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Aristóteles e o Método Científico - Apostila PDF
Aristóteles e o Método Científico - Apostila PDF
Rogério Soares
Raphael D. M. De Paola nasceu no Rio de Janeiro em Rogério Soares possui graduação em Filosofia pela
1971. Pela PUC-Rio, graduou-se em física (1994) e UERJ (2005), mestrado (2007), doutorado (2011) em
fez Mestrado (1996), obtendo pelo CBPF o título de Filosofia pela PUC-Rio e pós-doutorado (2013) pela
Doutor (2000) na área de Teoria Quântica de Campos. UERJ. Atualmente é professor adjunto do departamen-
Como recém-doutor, passou um ano no Grupo de Físi- to de Filosofia da PUC-Rio. Pesquisa nas áreas de Fi-
ca Teórica da Universidade Federal de Itajubá. Interes- losofia e História da Ciência, Teoria do Conhecimento,
sando-se pela fundamentação filosófica dos conceitos e Metafísica, Epistemologia, Filosofias Antiga, Medieval
teorias físicas, retirou-se da pesquisa na Universidade e Moderna, Filosofia da Religião e Religião Compara-
para dedicar-se ao estudo autônomo a fim de entender da. Sua pesquisa tem como questão central os pressu-
melhor de que trata a física. Desde então lecionou oito postos cosmológicos e metafísicos envolvidos nas ci-
anos no Ensino Médio e atualmente leciona no Depar- ências antiga, medieval e moderna. Atua na divulgação
tamento de Física da PUC-Rio. Traduziu para o portu- de temas filosóficos e culturais através da internet com
guês O Enigma Quântico - Desvendando a chave oculta, o blog de teor educativo Necromanteion, já indicado
de Wolfgang Smith e Física e Realidade – Reflexões Me- duas vezes para prêmios no meio virtual.
tafísicas sobre a Ciência Natural, de Carlos Casanova,
ambos publicados pela VIDE Editorial, Campinas, SP.
Programação do Curso
25 julho 26 julho 27 julho
SEXTA SÁBADO DOMINGO
15:00 – 17:00
Aula III: A Ciência Moderna
nasceu na Idade Média?
Aula I – A Antiguidade e o projeto científico aristotélico
Eixo temático: ontologia e universalidade. Seria possível saber cientificamente algo desse mundo
com todas as entidades que ele exibe à mera observação
Questão: Quais relações podem ser estabelecidas entre cotidiana? Pareceu a não poucos que a exigência de um
a compreensão daquilo que existe no mundo e a exi- conhecimento plenamente seguro e universal só pode-
gência de universalidade característica do conhecimen- ria ser alcançado com a redução ou eliminação de partes
to científico? consideráveis da experiência sensível comum. Tem-se
assim instalado um conflito entre exigências intelectuais
Desde seus inícios, a ciência grega buscou não somen- e aquilo que os sentidos nos fazem perceber usualmente.
te a solução de problemas empíricos particulares, mas
também sua articulação com questões acerca da funda- A tese a ser defendida na primeira aula é a de que o aris-
mentação teórica da própria possibilidade de um conhe- totelismo pode ser entendido como um projeto filosó-
cimento do mundo acessível pelos sentidos. Diante do fico-científico cuja diretriz metodológica básica é a de
avanço científico na matemática e na geometria, cedo sempre fazer justiça a todo e qualquer aspecto da realida-
tornou-se duvidosa a possibilidade de um conhecimento de, incluindo-o em um saber que conjuga uma postura
do mundo sensível que exibisse a apoditicidade e a uni- não-eliminativista com a exigência da universalidade do
versalidade daquelas ciências formais. conhecimento.
Na primeira metade do século XVIII, um certo E. S. De buía perdigotos contra o gênio de Isaac Newton numa
Gamaches, físico e matemático francês, escreveu uma época em que as ideias deste tornavam-se hegemônicas
obra de astronomia na qual comparava os princípios e relegavam o cartesianismo ao esquecimento mesmo
científicos de René Descartes, o patrono das ciências em terras gaulesas? A importância da discussão reside
francesas, com aqueles de Sir Isaac Newton, a glória naquilo que é posto em questão implicitamente: “o que é
máxima da Royal Society. O objetivo do obscuro autor fazer ciência?” Em outros termos, o que significa exata-
era - como seria previsível - demonstrar a superioridade mente dar a explicação de um fenômeno físico? Será dar
do racionalista francês sobre o empirista britânico. as suas razões últimas ou somente fornecer uma descri-
ção matemática acurada daquilo que é observado sem se
Esse poderia ser somente mais um capítulo da longa comprometer com questões concernentes à natureza do
rivalidade que opõe franceses e ingleses, mas há nele mundo físico real?
algo que supera em muito as querelas e disputas entre
nações. Na verdade, na discussão empreendida por De Em suma, nessa pequena polêmica são confrontadas
Gamaches, está em jogo algo crucial para a própria his- duas visões opostas sobre a própria natureza da ciência.
tória da ciência. De um lado o cartesiano, para quem a física deve, antes
de tudo, dizer o que é o real, e, de outro está o newto-
Em termos gerais, De Gamaches criticava Newton fun- niano que se limita a geometrizar os fenômenos sem se
damentalmente por seu método. Segundo o polemista, comprometer com hipóteses sobre a natureza última do
o gênio britânico havia se limitado em suas obras cien- real. É bem conhecida a afirmação de Newton no Escó-
tíficas a geometrizar os fenômenos físicos sem jamais lio Geral do Principia segundo a qual ele não “inventa
propor explicações para os mesmos. “Um fenômeno hipóteses”, referindo-se aí às especulações acerca das
analisado geometricamente se torna para ele um fenô- possíveis causas de certas propriedades observáveis dos
meno explicado”, afirma De Gamaches. No fundo, para corpos.
o francês, Newton era bastante seletivo na escolha de
seus problemas de estudo, só tratando daquilo que po- Há ainda discussões acadêmicas sobre como interpretar
dia ter uma descrição geométrico-matemática. O vere- corretamente essa e outras declarações de teor seme-
dito de De Gamaches é contundente e grave: Newton lhante espalhadas pelas obras do físico britânico, mas
era ótimo geômetra, mas péssimo físico. formou-se certa tradição na qual elas são interpretadas
como declarações de cunho antiespeculativo ou anti-
O que há de tão importante na diatribe de um obscuro metafísico. Newton estaria rejeitando derivar as suas
físico francês que, apegado ao mestre Descartes, distri- teorias de considerações filosóficas sobre a natureza
“Quando os objetos de uma investigação, em qualquer denadora dessa mesma mutabilidade manifestada aos
departamento, têm princípios, condições ou elementos, é sentidos.
através do entendimento destes que o conhecimento - isto
é, conhecimento científico - é alcançado. Pois não achamos Quando Parmênides afirma que não há multiplicidade
que conhecemos uma coisa até que tenhamos apreendido e que os sentidos são enganosos porque nos apresentam
suas condições primárias ou primeiros princípios e condu- dados que estão em franca contradição com a afirmação
zido a análise até seus mais simples elementos.” lógico-racional de que o ser é imutável, ele está, entre
outras coisas, enfatizando um dos lados da questão do
ARISTÓTELES (Física,I,184a[10]) conhecimento. Somente se conhece realmente aquilo
que é imutável.
Quando os primeiros filósofos jônios enunciaram suas
teorias sobre a natureza do mundo, eles o fizeram se- E, no entanto, os sentidos nos fornecem sempre se-
gundo a idéia de que sob as aparências sensíveis havia res mutáveis, cambiantes, o “tudo muda” de Heráclito.
uma substância única cuja natureza explicaria todas Como seria então possível conhecer? E se conhecer é
as modificações e transformações que os sentidos nos apreender aquilo que há de mais real, como pode ser
apresentam. No livro I da Física, Aristóteles afirma que real um mundo em que as coisas vêm a ser e deixam de
cada um desses pensadores escolheu algum elemento - ser incessantemente?
ou conjunto de elementos - como o substratum de todas
as coisas e tomou-o como eterno, “tudo mais sendo so- O problema é herdado por Platão e Aristóteles e estes
mente suas afecções, estados e disposições.” dão respostas contrárias a ele. Para Platão, conhecimen-
to é rememoração do conhecimento haurido na con-
Nessa pequena descrição que Aristóteles faz dos primei- templação das Idéias (ou Formas) eternas e imutáveis
ros físicos, duas coisas chamam a atenção. Em primeiro e os seres do mundo sensível não são mais do que imi-
lugar, a afirmação de que a realidade a ser conhecida tações imperfeitas daquelas Idéias. Como ensina Victor
está sob as aparências sensíveis. Ou seja, a verdade do Goldschmidt: “Os objetos sensíveis provocam, como
sensível não é o próprio objeto sensível dado hic et nunc, causas ocasionais, a reminiscência, mas as Formas não
na imediatidade da experiência dos sentidos. são ‘extraídas’ das coisas sensíveis.” Por conseguinte, o
mundo sensível não é objeto de ciência, de saber verda-
A verdade está no substratum, naquilo que está sub- deiro e certo, somente de opinião, ou, como diz Platão
jacente ao que se apresenta aos sentidos, mas que, no no Timeu, de “mito verossímil”.
entanto, os objetos sensíveis manifestam como modifi-
cações, afecções ou estados. Se o mundo deve ser co- É exatamente porque o intelecto humano - a parte di-
nhecido, se a origem e fundamento últimos do que é vina da alma e que, portanto, mais se assemelha a Deus
observado pelos sentidos deve ser objeto de ciência, isso - tem a capacidade de “extrair” das coisas sensíveis a
só pode se dar pela identificação de uma estrutura sub- Forma que se encontra materializada concretamente em
jacente aos próprios objetos sensíveis. seres individuais e singulares que o conhecimento do
mundo sensível é possível, segundo Aristóteles.
Como Aristóteles aponta, o estôfo do mundo, para tais
pensadores, era um substrato material que tinha em si Mais uma vez, a ciência só é possível porque o homem é
“o princípio do movimento ou da mudança.” Fosse o capaz de apreender uma estrutura intrínseca e imutável
que fosse esse substrato, era algo determinado: água, ar, que define a coisa, rege suas mudanças, determina suas
fogo, terra, ou uma combinação desses elementos Em operações e potencialidades e que é repetível indefini-
segundo lugar, para todos esses pensadores o substrato damente, jamais podendo se reduzir a qualquer um dos
do mundo deve ser imutável. E o motivo parece claro: seus exemplares concretos dados na experiência.
se todas as coisas são modificações desse princípio úni-
co que rege o múltiplo, ele deve ser sempre idêntico a Mostra-se assim o caráter “abstrato” de toda ciência. O
si mesmo. O fundamento não muda para que todas as que a ciência busca não é este ou aquele fato bruto e ir-
coisas possam mudar. repetível na sua singularidade, mas aquilo do qual ele é
uma mera instância passageira e que só é alcançado por
Na identificação do substrato último de todas as coi- abstração das singularidades dos exemplares concretos.
sas com um elemento (ou conjunto de elementos) já se
mostra a apreensão de uma ordem, pois se o elemen- O mesmo vale quando o cientista contemporâneo se
to último é algo, tem uma ordem e a ordem que impõe concentra em somente um dos aspectos dos entes reais,
ao mundo funda-se na sua própria imutabilidade. Já se como por exemplo, as relações quantitativas entre ob-
pode divisar aqui um germe daquilo que caracterizará jetos físicos. Qualquer descrição matemática de como
todo conhecimento: a apreensão do uno no múltiplo. os corpos se comportam em determinadas condições é
Isto é, a redução da multiplicidade cambiante a uma uma afirmação de que as relações quantitativas “extra-
realidade estável subjacente que serve como regra or- ídas” da observação representam aspectos reais de sua