fluência
e da gagueira e a gagueira voluntária não se realizam apenas na
sessão de terapia, mas são também planejadas na forma de
pequenas tarefas, passíveis de serem realizadas no dia-a-dia do
paciente, em algum momento de sua fala. Assim, por exemplo, se
prescreve ao paciente a auto-observação da antecipação dizendo
que, a partir dos novos conhecimentos por ele alcançados ele
certamente perceberá, em vários momentos de sua fala durante
a semana, que tal fenômeno está acontecendo. Outro exemplo:
combina-se com o paciente que ele dará telefonemas anônimos
gaguejando de propósito para observar os seus sentimentos e as
reações dos que atendem ao telefone. Análises complementares
sobre o processo terapêutico aqui delineado poderão ser encon-
tradas em FRIEDMAN (1994) & FRIEDMAN (em PASSOS, 1996).

REVISÃO DA LITERATURA
Embora a gagueira continue a ser um tema controvertido no
panorama dos conhecimentos sobre a produção da fala humana,
poucas pesquisas têm sido realizadas a seu respeito, em nosso
meio científico-acadêmico, nos últimos 10 anos. A maior parte das
publicações que tem chegado até nós são de origem norte-
992

americana e algumas de origem européia, australiana e do


Oriente Médio. Essa literatura, apresentada em periódicos sobre
linguagem, fala e audição, e em periódicos sobre desordens da
fluência, pode ser organizada a partir de algumas tendências
específicas de pesquisa que a definem. Nessa perspectiva, com-
pletamos o presente capítulo com uma exposição a respeito
dessas tendências e com algumas considerações sobre os rumos
da pesquisa. Apresentamos essa revisão, após ter exposto a
concepção sobre a natureza e o tratamento da gagueira que nos
norteia, para que ela sirva de base a essas considerações.
Uma das tendências é a marcada por estudos da atividade
articulatória em si. Em Iowa, EUA, ZEBROSKI & CONTURE , (1989)
estudaram o julgamento de mães, tanto de crianças gagas como
de crianças fluentes, sobre as disfluências de seus filhos. Embora
houvesse diferenças de julgamento entre os dois grupos de mães,
ambos julgaram mais freqüentemente as repetições silábicas
como sendo gagueira, seguida de repetição de toda a palavra e de
palavras quebradas. Os achados sugeriram que cada grupo
julgou mais freqüentemente como gagueira os tipos de disfluência
de fala característicos de seus próprios filhos. Entendemos que os
achados desta pesquisa vão de encontro às nossas considera-
ções sobre o estigma que cerca a manifestação da gagueira,
estigma que se mostra quando as mães preferencialmente vêem
gagueira no tipo de quebras de seus filhos, ao mesmo tempo, em
que evidenciam o quanto é relativo o julgamento do que seja a
gagueira, tomando-se por base apenas a manifestação articulató-
ria.
Na Austrália, ONSLOW, G ARDNER, BRYANT e cols. (1992)
estudaram o julgamentos de cinco clínicos especializados sobre
as disfluências de 200 crianças. Eles classificaram cada
disfluência em uma das oito categorias de disfluência descritas
por JOHNSON e cols. (1959) e apresentaram pouca concordân-
cia nas categorias que assinalavam. A seguir, clínicos gerais e
pessoas sem formação clínica julgaram se cada uma das
disfluência era gagueira ou era normal. Disfluências julgadas
com alto grau de concordância como sendo gagueira e como
sendo normais por esses últimos ouvintes não haviam sido
diferenciadas pelos ouvintes especializados por meio das cate-
gorias que haviam sido assinaladas. Isto, como na pesquisa
anterior, reforça quanto é instável e relativa a concepção do que
seja gagueira-sofrimento ou gagueira natural (disfluência), quan-
do se toma por base o julgamento estrito da manifestação
articulatória.
Fortalecendo esse ponto de vista, ainda, temos a pesquisa de
CORDES & INGHAM (1995), na Califórnia, e de INGHAM, INGHAM,
CORDES, GOW, (1995), em Nova York. Ambas estudaram as
características que distinguem “disfluências gaguejadas” (gagueira-
sofrimento) de “disfluências normais” (gagueira natural). O estudo
dos primeiros parte de uma prática crescente em seu meio, de
Gagueira 993

acordo com a qual se considera que “disfluência gaguejada” é


aquela que ocorre no interior das palavras e “disfluência normal”
é aquela que ocorre entre as palavras. Com a pesquisa, depois de
revisar as evidências lógicas e empíricas disponíveis, conclui-se
que não se pode assumir essa definição de forma radical, ou seja,
como definitivamente correta. Entretanto, acreditam que de uma
forma mais branda, ela pode ser útil para definir e medir a gagueira
se tal definição puder ser completamente consistente com as
informações clínicas e empíricas disponíveis.
O estudo dos segundos analisa o grau de concordância, entre
ouvintes experimentados, no julgamento da gagueira. Os ouvin-
tes devem julgar se as disfluências que escutaram são gagueira-
sofrimento ou não. A pesquisa foi motivada por uma aparente
contradição entre relatos de pesquisas recentes, umas referindo
alta concordância nos julgamentos e outras uma baixa concordân-
cia. Quatro pesquisadores experimentados no estudo da gagueira
escutaram vídeo discos laser de pessoas que gaguejam mediana
e severamente. Os resultados mostraram uma série de discordân-
cias entre os julgamentos que lançaram sérios questionamentos
sobre a confiabilidade e a validade do julgamento de eventos de
gagueira largamente empregados nas pesquisas sobre o tema.
Ao mesmo tempo, foi possível isolar alguns poucos eventos de
gagueira a respeito dos quais houve alto grau de concordância
nos julgamentos.
As pesquisas assinaladas, além de reforçarem a dificuldade
de se distinguir a gagueira natural da gagueira-sofrimento pelo
simples ouvir, também não nos permitem entrever que avanços
que essa linha de pesquisa pode trazer para a compreensão da
gagueira ou para o seu eficiente tratamento.
Outra tendência, na qual se concentrou a maior parte das
pesquisas que encontramos, refere-se a estudos sobre o julga-
mento que diferentes tipos de pessoas fazem a respeito da forma
pela qual percebem o indivíduo gago. Esta tendência se constitui
em estudos sobre concepções a respeito do indivíduo que gagueja.
Em West Virginia, EUA, RUCELLO , LASS, SCHMIT e cols.
(1989) aplicaram um questionário a 81 terapeutas de fala-
linguagem, no qual se pediam listagens de adjetivos que descre-
vessem 4 gagos hipotéticos: um adulto homem, um adulto
mulher, uma criança de 8 anos de idade do sexo feminino e uma
criança de 8 anos de idade do sexo masculino. A maioria dos
adjetivos escolhidos referia-se a traços de personalidade nega-
tivamente estereotipados, o que, face ao mesmo tipo de pesqui-
sas, anteriormente realizadas com o mesmo tipo de população,
indicou que as percepções desses profissionais sobre gagos
permaneceu relativamente inalterada ao longo das duas últimas
décadas. Os mesmos autores, em 1992, examinaram as per-
cepções de 103 professores de 1ª a 8ª séries sobre os 4 gagos
hipotéticos acima elencados, a partir do já referido questionário
para listar adjetivos que os descrevessem. As percepções
994

incluíam muitos estereótipos negativos de personalidade, indi-


cando percepção similar a outros grupos, inclusive os de
terapeutas de fala. De 287 adjetivos listados, 203 referiam-se a
traços de personalidade. Desses, 192 foram negativos, 58
positivos, e 37 neutros.
Em Wyoming, EUA, SILVERMAN & MARIK (1993) replicaram o
estudo de RUCELLO e cols., sobre a percepção de professores a
respeito de gagos, estudando 58 professores de 6ª a 8ª séries. Os
resultados foram similares e, dos adjetivos listados, o mais
freqüetemente escolhido para os 4 gagos hipotéticos, nos dois
estudos, foi envergonhado.
RUCELLO e cols. (1993), para responder a SILVERMAN & MARIK,
replicaram o estudo com professores. Acreditam que os achados
consistentes de que professores possuem uma percepção de
gagos que inclui estereótipos negativos de personalidade, podem
ter efeito adverso sobre os gagos.
RUCELLO e cols. (1994), ainda, estudaram 42 administrado-
res escolares nos moldes dos procedimentos anteriores e en-
contraram, mais uma vez, uma maioria de adjetivos negativos
sobre traços estereotipados de personalidade. Estudaram tam-
bém, no mesmo ano, 82 educadores especiais de 6 estados
norte-americanos, obtendo novamente, preferencialmente ad-
jetivos negativos sobre traços estereotipados de personalidade.
Dos 241 adjetivos listados, 162 foram negativos, 42 positivos e
37 neutros.
Em Tallahassee, EUA, HAM (1990) estudou as crenças sobre
a gagueira na Flórida, por meio de entrevistas telefônicas com 563
pessoas entre 11 e 85 anos. Os resultados indicaram que os
sujeitos não puderam encontrar qualquer definição ou descrição
consistente e aplicável sobre a gagueira. As percepções sobre o
gago variaram e foram estereotipadas, na medida em que tinham
uma visão deles como pessoas pouco adequadas e, freqüente-
mente, caracterizadas por pobre ajustamento ao meio.
Em Wyoming, EUA, SILVERMAN & P AYNER (1990) estudaram
a classificação que 48 estudantes fizeram de quatro situações:
“um advogado”, “um advogado que gagueja”, “um trabalhador de
fábrica” e “um trabalhador de fábrica que gagueja”. Cada situação
foi classificada em cada uma de 81 escalas de diferencial semân-
tico, para determinar se gagos são vistos como sendo menos
competentes que outros na mesma ocupação. Advogados e
trabalhadores de fábrica gagos foram vistos como menos compe-
tentes que os outros não-gagos na mesma ocupação. O impacto
negativo da gagueira na visão de competência foi maior para os
advogados do que para os trabalhadores de fábrica.
No Canadá, KALINOWSKI, ARMSON, STUART, LERMAN (1993)
estudaram a percepção de si próprios e a percepção de gagos de
58 terapeutas de fala-linguagem e 138 pessoas do público em
geral. Usaram para isso uma versão modificada de 25 itens de
diferencial semântico. Os clínicos e o público em geral tiveram
Gagueira 995

percepções semelhantes sobre si mesmos e percepções negati-


vas sobre gagos adultos. Como exemplo, os autores referem que
os sujeitos de ambos os grupos, tomando a si mesmos como
referência, achavam os gagos tensos, envergonhados, ansiosos,
medrosos, reticentes e introvertidos.
Os estudos a respeito das concepções não argumentam
diretamente sobre a natureza da gagueira. Confirmam, porém, a
existência de uma concepção negativa sobre o indivíduo que
gagueja e evidenciam que um estigma sobre a gagueira perpassa
as relações sociais, mesmo em se tratando de professores e
terapeutas, o que está de acordo com os argumentos que desen-
volvemos ao apresentar a noção de gagueira que nos norteia.
Acreditamos que o estudo das características e condições da
formação da imagem estigmatizada falante (mau falante), que se
situa entre essa concepção negativa (e o estigma que dela se
desdobra) e a formação da gagueira-sofrimento, mereça maiores
investimentos de pesquisa.
Na Pennsylvania, EUA, COLLINS & BLOOD (1990) investiga-
ram: 1. se pessoas fluentes preferem interagir com gagos
médios e severos que conhecem sua gagueira; e 2. se a
percepção que os fluentes têm da inteligência, personalidade e
aparência dos gagos médios e severos é alterada em função do
conhecimento que os gagos têm de sua gagueira. Foram mos-
trados vídeos de gagos que têm e que não têm conhecimento de
sua gagueira, 2 médios e 2 severos a 84 mulheres de 18 a 41
estudantes universitárias que responderam questões e comple-
taram escalas de adjetivos. Um número significativo preferiu
interagir com gagos médios e severos que conhecem sua
gagueira. Gagos médios e severos que conhecem sua gagueira
receberam mais classificações favoráveis sobre inteligência,
personalidade e aparência.
Embora esta pesquisa também seja sobre julgamentos e
concepções, ela apresenta um caráter novo e interessante centra-
do nas relações de comunicação. Mostra que uma valorização
favorável é dada na interação, à pessoa que gagueja, quando ela
conhece a sua gagueira. Isto, acreditamos, se constitui em dado
útil para a abordagem terapêutica no que se refere à importância
de desmistificar as crenças do gago em relações de comunicação,
de modo que ele perceba que os outros têm aceitação à gagueira
e mais ainda se ele mostra conhecê-la, ao invés de agir tentando
ocultá-la.
Em São Paulo, Brasil, BARBOSA & CHIARI (1995) investigaram
a influência do conhecimento de senso comum e do conhecimento
acadêmico nas concepções que estudantes de fonoaudiologia
têm sobre a gagueira. Foram usadas 28 afirmações retiradas do
senso comum que se referiam à etiologia, prevenção e tratamento
da gagueira. Os resultados mostraram que, de modo geral,
prevaleceu o conhecimento acadêmico nas respostas dadas. O
conhecimento de senso comum prevaleceu nas questões sobre
996

etiologia da gagueira e o conhecimento acadêmico prevaleceu


nas questões referentes à prevenção e ao tratamento da gagueira.
Temos aqui outra pesquisa sobre as concepções a respeito da
gagueira, que também apresenta um caráter inovador, porque
aprofunda a compreensão sobre a formação das concepções em
fonoaudiólogos e com isso permite reflexões e ações que levem
a modificá-las na direção que se entenda mais útil. Assim, por
exemplo, os resultados desta pesquisa podem ajudar a repensar
os currículos acadêmicos de formação dos fonoaudiólogos, espe-
cialmente no que tange à sua formação sobre os problemas da
fluência.
Uma tendência intermediária entre os estudos da atividade
articulatória em si e o das concepções sobre o indivíduo que
gagueja são estudos sobre o julgamento a respeito da naturali-
dade da produção de fala com gagueira. Aqui não é mais o
indivíduo o foco do julgamento, de onde se desprendia uma
concepção sobre ele, mas apenas a manifestação articulatória.
Em Minnesota, EUA, MARTIN & HAROLDSON (1992) estudaram
julgamentos sobre a severidade da gagueira e naturalidade da
fala. Julgaram gravações da fala de gagos e não-gagos, 54
estudantes, por meio de escalas de 9 pontos de intervalo. O áudio
foi julgado separadamente do audiovisual. Nos julgamentos da
naturalidade de fala, das amostras de fala com gagueira, julgam
invariavelmente a apresentação audiovisual como menos natural
que a apresentação áudio. Nas amostras de fala fluente não
houve diferenças no julgamento de naturalidade entre a apresen-
tação audiovisual e a apresentação áudio. As pontuações para a
severidade da gagueira não diferiram significativamente para as
apresentações áudio e audiovisual da mesma amostra. A concor-
dância sobre o julgamento da naturalidade foi alta, de modo geral,
entre os avaliadores.
Esta pesquisa aponta para a importância da pista visual na
gagueira, na qual se podem perceber manifestações de tensão
que são imperceptíveis no plano da audição. Acreditamos que
isso faça com que o julgamento do audiovisual, pelo interlocutor,
seja menos favorável do que o puramente auditivo. No limite, esta
questão também nos remete às condições estigmatizadoras dos
padrões de fala na nossa cultura.
Outra tendência volta-se para o estudo de processos tera-
pêuticos. Em Leeds, Inglaterra, STEWART & GRANTHAM, (1993)
apresentam o caso de uma estudante de enfermagem de 21
anos de idade que demonstrou súbito aparecimento de gagueira
severa. Achados de avaliação da fala por um período superior
a um ano pós aparecimento da gagueira são descritos e discu-
tidos. Também são apresentadas as autopercepções da pa-
ciente sobre sua dificuldade, durante esse período. O caso
demonstra um padrão possível de recuperação e as profundas
implicações psicológicas em um evento de gagueira adquirida
na fase adulta.
Gagueira 997

Em Londres, Inglaterra, L AWSON, P RING, FAWCUS (1993)


relatam dois estudos que avaliaram a efetividade de cursos
curtos e intensivos para a modificação de atitudes do gago
com relação à sua fala. Um Inventário de Percepção da
Gagueira foi usado para monitorar as mudanças em 35 sujei-
tos entre 11 e 35 anos de idade. Nos dois estudos, os itens
sobre evitação mostraram mudanças favoráveis muito mais
significativas do que os itens sobre luta e expectativa. Os
resultados apóiam o emprego dos cursos e sugerem que eles
devem ser empregados em conjunto com outras abordagens
diretamente direcionadas a influenciar a fluência. A tentativa
de relacionar as mudanças de atitude a mudanças na fala
mostraram-se inúteis.
No Canadá, L ADOUCER, CARON, C ARON (1989) avaliaram um
tratamento multidimensional da gagueira (treinamento da cons-
ciência, regulação da respiração, reconstrução cognitiva, pre-
venção de reincidência) desenvolvido em 9 indivíduos entre 13
e 37 anos com problemas médios, moderados e severos de
gagueira. Foram feitas medidas comportamentais (porcenta-
gem de sílabas gaguejadas e velocidade da fala) e cognitivas
(percepção da auto-eficácia, condições de controle e Escala de
Erickson para Atitudes Comunicativas. Todos os gagos médios
e a maioria dos moderados tiveram melhoras clínicas que foram
mantidas nos próximos 6 meses. Nenhum gago severo alcan-
çou melhora clínica.
Sem analisar o mérito das concepções que podem estar
norteando as abordagens terapêuticas das pesquisas em tela,
parece-nos que pesquisas que relatem processos terapêuticos
podem trazer subsídios significativos para favorecer avanços
em relação ao tratamento da gagueira. Como sugestão de
pesquisas nessa linha, seria interessante estudar e avaliar os
resultados alcançados em diferentes abordagens terapêuticas
aplicadas aos problemas da fluência. Isto evidentemente exigi-
ria pesquisas preliminares para identificar as concepções e
descrevê-las.
Uma última tendência de pesquisa encontrada foi relativa a
estados emocionais ligados à gagueira. BLACK (1987) dos EUA
testou as hipóteses de que: 1. experiências de lazer seriam vividas
com menor liberdade e vantagem por indivíduos que gaguejam; e
2. pessoas que gaguejam, vivendo situações de lazer, seriam
afetados de modo adverso por possíveis eventos ocasionais.
Estudou 1.020 sujeitos, dos quais aproximadamente 30% não
eram gagos. Os resultados indicaram que não há diferenças
significativas quanto ao nível usual de perceber liberdade no lazer
entre gagos e não-gagos. Os sujeitos gagos, entretanto, enxerga-
vam barreiras proibindo liberdade no lazer de modo diferente que
os não-gagos.
Em Dallas, EUA, MILLER & WATSON (1992) examinaram a
autopercepção de dois grupos de 52 sujeitos cada, um compos-
998

to por gagos e outro por não-gagos entre 16 e 68 anos de idade,


a respeito do seu estado geral, a respeito de traços de ansieda-
de e depressão e a respeito de sua atitude de comunicação. As
medidas incluíram o Inventário de Depressão de Beck e o
Inventário de Traços de Ansiedade de State. Os resultados
mostraram que ansiedade e depressão não estavam relaciona-
das à auto-avaliação da severidade da gagueira. As atitudes
comunicativas eram negativas e se tornaram progressivamente
mais negativas, se as auto-avaliações de gagueira se
tornavam mais severas. Os gagos, agrupados por uma classifi-
cação da severidade, diferiam na intensidade da relação que se
podia estabelecer entre atitudes de comunicação, ansiedade e
depressão. Os achados sugerem que a ansiedade dos gagos
está restrita à sua atitude em relação às situações de comuni-
cação e que ela é uma resposta racional à experiências nega-
tivas de comunicação.
Na Austrália, CRAIG (1994), comentou a pesquisa acima de
MILLER & WATSON a respeito da conclusão de que gagueira não
estava associada a níveis crescentes de ansiedade. Argumenta
que a pesquisa não poderia apresentar essa conclusão porque: a
1. maioria dos sujeitos havia sido tratada anteriormente à pesqui-
sa; 2. não foi mencionado um diagnóstico objetivo de gagueira; e
3. o tamanho da amostra (52 sujeitos) é muito pequena para
representar efetivamente a população.
No Egito, K OBIT, Y USIF, B ARAKA e cols. (1992) investiga-
ram diferenças entre dois grupos de 29 homens, um compos-
to de gagos e outro de não-gagos, a respeito de ansiedade,
depressão, inteligência e autoconceito, bem como as
intercorrelações entre essas variáveis dentro de cada grupo.
Os sujeitos foram examinados e envolvidos em sessões de
terapia, numa média de 30 sessões por pessoa. Usando o
Inventário de Depressão de Beck, um critério de 5 níveis de
depressão foi preparado. Para as variáveis examinadas fo-
ram encontradas diferenças entre os dois grupos somente
para depressão e ansiedade.
Vemos que essas pesquisas apresentam dados pouco con-
clusivos na direção de uma compreensão da natureza da
gagueira. Acreditamos que isto se deva ao fato de ser a emoção
estudada de forma isolada dos contextos sociais em que ela
está se dando e dos valores e crenças pessoais que a acompa-
nham e lhe dão sentido. Como sugestão novamente, parece-
nos interessante realizar investigações sobre as possíveis rela-
ções entre a ativação das emoções e o aparecimento de gagueira
ou fluência na fala. Que emoções são mais propícias para gerar
gagueira, e que emoções são mais propícias para gerar fluên-
cia? Isto é igual em diferentes culturas ? E nas diferentes faixas
etárias ? Responder tais questões nos permitiria conhecer mais
sobre as condições individuais e culturais de manifestação de
gagueira na fala.
Gagueira 999

Leitura recomendada
BANDLER & GRINDER – Sapos em Principes. São Paulo, Summus
Editorial, 1982.
DE SHAZER, S. – Terapia Familiar Breve. São Paulo, Summus Edito-
rial,1986.
FRIEDMAN, S. – A Construção do Personagem Bom Falante. São
Paulo, Summus Editorial,1994.
FRIEDMAN, S. – Reflexões sobre a natureza e o tratamento da Gagueira.
In: PASSOS, M.C. (org.) Fonoaudiologia: Recriando seus Sentidos.
Série: Interfaces. São Paulo, Plexus, 1996.
GOMES, I.C.D. & FRIEDMAN, S. – Conversando com pessoas que
manifestam gagueira. In: MARCHESAN, GOMES, ZORZI (orgs.)
Tópicos em Fonoaudiologia III. São Paulo, Editora Lovise, 1996.
MARTINET, M. – Teoria das Emoções: Introdução à Obra de Henry
Wallon. Lisboa, Moraes Editores, 1972.
WATZLAWICK, P. – El Lenguage del Cambio. Biblioteca de Psicología
69, Barcelona, Herde, 1986.
Deficiência Auditiva 1
Trabalho Fonoaudiológico em Berçário 1001

45
Trabalho Fonoaudiológico
em Berçário

Cláudia Xavier

INTRODUÇÃO

A atuação fonoaudiológica em berçários e UTI neonatal é


bastante recente no Brasil e apresenta atualmente características
diferentes da atuação na América do Norte e Europa.
Na década de 60, com o reconhecimento da neonatologia
como especialidade da pediatria, houve grande modificação em
relação aos cuidados para com os recém-nascidos. Com o avanço
tecnológico e pesquisas, um número maior de bebês que antes
não sobreviviam começou a sobreviver. No início, a preocupação
concentrava-se na sobrevivência de bebês, bebês estes com
história de extremo baixo peso, prematuridade entre outros
(ROSSETI, 1986).
Nesta época a preocupação era tanta com o quadro clínico, a
sobrevivência, os riscos de infecção hospitalar, que estes bebês
ficavam isolados de contatos com os pais e familiares.
Logo surgiu o interesse de profissionais da área de enferma-
gem, por estarem em contato mais próximo com os bebês, de se
pesquisar quanto ao funcionamento e desenvolvimento destes.
Várias pesquisas foram desenvolvidas, principalmente nos EUA,
com a finalidade de se conhecer mais sobre estes bebês denomi-
nados de “alto risco” (HASSELMEYER, 1964; NEAL, 1968; RICE ,
1977). Muito se aprendeu nesta fase (décadas de 60 e 70) com
relação à estimulação tátil, visual, auditiva, vestibular e seus
1002

benefícios em termos de desenvolvimento de bebês na fase


hospitalar e pós-alta. Começou-se a dar mais importância para a
ligação mãe-bebê e várias pesquisas foram desenvolvidas nesta
área, comprovando a importância de aproximar os pais de seus
bebês hospitalizados (MCCARTON, 1986; BRAZELTON, 1982, 1987,
1988; KLAUS & KENNELL, 1992; SPITZ, 1980; WINNICOTT, 1988). Os
pais começaram a ser encorajados a participar do processo de
hospitalização, cuidando de seus bebês em diversas situações,
sob orientação da equipe, participando de grupos de pais, etc.
Neste momento, vários pediatras tiveram importância. Ampliam
sua formação que num primeiro momento era absolutamente
médica, passando a valorizar a relação mãe-bebê, e seus prejuí-
zos para o desenvolvimento do bebê quando estas duplas ficavam
muito tempo separadas. Temos BRAZELTON, KLAUS, WINNICOTT,
SPITZ, com primeira formação em pediatria, que desenvolveram
pesquisas e linhas de trabalho atualmente bastante difundidas
mundialmente, que dão total importância à questão do apego, da
ligação mãe-bebê.
Começou então a haver uma preocupação também com o
desenvolvimento destas crianças que passaram a sobrevi-
ver.
Fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e
psicólogos, que anteriormente atuavam apenas em nível clínico
com bebês seqüelados, após a hospitalização, começaram a
desenvolver pesquisas e a iniciar a atuação já na fase hospitalar
e não somente com bebês portadores de deficiências, síndromes
ou com alguma seqüela já observada, assim como também com
bebês apenas considerados de “risco” (SWEENEY , 1986; ALS,
1986; HARRIS, 1986; BERBAUM e cols. 1983).
Nos EUA surgiram leis, regulamentando a necessidade e
dando a oportunidade para programas multidisciplinares de
seguimento destas crianças após a alta hospitalar. Vários estu-
dos longitudinais foram sendo desenvolvidos comprovando
finalmente o “risco” destas crianças a problemas de desenvolvi-
mento, incluindo alterações de fala, linguagem e de aprendiza-
gem (SAIGAL e cols., 1984; WRIGHT e cols., 1983; SPARKS, 1984;
HUBATCH e cols., 1985; KITCHEN e cols., 1987; ANDRADA , 1989).
Dentro da fonoaudiologia foi surgindo um aprofundamento
com relação às questões de alimentação, deglutição, desenvol-
vimento de técnicas facilitadoras, surgindo o trabalho específico
com a disfagia. Este trabalho começou a se popularizar nos EUA
por volta de 1986, com a publicação de alguns trabalhos e com
a organização de simpósios nesta área (LOGEMANN, 1981,
1986).
Estas transformações e aprofundamento ocorreram não só
dentro da Fonoaudiologia. Vários trabalhos foram realizados por
neuropediatras em relação ao processo de alimentação, postura
de bebês (CASAER e cols., 1982; CASAER & LAGAE, 1991); foi
havendo uma mudança em termos da avaliação de bebês, onde
Trabalho Fonoaudiológico em Berçário 1003

a preocupação deixou de ser só com o comportamento reflexo do


recém-nascido, mas também com a sua capacidade de usá-los
funcionalmente e de interagir com o meio. Várias escalas de
desenvolvimento surgiram e uma delas deixou bem claro esta
outra forma de tratar e avaliar o bebê, foi a escala Brazelton
(NEONATAL BEHAVIORAL ASSESSMENT SCALE, 1973, 1984).
A partir daí os trabalhos de intervenção com bebês foi
tomando um outro rumo, onde o ambiente passou a ser valori-
zado, na medida em que as pesquisas foram mostrando que as
reações e mesmo o desenvolvimento dos bebês eram prejudi-
cados em função de excesso de estímulos da própria UTI,
estímulos estes invasivos em sua maioria, presença de ruído
ambiental, iluminação excessiva, muitos procedimentos médi-
cos e de enfermagem. As equipes passaram então muitas vezes
a “não estimular” os bebês, pois mesmo programas de estimu-
lação que teoricamente beneficiariam o bebê hospitalizado,
poderiam levar a estressá-lo por este já estar sendo “bombardea-
do” por estímulos na própria UTI ou berçário. Os programas de
intervenção passaram a valorizar e trabalhar em função de um
ambiente mais adequado para o desenvolvimento. São realiza-
dos trabalhos em relação à função auditiva, tátil e motora-oral,
mas sempre levando em consideração o ambiente e a possibi-
lidade desta atuação em algumas situações poder funcionar
como algo invasivo, dificultando a organização do bebê (M ACEDO,
1986, 1990, 1993; M EYERHOF, 1990).
No Brasil, o trabalho fonoaudiológico com bebês na fase
hospitalar, basicamente teve início no final da década de 80, na
Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medici-
na, Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo e na Santa
Casa de Misericórdia de São Paulo. Esta área, em pouco tempo,
já cresceu muito, ocorrendo atualmente a atuação em hospitais de
Prefeitura, de Estado, vários hospitais particulares de São Paulo,
Campinas, São José dos Campos, Rio de Janeiro, Porto Alegre,
Curitiba, Goiânia, Marília, Fortaleza, entre outras cidades. Cada
vez mais esta atuação vem sendo reconhecida pelas equipes
médicas, de enfermagem e pelos pais.
Existem também alguns programas de seguimento de be-
bês de “alto risco”, mas ainda em menor escala que os progra-
mas hospitalares. Também está crescendo o número de fo-
noaudiólogos realizando trabalho com gestantes, durante o pré-
natal, através de grupos de orientação a pais e trabalho de
orientação de mães e bebês normais com relação a aspectos
básicos do desenvolvimento da alimentação, posturas e lingua-
gem.
Fica evidente o desenvolvimento mundial nesta área de
atuação e também o quanto o profissional que lida com bebês
precisa buscar ao nível de conhecimento em sua formação, para
propiciar uma intervenção realmente efetiva com bebês, pais e
a equipe.
1004

ATUAÇÃO FONOAUDIOLÓGICA ESPECÍFICA


Existem várias possibilidades quanto à atuação como já foi
sugerido anteriormente. O fonoaudiólogo tem atuado desde o pré-
natal, na orientação de mães e bebês normais, até o trabalho mais
específico com a função motora oral, passagem da alimentação
de sonda gástrica para via oral, realização de avaliações com-
portamentais globais e específicas, realização de exames objetivos,
como o videodeglutograma, juntamente com o radiologista, para
um diagnóstico mais preciso em relação ao processo de deglutição.
Paralelamente a isto têm sido realizados programas de aproxima-
ção das mães com seus bebês, onde estas participam de grupos
de pais, no próprio berçário, acompanham a rotina do bebê em
termos de higiene e alimentação.
Vários trabalhos não só no período de hospitalização como
também no acompanhamento de bebês com relação à audição
têm sido desenvolvidos (AZEVEDO, 1993; LEWIS, 1996; CHAPCHAP,
1996; PARRADO & COSTA FILHO, 1992; BASSETTO, 1994).
Neste capítulo vou me concentrar na área de atuação motora
oral, mas antes vou falar sobre alguns conhecimentos básicos
sobre o funcionamento de bebês que são fundamentais para a
prática fonoaudiológica.

FUNCIONAMENTO DO RECÉM-NASCIDO
O funcionamento do recém-nascido deve ser sempre conside-
rado para que este não seja sobrecarregado durante a interven-
ção e mesmo no sentido de orientar pais e demais profissionais
para que consigam um contato mais efetivo com o bebê.
ALS (1986) fala bem detalhadamente sobre o modelo de
organização e desenvolvimento do comportamento do bebê
(Fig. 45.1).
Neste modelo é colocado que o desenvolvimento ocorre a
partir da concepção, até que após o nascimento é possível para
o bebê de termo normal, apresentar coordenação entre sucção/
respiração/deglutição, ficar em alerta por algum tempo, entrar em
contato com o ambiente e regular os estímulos externos de acordo
com a sua disponibilidade.
Com 4 semanas após a concepção, já existe movimento de
contorção do feto. Entre a 2ª e 8ª semanas, o feto já adquire
postura de flexão.
No período embrionário, com 9 semanas e meia, o feto já
abre e fecha a boca. De 9 a 12 semanas já realiza movimentos
isolados de cabeça e membros. Com aproximadamente 11
semanas inicia a deglutição. De 13 a 16 semanas apresenta
abertura e movimentação de olhos. Com aproximadamente 17
semanas inicia sucção. De 17 a 20 semanas apresenta coorde-
nação de movimentos de mão a face. É a partir deste momento
Trabalho Fonoaudiológico em Berçário 1005

Atenção/Interação
Estados
Motor
Autônomo

Ambiente Organismo
Semana/ comportamento
Social mais 47 – 52 Brincadeira com objetos
amplo 42 – 46 Reciprocidade social
37 – 41 Estado de alerta
32 – 36 Movimentos rápidos de olhos/movi-
mentos respiratórios coordenados
Familiares 28 – 31 Movimentos complexos, sucção digital
Ambiente 25 – 27 Movimento respiratório fetal
extra-uterino 21 – 24 Movimentos rápidos de olhos
17 – 20 Movimentos coordenados de mão à
face
13 – 16 Abertura e movimentos de olhos
Familiares 09 – 12 Movimentos isolados de cabeça e
Ambiente membros
intra-uterino 02 – 8 Postura em flexão
04 Movimentos de contorção
Concepção

FIGURA 45.1 – Modelo de organização e de desenvolvimento do comportamento. Modelo desenvolvido


por ALS, H., 1982. Em THE HIGH-RISK NEONATE. DEVELOPMENTAL THERAPY PERSPECTIVES, Sweeney,
1986. Tradução de CLÁUDIA XAVIER, 1996.

que a gestante percebe os movimentos do bebê. De 21 a 24


semanas apresenta movimentação rápida de olhos. Com 24
semanas o feto já aperfeiçoou as respostas de sucção e deglu-
tição, mas ainda não existe coordenação entre ambas. Com 24
semanas já está sendo produzido surfactante nas células al-
veolares, que vai posteriormente ajudar no esforço respiratório.
De 25 a 27 semanas já ocorre movimento respiratório fetal. De
28 a 31 semanas já podem ocorrer movimentos complexos de
sucção digital. De 32 a 36 semanas já ocorre movimentação
ocular rápida coordenada com movimentos respiratórios. Com
34 semanas já ocorre coordenação de sucção com deglutição.
De 37 a 41 semanas, que seria o momento do nascimento, já vai
ser possível ficar em alerta. De 42 a 46 semanas existe maior
reciprocidade social. De 47 a 52 semanas o bebê já brinca com
objetos. Com aproximadamente 48 semanas existe uma modi-
ficação bastante importante ao nível do funcionamento cerebral.
Antes o bebê funcionava basicamente ao nível subcortical e a
partir deste momento vai funcionar ao nível cortical, o que vai ser
um marco no seu funcionamento visual. Vai ocorrer aí o chama-
do “sorriso visual”. O bebê modifica sensivelmente sua expres-
são facial, sorri e foca de maneira diferente o olhar.
ALS (1986) coloca que o ambiente interfere e influencia no
desenvolvimento desde a concepção e que, portanto, este não
1006

pode ser desconsiderado em nenhum momento após o nascimen-


to, durante a intervenção com os bebês.
É colocado que existem quatro subsistemas de funcionamento:
I. Sistema autônomo
II. Sistema motor
III. Sistema de organização de estados
IV. Sistema de atenção/interação

Sistema autônomo – Seria o funcionamento de “base” do


bebê, o batimento cardíaco, o status respiratório, a coloração,
sinais viscerais assim como motilidade intestinal, vômito e solu-
ços. Dependendo do quadro clínico do bebê e de sua idade
gestacional, pode ser bastante arriscada qualquer intervenção
fonoaudiológica direta com este, podendo levar a alterações do
seu funcionamento de base, desorganizando o bebê ainda mais.
Sistema motor – Pode ser observado através da postura,
tono e movimentação. O bebê conforme vai melhorando o
quadro clínico, apresentando maior regularização do seu siste-
ma autônomo, vai evoluindo ao nível do padrão motor. Este
aspecto é de fácil observação e facilita o profissional, na medida
em que o bebê já consegue responder através de movimentos,
tono. É bastante valioso explicar para os pais que na maioria das
vezes, no início, não conseguem observar evolução do bebê,
que o bebê está evoluindo e que é possível certificar-se disto
através dos movimentos e postura adquiridos pelo bebê. Quan-
do o bebê é prematuro e encontra-se com quadro clínico
instável, sob ajuda respiratória, dentre outros aspectos, este
bebê praticamente só apresenta padrão global de extensão,
com alguns movimentos reflexos, tremores e movimentação
imprecisa. Ao melhorar o quadro clínico e com mais maturidade,
vai desenvolvendo a flexão, leva membros contra a gravidade e
em direção à linha média, vai se movimentando na isolete, toca
as superfícies desta, faz movimentos repetitivos, a movimenta-
ção vai aos poucos se tornando mais precisa e organizada, o
bebê vai adquirindo maior estabilidade. O posicionamento ade-
quado facilita a postura de flexão e ajuda na movimentação mais
adequada e amadurecida do bebê. Mesmo que não exista
estabilidade postural, pode-se levar à estabilidade posicional,
ou seja, o bebê quando bem-posicionado consegue movimen-
tos mais evoluídos, quando sai da posição, os movimentos são
imaturos, desorganizados. Tudo isto deve ser discutido com a
equipe que atende o bebê e com os pais, com a finalidade de
favorecer o desenvolvimento e a interação.
Sistema de organização de estados – O bebê regula os
estímulos externos através da mudança de seu estado de cons-
ciência (sono profundo, sono leve, sonolência, alerta, semi-alerta,
choro). Os bebês prematuros, pela imaturidade e pelo ambiente
de UTI e berçário, na maioria das vezes apresentam como
característica, irritabilidade com dificuldade nesta habilidade de
Trabalho Fonoaudiológico em Berçário 1007

regulação. Apresentam padrão de sono diferente do encontrado


em bebês de termo (CRAMER, 1987; BRAZELTON, 1988).
Sistema de atenção/interação – Pode ser exemplificado
pela habilidade de entrar em alerta, permanecer em estado de
atenção e utilizar este estado para adquirir informações cogniti-
vas, sociais e emocionais. É quando o bebê consegue entrar em
contato com seu meio, estado este considerado como início do
“apego” entre bebê e mãe. Este estado é o mais esperado pelos
pais e é fundamental que o profissional tenha consciência de que
o bebê necessita de maturidade, quadro clínico razoável e am-
biente favorável para que seja possível a sua ocorrência, e que
isto seja transmitido para os pais, com o intuito de levá-los a ter
expectativas compatíveis com a fase de desenvolvimento do seu
bebê. Não vai ser sempre possível levar o bebê ao estado de
alerta, e nem mesmo levá-lo a permanecer em alerta por tempo
prolongado. Se tivermos esta postura podemos levar o bebê a
respostas em nível de seu funcionamento vital, como por exem-
plo, a alterações no seu padrão respiratório, tono, coloração.
Há um balanço dos estados ou subsistemas normalmente, no
caso de bebês a termo. Quando se trata de bebês hospitalizados,
e/ou com história de imaturidade, existe uma dificuldade de
regulação para manter um equilíbrio no funcionamento e estes
bebês ficam bastante vulneráveis aos estímulos do meio ambien-
te. O fonoaudiólogo deve, portanto, ter muito cuidado durante a
atuação direta com estes bebês hospitalizados. A atuação deve
ocorrer para favorecer um desenvolvimento mais adequado e não
para desorganizar ainda mais os bebês.

ATUAÇÃO ESPECÍFICA – TRABALHO COM A


FUNÇÃO MOTORA ORAL
Habilidade motora oral no bebê e na criança
Seria bastante simplista pensar no processo de alimentação
em termos do mecanismo oral somente.
Alimentação é um processo complexo que inclui nível de
atenção, cognição, desenvolvimento motor e neurológico, vínculo
com a mãe e maturação fisiológica do sistema. Muitas destas
habilidades começam no útero, como já foi falado anteriormente,
e desenvolvem-se no decorrer do início da infância (MORRIS &
KLEIN, 1987; ARVEDSON & BRODSKY, 1993; CHERNEY , 1994).

• Período pré-natal
Deglutição e sucção já ocorrem.

• Período pós-natal
O desenvolvimento da alimentação consiste na maturação e
integração de todos os componentes necessários para a alimen-
tação normal.
1008

No período inicial (até 4, 6 meses), a nutrição básica se dá


através do leite humano ou fórmula. Existe a possibilidade de
intolerância a fórmulas à base de leite, hipersensibilidade à
proteína ou intolerância à lactose. O leite de vaca não deve ser
oferecido até o 6º mês, pois pode levar à deficiência de ferro,
anemia e sangramento do trato gastrointestinal. Os prematuros
têm necessidades nutricionais diferentes.

Reflexos primitivos
Bebês normais nascem com reflexos que são básicos para
sua sobrevivência (reflexo de Moro, de Marcha, tônico cervical
assimétrico e depois o simétrico, preensão palmar, de mordida, de
vômito, entre outros). A maioria destes reflexos são assimilados
na medida em que o bebê desenvolve mais controle de seu corpo
e ambiente. Crianças com alterações neurológicas podem conti-
nuar a exibir estes reflexos além do período normalmente esperado.
A persistência destes reflexos interfere no desenvolvimento
da criança em todas as áreas, incluindo alimentação e deglutição.

Reflexos relacionados à deglutição presentes em


recém-nascido a termo saudável
GAG toque na parte IX, X persiste
posterior da língua
ou faringe

PHASIC BITE pressionando a V 9 – 12 meses


gengiva

PROTRUSÃO toque na língua XII 4 – 6 meses


DE LÍNGUA ou lábios

PROCURA toque nos cantos V, VII, XI, XII 3 – 6 meses


da boca

SUCKLING toque do bico V, VII, IX, XII 6 – 12 meses


na boca ou na
ponta da língua

DEGLUTIÇÃO bolo na faringe V, VII, IX, X, XII persiste

LATERALIZAÇÃO toque na lateral VII, IX, X, XII 6 – 7 meses


da língua

Phasic bite = mordida fásica; gag = reflexo de abertura de boca.

Alimentação (do nascimento ao 3º mês)


Os lábios aproximam-se do bico mas não ocorre um vedamento
perfeito. Alguma perda de líquido pode ser notada. É comum um
pouco de leite nas bordas labiais.
Ocorre o suckling que é o padrão de sucção inicial, caracterizado
por anteriorização e posteriorização de língua. O bebê nesta fase não
Trabalho Fonoaudiológico em Berçário 1009

apresenta maturidade neurológica para movimentos mais refinados


e a língua preenche toda a cavidade oral. Todos os movimentos
ocorrem de maneira associada. A função é determinada tanto pela
maturidade neurológica como pela anatomia e suas correlações.
É observado o “canolamento” de língua para a movimentação
do bolo alimentar para a parte posterior e ocorrência da deglutição,
que consiste na elevação das bordas laterais da língua.
O reflexo de procura está presente e é um dos sinais importan-
tes de prontidão para a mamada. Este facilita a preensão do bico.
O bebê vai apresentar grupos de sucções e pausas. O número
de sucções por grupo pode variar em função da forma de alimen-
tação (seio materno, bico ortodôntico ou não, furo pequeno ou
alargado), da fome, consistência, temperatura, etc.
A laringe encontra-se bem elevada no recém-nascido e mais
próxima à base da língua quando comparada com o adulto. A
forma de proteção mais importante das vias aéreas é o fechamen-
to completo e automático da glote durante a deglutição. A epiglote,
de acordo com alguns autores, não é essencial para prevenção de
aspiração, apesar de ter um papel importante. Esta encontra-se
acima da glote durante a deglutição o que leva a direcionar o bolo
a ser deglutido lateralmente e posteriormente em direção ao
esfíncter esofágico superior.
A tuba auditiva no bebê encontra-se posicionada horizontal-
mente desde o ouvido médio até a nasofaringe. Este aspecto
estrutural contribui para aumentar a incidência de infecções de
ouvido médio em bebês e crianças pequenas. Cuidados quanto
ao posicionamento durante e após a alimentação tornam-se
fundamentais (SHELOV, 1995). Conforme o bebê vai crescendo, a
tuba vai se movimentando para uma posição mais verticalizada e
a incidência de infecções de ouvido médio diminui.
Existência de “bolsas de gordura” na região das bochechas
que facilitam a sucção, na medida em que o bebê não precisa fazer
tanto esforço para adquirir o leite. Elas dão firmeza às bochechas
e com isto proporcionam maior estabilidade ao sistema motor oral.

Respiração
A respiração é nasal até aproximadamente os 3 meses de vida.
A epiglote contata o palato mole. A respiração não é sincronizada e
flutua entre respiração abdominal e torácica superior.
Durante a respiração observam-se depressão da cavidade
torácica e expansão do abdômen. Depressão do esterno pode
ocorrer. O diafragma é puxado sem ocorrer outro controle muscu-
lar ativo para contrabalançar a ação.

Fala e linguagem
Ocorre produção de vogais abertas durante episódios de
choro e sons vegetativos durante a alimentação.
No final deste período ocorre a diferenciação do choro.
1010

Desenvolvimento do bebê de 4 a 6 meses


Alimentação
Os lábios começam a mostrar ativo movimento. É quando o
lábio superior encosta na colher para retirar o alimento.
O suckling vai se transformando e dando lugar à sucção
propriamente dita. O número de sucções sucessivas aumenta.
Existe uma maior coordenação entre sucção – deglutição –
respiração. Raramente percebe-se o bebê dar pausas para res-
pirar.
Não há escape de líquido.
Os movimentos de língua acompanham os movimentos de
mandíbula. A excursão de mandíbula é reduzida.
Existe o reconhecimento visual da colher ou mamadeira.
A nutrição primária continua a ser o seio ou mamadeira.
A alimentação mais sólida normalmente é oferecida a partir
dos 6 meses ou mais.

Respiração
Aos 6 meses o bebê vai apresentar mais respiração torácica.
Fica mais tempo numa posição ereta e está desenvolvendo
controle da musculatura abdominal.

Fala e linguagem
Aos 6 meses existe variação das expressões faciais. O bebê
já dá risadas e o choro torna-se significativamente diferenciado.
Há maior estabilidade de mandíbula.
Ocorre a produção de vogais mais sustenidas e menos
nasalizadas e algumas combinações de consoante/vogal. O bebê
começa a imitar alguns sons. Ocorre o início do balbucio.
Pode ocorrer a erupção do primeiro dente.

DESENVOLVIMENTO MOTOR ORAL OCORRE NUM


CONTEXTO MAIS AMPLO
Como pôde-se perceber, a partir do desenvolvimento do bebê
descrito acima, de 0 a 6 meses, o desenvolvimento motor oral
ocorre num contexto bastante amplo. Ele está vinculado ao status
neurológico, nutricional, respiratório, motor global e vai facilitar o
aparecimento da fala e linguagem (MORRIS & KLEIN, 1987;
ARVEDSON & BRODSKY , 1993; XAVIER, 1996).
O bebê inicialmente apresenta movimentos desorganizados,
pouco direcionados e descontrolados. Gradativamente estes
movimentos se tornam mais organizados, dirigidos. Vai ser preci-
so uma base estável para ele desenvolver habilidades de movi-
mento. Sem estabilidade, a mobilidade é menos controlada ou até
impossível. Normalmente as partes do corpo que desenvolvem
Trabalho Fonoaudiológico em Berçário 1011

estabilidade primeiramente são as partes centrais e proximais. A


partir de uma estabilidade de base proximal, o bebê vai ter a
possibilidade de maior mobilidade e mais refinamento em nível
distal.
A estabilidade que pode ser externa seria adquirida através do
posicionamento e estabilidade interna, através da postura.
O ambiente externo inicialmente oferece suporte ou estabili-
dade necessária para a criança gradativamente atingir maior
controle interno ou estabilidade interna. Estabilidade interna ou
postural é a forma de controle mais avançada, dinâmica.
Muitas vezes deve-se oferecer o suporte global necessário
(estabilidade externa) para que o bebê consiga desenvolver
movimentos finos mais adequados.
A alimentação é uma habilidade motora fina e o desenvolvi-
mento da estabilidade e dissociação das partes envolvidas é
primordial na maturação das habilidades orais.
O bebê vai desenvolvendo estabilidade interna balanceando
os movimentos de extensão e flexão em diversos planos e de
forma gradativa.

ATUAÇÃO FONOAUDIOLÓGICA
Em vários centros hospitalares atualmente, o médico encami-
nha para avaliação fonoaudiológica, bebês com dificuldades de
alimentação. O encaminhamento pode também não ser feito, no
caso do médico não acreditar na possibilidade de alimentação por
via oral. Ou o encaminhamento pode ser tardio, sob o ponto de
vista do desenvolvimento motor oral e global e não só da alimen-
tação por via oral (MORRIS & KLEIN, 1987; ARVEDSON & BRODSKY,
1993; XAVIER & BASTIVANJI, 1994).
Muitas vezes o encaminhamento é tardio por não haver um
fonoaudiólogo atuando na rotina do hospital, onde neste caso ele
já estaria triando os bebês quanto à necessidade de um trabalho
específico desde o momento em que existe a necessidade e que
o quadro clínico do bebê permite.
Dentro de uma abordagem mais global, a alimentação é conse-
qüência e não o objetivo do trabalho em si. Ao bebê ou à criança é
dada a possibilidade do uso apropriado da boca, exploração dos
sistemas respiratórios e fonatórios, posicionamentos mais compa-
tíveis com suas necessidades e maior contato com os pais tentando
proporcionar situações de interação mais efetivas.
O ideal seria que fosse feito o encaminhamento o mais rápido
possível, nos seguintes casos:
• incoordenação de sucção e deglutição;
• utilização de sonda gástrica;
• sucção fraca;
• falhas respiratórias e/ou durante a alimentação;
• reflexo de vômito exagerado e episódios de tosse durante
alimentação;
1012

• início de dificuldades de alimentação;


• irritabilidade severa ou problemas comportamentais duran-
te a alimentação;
• subnutrição;
• história de pneumonias;
• quando existir preocupação com aspiração;
• letargia durante a alimentação;
• período de alimentação mais longo que 30 – 40min;
• recusa de alimento inexplicável;
• vômitos, refluxo nasal, refluxo gastroesofágico;
• baba e/ou aumento desta.

AVALIAÇÃO E CONDUTA
A avaliação deve ocorrer no momento regular de alimentação
do bebê. Como etapa inicial deve-se:
• questionar e pesquisar sobre a história familiar, dados da
gestação, ambiente;
• ler o prontuário e discutir dúvidas com a equipe;
• observar presença de sonda nasogástrica, orogástrica, gas-
trostomia ou outras;
• observar a face do bebê (simetria, características estrutu-
rais);
• observar tono, postura global e musculatura facial;
• expressões faciais;
• estado de comportamento do bebê durante a avaliação.

Palpação
• palpar ao redor da boca, mandíbula e bochechas;
• verificar as estruturas intra-orais (observar palato, posicio-
namento, tono e mobilidade de língua);
• observar reações e reflexos que ocorrem.

Reflexos
• observar reflexo de procura, de sucção, vômito, mordida
fásica e preensão palmar e deglutição.

Padrão motor global


Observar os seguintes aspectos:
• comportamentos indicativos de fome (recém-nascido ativo,
estado de alerta, reclama);
• postura e tono global;
• membros superiores voltados ou não à linha média;
• respiração;
• sinais de estresse;
• reações ao ser introduzido um bico ou dedo de luva para
avaliar a sucção;
Trabalho Fonoaudiológico em Berçário 1013

• movimentos e tono de língua durante a sucção;


• existência ou não de canolamento de língua;
• ritmo de sucção;
• padrões anormais;
• tempo que permanece sugando.

A partir da avaliação inicial, juntamente com os dados do bebê


em relação ao quadro clínico e idade gestacional, discute-se com
a equipe e opta-se por um trabalho de desenvolvimento do padrão
motor oral através de sucção não-nutritiva (SNN) ou de sucção
nutritiva (SN). Em qualquer uma das opções, cabe ressaltar que
a mãe deve ser chamada a participar sempre que possível, e a
equipe de enfermagem deve ser também orientada. Desta manei-
ra, o bebê terá uma freqüência maior de situações favorecedoras
de um desenvolvimento mais adequado.
Não é rotina na maioria dos hospitais do mundo, submeter
bebês a exames objetivos, como a videofluoroscopia, para se
decidir quanto ao início da alimentação por via oral. Isto se dá
basicamente em função da radiação que estariam recebendo
durante este exame, na medida em que estes bebês já passam
por vários outros exames quando o quadro clínico é crítico
inicialmente. Outras possibilidades, menos invasivas como a
nasofibroscopia e a ultra-sonografia têm sido estudadas e utiliza-
das em alguns centros dos EUA.
Conseqüentemente, o que tem sido utilizado em maior escala
para a decisão quanto à forma de alimentação de bebês e o tipo
de intervenção necessária ao nível de desenvolvimento motor
oral, é a avaliação comportamental.
Sugere-se que o bebê seja avaliado várias vezes durante a
hospitalização. A avaliação freqüente seria um seguimento de sua
experiência de sucção e a não-evolução durante a hospitalização
já estaria trazendo dados importantes quanto ao seu desenvolvi-
mento futuro, como a necessidade de um seguimento mais
freqüente após a alta, entre outros.
Através da utilização de uma avaliação comportamental do
desenvolvimento motor oral é possível ter-se uma visão específi-
ca do desenvolvimento do bebê em questão, optar em relação ao
início da alimentação por via oral em alguns casos, modificar a
prescrição por via oral quando necessário, iniciar e/ou continuar o
estímulo de SNN (BEREZIN e cols., 1993; BERBAUM e cols., 1983).
A avaliação permite verificar alterações comportamentais no
decorrer da situação de alimentação e evidenciar as dificuldades
e facilidades do bebê.
Alguns aspectos são fundamentais para se iniciar um trabalho
mais específico e direto com bebês hospitalizados, como o quadro
respiratório e o balanço calórico.
O quadro respiratório estável é fundamental para a organiza-
ção do recém-nascido. Este precisa coordenar sucção, degluti-
ção, respiração e postura (CASAER & LAGAE, 1991). Assim que o
1014

quadro respiratório melhorar, o bebê apresentará melhores con-


dições para uma sucção mais efetiva sem se desorganizar e com
isto regredir o quadro geral. Portanto, mesmo um trabalho de SNN
só deve ser iniciado a partir da melhora do quadro respiratório,
quando o bebê encontra-se sem controles neste nível. Existem
algumas exceções, como por exemplo, bebês com problemas
respiratórios crônicos ou cardíacos, que não se deve aguardar a
melhora da doença para iniciar a atuação, pois esta pode levar
muito tempo, mas sempre leva-se em consideração a dificuldade
do bebê e fazem-se algumas adaptações para que este consiga
evoluir o mais adequadamente possível. Pode-se aí aumentar o
número de situações de alimentação por dia para que o bebê não
tenha mamadas longas que aumentam a chance de estresse e
com isto alteração do padrão respiratório que, por sua vez, leva a
alterações de tono, postura, sucção e deglutição. Existem casos
também de bebês que apresentam um nível cognitivo razoável,
mas que se encontram com quadro clínico instável, onde também
é importante algum tipo de intervenção, sempre considerando os
sistemas de funcionamento do bebê.
Quanto ao balanço calórico (BC), cabe ressaltar que a imatu-
ridade dos recém-nascidos prematuros não é somente em nível
pulmonar, mas também quanto ao seu funcionamento global e
comportamento, incluindo imaturidade gastrointestinal. Quanto
mais maturo for o recém-nascido, maiores condições ele terá de
receber um aporte calórico elevado por via gástrica.
Conseqüentemente, considera-se que o BC dá uma noção
quanto à maturidade do bebê no momento, podendo ser utilizado
não só em casos de bebês com história de prematuridade. BERBAUM
e cols. (1983) consideraram em seu estudo com recém-nascidos o
BC de 115 cal/kg/dia para se iniciar um trabalho de SNN.
Atualmente considera-se necessário um BC de ao menos
90cal/kg/dia juntamente com um quadro clínico estável para se
iniciar um trabalho direto com o desenvolvimento da função
motora oral.
Existem várias avaliações já publicadas na literatura interna-
cional, assim como o NOMAS (NEONATAL ORAL MOTOR ASSESSMENT
SCALE) de BRAUN & PALMER, 1986 e revisado por CASE-SMITH,
1988; CASAER & LAGAE, 1991; ARVEDSON & BRODSKY , 1993;
CHERNEY, 1994; XAVIER, 1995, entre outras.
Segue resumo da avaliação de XAVIER, que foi elaborada e
utilizada no Berçário da Santa Casa de São Paulo como forma de
avaliação e acompanhamento de bebês sob o ponto de vista
motor oral durante a hospitalização. A partir desta pode-se chegar
a algumas conclusões e condutas, como por exemplo, iniciar a
SNN, continuar a SNN, iniciar a via oral, suspender a via oral,
sugerir alta hospitalar, entre outras.
Os aspectos avaliados neste protocolo são bastante seme-
lhantes aos também avaliados nos demais protocolos publicados
na literatura.
Trabalho Fonoaudiológico em Berçário 1015

Segue resumo do protocolo:

1. Volume de leite / BC
2. Horário de início da mamada
3. Prontidão para a mamada
4. Tono
5. Estado de consciência no início da mamada
6. Postura no início da mamada
7. Sucção
8. Grau de força de sucção
9. Variação no ritmo de sucção
10. Movimentação de língua
11. Refluxo
12. Variação na força de sucção
Sinais de estresse
13. Escape de leite
14. Variação de tono global
15. Alteração respiratória
16. Outros sinais
17. Adormece durante a mamada
18. Horário do final da mamada
19. Tempo que permanece sugando
Eficiência
20. Ml/minutos
21. Tempo total de alimentação
Conduta
• Iniciar SNN
• Continuar SNN
• Iniciar VO
• Quantidade por VO
• Suspender VO
• Observações

Condutas a serem tomadas a partir da


avaliação inicial
Na medida em que o bebê apresenta um quadro clínico sob o
ponto de vista respiratório razoável, e um balanço calórico tam-
bém de no mínimo 90 cal/kg/dia e ao ser avaliado observa-se
várias alterações sob o ponto de vista motor oral, opta-se por
iniciar um trabalho de desenvolvimento da função motora oral,
denominado SNN inicialmente para depois passar para a sucção
nutritiva (SN).

Sucção não-nutritiva (SNN) traz vários benefícios


para o bebê
• adequa a musculatura oral;
• facilita a associação da sucção com a saciação;
• facilita a digestão;
1016

• altera os estados de vigília;


• leva a uma maior oxigenação durante e após as mamadas;
• deve ser associada a hora das mamadas;
• leva a um maior ganho de peso sendo que o bebê recebe a
mesma quantidade calórica;
• possibilita uma transição para alimentação por via oral mais
rápida e mais fácil;
• leva à alta hospitalar mais cedo.

Realização da SNN
O bebê deve ser posicionado em decúbito lateral, com inclina-
ção e suporte necessário para que fique estável nesta posição.
Deve-se tentar promover uma posição de flexão que facilitará a
performance de sucção e desenvolvimento global do bebê. A SNN
pode ser iniciada quando o bebê ainda se encontra na isolete,
desde que sejam respeitados os critérios citados anteriormente
(Fig. 45.2).
O bebê é tocado, acariciado antes de receber o leite por
gavagem. São realizados toques em todo o corpo e na face. É
posicionado e lhe é oferecido o dedo mínimo envolvido por luva, bico
de chupeta ou bico de mamadeira para iniciar seu aprendizado
enquanto recebe o alimento pela sonda. O ideal é que a SNN seja
realizada com a utilização de dedo de luva, para melhor avaliação
dos movimentos e tono de língua do bebê. Pode-se molhar o dedo
de luva com solução glicosada ou leite, com a finalidade de promo-
ver mais estímulo e propriocepção para o bebê.
Esta experiência tem se mostrado bastante importante para a
evolução de bebês hospitalizados. O bebê vai evoluindo gradati-

FIGURA 45.2 – Recém-nascido prematuro durante situação de SNN. Recebe leite por sonda nasogástrica
enquanto é estimulado com dedo de luva com um pouco de leite para aumentar a propriocepção.
Encontra-se em decúbito lateral direito, leve inclinação do colchão e apoio nas costas para conseguir
permanecer nesta posição. Já direciona os membros em direção à linha média, mas o tono ainda é
alterado. Não consegue ainda ficar com olhos abertos durante toda a mamada.
Trabalho Fonoaudiológico em Berçário 1017

vamente: diminui a instabilidade, os movimentos adquirem maior


precisão, permanece mais tempo em alerta, movimentos de
língua e mandíbula se tornam mais coordenados, maior coorde-
nação entre sucção, deglutição, respiração e padrão postural. O
bebê vai se tornando mais receptivo na hora da mamada e a mãe
fica já muito contente em poder participar e também colaborar
para a evolução deste.
A evolução é individual e vai depender do progresso do bebê sob
os aspectos avaliados para ocorrer o início da alimentação por via
oral. Pode-se fazer algumas graduações para preparar melhor o
bebê para a SN, como por exemplo, elevando-o, para que se
acostume com este novo posicionamento, ainda na SNN, pois
posteriormente, quando iniciar alimentação por via oral esta será a
posição adequada. Inicialmente o bebê pode alterar o padrão
respiratório, pois ele não tem musculatura abdominal suficiente para
contrabalançar. Depois de adaptado a esta posição durante a SNN,
pode-se iniciar a via oral bem gradativamente. Pode-se utilizar uma
gaze embebida com leite, ou até construir um adaptador à chupeta
(Fig. 45.3) que controle o fluxo de leite, para o bebê ir adaptando
gradativamente todo o padrão já desenvolvido anteriormente na
SNN, mas agora com um certo fluxo de leite. Posteriormente inicia-
se a via oral através de mamadeiras e/ou seio materno, sendo que
a sonda gástrica não é ainda retirada. Esta só deverá ser retirada na
medida em que o bebê já conseguir receber toda a prescrição de
leite por via oral e isto pode levar alguns dias.

FIGURA 45.3 – Adaptador à chupeta (MORRIS & KLEIN, 1987).

Controvérsias
Existem diversas opiniões em relação aos tipos de sondas
utilizadas (Fig. 45.4). É de comum acordo que a sonda nasogástrica
e a orogástrica tendem a prejudicar toda a mucosa por onde elas
passam e também o desenvolvimento motor oral do bebê quando
utilizada por tempo prolongado. Muitos serviços optam pela sonda
orogástrica inicialmente na medida em que grande parte dos
1018

FIGURA 45.4 – Tipos de sondas (MORRIS & KLEIN, 1987).

bebês encontra-se com alguma dificuldade respiratória, e a sonda


nasogástrica estaria comprometendo a utilização de uma das
narinas. Alguns autores colocam que a sonda nasogástrica pode
ser mais prejudicial para o desenvolvimento do processo normal
de deglutição do que a sonda orogástrica. Outros, também obser-
varam alterações em nível motor oral em bebês que utilizaram
somente a sonda orogástrica.
Ao nível da atuação fonoaudiológica específica durante a fase
de hospitalização, observa-se que os bebês evoluem no padrão
de sucção e deglutição tanto com a sonda oro como com a
nasogástrica.
Assim que o bebê sai da ajuda respiratória e inicia um trabalho
de SNN, este pode realmente apresentar alterações do seu
padrão respiratório se tiver uma das narinas obstruída pela sonda.
No entanto, depois de alguns dias, quando o padrão respiratório
já se encontra bem estável, ele consegue utilizar uma só das
narinas sem alterações, durante a SNN.
Quando inicia-se o trabalho de SNN a sonda orogástrica pode
dificultar, pois dependendo do tamanho da cavidade oral do bebê,
esta pode ficar tomada com a introdução do dedo mínimo do
profissional para estimular e o bebê no lugar de desenvolver um
padrão mais adequado de sucção pode se desorganizar, apre-
sentar aversão ao estímulo e reflexo de vômito exacerbado.
Além disso, é importante que a sonda orogástrica fique situada
sempre na linha média e nunca nas bordas laterais labiais, o que
levaria a um padrão alterado de movimentação de língua,
canolamento, organização do bolo alimentar, etc. É preciso cola-
borar para o desenvolvimento do senso de linha média do bebê
não só em nível motor global, assim como também em nível motor
fino.
O fonoaudiólogo é o profissional que vai fazer o “desmame” da
sonda, mas é preciso que os demais profissionais da equipe e os
pais saibam que a utilização de sonda por um tempo traz benefí-
cios para o bebê, pois ele continua a receber os nutrientes
necessários sem fazer o esforço da via oral, que em muitos casos
Trabalho Fonoaudiológico em Berçário 1019

pode levar o bebê à perda de peso ou ganho de peso mais lento.


O bebê que é estimulado e permanece com a sonda até adquirir
um padrão motor oral adequado, para aí iniciar o treino de
alimentação por via oral, vai bastante rápido depois, até conseguir
toda a alimentação por via oral. O bebê ganha tempo neste
processo; não se deve aguardar a maturação sozinha pois a
experiência modifica o padrão motor oral.
Há casos também em que o bebê não consegue fazer o
desmame da sonda em pouco tempo, por alguma questão de
ordem neurológica, má-formação, etc., onde então opta-se pela
gastrostomia, que é um procedimento cirúrgico onde uma sonda
é inserida diretamente na parede do estômago. Normalmente a
evolução destes casos é mais lenta, mas não significa que estes
bebês não venham a conseguir a alimentação por boca posterior-
mente. É extremamente necessário que seja realizado um traba-
lho de exploração, propriocepção e normalização das reações em
nível motor oral para um melhor desenvolvimento global, de
comunicação e motor oral. A alimentação por via oral é nestes
casos uma conseqüência e não o objetivo da intervenção.
Existem também controvérsias em relação à utilização de
bicos e chupetas para estimular o bebê e a não-aceitação
posterior do aleitamento materno nestes casos. A experiência tem
mostrado que a utilização de bico, chupetas e dedo de luva não
impedem a aceitação futura do seio materno. Quando se estimula
a sucção com estes artifícios, o bebê ainda não apresenta sucção
desenvolvida. A partir do momento em que ele tem o padrão
estabelecido é que ele vai ter condições de adquirir o leite do seio
materno, e aí não vai mais ser exposto a bicos e chupetas, se esta
mãe tiver no momento leite suficiente para o bebê. Antes disso ele
não vai conseguir sugar eficientemente.
O bebê pode ser levado ao seio materno antes de ter o padrão
de sucção estabelecido, mas como efeito de contato, ligação mãe-
bebê e não como treino de sucção. O bebê precisa também de uma
certa freqüência no treino, tanto de SNN como de via oral, e quando
ele se encontra já no treino de via oral, raramente esta mãe pode ir
ao berçário todas as mamadas do dia. Conseqüentemente ele vai
treinar a via oral em alguns momentos através da mamadeira. Além
disso, existe um número enorme de mães que ficam muito
estressadas pela hospitalização de seus bebês e não conseguem
permanecer com a produção de leite por muitos dias. Tenta-se
proporcionar uma vivência bastante semelhante ao que seria con-
siderado ideal e normal para estas mães e bebês, mas é importante
ressaltar que nem sempre é possível (LAWRENCE, 1995).
Vale a pena colocar que alguns estudos já mostraram que o
desmame do seio pode se dar em função de outros aspectos, como
por exemplo a volta ao trabalho, após a licença da maternidade. No
ambulatório de prematuros da Santa Casa de São Paulo, observou-
se que há um número elevado de aleitamento materno até o 3º mês
e depois uma queda, sendo que todos estes bebês receberam
1020

estímulos variados durante a hospitalização (XAVIER, TAQUES, ALVES,


1996). Ou seja, grande parte vai utilizar a mamadeira posteriormente.
Este fator nos faz refletir sobre dois aspectos importantes: a orienta-
ção às mães em relação aos tipos de bicos e furos mais adequados.

ALTA HOSPITALAR
A alta hospitalar deve ocorrer no momento em que o bebê
encontra-se com o padrão adequado de alimentação e a mãe
orientada e tranqüila com relação a esta situação.
A mamada precisa ser neste momento funcional, ou seja, o
bebê deve ser eficiente, não demorar demais para adquirir a
quantidade de leite necessária para ele, além de apresentar
padrão adequado de sucção, deglutição, respiração e postura.
A mãe já deve ter vivenciado várias situações de alimentação
com seu bebê e já deve poder reconhecer possíveis sinais de
estresse e desorganização do bebê para evitá-los ou para interrom-
per a mamada se estes surgirem em casa. Orientações específicas
relacionadas ao funcionamento individual do bebê devem ser da-
das. A mãe deve estar com prática nas técnicas de amamentação
vivenciadas no berçário para poder transformar esta situação que
inicialmente gerou tensão, em algo prazeroso para ela e seu bebê.
Seria fundamental que estes bebês considerados de “risco”
fossem acompanhados após a hospitalização também em nível
fonoaudiológico para um melhor conhecimento quanto ao seu
desenvolvimento e também para a detecção precoce de crianças
que necessitam de intervenção mais direta ou orientação a pais no
decorrer do acompanhamento. Várias pesquisas mostram como
seqüelas destes bebês considerados de “risco”, as alterações
globais de desenvolvimento, como atraso motor relevante, paralisia
cerebral, deficiência auditiva; também mostram como seqüelas
menos evidentes, as alterações de fala, linguagem, desenvolvimen-
to cognitivo, dificuldades de aprendizagem, problemas comporta-
mentais, entre outros (ANDRADA, 1989; AZEVEDO, 1993; BASSETTO,
1994; XAVIER & CARDINALLI, 1995; XAVIER, TAQUES; ALVES, 1996).
É de extrema importância que programas preventivos,
educativos e de intervenção não só na fase hospitalar assim como
no seguimento destes bebês denominados de “risco” se desenvol-
vam. Este período inicial é básico para a qualidade de saúde e
desenvolvimento em todas as outras fases da vida. Cabe ao
fonoaudiólogo investir nesta formação e atuação, além de
conscientizar outros profissionais e a população em geral, quanto
a esta nova possibilidade de atuação.

Leitura recomendada
ALS, H. – A synactive model of neonatal behavioral organization. In:
SWEENEY, J.K. The High-Risk Neonate: Developmental Therapy
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Trabalho Fonoaudiológico em Berçário 1021

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Deficiência Auditiva 1
Atendimento Fonoaudiológico nas Laringectomias Parciais 1025

Reabilitação
Fonoaudiológica nos
Casos Oncológicos de
Cabeça e Pescoço
1026
Atendimento Fonoaudiológico nas Laringectomias Parciais 1027

46
Atendimento
Fonoaudiológico nas
Laringectomias Parciais

Mara Behlau
Maria Inês Gonçalves

INTRODUÇÃO

A cirurgia da laringe evoluiu de modo considerável a partir do


final dos anos 40 e nas duas décadas seguintes, quando os
pioneiros no emprego de técnicas de tratamento do câncer com
a preservação e reconstrução das funções laríngeas apresenta-
ram seus resultados encorajadores (ALONSO, 1947; SOM, 1951;
NORRIS , 1958; OGURA & BILLER , 1969). O interesse nos resulta-
dos funcionais dessas cirurgias é partilhado pelo cirurgião, pelo
fonoaudiólogo e pelo paciente. As vantagens de se realizar uma
remoção parcial da laringe, desde que preservadas as funções
desse órgão e desde que erradicado o carcinoma, são indiscu-
tíveis. Contudo, a complexidade da laringe deve ser levada em
consideração. Se, por um lado, há necessidade de se manter um
tubo estável e aberto para se garantir a respiração, por outro
lado, a função deglutitória exige um mecanismo esfincteriano
rápido e eficiente. Além disso, numa posição intermediária entre
a abertura para a respiração e o fechamento para a deglutição,
encontra-se a função fonação, que exige estruturas próximas e
flexíveis o suficiente para sonorizar o ar translaríngeo. O órgão
resultante deve, sobretudo, apresentar uma excelente estabili-
dade para dar segurança ao paciente frente às demandas
fisiológicas do dia-a-dia.
1028

Assim sendo, reabilitação fonoaudiológica nas laringectomias


parciais decorre das alterações básicas impostas pela ressecção
cirúrgica efetuada, a qual pode limitar uma ou até mesmo todas as
funções da laringe, ou seja, a respiração, a fonação e a função
esfincteriana. O objetivo final da atuação fonoaudiológica é obter
a redução dos desvios nestas funções, sendo a deglutição e a
fonação primariamente afetadas e a respiração geralmente pre-
servada, na maior parte dos casos.
Ainda é pensamento comum a alguns cirurgiões considerar o
procedimento cirúrgico a meta final no tratamento do paciente.
Isso acontece por acreditarem em uma recuperação espontânea
das funções alteradas ou por não conhecerem as possibilidades
da reabilitação fonoaudiológica. Na verdade, também são poucos
os fonoaudiólogos que se dedicam a esta área e que estão
preparados para oferecer a reabilitação adequada. Acima de
tudo, não são disponíveis estudos comparativos sobre os resulta-
dos da recuperação espontânea e da recuperação assistida, para
que possamos compreender a evolução do paciente e a fisiopa-
tologia resultante.
Apesar de existir a possibilidade de uma reabilitação espontâ-
nea, do momento em que a tendência natural do ser humano é a
de compensar toda e qualquer deficiência adquirida, aspectos
mais refinados, como o controle pneumofonoarticulatório, a coor-
denação deglutição-fala e a adequação da qualidade vocal,
geralmente fogem ao processo natural de melhoria no pós-
operatório.
As laringectomias parciais podem ser divididas em dois gran-
des grupos, a saber: laringectomias parciais verticais e
laringectomias parciais horizontais, de acordo com o plano
básico de ressecção cirúrgica. O impacto dessas cirurgias difere,
assim como os procedimentos de reabilitação fonoaudiológica a
serem empregados.
Como em todas as cirurgias de cabeça e pescoço, cujo
indivíduo possa vir a apresentar seqüelas posteriores de fala,
voz ou deglutição, o atendimento fonoaudiológico deverá se
iniciar no período pré-operatório para o estabelecimento de um
melhor vínculo com o paciente e sua família, além do esclareci-
mento sobre as possíveis seqüelas e os pontos principais da
reabilitação fonoaudiológica. C ASPER & COLTON (1993) ressal-
tam a importância dessa consulta nos pacientes operados de
câncer de laringe, considerando-a essencial. Referem que o
paciente está pronto para ouvir mais e que o tempo empregado
com o fonoaudiólogo oferece a oportunidade de: revisar o que
o paciente sabe, corrigir quaisquer interpretações inadequadas,
reforçar as informações essenciais, prover novas informações,
permitir tempo para perguntas e discutir as opções de comuni-
cação. Os autores ainda ressaltam que o fonoaudiólogo deve
ser hábil para perceber o quanto de informação o paciente está
preparado para ouvir.
Atendimento Fonoaudiológico nas Laringectomias Parciais 1029

REABILITAÇÃO NAS LARINGECTOMIAS


PARCIAIS VERTICAIS
As laringectomias parciais verticais são indicadas para o
câncer glótico, seja T1, T2 ou T3, sendo que o limite máximo de
ressecção depende principalmente da possibilidade de se recons-
truir a laringe residual, mantendo as funções respiratória e es-
fincteriana (BILLER & SOM, 1977). Este grupo envolve uma série de
cirurgias que vão desde a remoção de uma prega vocal, quando
realizada por laringofissura, até a remoção de partes que com-
põem o esqueleto da laringe. As variações quanto ao porte
cirúrgico e aos limites das ressecções são muito expressivas, com
diferenças de autor a autor, de escola a escola. BRASIL (1994), em
uma tentativa louvável de organizar os tipos de cirurgias parciais
da laringe, descreve didaticamente e com detalhes os limites
cirúrgicos de cada situação operatória, que reproduzimos a se-
guir, acompanhados dos esquemas do próprio autor, indicando a
área de ressecção realizada. Acrescentamos comentários sobre
a voz resultante, no sentido de facilitar a compreensão das
modificações impostas a este órgão e auxiliar as considerações
sobre a reabilitação fonoaudiológica, apresentadas posterior-
mente.

Cordectomia
A cordectomia representa a ressecção de uma prega vocal,
com margem no pericôndrio interno, com ou sem aritenoidectomia
(Fig. 46.1).
A voz resultante melhora a médio prazo, quando se forma uma
fibrose no local da prega ressecada, chamada em alguns textos de
“neocorda”, que passará a atuar como muro de apoio da prega vocal
remanescente. Podemos, por vezes, observar vibração da mucosa
da cicatriz pós-ressecção, quando há condições para a ocorrência

FIGURA 46.1 – Imagem esquemática da laringe, em corte


horizontal, mostrando a área de ressecção (tracejado)
em uma cordectomia (BRASIL, 1994).
1030

do fenômeno de Bernoulli. A fonte sonora para a produção da voz


pode ocorrer em nível glótico ou supraglótico. A fonação supraglótica,
após a cordectomia, é geralmente feita por constrição mediana das
pregas vestibulares, e a “voz de banda” resultante pode apresentar
qualidade vocal. Não são ainda claros os fatores que interferem na
seleção da fonação glótica ou supraglótica pós-cordectomia.

Laringectomia frontal anterior


A laringectomia frontal anterior representa um procedimento
cirúrgico onde ocorre a ressecção da quilha da cartilagem tireói-
dea, além do terço anterior de ambas as pregas vocais, com
margem no pericôndrio interno (Fig. 46.2).
O resultado vocal é geralmente bom, com mudanças mais
acentuadas na elevação da freqüência fundamental, devido ao
encurtamento da região ântero-posterior da laringe, o que reduz
a área vibratória da prega vocal, com a conseqüente diminuição
da proporção glótica da laringe.

FIGURA 46.2 – Imagem esquemática da laringe, em corte


horizontal, mostrando a área de ressecção (tracejado) em
uma laringectomia frontal (BRASIL, 1994).

Laringectomia frontolateral
Para a realização de uma laringectomia frontolateral ocorre a
ressecção da quilha da cartilagem tireóidea, mais a exérese
subpericondrial de uma prega vocal, com ou sem aritenoidectomia
e com margem no pericôndrio interno (Fig. 46.3).
O resultado vocal depende da reconstrução empregada, que
produzirá uma nova anatomofisiologia. De modo geral, a voz
perde em harmônicos e em intensidade, com uma qualidade
global áspera ou rouca. A voz resultante tende a ser áspera
quando não é realizada a aritenoidectomia e a área submetida à
ressecção transforma-se em um tecido enrijecido, que passa a ser
estirado pela aritenóide. Por outro lado, quando é realizada a
aritenoidectomia, ocorre um colabamento dos tecidos remanes-
centes, e a quantidade de massa colocada em vibração produz
uma voz de qualidade rouca. Convém lembrar que vozes de
Atendimento Fonoaudiológico nas Laringectomias Parciais 1031

FIGURA 46.3 – Imagem esquemática da laringe, em corte


horizontal, mostrando a área de ressecção (tracejado)
em uma laringectomia frontolateral (BRASIL, 1994).

qualidade rouca são melhores aceitas socialmente do que vozes


ásperas, consideradas desagradáveis pela estridência associada.

Laringectomia frontolateral ampliada


Por sua vez, a laringectomia frontolateral ampliada correspon-
de a uma ampliação da área ressecada, em relação à laringectomia
frontolateral, incluindo a remoção da região subglótica anterior e/
ou ventrículo e prega vestibular, com ou sem aritenoidectomia e
com margem no pericôndrio interno.
O resultado vocal é semelhante ao anterior, por vezes melhor,
quando as estruturas remanescentes e o retalho de reconstrução
empregado configuram uma fonte de som com grande massa de
tecido para vibração, porém, sem produzir ruídos à respiração.

Hemilaringectomia
Na hemilaringectomia ocorre a ressecção de uma lâmina da
cartilagem tireóidea, com a quilha da mesma, juntamente com o
pericôndrio externo, incluindo ou não a borda posterior dessa
cartilagem, com a inserção do músculo constritor inferior da faringe.
Nas estruturas ressecadas, estão incluídas a comissura anterior,
toda uma prega vocal, com ou sem uma cartilagem aritenóidea, o
ventrículo, a prega vestibular e o terço anterior da prega vocal
contralateral, com margem no pericôndrio externo (Fig. 46.4).
O resultado vocal é freqüentemente melhor que nas laringecto-
mias frontolaterais, devido ao motivo já apresentado anteriormente:
a tendência ao colabamento das estruturas da laringe e a vibração
em bloco produzem uma voz disfônica, porém, bem aceita social-
mente. Do momento em que a maioria desses pacientes pertence ao
sexo masculino, a voz rouca de freqüência grave permite a correta
identificação do sexo do falante através das características acústicas
de sua emissão. A voz áspera, resultado da sonorização do ar por
ativação dos tecidos cicatriciais rígidos, além de ser desagradável
tende a ser aguda, inaceitável para os falantes homens.
1032

FIGURA 46.4 – Imagem esquemática da laringe, em corte


horizontal, mostrando a área de ressecção (tracejado) em
uma hemilaringectomia (BRASIL, 1994).

Hemilaringectomia ampliada
Por sua vez, a hemilaringectomia ampliada corresponde a
uma ampliação da hemilaringectomia, com ressecção da subglote
anterior e cricoidectomia parcial e/ou pecíolo da epiglote e/ou loja
pré-epiglótica e/ou prega vocal contralateral até o processo vocal,
respeitando sua cartilagem aritenóidea e com margem no pericôn-
drio externo (Fig. 46.5).
O resultado vocal é semelhante ao anterior, mas geralmente
observa-se uma intensidade mais reduzida, o que implica menor
potência e projeção vocais, dificultando a comunicação em locais
ruidosos. Nesses casos, as tentativas de elevar a intensidade
podem resultar em fadiga fonatória, cansaço físico e tontura
devido à hiperventilação.

F IGURA 46.5 – Imagem esquemática da laringe, em


corte horizontal, mostrando a área de ressecção
( tracejado) em uma hemilaringectomia ampliada
(BRASIL, 1994).

Laringectomia vertical subtotal


Finalmente, o maior porte cirúrgico dentre as laringectomias
parciais refere-se à laringectomia vertical subtotal, onde ocorre
Atendimento Fonoaudiológico nas Laringectomias Parciais 1033

uma ressecção equivalente a uma hemilaringectomia bilateral,


com exérese dos dois terços anteriores de ambas as lâminas da
cartilagem tireóidea e seu conteúdo interno, isto é, pregas vocais,
ventrículos e pregas vestibulares. É preservada, pelo menos, uma
cartilagem aritenóidea, e pode também incluir a região subglótica
anterior com cricoidectomia parcial, com margem no pericôndrio
externo (Fig. 46.6).
Nesta extensão cirúrgica, a voz resultante tende a ser astênica
ou rouca severa, pela grande alteração no esqueleto da laringe,
e deve ser feito um trabalho de aproveitamento máximo da
ressonância e melhoria da precisão articulatória, para minimizar
as interferências negativas de uma fonte sonora ruidosa.
As laringectomias parciais, em todas as suas variações,
provocam uma deficiência na coaptação glótica, o que geralmente
é corrigido anatomicamente por meio de reconstrução da área
ressecada; apesar disto, a geometria da glote e a arquitetura
histológica da fonte sonora ficará definitivamente alterada. Exis-
tem vários tipos de reconstrução, com técnicas e indicações
diversas e, apesar de não ser o objetivo do presente trabalho, e
nem da competência das autoras comentar as técnicas de recons-
trução, convém realizar algumas observações com relação à nova
fisiologia da produção sonora após a cirurgia.
O objetivo principal de uma reconstrução pós-laringectomia
parcial é promover a redução do espaço criado pela ressecção,
facilitando a vibração das estruturas remanescentes, o controle da
respiração e a coordenação pneumofonoarticulatória. As técnicas
de reconstrução são inúmeras e as variações individuais em cada
um desses procedimentos ainda maior, porém, as reconstruções
mais freqüentemente utilizadas em nosso meio são as de Bailey,
Conley, Tucker e Brasil.
A reconstrução pela técnica de Bailey (BAILEY, 1965) emprega
um retalho bipediculado do músculo esterno-hióideo, utilizando
para forro epitelial o pericôndrio externo ipsilateral da lâmina da

FIGURA 46.6 – Imagem esquemática da laringe, em


corte horizontal, mostrando a área de ressecção em
uma laringectomia subtotal (BRASIL, 1994).
1034

cartilagem tireóidea. Funcionalmente os autores referem que a


voz resultante é adequada, com deglutição satisfatória e vias
aéreas livres o suficiente para uma respiração normal.
Na técnica de Conley (CONLEY, 1975) a reconstrução é realizada
por meio de retalho de pele regional, ou seja, do próprio pescoço,
bilateral, rodado para a luz remanescente da laringe ressecada.
Na reconstrução com a técnica de Tucker (TUCKER e cols.,
1979) utiliza-se o deslizamento da epiglote para o preenchimento
do espaço glótico, o que é chamado de epiglotoplastia. A voz
resultante é geralmente boa, embora quase sempre seja produzi-
da em nível supraglótico.
BRASIL e cols. (1991) propõem a utilização do retalho miocu-
tâneo do músculo platisma como técnica de reconstrução e
observam, quanto à qualidade vocal dos pacientes, rouquidão
leve ou moderada, soprosidade ausente ou leve e índices de
inteligibilidade da fala pouco reduzidos. Posteriormente, numa
avaliação oncológica e funcional de pacientes reconstruídos com
esse retalho (BRASIL, 1995; BRASIL e cols., 1996) oferecem uma
análise minuciosa sobre a eficiência desse retalho, considerando
inclusive os aspectos auditivos e acústicos da qualidade vocal
resultante.
Menos comumente são empregadas técnicas de reconstru-
ção com o deslizamento da mucosa da prega ariepiglótica com
tracionamento da mucosa do seio piriforme, ou ainda com o
deslocamento da prega ventricular (FRIEDMAN & TORIUMI, 1987),
o que exige condições adequadas nem sempre presentes, porém,
com relatos de excelentes resultados.
De modo geral, os principais impactos decorrentes das
laringectomias parciais verticais são: voz soprosa, de fraca inten-
sidade, dificuldade de sonorização, redução dos tempos de fona-
ção e aspiração de alimentos e/ou líquidos.
A voz soprosa e de fraca intensidade ocorre porque, após a
ressecção cirúrgica, o espaço glótico encontra-se muito aumenta-
do, permitindo maior escape do ar e não oferecendo condições de
resistência para se criar uma coluna de ar infraglótico e gerar
níveis de intensidade mais elevados. Pelo mesmo motivo, os
tempos de fonação encontram-se reduzidos; o ar escapa rapida-
mente e as frases sonoras tornam-se mais curtas. É comum que
os pacientes submetidos a esse tipo de ressecção apresentem
queixa de cansaço, não somente vocal, mas também durante a
execução de tarefas físicas simples, como subir escadas, andar e
correr, onde o mecanismo de válvula laríngea promove uma
vantagem mecânica adicional.
A dificuldade da laringe funcionar como fonte sonora, a
chamada fonte glótica, decorre também do fato do espaço
criado pela ressecção cirúrgica não oferecer condições suficien-
tes de aproximação das estruturas remanescentes e do retalho
de reconstrução, o que reduz as chances de vibração dessas
estruturas. Da mesma forma, além desse espaço ser inadequa-
Atendimento Fonoaudiológico nas Laringectomias Parciais 1035

do para funcionar como fonte produtora de som, atua também


como uma porta aberta para a entrada dos alimentos na laringe
e, portanto, a aspiração de líquidos ou pastosos pode ser
freqüente, principalmente no pós-operatório imediato, quando o
paciente ainda não se adaptou às novas condições anatomofun-
cionais.
A reconstrução laríngea é muito importante e auxilia de forma
expressiva na reabilitação fonoaudiológica do paciente, seja em
relação à soprosidade, à sonorização ou à aspiração dos alimen-
tos. Geralmente a reconstrução funciona como um “muro” que
propicia a coaptação e favorece a sonorização da fonação, além
de contribuir para o fechamento da laringe durante a deglutição,
prevenindo a aspiração de saliva, líquidos ou alimentos para os
pulmões.
Os indivíduos submetidos a uma laringectomia parcial vertical
geralmente não apresentam aspiração importante, chegando à
fonoterapia já sem a sonda nasogástrica e sem o traqueostoma.
Caso o paciente apresente aspiração persistente, a fonoterapia
poderá auxiliá-lo na retirada da sonda nasogástrica e na elimina-
ção da aspiração, através de técnicas específicas para esse fim,
abordadas mais adiante neste capítulo.
O paciente pode ainda referir falta de ar, queixa esta que deve
ser investigada cuidadosamente. De modo simplificado, quando a
queixa de ar restringe-se apenas às situações de comunicação:
“quando eu falo falta constantemente o ar e eu tenho que ficar
pegando o ar o tempo todo”, tal situação reflete um espaço
intralaríngeo pós-cirúrgico maior que o adequado, o que faz com
que o paciente deva realizar recargas respiratórias constantes,
para completar as frases de seu discurso. Na verdade, não ocorre
falta de ar, mas sim, o ar escapa demais, a voz é geralmente
rouco-soprosa, e o paciente fala através de frases curtas e
rápidas. Quando a falta de ar não ocorre somente durante a fala,
mas também na respiração silenciosa, o quadro já é diferente
pode significar uma estenose pós-cirúrgica ou uma recidiva do
tumor e requer uma avaliação médica.
A literatura sobre resultados vocais das laringectomias par-
ciais concorda que a voz resultante sempre difere da normal, com
diferentes graus de disfonia, porém é geralmente considerada
uma “voz boa” (O GURA & B ILLER, 1969; BLAUGRUND e cols., 1984;
HIRANO, KURITA, MATSUOKA, 1989; BRASIL e cols., 1991; REMACLE
& MILLET, 1991; BRASIL e cols., 1996). De modo geral, os autores
concordam que aproximadamente dois terços dos pacientes
submetidos a uma laringectomia parcial vertical terão vozes
consideradas boas a excelentes (PADOVAN & ORESKOVIC, 1975),
porém faltam dados funcionais mais precisos, principalmente
comparando-se diversas extensões cirúrgicas e técnicas de re-
construção.
Especificamente quanto à fisiologia da fonte sonora e o
resultado funcional nas laringectomias parciais, a informação
1036

disponível é muito escassa, limitando-se a apresentar dados de


um grupo de pacientes reconstruídos com a mesma técnica. Na
verdade, apenas três estudos se aprofundam na análise vocal,
comparando resultados de diferentes extensões cirúrgicas e
técnicas de reconstrução. Tais trabalhos foram publicados nos
anos 80 (BLAUGRUND e cols., 1984; HIRANO e cols., 1989; REMACLE
& MILLET, 1989).
O trabalho de BLAUGRUND e cols. (1984) analisa 20 pacientes
submetidos a laringectomias verticais – hemilaringectomia com e
sem aritenoidectomia e laringectomia frontolateral – com recons-
truções glóticas variadas, incluindo musculoplastia e retalho de
pele. A conclusão do estudo videolaringoscópico é de que o
mecanismo de produção de voz é o resultado da esfincterização
e da hipertrofia das estruturas glóticas e supraglóticas remanes-
centes, com a cartilagem aritenóidea desempenhando um papel
muito importante. Além disso, a análise espectrográfica mostrou
altos índices de perturbação na freqüência e amplitude, o que
indica instabilidade da fonte sonora, e são traduzidos por valores
elevados de jitter e shimmer . Pacientes com fonação supraglótica
apresentaram freqüência fundamental mais grave e vozes mais
roucas – o que geralmente ocorreu quando se removeu uma
cartilagem aritenóidea –, enquanto pacientes com fonação glótica
apresentaram freqüência mais aguda e vozes soprosas.
O estudo de H IRANO e cols. (1989) oferece-nos dados sobre
a função vocal de 54 pacientes submetidos à hemilaringecto-
mia, cujas principais conclusões são: 1. a glote não se fecha
completamente; 2. as estruturas supraglóticas tornam-se
hiperfuncionais e vibram conjuntamente à prega vocal sadia ou
ao invés desta; 3. ocorrem vibrações irregulares das estruturas
laríngeas; 4. tempo máximo de fonação reduzido; 5. fluxo aéreo
médio elevado; 6. extensão de freqüência e intensidade limita-
das; 7. voz rouca, soprosa e/ou tensa; 8. casos com resultados
vocais pobres pertencem mais freqüentemente ao grupo de
reconstrução com pele do que com mucosa de lábio.
O trabalho de REMACLE & MILLET (1989) analisa a qualidade
vocal de 22 pacientes submetidos a diferentes tipos de laringec-
tomia parcial e técnicas de reconstrução. Os autores concluem
que a cordectomia por via endoscópica, realizada com o uso de
laser de CO2 introduz poucas alterações no traçado da freqüência
fundamental, assim como nos casos de hemiglotectomia modifi-
cada. Por outro lado, os pacientes submetidos à laringectomia
frontolateral demonstraram uma deterioração mais acentuada no
traçado acústico, sendo o traçado da freqüência fundamental
geralmente presente e de característica normal, porém, com
harmônicos fracos, alargados e permeados de ruídos. Tal preen-
chimento de ruído corresponde à vibração irregular das estruturas
restantes, principalmente das pregas ventriculares e das aritenói-
deas. Nos quatro casos em que foi realizada uma laringectomia
frontal ampliada segundo Tucker, houve maior modificação no
Atendimento Fonoaudiológico nas Laringectomias Parciais 1037

registro vocal, com enfraquecimento também da freqüência fun-


damental. Os autores ressaltam a importância da reabilitação
vocal e demonstram a efetividade da fonoterapia pela análise dos
espectrogramas. Comentam que a qualidade da reabilitação
vocal depende da importância da ressecção cirúrgica ao nível
glótico, da integridade da prega remanescente e da qualidade da
fonoterapia.
No ano de 1994, o tema central da “VII Pacific Voice Conference”
patrocinada pela “Pacific Voice and Speech Foundation” foi con-
servação vocal, tratamento e restauração após carcinoma laríngeo,
dada a atualidade e importância do assunto. Neste congresso,
nosso grupo foi convidado a apresentar um estudo sobre a
fisiologia da produção sonora nas laringectomias parciais, consi-
derando-se diversas extensões e diferentes técnicas reconstrutivas
(BEHLAU e cols., 1994). Participaram deste estudo 69 pacientes,
com seguimento de 6 meses a 10 anos de pós-operatório, dos
quais 50 foram submetidos à laringectomia frontolateral, 15 à
hemilaringectomia e 4 à laringectomia vertical subtotal, com
reconstrução feita apenas por deslizamento de mucosa, por
deslocamento de prega vestibular (de acordo com a técnica de
FRIEDMAN & TORIUMI, 1987) ou ainda empregando-se as técnicas
de reconstrução acima mencionadas (BAILEY, 1965; TUCKER e
cols., 1979; CONLEY, 1975; B RASIL e cols., 1991). Foi realizada
uma análise visual da localização da fonte sonora e do modo
vibratório, avaliando-se a emissão da vogal sustentada sob luz
estroboscópica (laringoestroboscópio Brüel & Kjaer). Foi também
realizada uma análise perceptivo-auditiva da qualidade vocal,
considerando-se não somente o grau da disfonia, mas também o
grau de aceitabilidade social da emissão do paciente.
A conclusão mais evidente do estudo de BEHLAU e cols. (1994)
é de que a laringe é capaz de um grau excepcional de compensação
após uma laringectomia parcial, não importando o porte cirúrgico ou
a técnica empregada. A localização mais comum para a fonação
ocorreu ao nível supraglótico, em 75% dos casos, apesar de todos
os esforços para se reconstruir a laringe; fonação ao nível glótico foi
observada apenas em 17% dos casos, havendo participação mista,
da glote e da supraglote em apenas um caso (1%) e não havendo
a configuração de fonte sonora em 6% dos pacientes avaliados. É
interessante comentar que o número de estruturas envolvidas na
configuração da fonte sonora foi variável, sendo que o retalho
participou em 16% da configuração da fonte, porém, apresentando
vibração – provavelmente de modo passivo – em apenas 6% dos
casos. As estruturas supraglóticas que mais ativamente contribuí-
ram na fonte de som foram as pregas vestibulares, as cartilagens
aritenóideas e as pregas ariepiglóticas. Outro dado revelador é que,
quando comparamos os resultados das frontolaterais e das
hemilaringectomias, com e sem aritenoidectomia, observamos de
modo evidente que as cirurgias alargadas geraram vozes melhores
e mais aceitas do ponto de vista social, pois a fibrose do pós-
1038

operatório nas cirurgias menores (como a frontolateral sem


aritenoidectomia) tende a produzir voz áspera ou tensa, através de
um processo de esfincterização da laringe, gerando um índice de
disfonia mais elevado. Nas cirurgias de maior porte, o colabamento
das estruturas remanescentes versus o tecido de reconstrução
produzem, por sua vez, voz grave e rouca, melhor aceita do ponto
de vista social. Quanto ao tipo de reconstrução, os piores resultados
foram obtidos onde foi realizado apenas o deslizamento de mucosa,
com índices de disfonia bastante elevados e com nítida falta de
resistência vocal até mesmo para o uso coloquial da voz. Ao
contrário, quando a prega ventricular foi deslocada para a reconstru-
ção do espaço glótico, o resultado vocal foi excelente. Imagens de
três casos do referido estudo, ilustram aspectos laríngeos durante
a respiração e a fonação, sendo os dois primeiros bem-sucedidos e
o último com resultado bastante limitado (Figs. 46.7, 46.8 e 46.9 –
Casos 1, 2 e 3).
Quanto à deglutição após as laringectomias parciais, dois
estudos merecem ser ressaltados (SESSIONS e cols., 1979; VIGNEAU
e cols., 1988). SESSIONS e cols. (1979) atestam a importância do
emprego das técnicas reconstrutoras da laringe para garantir a
função esfincteriana do órgão e minimizar a aspiração orotraqueal
de difícil controle. O estudo de VIGNEAU e cols. (1988), por sua vez,
reforça a importância da reconstrução, relatando que 80% dos
casos de tumores glóticos submetidos à laringectomia parcial
vertical, com reconstrução através de crico-tióidoepiglotopexia,
apresentaram deglutição normal.
Segundo BAILEY (1985), os principais objetivos do emprego de
uma reconstrução laríngea são: 1. melhora vocal; 2. prevenção de
aspiração; 3. correção da respiração pela restauração do lúmen
laríngeo; 4. prevenção de infecção, formação de tecido de granu-
lação, ou condrite pela exposição da cartilagem e dos tecidos na
área de ressecção cirúrgica. Apesar desses objetivos serem

FIGURA 46.7 – Caso 1 – Paciente submetido à laringectomia parcial frontolateral, reconstruído por
retalho bipediculado de músculo esterno-hióideo (BAILEY, 1965). Imagem à esquerda durante a
respiração e imagem à direita durante a fonação. Observe que a fonação é realizada na região
supraglótica, através da aproximação de ambas as cartilagens aritenóideas e da epiglote. A fonte
sonora é eficiente e a qualidade vocal resultante é discretamente tensa (BEHLAU e cols., 1994).
Atendimento Fonoaudiológico nas Laringectomias Parciais 1039

FIGURA 46.8 – Caso 2 – Paciente submetido à hemilaringectomia, reconstruído por retalho miocutâneo
bipediculado de platisma (BRASIL e cols., 1991). Imagem à esquerda durante a respiração e imagem
à direita durante a fonação. Observe que a fonação é realizada na região glótica, através da
aproximação de prega vocal remanescente à esquerda, contra retalho de reconstrução à direita, região
esbranquiçada. A fonte sonora é eficiente e a qualidade vocal resultante é discretamente rouca
(BEHLAU e cols., 1994).

bastante claros, de acordo com o estudo de BEHLAU e cols. (1994),


ficou evidente que a reconstrução da glote não deve ser encarada
como a reconstrução da fonte sonora, mas como um meio de se
manter a permeabilidade da luz laríngea, criando-se, assim,
condições para que a supraglote assuma a função de fonte
sonora, o que ocorreu em dois terços dos casos, independente-
mente da técnica reconstrutiva empregada e do porte cirúrgico.
Tal estudo nos faz refletir sobre a conduta cirúrgica em si, já que
procedimentos mais conservadores, como a laringectomia fron-
tolateral, geraram vozes mais comprometidas do que as obtidas
em procedimentos mais extensos, como as hemilaringectomias.

FIGURA 46.9 – Caso 3 – Paciente submetido à laringectomia vertical subtotal, reconstruído por retalho
de pele regional (CONLEY, 1975). Imagem à esquerda durante a respiração e imagem à direita durante
a fonação. Observe que a fonação é realizada com a tentativa de aproximação das estruturas
remanescentes e do retalho de pele, porém, permanece grande fenda fonatória. A fonte sonora não
é eficiente e a qualidade vocal resultante é rouca severa e soprosa extrema (BEHLAU e cols., 1994).
1040

Também quanto à técnica de reconstrução propriamente dita, à


exceção do deslocamento de prega ventricular – que ofereceu um
resultado muito bom – e da reconstrução somente realizada
através do deslizamento de mucosa – que produziu um resultado
vocal inquestionavelmente ruim – as outras técnicas não apresen-
taram desvios vocais estatisticamente significantes entre si.
Recentemente, dois estudos merecem destaque na compreen-
são do impacto das laringectomias parciais verticais (HASHIMOTO,
1995; BRASIL & BEHLAU, 1996).
HASHIMOTO (1995), em sua tese de mestrado apresentada à
UNIFESP-EPM, apresenta um estudo retrospectivo minucioso
sobre a fonte sonora e a qualidade vocal de 88 pacientes do
Instituto da Laringe de São Paulo e de outros serviços, submetidos
a laringectomias parciais por carcinoma espinocelular da região
glótica. A grande série de casos analisados reveste de importân-
cia este trabalho, principalmente quanto ao peso de suas conclu-
sões. O autor constatou que a região supraglótica constitui-se na
região de eleição para a formação da fonte sonora na maioria
absoluta dos casos em que se realizou a laringectomia parcial
vertical; ao contrário, nas cordectomias, a região glótica permane-
ceu como fonte sonora na maioria absoluta dos pacientes. A fonte
sonora apresentou-se formada por duas ou mais estruturas,
sendo do tipo vibrante, na maioria absoluta dos pacientes. As
pregas vestibulares, a mucosa da região das cartilagens arite-
nóideas, as pregas ariepiglóticas e a prega vocal remanescente
foram as estruturas que predominaram na constituição da fonte
sonora e participaram na quase totalidade como elemento vibran-
te durante a fonação. O retalho utilizado na reconstrução da região
glótica, apesar de contribuir de forma relevante na composição da
fonte sonora, apresentou a menor capacidade de vibração em
relação às demais estruturas. O autor ainda conclui que ocorreu
alteração da qualidade vocal em todos os casos e compara seus
resultados vocais em relação às técnicas de reconstrução empre-
gadas, chegando às seguintes constatações: as técnicas de
reconstrução com prega vestibular e aderência secundária, utili-
zadas exclusivamente nas laringectomias frontolaterais sem
aritenoidectomia e nas cordectomias apresentaram os menores
desvios da qualidade vocal; a técnica de reconstrução com
deslizamento de mucosa, utilizada exclusivamente nas laringecto-
mias frontolaterais, sem aritenoidectomia, apresentou o maior
desvio da qualidade vocal; na reconstrução com a utilização do
retalho miocutâneo de platisma, o menor desvio da qualidade
vocal ocorreu na hemilaringectomia com aritenoidectomia; na
reconstrução com a utilização do retalho miocutâneo de platisma,
o maior desvio da qualidade vocal ocorreu na laringectomia fron-
tolateral com aritenoidectomia; a técnica de reconstrução com o
emprego do retalho esterno-hióideo bipediculado, utilizada exclu-
sivamente nas laringectomias frontolaterais, com e sem aritenoi-
dectomia, apresentaram desvios da qualidade vocal muito próxi-
Atendimento Fonoaudiológico nas Laringectomias Parciais 1041

mos; finalmente, a técnica de reconstrução empregando a epiglo-


toplastia na laringectomia vertical subtotal apresentou o maior
desvio da qualidade vocal.
Seguindo a mesma linha de análise, BRASIL & BEHLAU (1996)
apresentam um estudo das funções laríngeas de 36 pacientes
portadores de tumores glóticos, classificados como T1a, T1b, T2 e
T3, submetidos à laringectomia parcial vertical e reconstruídos por
diversas técnicas cirúrgicas, avaliados no Centro de Estudos da
Voz de São Paulo (CEV). Os autores concluíram que a utilização
de diferentes retalhos na construção da laringe ressecada promo-
veu um suporte firme e propiciou uma adequada estabilidade ao
órgão, para todas as funções laríngeas. O mecanismo esfincteria-
no foi preservado em todos os pacientes, sem aspiração orotraqueal
incontrolável (apenas aspiração leve de líquidos em 4 casos –
11%) e a permeabilidade do órgão se manteve de maneira ade-
quada, com apenas um paciente canulizado. Os autores também
constataram que a fonação fez-se fundamentalmente na região
supraglótica, com solicitação de duas ou mais estruturas. Anali-
sando-se melhor a composição da fonte sonora, observou-se que
a constituição supraglótica mediana foi a mais freqüente, seguida
pela supraglótica ântero-posterior e, finalmente, pela constituição
glótica; raros casos apresentaram uma composição mista, glótica
e supraglótica. A qualidade vocal obtida foi aceitável em dois
terços dos pacientes, sendo que 2 pacientes (6%) inclusive
apresentaram voz considerada absolutamente normal e 11 casos
(19%) disfonia discreta, em avaliação perceptivo-auditiva. Consi-
derando-se os parâmetros de análise sugeridos pela escala
japonesa de avaliação perceptivo-auditiva GRBAS (ISSHIKI &
TAKEUCHI, 1970), é interessante ressaltar que 28% dos pacientes
mostraram ausência total de rouquidão, 36% ausência total de
soprosidade, 83% ausência total de astenia e 78% ausência total
de tensão vocal excessiva, sendo que o pitch da voz, caracterís-
tica essencial para a identificação do sexo do falante pela sua
emissão, foi considerado adequado em 78% dos pacientes ava-
liados.
Os dois últimos estudos oferecem uma base científica segura
para mudar a visão da terapia fonoaudiológica, que tradicional-
mente procurava acionar a glote remanescente. Parece-nos se-
guro passar a favorecer as estruturas da supraglote na produção
da fonação, do momento em que esta se mostra funcionalmente
superior, nesses casos. Assim, os exercícios glóticos devem ser
ministrados apenas nas situações onde o paciente mostre uma
tendência funcional de coaptação neste nível, com bons resulta-
dos auditivos.
Com relação à conduta fonoaudiológica propriamente dita, os
procedimentos empregados para a reabilitação vocal dos pacien-
tes submetidos às laringectomias parciais verticais devem ofere-
cer uma melhora nas condições desviadas, a saber: redução na
extensão vocal (número de notas da emissão, da mais grave à
1042

mais aguda), redução na extensão dinâmica (variação de intensi-


dade, da mais fraca à mais forte), redução dos tempos máximos
de fonação e redução do fluxo aéreo translaríngeo (elevado em
função da criação de um maior espaço pela remoção das estrutu-
ras comprometidas). Assim sendo, temos dois objetivos princi-
pais:
1. Desenvolver a fonação através da estimulação da partici-
pação das estruturas remanescentes como órgãos vibrantes.
Para tanto são empregadas principalmente, em um primeiro
momento, as técnicas de facilitação de coaptação, tais como as
técnicas de empuxo e deglutição incompleta sonorizada, segui-
das das técnicas de vibração de lábios ou língua (BEHLAU &
PONTES, 1995).
2. Melhorar a qualidade global da comunicação oral. Partin-
do-se do princípio de que a atuação sobre a fonte glótica é
limitada pela própria natureza desta, do momento em que se
consegue uma sonorização aceitável, deve-se trabalhar com
técnicas que produzam um efeito global na emissão, melhoran-
do a aceitabilidade da comunicação do paciente, aumentando-
se a extensão vocal e dinâmica e oferecendo maior conforto
fonatório através de aumento dos tempos máximos de fonação.
Com esta finalidade, temos melhores resultados com as técni-
cas de sobrearticulação, com o método mastigatório e com as
técnicas de ressonância que empregam os sons de apoio nasais
(BEHLAU & PONTES, 1995).
As técnicas de empuxo foram inicialmente introduzidas para
paralisia do véu palatino e posteriormente adaptadas para o
tratamento das paralisias de pregas vocais (FROESCHELS e cols.,
1955). Os exercícios de empuxo consistem na realização de
movimentos de braços, simultâneos a uma fonação forçada, como
a execução de uma série de socos no ar, ao longo do tórax, com
os punhos cerrados, concomitantemente à emissão de vogais ou
sílabas plosivas (tais como /ba ba ba/) para mobilizar as estruturas
do trato vocal. A variante de mãos enganchadas, à altura do peito,
associada à emissão prolongada e sustentada de vogais auxilia
no aumento dos tempos máximos de fonação.
A técnica de deglutição incompleta sonorizada foi introduzida
por BOONE & MCFARLANE (1988) e atua no fechamento da laringe,
aproveitando-se da constrição que ocorre na passagem da fase
faríngea para a esofágica da deglutição. Solicita-se ao paciente
que ao iniciar o ato de deglutir emita uma seqüência de sons
sonoros, por exemplo: “bam bem bim bom bum”. Ocorre uma
associação entre o início da deglutição e a emissão de um som
com coaptação forçada das pregas vocais. Pela natureza desta
técnica, seu emprego nas laringectomias parciais é muito útil,
produzindo resultados rapidamente observáveis, com melhoria
da voz e da deglutição. Nesta situação, aproveita-se o maior
fechamento do vestíbulo laríngeo para se desenvolver a fonte
sonora supraglótica.
Atendimento Fonoaudiológico nas Laringectomias Parciais 1043

A técnica de sobrearticulação dos sons da fala tende a


compensar a turbulência da fonte glótica, através de uma produ-
ção vocal com uma articulação exagerada, com amplos movimen-
tos dos músculos da cavidade oral e da face; a emissão resultante
torna-se mais clara e mais inteligível.
O método mastigatório (FROESCHELS, 1952) emprega uma
mobilização ativa de todas as estruturas que participam da fona-
ção, mastigação e deglutição, oferecendo um melhor equilíbrio
das funções envolvidas. Tal método oferece não somente resul-
tados vocais, mas também uma melhoria na função de deglutição,
pois solicita dinamicamente todas as regiões e estruturas através
de movimentos mastigatórios amplos, sonorizados expressiva-
mente, como uma “mastigação do selvagem”.
Finalmente, o emprego das técnicas de ressonância e particu-
larmente o uso do som de apoio nasal oferece uma melhoria nos
aspectos estéticos da emissão, oferecendo maior projeção e
volume vocais, além de tornar a voz mais agradável. O uso de
sons nasais é um trabalho clássico na reabilitação vocal, cujo
objetivo não é o de se criar nasalidade na voz, mas sim reduzir o
foco laringofaríngeo e aumentar o componente oral da ressonân-
cia nasal. Nos casos em que o foco de ressonância laringo-
faríngeo é muito acentuado, convém até mesmo desenvolver uma
ressonância nasal compensatória, pois a emissão será mais
agradável e melhor aceita socialmente.
A redução do excessivo fluxo aéreo translaríngeo geralmente
se faz concomitantemente à solicitação das estruturas remanes-
centes da laringe, para reduzir o espaço glótico; porém, pode ser
necessário um trabalho específico de monitoramento auditivo
(com amplificação e retorno da própria emissão através de fones
de ouvido), para o indivíduo reduzir os ruídos associados ao fluxo
aéreo, durante a fala, principalmente se antes da cirurgia o
paciente apresentava uma qualidade vocal com forte intensidade
e projeção.
Por vezes observamos, num primeiro momento, a manuten-
ção de duas vozes alternadas, uma de fonte glótica, mais soprosa
e áspera, e outra de fonte supraglótica, mais rouca e grave. Pode
ser necessário um trabalho específico de treinamento auditivo
para o paciente aprender a reconhecer as duas emissões e fixar
a dinâmica fonatória na que for selecionada como mais agradável
e eficiente. Além disso, polifonia, bitonalidade ou bifurcação da
freqüência fundamental podem ser observadas no início da reabi-
litação vocal, até que a qualidade vocal se estabilize numa
emissão mais harmônica, com a redução máxima possível do
componente de ruído da onda sonora.
Os estudos do grupo de DOYLE e cols. (1993) e LEEPER e cols.
(1993) são verdadeiras inspirações quanto à reabilitação fonoaudio-
lógica dos pacientes submetidos às cirurgias ablativas da laringe, no
caso especificamente comparando os resultados auditivos e acús-
ticos das hemilaringectomias e das laringectomias near-total.
1044

Uma avaliação perceptivo-auditiva (DOYLE e cols., 1993) de


uma série de parâmetros de fala selecionados foi realizada na
tentativa de se diferenciar pacientes submetidos a laringectomias
parciais e a laringectomias near-total. Foram analisadas as
seguintes dimensões, numa escala de 9 pontos: pitch, variação
de pitch, velocidade de fala, tempo de pausa, qualidade vocal,
nível de esforço, ruído adjacente, agradabilidade e naturalidade
da emissão. Em várias dessas medidas, os falantes hemilarin-
gectomizados foram julgados mais favoravelmente que os fa-
lantes near-total, embora houvesse muita variabilidade individu-
al. De modo resumido, o grupo de hemilaringectomizados foi
percebido como mais próximo à emissão laríngea normal, com
uma voz mais natural e agradável, emitida com menor esforço.
As implicações clínicas desses estudos são muito claras. Os
autores ainda sugerem a necessidade de estudos sobre as
mudanças progressivas, sejam elas positivas ou negativas, dos
efeitos das cirurgias parciais. Também na análise acústica
realizada (L EEPER e cols., 1993), os indivíduos submetidos à
hemilaringectomia apresentaram resultados superiores, com
maior estabilidade na freqüência e amplitude do sinal de fala,
assim como maiores valores de proporção sinal-ruído, o que
reflete uma disfonia de menor grau.
CAMARGO (1996), em sua tese de mestrado, realiza uma aná-
lise da configuração laríngea e espectrográfica acústica em seis
pacientes submetidos a laringectomias parciais e destaca a
importância de estudos dos ajustes individuais detectados na
fonação, reforçando a necessidade da reabilitação fonoaudiológi-
ca. A autora introduz um índice acústico para a mensuração da
turbulência vocal, que enfatiza a magnitude de fenômenos aero-
dinâmicos. Tal índice pode inclusive ser usado como seguimento
da evolução da terapia fonoaudiológica, o que ofereceria uma
análise mais objetiva desses pacientes.
Apesar das técnicas de reconstrução e da reabilitação fonoau-
diológica empregada, é importante lembrar que podem ocorrer
limitações em situações de competição vocal ou utilização de voz
profissional. Obviamente, a primeira e mais importante considera-
ção no tratamento desses pacientes é a erradicação do câncer,
porém, mais pesquisas nessa área seguramente ofereceriam
dados úteis ao complexo processo de decisão cirúrgica, e auxilia-
riam o desenvolvimento de uma atuação fonoaudiológica mais
precisa e direcionada à reabilitação desses pacientes.

REABILITAÇÃO NAS LARINGECTOMIAS


PARCIAIS HORIZONTAIS

As laringectomias parciais horizontais envolvem distintas


técnicas cirúrgicas como a glotectomias com reconstrução por
crico-hioidopexia, laringectomias supraglóticas e outras. Nossa
Atendimento Fonoaudiológico nas Laringectomias Parciais 1045

experiência atém-se às laringectomias supraglóticas, visto que


as demais são raramente executadas em nosso meio.
A principal diferença entre as laringectomias supraglóticas e
as laringectomias verticais é que as pregas vocais são preserva-
das, o que oferece uma voz praticamente normal. As informações
disponíveis na literatura são muito escassas, exatamente pelo
fato de a laringectomia supraglótica em sua forma clássica não
prejudicar a função fonatória propriamente dita. Assim sendo,
sinais de alterações vocais devem ser identificados prontamente,
pois podem significar comportamento hipo ou hiperfuncional
(DOYLE, 1994).
As laringectomias parciais horizontais supraglóticas são
cirurgias que envolvem a remoção da região imediatamente
acima das pregas vocais, das pregas ventriculares à cartilagem
epiglote, com o osso hióide (se estiver comprometido), podendo
incluir também, em alguns casos, a base da língua ou até
ressecções maiores da mesma. Assim sendo, uma laringectomia
supraglótica ou horizontal subtotal representa um procedimento
cirúrgico conservador, no qual a porção superior da laringe é
removida sem sacrificar as funções normais da laringe rema-
nescente (L AWSON & BILLER, 1985), alterando-se, porém, as
estruturas anatômicas que protegem a laringe e que são vitais
para o desenvolvimento correto da função de deglutição. O
paciente tem que aprender a deglutir novamente (CASPER &
COLTON , 1992).
A laringectomia parcial supraglótica popularizada por ALONSO
(1947), um cirurgião uruguaio que tratou mais de 800 pacien-
tes com câncer de laringe, condenando a “rigidez dogmática”
das técnicas clássicas para o tratamento do câncer da laringe,
apresenta uma cirurgia prática para o câncer supraglótico,
com preservação da função fonatória após a erradicação da
lesão.
Portanto, a maior dificuldade de um indivíduo submetido a
uma laringectomia parcial horizontal diz respeito à deglutição,
sendo comum iniciarem a fonoterapia pós-operatória ainda com a
sonda nasogástrica. Uma deglutição adequada, sem aspiração,
requer geralmente tempo prolongado de recuperação. BOCCA
(1975), num estudo com 250 pacientes, relata a existência de
casos com disfagia persistente após várias semanas da cirurgia,
com recuperação espontânea de todos os casos, menos um, que
requereu a realização de uma laringectomia total.
A conseqüência direta de uma limitação na função de deglutição
da laringe é a possibilidade de haver aspiração dos alimentos para
os pulmões. A aspiração é uma complicação importante e, se
ocorrer em grau acentuado, pode comprometer a reabilitação do
paciente. Sendo assim, o fonoaudiólogo deve ser bastante cuida-
doso e criterioso quanto à orientação que dará ao paciente e à
família. Por outro lado, o paciente pode assumir uma postura
laríngea de fechamento glótico excessivo, de modo constante ou
1046

aperiódico, quando percebe que vai aspirar, o que pode gerar uma
voz de qualidade tensa, estrangulada ou áspera (DOYLE, 1994).
Tal comportamento é de natureza compensatória e, portanto, não
deve ser tratado diretamente, mas sim a base da alteração, ou
seja, a aspiração.
É comum que nos casos de laringectomias horizontais supra-
glóticas os cirurgiões utilizem a técnica de elevação e anteriorização
da laringe, o que favorecerá o contato da língua com a própria
laringe. Tal recurso auxilia na proteção das vias aéreas, na
abertura da região pós-cricóidea e na passagem do bolo pelo
esôfago, procurando minimizar a desvantagem anatômica gerada
pela própria ressecção.

A QUESTÃO DA ASPIRAÇÃO NAS


LARINGECTOMIAS PARCIAIS

A aspiração de saliva ou alimentos para os pulmões pode ser


decorrente de uma série complexa de alterações, que envolvem
desde falhas funcionais, orgânicas por deficiência no controle
neurológico ou por alterações nas estruturas da laringe. A aspira-
ção é incompatível com a vida e introduz alterações substanciais
no ato rotineiro de deglutir. Para uma deglutição adequada é
essencial a elevação da laringe, que praticamente se encaixa sob
a base da língua retraída na cavidade da boca. A laringe do adulto,
em posição baixa no pescoço, é anatomicamente menos eficiente
para evitar a aspiração, do que a de outras espécies animais, mais
elevada no pescoço.
A questão da aspiração é particularmente delicada quando
consideramos que a laringe deve apresentar um lúmen suficiente
para desenvolver sua função respiratória de modo adequado e, ao
mesmo tempo, requer também um competente esfíncter para
desenvolver a função fonatória e evitar a aspiração de saliva,
líquidos ou alimentos. Tal equilíbrio competitivo entre essas duas
funções é essencial e mantém-se numa extensão de milímetros;
desta forma, a aspiração no pós-operatório pode ser considerada
a mais grave complicação de uma laringectomia parcial. Como já
explicado anteriormente, raramente um paciente submetido à
uma laringectomia parcial vertical vai apresentar problemas de
aspiração incontrolável; quando ela ocorre, é geralmente discreta
e restringe-se aos líquidos. Por sua vez, os pacientes submetidos
às ressecções horizontais têm maior probabilidade de apresentar
falhas no mecanismo de selamento que garante a oclusão larín-
gea na deglutição.
De modo didático, podemos considerar como sendo três os
fatores básicos que levam à aspiração: 1. não-elevação da
laringe; 2. não-adução das pregas vocais; e 3. alteração do
segmento faringoesofágico. Além disso, pode-se também obser-
var a aspiração após a deglutição, onde os resíduos alimentares
Atendimento Fonoaudiológico nas Laringectomias Parciais 1047

que permanecem na faringe, por prejuízo do mecanismo de


esvaziamento dessa região, passam a ser direcionados para os
pulmões. A aspiração pós-deglutição ocorre geralmente nos
casos em que houve ressecção da base da língua, da parede da
faringe e/ou de uma cartilagem aritenóidea, do momento em que
o mecanismo de esvaziamento do trato digestivo superior ocorre
exatamente pela ação da musculatura da base da língua e dos
músculos constritores da faringe.
Outro aspecto a ser também avaliado é a possibilidade de
haver um atraso no reflexo da deglutição. Nesses casos, não
ocorre a elevação da laringe com a passagem do bolo alimentar
pelos pilares palatoglosso e palatofaríngeo, e o bolo penetra na
laringe antes do disparo do reflexo de deglutição. Tal alteração,
aparece mais comumente quando há comprometimento neuro-
lógico.
Casos de aspiração grave, onde não ocorre contato da língua
versus laringe, ou falha no escoamento do alimento e atraso no
reflexo de deglutição são observados no pós-operatório imediato
e dificilmente um grau grave de aspiração mantém-se por longo
prazo. Ao contrário, pode ocorrer limitação na função laríngea
respiratória, quando não se conseguiu manter um lúmen laríngeo
adequado, mas tal situação é uma exceção.
Com relação à conduta fonoaudiológica, o objetivo principal é
a redução da aspiração e a retomada da deglutição por via oral,
podendo-se começar a reabilitação no pós-operatório imediato.
Para tanto, podem ser empregadas diversas técnicas, entre as
quais sugerimos as seguintes, por se mostrarem mais efetivas em
nossa experiência clínica:

• Treino de deglutição supraglótica; nesta técnica, o paciente


é instruído a deglutir com os pulmões cheios de ar, devendo
inspirar profundamente, fazer uma pausa respiratória, du-
rante a qual coloca o alimento na boca, para então deglutir.
O paciente deverá também tossir antes de nova inspiração
para remover qualquer resíduo alimentar.
• Coordenação entre elevação da laringe versus introdução
do bolo alimentar. Orientar o paciente a tentar elevar volun-
tariamente a laringe, através da contração da musculatura
do pescoço, antes da deglutição do alimento.
• Treino de deglutição com oclusão momentânea do traqueos-
toma durante e imediatamente após a deglutição, com a
finalidade de elevar o fluxo aéreo através da laringe, que
estimulará os receptores subglóticos antes da deglutição,
favorecendo a coaptação das pregas vocais.
• Contato firme língua versus laringe, através da elevação da
laringe e da posteriorização da língua.
• Redução do atraso do disparo da deglutição, estimulando o
paciente a iniciar a deglutição tão logo o alimento atinja os
pilares palatoglosso e palatofaríngeo.
1048

• Tosse após a deglutição, na tentativa de se evitar a aspira-


ção pós-deglutição.
• Exercícios de modulação vocal de freqüência para favorecer
a movimentação vertical da laringe, através da execução de
escalas musicais e canto.
• Exercícios de empuxo para favorecer a coaptação glótica,
através da movimentação forçada de braços associada à
emissão de sílabas com plosivos sonoros.
• Exercícios para maior mobilidade da língua, facilitando a
movimentação do bolo alimentar na cavidade da boca.
• Técnicas de mudança de postura, trabalhando-se com dife-
rentes posições de cabeça para facilitar a condução do bolo
alimentar em direção à faringe.

A reabilitação a ser desenvolvida nas laringectomias parciais


é a chamada fonoterapia agressiva, pela estimulação e solicitação
das estruturas remanescentes no controle das funções deglutitória
e fonatória da laringe e deve ser ministrada de forma intensiva,
para se obter resultados mais rápidos.

COMENTÁRIO FINAL
Em um tempo onde questões relacionadas à qualidade de
vida têm sido foco de reflexões profundas, a reabilitação do
indivíduo submetido à cirurgia parcial da laringe reveste-se de
extrema importância. As questões psicológicas relacionadas à
própria doença, o carcinoma, merecem por si só uma atenção
especial da equipe de saúde. A sensação de perda de controle
da própria vida talvez seja a marca mais lesiva do impacto desse
diagnóstico; porém, aspectos menores sobre a qualidade da voz
propriamente dita, da respiração e da deglutição podem atingir
proporções desastrosas em certos indivíduos, principalmente
nos que dependem de sua comunicação para a sobrevivência.
O esclarecimento da população leiga deveria ser prioridade
governamental, mas em nossa realidade ainda depende do
esforço individual dos profissionais envolvidos no atendimento
desse paciente. O tempo deve ser um aliado positivo e, neste
sentido, a reabilitação deve ser direta, eficaz e rápida. Todos os
esforços no desenvolvimento da contribuição fonoaudiológica
devem ser bem-vindos e apoiados pela comunidade científico-
acadêmica. A iniciativa dos editores deste livro, de incluir um
capítulo sobre laringectomias parciais num manual básico de
fonoaudiologia revela essa consciência, o que nos faz extrema-
mente gratas a eles.

Leitura recomendada
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Atendimento Fonoaudiológico nas Laringectomias Parciais 1049

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Laringectomias Quase-totais – Reabilitação Fonoaudiológica 1051

47
Laringectomias Quase-totais
– Reabilitação
Fonoaudiológica

Laélia Cristina C. Vicente


Maria Inês Gonçalves
Antonio José Gonçalves

INTRODUÇÃO
Por muitos anos a laringectomia total era a única forma de
tratamento para o câncer avançado da laringe. Muito tem sido feito
para se compreender melhor o comportamento biológico do
câncer e, desta forma, a medicina tem tentado buscar novas
formas de tratamento menos mutiladoras.
Há uma grande preocupação em se realizar cirurgias mais
conservadoras, possibilitando melhor prognóstico funcional, mas
sem comprometer a erradicação do tumor. SHAH & SOO (1989)
citam que a preservação da voz é importante, mas não se deve
enfatizá-la em detrimento da cura do câncer.
O avanço dos equipamentos endoscópicos contribuiu para a
detecção e diagnóstico dos tumores laríngeos, possibilitando
melhor estadiamento e, conseqüentemente, indicações cirúrgi-
cas mais precisas e seguras.
Na década de 50 surgiram as cirurgias conservadoras da
laringe, denominadas laringectomias parciais horizontais e verti-
cais; tais técnicas eram melhor sistematizadas e baseadas, em
sua grande maioria, em antigas técnicas anteriormente descritas
(PINTO, 1989).
OGURA, no início da década de 70, descreveu a laringectomia
denominada quase-total (near-total), mas foi PEARSON (1981)
quem a popularizou.
1052

De acordo com PEARSON (1981), a laringectomia quase-total


é uma alternativa para a laringectomia total nos casos onde há
comprometimento predominantemente unilateral da laringe ou
seio piriforme com fixação de uma prega vocal. A porção anterior
da prega vocal contralateral pode estar comprometida mas com
mobilidade preservada, e a aritenóide contralateral deve estar
livre de tumor, permitindo a reconstrução de um shunt
traqueofaríngeo dinâmico capaz de produzir som.
A principal vantagem da laringectomia quase-total é a possi-
bilidade de se produzir voz utilizando-se ar pulmonar, possibilitan-
do melhor fluência e menor tempo de reabilitação em relação à voz
esofágica e, conseqüentemente, maior aceitabilidade pelos ou-
vintes (PREMALATHA, SHENOY, ANANTHA, 1994). Os pacientes
submetidos à laringectomia quase-total geralmente são capazes
de desenvolver voz no período pós-operatório recente.
Como desvantagens dessa técnica cirúrgica temos a neces-
sidade da traqueostomia definitiva, pois as estruturas remanes-
centes da laringe utilizadas para a criação do shunt traqueofaríngeo
não são suficientes para manter a função de respiração por via
aérea alta; além disso, podem ocorrer aspiração orotraqueal e
disfagia em alguns casos.
KEITH & PEARSON (1992) relatam que o sucesso para o
desenvolvimento funcional da voz após a laringectomia quase-
total tem sido acima de 95%. De acordo com GAVILÁN e cols.
(1996), dos 66 laringectomizados quase-totais por eles avaliados,
52 pacientes (78,8%) adquiriram voz e somente 5 pacientes
(7,6%) apresentaram aspiração sintomática, necessitando de
tratamento.
O fonoaudiólogo tem um importante papel na reabilitação
vocal e quanto ao tratamento da disfagia, auxiliando os pacientes
na reintegração social e melhoria da qualidade de vida.

CONSIDERAÇÕES CIRÚRGICAS
O termo laringectomia quase-total refere-se a uma ressecção
quase total da laringe. Preserva-se apenas uma faixa estreita que
conecta a via aérea e a faringe através da aritenóide não-
comprometida (PEARSON, 1981).
Essa operação é uma alternativa para a laringectomia total
quando uma pequena porção da laringe está livre do tumor. Sua
indicação deve ser precisa e não deve comprometer o critério
oncológico da cirurgia.
Esse procedimento cirúrgico é indicado para tumores larín-
geos incluindo lesões glóticas com fixação de prega vocal, lesões
subglóticas e supraglóticas extensas, em que não seja possível a
realização da laringectomia parcial (Fig. 47.1). Pode também ser
realizada para tumores de seio piriforme, desde que a região da
cartilagem cricóide e a região cricofaríngea estejam livres do
tumor (PEARSON, 1981). A laringectomia quase-total é contra-
Laringectomias Quase-totais – Reabilitação Fonoaudiológica 1053

Faringe


Tumor


Local do shunt


Traquéia


FIGURA 47.1 – Visão da laringe com tumor.

indicada quando o tumor envolve a região interaritenóidea ou


quando há fixação de ambas as pregas vocais.
Em síntese, a indicação é para:
1. T3ouT4 glótico sem envolvimento do espaço interaritenóideo
e do processo vocal da aritenóide contralateral;
2. T3 supraglótico com fixação de uma prega vocal;
3. T2 e T3 de seio piriforme;
4. insucesso do tratamento radioterápico;
5. grandes lesões de hipofaringe.
DESANTO e cols. (1989) descrevem o uso da laringectomia
quase-total como uma alternativa para pacientes que são candi-
datos a cirurgias conservadoras convencionais, mas são fisiologi-
camente comprometidos pela idade ou estado de saúde geral, ou
ainda quando a margem cirúrgica não pode ser garantida usando-
se a laringectomia conservadora.
DOYLE (1994) resume o procedimento como a preservação
de uma faixa posterior de mucosa do lado contralateral do
tumor. A ressecção envolve a parede anterior da traquéia e
quase toda a laringe (Fig. 47.2). Uma vez que a ressecção está
completa, o tecido remanescente é reconstruído formando um

Prega vocal

Linha de ressecção

Aritenóide

Cricóide

FIGURA 47.2 – Visão superior da laringe mostrando a


área de ressecção.
1054

Shunt

traqueofaríngeo
Cânula

Esôfago

Traquéia

FIGURA 47.3 – Visão lateral da laringectomia quase-total.

shunt que comunica a traquéia à faringe, e a traqueostomia


definitiva é realizada (Fig. 47.3). Este shunt é inervado pelo
nervo recurrente laríngeo inferior, o que lhe confere motilidade.
Apesar disso, a aspiração pode ocorrer, se o túnel construído
ficar muito amplo.
A função do shunt é permitir a passagem do ar pulmonar para
a faringe quando o paciente expira, ocluindo o traqueostoma,
produzindo assim a voz. WOODS (1980) comenta que para que
isso ocorra é necessária uma pressão fisiológica (10 a 40 cm H2O)
e um diâmetro mínimo de 6 mm.
A laringectomia quase-total é contra-indicada para indivíduos
que não tenham bom controle motor, como nos casos de Parkin-
son, pois a eficácia da voz também está relacionada à boa oclusão
digital do traqueostoma. Recomenda-se a não utilização de cânu-
las no traqueostoma, pois assim a oclusão é melhor e a qualidade
de voz também.

REABILITAÇÃO FONOAUDIOLÓGICA
A reabilitação fonoaudiológica nos casos de laringectomia
quase-total pode ser dividida em duas fases: 1. orientação pré-
operatória; e 2. reabilitação fonoaudiológica propriamente dita.

Orientação pré-operatória
A reabilitação fonoaudiológica deve ter início no período pré-
operatório. Esse primeiro contato com o paciente é importante
para que se estabeleçam os vínculos terapêutico e de confiança,
essenciais para a reabilitação. Além disso, é possível se identificar
o estado emocional do indivíduo, o que auxilia o fonoaudiólogo a
selecionar a melhor abordagem terapêutica.
Laringectomias Quase-totais – Reabilitação Fonoaudiológica 1055

Se possível, a orientação fonoaudiológica pré-operatória deve


ocorrer ainda no ambulatório ou no consultório e na presença de um
familiar, o que propicia uma melhor compreensão sobre o processo
terapêutico, além de ser mais uma oportunidade para o paciente se
sentir mais à vontade para esclarecer suas dúvidas. A família deve
estar consciente de todos os passos do tratamento, pois ela terá um
papel importante e ativo na recuperação do paciente.
Na orientação pré-operatória com o paciente já internado no
hospital, vários são os fatores que podem interferir em sua
eficácia, como, por exemplo, a expectativa do paciente quanto à
cirurgia, ausência de um familiar ou acompanhante e o contato
com outros pacientes já operados. Tais fatores podem deixar o
paciente inseguro, além do próprio ambiente hospitalar ser
estressante e muitas vezes com falta de privacidade e interrup-
ções constantes. Por essas razões, acreditamos que a orientação
fonoaudiológica pré-operatória é mais efetiva quando realizada
no ambulatório ou em consultório.
Nesta fase, deve-se informar ao paciente a função do
fonoaudiólogo, checar o quanto foi informado sobre as etapas do
tratamento e adequar tais informações, se necessário. O paciente
deve ser conscientizado de que a qualidade vocal no pós-opera-
tório é diferente de sua qualidade vocal laríngea anterior, e que o
traqueostoma é definitivo. A reabilitação vocal deve ser rápida,
podendo realizar as primeiras tentativas de emissão entre o 10º e
15º dia após a cirurgia, dependendo da liberação médica; tais
tentativas devem ser realizadas na presença do fonoaudiólogo,
que vai orientá-lo quanto ao treinamento e à eliminação de
qualquer tipo de vício que possa ocorrer durante o aprendizado da
nova voz.
Deve-se também informar o paciente que pode ocorrer disfa-
gia quando da retomada da alimentação por via oral, devido às
alterações anatomofuncionais decorrentes da cirurgia.
A utilização de desenhos que mostrem as mudanças anatomo-
fisiológicas antes e depois da intervenção cirúrgica auxilia na
compreensão do paciente sobre as informações oferecidas no
período pré-operatório, e auxilia também posteriormente, durante
o treinamento para a produção vocal.
Outras informações gerais devem ser ministradas, como
cuidados com o traqueostoma, necessidade da utilização de
sonda nasoenteral para alimentação durante o pós-operatório
imediato, tempo aproximado de permanência no hospital e uso da
comunicação escrita ou gestual até que seja iniciada a terapia
fonoaudiológica propriamente dita.
O paciente deve ser conscientizado de que poderá ocorrer
perda da nova voz durante a realização da radioterapia, em decor-
rência do edema local. Isto geralmente é temporário e a voz retorna
algumas semanas após o término desse procedimento terapêutico.
Tal informação é importante de ser fornecida para não gerar
sentimentos de ansiedade e frustração.
1056

O fonoaudiólogo deve estar atento à quantidade e à qualidade


de informações que está fornecendo, a quanto o paciente está
compreendendo e quanto ele deseja saber. A orientação pré-
operatória deve ocorrer de acordo com as necessidades do paciente
e seus familiares. Os termos utilizados devem ser adequados para
o nível do paciente, para que ocorra uma comunicação efetiva.

Reabilitação fonoaudiológica propriamente


dita
A reabilitação fonoaudiológica geralmente se inicia por volta
do 10° dia de pós-operatório, dependendo da avaliação e libera-
ção médica.
Alguns pacientes podem apresentar certo grau de disfagia no
pós-operatório recente, geralmente conseguindo adaptar-se rapi-
damente às mudanças anatomofisiológicas. Outros pacientes
permanecem com dificuldades de deglutição por tempo mais
longo. Líquidos e grãos são as consistências com as quais os
pacientes apresentam maiores dificuldades. A presença de tosse
constante e/ou saída de alimentos pelo traqueostoma são os
sinais mais comuns e indicativos de aspiração.
Para a reabilitação da disfagia, o fonoaudiólogo pode se
utilizar de manobras posturais, como rotação ou abaixamento da
cabeça, promovendo melhor proteção do shunt traqueofaríngeo.
A consistência e o volume do alimento também são aspectos
importantes a serem considerados durante o processo terapêuti-
co. Iniciar a reabilitação com alimentos mais consistentes e
gradativamente introduzir os liquidificados geralmente auxilia na
adaptação da deglutição. Por vezes, alguns pacientes apresen-
tam maior facilidade durante a deglutição de um volume maior de
alimento, devido à maior propriocepção e melhor controle do bolo,
e porque um maior volume gera maior pressão, o que auxilia na
abertura do segmento faringoesofágico. O fonoaudiólogo deve
avaliar com cuidado qual o volume e consistência adequados para
se reiniciar a alimentação por via oral.
Com relação à produção vocal, o indivíduo submetido à
laringectomia quase-total deve seguir os seguintes passos: inspirar
pelo traqueostoma; ocluir o traqueostoma; tentar emitir uma vogal,
sem tensão e esforço. A oclusão digital do traqueostoma direciona
o ar pulmonar para o shunt, permitindo a produção da voz. A oclusão
inadequada do traqueostoma leva ao escape de ar e, conseqüen-
temente, à não-produção ou produção inadequada da voz, que
pode ser mascarada pelo ruído do estoma. A adequada oclusão do
traqueostoma e a identificação e eliminação do ruído do estoma são
aspectos importantes para a boa inteligibilidade da fala.
LEVINE e cols. (1994) comentam que 3 dos 9 pacientes por eles
avaliados adaptaram a válvula de auto-oclusão do traqueostoma
para as próteses traqueoesofágicas desenvolvidas por BLOM &
SINGER, não necessitando assim da oclusão digital para produzir
Laringectomias Quase-totais – Reabilitação Fonoaudiológica 1057

a voz. Tais válvulas são pouco utilizadas no Brasil por várias


razões, entre elas, a dificuldade de importação e custo, mas
seriam muito úteis para os pacientes que apresentam problemas
de coordenação motora, além de serem mais higiênicas, reduzin-
do o risco de contaminação local.
De acordo com DOYLE (1994), o paciente deve avaliar quanta
pressão digital sobre o traqueostoma é necessária, pois o excesso
de pressão pode levar à produção de uma voz com mais esforço.
Comportamentos não-verbais como grimaças, posturas corpo-
rais, tensões cervicais e torácicas, geralmente não evidentes para
o paciente, podem ocorrer como resultado do esforço para produ-
zir a voz. Cabe ao terapeuta reconhecer tais comportamentos e
orientar o paciente no sentido de eliminá-los, ou pelo menos
reduzi-los o mais rapidamente possível.
ANDRADE e cols. (1995) analisaram a fonte sonora de 13
pacientes submetidos à laringectomia quase-total por meio de
telelaringoestroboscopia. Observaram vibração tanto da aritenóide
quanto da mucosa do retalho em 8 casos (61%) durante a fonação.
Em 4 casos (31%), somente a aritenóide estava envolvida na
vibração e, apenas em 1 caso (8%) a mucosa do retalho foi a única
estrutura vibrátil. Os autores concluíram que a fonte sonora corres-
ponde, fundamentalmente, à vibração da mucosa da aritenóide
remanescente contra o retalho de seio piriforme utilizado na confec-
ção do shunt.
A reabilitação vocal geralmente se inicia com a produção de
vogais, sílabas, palavras isoladas, aumentando-se gradativa-
mente o número de sílabas, frases simples e, se possível, frases
longas. A rapidez da reabilitação depende da facilidade do pacien-
te em desenvolver as etapas do treinamento. Em nossa experiên-
cia, a maioria dos pacientes consegue emitir as vogais e até
mesmo frases simples na primeira sessão, enquanto outros
necessitam de mais tempo e treinamento. O ideal é que o paciente
produza uma fala inteligível, sem esforço e sem apresentar os
aspectos apontados por DOYLE (1994) anteriormente. Deve-se
ressaltar que o importante na fase inicial da reabilitação vocal é a
qualidade das emissões e não a quantidade.
Numa segunda fase da reabilitação vocal, outros aspectos
devem ser abordados, tais como: ritmo e velocidade de fala,
articulação, intensidade e freqüência vocais, tempo máximo de
fonação, modulação e qualidade vocal.
Muitos pacientes tentam manter o ritmo e a velocidade de fala
que tinham antes da cirurgia, resultando numa dificuldade em
coordenar respiração, oclusão do traqueostoma e fonação. Nes-
ses casos, os pacientes devem ser orientados a diminuir o ritmo
de fala e treinados para desoclusão e oclusão mais rápidas do
traqueostoma. Trabalhar com vogais sustentadas e aumentar o
número de sílabas por expiração ajudam a melhorar o tempo de
fonação e, conseqüentemente, o ritmo e a velocidade de fala. De
acordo com HOASJOE e cols. (1992), a média do tempo máximo de
1058

fonação obtida pelos pacientes submetidos à laringectomia qua-


se-total foi de 14,7s.
A intensidade vocal é outro aspecto importante a ser verifica-
do, pois uma loudness reduzida pode interferir na inteligibilidade
da fala. O fonoaudiólogo deve orientar os pacientes a inspirar mais
profundamente para ajudar a aumentar a intensidade. Exercícios
de empuxo podem também ser empregados nesses casos, com
o objetivo de aumentar a força respiratória. Segundo BOONE
(1996), o esforço muscular utilizado na técnica de empuxo aumen-
ta a força da respiração. Essa técnica terapêutica pode ser
adaptada para os laringectomizados quase-totais, sendo que com
uma mão se oclui o traqueostoma e com a outra realiza-se o
exercício. Deve-se ressaltar que a técnica de empuxo foi desen-
volvida para auxiliar no fechamento velofaríngeo e tem sido
utilizada nas paralisias de pregas vocais para ajudar a coaptação
glótica. Nos casos de laringectomia quase-total, não se espera
uma atividade maior do shunt com essa técnica, mas sim um
aumento da força respiratória para aumentar a intensidade vocal.
De acordo com BOONE (1996), a articulação e a intensidade
vocal estão geralmente associadas. Mesmo que a inten-
sidade esteja adequada, a inteligibilidade pode estar alterada
se a fala for pouco articulada. O laringectomizado quase-total
geralmente apresenta intensidade vocal diminuída e, portanto,
o trabalho com sobrearticulação com esse paciente promove
uma melhor precisão da articulação, contribuindo para uma
melhor inteligibilidade de fala.
Com relação à freqüência fundamental da voz, H OASJOE e
cols. (1992) observaram que os indivíduos do sexo masculino
submetidos à laringectomia quase-total apresentam uma fre-
qüência fundamental média mais aguda (187,4 Hz) em relação
aos falantes laríngeos normais (128 Hz). Verificaram ainda que
a variação da freqüência para os laringectomizados quase-
totais é menor (133 Hz) em relação aos falantes laríngeos
normais (284,2 Hz), mostrando que esses pacientes apresen-
tam uma voz com menos modulação e de qualidade monótona
em relação aos falantes laríngeos.
Além da qualidade vocal monótona, tais pacientes podem
ainda apresentar voz rouca, áspera, comprimida e tensa-estran-
gulada. BEHLAU & PONTES (1995) apresentaram uma proposta de
matriz de avaliação perceptiva, adaptada da escala “G.R.B.A.S.”,
onde quatro parâmetros de qualidade vocal foram avaliados:
rouquidão, soprosidade, astenia e tensão, classificados em graus
de ocorrência, dentro de 5 opções: ausente, discreto, moderado,
intenso e extremo. Os graus receberam valores de 1 a 10,
constituindo-se a matriz para o cálculo do índice de disfonia,
obtido através da somatória dos graus obtidos nos quatro parâme-
tros, para cada voz avaliada. Quanto menor o índice de disfonia,
mais próxima da normalidade está a emissão; quanto maior o
índice, mais desviada a qualidade da voz. ANDRADE e cols. (1995)
Laringectomias Quase-totais – Reabilitação Fonoaudiológica 1059

realizaram análise perceptual da voz nos pacientes submetidos à


laringectomia quase-total usando essa escala de avaliação
perceptiva, obtendo um índice médio de 2,4 para os pacientes,
indicando que a qualidade vocal está próxima da voz normal.
Observaram que em 50% dos casos há um certo grau de rouqui-
dão, soprosidade, astenia e aspereza.
A qualidade vocal e a freqüência devem ser trabalhadas conjun-
tamente para se obter uma voz mais agradável e aceitável. Exercí-
cios com escala musical podem ajudar a ampliar a extensão vocal
e adequar a freqüência. Reduzindo a freqüência é possível reduzir
a aspereza, possibilitando uma voz menos tensa e comprimida. As
técnicas do bocejo-suspiro e o método mastigatório podem ser
utilizados para diminuir o esforço à fonação.
Segundo BEHLAU & PONTES (1995), o uso da voz em condições
de saúde vocal demonstra uma variação de tom e intensidade, de
acordo com a ênfase que se quer dar ao discurso, com a situação
e o contexto da comunicação e de acordo com a intenção e o apelo
vocal do falante.
Devido às limitações na variação da altura e intensidade vocais,
o laringectomizado quase-total apresenta voz monótona, com pou-
cas inflexões, caracterizando uma alteração da plasticidade vocal.
Na tentativa de conseguir uma voz menos monótona e mais rica em
modulação, deve-se trabalhar com frases para treino de modulação,
leitura de textos e versos com entonação bem-marcada (BEHLAU &
PONTES, 1995), ou praticando inflexões ascendentes e descenden-
tes com palavras e frases (BOONE, 1996).
Os resultados funcionais da laringectomia quase-total foram
estudados em quarenta pacientes por ESPADA e cols. (1996). Os
autores observaram que 74,3% dos casos desenvolveram a voz
em 63 dias, porcentagem que se elevou a 84,6% considerando-se
um período de cinco meses. Metade desses pacientes utilizaram
a prótese de auto-oclusão Barton-Mayo; foi observada disfagia
em 13,9% dos casos e a complicação mais freqüente foi a fístula
faringocutânea.
LEEPER e cols. (1993) estudaram as características acústicas
da voz após hemilaringectomia (8 casos) e laringectomia quase-
total (11 casos). Os autores concluíram que os dois grupos não
diferem quanto à freqüência fundamental, mas diferem significa-
tivamente quanto ao jitter, shimmer e proporção harmônico-ruído,
sendo que o grupo submetido à hemilaringectomia apresentou
melhores resultados nesses três parâmetros.
PREMALATHA, SHENOY, ANANTHA (1994) compararam perceptiva
e acusticamente a voz de 11 pacientes submetidos à laringectomia
total e 11 à laringectomia quase-total. Observaram que os indiví-
duos submetidos à quase-total desenvolvem a voz mais rapida-
mente e com menos esforço, além de apresentarem tempo
máximo de fonação, número de sílabas por expiração e velocida-
de de fala melhores que os falantes esofágicos, por se utilizarem
de ar pulmonar para a fala. Perceptivamente, os falantes quase-
1060

totais foram considerados por cinco ouvintes como tendo melhor


loudness, qualidade e inteligibilidade de fala em relação ao outro
grupo estudado.
Devemos lembrar que, quando nos referimos à reabilitação
vocal do laringectomizado quase-total, estamos lidando com
uma fisiologia pouco conhecida e com uma limitação anatômica
muito importante. Poucas e rudimentares são as estruturas
vibráteis nesses casos, portanto, os resultados de refinamento
da voz são limitados. O fonoaudiólogo deve ter o cuidado de
perceber os limites do paciente, e esforços devem ser feitos em
prol de uma comunicação mais efetiva, maior inteligibilidade e
a melhor qualidade vocal possível para esses pacientes, visan-
do sua reintegração à sociedade.

Leitura recomendada
ANDRADE, R.P.; BRASIL, O.O.C.; BEHLAU,M.; PONTES, P.A.; GON-
ÇALVES, M.I.R. – Sound source and perceptual voice analysis in
near-total laryngectomy patients. 1st. World Voice Congress Abstract
Book. Oporto, Portugal, 1995. pp. 9-13.
BEHLAU, M. & PONTES, P. – Proposta de índice de disfonia a partir de
escala perceptual. Anal 3º Congresso Brasileiro de Laringologia e
Voz e 1º Encontro Brasileiro de Canto. Rio de Janeiro, 1995.
BEHLAU, M. & PONTES,P. – Avaliação e Tratamento das Disfonias.
Editora Lovise, 253-255,1995.
BOONE, D. R. – Sua Voz está Traindo Você? Como Encontrar e Usar sua
Voz Natural. São Paulo, Artes Médicas, 1996. pp. 49-76.
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Vol. II. São Paulo, Editora Roca, 1989. pp. 261-265.
Deficiência Auditiva 1
Laringectomia Total – Perspectivas de Reabilitação Vocal 1063

48
Laringectomia Total –
Perspectivas de Reabilitação
Vocal

Maria Inês Gonçalves


Mara Behlau

O paciente que é diagnosticado com câncer de laringe e não


pode ser submetido a uma cirurgia parcial, que mantenha as
funções deste órgão, deverá se submeter a uma laringectomia total,
com a conseqüente perda do mecanismo fonatório básico para a
produção da voz. Tradicionalmente, indivíduos que foram submeti-
dos a uma laringectomia total tem duas opções principais para
reabilitação da fala: a voz esofágica ou a fala através do uso de uma
laringe artificial. Recentemente, alternativas de próteses de implan-
te cirúrgico têm ganhado muito terreno, principalmente nos países
tecnologicamente mais avançados. Ainda assim, muitos pacientes
preferem a voz esofágica ou a laringe artificial aos métodos cirúrgi-
cos de reabilitação vocal – as próteses laríngeas. De qualquer
modo, devem ser avaliadas e desenvolvidas alternativas de comu-
nicação, particularmente para pacientes que são incapazes de
adquirir uma fala excelente ou mesmo funcional através dos méto-
dos tradicionais. Toda e qualquer possibilidade de comunicação
deve ser incentivada, do momento em que a integração social fica
muito dificultada quando há limitações na comunicação oral.

MÉTODOS DE AQUISIÇÃO DA VOZ ESOFÁGICA


Após a laringectomia total, a primeira tentativa de reabilitação
oral deve ser através da voz esofágica, o que significa que a fonte
sonora básica para a produção da voz será deslocada para o
1064

esôfago, que desenvolverá essa função através de um treinamen-


to específico. Há vários métodos para a produção da voz esofági-
ca, os quais diferem entre si quanto ao modo de introdução de ar
na cavidade do esôfago, apresentando todos os mesmos meca-
nismos de expulsão. Em qualquer um dos métodos, para que
ocorra uma emissão clara e compreensível, o ar deverá ser
momentaneamente armazenado na porção cervical do esôfago
ao nível de C5, C6 e C7, e imediatamente expulso e redirecionado
para a cavidade oral. Quando o armazenamento do ar ocorre em
regiões superiores, a voz produzida apresenta as características
bucal ou faríngea, ambas inadequadas. Evidentemente, o ar
empregado não será o ar pulmonar – fonte energética da voz
laríngea, mas sim o ar do ambiente direcionado através da boca
para a porção superior do esôfago. A respiração será, então,
limitada às funções vitais do organismo, não participando mais do
processo fonatório.
BEHLAU, PONTES, ZIEMER (1987) apresentam de modo detalha-
do os três principais métodos de aquisição de fonação esofágica,
conhecidos por métodos de deglutição, aspiração e injeção de ar.
Método de deglutição de ar – Originalmente descrito por
GUTZMANN, em 1908, é o método clássico de produção de voz
esofágica, e consiste em introduzir o ar através do auxílio dos
movimentos da deglutição. Por utilizar movimentos conhecidos pelo
paciente, é de mais fácil compreensão e execução. A técnica básica
consiste em engolir o ar e, assim que se perceber sua introdução no
esôfago, expulsá-lo e emitir uma vogal. Na realidade, a deglutição
do ar não deve ser completa, pois o objetivo é armazená-lo no
esôfago e não o fazer passar para o estômago (o que eventualmente
acontece), onde não será possível seu retorno voluntário.
A principal desvantagem do método de deglutição é a lentidão
da fala, pois a cada novo suprimento de ar, o paciente deve parar
a cadeia da fala e realizar os movimentos de deglutição. Alguns
pacientes desenvolvem um bom controle muscular e executam
tais manobras de forma rápida e correta; contudo, a sensação de
fala escandida permanece, e os piores falantes tendem a desen-
volver uma divisão silábica irregular. Além disso, dois dos princi-
pais defeitos de emissão têm sido associados com freqüência aos
falantes que utilizam predominantemente este método: o clunc
simples ou múltiplo e o ruído respiratório do estoma. Podem ainda
ocorrer outros vícios de emissão, como movimentos associados
de cabeça e de face – as chamadas grimaças –, além de outros
movimentos de corpo, dos quais o paciente pode ser conscientizado
com o auxílio de um espelho e através de exercícios corporais.
De acordo com BEHLAU, PONTES, ZIEMER (1987) e BEHLAU &
ZIEMER (1989), ótimos falantes esofágicos, não importando o
método utilizado para a produção da fala, apresentam um adequa-
do controle da inspiração e da expiração, fazendo-as calmamen-
te, sem ruídos. A expiração do ar, porém, está sempre associada
à emissão sonora, o que pode ser facilmente constatado colocan-
Laringectomia Total – Perspectivas de Reabilitação Vocal 1065

do-se a mão à frente do traqueostoma quando o indivíduo emite


uma seqüência de fala.
Método de aspiração, inalação ou sucção do ar – Descrito
por SEEMAN (1926), tal técnica consiste em sugar o ar, aspirá-lo ou
“tragá-lo” para dentro do esôfago (procuramos evitar este último
verbo pela natural associação com o consumo do cigarro). Trata-
se de um método mais difícil que o anterior, por exigir do paciente
maior controle muscular, não necessitando, porém, de selamento
de lábios e da lenta manobra de deglutição. Por vezes, ouve-se
um pequeno barulho da abertura do esôfago, ao entrar o ar. O ar
é introduzido por meio de um movimento de sucção forçada que
facilita a entrada da corrente aérea do meio ambiente para o
esôfago que, pela diferença de pressão gerada, abre-se e possi-
bilita o armazenamento do ar. Desta forma, o ar que está na boca
tem a mesma pressão atmosférica do meio ambiente, e o esôfago
fechado, uma pressão inferior a esta, chamada pressão negativa,
que praticamente “puxa” o ar para esta região. Ao mesmo tempo
em que o indivíduo suga o ar, ele deve inspirar profundamente,
dilatando o tórax.
Método de injeção de ar ou método holandês – Descrito por
MOOLENAAR-BIJL (1953) e DAMSTÉ (1958), é considerado o mais
apurado para a emissão em voz esofágica (LE HUCHE, 1980). Este
método consiste de duas técnicas: técnica de injeção por pressão
glossofaríngea e injeção consonantal.
Na técnica de pressão glossofaríngea, a língua funciona como
uma verdadeira bomba mecânica comprimindo e injetando o ar no
esôfago, através de um movimento forte e rápido. Pela técnica da
injeção através de consoantes plosivas, a mesma bomba mecâ-
nica é utilizada, com o auxílio dos movimentos que se realizam
para produção dos sons /p/, /t/ ou /k/; a tentativa de emitir estes
sons fortemente produz uma turbulência de ar, sendo uma parte
deste fluxo dirigida ao esôfago e, ao ser expulsa, é utilizada na
produção da vogal subseqüente. Observamos que os melhores
falantes deste método também utilizam outras consoantes para a
introdução do ar no esôfago, como as fricativas. Porém, no ensino
deste método, as plosivas oferecem pistas proprioceptivas melho-
res. O uso do método mastigatório durante etapas do aprendizado
deste método tem se revelado bastante útil.
A grande vantagem do método de injeção de ar é que a fala
resultante apresenta melhor fluência, pois ocorre reintrodução do
ar durante a própria emissão, não sendo necessário interromper
o fluxo fonatório, o que reduz a lentidão da emissão. As desvan-
tagens residem principalmente na difícil compreensão do meca-
nismo por parte do paciente e na ansiedade que os movimentos
podem gerar; porém, a qualidade vocal é indubitavelmente melhor
e os vícios associados à emissão são menos freqüentemente
observados.
A seleção do melhor método a ser empregado em cada caso
depende, exclusivamente, da facilidade do paciente. O essencial é
1066

que ele consiga introduzir o ar no esôfago e expulsá-lo de modo


rápido e eficiente. A maior parte dos falantes esofágicos inicia seu
aprendizado através do método da deglutição, justamente por ser o
mais fácil, com passos mais definidos e inúmeros apoios muscula-
res. A seguir, passa-se à utilização dos métodos de inalação ou
injeção, podendo-se alterná-los. Os melhores falantes utilizam
técnica mista, observando-se os três mecanismos diferentes em
sua produção vocal (BEHLAU, MARGALL, PONTES, 1987).

UTILIZANDO A LARINGE ARTIFICIAL


A laringe artificial, também conhecida como vibrador elétrico
ou eletrolaringe, surgiu na década de 40 e sua utilização já foi
bastante freqüente, principalmente na Europa. Existem basica-
mente dois tipos de vibradores: o de pescoço e o de boca. Ambos
os tipos, quando acionados, produzem um ruído semelhante ao
de um barbeador elétrico, ruído este que será transmitido aos
tecidos do pescoço ou da boca, como base para a articulação dos
sons da fala e da produção da nova voz. É necessário que o
paciente articule de modo bastante preciso, para que o ruído da
prótese possa ser transformado em fala com inteligibilidade acei-
tável. A sobrearticulação é decisiva na inteligibilidade da fala com
o uso do vibrador laríngeo.
As principais desvantagens dessas próteses são que a fala
produzida apresenta uma qualidade vocal artificial, não-humana,
com “som de máquina”, de característica impessoal, sem as
possibilidades de inflexão e curva melódica bastante restritas,
apesar de algumas próteses apresentarem dois ou até três
controles de freqüência. Além disso, a prótese por si só chama
muito a atenção, exteriorizando a mutilação sofrida. Apesar des-
ses aspectos, é um auxílio imprescindível ao se usar o telefone,
em conferências e nas situações em que o paciente deve retornar
ao trabalho imediatamente após a cirurgia. Além disso, há uma
série enorme de outros aspectos que podem levar o
laringectomizado ao uso de uma laringe artificial, tais como:
oferecer comunicação durante o aprendizado da voz esofágica,
ajudando o paciente a sair do silêncio involuntário; auxiliar o
desenvolvimento de uma melhor articulação para a fala; possibi-
litar uma fala audível ao laringectomizado com perda auditiva;
possibilitar comunicação ao laringectomizado analfabeto e que
não tem acesso ao treinamento da voz esofágica; além de prover
comunicação ao laringectomizado idoso, fisicamente doente, com
cirurgias extensas, ou com múltiplas deficiências. É interessante
comentar que alguns laringectomizados optam pelo uso da laringe
artificial, aproveitando ao máximo as possibilidades desta próte-
se; assim sendo, não se deve deixar de oferecer mais esta opção
de comunicação ao paciente.
Ao contrário do que se acreditava anteriormente, o uso da
laringe artificial não retarda o aprendizado da voz esofágica e nem
Laringectomia Total – Perspectivas de Reabilitação Vocal 1067

desmotiva o paciente ao treinamento, devendo ser sempre apre-


sentada ao paciente como uma medida temporária ou alternativa
de comunicação.
As laringes artificiais de pescoço são aquelas em que a
membrana vibrátil é apoiada na região cervical do pescoço do
paciente, geralmente um pouco acima do local onde se encontra-
va o osso hióide. É importante que o paciente experimente colocar
o aparelho em diferentes locais, em ambos os lados do pescoço,
ou mesmo embaixo do queixo ou em ambas as bochechas,
utilizando diferentes graus de pressão sobre a pele, para verificar
a região que oferece melhores condições vibratórias para a
produção da nova voz. Se a pressão utilizada é muito forte ou
muito fraca, a voz pode não soar de modo adequado. O controle
digital no acionamento da prótese – botão liga-desliga é essencial
para a boa utilização da mesma e, portanto, indivíduos com
problemas motores nas mãos, como por exemplo tremor de
extremidades, encontrará muita dificuldade na utilização correta
desse aparelho. A movimentação da mandíbula ou da cabeça não
deve interferir com o posicionamento da prótese. A língua e os
lábios devem mover-se livremente, mas deve-se evitar falar muito
rapidamente. O paciente deve ser orientado a comunicar-se
através de frases completas, e não através de uma emissão
telegráfica. Também é necessário que se faça uma parada breve
na vibração da prótese para indicar vírgulas e pontos finais, como
se faz com a voz laríngea.
Quanto à modulação de freqüência, se a prótese não apresenta
controle de freqüência, o paciente pode pressionar o vibrador de
modo mais ou menos intenso. Para freqüências agudas, pressionar
o vibrador de modo mais forte, movê-lo levemente para cima, pensar
“agudo” e tensionar os músculos do pescoço. Para freqüências
graves, realizar o oposto (LAUDER,1995). É importante incentivar o
paciente também a recitar poesias, contar piadas ou cantar.
Maior ou menor intensidade de fala pode ser adquirida ajus-
tando-se o volume da prótese. Apenas em situações específicas
o volume deve permanecer no máximo para fala. O que melhora
a comunicação é a clareza articulatória e não propriamente o
volume da fala.
Deve-se ressaltar que, pacientes que foram submetidos à alta
dose de radioterapia na região do pescoço podem apresentar
resultados muito pobres quanto à utilização desse tipo de prótese,
uma vez que ocorre fibrose intensa da musculatura do pescoço,
levando ao enrijecimento dos tecidos e dificultando a transferên-
cia da vibração da prótese para os mesmos.
Os vibradores de inserção na boca – também conhecidos por
vibradores do tipo cachimbo – apresentam um tubo que se coloca
na boca do paciente, e que deve ser manipulado para que a língua
não bloqueie o som produzido pelo seu acionamento. Geralmente
um dos melhores posicionamentos é inserir 4 cm do tubo num dos
cantos da boca e deixá-lo apoiado na porção súpero-lateral da
1068

língua. A ponta do tubo deve ser direcionada para o palato ou para


a faringe, e devem ser feitas várias emissões variando-se levemente
as posições, até que se consiga a melhor qualidade de emissão.
Se o paciente produz grande quantidade de saliva, uma boa
opção são as próteses de tubo oral da marca Cooper Rand, que
apresentam uma terminal de plástico azul, semelhante à ponta
dos sugadores de saliva utilizados na clínica odontológica.
Para a modulação da freqüência, sugere-se mover o tubo
ântero-posteriormente dentro da boca; para a modulação da
intensidade, utiliza-se diretamente o botão de controle do volume
da prótese (LAUDER, 1995).
Há vários tipos de laringes artificiais disponíveis no mercado,
como por exemplo, do tipo de pescoço: The Bruce Lectro-Larynx,
The Denrick DR-1 Speech Aid, Nu-Vois Artificial Larynx, Romet
Speech Aid, Servox Inton Speech Aid, SPKR Speech Aid, AT & T
e a eletrolaringe brasileira CGR; do tipo de boca as principais são:
Cooper-Rand Speech Aid e Ultra Voice; finalmente, há ainda as
laringes artificiais pneumáticas, que não utilizam pilhas ou bate-
rias, tais como: The Dutch Speech Aid e a The Tokyo Speech Aid.
Os aparelhos mais comumente utilizados são os que produ-
zem som através de eletricidade, como as laringes artificiais
eletrônicas. Já os aparelhos holandeses e os japoneses são
pneumáticos e funcionam com ar que vem do estoma e que vibra
uma superfície plástica ou de metal inserida numa tira de borra-
cha. O som produzido por esses instrumentos é introduzido na
boca através dos tecidos do pescoço ou diretamente via um tubo
plástico. Essa variação é bastante econômica e, infelizmente,
apesar das limitações econômicas de nossa realidade, não são
produzidas ou utilizadas no mercado brasileiro.
O laringectomizado pode ainda utilizar amplificadores vocais,
para melhorar a projeção de sua voz. Para tanto, pode-se utilizar um
simples microfone e uma caixa acústica de boa qualidade, porém,
três considerações importantes devem ser feitas: primeiro, para que
haja uma amplificação efetiva, o laringectomizado deve ser capaz
de produzir voz audível; segundo, verificar a que tipo de ouvinte essa
amplificação se destina e se, realmente, ele tem dificuldade em ouvir
a voz esofágica; e terceiro, lembrar que os amplificadores também
amplificam os ruídos de fundo e os vícios de emissão da produção
esofágica, tais como os cliques bucais, os cluncs da deglutição e o
ruído respiratório do estoma. Os amplificadores pessoais, de bolso,
são muito limitados e dificilmente são considerados úteis pelos
falantes ou pelos ouvintes.

PRÓTESES DE IMPLANTE CIRÚRGICO


As próteses de implante cirúrgico são uma alternativa de
comunicação após a laringectomia total, podendo também ser
indicadas nos casos em que não se obteve uma produção
satisfatória com a voz esofágica. O início do desenvolvimento das
Laringectomia Total – Perspectivas de Reabilitação Vocal 1069

próteses de implante cirúrgico data das primeiras laringectomias,


evidenciando uma preocupação essencial em devolver ao pacien-
te a comunicação perdida em decorrência da cirurgia. Apesar dos
diversos tipos desenvolvidos alguns bastante engenhosos, foi
apenas na década de 70 que ressurgiu, de modo científico e com
grande impulso, uma nova geração de próteses laríngeas de
implante cirúrgico, onde podemos ressaltar a contribuição memo-
rável de BLOM & SINGER (1979) e PANJE (1981).
Tais próteses consistem de uma válvula unidirecional e para
inseri-las é necessário que se efetue cirurgicamente uma fístula
traqueoesofágica. O paciente produz a voz bloqueando digital-
mente a saída do ar pulmonar pelo traqueostoma, direcionando
assim, ar para a fístula criada que, por sua vez, o conduz ao
esôfago, a partir de onde será trabalhado pelos articuladores e
ressonadores do aparelho fonador. Deste modo, a emissão é
semelhante a de um excelente falante em voz esofágica, com a
vantagem de que se utiliza o ar pulmonar e não a introdução bucal
do ar do ambiente, o que oferece um tempo de emissão bastante
longo, semelhante ao dos falantes normais. Tal fato contribui para
um melhor encadeamento de fala e, conseqüentemente, melhor
inteligibilidade. Pelo fato da válvula ser unidirecional, durante a
deglutição dificilmente ocorrem desvios de alimento para a tra-
quéia, o que poderia causar aspiração e conseqüentemente
infecção pulmonar. O próprio paciente deve proceder a limpeza da
prótese sempre que obstruída por secreção, recolocando-a na
fístula. As porcentagens de sucesso variam de 65 a 85%, a longo
prazo, de acordo com JOHNS & CANTRELL (1981). Nossa experiên-
cia, porém, não tem sido muito animadora, e a porcentagem de
sucesso por nós obtida é bastante menor.
A cirurgia para colocação da prótese é realizada sob anestesia
geral e consiste em se realizar uma abertura no esôfago através
da parede posterior da traquéia, a chamada fístula traqueoesofá-
gica. Este procedimento pode ser realizado juntamente com a
laringectomia total, ou após essa cirurgia, num segundo tempo.
Após três ou quatro dias da realização da fístula, a prótese é
introduzida e o paciente pode iniciar a reabilitação vocal. A voz é
produzida ocluindo-se o traqueostoma ou a própria válvula (de-
pendendo do modelo) com o dedo, e o ar exalado dos pulmões é
direcionado para o esôfago, estimulando-se a vibração dos teci-
dos circunvizinhos. Uma produção vocal com fala fluente é prati-
camente imediata, porém, a qualidade vocal e as habilidades
gerais de comunicação melhoram com o uso. A prótese previne
vazamento e não interfere com a deglutição (BLOM & SINGER,
1995). Em alguns serviços dos EUA têm-se optado por realizar a
laringectomia e fístula traqueoesofágica no mesmo tempo cirúrgi-
co, o que significa direcionar a reabilitação vocal diretamente para
a dependência de uma prótese de implante cirúrgico.
É preciso lembrar que outros tipos de fístulas podem ser
produzidas cirurgicamente para a obtenção de um desvio da
1070

corrente aérea e produção de fala, sem a utilização de próteses


como as anteriormente descritas. Tais cirurgias foram já bastante
empregadas, e as técnicas principais são conhecidas pelo nome
de seus idealizadores, a saber: técnica de ASAI (1971), técnica de
STAFFIERI (1974) e técnica de AMATSU (1980), cujos resultados
são ainda controversos e irregulares.
Segundo BLOM & SINGER (1995), os critérios de seleção de um
paciente para a utilização de uma prótese de implante cirúrgico
são individuais, porém englobam fatores relacionados à saúde
geral adequada, capacidade de manter o estoma e a prótese em
boas condições, tamanho e configuração do estoma, capacidade
de produzir voz com fluxo aéreo constante e, finalmente, o mais
importante que é uma grande motivação para atingir o nível mais
elevado da reabilitação vocal.
A concepção da prótese é bastante simples e consiste de um
tubo oco feito de borracha especial para uso no corpo humano,
dotada de uma válvula unidirecional em uma de suas extremida-
des. A prótese, uma vez inserida, deve permanecer na fístula por
todo o tempo, para que não ocorra seu fechamento evitando,
também, comunicação e vazamentos entre a traquéia e o esôfa-
go, durante a deglutição. O fluxo aéreo pulmonar expiratório entra
na prótese quando o estoma está ocluído, e a válvula unidirecional
na extremidade da prótese se abre pela força desse próprio fluxo.
Uma pequena tira de esparadrapo é aderida à pele para manter
a prótese em posição.
A prótese deve ser removida periodicamente para limpeza, e a
regularidade com que o paciente retira a prótese depende de vários
fatores, como: o próprio tipo da prótese, quantidade de secreção,
presença de infecções oportunistas, facilidade de retirar e colocar a
prótese, etc. Geralmente, os pacientes retiram a próteses mais
freqüentemente no início, por insegurança, mas também para treino
de recolocação da mesma, até que se sintam mais confiantes.
Há dois tipos básico de próteses de implante traqueoesofágico:
as próteses móveis e de curta permanência no organismo, que
podem ser removidas e recolocadas pelo próprio paciente, e as
próteses fixas ou de maior permanência no corpo, que devem ser
removidas e recolocadas pelo pessoal técnico especializado,
médico ou fonoaudiólogo.
Há um tipo de prótese da linha Blom & Singer, de grande
permanência e baixa-pressão (o que facilita a emissão), espe-
cialmente desenhada para os indivíduos laringectomizados que
não se sentem capazes ou têm receio de remover e inserir a
prótese para a sua manutenção, seja devido à idade, problemas
visuais ou falta de destreza manual. Tal prótese é deixada em
posição e a manutenção é feita sem que seja necessária sua
retirada, limpando-se ao redor do estoma com uma pequena
pinça e com o auxílio de uma pipeta de água. Quando necessá-
rio, o próprio médico ou o fonoaudiólogo se encarregam da
reposição da mesma.
Laringectomia Total – Perspectivas de Reabilitação Vocal 1071

Outra prótese valvular foi também desenvolvida nos EUA,


sendo chamada prótese de auto-oclusão ou válvula ajustável do
traquestoma (VAT), adaptada à prótese traqueoesofágica. Esta
variante não necessita da oclusão digital para desviar a corrente
aérea, pois automaticamente fecha o traqueostoma quando o
fluxo respiratório é intenso, ou seja, quando a respiração passa de
vital para ser utilizada na fonação, desviando diretamente o ar
para o esôfago. Alguns pacientes conseguem um excelente
rendimento vocal com este tipo de prótese (BLOM e cols., 1982).
Esta válvula é usada em adição a outras próteses, mantida em
posição através de um adesivo antialérgico e um adaptador
circular. A válvula pode ser removida facilmente a qualquer
momento, sem que se remova o adesivo, o que permite a inspeção
ou limpeza da prótese e do estoma. Quando utilizadas conjunta-
mente a um sistema umidificador, essa prótese atua como um filtro
para o aquecimento e umidificação do ar, o que reduz a secura, as
secreções e a tosse persistente e de característica irritativa. A
válvula é ajustável, ou seja, sensível a diferentes graus de fluxo
aéreo pulmonar, permanecendo aberta durante a respiração
calma. Com um discreto aumento no fluxo aéreo exalado durante
a fala, a válvula se fecha para desviar o ar para o esôfago, ao invés
de se utilizar a oclusão digital. A válvula automaticamente reabre
assim que o indivíduo cessa a fala. Devido a características
individuais nem todos os pacientes são capazes de utilizar esta
válvula de modo eficiente.
Outra opção de prótese traqueoesofágica do tipo móvel é a
válvula Provox, que foi desenvolvida no Netherlands Cancer
Institute, Holanda. É bivalvulada e feita de borracha de silicone,
sendo a válvula esofágica mais rígida. Tais válvulas têm como
objetivo manter a prótese no lugar, sem que sejam necessários
adesivos ou outros tipos de fixação. A válvula de auto-oclusão é
moldada em uma única peça com a prótese e sustentada por um
anel de fluoroplástico, firmemente preso no tubo da prótese e de
material radiopaco. Diversos estudos foram realizados e diversos
autores concordam que este tipo de prótese tem apresentado
bons resultados tanto quanto à reabilitação vocal e à qualidade da
prótese em si (HILGERS & SCHOUWENBURG, 1990; HILGERS & BALM,
1993; HILGERS, CORNELISSEN, BALM , 1993; VAN WEISSENBRUCH &
ALBERS, 1993; ACKERSTAFF e cols., 1994).
Novas gerações de próteses têm superado rapidamente os
modelos dos anos 70 e, seguramente, na próxima década conse-
guiremos um modelo de prótese resistente, flexível, durável e com
possibilidades de interferência acústica positiva na produção da
voz. Os avanços nessa área também têm-se feito notar nos
acessórios, onde podemos citar a introdução recente do
umidificador Blom-Singer Humidifilter Heat and Moisture Exchanger
(HME), que permite ao laringectomizado voltar a obter algumas
das vantagens anteriormente fornecidas pela respiração nasal,
quando o fluxo de ar chegava úmido, filtrado e aquecido aos
1072

pulmões. Com o uso deste aparelho, envia-se aos brônquios uma


grande porcentagem de umidade de ar em cada respiração,
juntamente com a retenção do calor, o que auxilia a reduzir tosse,
secura e secreções mucosas. O kit completo consta de um
sistema para adaptação de filtros descartáveis de espuma espe-
cialmente tratada para este uso, além de um suporte e discos
adesivos. Esse aparelho pode ser utilizado por todos os
laringectomizados, independente do método de fala utilizado, a
fim de melhorar suas condições de respiração e umidificação.

CARACTERÍSTICAS ACÚSTICAS E PERCEPTUAIS DA


FALA ALARÍNGEA
BEHLAU & ZIEMER (1989) descreveram os níveis global e espe-
cífico a serem considerados na avaliação da comunicação por
fonação esofágica. O nível específico engloba aspectos como
qualidade vocal, clareza articulatória, altura vocal, variação da
freqüência (jitter), intensidade vocal, variação da amplitude (shimmer),
velocidade e inteligibilidade de fala. Comentaremos alguns pontos
desses aspectos, relacionados aos tipos de fala alaríngea.
Clareza articulatória – A necessidade do falante esofágico
de colocar a língua em determinadas posições para a injeção do
ar pode afetar a posição da língua durante a produção da fala
(CASPER & COLTON, 1993). Conseqüentemente, de acordo com
HOOPS & NOLL (1969), há a tendência do falante esofágico
produzir as vogais baixas com uma posição de língua mais
elevada que o habitual.
Freqüência vocal – De acordo com SISTY & WEINBERG
(1972) e GONÇALVES , BEHLAU, P ONTES, TOSI (1994) –, as fre-
qüências dos formantes são mais agudas em falantes esofági-
cos, devido ao encurtamento do trato vocal decorrente da
laringectomia total. Tal encurtamento do trato vocal pode ser
compensado pela protrusão dos lábios ou pela alteração da
posição da língua (CASPER & COLTON , 1993).
Os falantes que se utilizam de próteses traqueoesofágicas
tendem a produzir voz de freqüência fundamental mais próxima
dos falantes normais, principalmente em relação aos indivíduos
do sexo masculino. Embora também apresentem grande variabi-
lidade de freqüência fundamental, esta é menor que a encontrada
nos falantes que utilizam a voz esofágica (CASPER & COLTON,
1993).
Variação de freqüência (jitter) – Quanto aos falantes que se
utilizam de laringes artificiais, não há estudos com relação ao jitter,
mas seria esperado que o jitter fosse diretamente relacionado à
estabilidade do circuito eletrônico que produz o som, e não
refletiria a capacidade do falante (CASPER & COLTON, 1993).
Os dados em relação ao jitter dos falantes traqueoesofágicos
são controversos. Seria esperado jitter com valores similares (ou
Laringectomia Total – Perspectivas de Reabilitação Vocal 1073

maiores que) aos da fala esofágica, sendo que ambos os grupos


de falantes utilizam a mesma fonte sonora vibratória, ou seja, o
segmento faringoesofágico (CASPER & COLTON, 1993).
Intensidade vocal – Os falantes que se utilizam da laringe
artificial produzem níveis de intensidade médios durante a fala
entre 75 e 85 dB, dependendo do tipo de material da prótese
utilizada. A intensidade do vibrador eletrônico é determinada
principalmente pelo design da prótese (CASPER & COLTON, 1993).
A intensidade da fala traqueoesofágica é aparentemente
menor do que os níveis produzidos pelos falantes laríngeos, e a
variação da intensidade pode ser maior do que para os falantes
normais. Alguns falantes traqueoesofágicos produzem um nível
de intensidade de fala maior do que o da fala normal (CASPER &
COLTON, 1993).
Variação da amplitude (shimmer) – O shimmer das falas
esofágica e traqueoesofágica é maior que o da fala laríngea; o
jitter das laringes artificiais provavelmente reflete o design eletrô-
nico e a construção da prótese, e não as capacidades anatômica
e fisiológica do falante (CASPER & COLTON, 1993).
Velocidade de fala – A velocidade de leitura é mais lenta para
os falantes que utilizam a laringe artificial, comparando-se à
fonação normal e à fala traqueoesofágica (MERWIN, GOLDSTEIN,
ROTHMAN, 1985; WEISS & YENI-KOMSHIAN , 1979). Tal fato deve-se
à necessidade de uma articulação mais precisa para se manter um
nível aceitável de inteligibilidade (CASPER & COLTON, 1993).
Deve-se ressaltar que a duração das vogais dos pacientes
laringectomizados é mais longa em relação aos falantes normais,
o que indica mudanças na dinâmica articulatória e reduzida
velocidade de fala. Este fato reflete também a inabilidade do
falante esofágico em iniciar e terminar a sonoridade, e também
afeta a distinção do traço de sonoridade de modo consistente
(CASPER & COLTON, 1993).
Inteligibilidade de fala – Não há muitos estudos na literatura
que comparem a inteligibilidade de fala das três formas de
comunicação alaríngea, e deve-se levar em conta a variabilidade,
ou seja, alguns estudos mostram que os falantes traqueoesofágicos
geralmente apresentam maior inteligibilidade. Isto se deve ao fato
de que, por utilizarem o suprimento pulmonar, os falantes
traqueoesofágicos não precisam utilizar nenhuma estrutura do
trato vocal para insuflar o esfíncter faringoesofágico, podendo
assim manter os padrões normais de articulação e fluxo de fala.
Mas não podemos esquecer que excelentes falantes esofágicos
são capazes de produzir uma fala extremamente inteligível, en-
quanto outros falantes traqueoesofágicos podem apresentar fala
menos inteligível. Alguns indivíduos que se utilizam da laringe
artificial podem produzir uma fala muito mais inteligível do que um
falante esofágico ou traqueoesofágico que apresente uma fala
pouco inteligível (CASPER & COLTON, 1993). A habilidade indivi-
dual do falante em desenvolver compensações necessárias à
1074

produção de uma fala inteligível é outro aspecto importante que


afeta a inteligibilidade.
O principal fator que afeta a inteligibilidade é a dificuldade de se
manter a distinção do traço de sonoridade, pois as consoantes
surdas tendem a ser percebidas como sonoras. Pode-se tentar
compensar esta dificuldade alterando-se a duração da vogal prece-
dente ou posterior à consoante. A melhora da articulação geralmen-
te aumenta o grau de inteligibilidade. Também não podemos
esquecer que a inteligibilidade depende, em parte, do ouvinte, ou
seja, ouvintes não-familiarizados com a fala alaríngea geralmente
consideram a inteligibilidade como sendo de grau mais baixo em
relação aos ouvintes familiarizados.

DISFAGIA E O PACIENTE LARINGECTOMIZADO


TOTAL
Alterações na deglutição de saliva e alimentos não são espe-
radas na reabilitação do paciente laringectomizado total. Após a
cirurgia ocorre um breve período de adaptação às novas condi-
ções anatomofuncionais, porém, sem maiores dificuldades. As-
sim sendo, a presença de disfagia pode ser o primeiro sinal de
recorrência do tumor e uma avaliação videofluoroscópica da
deglutição pode mostrar sinais precoces de recorrência que não
seriam notados pelo exame endoscópico de rotina (JUNG &
ADAMS, 1980; BALFE e cols., 1982). Outras causas de disfagia
dizem respeito a alterações na mobilidade da faringe ou do
músculo cricofaríngeo, ou estenose parcial. Porém, se a disfagia
é tardia deve-se pensar numa recorrência do tumor (BALFE e cols.,
1982), na presença de um segundo tumor primário no esôfago, e
na rigidez por radioterapia ou ainda na formação de uma
pseudoepiglote (KRONENBERGER & M EYERS, 1994). Outras cau-
sas menos freqüentes são a regurgitação decorrente do
pseudodivertículo faríngeo resultante da separação da linha de
sutura da faringe no ponto de conexão com a base da língua, ou
pela incoordenação de contração dos músculos constritores da
faringe na ausência de estenose (JUNG & ADAMS, 1980).
A avaliação videofluoroscópica da deglutição nos pacientes
laringectomizados que apresentam estenoses parciais mostra
alterações decorrentes da cirurgia, como estreitamento da faringe
e leve aumento do espaço retrofaríngeo, mas sem irregularidades
da mucosa. Já as recorrências do tumor mostram um aumento na
largura do espaço retrofaríngeo, irregularidade da mucosa e um
trato com sinais de presença de fístula, além das alterações
cirúrgicas comumente observadas (JUNG & ADAMS, 1980).
Qualquer alteração na integridade do mecanismo de deglutição
reflete-se negativamente na fonoterapia e indica um dos piores
prognósticos de reabilitação vocal por voz esofágica. Uma das
alterações mais comuns está relacionada à rigidez do esôfago. Tal
Laringectomia Total – Perspectivas de Reabilitação Vocal 1075

rigidez é geralmente observada nos casos submetidos à intensa


radioterapia, que leva a uma fibrose quase pétrea dos tecidos, o que
dificulta a deglutição de alimentos e provoca também uma resistên-
cia extrema à introdução do ar. Quando conseguida, a introdução do
ar é geralmente acompanhada de um ruído tenso característico, por
vezes associado a movimentos de cabeça. Algumas vezes ocorre
não uma rigidez em si, mas uma hipertonia real, que nos casos mais
intensos pode ser reduzida com a miotomia da faringe e do esôfago
(THAWLEY & OGURA, 1978).
Ao contrário da situação anterior, há casos em que se observa
uma tonicidade insuficiente no esôfago, o que dificulta a emissão
esofágica pela ausência de resistência necessária à expulsão do
ar (DAMSTÉ, 1958). Por vezes, tal fato não impede a fonação em
si, mas o som gerado apresenta intensidade muito fraca. Se a
qualidade vocal puder ser melhorada por aplicação direta de
pressão digital no pescoço, após a introdução do ar sugere-se ao
paciente que use uma faixa elástica circular, aplicada ao protetor
do traqueostoma, para aumentar a resistência muscular.

DICAS SUGERIDAS POR UM LARINGECTOMIZADO


As dicas abaixo são fornecidas por L AUDER (1995) e relaciona-
das a aspectos da vida diária podendo ser úteis para outros
pacientes laringectomizados. Vale a pena tentar!
Aprendendo a cheirar novamente – Apesar de se ter conhe-
cimento que o sentido do olfato não retornará em sua plenitude,
não significa que não se pode recuperar parte dele. Manter a boca
fechada e pressionar a língua contra o céu da boca, enquanto ao
mesmo tempo movimenta-se a mandíbula, como se mastigasse
um alimento, forçará o ar para dentro e para fora do nariz, o que
ajuda na detecção dos odores. Estimular o olfato cheirando-se
uma gota de perfume ou outro líquido de odor forte nas costas da
mão. Voláteis são mais facilmente percebidos.
Assoando o nariz – Assoar o nariz utilizando os mesmos
movimentos descritos para o reaprendizado do olfato. Pressionar
as narinas utilizando um lenço e com a boca fechada, movimentar
a mandíbula num movimento vigoroso de mastigação enquanto
se eleva a língua em direção ao palato numa forte movimentação.
Isto direcionará o ar para o nariz e as narinas pressionadas
comprimirão o ar que está sendo expulso.
Usando o telefone – O telefone amplifica a voz do
laringectomizado e sua inteligibilidade vocal é geralmente muito
boa, tanto para a voz esofágica quanto para a voz produzida por
laringes artificiais. É importante praticar com amigos, o que auxiliará
a aumentar sua confiança em sua habilidade de se comunicar.
Orientar o paciente a manter os lábios perto do bocal do telefone e
falar lentamente, utilizando frases curtas e bem-articuladas.
A importância da prática diária – Uma vez conseguida a
emissão sonora básica, ela só poderá ser aperfeiçoada através da
1076

prática diária. O ideal seria praticar 15min a cada 2h, mas no


mínimo de 2h por dia, todos os dias. Quanto mais se produzir som,
mais fácil será. Comunicar-se é o melhor exercício.

Aspectos psicológicos do indivíduo


laringectomizado
O impacto do diagnóstico de câncer de laringe é enorme,
mesmo quando se procura mostrar ao paciente as possibilidades
de um tratamento bastante efetivo e de uma reabilitação que
poderá reintegrá-lo socialmente com uma boa qualidade de vida.
De qualquer modo, não podemos minimizar o sofrimento imposto
ao paciente e à sua família, assim como o trauma com o qual ele
terá de aprender a conviver. As seqüelas de uma laringectomia
total são para toda a vida e o indivíduo deverá reorganizar toda a
sua vida. Exigem-se flexibilidade, adaptação, paciência e o de-
senvolvimento de novas aprendizagens, de indivíduos que, na
maior parte, estão na terceira idade, onde geralmente não são
exigidas tais habilidades.
Há referências na literatura de pacientes laringectomizados
que desenvolveram depressão profunda, casos de desequilíbrios
emocionais e tentativas de suicídio (HEAVER & ARNOLD, 1962;
PERELLÓ, 1973). Por outro lado, testemunhamos o processo de
reabilitação de pacientes que mudaram suas vidas para melhor,
através de uma revisão de suas prioridades em sentido global,
quer se considere o aspecto familiar, profissional ou social.
SANCHEZ-S ALAZAR & STARK (1972) identificaram quatro si-
tuações principais de crise pelas quais os pacientes
laringectomizados passam: 1. quando o paciente recebe o
diagnóstico e toma conhecimento da necessidade da cirurgia; 2.
após a cirurgia, no hospital, quando o paciente encontra-se na
UTI; 3. ao chegar em casa, quando o paciente se vê sem a
proteção e as garantias que o hospital lhe oferecia; e 4. meses
mais tarde, quando a vida volta à rotina e o paciente não recebe
mais as atenções especiais dos familiares e amigos.
A palavra câncer está intimamente relacionada à questão da
morte, até mesmo de uma forma considerada quase contagiosa,
o que pode ser observado quando os pacientes ou as pessoas de
modo geral evitam o uso desse vocábulo, substituindo-o por
“aquele mal”, “aquela doença” ou simplesmente dizendo “ele teve
aquilo”. A questão da morte, porém, extrapola a natureza física da
doença e invade a questão da identidade do ser, das emoções,
dos pensamentos e das ações cotidianas, e está implícita nas
mudanças em relação às crises de passagem de nossa vida
(BEHLAU, PONTES, ZIEMER, 1987). A vivência do câncer laríngeo e
da laringectomia total implica uma reorganização total da vida
diária, das relações interpessoais e do mundo. O terapeuta deve
estar absolutamente consciente deste processo e auxiliar o pa-
ciente a fazer essa passagem.
Laringectomia Total – Perspectivas de Reabilitação Vocal 1077

Leitura recomendada
ACKERSTAFF, A.H.; HILGERS, F.J.M.; ARONSON, N.K.; BALM, A.J.M.
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Tumores de Cavidade Oral e Orofaringe – Atuação Fonoaudiológica 1079

49
Tumores de Cavidade Oral e
Orofaringe – Atuação
Fonoaudiológica

Laélia Cristina C. Vicente


Ana Paola Forte
Laércio Martins
Renata Soneghet

INTRODUÇÃO
A atuação do fonoaudiólogo nos casos de câncer de cabeça
e pescoço, até há pouco tempo, era a reabilitação vocal do
laringectomizado total. Atualmente esse quadro vem mudando,
ainda que lentamente.
A preocupação com a qualidade de vida e a melhor forma de
reabilitação dos pacientes com ressecções da cavidade oral e
orofaringe têm despertado o interesse tanto dos cirurgiões de
cabeça e pescoço como dos fonoaudiólogos para uma atuação
em conjunto.
De acordo com CASPER & COLTON (1993), o tratamento
oncológico requer o mais alto nível técnico dos muitos profissio-
nais da área da saúde, que devem trabalhar como uma equipe
coordenada durante todo o processo.
O fonoaudiólogo, juntamente com os outros membros da
equipe, deve decidir qual a melhor conduta a ser tomada, pensan-
do na reabilitação e no prognóstico dos pacientes.
A atuação fonoaudiológica deve ter um contexto mais amplo,
não apenas de reabilitar os comprometimentos estéticos e funcio-
nais, mas também de ajudar e de incentivar os pacientes a se
reintegrarem socialmente, reassumirem as atividades que exerci-
am antes, quando possível, e aceitarem as limitações decorrentes
da intervenção cirúrgica. Além disso, deve informar e conscienti-
1080

zar os familiares sobre a evolução, tratamento e prognóstico, para


que possam apoiar e estimular os pacientes na sua recuperação.
O sucesso do tratamento depende muito da motivação e
adesão dos pacientes. Os profissionais que estão envolvidos não
devem poupar esforços em auxiliá-los e estimulá-los, para que
enfrentem o tratamento de forma mais cooperativa.

CONSIDERAÇÕES GERAIS
A cavidade oral é uma localização bastante freqüente de
neoplasias malignas. Nos países subdesenvolvidos, que concen-
tram dois terços dos casos que ocorrem no mundo, essa é a
terceira localização mais comum.
Este tipo de câncer ocorre mais no sexo masculino, em uma
proporção de aproximadamente 5:1, sendo os indivíduos acima
dos 40 anos os mais freqüentemente acometidos.
A ocorrência desta neoplasia está intimamente relacionada, na
maioria dos casos, à condição sócio-econômica mais baixa.
Dentre os fatores relacionados à gênese destas neoplasias,
o tabagismo tem papel de destaque. Sabe-se que entre a
população de fumantes a incidência de câncer de cavidade oral
e orofaringe é significantemente mais elevada que entre não-
fumantes. A Índia é o país onde a ocorrência de câncer nestas
regiões é a mais elevada no mundo. Tal achado se explica pelo
hábito bastante difundido naquele país de se mascar tabaco.
O etilismo é outro hábito que tem influência na gênese destas
neoplasias. A análise dos casos mostra que mais de 90% dos
pacientes são fumantes e/ou etilistas, sendo a associação destes
hábitos, o achado mais freqüente.

1
2

8
5 9
5
7 3

2
1

FIGURA 49.1 – Esquema mostra sub-regiões de cavidade oral e orofaringe. 1= Lábios; 2= gengivas
superior e inferior; 3= língua; 4= assoalho da boca; 5= mucosa bucal; 6= palato duro; 7= área
retromolar; 8= palato mole; 9= úvula.
Tumores de Cavidade Oral e Orofaringe – Atuação Fonoaudiológica 1081

Anatomia
A cavidade oral é anatomicamente definida como uma região
delimitada anteriormente pela transição entre o vermelhão dos
lábios e a pele e posteriormente pelos pilares amigdalianos. A
orofaringe compreende a região que se estende do palato mole e
úvula à base de língua e valécula. Desta forma, temos dentro
destes limites as seguintes sub-regiões anatômicas que com-
põem a cavidade oral e a orofaringe: lábios; gengivas superior e
inferior; língua; assoalho de boca; mucosa bucal; palato duro; área
retromolar; palato mole; úvula (Fig. 49.1).

Tipos de lesões
Existem três tipos básicos de lesões neoplásicas malignas
na cavidade oral e orofaringe: vegetantes, infiltrativas e ulcera-
das, sendo que mais comumente ocorrem combinações destas.
Temos, portanto, tumores que podem assumir aspecto úlcero-
vegetante ou úlcero-infiltrativo (Fig. 49.2 A, B e C). Sabe-se que
as formas predominantemente vegetantes tendem a ter uma
evolução mais lenta e um prognóstico mais favorável em relação
às lesões predominantemente infiltrativas, que mais rapida-
mente acometem as estruturas profundas da cavidade oral e
orofaringe.

A B C
FIGURA 49.2 – A) Lesão úlcero-vegetante de língua. B) Lesão úlcero-infiltrativo de assoalho de boca.
C) Lesão vegetante de língua e assoalho de boca.

Diagnóstico
A dor e a presença de uma “ferida” na boca são os sintomas mais
freqüentes do câncer de cavidade oral e orofaringe. Sempre que
estas queixas estiverem presentes, o exame minucioso de todas as
sub-regiões se impõe. Devido ao fácil acesso ao exame físico, o
diagnóstico pode ser feito com relativa facilidade e, frente a alguma
lesão presente, a biópsia é obrigatória. Outros sintomas e sinais
como dificuldade para abertura de boca (trismo) ou sangramentos,
podem estar presentes nos casos mais avançados.
1082

Mesmo sendo um tipo de neoplasia que se manifesta precoce-


mente, o diagnóstico na maioria das vezes é feito tardiamente. Isto
ocorre em primeiro lugar pelo fato de os pacientes menosprezarem
os sintomas iniciais, atribuindo-os a causas menos importantes.
Além disto, muitas vezes, ao procurarem assistência médica menos
especializada, os pacientes são orientados a realizar tratamentos
clínicos ineficientes, que postergam o diagnóstico e pioram o
prognóstico. Assim, julgamos que, quando algum profissional da
área de saúde atende um paciente que apresenta qualquer lesão
suspeita na cavidade oral e orofaringe, este deve ser encaminhado
a um profissional especializado para elucidação diagnóstica.

Tratamento
O tratamento dos pacientes portadores de câncer de cavi-
dade oral e orofaringe deve necessariamente envolver diversos
profissionais. Cirurgiões, radioterapeutas, quimioterapeutas, on-
cologistas clínicos, fonoaudiólogos, psicólogos, nutricionistas e
dentistas devem compor uma equipe coordenada para que os
resultados sejam atingidos.
A principal forma de tratamento para estes pacientes é a
cirurgia acompanhada ou não de radioterapia. Diversos esque-
mas de tratamento podem ser utilizados, sendo a cirurgia seguida
de radioterapia, a modalidade empregada na maioria dos casos.
A quimioterapia também pode ser utilizada em alguns casos,
porém esta modalidade terapêutica até o momento não consegue
promover isoladamente um tratamento efetivo, sendo usada
sempre em associação com as outras formas já citadas.
Os procedimentos cirúrgicos realizados variam de acordo com
o estágio da doença. Assim, lesões precoces podem ser tratadas
com ressecções menores que praticamente não produzem com-
prometimentos funcionais, enquanto lesões avançadas deman-
dam a utilização de técnicas cirúrgicas agressivas que acarretam
em seqüelas estéticas e funcionais significativas.
Dentre as sub-regiões citadas, as mais freqüentemente aco-
metidas são a língua e o assoalho de boca. Assim, as cirurgias
mais realizadas são as glossectomias e as pelvectomias. Ressec-
ções combinadas de diversas sub-regiões também podem ser
utilizadas como forma de tratamento.
As ressecções localizadas são quase sempre reconstruídas por
meio da utilização de suturas simples com as estruturas remanes-
centes, enquanto as ressecções extensas necessitam de retalhos
para a sua reconstrução, levando a maior dificuldade na reabilitação.

COMPROMETIMENTOS FUNCIONAIS CONFORME A


CIRURGIA
O tipo e o grau de comprometimento das funções no câncer de
cavidade oral e orofaringe vão depender da localização do tumor,
extensão da cirurgia e tipo de reconstrução (LOGEMANN, FISHER,
Tumores de Cavidade Oral e Orofaringe – Atuação Fonoaudiológica 1083

BYTELL,1979; RAPPAPORT, SHRAMECK, BRUMMETT, 1967; CASPER


& COLTON, 1993).
Tumores limitados ao assoalho de boca ou área retromolar,
não invadindo estruturas adjacentes, geralmente não acarretam
déficits funcionais, pois são ressecções limitadas à área, com
reconstruções menores, que na maioria das vezes não interferem
na mastigação, deglutição e fala.
Os retalhos habitualmente utilizados para reconstrução da
cavidade oral e orofaringe são os miocutâneos, osteomicutâneos,
os enxertos de pele ou ainda o fechamento primário que é a
reconstrução da área ressecada com a própria estrutura.
Quando se utiliza a língua para reconstrução, ocorrem proble-
mas funcionais devido à diminuição ou perda de mobilidade. O tipo
e o grau de comprometimento vão depender da localização e da
extensão do retalho da língua (Fig. 49.3) necessário para recons-
trução. Esse tipo de retalho já foi muito utilizado mas, atualmente,
os cirurgiões de cabeça e pescoço têm optado por outros a fim de
evitar as alterações funcionais.
Além do tipo de reconstrução, o aspecto que o retalho assume
na reconstrução da cavidade oral e orofaringe também interfere
nas funções de fonação, mastigação e deglutição. Nas
pelveglossectomias totais (ressecção total de assoalho de boca e
língua), retalhos miocutâneos mais altos possibilitam compensa-
ções articulatórias melhores do que aqueles baixos e menos
volumosos, isso porque há uma diminuição do diâmetro vertical
intra-oral. Porém, retalhos muito volumosos, principalmente na
região da orofaringe, interferem na deglutição, dificultando a
passagem do bolo alimentar para a faringe e esôfago.

FIGURA 49.3 – Esquema mostra o retalho de língua após cirurgia


retromolar.

Tumores de lábios
Tumores malignos dos lábios (Figs. 49.4 e 49.5), particular-
mente os de lábio inferior, são de fundamental importância entre
os tumores de cabeça e pescoço devido à sua alta incidência e alta
curabilidade, pois são tumores bem-diferenciados ao exame
histológico e de fácil acesso para o seu diagnóstico (OIIVEIRA &
MIRANDA, 1989).
Os tumores de lábio inferior são mais freqüentes, por esta
região estar mais exposta aos raios solares.
1084

FIGURA 49.4 – Tumor de lábio inferior.

FIGURA 49.5 – Tumor de lábio superior e inferior.

Quando ocorre ressecção parcial dos lábios, independente-


mente da reconstrução, não se observam alterações funcionais.
Já a ressecção completa dos lábios (Fig. 49.6) dificulta a conten-
ção salivar e alimentar. A articulação das vogais /o/, /ó/ e /u/ ficam
prejudicadas e os fonemas bilabiais perdem sua característica
plosiva, sendo algumas vezes confundidos com as fricativas
labiodentais. A impossibilidade de arredondar os lábios altera
outras funções, como assobiar e assoprar (Fig. 49.7).

FIGURA 49.6 – Ressecção completa dos lábios.

FIGURA 49.7 – Mostra a ação dos músculos bucinadores


quando o paciente tenta arredondar os lábios.
Tumores de Cavidade Oral e Orofaringe – Atuação Fonoaudiológica 1085

Tumores de língua e assoalho de boca


A língua é um órgão essencialmente muscular que desempe-
nha diversas funções importantes. Na fala, a língua é o principal
articulador, participando na produção de todas as vogais e na
maioria das consoantes. O grau de inteligibilidade de fala dos
pacientes está relacionado à extensão cirúrgica e à habilidade do
sujeito em movimentar a porção remanescente.
A exérese do tumor de língua é chamada de glossectomia; de
assoalho de boca, de pelvectomia e a combinação de ambas, de
pelveglossectomia.
A extensão cirúrgica pode variar desde pequenas ressecções
que não causam alterações funcionais, ou quando essas ocorrem
são mínimas; até ressecções mais extensas, com alterações
importantes.

FIGURA 49.8 – Esquema mostra lesão anterior da FIGURA 49.9 – Esquema mostra lesão lateral da
língua e área ressecada – glossectomia anterior. língua e área ressecada – hemiglossectomia.

FIGURA 49.10 – Esquema mostra lesão posterior FIGURA 49.11 – Esquema mostra lesão nos dois
da língua e área ressecada – glossectomia terços posteriores da língua e área ressecada –
posterior. glossectomia total.
1086

Glossectomia parcial
Cirurgias do terço anterior da língua podem prejudicar mais a
fala, a mastigação e a higiene oral. Quando a ressecção é do terço
posterior, a deglutição estará mais prejudicada. Nas ressecções
de hemilíngua, os pacientes não apresentam grandes alterações
de fala e deglutição pela facilidade de compensação com a parte
restante da língua. Essas alterações podem ser discreta distorção
articulatória e acúmulo de alimento na cavidade oral do lado
ressecado.
Em ressecções de língua menores que 50%, o comprometi-
mento de fala e deglutição está relacionado ao tipo de reconstru-
ção; já nas maiores que 50%, a extensão e a reconstrução
determinam a habilidade funcional (LOGEMANN, 1983).
Glossectomias menores que 50% podem apresentar altera-
ções mínimas de fala e de deglutição, normalmente no pós-
operatório imediato, sendo de fácil adaptação. Segundo
L OGEMANN (1983), a alteração de deglutição ocorre devido ao
edema, o que pode ocasionar uma pequena dificuldade no
disparo do reflexo.
Já nas ressecções maiores que 50%, os comprometimentos
funcionais são mais importantes e a reabilitação vai depender de
diversos fatores, como a extensão da cirurgia, tipo e aspecto da
reconstrução, grau de mobilidade da língua remanescente, pre-
sença ou ausência dos dentes.
As alterações nas glossectomias maiores que 50% geralmen-
te são:

Disfagia na fase preparatória e oral


Os pacientes têm dificuldade na formação, controle e propul-
são do bolo alimentar. A mastigação está prejudicada porque a
porção remanescente da língua não é suficiente para realizar os
movimentos de lateralização.
Geralmente, os pacientes necessitam ser ensinados a pro-
teger conscientemente a via aérea inferior durante a deglutição,
uma vez que a falta de controle do alimento favorece o seu
escape para esta região antes da deglutição voluntária iniciar-
se (L OGEMANN, 1983).
Pacientes com ressecção de base de língua habitualmente
apresentam aumento no tempo de trânsito do bolo alimentar;
isso ocorre devido à dificuldade de realização dos movimentos
de propulsão, prejudicando o contato do dorso da língua contra
o pilar palatoglosso, onde o reflexo de deglutição é disparado.
De acordo com LOGEMANN (1983), eventualmente nesse tipo de
ressecção, os pacientes têm dificuldade de abertura do esfínc-
ter cricofaríngeo durante a deglutição, uma vez que a base da
língua tem uma ação importante no relaxamento desse esfínc-
ter. Nestes casos, a realização da miotomia é indicada.
Tumores de Cavidade Oral e Orofaringe – Atuação Fonoaudiológica 1087

Higiene oral prejudicada


A dificuldade da higienização da cavidade oral durante as
refeições ocorre devido à perda de massa e diminuição da
mobilidade da língua remanescente.

Articulação prejudicada
Ocorre pela dificuldade de contato da porção remanescente
da língua com o alvéolo e palato para a produção dos fonemas
consonantais linguodentais, linguoalveolares, linguopalatais e
velares. As vogais também se encontram alteradas, principalmen-
te as que requerem uma posição superior ou anterior da língua,
devido à freqüência do segundo formante ser afetada pelo grau e
lugar de constrição dentro da cavidade oral. Alguns pacientes
usam a faringe, a epiglote, um resíduo qualquer de língua rema-
nescente ou um retalho de língua moldado e movimentos da
mandíbula (rebaixamento/elevação ou protrusão/retração), como
modo de compensação, a fim de produzir a acústica apropriada
(CASPER & COLTON, 1993).

Ressonância alterada
Segundo CASPER & COLTON (1993), a ressonância depende
do formato, tamanho e tonicidade do trato vocal. Como resultado
de cirurgias orais ablativas, podem ocorrer alterações em todos os
três aspectos.

Glossectomia total
Nas glossectomias totais, os comprometimentos mais seve-
ros são:

Disfagia nas fases preparatória, oral e faríngea


Os pacientes não têm a habilidade de mastigar, controlar o
bolo alimentar, realizar os movimentos de propulsão, disparar o
reflexo de deglutição, realizar o relaxamento do segmento crico-
faríngeo devido à ressecção completa da língua. A reconstrução
realizada nesses casos, geralmente é o retalho miocutâneo do
peitoral que não apresenta mobilidade. A aspiração pode ocorrer
como resultado da falta de controle do bolo alimentar na cavidade
oral e da ausência do disparo do reflexo de deglutição, causando
uma redução dos movimentos peristálticos da faringe e, conse-
qüente, acúmulo de alimento nesta região após a deglutição
(L OGEMANN, 1983).

Deglutição de saliva alterada


Pela dificuldade de deglutição, já mencionada, ocorre um
acúmulo de saliva na cavidade oral, freqüentemente acarretando
sialorréia e/ou aspiração.
1088

Estado nutricional geralmente debilitado


Além da dificuldade de deglutição, alguns pacientes podem
apresentar ageusia (perda total do paladar) que é um fator
desestimulante à alimentação. Sendo assim, é fundamental um
acompanhamento rigoroso com o nutricionista.

Articulação alterada
Todas as vogais e consoantes, exceto as bilabiais e
labiodentais, estão comprometidas. Porém, este não é um fator
limitante à comunicação, já que glossectomizados totais conse-
guem se expressar de forma inteligível sem utilizar outros recur-
sos, como o apoio gráfico, gestual ou a ajuda dos familiares
(TIWARI e cols. 1993).

Qualidade vocal alterada


Os pacientes submetidos a essa cirurgia apresentam voz de
característica pastosa e hipernasal.

Tumores de mandíbula
A ressecção de pequena porção da mandíbula não acarreta
problemas funcionais ou quando estes ocorrem, são mínimos,
como a dificuldade em mastigar do lado ressecado. Já os tumores
mais extensos, que podem envolver outras estruturas, como a
língua, comprometem a fala e a deglutição.
A exérese da mandíbula é chamada de mandibulectomia,
podendo ser do tipo marginal ou segmentar.
Na mandibulectomia marginal (Fig. 49.12), é ressecada uma
parte do corpo da mandíbula no sentido longitudinal. A
mandibulectomia segmentar (Figs. 49.13 e 49.14) compreende a
ressecção de um segmento vertical da mandíbula.
A mandibulectomia marginal não acarreta déficits funcionais
importantes. Quando associada à glossectomia parcial, resulta
geralmente em uma imprecisão articulatória, dificuldades de mas-
tigação e propulsão do bolo alimentar do lado ressecado. Tais

FIGURA 49.12 – Mandibulectomia marginal.


Tumores de Cavidade Oral e Orofaringe – Atuação Fonoaudiológica 1089

FIGURA 49.13 – Mandibulectomia segmentar do mento.

FIGURA 49.14 – Mandibulectomia segmentar do corpo da


mandíbula.

alterações são facilmente adaptadas, sendo na maioria das vezes


realizadas pelo próprio paciente.
A mandibulectomia segmentar do corpo da mandíbula acarre-
ta numa deformidade estética, quando não reconstruída. De
acordo com BRANDÃO & ARAUJO FILHO (1989), não há um consen-
so da necessidade de reconstrução imediata, pois as deformida-
des estéticas e funcionais não são tão importantes; todavia, o
resultado final será uma mandíbula pouco funcional para a mas-
tigação e com alterações do contorno facial. Pacientes submeti-
dos a esse tipo de cirurgia sem reconstrução podem apresentar
tempo de propulsão do bolo alimentar aumentado, devido à
ocorrência da lateralização da mandíbula para o lado do tumor, o
que dificulta a oclusão cêntrica. Já os pacientes que tiveram a
porção ressecada reconstruída não apresentam tais alterações.
A mandibulectomia segmentar da região do mento apresenta
comprometimentos graves, como incontinência salivar e alimentar,
decorrente da dificuldade de manutenção do vedamento labial,
imprecisão articulatória durante a emissão dos fonemas bilabiais e
labiodentais e deformidade estética importante. Todos os esforços
são feitos pelos cirurgiões para reconstruir essa região, mas há uma
grande dificuldade em moldar o contorno do mento. Quando a
região não é recontruída o prognóstico funcional é reservado.

Tumores de palato
Os tumores de palato (Figs. 49.15A, B e C) podem estar
localizados apenas em palato duro ou mole ou mesmo acometer
1090

A B C
FIGURA 49.15 – A) Esquema mostra lesão de palato duro e área de ressecção. B) Esquema mostra
lesão de palato mole e área de ressecção. C) Esquema mostra lesão extensa de palato e área de
ressecção.

ambos, determinando desta forma, o tratamento, a extensão


cirúrgica e o déficit funcional.
Os comprometimentos da ressecção de palato podem ser:
dificuldade na mastigação e deglutição ocorrendo refluxo nasal;
imprecisão articulatória quando a área do palato ressecada for
muito extensa, impossibilitando o contato da língua contra o
palato; ressonância nasal, tornando a fala ininteligível de acordo
com o grau de nasalidade.
De acordo com CASPER & COLTON (1993), os efeitos decorren-
tes desses tumores na fala e/ou deglutição variam de mínimos a
severos e dependem muito da localização do tumor e da extensão
da ressecção.
A protetização é o principal meio de reabilitação. O ideal é que
uma prótese provisória já seja inserida no intra-operatório, para
que os pacientes consigam no pós-operatório imediato, mastigar
e deglutir sem apresentar refluxo nasal e falarem com o mínimo de
alterações. Durante a confecção da prótese, o fonoaudiólogo
pode realizar avaliações de fala e deglutição, a fim de garantir uma
melhor adaptação.

Tumores da área retromolar


A área retromolar está localizada entre as duas arcadas
dentárias, por trás da implantação dos últimos molares. Ela não se
constitui em uma região anatômica, seus limites são indefinidos
(BARBOSA, 1962).
BERTELLI (1989) descreve a cirurgia compreendendo a res-
secção da área retromolar juntamente com as regiões vizinhas por
onde o tumor costuma se infiltrar (região massetérica, espaço
pré-estilóide da fossa zigomática, região amigdaliana, parte do
assoalho da boca e da base da língua, tuberosidade maxilar, ramo
ascendente da mandíbula e porção posterior do ramo horizontal)
(Fig. 49.16).
Tumores de Cavidade Oral e Orofaringe – Atuação Fonoaudiológica 1091

FIGURA 49.16 – Esquema demonstrando a lesão da área retro-


molar e área de ressecção.

A extensão da ressecção vai depender do tamanho e do


grau de infiltração do tumor determinando assim, quais são as
estruturas a serem ressecadas. Por essa razão, há variações
nas cirurgias retromolares que vão interferir de forma diferente
nas funções. Nos tumores iniciais, pouco infiltrativos, a exten-
são cirúrgica será menor não causando comprometimentos
funcionais, porém lesões mais avançadas necessitam de res-
secções mais amplas piorando o prognóstico.
Nos casos de cirurgias retromolares com reconstrução de
língua (Fig. 49.17), o disparo do reflexo de deglutição estará
atrasado quando o bolo alimentar for direcionado para a área
ressecada, impedindo o toque do alimento com o pilar palatoglosso.
Quanto à fala, estarão comprometidos os fonemas posteriores /K,
/g/, /R/ e / / devido à dificuldade do contato do dorso da língua
contra o palato e véu do lado ressecado.
A cirurgia retromolar associada à mandibulectomia com-
promete a mastigação e, em alguns casos, impossibilita a
trituração do alimento, tendo que ser realizada do lado contra-
lateral da ressecção.
Quando a cirurgia abrange o palato mole, o paciente pode
apresentar refluxo nasal durante a alimentação e ressonância
hipernasal. Quando a área ressecada do palato mole é extensa,
a adaptação protética se faz necessária.
É comum ocorrer uma diminuição da abertura de boca nas
cirurgia retromolares, causada pela retração cicatricial. Alguns
pacientes também desenvolvem trismo, decorrente de fibrose

FIGURA 49.17 – Cirurgia retromolar com reconstrução de


língua.
1092

pós-radioterapia. A atuação fonoaudiológica é importante para


tentar evitar que essas intercorrências ocorram ou minimizar seus
efeitos, não prejudicando a mastigação, deglutição, higiene oral e
fonação.

ORIENTAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA
A orientação pré-operatória para os tumores de cavidade oral
e orofaringe deve ser realizada com o paciente e seus familiares,
em especial o cônjuge, para que haja um maior grau de entendi-
mento sobre a cirurgia e uma melhor participação de todos no
processo de reabilitação. Seus objetivos são:
1. Estabelecer o vínculo terapeuta/paciente/família
Ao realizar a orientação pré-operatória, o fonoaudiólogo, o
paciente e sua família têm a chance de estabelerem vínculos
numa situação de comunicação mais favorável (BEHLAU & ZIEMER,
1989).
Quando a explicação for completa e os pacientes puderem
expressar seus sentimentos e esclarecer suas dúvidas em rela-
ção à cirurgia e à reabilitação, o fonoaudiólogo estará transmitindo
parte da confiança necessária a este processo. A ansiedade pode
ser reduzida se eles souberem, antes da cirurgia, que um profis-
sional especializado estará disponível para tratar suas dificulda-
des (GROHER,1996).
2. Conscientizar os pacientes do tipo de cirurgia e suas
conseqüências
Inicialmente, deve-se saber o que os pacientes conhecem
sobre a cirurgia e a partir daí, reforçar ou complementar tais
informações. É muito importante que essas informações sejam
dadas de forma clara, respeitando o nível sócio-cultural e o
interesse do paciente.
Nessas orientações devem constar esclarecimentos sobre o
local e extensão da lesão, o tipo de cirurgia e reconstrução a
serem realizados, assim como as possíveis alterações de fala e
deglutição decorrentes. Convém lembrar que as cirurgias de
cavidade oral e orofaringe podem causar desde mínimas até
grandes alterações, e por isso os esclarecimentos sobre estas
devem ser dados de acordo com o padrão característico de cada
cirurgia.
Os pacientes devem estar cientes de que, no pós-operatório
imediato, permanecerão temporariamente com uma sonda naso-
enteral para alimentação. Isso dependerá do processo cicatricial,
que se dá num período de 10 a 15 dias, associado ao sucesso na
reintrodução da alimentação por via oral. Cirurgias mais extensas
(por exemplo, glossectomia total), ou que envolvem a retirada de
mais que uma estrutura (por exemplo, retromolar ampliada),
requerem um tempo maior de permanência da sonda devido à
disfagia comumente presente.
Tumores de Cavidade Oral e Orofaringe – Atuação Fonoaudiológica 1093

Nos casos em que não é possível o acesso e manipulação da


lesão por via endoscópica, é realizada a traqueostomia, a fim de
manter a respiração dos pacientes durante o ato cirúrgico. Além
disso, a traqueostomia funciona como uma proteção das vias
aéreas inferiores quando ocorre aspiração de alimentos, facilitan-
do sua expulsão. Sendo assim, os pacientes permanecem tempo-
rariamente com o traqueostoma até voltarem a se alimentar por
via oral de forma segura.
Os pacientes são orientados a utilizar a escrita como forma de
comunicação no pós-operatório imediato, a fim de prevenir com-
plicações no processo de cicatrização (ruptura de pontos, deis-
cências, entre outras).
Tais esclarecimentos facilitam a adesão dos pacientes ao
tratamento e abreviam a fase de recuperação.
3. Informar sobre a reabilitação fonoaudiológica
Os pacientes são informados sobre a reabilitação de fala e/ou
deglutição e a importância de sua participação ativa neste proces-
so, tão logo seja realizado o encaminhamento médico.
4. Realizar anamnese e avaliação
A anamnese é importante para o fonoaudiólogo ter conheci-
mento sobre a evolução da doença, os tratamentos já efetuados
e os hábitos que foram abandonados e/ou permanecem (princi-
palmente os relacionados ao fumo e álcool), já que ajudam a
determinar o prognóstico.
Durante a anamnese, o padrão de fala, as características de
personalidade (se o indivíduo é dominador ou submisso, extrover-
tido ou tímido, entre outras) e o estado psicológico dos pacientes
podem ser melhor observados, por ser esta uma situação mais
informal que a avaliação. Esses aspectos podem dar indícios
sobre a motivação para o tratamento.
Devem ser avaliados:
• Órgãos fonoarticulatórios: lábios, língua, bochechas, palato
duro, palato mole, pilares palatoglosso e palatofaríngeo,
rebordo alveolar, dentes e mandíbula, tanto no repouso
(aspecto e tônus) quanto no movimento (mobilidade).
• Padrão característico de fala: precisão dos pontos articula-
tórios, tipo de articulação, ritmo e velocidade habitual e
presença de sotaques ou regionalismos.
• Função laríngea: qualidade vocal e excursão vertical de
laringe.
• Comunicação gráfica.
• Audição.
• Características de personalidade.
• Integração social: lazer e profissão.
Essa avaliação tem a finalidade de verificar a ocorrência ou
não de comprometimentos desses aspectos antes da ressecção
cirúrgica. Estes aspectos determinam características individuais,
servem de parâmetro de comparação no pós-cirúrgico e influen-
ciam positiva ou negativamente no processo de reabilitação.
1094

ORIENTAÇÃO PÓS-OPERATÓRIA
Segundo DOYLE (1994), a orientação pós-operatória deve
enfocar as mudanças decorrentes da cirurgia e a habilidade dos
pacientes em se adaptarem a essas mudanças.
Neste momento, deve-se retomar com os pacientes e seus
familiares alguns pontos essenciais sobre a reabilitação. Na
maioria dos casos, eles esquecem as orientações dadas no
pré-operatório devido ao grau de ansiedade e estresse, que faz
com que eles não assimilem todas as informações.
Na primeira consulta pós-operatória, além de orientar os
pacientes, será necessária uma reavaliação da morfofisiologia
das estruturas remanescentes para entender melhor os novos
mecanismos de fala e deglutição utilizados. A sensibilidade intra
e extra-oral também deve ser avaliada, pois auxilia na propriocep-
ção, importante para um desempenho satisfatório destas funções.
Na avaliação de fala é importante verificar o quadro fonêmico,
o tipo articulatório e a velocidade de fala.
Na avaliação da deglutição é necessário observar a habilidade
de deglutição espontânea de saliva e realizar testes com alimentos,
variando quantidades e consistências. Deve-se estar atento a:
• introdução do alimento em cavidade oral;
• preparação do bolo (mastigação);
• movimento de propulsão do bolo alimentar;
• tempo de disparo do reflexo da deglutição;
• presença de resíduos alimentares em sulcos, língua, as-
soalho de boca, palato e pilares;
• movimentação vertical de laringe durante a deglutição;
• presença de tosse antes, durante ou após a deglutição e;
• qualidade vocal do paciente após a deglutição.
A partir das respostas obtidas com esta avaliação, pode-se
traçar um plano de terapia específico para cada paciente e
cirurgia.

TERAPIA
O sucesso da reabilitação está relacionado à motivação dos
pacientes, à sua própria capacidade de adaptação, à habilidade
da equipe de reabilitação assim como aos aspectos referentes à
cirurgia (CASPER & COLTON, 1993).
O conhecimento exato das estruturas ressecadas e o tipo de
reconstrução realizado é fundamental para determinar o plane-
jamento terapêutico e o possível prognóstico. Quanto mais
extensa for a cirurgia e mais estruturas envolver, pior será o
prognóstico.
O fonoaudiólogo deve reconhecer e aceitar as limitações
funcionais decorrentes da cirurgia, tentando ajudar os pacientes
a conviverem com suas dificuldades.
Tumores de Cavidade Oral e Orofaringe – Atuação Fonoaudiológica 1095

A terapia deve ser iniciada por volta do 15º dia, após a


liberação médica, realizando exercícios que visem à melhora das
funções comprometidas.
De acordo com CASPER & COLTON (1993), os pacientes devem
ser orientados a praticar os exercícios de 5 a 10 vezes por dia, em
torno de 2 a 3min por vez, para evitar fadiga da musculatura.
Os exercícios geralmente utilizados na terapia de fala são:
1. Exercícios de tono e mobilidade das estruturas remanes-
centes.
2. Sobrearticulação, para melhorar a clareza articulatória e
diminuir a hipernasalidade. Uma aplicação recente consiste na
introdução da sobrearticulação para os pacientes que apresen-
tam hipernasalidade moderada ou mesmo acentuada, quer seja
por inadaptação velar ou por cirurgias ablativas da cavidade oral
– ressecções de língua, palato e cirurgias retromolares. A
técnica de sobrearticulação tem oferecido bons resultados,
melhorando a percepção auditiva na qualidade vocal, não pela
redução da nasalidade em si, mas pelo aumento da oralidade da
emissão, o que mascara o foco nasal por uma melhor proporção
na ressonância oral (BEHLAU & PONTES, 1995).
3. Diminuição do ritmo e velocidade da fala conscientemente
para facilitar a articulação e melhorar a inteligibilidade.
4. Movimentos compensatórios, a fim de auxiliar a nova produ-
ção articulatória.
Já a terapia específica para a disfagia inclui basicamente:
1. Exercícios envolvendo OFA (mobilidade, tônus, resistência,
sensibilidade).
2. Treino de deglutição não-nutritiva. Tem como objetivo
ensinar ao paciente formas ou manobras de proteção de vias
aéreas durante a deglutição de saliva. Este treino não envolve a
utilização de alimentos. As manobras de proteção de vias aéreas
mais comumente usadas são:
Manobras posturais de cabeça:
• cabeça virada para o lado;
• cabeça inclinada para o lado;
• queixo abaixado;
• cabeça levemente inclinada para trás.
Técnica de empuxo com sons plosivos – Consiste na
realização de movimentos bruscos de braços simultâneos a
emissões de sílabas com consoantes plosivas sonoras. Esta
técnica pode ser realizada logo após a deglutição.
Deglutição supraglótica – Os pacientes devem prender a
respiração, deglutir e tossir com força imediatamente após.
Deglutição “dura” – Os pacientes devem deglutir com esfor-
ço, procurando manter a laringe elevada, por alguns segundos, no
momento da deglutição.
Múltiplas deglutições.
Escalas vocais com variação de tons graves e agudos –
Pode ser utilizada isoladamente ou após a deglutição.
1096

3. Treino de deglutição nutritiva. Neste momento, o trabalho


fonoaudiológico visa à reintrodução da alimentação por via oral.
Deve-se iniciar o treino com o alimento presumivelmente mais
fácil para os pacientes, levando-se em consideração a cirurgia, a
função das estruturas ressecadas e as possíveis alterações
decorrentes. Fatores como quantidade, consistência, textura e
temperatura do alimento são importantes para motivação dos
pacientes para alimentação.
Quando a dificuldade maior estiver na propulsão do alimento,
devido à ausência ou redução acentuada da mobilidade da língua,
os pacientes se beneficiam de alimentos mais líquidos ou líquidos
engrossados. Por outro lado, os pacientes que tiveram grandes
ressecções (por exemplo, glossectomias totais ou retromolares
ampliadas) têm mais chance de apresentar aspiração e a deglu-
tição do alimento nestas consistências exige um controle maior
das estruturas de proteção de via aérea.
Em geral, o alimento pastoso é o mais fácil, pois esta consis-
tência não exige um controle tão rápido das estruturas como o
líquido e, ao mesmo tempo, não requer a mastigação necessária
para o sólido.

Ressecção de lábios
Na ressecção completa dos lábios, a terapia deve objetivar a
contenção salivar e alimentar e a melhora da articulação.
Para a contenção salivar e alimentar, os pacientes devem ser
orientados a deglutir com mais freqüência e tentar manter um
adequado vedamento labial, conseguido por meio de postura com-
pensatória de mandíbula. Exercícios de sensibilidade, com mate-
riais de diferentes temperaturas e texturas, aplicados com variação
de velocidade, direção e força, podem ajudar os pacientes a
conseguirem perceber o escape da saliva e do alimento.
A melhora da articulação pode ser conseguida por meio de
emissões dos fonemas plosivos com maior pressão, exercícios
de sobrearticulação e diminuição do ritmo e velocidade da fala.

Ressecção de língua
Glossectomia parcial

Ressecção anterior de língua


Após uma ressecção anterior de língua devem ser realizados
exercícios para melhorar a mobilidade da porção remanescente,
que influencia diretamente na fala. Quanto melhor a movimenta-
ção da língua, melhor é a adaptação dos fonemas e, conseqüen-
temente, mais inteligível se torna a fala. Devem ser feitos os
exercícios de protrusão-retração, lateralização, lateralização com
resistência, elevação e abaixamento de ponta, rotação, entre
outros. Deve-se também trabalhar a sobrearticulação para melho-
Tumores de Cavidade Oral e Orofaringe – Atuação Fonoaudiológica 1097

rar a precisão articulatória e desenvolver compensações que


facilitem a produção da fala, como por exemplo, pedir para os
pacientes tocarem a língua remanescente no meio do palato duro
para produzir os fonemas linguodentais e linguoalveolares.
De acordo com GEORGIAN , LOGEMANN, FISHER (1982), 20%
dos pacientes submetidos à glossectomia parcial produzem os
fonemas /t/ e /d/ através do contato da língua remanescente contra
o palato associado ao fechamento dos lábios; e pacientes com
mobilidade de Iíngua reduzida realizam a protrusão e retração da
mandíbula como compensação para esses fonemas.
Quanto à deglutição, se a porção ressecada for pequena,
praticamente não há dificuldade e, portanto, a terapia não se
aplica nestes casos.
Porém, nos casos em que a porção ressecada for maior, os
indivíduos podem ter dificuldade na formação e propulsão do bolo
alimentar. A terapia deve enfatizar exercícios de lateralização
para melhorar a mastigação, de mobilidade ântero-posterior (pro-
trusão/retração) e elevação da porção remanescente da língua, a
fim de ajudar no transporte do bolo. O posicionamento do alimento
na região médio-posterior da língua facilita este processo.

Ressecção posterior de língua


Nestas ressecções, devem-se enfatizar os movimentos rea-
lizados com a região posterior, como elevação e abaixamento
de dorso com e sem resistência e protrusão e retração, a fim de
facilitar a emissão dos fonemas /k/, /g/, /R/ e / /. Quando a
ressecção desta região for muito extensa, impossibilitando a
melhora da mobilidade e, conseqüentemente, da produção
articulatória, os fonemas /k/ e /g/ podem ser compensados com
o golpe de glote, o fonema /R/, com a vibração uvular e o fonema
/ /, pressionando a língua contra o palato duro.
Os exercícios de mobilidade de língua também favorecem o
contato da estrutura remanescente com o palato e a faringe,
facilitando o disparo do reflexo da deglutição.

Ressecção lateral de língua


Nesses casos, são utilizados os mesmos exercícios de mobi-
lidade realizados para ressecções das porções anterior e poste-
rior de língua.
Para melhorar a clareza articulatória, devem ser realizados movi-
mentos compensatórios, tentando centralizar ao máximo a língua
remanescente durante a fala, além de exercícios de sobrearticulação.
Quanto à alimentação, deve-se posicionar o alimento sempre
do lado não ressecado, para facilitar o transporte do bolo para
faringe, sem que haja grande acúmulo em cavidade oral.

Em qualquer uma dessas cirurgias, quando os pacientes


apresentam velocidade de fala aumentada, deve-se torná-la
1098

lenta, melhorando assim a articulação e a inteligibilidade desta.


Para isso, eles devem ser alertados quanto ao seu padrão de fala,
para que controlem conscientemente sua velocidade.

Glossectomia total
Para este tipo de cirurgia, o essencial é desenvolver movimen-
tos compensatórios com as estruturas remanescentes, a fim de
minimizar as alterações de articulação e deglutição.
Como forma de adaptação da fala, os pacientes são orienta-
dos a encostar o lábio inferior atrás dos dentes ou alvéolo superior
para produzir os fonemas /t, d, n/, ou mesmo estirar os lábios para
aproximar auditivamente as fricativas /s, z/, entre outras compen-
sações. Os pacientes, na tentativa de se adaptarem a essas
compensações, podem acabar desenvolvendo outras que sejam
satisfatórias.
Exercícios de sobrearticulação e diminuição do ritmo e veloci-
dade de fala ajudam a diminuir a hipernasalidade, melhorar a
precisão articulatória e tornar a fala mais inteligível.
Os exercícios de tônus e mobilidade da musculatura perioral são
importantes na terapia de disfagia, pois auxiliam na manutenção do
selamento labial e contenção de saliva e alimentos e evitam acúmu-
lo de resíduos alimentares em sulcos laterais e anteriores.
Devido ao atraso no disparo do reflexo da deglutição, pela falta
de contato do dorso da língua com os pilares palatoglosso, estes
devem ser estimulados termicamente com material gelado. Para
isso, realizam-se toques repetidos nos pilares, com espelho
laríngeo 0.0 embebido em gelo.
Além disso, manobras como a deglutição supraglótica, de-
glutição “dura”, múltiplas deglutições e empuxo podem ser
ensinadas aos pacientes, a fim de que eles sejam capazes de
proteger suas vias aéreas para deglutição. A realização de
exercícios com escalas de variação de tons graves e agudos
favorece a elevação laríngea e, conseqüentemente, o relaxa-
mento do esfíncter cricofaríngeo.
Para auxiliar a passagem de alimento para a faringe, pode
utilizar-se uma postura de cabeça levemente inclinada para trás,
facilitando a descida do alimento, e posteriormente para baixo
evitando assim a aspiração. 0 treino destas manobras pode não
utilizar alimento inicialmente e à medida que os pacientes estiverem
aptos a realizá-las, este começa a ser introduzido.
Geralmente, inicia-se por alimentos nas consistências líquida
ou líquida-engrossada, que facilitam o trânsito da cavidade oral
para a faringe. À medida que já houver um controle muscular
maior e uma adaptação às manobras ensinadas, procura-se
passar para alimentos pastosos. O simples posicionamento des-
tes alimentos mais posteriormente na cavidade oral ajuda a
eliminar as primeiras fases da deglutição. Alimentos sólidos são
praticamente impossíveis de serem introduzidos devido às limita-
ções anatômicas e funcionais presentes.
Tumores de Cavidade Oral e Orofaringe – Atuação Fonoaudiológica 1099

Próteses de língua ou de aumento palatal são utilizadas com o


objetivo de diminuir o diâmetro vertical intra-oral, promovendo
melhora da deglutição e fala. MOORE (1972) relata melhora nos
comportamentos de fala, mastigação e deglutição, logo após a
colocação da prótese de língua, diminuindo o tempo de recuperação
destas funções. ROBBINS e cols. (1987) afirmam que o objetivo da
prótese de aumento palatal é reduzir o espaço livre entre o palato e
o assoalho da cavidade oral para permitir mais força na propulsão
do bolo durante a fase oral da deglutição e melhora da fala.

Ressecção de mandíbula
Nas mandibulectomias segmentares deve-se realizar exercí-
cios de abertura e fechamento de boca, tentando evitar desvios da
mandíbula, a fim de obter melhor selamento labial, diminuição do
defeito facial e mastigação mais adequada.
Massagens tonificadoras e exercícios isométricos e de mobi-
lidade de outras estruturas adjacentes (lábios, língua e boche-
chas) também ajudam a obter uma articulação mais precisa.
É importante ressaltar que nas mandibulectomias segmenta-
res sem reconstrução, o prognóstico funcional é limitado.

Ressecção de palato
Quando a ressecção do véu palatino é parcial, devem ser
realizados exercícios de mobilidade desta região, como estimula-
ção térmica gelada, emissão de fonemas plosivos-velares e fonação
sussurrada. Esses exercícios promovem a melhora do fechamento
velofaríngeo, diminuindo o refluxo nasal de alimentos, principalmen-
te líquidos, e a hipernasalidade. Exercícios de sobrearticulação
também auxiliam no aumento da oralidade das emissões.
Quando a prótese de palato é indicada, a terapia fonoaudiológi-
ca será necessária nos casos em que os pacientes apresentarem
articulação travada e ressonância nasal no pós-operatório, melho-
rando com os exercícios de sobrearticulação.

Ressecção de região retromolar


Nos casos de ressecções simples, que envolvam apenas a
retirada da região dos molares, a disfagia é temporária e facilmen-
te compensada. Muitas vezes, a adaptação é espontânea, sem
haver necessidade da intervenção fonoaudiológica.
Nas ressecções em que a língua participa da reconstrução,
pode ocorrer atraso no disparo do reflexo da deglutição do lado
acometido e distorções dos fonemas linguo-dentais. Nestes ca-
sos, será importante o trabalho de:
• Estimulação tátil (toques fortes) e térmica (gelado) da região
posterior referente à do pilar ressecado.
• Elevação máxima de dorso de língua, favorecendo contato
com região dos pilares.
1100

• Introdução do alimento o mais posteriormente possível ou


do lado não-afetado.
• Adequação de tono e mobilidade de OFA, para proporcionar
uma articulação mais precisa e inteligível.
• Sobrearticulação, a fim de se obter um aumento na oralidade
e diminuição da hipernasalidade.
Exercícios de abertura e fechamento de boca com ou sem
resistência, massagens circulares e compressas com água mor-
na, principalmente na região do músculo masseter, são bastante
eficazes para redução do trismo, conseqüência da fibrose
pós-radioterápica comum nesses casos.

Leitura recomendada
BARBOSA, J.F. – Câncer da área retromolar In: Câncer de Boca. Fundo
Editorial Procienx, 1962. pp. 218-228.
BEHLAU, M.S. & PONTES, P.A.L. – Avaliação e Tratamento das
Disfonias. Editora Lovise, 1995. pp.253-262.
BEHLAU, M.S. & ZIEMER, R. – Reabilitação foniátrica do
laringectomizado. In: BRANDÃO, L.G. & FERRAZ, A.R. Cirurgia de
Cabeça e Pescoço. Vol. II. São Paulo, Editora Roca, 1989. pp. 381-
383.
BERTELLI, A.P. – Tumores do espaço parafaríngeo, retromolar e
orofaringe – vias de abordagem e complicações. In: BRANDÃO,
L.G. & FERRAZ, A.R. Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Vol. II. São
Paulo, Editora Roca, 1989. pp.203-220.
BRANDÃO, L.G. & ARAUJO FILHO, V.J.F. – Reconstrução mandibular.
In: BRANDÃO, L.G. & FERRAZ, A.R. Cirurgia de Cabeça e Pescoço.
Vol. II. São Paulo, Editora Roca, 1989. pp. 147-155.
CASPER, J.K. & COLTON, R.H. – Clinical Manual for Laryngectomy and
Head and Neck Cancer Rehabilitation . San Diego, Singular Publishing
Group, 1993. pp. 119-169.
DOYLE, P.C. – Foundations of Voice and Speech Rehabilitation Following
Laryngeal Cancer. Singular Publishing Group, Inc, 1994. pp. 115-
122.
GEORGIAN, D.A.; LOGEMANN, J.A.; FISHER, H. B. – Compensatory
articulation patterns of a surgically treated oral cancer patient. J.
Speech Hear Dis., 47:154-159,1982.
GROHER, M.E. – Tratamento de disfagia em conseqüência de câncer de
cabeça e pescoço: Orientação e princípios gerais. In: Tópicos em
Fonoaudiologia. Vol. III. Editora Lovise, 1996. pp. 673-679.
LOGEMANN, J. – Evaluation and Treatment of Swallowing Disorders.
Austin, Pro-ed., 1983. pp. 159-185.
LOGEMANN, J.; FISHER, H.; BYTELL, D. – Functional Effects of
Reconstruction in Partially Glossectomized Patients. Paper presented
at the annual convention of the American Speech and Hearing
Association, Chicago, 1979.
MOORE, D.J. – Glossectomy rehabilitation by mandibular tongue
prothesis. J. Prosthet. Dent., 28:429-433,1972.
OLIVEIRA, B.V. & MIRANDA, O.V. – Tumores malignos dos lábios. In:
BRANDÃO, L.G. & FERRAZ, A.R. Cirurgia de Cabeça e Pescoço.
Vol. II. São Paulo, Editora Roca, 1989. pp. 279-293.
Tumores de Cavidade Oral e Orofaringe – Atuação Fonoaudiológica 1101

RAPPAPORT, I.; SHRAMECK, J.; BRUMMETT, S.– Functional aspect


of cancer of the base of the tongue. Am. J. Surg., 114:489-492,1967.
ROBBINS, K.T.; BOWMAN, J.B.; JACOB, R.F. – Postglossectomy
deglutitory and articulatory rehabilitation with palatal augmentation
prosthesis. Arch. Otolaryngol. Head Neck Surg., 113:1214-1218,
1987.
TIWARI, R.; KARIM,A.B.M.F.; GREVEN, A.J.; SNOW, G.B. – Total
glossectomy with laryngeal preservation. Arch. Otolaryngol.Head
Neck Surg., 119: 945-949, 1993.
Deficiência Auditiva 1
Índice Remissivo 1103

Índice Remissivo

A Alfabeto digital, 329


Alterações
Abuso vocal, 619, 709 articulatórias, 795, 869 (ver também
Aconselhamento, 430, 587 Distúrbios articulatórios e Desvio de fala)
Acústica miofuncionais orais, 753, 791
física, Noções básicas, 60, 69 vocais, 827 (ver também Disfonia)
fisiológica, Noções básicas, 69, 74 Amplificação, 316, 437, 464, 517, 543
psicoacústica e calibração, 59 binaural, 466
Afasia(s), 939 monoaural, 466
amnéstica/anômica, 943 pirâmide de tecnologia, 544
de Broca, 941 Análise
de condução, 942 cefalométrica de Steiner, 782 f
de Wernicke, 942 perceptiva auditiva da voz, 620 (ver também
dos gânglios da base, 945 Avaliação)
global, 944 Anamnese, 287
mista, 943 da criança deficiente auditiva, 291
motora mista, 944 Anomalia(s)
progressiva primária, 945 cromossômicas, 27
subcorticais, 944 genéticas, 54
talâmica, 944 recessiva ligada ao sexo, 36
transcortical Aparelho de amplificação sonora – ver
mista, 943 Aparelhos auditivos
motora, 942 Aparelho de amplificação sonora individual –
sensorial, 943 ver Aparelhos auditivos
Agnosia auditiva, 150 Aparelho auditivo
Agramatismo, 940 adaptação, 487, 588
Aleitamento materno, 1019 amplificador, 450

As páginas seguidas de f significam Figuras.


1104

Aparelho auditivo (Cont.) Aspiração, 1042, 1046, 1047, 1052


analógico, 447, 468, 549 Assimetria laríngea, 611 f
bobina Ataque vocal, 623, 689, 703
de indução eletromagnética, 452, 570 Atraso
telefônica, 452, 482, 601 global do desenvolvimento, 894
candidato ao uso, 464 no desenvolvimento da linguagem, 899 (ver
características eletroacústicas, 441, 472 também Retardo)
ganho acústico, 442, 473 Audição
resposta de freqüência, 442 binaural, 466
saída máxima, 444, 484 campo dinâmico, 74 f
compressão, 456 e linguagem, 320
controle equipamentos auxiliares para, 569
automático de ganho (AGC), 458, 482 faixa dinâmica da, 465
de saída, 455 humana, 73
de tonalidade, 454 Audiometria
de volume, 453 com reforço visual, 252, 275
CROS (contralateral routing of offside de BèKésy, 128, 164
signals), 440 de condicionamento operante, 275
cuidados e manutenção, 601 de observação comportamental, 267
de condução óssea, 440 de tronco
digital, 447, 468, 549 cerebral, 167, 300
digitalmente programável, 447, 550 encefálico, 210
distorção, 445 eletrofisiológica, 201
ficha técnica, 446 lúdica ou condicionada, 277
híbrido, 469, 550 tonal, 88, 155
microfone, 449 limiar, 92, 93, 133
microfonia, 445, 570 vocal, 101, 134
NOAH, 554 Audiômetro, 74
orientações básicas, 598 Automassagem, 671
para crianças, 489 Autopercepção, 719
peak clipping, 455 Avaliação
pilha, 451 audiológica, 145, 243, 276
pontenciômetro, 453 auditiva, Testes básicos, 83
realimentação acústica, 445 comportamental, 240
receptor, 445, 450 da voz, 618, 620
seleção de, 464, 517 interpretação dos resultados, 259
métodos comparativos, 473 na criança, 260, 265, 267, 269, 273
métodos prescritivos, 473 no primeiro ano de vida, 239
pré-seleção, 465 perceptiva da voz, 723 (ver também Análise)
tipos
convencional, 438 B
haste de óculos, 438 Berçário, 878, 1001
intra-aural, 439 Bimodalismo, 341
completamente no canal, 506 Brinquedo simbólico, 886
intra-auricular, 439
intracanal, 440
C
microcanal, 506, 549 Calatonia, 678
peritimpânico, 440, 549 Calibração
retroauricular, 438 biológica, 76
Apraxia, 939, 955 eletrofisiológica, 76
Aritenoidectomia, 1030 fisiológica, 191
Articulação, 723 importância da, 75-80, 75
atividade motora articulatória, 972 Câncer
dos sons da fala, 706 de cavidade oral e orofaringe, 1080, 1082
temporomandibular (ATM), 793, 805, 821 de laringe, 1051, 1076
Artralgia, 814 Capacidade vital, 700
Artrite, 814 Cápsula articular, 808
Artrocentese, 815 Capsulite, 816
Índice Remissivo 1105

Cariótipo com bandamento G, 28, 29 Deficiência(s) (Cont.)


Cavidade bucal, 782 auditiva(s) (Cont.)
Cerume impactado, 10 induzidas por ruído, 236
Cirurgia retromolar, 1091 intervenção precoce, 421
Cirurgia(s) mista, 5, 22
avanço mandibular, 786 neurossensorial bilateral profunda, 401
ortognática, 791, 818 periférica e/ou central, 242
complicações, 788 sensorioneural, 4, 16, 18-20, 22, 215
Classificação de Spina, 830 surdez, 7
Cognitivo, 879, 961, 973 suspeita da, 267
Colabamento, 12 tipos de, 107
Complacência estática, 179 mental, 150
Comportamento Deformidades dentofaciais, 781, 789 f, 795
auditivo, Desenvolvimento normal, 266 Degeneração cocleossicular, 37
imitativo, 885 Deglutição, 775, 792, 1004, 1034, 1038, 1064,
vocal, 617, 701, 718, 732 1074, 1083, 1094
da criança, 701 Doença(s)
Compressas, 826 de etiologia genética, 25
Comunicação, 880 de Huntington, 686
grau de desenvolvimento, 892 de Ménière, 4, 235
infantil, Desenvolvimento, 878 de Wilson, 685, 688
interpessoal, 707 desmielinizantes, 131
pré-verbal, Desenvolvimento, 879 infecciosas, 22
total, 339 marmórea, 44
Condicionamento do reflexo de orientação, 274 monogênicas autossômicas recessivas, 32
Côndilo mandibular, 806 neurológicas motoras, 683
Condutas sensorioneural progressiva familial, 38
imitativas, 886 Desenvolvimento
inteligentes ou instrumentais, 883 auditivo, 242
simbólicas, Formação, 885 atraso de, 252
Coordenações sensoriomotoras, 880 dificuldades globais, 894
Cordectomia, 1030 do comportamento, 1005 f
Coréia, 685 do psiquismo, 971
de Huntington, 952 motor oral, 1010
de Sydenham, 686 vocal, 730
Corpos estranhos, 12 Desordem
Cranioestenoses de Pfeiffer e de Jackson- genética, 25
Weiss, 41 temporomandibular, 792, 805, 812, 827
Criança, deficiência auditiva, 297 espasmo, 819
anamnese da, 291 interna, 813
aparelho auditivo para, 489 muscular, 812
reabilitação da, 311 Desvio(s)
da fala, 868
D fonêmico, 940
fonético, 940
Defeitos
fonológicos evolutivos, 861
congênitos, 14
Diagnóstico
ossiculares adquiridos, 14
audiológico, 258
Deficiência(s)
diferencial, 260
auditiva(s), 3, 6, 313
precoce, 239
anacusia, 7
anormalidades, 39 Diapasão, 83, 84
central, 5, 23 Dinâmica respiratória, 700
condutiva, 4, 8, 9, 297, 299, 301, 305 Diplofonia, 690
diagnóstico precoce, 297 Disacusia
Disacusia, 6 psicogênica, 149
funcional, 6, 24 sensorioneural, 129
genética, 25, 26 Disartria, 683, 939, 951
Hipoacusia, 6 atáxica, 687, 952
1106

Disartria (Cont.) Escola


espástica, 685, 951 comum, 368
flácida, 684, 951 especial, 376
hiper e hipocinética, 685, 952 Espira da cóclea, corte transversal, 129 f
mista, 687, 953 Estenoses adquiridas, 10
Disco articular, 808 Estereotipias, 940
Discoplastia, 815 Estimulação das fibras neuronais, 204
Disfagia, 1002, 1035, 1055, 1056, 1074, 1086 Estruturas neurais, Lesões, 131
Disfonia(s), 608 Estudos cefalométricos, 782
classificação, 607 Evocação, 887
conceito, 608, 663 Exercícios
funcional, 609, 824 miorrelaxantes, 825
infantil, 697 psicocalistênicos, 674
neurológicas, 683 Exostoses, 10
orgânicas, 615 Extensão vocal, 704
organofuncionais, 612
Disgrafia, 914 F
Dislexia, 925 Fala, 792, 776
Disortografia, 913 desenvolvimento, 868
Disostose, 43, 44 desvios, 868
Displasia encadeada, 643
congênita cocleossacular, 37 fisiologia, 862
de Scheibe, 37 Família, 415
Distonia, 686 dinâmica da, 418
Distúrbios estágios emocionais, 426
articulatórios, 861 (ver também Alterações formação da, 416
articulatórias e Desvios de fala) planejamento terapêutico, 429
da comunicação, 683 Fechamento velofaríngeo, 796
de linguagem, 893 Fenocópias, 39
do aprendizado da leitura e escrita, 907 Fenômeno
emocionais, Alterações de linguagem, 959 da adaptação patológica, 128, 133
na prosódia, 694 do recrutamento, 128, 130
neurológicos de linguagem e fala, 939 do rollover, 137
vasculares, 21 Fissuras
Doença(s) labiopalatinas, 829, 834
de Huntington, 685, 952 pré-forame cicatricial de Keith, 830
de Wilson, 685 submucosa, 831, 833
neurológicas motoras, 683 Fístula perilinfática, 20
Dor Fluência da fala, 972, 974
miofascial, 813 Fonação
na musculatura facial, 824 estruturas, 707
Drogas ototóxicas, 22, 236 supraglótica, 1030
tempo máximo, 624, 702
E ventricular, 690
Fonatória
Edema de Reinke, 615 estabilidade, 694
Eletrococleografia, 206 instabilidade, 690
Eminência articular, 807 Fonética, 864
Emissões otoacústicas, 167, 221, 303 Fonologia, 864
Empuxo, 692 Fossa
Energia mandibular, 805, 807
conceito, 661, 665, 668 pterigóidea, 807
níveis, 669 Freqüência fundamental, 704
Escalas GRBAS, 621 Função(ões)
Esclerose estomatognáticas, 823, 826
lateral amiotrófica, 684, 687, 953 motora oral, 1007
múltipla, 22, 688 reflexo-vegetativas, 707
Índice Remissivo 1107

G L
Gama tonal, 704 Laboratório vocal, 624
Gametogênese de um indivíduo, 30 f Laringe
Ganho funcional, 482 artificial, 1066, 1068, 1073
Genealogia(s) simétrica, 610 f
com padrão de herança, 32 f, 33 f, 35 f tipo cachimbo, 1067
hipotética, 26 f Laringectomia
Gestos indicativos, 888 parcial, 1028, 1029, 1033, 1035, 1044, 1045
Glossectomias, 1082, 1085, 1087, 1096 quase-total, 1044, 1051, 1059
Gnosia auditiva, 111 total, 1051, 1056, 1059
Laringoscopia, 723
H indireta, 691, 698
Lei de Fechner-Weber, 66
Hábitos parafuncionais, 792
Lesão
Hemotímpano, 13
cerebral, 939
Herança monogênica
coclear, 184
autossômica, 31, 32
de cápsula interna, 945
dominante, 34 de pálido, 945
recessiva, 35 de putamen, 945
Hereditariedade, 764 Letramento, 930
Heredograma, 26 Ligamento
Hidropisia endolinfática, 4, 21, 235 esfenomandibular, 809
Higiene vocal, 726 estilomandibular, 809
Hiperadução, 689 temporomandibular, 809
Hipernasalidade, 796 Limiar
Hipoacusia, 9 auditivo, 89
Hipoadução, 689 de detecção da fala, 281
de recepção da fala, 101, 155, 280
I Língua de sinais, 329
Imitação, 887, 903 Loudness, 623, 684, 705, 729 (ver também
condutas imitativas, 886 intensidade)
de novos sons, 885 Luxação recidivante, 817
vocal e motora, 891 M
Imitância acústica, 138, 165, 171
em recém-nascidos, 256 Macrogenia, 787
orelha média, 173 Malformação da orelha externa, 10 f, 11 f
Imitanciometria no diagnóstico Mandibulectomia, 1088, 1091
otológico, 179 Mascaramento, 88, 95
otoneurológico, 185 de crianças, 279
Implante coclear efetividade, 96, 105
multicanal, 401 na audiometria, 99
reabilitação de paciente, 406 tonal, 97, 98
seleção de pacientes, 405 vocal, 104
Inadaptações vocais, 610 Massagem
Incoordenação fonatória, 690 de origem japonesa, 672
integrativa, 677
Índice de reconhecimento da fala, 103, 281
Mastigação, 774, 792
Insuficiência velofaríngea, 829, 848
Membrana do tímpano, 14
Inteligência, Formação da, 883
Membrana sinovial, 809
Intensidade
Meningioma, 132
sonora, 66 Meningites, 22
vocal, 705 (ver também loudness) Mensurações
Interação, 880, 901 in situ, 483, 517
Interrupções, 972 microfone-sonda , 483, 517
J Métodos
de aspiração, inalação ou sucção do
Jargonografia, 941 ar, 1065
1108

Métodos (Cont.) Otite


de deglutição de ar, 1064 crônica, otoscopia, 15 f
de injeção de ar ou método holandês, 1065 externa difusa, 12
de produção da voz esofágica, 1064 média secretória, 13
Mialgia, 816 Otosclerose em fase inicial, 181 f
Miastenia grave, 684, 953 Otospongiose coclear, 19
Microgenia, 786 Otulose, 13
Mioclonia palatofaringolaríngea, 686 P
Miosite, 819
Mioterapia, 824 Palatoplastia, 844
Moldes auriculares, 472, 602 Parafasia
Músculo(s) fonética, 940
bucinadores, 823 semântica, 941
masseteres, 823 verbal formal, 940
palatofaríngeo, 849 Paragrafia
literal, 940
pterigóideo lateral, 807
verbal formal, 940
temporais, 823
Paralisia
bulbar, 684
N
pseudobulbar, 685
Nasofibroscopia, 1013 suprabulbar ou pseudobulbar, 952
Parkinsonismo, 685, 952
Neologismos, 941
Parotidite epidêmica, 20
Neoplasias, 131
Pelvectomias, 1082
Neurinoma, 132
Pelveglossectomias, 1082
Neurite do VIII par, 19
Perdas auditivas, 4, 112, 236
Neurolabirintite luética, 4
de origem genética, 25, 55
Nível de audição, 73 funcional, 149, 153, 154
Nódulos vocais, 612, 630, 648 f quanto ao grau, 107
Pitch, 623, 684, 704, 729
O Placas
estabilizadoras, 817, 819
Oclusão dentária, 823 reposicionadoras, 815
Onda Plasticidade vocal, 689
complexa, 64 f Pólipo, 614
senoidal, 64 f Potenciais
sonora, 61-63 auditivos, 206, 210, 213, 214
Oralismo, 336, 362 sinápticos, 205
Orelha Preparação vocal, 734
com a limitação topográfica das lesões, 5 f Presbiacusia, 19
externa, 10 Processamento auditivo central, Avaliação,
Órgãos fonoarticulatórios, 796 109-113, 251
Orientação Produção articulatória, 973
pré-operatória, 1028, 1054, 1055, 1092 Profissionais da voz, 723, 728
vocal, 631 Prognatismo mandibular, 784
Ortodontia, 783, 791 Prolongamentos, 972
Osteoartrite, 814 Prontidão para alfabetização, 932
Osteoartrose, 814 Prótese auditiva – ver Aparelho auditivo
Osteogênese imperfeita, 43 Prótese laríngeas, 1063, 1068, 1070
Osteotomia Protrusão maxilar, 787
Prova(s)
de colo de côndilo, 785 f
de Carhart, 164
sagital, 785
terapêuticas, 633
subcondilar, 785
Pseudo-hipoacusia
total de maxila, 788 f
disfásica, 150
vertical infantil, 151
da mandíbula, 784 f psicogênica, 150
do ramo, 784 Psicocalistenia, 674
Índice Remissivo 1109

Psicodinâmica vocal, 631 Síndrome(s) (Cont.)


Psicoses infantis, Alterações de linguagem, 963 de Alport, 47
de Apert, 40, 41 f
Q
de Arnold-Chiari, 953
Qualidade vocal, 621, 684, 729 de Crouzon, 40
Queiloplastia, 844 de Down, 31, 50 f
Questionários de auto-avaliação, 486 de Duane, 42
Quimioterapia, 1082 de Edwards, 51
de Gilles de la Tourette, 687
R de Goldenhar, 48
Radioterapia, 1067, 1075, 1082 de Hunter, 47
Reabilitação de Hurler, 46
auditiva, 587 de Klippel-Feil, 41, 42 f
aural, 315 de Michel, 37
Recém-nascidos de berçário comum e de de Möbius, 48
risco, 256 de Patau, 52
Recrutamento objetivo de Metz, 139, 183 de Pierre Robin, 49
Reflexo de Shy-Drager, 685, 688, 952
cocleopalpebral, 154, 273 de Steele-Richardson-Olszewski, 685
do músculo do estribo, 140, 186 de Treacher Collins, 10, 11 f, 43
ausência do, 4 de Turner, 53
pesquisa do delíneo, 184 f de Usher, 45
ipsilateral, 193 de van Der Hoeve, 15 f, 43, 44
Registro de alto risco, 241 de Waardenburg, 37, 39
Guillain-Barré, 684
Relaxamento, 825
Sinovite, 816
Respiração, 723, 773, 792, 1009
Sistema(s)
Respirador oral, 798
auditivo, 239
Ressecção
de ressonância, 701
da área retromolar, 1098
estomatognático, 763, 791
de lábios, 1096
motor, 1006
de língua, 1096
nervoso central, 687
de mandíbula, 1088
neural, Diagrama, 205 f
de palato, 1099
Sucção, 1004
Ressonância, 723
Suporte respiratório, 693
sistema de, 622
Supressão, 941
Retardo (ver também Atraso)
Surdez, 3
de aquisição da linguagem, 893, 904 funcional, 21, 22
de desenvolvimento da comunicação, 894 ocupacional, 19
de linguagem, 894 psicogênica, 187
Retração da membrana do tímpano, 12 f súbita, 236
Retrusão maxilar, 788
T
S
Tecido retrodiscal, 812
Schwannoma, 19, 20 Técnica(s)
Shunt traqueofaríngeo, 1052, 1054 cirúrgicas da orelha média, 171
Simbolismo corporais, 670
ações simbólicas, 887 de coaptação, 646
condutas simbólicas, Formação, 885 de deglutição
nível de desenvolvimento, 891 incompleta sonorizada, 1042
no brinquedo, 886 supraglótica, 1095, 1098
Símbolos, Uso de, 887 de empuxo, 1042, 1048, 1095
Síndrome(s), 49 de relaxamento, 678
com padrão de herança monogênica, 39 de ressonância, 1043
da disostose cleidocraniana, 44 de sobrearticulação, 1043, 1095, 1098
da osteopetrose, 44 fala encadeada, 643
de Albers-Schonberg, 44 Telemarketing, 744, 747, 749
de Alexander, 38 Tessitura, 685
1110

Teste(s) Treinamento
da voz alternada, Weber, 161 autógeno, 679
de diapasão, 5 vocal, 632, 711
de Doerfler-Stewart, 160 Tremor vocal essencial, 686
de escuta monótica e diótica, 117 Triagem auditiva, 235, 240, 241
de fala, 279 Tubérculo articular, 805
com ruído branco, 113 Tumores
filtrada e de fusão binaural, 114 da área retromolar, 1090
de Fowler, 143 de cavidade oral e orofaringe, 1079
de Friedreich, 87 de lábios, 1083
de Lee-Azzi, 159 de língua, 1085
de Lombard, 159 de mandíbula, 1088
de reconhecimento de fala, 485 de palato, 1089
de Rinne, 86 de seio piriforme, 1052
de Schwabach, 87 glômicos da orelha média, 187
de Stenger, 162 laríngeos, 1052
diótico, 115, 116 na orelha média, 13
do feedback acústico, 159
V
SISI, 144
SSW, 118, 120 Vocal fry, 690
Timpanosclerose, 13 Voz
Tipologia facial, 796 bitonal, 622
Tipos cantada, 730
de sondas, 1018 f classificação, 729
de voz, 621 esofágica, 1063
Tone decay test, 142 traqueoesofágica, 1072
Trabalho profissional, 723
corporal, 662 tipo de, 621
multiprofissional, 694 tom médio, 729
Translocação equilibrada entre os
Z
cromossomos, 30 f
Trauma(s) Zona
acústico, 19 bilaminar, 808
cranianos, 21 retrodiscal, 808

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