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PSICANALISE E
TEMPO
Erik Porge
Tradução A
MA1i.Nuco
1
Coordenação Editorial
Iose' Nazar
Conselho Editorial
Iosé Nazar
Teresa Palazzo Nazar
Dulce Duque Estrada
Maria Emília Lucinda Pacheco
Tradução
Dulce Duque Estrada
Revisao
Dulce Duque Estrada
Fotolitos de capa
Copyright da Editora Campo Matêmico, cedidos pela Editions Epel - França
Editoração Eletrônica
Fatima Agra
Impressão
Markgraph - estúdio de criaçao e produção gráca ltda.
FICHA CATALOGRÁHCA
Erik Forge
Psicanálise
;
e Tempo 0 tempo lógico de Lacan
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SUMÁRIO
Introdução ...................................................................... ..
13 PARTE
UM SUJEITO RECIPROCO (1945)
A publicação de 1945 ............................................... .. 21
A solução do sofisma ............................................... .. 27
O tempo lógico permanece um sofisma? ............... .. 35
O indivíduo e o social para Lacan no ano de 1945 ..
39
l O efeito do tempo lógico sobre o estágio do espelho
1
rrrrrrrrrrr it;........................... rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr .T 45
Conclusao .................................................................. .. 51
ZaPARTE
O SUJEITO DAS ESCANSÕES SIGNIFICANTES (1966)
O perído 1945-1953 ................................................... .. 57
A intersubjetividade em questão ............................ .. 63
Tempo lógico e intersubjetividade ............................ .. 73
V Retomada do tempo lógico em O Eu ....................... .. 77
O tempo lógico e a garrafa de Klein ......................... ._ 81
As modificações do tempo lógico nos Écrits ........... _. 95
O coletivo não é mais é que o sujeito do individual
103
38 PARTE
A RELAÇAO INCOMENSU RAVEL DOS SUJEITOS (1973)
O texto ....................................................................... .. 115
Os paradoxos de Zenão ........................................... _. 119 1
A
A divisão anarmonica .............................................. .. 129
Releitura do tempo lógico com a cifragem de 1973 ..... ..
................................................................................... .. 137
Olhar e tempo lógico ................................................ .. 143
4a PARTE
A RELAÇÃQ NÃO CQMPLEMENTAR ENTRE Os
SUJEITOS (APÓS 1973)
Uma continuação à escritura do objeto a ............... .. 153
A relação entre os prisioneiros ................................ .. 169
Multidão freudiana e coletividade do tempo lógico
................................................................................... _. 181
Conclusão ................................................................. .. 191
1
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INTRoDUcÃo
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-"Quantos irmãos você tem? "Tenho três irmãos,
Pedro, Paulo e eu.", responde a criança. Esse "erro"não deve
~ ser atribuído a uma fase infantil qualquer, mas deriva da
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dificuldade, para o sujeito, em contar-se e talvez lhe seja
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inerente. Ela e a fonte inesgotavel de sketches a Raymond
z
Devos.
l
Ainda que tenha, diariamente, oportunidades para
isso, não é evidente que eu reconheça em mim o registro
de uma alteridade, e no outro algo de mim. O reconhecer
passa pela dificuldade de contar-se "a si mesmo" dentre
outros. Se digo a mim mesmo, tomando-me à parte, que
"em tudo, comigo mesmo, mostro-me de acordo", como
recomenda Boileaul, quantos sou? Um? Dois? Três? Quatro?
Sou um, se penso que eu(je) e eu (moi) são idênticos.
Mas, por que então eu diria alguma coisa a mim mesmo,
separadamente? Sou dois, se conto je e moi. Mas, se decido
1
contar je e moi, então devo contar o je (de je compte, eu
conto), o moi e o je, em outras palavras, devo contar je
¬t
i 8
sob a forma de esquecimento, o nome de uma quarta
pessoa: o pintor Signorelli. Freud, Fliess, Pick, Freyhau,
Signorelli: muitos sujeitos intervém no esquecimento do
nome, e Freud não é o único afetado. Freyhau tampouco
foi capaz de encontrar o nome esquecido; Freud não
esclarece se isso ocorreu também por esquecimento ou por
ignorância: o fato de tratar-se de um jurista, e a natureza
de sua conversa torna possível que fosse também por
esquecimento. Não é inverossímil supor que esse interlocu-
tor passageiro de Freud tenha presentificado alguma coisa
que, impedindo que se abordasse diante dele o tema "morte
e sexualidade", induzisse o esquecimento de Freud. A
sabedoria dos provérbios, que diz que não se fala de corda
em casa de enforcado, já adotou a possibilidade de tal
suposição.
Se não houvesse diversos sujeitos implicados num
esquecimento de nome, não se poderia explicar aquilo que
Freud chama a contagiosidade do esquecimento de nome, e
da qual testemiuiha um exemplo que ele retomou de Reikf”
Numa reunião de estudantes, uma jovem esquece o
título de um romance do qual fala a três rapazes; estes
conhecem o romance em questão, mas também não
conseguem lembrar seu titulo. Trata-se de Ben-Hur. A
b z
9
z
que a jovem lhes falava e que, alem disso, nota Reik,
j
'10
É
entre a primeira, o eu (moi) e a terceira, a pessoa estranha,
e não como no cômico, entre o eu e a pessoa-objeto".
Eis porque a comunicação do chiste está
inseparavelmente ligada ao trabalho do chiste e, como diz
Freud, "não podemos rir do chiste que nós mesmo fizemos"
(Warum können wir über des selbst gemachten Witz nicht
lachen?). Aqui a tradução ( do selbst associado ao wir) nos
ajuda a valorizar a coexistência de uma unicidade do sujeito
e de sua multiplicidade, fonte de dificuldades de contagem.
O adjetivo indefinido "mesmo", que sublinha o pronome
"nós", primeira pessoa do plural, e designa seu ser próprio,
deve ser posto aqui no singular.
Esses diferentes exemplos assinalam fatores de
dificuldades e de erros de contagem que o sujeito irá
encontrar se quiser contar-se entre uma pluralidade de
sujeitos que ao mesmo tempo lhe é exterior - seja ela ou
não encarnada por pessoas - e faz parte de si.'O que é que
se conta quando se conta se? Quantos elementos, e quais,
se devem contar para contar se?
As maneiras pelas quais o problema se coloca não
permitem responder mediante apenas a regra de adição
dos números inteiros. Em outras palavras, é preciso
encontrar a base de uma lógica adequada à contagem que
se quer realizar. '
11
ficção estanca, e o que a detém no próprio interior de sua
estrutura. Nesse sentido a forma construída, fictícia,
l
sofística do "Tempo lógico..." lhe dá um caráter exemplar
‹
1
para nossos objetivos.
l
Lacan tinha estima por esse texto, como demonstra
o fato de que ainda em 1962 ele o chamava de "meu
pequeno sofisma pessoal"8. Até o fim de seu ensinamento,
fez desse texto o objeto de uma fábrica. Não apenas, como
veremos, existem duas versões dele, a primeira de 1945 e
um remanejamento desta em 1966 quando de sua
publicação nos Êcrits, mas ainda "O Tempo lógico..." foi
i
12V
Se ficarmos nessa esquematização, toma-se difícil res-
ponder às questões de onde partimos, e até mesmo expô-
las: existe uma pluralidade possível de diversos sujeitos ao
mesmo tempo? Em caso afirmativo, qual é a estrutura de
sua(s) relação(ões)? Como é que o termo sujeito pode
designar ao mesmo tempo um sujeito agente, falante,
suporte de enunciados, e o efeito inapreensível de uma
relação entre significantes? Como o sujeito se conta?
Na perspectiva de um sujeito estritamente reduzido
à sua definição "canônica" (um significante representa o
sujeito para um outro significante), pode-se, certamente,
admitir a existência de vários sujeitos, mas o que acontece
com a sua relação? Terão eles a ver apenas com os
significantes que cruzam os seus, ou perceberão os outros
como sombras ou reflexos?
Pode-se replicar que, ao inventar uma escritura
daquilo que chama de discurso, Lacan prova ter resolvido
esse problema. O discurso, diz ele, "são as relações que nos
mantêm, a todos e a cada um, com pessoas que não são
forçosamente aquelas que estão ali, no nível de um certo
número de captações que necessitam uma certa ordem na
articulação significante". 1°
Vai-se observar, ainda assim, que se trata de relações
entre pessoas e não sujeitos; o efeito sujeito é o único em
cada discurso, para cada discurso só há um $ escrito. Isso
significa que esse efeito é comum atodas as pessoas do
discurso? Não estaríamos, então, tendendo a uma concepção
de discurso próxima daquela da multidão, com o que esta
comporta de hipnose, comoestabeleceu Freud?
Acrescentamos que há, em Lacan, dados que
permitem que nos apoiemos para formular nossas questões.
Em primeiro lugar, não existe, com o termo sujeito
suposto saber que está no princípio da transferência,
nomeação de um outro sujeito? Este sujeito é outro que não
o designado pela letra $. Quando Lacan aborda a questão
da transferência em função da teoria dos jogos, ele fala
igualmente de dois jogadores: "Numa análise há
separadamente, dois jogadores, esses jogadores cuja relação
tentei articular como uma relação de mal-entendido, já que
do lugar ocupado por um dos jogadores o outro é o sujeito,
13
é o sujeito suposto saber, ao passo que, se confiarem em
minha articulação esquemática, o sujeito, se podemos falar
deste polo na sua constituição pura, o sujeito só se isola
retirando-se de toda suspeição de saber"“.
› Vai-se dizer: estão vendo que se trata, aparentemente,
de dois jogadores, e o sujeito suposto saber é destinado a
ser destituído, de modo que "o sujeito só se isole..."
De acordo, responderemos, mas vamos observar no
entanto que Lacan introduz esse sujeito pela expressão "se
podemos falar desse polo na sua constituição pura", o que
tem uma conotação de ideal e, em todo caso, legitima
algumas "impurezas". Por outro lado, a destituição do outro
sujeito se efetua, se verifica ao termo de um percurso, de
uma análise; esse outro sujeito não poderia, pois, ser
descartado de saída e por princípio, à falta do quê não
haveria análise... e portanto, nenhum sujeito. Logo, é
realmente preciso que esse "aparentemente" sublinhado
acima tenha uma certa realidade. V
14
qual os parceiros se autorizam por si mesmos e por alguns
outros na sua opção sexuada, sua declaração de sexo. Muito
tempo depois de haver cessado de promover a
intersubjetividade, Lacan ainda fala nessa ocasião em
"relação de sujeito a sujeito", ali onde no amor a relação
sexual cessa de não se inscrever”.
Mais que percorrer todo o ensinamento de Lacan para
reunir o que se refere ã relação de sujeito a sujeito e assim
constituir uma espécie de léxico, vai se tratar de mostrar,
no campo demarcado pelo próprio Lacan, por um texto
exemplar, "O tempo lógico...", como essas questões
trabalham esse texto, no que se opera de mudança entre
sua primeira versão (1945) e sua reescritura (1966), bem
como no jogo de retomadas do texto, em função ao mesmo
tempo de sua problemática própria e de sua inserção no
trilhamento de Lacan: 1945, que conduzirá a remanejar o
estágio do espelho; 1966, orientado pela definição
"canônica"do sujeito; 1973, que propõe um ciframento a
partir do qual se pode responder a questões deixadas em
suspenso; depois de 1973, o advento do nó borromeano.
Contrariamente ao que disso se poderia deduzir, a
definição do sujeito, que o define de maneira singular e
universal, não implica a univocidade do uso do termo e
reclama, para efetuar-se, uma multiplicidade de sujeitos.
Existe uma medida comum dessa multiplicidade? Fundaria
ela uma intersubjetividade? E o que teremos que resolver.
NOTAS
l"Qu'en tout avec soi-même il se montre d 'accord", Boileau, Art
poétique, citado por Grévisse, Le bon usage, Duculot, Paris, 1980, p.
557. O pronome pessoal reflexivo soi (si) não se relaciona apenas a um
sujeito indeterminado, singular ou plural, mas também ocasionalmente
a um sujeito preciso, determinado, concorrendo, no caso, com lui
(lhe,
a ele).
15
Trad. PUF, L'interprétation des rêves, 1967, p. 99. (Em língua
portuguesa, "A Interpretação dos Sonhos", Edição Standard Brasileira,
Imago. Rio de ]aneiro, 1976, vol. IV). Cf. a tradução de La Transa n° 12,
janeiro de 1983. Este sonho de Freud de 23/24 de julho de 1895 lhe serve
de modelo para a análise do sonho. Em nota posterior a terceira edição
(1911) Freud acrescenta que este foi o primeiro sonho submetido por ele
a uma interpretação aprofundada. Lacan retoma a análise deste sonho
particularmente em seu seminário O Eu, 9 e 16 de março de 1955.
5Th. Reik, L'oubli collectif, Int. Zeit. f. Fsych., 6, 1920. Tradução francesa
de M. Castres Saint-Martin, M. Wagué, com a colaboração de S. Faladé,
C. Michler. Este exemplo é retomado por Freud no final do Cap. 3 da
Psicopatologia da Vida Quotidiana, e apresentado como sendo
"estritamente falando, um fenômeno da psicologia das multidões".
°S.Freud, "Le trait d'esprit et son rapport à l'inconscient", GW 6,
("Chistes e sua Relação com o Inconsciente", ESB vol. VIII), cap. 5: "Os
motivos do chiste. O chiste como processo social". Va mos nos referir, na
continuação, à tradução francesa de La Transa, caderno n° 2. Cf. também
a tradução Gallimard, 1988.
16
ll S. Lacan, Problèmes cruciaux pour la psychanalyse, 19/5/65 (inéd.).
17
Primeira Parte
UM SUJEITQ RECÍPROCO
A versão 1945 do Sofisma
mf _
cAPíTULo UM
A Publicação de 1945
21
Nao sabemos até hoje de onde Lacan, em 1945, tirou
o achado do tempo lógico, a saber, a nomeação dos três
tempos: o instante de ver, o tempo para compreender e o
momento de concluir. i
22
exprimem melhor os momentos mais elevados de uma
espiritualidade intensa que os dados imanentes ao tempo
que "se" vive".
Lacan, nesse artigo, já aponta (de uma maneira que
tem ressonância, particularmente, para nós hoje) para o que
será um dos nós do tempo lógico: a relação do tempo e do
espaço: "Não é, com efeito, um dos menores paradoxos
desse longo esforço (de Minkovski) para desespacializar o
tempo, sempre falseado pela medida, que ele só possa
prosseguir através de uma longa série de metáforas
espaciais (...). O paradoxo desconcerta e irrita, até que o
capítulo final dê a sua chave, sob forma de intuição, a nosso
ver a mais original desse livro, ainda que apenas iniciada
no final deste, a de um outro espaço além do espaço
geométrico: ou seja, em oposição ao espaço claro, quadro
da objetividade, o espaço negro do tatear, da alucinação e
da música. Vamos aproxima-lo de gritos surpreendentes
como este (p. 56): "Uma prisão, ainda que se confunda com
o universo, me é intolerável. É à "noite dos sentidos", é à
"noite obscura"do místico que acreditamos poder dizer sem
exagero que estamos sendo levados". Veremos mais adiante
como Lacan, para resolver a relação do espaço ao tempo,
recorre à solução topológica ali onde Minkovski encontra a
mística. Mas eis-nos já advertidos a não confundir os dois.
Quanto à prisão, vai-se tratar de saber como sair dela.
Observa-se enfim, nesse artigo, uma homenagem
apoiada em Heidegger (de que Lacan traduzirá Logos em
1951) a esse tema do tempo, e é provável que Lacan tenha
sorvido em sua leitura uma inspiração que lhe teria
permitido inventar o tempo lógico.
Mas por que Lacan escreveu 'ÍO tempo lógico..."?
Ê aqui que devemos entrar no texto do sofisma
propriamente dito, já que a resposta a essa questão deve
ser lida na literalidade do texto e de suas retomadas.
Entretanto, a fim de situar o que está em jogo nessa
leitura, podemos desde agora citar a resposta que o próprio
Lacan deu mais tarde a essa questão. Durante a sessão de
15 de junho de 1955 de seu seminário O Eu, Lacan volta ao
"Tempo lógico..." e eis como introduz suas declarações: "Isso
em direção ao qual avançam os muito lentamente é a f1 ui ção
23
do tempo. É por esse viés que podemos realmente distinguir
o que é da ordem imaginária e o que é da ordem simbólica.
Vou tomar um outro apólogo, talvez mais claro que o de
Wells, provavelmente porque ele foi feito, propositalmente,
com essa intenção. Ele é meu".
Certamente, pode-se dizer que se trata de um
julgamento posterior, e que na época da publicação do
"Tempo lógico...", dez anos antes, Lacan não utilizava as
categorias do simbólico e do imaginário. Embora no texto
de 1949 sobre o estágio do espelho encontre-se a expressão
"matriz simbólica" (Êcrits, p. 94), é apenas em 1953, em sua
conferência sobre o Simbólico, o Imaginário e o Real, que
Lacan, publicamente, anuncia sua "trindade inferna1".7 No
entanto, não se pode duvidar de que ele tenha querido,
pela publicação do "Tempo lógico...", contribuir com algtuna
coisa que não havia ainda nomeado mas para a qual
percebera a necessidade de operar uma distinção de
registros.
Como veremos, o tempo lógico introduz algo
diferente do eu (moi) e de seu fundamento imaginário, tal
como ele era instituído com o estágio do espelho, algo
diferente que ainda não é chamado de simbólico, mas de
"eu (je) psicológico" ou "sujeito da asserção" conclusiva.
NOTAS .
24
T
modificações em 1966, mas parece que "O tempo lógico..." foi um dos
mais alterados.
25
cAPíTULo Dois
A Solução do Sofisma
27
Ao mesmo tempo em que qualifica de "perfeita" essa
solução, Lacan considera-a um sofisma. A solução dele faz
intervir duas escansões suspensivas, isto é, duas paradas e
duas partidas, antes da conclusão final.
Vamos tentar, por nossa vez, dar conta do "progresso
lógico", tal como Lacan o estabelece, colocando-nos no
lugar do "personagem" chamado A, aquele que vem concluir
por si mesmo, B e C sendo aqueles a partir de cuja conduta
ele estabelece sua dedução.
~
A soluçao perfeita
1 Esta é sua hipótese. Ele pensa
-_ A se pensa preto.
que é visto como tal pelos outros. Toma, então, o que pensa
como uma realidade.
2-Isso posto, A expõe que imagina o que B faz como
21 -
hipótese, colocando-se de alguma forma no lugar de B:
B (na mente de A, isto é, vendo A preto) pensa:
22 -
"Suponho-me preto".
Nesse caso, C deve sair imediatamente, certo de
ser um branco.
24 -
23- Ora, B Vê C que não Sai.
Logo, C está diante de duas possibilidades: um
25 -
preto e um branco ou dois brancos.
Este é o momento de lembrar a hipótese inicial
(1) e manter-se nela. Vamos nos dar conta, aliás, de que
ainda que ela se verifique falsa, é, com efeito, a única
hipótese certa, isto é, a única hipótese que permite chegar-
se a uma conclusão: se, com efeito, A começa por supor-se
branco, se ele supõe a verdade, e supõe B supondo-se preto,
C (na presença de um preto e um branco) também não
sairia; mas C tampouco sairia se B se supõe branco; portan-
to, em nenhum caso B pode concluir, nem A,
conseqüentemente; essa, pois, não é uma boa hipótese de
partida. Vamos recordar, pois, a hipótese inicial: A é preto,
B o vê preto: se C não sai é porque ele vê um branco e um
preto.
26- Logo, B pensa: eu sou branco (já que A é preto),
E Sal COHI €SSâ COI`lClUSaO. l . _ '
28
preto.
3 - Este raciocínio foi imputado a B por A, que se crê
'
33 -
se no fato de ver A preto.
Se B não sai, é, pois, porque ele não me viu preto,
vai pensar A nesse momento; ou seja, minha hipótese inicial
era falsa, e saio dizendo que sou branco.
Cada um deles tendo feito o mesmo raciocínio, todos
saem e esta é:
a primeira partida
Mas -l
e é aqui que Lacan situa o erro lógico _
se a
solução devesse parar aí, nesse momento, pelo próprio fato
da saída dos outros, iria se apresentar uma objeção à
solução, já que a certeza de A provinha da expectativa de B
e C. Se B e C se põem em movimento ao mesmo tempo que
A, é normal que a segurança deste seja abalada. Daí:
29
a segunda partida
A toma a partir, portanto, pensando-se branco, sempre
com a idéia de uma certeza fundada na expectativa de B e C.
Pelas mesmas razões precedentes, todos tornam a
partir.
Essa nova partida dos outros vai outra vez semear a
dúvida em A, que vai parar para refletir de novo, levando-
se em conta, novamente, o fato de que os outros também se
detiveram. Daí:
30
atraso e concluir antes que B conclua, afirmar que sou
branco na pressa do ato de concluir.
Os três tempos
31
podemos dar conta plenamente apresentando a soluçao do
sofisma senão de modo linear, pelo menos privilegiando
um ponto de vista, o de A.
Enfim, os três tempos constituem uma transformação
-
subjetiva temporal -verificada no momento das escansões
das combinações espaciais de cores.
A combinação dois pretos, um branco é subjetivada
no instante de ver. Ela corresponde a um sujeito irnpessoal:
diante de dois pretos, sabe-se que se é branco.
A combinação um preto, dois brancos é subjetivada
no tempo para compreender. Ela corresponde ao tempo do
raciocínio: "se sou um preto, os dois outros, que vejo
brancos, podem pensar "se sou um preto..." e não tardarão
a se reconhecer como sendo brancos". Essa subjetivação é a
de um sujeito recíproco, ou sujeitos indefinidos a não ser
por sua reciprocidade. E o sujeito de dois brancos B e C,
para mim, A, que vêem, cada um, um preto e um branco.
Enfim, a combinação três brancos é subjetivada
somente na pressa de concluir para cada um dos três. Na
medida em que cada um é A, a pressa pode ser
experimentada em cada um dos movimentos, mas ela só é
objetivada na última partida. O sentimento de pressa cresce
no decorrer da prova.
Essa subjetivação corresponde ao sujeito do
conhecimento na versão de 1945. Não se deveria referir este
sujeito do conhecimento ao que Lacan diz, noutra parte,
sobre o conhecimento paranóico? Seja como for, aí está um
dos pontos que será objeto de remanejamentos e que
tomaremos a ver adiante.
A solução de Lacan permite destacar algumas
-_
características daquilo a que já se pode chamar um sujeito:
Ele não se confunde com os personagens A, B e C.
Existe uma pluralidade de seus modos, não
cronológicos, descontínuos, que se cruza com a pluralidade
-
dos personagens e que se repete para cada um.
A subjetivação está ligada à transformação de um
dado espacial em tempo.
A -Sua "saída" está ligada a uma dedução, mas também
a um ato antecipando sua certeza.
Essas características formam um conjunto sobre o
32
qual Lacan voltará, pois ele levanta numerosas questoes.
Em particular, a leitura atenta do texto faz surgir uma
contradição que desperta nossa curiosidade, pois se refere
diretamente aos nossos propósitos. No final do texto, Lacan
se pergunta "a que espécie de relação responde a forma
lógica" do sofisma, e responde curiosamente: "à referência
de um "eu" (je), à medida comum do sujeito recíproco, ou
ainda, a outros enquanto tais, ou seja, na medida em que
são outros uns para os outros. Essa medida comum é dada
por um certo tempo para compreender, que se revela como
urna função essencial da relação lógica de reciprocidade".
Certamente, nota-se que para Lacan a reciprocidade
implica uma mudança de ponto de vista sobre os sujeitos:
eles são outros uns para os outros. Por outro lado, já que há
o "como um" no "Tempo lógico...", é realmente necessário
colocara questão da medida comum. Oproblemalevantado
pela resposta de Lacan consiste em que essa medida comum
seja referida à do sujeito recíproco do tempo para
compreender. Decerto, no estado do texto, não se vê como
o sujeito recíproco não seria aquele do tempo para
compreender. Mas não é menos certo que reduzir o "eu" (je)
da asserção conclusiva àquele do tempo para compreender
é uma contradição no texto de Lacan que, formulada como
tal, vai contra sua demonstração da originalidade do
momento de concluir. Veremos que é preciso esperar 1973
para podermos, com Lacan, propor uma solução para esse
problema.
Sejam quais forem nossas questões por ora, nem por
isso é menos verdade que em 1945 "O Tempo lógico..."
introduz uma novidade na maneira pela qual até então
Lacan havia posicionado o sujeito na sua relação com os
outros. Antes de chegar lá, vamos responder a questão que
foi possível formular: por que chamar ao "tempo lógico"
um sofisma?
NOTAS
' "O tempo lógico", Cahiers d'Art, p. 36.
33
_í, __
CAPÍTULO TRÊS
35
“I
36
l
de mudança, de ponto de vista. Essa báscula, mais que o
resultado bruto de uma solução, faz a particularidade de um
bom sofisma. Ela só se pode produzir se tornarem a se
percorrer as etapas de raciocínio. Essa exigência será
reencontrada no nível da topologia e a diferencia de uma
certa apreensão espacial onde tudo pode ser visto de um só
golpe, apreensão espacial da qual Lacan critica os efeitos
perversos na busca da solução do sofisma.
É por isso que, a nosso ver, a solução de um paradoxo
não o faz desaparecer como paradoxo, e é por isso, também,
que se mantém o nome de sofisma, atribuindo-lhe um
caráter exemplar, mesmo quando se encontrou uma solução.
A solução nada é sem o meio de se chegar a ela.
A definição que Lacan dá ao sofisma em seu texto
confirma essas formulações: a solução perfeita lhe parece
"como um notável sofisma, no sentido clássico do termo,
isto é, um exemplo significativo para resolver as formas de
uma função lógica, no momento histórico em que seu
problema se expõe ao exame filosófico".
No sofisma de Lacan, o erro consiste em concluir com
base na "solução perfeita". Mas a objeção não conduz a um
novo raciocínio, nem refuta a solução perfeita (que parte, ela
mesma, de uma hipótese falsa). Ao contrário, são as objeções
ã solução perfeita que, repetidas duas vezes, em duas
escansões, fazem-na existir como solução.
Existe a objeção que provém da saída dos outros e
provoca a parada, e a objeção proveniente da parada e que
provoca uma nova partida. A objeção ao erro de ter concluído
a verdade a partir de uma hipótese falsa (onde o erro é,
portanto, redobrado) provém da parada dos outros. A
objeção ao erro de ter concluído falsamente (cedo demais) a
partir de uma hipótese verdadeira provém da partida
simultânea dos outros. O tempo dessas objeções ao raciocínio
eàs objeções é contado como tal para a validade do raciocínio,
ele não Lhe é exterior.
Chama-se a isso sempre de sofisma porque os tempos
do erro estão integrados ao próprio raciocínio, contados
como tempos necessários ao seu progresso e ã sua conclusão
antecipadora. Existe uma positivização do erro como tal,
fator de uma "saída salutar"°.
37
-Por outro lado, e esta é uma razao suplementar para
continuar chamando ao apólogo dos prisioneiros um
sofisma, essa saída salutar depende de um ato ligado a uma
retórica, que excede a dedução, o raciocínio, até mesmo a
escritura, como veremos mais adiante. A parte do raciocínio
ficaria suspensa à possibilidade de erro sem o ato que dá a
certeza. Mas o ato é uma dimensao que está na exterioridade
com relação ao raciocínio. Para concluir, o momento passou.
NOTAS
l B. Cassin, Le plaisir de parler, estudo de sofística comparada, sob a
direção de B. Cassin, Ed. Minuit, 1986, p. 6.
38
T j
cAPíTULo oUATRo
40
além disso, nesse texto, o início de uma separaçao de
Freud, ali mesmo onde ele o traduz. Em "Alguns
mecanismos neuróticos no ciúme, na paranóia e na
homossexualidade" (1922), traduzido por Lacan em 1932,
Freud formula que a gênese individual dos sozialen Trieben
1
41
_
ele
coisa- vamos tratar disso à parte, dada a importância da
dois outros textos merecem ser aproximados do
"tempo lógico".
Em primeiro lugar, "O número treze e a forma lógica
da suspeita", também publicado em Les cahiers d'art,
depois de "O tempo lógico...", em 1946, mas correspondend o
a um grau anterior de elaboração. Trata-se de um problema
de recreação matemática, partilhado na época com Le
Lionnais e Queneau: encontrar uma peça de peso diferente
entre doze peças, em três pesagens. Lacan escreve que
"tocamos aqui numa dialética essencial das relações do
indivíduo à coleção, na medida em que elas comportam a
ambigüidade do demasiado ou do demasiado pouco", e
que "a referência do indivíduo a cada um de todos os outros
éa exigência fundamental da lógica da coleção", da qual seu
exemplo demonstra que ela está longe de ser impensável.
Ê assim que surge o termo coleção, que no entanto
permanece preso numa referência ao indivíduo; a noção de
sujeito ali está ausente. Além disso, numa nota do Nombre
treize, Lacan faz sua própria crítica insistindo, justamente,
sobre o termo sujeito: "O estudo aqui desenvolvido toma
seu lugar nas análises formais iniciais de uma lógica coletiva
à qual já se referia o trecho publicado no número anterior
dos Cahiers d'art, sob o título "O Tempo lógico e a asserção
da certeza antecipada". A forma aq ui desenvolvida, embora
comporte a sucessão, não é absolutamente da ordem do
tempo lógico e se situa como anterior em nosso
desenvolvimento. Ela faz parte de nossas abordagens
exemplares para a concepção de formas lógicas onde devem
se definir as relações do indivíduo à coleção, antes que se
constitua a classe, em outras palavras, antes que o indivíduo
seja especificado. Essa concepção se desenvolve numa
lógica do sujeito que nosso outro estudo dá nitidamente a
perceber, já que chegamos, em seu final, a tentar formular
o silogismo subjetivo por onde o sujeito da existência se
assimila ã essência, radicalmente cultural para nós, a que se
aplica o termo humanidade"“l.
"A psiquiatria inglesa e a guerra"“ é o segundo texto
de Lacan que "enquadra" "O tempo lógico...", não apenas
por sua data de publicação, mas também pelo tema que ele
42
b
š
NOTAS
' Cahiers d'art, p. 42.
3 Ibió., p. 42.
43
,JL
¬¬.
I
\
44
1
I
CAPITULO CINCO
1
45
Em primeiro lugar, trata-se de alguma coisa "revelada
na experiência psicanalítica", e não mais "em relação" a esta,
ligada em particular ã observação da criança. Lacan pode
relatar uma prática analítica. A primeira coisa que retira
dela é um texto sobre o tempo. A relação ao tempo, aliás,
modificou-se, já que não é mais, em 1949, "a teoria de um
momento", mas o estágio do espelho é o próprio momento,
o termo "momento" tendo desaparecido em 1949. Por outro
lado, em 1949, está em jogo a "formação do Eu", como no
"Tempo lógico...", e não mais um momento "genético" da
"constituição da realidade".
Antes de comparar a versão de 1939 incluída no artigo
"A família" com a de 1949, que foi retomada nos Êcrits,
confrontamos, certamente, a versão de 1949, publicada na
Revue française de psychanalyse, com aquela publicada
nos Êcrits. As diferenças, muito menos numerosas que para
o "Tempo lógico.. .", não se referem diretamente às passagens
que desejamos sublinhar. Pode-se, porém, observar duas
coias que se aproximam de nossos objetivos. Em 1966,
Lacan não mais coloca a experiência da psicanálise em
oposição radical a filosofia do Cogito:
46
Em "A família", reencontram-se formulações que lembram
o título de 1936 e não são encontradas mais em 1949: "...é
uma teoria dessa identificação da qual designamos o
momento genético, sob o termo estágio do espelho", "o
fenômeno surge depois dos seis meses, e seu estudo nesse
momento revela de maneira demonstrativa as tendências
que constituem então a realidade do sujeito". Entretanto, o
que difere profundamente entre 1938 e 1949 é o modo de
articulação temporal da formação do eu (moi), e isso dá uma
dinâmica inteiramente outra ao texto de 1949.
Em 1938
Lacan distingüe da forma mais absoluta o estágio do
espelho e o drama dos ciúmes, separação acentuada pelos
dois sub-títulos de tipos diferentes na paginação da
Encyclopédie, onde ambos fazem parte do capítulo ll,
intitulado Le complexe de l 'intrusion.
A noção de prematuração do nascimento é evocada
em 1939, mas sem ser desenvolvida como em 1949, e
principalmente a articulação do estágio do espelho com esta
última é muito diferente. Em 1938, é em termos de "resposta
a um mal-estar-que-traduz": "O estágio assim considerado
responde ao declínio do desmame, isto é, ao fim desses seis
meses cuja dominante psíquica de mal-estar, respondendo
ao retardo do crescimento físico, traduz essa prematuração
do nascimento que é, como dissemos, o fundo específico do
desmame no homem".
A resposta a esse mal-estar é uma percepção: a
percepção da forma do semelhante. E essa percepção tem
por efeito permitir ao sujeito encontrar uma unidade: "A
tendência pela qual o sujeito restaura a unidade perdida de
si mesmo tem lugar desde a origem no centro da consciência...
O que o sujeito reconhece (na imagem especular) é a unidade
mental que lhe é inerente; o que ele reconhece aí é o ideal da
imago do duplo". Mas o sujeito também se confunde com
essa imagem: "Mas antes que o eu (moi) afirme sua
identidade, ele se confunde com essa imagem que o forma,
mas o aliena primordialmente."
O estágio do espelho é, pois, um estágio onde o eu
(moi) ainda não afirmou sua identidade, mas restaura nele
"a unidade perdida de si mesmo" que ele procura: o estágio
47
-
- c)-
uma anomalia específica da personalidade; b) como uma
como
43
-'gr zz ~
49
versao de 49, "enquadrado" pelas relações temporais pos
tas em evidência no "Tempo lógico..." (atraso, antecipação),
e são estas que lhe conferem sua função constituinte da
identificação.
A antecipação traz algo de mais complexo que "a
unidade perdida de si mesmo", uma mistura de poder, de
permanência e uma função de limiar: "O sujeito vislumbra
numa miragem a maturação de sua potência"; a Gestalt
"simboliza a permanência mental do je"; "A imagem
especular parece ser o limiar do mundo visível".
NOTAS
lCf. os comentários feitos por Jean Allouch en "Un pas ou deux dans
l'abord de Ia paranoia", p. 141 e seg., publicado em Un siècle de
recherches freudiennes en France. Ed. Erès, 1986.
31. Lacan, Livre 11, Seuil, 1973, p. 185 e seg. Ed. bras.: O seminário,
Livro 11, Jorge Zahar, Rio de janeiro, 1984.
42-1.
50
'Í'
Conclusão
51
onde se acaba o estágio do espelho inaugura, pela
identificação à imago do semelhante e o drama do ciúme
primordial (tão bem evidenciado pela escola de Charlotte
Bühler nos fatos do transitivismo infantil), a dialética que
daí por diante liga o je às situações socialmente elaboradas".
Além disso, e isso se inscreve já na seqüência da
versão 1945 do "Tempo lógico..." abre-se o campo da
linguagem que restitui no universal a função de'sujeito ao
eu (je) social. Sem dúvida, esta é a razão pela qual o termo
sujeito será preferencialmente reservado a este eu (je) social.
Assim, com o "Tempo lógico...", vimos algo de novo
se situar na articulação do indivíduo ao grupo.
Lacan partiu, inicialmente, da idéia de uma
solidariedade do individuo com o grupo, presente na sua
definição da personalidade, onde o termo "tensão social"
significa "valor representativo aos olhos de outrem".
Esse valor representativo encontrou uma primeira
especificação com o estágio do espelho, versão 1936 e 1938.
Mas esta permanecia prisioneira de uma visão cronológica
em estágios e comportava contradições: se a percepção da
forma do semelhante era necessária para dar Lmidade mental
ao eu (moi), por que só dar seu sentido pleno ao outro na
segunda etapa, a do drama do ciúme? Como um eu que não
está formado pode reconhecer o ideal da imago do duplo?
O que é a unidade perdida de si mesmo para um eu
conftuidido com a imagem? Por que haveria aí a substituição
da concorrência ao eu confundido com a imagem?
alienação do moi -
A versão de 1949 traz respostas a essas questões. A
-
matriz simbólica genérica mais que
genética, fase, mais que estágio é uma antecipação e não
uma restauração ligada à percepção da imagem do duplo.
Esta última intervem como um tempo intermediário entre o
je especular e o je social ("esse momento onde se acaba o
estágio do espelho inaugura. e .. fonna primordial, antes
que ele se objetive na dialética da identificação ao outro...").
Ainda assim, a relação a outrem não está absolutamente
clara na sua relação primordial ao sujeito; se se trata de
"restituir" ("a linguagem lhe restitua no universal a sua
função de sujeito"), não podemos nos abstrair de nenhuma
das etapas.
52
Í” L
NOTAS
1 ]. Lacan, Écrits, op. cit., p. 94.
53
Segunda Parte
~
O SUJEITO DAS ESCANSOES
SIGNIFICANTES
A Versão de 1966 do Sofisma
-É
CAPÍTULO 1
O período 1945-1953
--
na primeira pessoa: é o "je" que fala e não mais o "moi".
Vamos recordar: 1 A evidência apreensível no instante
de um olhar. 2 Segunda
cogitação do "working through" (elaboração). 3 -
etapa: a do problema: trabalho de
57
No "Discurso de Roma", pronunciado em 1953 e
publicado em 19561, Lacan por duas vezes comenta a
análise do Homem dos Lobos feita por Freud em função
dos três tempos do tempo lógico. Pode-se perguntar se as
notas de 1952 que citamos são confiáveis ou se Lacan
mudou de opinião, pois em 1956 ele escreve o contrário do
que disse em 1952. A saber, que ao fixar um prazo para o
término da análise do Homem dos Lobos Freud "anulou o
tempo para compreender em favor do momento deconcluir"
e que "a fixação antecipada de um término deixará sempre
o sujeito na alienação da sua verdade"2~
A censura a Freud por não haver levado em conta o
tempo lógico não é algo de menor importância para a
prática da psicanálise, pois é a este não levar em conta que
Lacan atribui o fato de que o Homem dos Lobos jamais
pode integrar a rememoração da cena primitiva a sua
história, e atribui também o deslanchamento da fase
paranóide posterior, da qual se tem o relato feito por R.
Mack Brunswick?
Nesse momento, tudo se passa como se Lacan desse
aos três tempos uma consistência, independentemente do
balé dos três personagens, como se eles pudessem ser
transpostos fora desse contexto para um sujeito particular.
De fato, a amarração tão apertada entre temporalidade e
coleção vai se afrouxar neste período. Por um lado, temos
uma aplicação "individual" do tempo lógico e por outro,
prossegue o estudo da função da relação entre o indivíduo
e o social, ou "de sujeito a sujeito" (195O)4, mas sem que o
papel do tempo esteja muito presente.
Não se deve crer que com a noção de coleção fique
regrada a questão do "social" que inaugura os trabalhos de
Lacan. A noção de coleção não substitui a do social. Aliás,
nem tinha ela esta pretensão, já que era bem dito que a
coleção se referia a um número definido de indivíduos. A
coleção, enquanto forma social específica, cria um modo,
um campo de articulação, de determinação do sujeito em
suas variedades imaginária e simbólica, do "je" especular e
do "je" da palavra.
O termo "social" vai, assim, continuar funcionando, e
especialmente durante este período, para tratar o supereu
58
_,,_
O supereu e o social
social-
com uma relação inversa: quanto mais diminui seu poder
sendo a família reduzida à forma conjugal- mais
aumenta o poder captador deste grupo sobre o indivíduo
nas primeiras identificações e no aprendizado das primeiras
disciplinas.7 Os efeitos psicopatológicos exprimem uma
queda do grupo familiar no seio da sociedade. já me servi
dessas considerações para situar os problemas da psicanálise
de criançasgz 'manifesta-se um ponto de ruptura naquilo
que, do saber familiar, pelo fato de seu poder captador, não
é mais transmissível ao grupo social.
59
N'
60
L ff
NOTAS
1O texto foi retomado nos Écrits: a versão de 1966 não é modificada em
relação à de 1956 no que se refere às passagens a que aludimos.
61
'IF ea
CAPÍTULO Dois
A Intersubjetividade em Questão
-
O segundo período - 1953-1966, segundo nossa
divisão se inaugura com a conferência, jamais publicada,
de julho de 1953: O Simbólico, O Imaginário e 0 Reall, onde,
pela primeira vez, Lacan tenta uma formalização do
desenrolar de uma análise, do começo ao fim, em função
dos três registros.
Nessa conferência, Lacan enuncia que a constituição
temporal da ação humana é inseparável do simbólico:
"Quando se trata do simbólico _ isto é, aquilo em que o
sujeito se engaja numa relação propriamente humana,
63
Q.
l
intersubjetiva na análise é, com efeito, concebida como a de
z
uma dualidade de individuos, z
ela so pode se fundar na E
l
A
unidade de uma dependencia vital perpetuada II ; tal erro
V
S a .
a':_í_._ A l
64
il z
/ \ Philiaf*
\
sujeito a morte
Neikos/
~ -›
Evoluçao da noçao de intersubjetividade (até
1967) t
Segundo tempo
~
Se a análise é isso, diz Lacan, entao z
"e evidente que é
nessa relação última do sujeito a um Outro como Tal, a um l
verdadeiro Outro, a Outro que dá a resposta que não se
espera, que se define o ponto terminal da análise"°.
Assim, vai-se deslizar da relação de sujeito a sujeito
mediada pelo Outro à relação de sujeito ao Outro que será
tomado como sujeito ("o par de sujeitos"). Esse Outro ao
qual o sujeito se dirige se impõe como "testemunha_da
verdade"1°. O registro da verdade funda a intersubjetividade: fl
1
Terceiro tempo
A fala só começa com a passagem para a ordem do
signicante, e o significante exige um outro lugar: o lugar do
Outro. O Outro é o "tesouro dos significantes"13. Este outro;
diz Lacan, "nada mais é que o puro sujeito da moderna
estratégia dos jogos"; uma combinatória, cuja exaustão é
66
possível, aí se inscreve.
Durante algum tempo Lacan colocou suas esperanças
na lógica combinatória na medida em que esta daria a
forma mais radical à determinação simbólica. Em 195614,
Lacansitua a análise como ciência conjectural, isto é, uma
! ciência da ação e da decisão; a conjectura não é o improvável;
,as leis da intersubjetividade são matemáticas, afirma Lacan.
A origem da teoria dos jogos se encontra na obra de
john von Neuman e Oskar Morgenstein, Theory of games
and economic behaviour, saudada como evento científico
da maior importância, inaugurando um novo ramo das
matemáticas e cuja primeira edição data de 1944, ou seja,
um ano antes do "Tempo lógico.. .". No entanto, não encontrei
em parte alguma, nas obras sobre a teoria dos jogos, o
exemplo dos três prisioneiros. Von Neuman (citado por
É
Lacan, não em "O Tempo lógico", mas em seus seminários,
| n
u
D Un Autre al autre , por exemplo) partilha com Lacan o
i 1 ~
67 `
exa ustãoé possível, o sujeito real que aí regula sua conjectura
e o sujeito (tout court) que faz função de falta nessa exaustão.
Mas isso não é tudo. Logo depois intervém uma quarta
denominação de sujeito:"'o puro sujeito do significante", do
qual o Outro é o "lugar prévio". Isso coloca uma nova
questão: o Outro é apenas o puro sujeito da moderna iII
68
Quarto tempo
Lacan volta à teoria dos jogos, notadamente em 1965
e 1969, porque, ao "interessar-se por em que consiste aquilo
a que se chama o jogo, na medida em que é uma prática
fundamentalmente definida pelo fato de comportar um
certo número de golpes que se passam no interior de certas
regras, nada isola de modo mais puro o que sucede com
nossas relações com o significante". '7 Voltando à teoria dos
jogos, Lacan enfatiza a regra do jogo que, enquanto
concatenação significante, tem um efeito de perda: a essência
do jogo, naquilo que comporta de logicável porque regrad o,
diz ele, se mantém na medida em que a jogada está de saída
perdida. Nesta análise, Lacan se fixa mais particularmente,
nessa época, no cálculo de probabilidades, cujas bases
foram lançadas por Pascal e Fermat, em sua correspondência
sobre as regras das partidas, isto é, o cálculo dos ganhos e
das chances de dois jogadores que, parando antes do fim da
partida, querem repartir equitativamente seus ganhos, ou
calcular suas chances caso tivessem continuado”.
A multiplicidade de sujeitos que tínhamos destacado
em "A Subversão do sujeito..." se reencontra nas relações
sutis que Lacan tece entre "sujeito", "jogador", "pessoa".
Essas relações sutis aparecem plenamente em "Problemas
Cruciais para a Psicanálise"1°, no sentido em que, na teoria
dos jogos de Von Neuman, o que se chama de jogadores são
simples agentes, mas, pelo fato de que esses agentes possam
entrar' em acordo quanto ã partilha dos ganhos ou as
chances de ganhar, eles constituem uma só pessoa, definida,
portanto, pelo fato de um interesse comum. Na identificação
do jogo com a psicanálise, a que procede Lacan, ele chama
a esse interesse comum a cura. Em contrapartida, diz
ele
ainda, o j ogad or como pessoa "é sempre algo que comporta
essa conjunção, como tal, de dois sujeitos". Esses dois
sujeitos são, de fato, o sujeito dividido, isto é, "na medida
em que ele mesmo intervém como trama a título de objeto
a"2°; a é o ser do jogador no intervalo de um sujeito dividido
entre falta de saber e saber inconsciente. Por outro lado, o
que faz a conjunção entre a falta de saber do sujeito e o saber
inconsciente (que sabe tudo, talvez, exceto o que o motiva)
69
é aquilo que Lacan vai passar a chamar pelo nome de
Sujeito-suposto-Saber. Enfim, Lacan fala de um terceiro
jogador na análise: a realidade da diferença sexual, à qual o
homem foge na fantasia, a respeito da qual a astúcia do
Y
70
entre o sujeito e o Outro e depois do Outro ao sujeito, para
atingir uma ligação de onde o sujeito é rejeitado” e só se
reencontra na fantasia.
Do laço de sujeito a sujeito, passamos ao "que é um
sujeito que crê poder aceder a si mesmo". Na evolução que
retraçamos, o sujeito é cada vez mais definido em intensão,
mas não em extensão. Pode-se, pois, dar uma outra volta:
que laço há entre um sujeito que crê poder aceder a si
mesmo (e só consegue pela fantasia) e um outro sujeito, ou
sujeitos, que acreditam poder aceder a eles mesmos, entre
jogadores e o sujeito, entre o sujeito dividido e o Sujeito-
suposto-Saber? Na sua "Proposição de 9 de outubro de
, 1967", Lacan diz que a transferência faz objeção à
intersubjetividade compreendida como suposição de um
sujeito por outro sujeito. De fato, a evolução da noção de
intersubjetividade em Lacan vai contra tal suposição.
i
Entretanto, nessa evolução, encontramo-nos sempre
as voltas com uma multiplicidade de sujeitos. A articulação
×
NOTAS
* - a como inicial de autre, outro em francês (NT).
71
é nossa. Philia e Neikos, termos tomados de empréstimo a Empédocles,
são citados por Freud em "Análise terminável e interminável".
š
Lacan, Le Moi, Seuil, p. 287, sessão de 25 de maio de 1955. Ed. bras.:
81.
O Seminário Livro 2, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1985.
1
1
° lbid.
H lbia., P. 524.
¡ 12 Ibid., p. 431.
1
B lbid., p. 806.
1
“ Ibid., p. 472.
'5 Princeton University Press, Princeton, USA, 1980, p. 5, 32, 43.
1
.à
2°"Se há algo que sustenta toda a atividade do jogo é que algo se produz
no encontro do sujeito dividido, enquanto sujeito, com essa coisa pela
qual o jogador sabe ser ele o dejeto de algo que se passou alhures,
alhures a todo risco, alhures, de onde ele caiu, do desejo de seus pais".
22 Ibid., p. 818.
gi.
vs
72
cAPíTULo TRÊS
fz9
por este exemplo, como a formalizaçao matematica que ii. ,
inspirou a lógica de Boole, até mesmo a teoria dos conjuntos, jr
74
a referência à lógica de Boole e à teoria dos conjuntos
corresponde à data de publicação do texto (1956), mas não
V à do "Discurso de Roma" (1953).
Certamente, podemos nos perguntar se a lógica de
Boole pode permitir formalizar o tempo lógico, e afinal
Lacan talvez o tenha feito; mas disso não temos qualquer
testemunho. Também não se vê como as formalizações
` da "Carta roubada" formalizariam o tempo lógico. Lacan
diz bem que, nessa formalização, os tempos são contados:
r
-
Chegamos, portanto, ao paradoxo:
Uma intersubjetividade que se formaliza com
tempos, na "Carta roubada", mas cuja formalização não se
adapta exatamente ao tempo lógico.
-e
um tempo lógico, modelo de tempo intersubjetivo,
em busca de uma formalização.
w
.z-
Pode-se conjeturar que as formalizações da
intersubjetividade' não puderam ser aplicadas, ao tempo
lg , ,
logico, precisamente porque, neste ultimo, esta o osso da
9:7___›)','pluralidade dos sujeitos"5, e este osso não foi roído pela
evolução da noção de mtersubjetividade no sentido
' "intencional" da linguagem formal que determina o sujeito?
Trata-se aí da tensão entre dois polos da intersubjetividade:
uma relação entre sujeitos e uma relação do sujeito a "si
H
I
mesmo .A
Reencontra-se a tensão desses dois polos no que
Lacan escreve, em 1956, sobre o final da análise: a subjetivação
da morte revela um centro exterior à linguagem, o que é
manifesto na estrutura de um toro: "Esse esquema satisfaz
a circularidade sem fim do processo dialético que se produz
r quando o sujeito realiza sua solidão, seja na ambigüidade
vital do desejo imediato, seja na plena assunção de seu ser-
para-a-morte". Imediatamente depois, ele encadeia: "Mas
pode-se aí apreender, ao mesmo tempo (o grifo é nosso) que
a dialética não é individual e que a questão do término da
análise é a do momento em que a satisfação do sujeito chega
a se realizar na satisfação de cada um, isto é, de todos
aqueles a que ela se associa numa obra humana”. Mais uma
vez, não se vê como "ao mesmo tempo" pode-se aprendê-lo
aí. Existe, entre a solidão do sujeito e a "associação" de todos
'
75
K
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il
U
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4
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NOTAS
tz
3 Ibid., p. 257. Ç
4 Ibid., p. 287. cj
5 Ibid., P. 15.
6 Ibid., p. 42.
7 Ibid., p. 320-1.
76
CAPÍTULO oUATRo
do tempo -
simbólico da linguagem e representa a terceira dimensão
estranha às máquinas
própria do ser humano ao tempo, à
-, a pressa, "ligação
carruagem do tempo
77
que ali está em seus calcanhares". É ali que se situa a fala.
O momento simbólico da linguagem se opõe à
linguagem aplicada ao imaginário, que corresponde ao
tempo em que cada sujeito, vendo dois discos brancos, `
.. O instante
de ver
.
- sc impessoal
, .
logica etcma › rS
. O O P d
compreen er
sujeitos
reetidos ou
.
reciprocos
linguagem
aplicada ao
_ . , .
imagmario
momento de
concluir suj eito da momamo
_ sim ból`ieo d a fala sS
Ô O O
`
asserçao Un
pressa E É _
*nl
,Ar
começo da elucidação do sintoma pela
- interpretação;
sS, simbolização do símbolo. O analista deve
fazer isso. Em particular, simbolizar o supereu
que é o "símbolo dos símbolos".
il
1|›,z_
NOTAS
:is
if
lj. Lacan, seminário de 27 de maio de 1959.
FÉ,
79
i
›
CAPÍTULO c1Nco
1,
iu
Í‹.
tempo lógico. Ela apresenta aquilo que Lacan chama de
1;.
uma forma do sujeito em sua relação ao Outro. Ela constitui
81
um suporte do sujeito, na medida em que ele é representado
por um significante para um outro significante, ena medida
em que os significantes podem ser postos numa rede de
duas dimensões que é, pois, redutível a uma superfície. "O
sujeito", diz Lacan nessa sessão de 13 de janeiro de 1965,
"tem uma forma tal como esta, ou duas, no máximo três
outras formas, pois o sistema de nó, de laço consigo mesmo,
de costura a si mesmo da superfície é extremamente
limitado." Essa superfície nodula "aos fundamentos do
sujeito o lugar que lhe é próp rio", isto é, o Outro, o lugar do
Outro, o lugar da linguagem. Os três tempos são as
coordenadas do Outro: "esse campo do Outro se inscreve no
que chamarei de coordenadas cartesianas, uma espécie de
espaço, este de três dimensões, com a ressalva de que este
não é absolutamente o espaço, é o tempo".
Antes de tentar compreender como as três dimensões
temporais nodulam em garrafa de Klein a relação do sujeito
ao Outro, devemos nos deter sobre o próprio
empreendimento que consiste em nodular o tempo com o
espaço. Esse empreendimento não é próprio de Lacan, mas
ele o faz de uma maneira original.
A noção mais comum do tempo é a de um tempo
espacializado, linear ou cíclico, contínuo, que tem apenas
uma dimensão, a da duração. Este ponto de vista sobre o
tempo, que nada tem de natural, toda a gramática contraria3,
permite a sua medida. O desenvolvimento da física
.
sz
felizmente, desmentir esse enunciado.
Quando Lacan denuncia, em "O tempo lógico...", o
erro daqueles que querem dar ao tempo lógico uma
s
concepção espacializada, trata-se justamente de uma
concepção espacializada de um tempo unidimensional que
nada traz que "já não possa ser visto de uma só vez". Ao "ser
visto de uma só vez" opõe-se de alguma maneira o instante
de ver, que o antecede, aquilo que os sujeitos não vêem (...
‹ dois pretos). Essa oposição se liga à da visão e do olhar (cf.
mais adiante, p.163). Isso não significa que Lacan recuse
-a garrafa de Klein é a prova
disso-
toda espacialização do tempo
mas ele recusa toda espacialização de um tempo
que tenha apenas uma dimensão, de um tempo dependente
da espacialização, apenas, da visão.
Não somente Lacan não recusa a espacialização do
tempo, mas pode-se dizer que ela lhe é imposta.
Contrariamente a Descartes, Lacan não separa o pensamento
da extensão. Ele não os separa na gênese do eu (moi), já que
z_ esta está alienada à extensão de uma imagem devolvida A
, ,.,
dimensão
more
e a
geometrico a
83
à falta do quê, onde estarei?"7". A dimensão temporal tam-
bém está implicada na ação nachträglich (só-depois) do
significante. De modo que, se o que determina o pensamento
é temporalizado, e se o pensamento é espacializado, é
realmente necessário nodular tempo e espaço.
Ora, o tempo lógico introduz essa nodulação de outra
maneira que não do ponto de vista da formalização de uma
lógica do tempo tal como se a pode encontrar nos lógicos
que já a tentaramf* O que está realmente em jogo é uma
questão de lógica e de tempo, mas não uma lógica do tempo.
Não se trata tanto de situar os acontecimentos lógicos em
função do tempo (o que é o objetivo de uma lógica do
tempo), mas de tomar o tempo como acontecimento lógico,
que por si mesmo engendra uma certeza. O valor de verdade
da conclusão do tempo lógico depende de tempos, de
instâncias temporais objetivadas. O tempo lógico chega a
uma conclusão cuja certeza é antecipada por um ato que se
funda em "instâncias temporais inteiramente objetivadas"°.
A colocação em forma significante do real é representada
pelas duas escansões na medida em queelas são os momentos
significantes em que se objetiva a nodulação das instâncias
temporais, onde se verifica a trans form ação das combinações
em tempos de possibilidade, escansões que vão funcionar
só-depois como prova”.
A certeza não vem ao termo de um julgamento
dedutivo, nem de uma theoria (contemplação) que guiasse
um ato razoável, racional. A certeza está ligada a uma lógica
da ação; mais ainda, ela é antecipada por essa ação, o ato de
concluir. O ato é necessário para que a dedução chegue a
termo. Em suma, o tempo lógico não é tanto uma lógica do
tempo, senão uma lógica do ato. Uma lógica do ato
determinada, não pelo tempo, mas pelos tempos.
Isso não deixa de evocar o esquema dos estóicos (sob Zé
84
Não se trata, pois, em Lacan, nem da espacialização
do ser visto de uma só vez, nem mesmo da espacialização
como tal do tempo, mas da espacialização da relação
temporal do sujeito ao Outro”.
Superfície furada, sem bordos, de uma só face, o
interior em comunicação com o exterior, a garrafa de Klein
é irrepresentável em nosso espaço de três dimensões,
pois
ela comporta uma auto-travessia. Ela não pode ser vista de
uma só vez, deve ser percorrida, apreendida, cortada, para
que sua estrutura (ligação de duas bandas de Moebius) se
revele, no momento em que desaparece. A duplicação
dessa superfície é um toro.
___`
,zm _
r
. ñ /\U:i \
Visao do corte-
Fig.
°
1
C C'
B A'
A B'
Fig.2
s
-É Isso mostra a impossibilidade de auto-travessia em
nosso espaço de tres dimensões. A fenda que persiste
A
'›
85
O instante de Ver
~ ~ A
o tempo"), cujas conotaçoes sao mais dinamicas e temporais. i
.sv
86
privilégios sobre o espaço. Já que "o tempo é a condição
imediata dos fenômenos intemos, e por isso mesmo a
condição mediata dos fenômenos exteriores, então o tempo
é a condição formal a priori de todos os fenômenos em
â
geral"15.
Por outro lado, o tempo intervém nos princípios
sintéticos do entendimento puro, nos princípios a priori
v
if que tornam possível, por meio de uma representação, uma
Í ligação necessária das percepções, a saber, no princípio de
permanência, no princípio de produção (a lei da ligação da
S,
Tr
87
No momento em que Kant censura Leibniz por
negligenciar a sirnultaneidade, ele fala de uma segunda
dimensão do tempo nesses termos: "Embora o tempo tenha
apenas uma dimensão, a ubiqüidade do tempo, em virtude
da qual tudo aquilo que é pensável segundo os sentidos o
é num tempo, acrescenta à quantidade dos acontecimentos
uma segunda dimensão, na medida em que eles estão
ligados, de alguma maneira, ao mesmo ponto do tempo.
Pois, se representarmos o tempo por uma reta infinita e as
simultaneidades num momento qualquer por linhas que
lhe sejam aplicadas em ordem, a superfície assim
engendrada representará o mundo fenomênico, tanto em
termos de substância quanto de acidentes"2°.
Para que a simultaneidade reintegre o tempo, deve-
se situá-la nesse sistema sob a determinação da ubiqüidade,
da totalidade, do infinito. Como o exprime muito bem São
Boaventura, a simultaneidade não volta a se tomar tempo
integral senão enquanto eternidade: "Se se diz que a
A .
eternidade significa uma existencia sem termo, deve-se
responder que não se esgota dessa maneira o sentido da
palavra eternidade; pois esta não quer dizer apenas
interminabilidade, mas também simultaneidade; e como,
pelo modo da interminabilidade, deve-se entender uma
circunferência inteligível, sem começo e sem fim, assim
pelo modo da simultaneidade deve-se entender a
simplicidade e a individualidade que são os modos do
centro; e essas duas coisas são afirmadas ao mesmo tempo
pelo ser divino, porque ele é ao mesmo tempo simples e
infinito; e é assim que se deve compreender a circularidade
na eternidade"21.
A etemidade é o tempo divino por excelência, o
tempo da plenitude do ser, de uma totalidade a que nada
falta. Ê um tempo estacionário, permanente, estável, como i›
i
V ss
if
-
eternidade vem, por esse fracasso, sustentar uma dimensão
sincrônica isto é, uma relação temporal não-ordenada
como dimensão temporal integral. ~
_
já em "A ldentificação"24, Lacan recomendava não
confundir simultaneidade e sincronia. A "possibilidade
sincrônica constitui a diferença significante", o fato de que
o significante se repete e que, na repetição do mesmo, há
uma diferença, precisamente, a da repetição. Essa diferença
do mesmo é o que advém no tempo lógico quando o
raciocínio se repete no momento do tempo para
compreender.
89
tãtv
Fig. 3: Representação esquemática da
inversão do sentido das voltas depois de
uma volta da garrafa de Klein. '
90
r
o
O momento de concluir
Ele é essa dimensão necessária sem a qual o tempo
Il
para compreender ficara fechado nessa forma que, girando
z
Q
indefinidamente sobre si mesma, não poderá em parte
alguma demarcar a certeza de um ponto de parada".
Lacan não esclarece a correspondência desse momento
com a garrafa de Klein. Portanto, somos nós que propomos
essa interpretação. A partir das indicações que se podem
tirar de "A ldentificação"2°, conjeturamos que o momento
de concluir é o momento em que se recorta a dupla ligação
do corte, aquela pela qual a superfície revela sua estrutura
(duas bandas de Moebius, direita e esquerda), no próprio
momento em que esta desaparece. Esse momento seria
precipitado pelo efeito da inversão de sentido que, pelo
afastamento onde se escorrega o desejo, introduz um atraso
da demanda com relação ao desejo, o que vai apressar sua
u. declaração.
O que traz esse novo percurso do tempo lógico com
\ a garrafa de Klein?
Ele procede, principalmente, do laço em intensão do
sujeito ao Outro. Este laço é no entanto compatível com a
pluralidade de sujeitos do tempo lógico, mesmo que fique
iftz um pouco curto quanto ao seu modo de articulação.
Mais, ainda, o sujeito encontra sua unicidade numa
si»
\._¬ -
forma ele tem uma forma que lhe serve de suporte
forma apresentada pelo objeto garrafa de Klein. Ora,
-, a
este
~»;
objeto está mais próximo do nó temporal do sujeito ao
Outro que o esquema›L ou o grafo, pois esses esquemas se
inscrevem num plano e, se levam tempo para serem
decifrados, não integram o tempo como tal à sua decifração.
Na topologia das superfícies e dos nós, o sujeito está
z
91
l
lógico numa lógica do ato. Será que ela atinge seu objetivo?
Que sentido, com efeito, dar ao fato de que Lacan não indica,
na garrafa de Klein, o momento de concluir? Isso significa
que a garrafa de Klein não permite a inscrição desse
momento? Ou será preciso, antes, considerar a própria
nomeação da superfície como um ato? Essa última hipótese
concordaria com o que Lacan afirma desde seu seminário "A
Identicação", a saber, que é o corte que engendra a superfície
e nao o contrário, cada tipo de corte permitindo diferenciar
um tipo de superfície.”
NOTAS
92
5 L. Gardiès, La logique du temps, PUF, 1975. Segundo ele, os
J.
resultados são bem decepcionantes. Todas as lógicas que foram
propostas apoiam~se definitivamente na gramática, mas sem lhe restituir
a leveza e 0 poder discriminador, e mantendo o horizonte do tempo
mensurável da física. Não é com uma nota triunfante que ele conclui:
"A facilidade que temos de comparar o tempo a certos objetos da
natureza, dos quais dizemos que têm um curso, é tanto mais derrisória
quanto a noção de curso que aplicamos a esses objetos remete, ela
própria, à categoria de tempo (...) Este exemplo nos conduz a esperar,
não que um cálculo do tempo venha um dia substituir a metafísica do
tempo, mas, mais humildemente, que o uso propedêutico da
formalização, obrigando o filósofo a distinguir todas as asserções
confundidas e a perceber, em contrapartida, todas as implicações
mascaradas sob a capa da metáfora, inspire ao menos, à reflexão
filosófica sobre a natureza do tempo, a exigência ascética de se despojar
de seus omamentos e livrar-se de seus alibis."
93
z
IÍ
22 J. Prigogine e I. Stengers, La nouvelle alliance, Gallimard, 1979.
94
CAPÍTULO sizis
- -
lugarl". Não é isso ainda o que nos acontece hoje?
O tempo lógico se encontra na terceira parte de sete
dos Êcrits. Nessa parte só há dois textos: "O tempo
lógico" e a "Intervenção sobre a Transferência", que é um
estudo sobre a dialética da transferência no caso Dora.
^: Apenas uma outra parte comporta dois textos: a sexta, com
É Il II
o estudo sobre Gide e Kant com Sade . Se considerarmos
a ordem das partes e o número de capítulos que ali figuram,
observa-se uma simetria duas partes, inicialmente, depois
a terceira com dois textos, em seguida mais duas partes, e
a sexta, novamente com dois textos. Essa simetria nos leva
|| z ii f ú
-›-
š
orelhas em pé com o termo sujeito" é a primeira frase que
segue "O Tempo lógico" (I. 215 da edição francesa, em
"Intervention sur le Transfert") e o título do apêndice que
começa a quarta parte é "Sobre o sujeito enfim em questão".
Enfim, ainda é do sujeito que se trata em "Subversão do
sujeito" que segue a sexta parte, simétrica à terceira.
Dada a inversão da ordem de inserção dos textos nos
Écrits com relação a sua ordem cronológica de publicação
(sem falar de sua ordem de redaçãol) e as modificações a
que Lacan procedeu na quase totalidade desses textos em
1966, pode-se admitir que o tempo lógico sirva também de
princípio de leitura para a composição dos Êcrits. Lacan,
"Posição do Inconsciente" -
aliás, nos convida a isso quando, num acréscimo de 1966 à
esta mesma escrita pela
96
O significante.
Ê em 1966 que aparece o termo significante, e para
designar, muito precisamente, as moções suspensas. "A
entrada em jogo como significantes de fenômenos aqui em
`É f
litigio H
substitui a "função dos fenômenos aqui em litígio"
(versão 45) e, mais adiante: "aquilo pelo quê elas são
significantes" substitui "aquilo pelo quê elas significam".
Ê Ao mesmo tempo em que se tomam significantes, as
escansoes suspensivas" são substituídas por "moções
É n ~
‹'.
- Suprimindo aquilo que, em 1945, era expresso em forma
de pergunta: .
*ë
_.
_
2'
i
97
1966: longe de serem um dado de experiência externa
no processo lógico, as moçoes suspensas sao aí tao
necessárias que apenas a experiência pode aí faltar,
O sujeito
Em 1966 o termo "personagem" para designar A, B e
C é trocado por "sujeito real" para designar A:
98
1945: cada um dos sujeitos sendo A em termos
lógicos...
1966: cada um dos sujeitos sendo A enquanto real.
99
Para a terceira pessoa gramatical, ela é apenas pretensa:
éum demonstrativo, igualmente aplicável ao campo
do enunciado e a tudo o que ali se particulariza.
100
ser encontrada no fim de "O tempo lógico", quando Lacan
escreve que a forma lógica do sofisma responde a um "je"
à medida comum do sujeito recíproco do tempo para
compreender. Contradição que já destacamos.
Podemos então nos perguntar por que, em 1966,
Lacan não modificou essa passagem, já que ele chega ã
conclusão de uma determinação essencial do "je" pelo
significante; tanto mais que ele modificou uma outra
passagem, onde se trata da reciprocidade lógica dos sujeitos:
litígio só pode
1945: a função dos fenômenos aqui em
ser reconhecida numa intuição temporal,
1966: a entrada em jogo como significantes dos
fenômenos aqui em litígio faz prever a estrutura
temporal,
um movimento lógico,
1966: do movimento de verificação instituído por um
processo lógico.
101
e um branco, 9
NOTAS
1 J. Lacan, Écúzâ, p. 197.
2 Ibid., p. 829.
3Aconselhamos ao leitor reportar-se ao anexo 1 para repôr as citações
em seu contexto.
102
CAPÍTULO SETE
~
O Coletivo Nao é Mais que o Sujeito
do Individual
4 103
‹
›
todos iguais, e A, B e C, cada um diferente.
Com efeito, tomados um a um, existe uma dissimetria
entre A e B/ C; A é o sujeito "real" que vem concluir sozinho.
Ele designa cada um dos sujeitos enquanto real, na medida
em que é ele mesmo que está em questão e se decide ou não
a concluir por si. B e C são os dois outros, na medida em que
são objetos do raciocínio de A.
-
Mas essa oposição recobre uma oposição psicológica
sujeito (A) objeto (B e C) de A. Pois A é também objeto de
B e C, o tema de seus pensamentos, objeto sob o olhar dos
_
outros'. E é isso
compreeender do outro -
o que se subjetiva no tempo para
que permite a A concluir. Além
disso B e C não são apenas objetos de A, são também sujeitos
reetidos.
A, pois, não é idêntico a A. Cada um é ao mesmo
tempo A e B/C. Mais: cada um só é A se for ao mesmo tempo
B e C.
O traço unário ‹
104
Não sao as diferenças qualitativas de cada um dos
traços que os fazem funcionar como diferentes: eles são
diferentes porque se repetem. Mas I não fazem 2, diferente
I
As escansões significantes
Vimos que Lacan introduz o termo "significante"
para designar as escansões em sua versão de 1966, ou seja,
depois de 1962. Ele escolhe esse termo, significante, para
dar conta de alguma coisa cuja importância precisamos
captar. Algo se produz num certo mometno, que não era
dado antecipadamente. Num certo momento, o do ponto
de parada, da escansão, e pelo fato d o sincronismo, produz-
se algo de fundamental. Por um lado a escansão é um
momento de verificação de uma transformação, aquela na
qual uma subjetivação pode se realizar (vamos retomar isso
mais adiante): "Seu valor crucial (das moções suspensas)
é o do movimento de verificação instituído por um processo
lógico, onde o sujeito transformou as três combinações
possíveis em três tempos de possibilidade." Há duas
Ê
105
operou em sua pertinência a diferenciação das subjetivações
ligadas às mod ulações de tempo; mas essas diferenciações,
nesse momento, se concretizam, se reúnem, interagem, se
nodulam entre elas de uma maneira tal que elas
homogenizam os A, B, C; com isso, produz-se esse sujeito
"de pura lógica": “Longe de ser um dado de experiência
externa no processo lógico, as moções suspensas são ai tão
necessárias que só a experiência pode fazer faltar aí o
sincronismo que elas implicam por se produzirem de um
sujeito de pura lógica (grifo nosso) e fazerem cair sua
função no processo da verificação".
Esse sujeito produzido é deslocalizado, acéfalo, ele
não é mais identificável a A, B, C. Esse momento de
emergência do sujeito é também um momento de
dessubjetivação que se realiza, culminando no ato em que:
.. enfim a conclu são não se funda mais senão sobre instâncias
temporais inteiramente objetivadas e a asserção se
dessubjetiva ao mais baixo grau"~“.
Vamos notar que isso não exclui o registro do "pessoal"
(a conclusão pode ser formulada em termos em que não
pode ser assumida pelo sujeito senão pessoalmente (cf. o
anexo n° 2), mas tampouco o impõe.
Há um efeito "de um", isso é novo e necessita do
suporte de um novo termo, o de significante. U m significante
que representa um sujeito que não é nem A, nem B, nem C,
mas engendrado como efeito de um por cada um dos três
em sua identidade e sua diferença, sua multiplicidade e sua
unidade, sujeito que não tem outro suporte além de ser
representado por uma escansão para uma outra escansão
ou a afirmação conclusiva.
O corte do ato
~ .. .. z
A Verificaçao trazida pelas escansoes nao e externa ao l
letra, Ú
compreender”. Tomando essa metáfora ao pé da
(fig. 1), pode-se acrescenta-la como quarta
combinação possível (fazendo parte do momento de
concluir); essa quarta combinação não pode, no entanto,
situar-se no mesmo registro espacial das combinações
inertes, alinhadas, de "dois pretos, um branco", "um preto,
dois brancos", "três brancos".
Não foi sem já ter experimentado a questão que
Lacan retomou em 1966 (ano da publicação dos Écrits), em
seu seminário "A lógica do fantasma", a problemática do
ato enquanto fundador do sujeito; na medida em que o ato
equivale à repetição, repetição implicada pelo significante,
a não-identidade desse último encontrando suporte na
dupla ligação da bordada banda de Moebius.
lgualmenteao segtmdo traço de uma linha de entalhes,
a segunda volta (que se pode assimilar à segunda escansão
suspensiva) não faz 2, mas repete o l para fazê-lo existir
como um, volta ao um para dar esse elemento não
numerável, não redutível ã série dos números naturais,
nem adicionável nem subtraível, que Lacan chama um-a-
mais°. A dupla ligação que se fecha é uma volta a-mais que
conta a unariedade do traço da identificação (original) do
sujeito.
E `\
\\
/I `\ Ê/ É \ 2
Fig. 2 I
Fig. 3
108
Êo labirinto próprio ao reconhecimento desses efeitos por
-
um sujeito que não pode reconhecê-lo, já que ele é
inteiramente como sujeito -transformado pelo ato; são
esses efeitos que designam, em toda parte onde o termo é
justamente emp regado, a rubrica da Verleugnung. O sujeito
é, no ato, representado como divisão pura: a divisão,
diremos, é seu Repräsentanz”. j
Subjetivaçao e dessubjetívaçao
109
limite...". Para concluir, o momento passou: esses tempos,
se objetivam no momento em que são passados e se resolvem
no seguinte, ou no ato de concluir. A
TIO
(no sentido de aí se refugiar e escapar a isso), o sujeito
acéfalo. Ela é a emergência do sujeito na subjetivação, isto
é, numa forma do sujeito. Uma forma onde nem tudo pode
ser visto de uma só vez, uma forma que derrota a intuição,
uma forma que só é apreensível por um certo percurso e em
funçao dos momentos deste; uma forma tal como a da
garrafa de Klein.
NOTAS
' Seminário 20, 16 de janeiro de 1973. Cf. Terceira parte.
3 Êcrits, p. 209.
4 Emis, p. 211.
5 Eme, p. 206.
111
Terceira Parte
ARELAÇÃQINCOMENSURÁVEL
DOS SUJEITOS
A Cifragem de 1973
CAPÍTULO UM
O Texto
115
caráter incomensurável da recip rocidade se fixa na nomeaçao
de um objeto, o objeto a.
É na virada do seminário Mais, Ainda que
encontramos, de forma inesperada, o seguinte
desenvolvimentolz
' "Escrevi alguma coisa que se chama O Tempo Lógico
ou a Asserção da Certeza Antecipada. Pode-se ler muito
bem ali, se se escreve, e não apenas se se tem bom ouvido,
que a função da pressa é a função desse pequeno a, pequeno
(a)pressado. Quero dizer que o de que se trata, e que
mereceria ser estudado com mais atenção, não é
simplesmente aquilo que já está muito articulado: a saber,
uma pequena adivinhação ligada ao fato de que as coisas se
arranjam para três pessoas para que haja três discos brancos
e dois pretos (um de men os, não é?) e que, nessa extrapolação
~
subjetiva que faz com que, aparentemente, o instante de
ver dois brancos,< para> aquele que não sabe quem ele é,
mas que sabe que os dois outros podem, ainda assim, cada
um deles ver-se tais como são (a saber, brancos), e ao mesmo
tempo, se por acaso se pensassem pretos, e esse que pensa
-
o início o fosse mesmo, <ele> saberia, muito bem, ao mesmo
tempo, que é branco há algo aí de que apenas valorizei o
fato de que algo como uma intersubjetividade pode levar a
Luna saída salutar. <O tempo lógico> mereceria, certamente,
ser observado de mais perto, muito precisamente no nível
do que é suportado por cada um dos sujeitos, não em ser um
entre os outros, mas em ser, com relação aos dois outros,
aquele que é o motivo do pensamento deles; a saber, muito
precisamente, cada um só intervém neste temário a título,
justamente, desse objeto a que ele é sob o olhar dos outros.
E é issoque sem dúvida terei ocasião de acentuar no que
formularei mais tarde. Em outras palavras, eles são três,
mas na realidade eles são dois mais a, e é realmente na
medida em que esse dois mais a, no ponto de a, se reduz, não
aos dois outros, mas a um Um mais a. Vocês sabem que,
nesse ponto, já utilizei essas funções para tentar lhes
representar o inadequado da relação de Um a Outro, dando
a esse a como suporte o número irracional que é o número
chamado "número áureo". É na medida em que, pelo a, os
outros dois sao tomados como Um mais a, que funciona esse
116
algo que pode levar a uma saída na pressa".
de
Mais uma vez, depois do trecho sobre a garrafa
com "O
Klein, mesmo aqueles que estão familiarizados
de
Tempo lógico" deverão retomá-lo várias vezes antes
compreender esse texto.
O que preparou este desenvolvimento em Mais,
eo
Ainda? De onde vem a referência à divisão anarmônica
que significa ela? Em quê isso modifica nossa
leitura do
tempo lógico? Outras tantas questões que merecem
comentários e explicações.
NOTAS
de 1973. Este
' Lacan, Mais, Ainda, seminário de 16 de fevereiro
J.
(que difere da versão de Seuil, 1975, p. 47) foi
estabelecimento do texto
pontuação e um
feito a partir de estenotipia e notas; procedí a uma
de suprimir algumas
deslocamento de um segmento da frase, além
que acrescentei estão entre < >.
palavras repetidas. As palavras
117
CAPÍTULO Dois
Os Paradoxos de Zenão L
119
É.
propor, ele mesmo, uma re-escritura do tempo lógico.
A predileção de Lacan pelos sofismas ou paradoxos
lógicos já se manifestava na primeira sessão do seminário
Mais, Aindal e podemos retomar sua leitura comparada à
do tempo lógico.
Lacan toma o exemplo do segundo paradoxo de
Zenão, aquele dito de Aquiles e a tartaruga. Eis como ele foi
relatado por Aristóteles: "O segundo argumento é aquele
que se chama o de Aquiles. Consiste em dizer que o mais
lento na corrida não pode ser alcançado pelo mais rápido,
dado que o perseguidor deve necessariamente atingir o
ponto de onde o perseguido partiu, de tal modoque o mais
lento deva manter sem cessar uma certa dianteira. Esse
argumento é idêntico ao da dicotomia, com a única diferença
de não ser em dois que é dividida a grandeza restante.3" O
argumento da dicotomia também é relatado por Aristóteles:
"Os argumentos de Zenão contra o movimento são em
número de quatro; eles dão muito trabalho aos que querem
resolvê-los. O primeiro argumento se refere à inexistência
do "mover-se", levando-se em conta que o móvel deve em
primeiro lugar chegar à metade, antes de atingir o termo de
seu trajeto”. Como disse Warusfel, "seria perigoso acreditar
que esses paradoxos antigos fossem inteiramente claros aos
olhos dos matemáticos do Século XX5."
Examinemos a solução que se admite comumente
hoje, solução próxima daquela da divisão anarmônica para
o tempo lógico. i
120
O primeiro argumento: a dicotomia
A C D E B
I________11_ ,, l11____1____'__, I v__1__I ¬ _›______I
121
O argumento de Aquiles e a tartaruga
122
substituirm os a tartaruga por uma mulher. Aquiles e
Briseida, diz ele, em vez de Aquiles e a tartaruga: "Quando
Aquiles deu seu passo, estica seu lance para junto de
Briseida, esta, tal como a tartaruga, adiantou-se um pouco,
porque ela é não-toda, não toda dele."1° Briseida era a
encantadora prisioneira que tocou a Aquiles na partilha e
que Agamenon lhe arrebatou, o que teve algumas
consequências, que Homero soube nos contar, para nosso
encantamento.
O paradoxo de Aquiles e a tartaruga toma-se para
Lacan uma metamorfose do impossível encontro sexual de
um homem e uma mulher: impossível no sentido de que
não há nenhuma garantia de que, nesse encontro, exista
uma escrita da identificação masculina como tal e da
identificação feminina como tal. O gozo do macho, o de
todo homem, está submetido ao gozo fálico, queé o obstáculo
pelo qual o homem não chega a gozar o corpo da mulher,
porque aquilo de que ele goza é o gozo do órgão; o gozo de
uma mulher é não-todo função do gozo fálico, sem que este
outro gozo seja mais nomeável do que através desse não-
todo. O encontro do gozo masculino e do gozo de uma
mulher só se produz no infinito. Tal é isso a que Lacan
chama o real da relação sexual, isto é, sua impossibiliade:
"O gozo, enquanto sexual, é fálico, isto é, não se relaciona
ao Outro como tal"“.
Veremos que a divisão anarmônica foi também
introduzida por Lacan no objetivo de metaforizar o que se
passa na relação sexual. Assim, além do contexto de Mais,
Ainda, de que acabamos de falar, a aplicação dessa divisão
ao tempo lógico levanta a questão da inscrição do tempo
lógico na problemática sexual. Já que "em toda identificação
existe o que chamei de o instante de ver, o tempo para
compreender e o momento de concluir"*2, é de se esperar
que, com efeito, o tempo lógico tenha seu lugar na
identificação sexual. Mas qual? Sem querer aqui responder
a essa questão, podemos entretanto indicar que é possível
distinguir-se, previamente, dois planos, o do desejo e o do
gozo, como faz Lacan ao fim de seu seminário A Lógica do
Fantasma: se não situarmos no registro do gozo, em vez de
no do desejo, a operaçao da copulação, sua possibilidade de
123
realização, somos condenados a nao compreender
absolutamente nada de tudo o que dizemos do desejo
feminino, sobre o qual explicamos que ele está como o
desejo masculino, numa certa relaçãoa uma falta, uma falta
simbólica que é a falta fálica (...). É daí que se deve partir
para saber a que distância situar o desejo, isto é, aquilo de
que se trata no inconsciente, o desejo na sua relação ao ato
sexual. Não é uma relação de direito e avesso. Não é uma
relação de epifenômenos. Não é uma relação de coisas que
colam. É por isso que é realmente necessário exercitar-se
durante alguns anos em saber que o desejo só tem a ver com
a demanda; que ele é o que se produz como sujeito no ato
da demanda. E o desejo não está interessado no ato sexual
senão na medida em que uma demanda possa estar
interessada no ato se×ual"13. ‹
124
Essas fórmulas da sexuação estabelecem quatro
relações ao falo, cada uma fazendo disjunção entre um
lugar de enunciação, x, e um eiumciado lógico: uma variável
ligada (existe, para todo) e a negação. Quatro relações cujos
agrupamentos remetem, no discurso, ao que pode ser dito
homem ou dito mulher, e não partem de uma definição a
priori de classes que seriam lugares de identificação. O
impasse lógico do mito de Totem e Tabu (ao mesmo tempo
ele deve explicar a origem do complexo de Édipo e servir-
se deste para dar as razões do assassinato do pai) tem o
interesse de levar esse mito ao nível de estrutura. O mito é
uma tentativa de dar uma forma épica (é a retórica) àquilo
que se opera de estrutura. Lacan vê dois quantificadores
em ação neste mito. O universal é o de todas as mulheres de
que o pai gozaria. Este é um gozo absoluto, isto é,
etirnologicamente sem relação. Este pai mítico não tem
existência real: sua existência é puramente lógica, daí o
segundo quantificador existencial. Do lado masculino as
fórmulas se lêem: V x (D x, todo x está submetido à castração
e ao complexo de Édipo. Reciprocamente, é pela função
fálica que o x se inscreve como elemento de um todo.
El xÍIÍx ea exceção que confirma a regra. É aexistência desse
125
demais é simplesmente o evitamento de um tarde demais,
isso está absolutamente ligado ao fino fundamento da
lógica. A idéia do todo, do universal, já é de alguma
maneira prefigurada na linguagem."“°
A questão que se coloca, pois, para nós, é a de saber
em que medida a versão masculina da não-relação sexual,
com seu quantificador para-todo, é envolvida pela maneira
com que o ato de concluir no tempo lógico promove uma
universalidade; inversamente, o que não é forçosamente
igual, em que medida a universalidade do tempo lógico
responde a uma versão masculina da sexuação?
Se tentarmos seguir um pouco este fio, poderíamos
dizer que o todo de para todo x CD x é representado pela
asserção de todos de serem brancos; a exceção existe x não
(D x seria representada pelo que o próprio Lacan, em "O
Tempo lógico", chama de atributo negativo, isto é, que
existe um círculo preto a menos que o número de sujeitos.
Por oposição, a vertente mulher, representada pelo
quantificador não-todo, seria logicamente não conclusiva.
NOTAS
' No original, I'étrernel, que reúne os termos éternel, eterno, e être, ser.
Reprod uzimos aqui o termo utilizado na versão brasileira do Seminário,
Mais, Ainda (NT).
' Em Inglês no original. (NT)
' J. Lacan, Encore, Seuil, 1975, p. 40. Ed. bras: Mais, Ainda, Rio de
4 lbid., p. 287.
126
6 ¬¬
B. Russell, op. cit., p. 351.
1* ibid., p. 14.
127
na formação desse fetiche particular pode-se observar a transformação
de um tempo em dado espacial.
128
CAPÍTULO TRÊS
A Divisão Anarmônica
A c“'
I
B
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D
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`\\_\___ ___..,.zz‹<'
.,.~
onde a = b+c.
e b = a = b+c
c b b
«P «P2
a Um 1
A C B D
'-\.\__/5--\.- ¢o/.z\\\_,,/
|
b
z c b
131
Com essas letras, 1 e a, como valores dos segmentos,
escreve-se a proporção ana rmônica, segundo as fórmulas já
dadas:
1=1+a=1+a
a 1
1- a = az
a=O,618...
a, o nome de um número
Podemos nos surpreender com o fato de Lacan
identificar a a um número, mas não é a primeira vez que
isso acontece. já em A Identificação, a propósito da aparição
do olhar dos cinco lobos no sonho do Homem dos Lobos,
Lacan notava que o objeto a "porta o número consigo, como
uma qualidade" (20 de junho de 1962). «
Av__D_°
a S
~ z
Dizer que a nao e parte de uma unidade ez dizer que i
132
nao diz outra coisa. O número 0,6l8... (inverso do número
áureo) é uma maneira de nomear a como resto; restam
cifras a 0,618, pois este é um número irracional, do qual só
se fixa o valor por aproximação; não há uma cifra justa.
O irracional é um número limite: ele só é atingido no
limite, mas também enquanto nome ele faz limite. À noção
de irracional correspondem, em grego, diversas expressões.
Eis algumas delas: arrhèton, aquilo queé indizível, inefável;
assumètron, incomensurável; alogon, aquilo que não tem
razão, nem a unidade como medida comum. Por "um
desses rebuscamentos de pensamento e de expressão que
sempre anunciam, em Platão, algum traço de luz ofuscante,
o irracional se torna, ao contrário, aquilo que só pode ser
nomeado." a é o nome desse objeto elementar, tal que
"seria impossível dizer qualquer outra coisa sobre ele, nem
que ele é, nem que ele não é; é impossível formular um
qualquer desses dados primeiros por meio da linguagem;
pois, para ela, nada é possível, senão denomina-lo apenas,
já que sua nomeação é a única coisa que lhe pertence"8.
a, o resto da uniao
A divisão anarmônica é a metáfora daquilo que se
passa a partir do momento em que o sujeito, como produto
("dejeto", diz Lacan) de uma história, tenta projetar seu ser
sobre o ideal de uma fusão unitiva. Ele se confronta com a
unidade instaurada pela união da criança com a mãe, que
serve igualmente de modelo para a união dos sexos. Uma
união vale uma outra união. Na relação sexual, o sujeito é
sempre confrontado com seu laço materno da unidade e a
união sexual repete a união materna. A divisão anarmônica
inscreve essa repetição do um 1 (unário, de contagem) que
zig'
j
-
repete o Um (de união).
-
com relação à idéia de par ali
onde ela se encontra no registro subjetivo que o sujeito
tem que se situar numa proporçao que ele pode chegar a
r estabelecer, introduzindo uma mediaçao
.. . . ç .
externa ao
,. ,,
enfrentamento que ele constitui, como sujeito, a ideia de par °.
'É
,
iss
de a a 1.
a operação -
Há um resto ineliminável: a2 = 1 - 2. Reproduzindo
é a isso que Lacan chama sublimação
potências pares e ímpares de a se repartem em tomo de um
as -
ponto que converge para reproduzir az, a falta inicial.
a a3 az a2
2:3 a*
z
é fácil ver que elas irão ao encontro uma da outra, ate, se
totalizar em um: o ponto onde se produzirá o corte entre as
potências ímpares e as potências pares é fácil de calcular:
esse ponto é, muito precisamente, um ponto determinado
pelo fato de ser igual ao az que se produzia inicialmente.
Essa reprodução da falta que chega a estreitar 0 ponto em
que seu corte último equivale estritamente à falta inicial, az,
é o de que se trata para Lacan em toda obra de sublimação
completada”. Há uma convergência das potências pares e
ímpares de a nesse ponto de corte, que se constitui, portanto,
como limite da adição. Esse limite é 1, pois que a2 + a = 1.
Em De um Outro ao outro, Lacan dá ênfase ao fato de
que é pela própria operação de adição separada das potências
pares, por um lado, e das potências ímpares, de outro, é que
encontramos efetivamente a medida desse campo do Outro
como Um, isto é, algo além de sua pura e simples inscrição
como traço unário”.
134
NOTAS
1°
Dedekind -
Les Nombres, Bibliothèque Ornicar -
Falar de corte quanto à divisão anarmônica remete ao achado de
para definir as
irracionais sobre o contínuo da reta: "Se todos os pontos da reta forem
repartidos por duas classes, tais que todo ponto da primeira classe esteja
situado à esquerda de todo ponto da segunda classe, existirá um só e
único ponto que opera esta partição de todos os pontos em duas classes,
este recorte da reta em duas porções" e "cada'vez que estamos na
presença de um corte não produzido por um número racional, criamos
_ um número novo, irracional, x, que consideramos como perfeitamente
definido por este corte; diremos que o número x corresponde a este
corte, ou que ele opera este corte". Warusfel, em op. cit., p. 55-56, dá
uma boa representação disso:
,||||||||||u||||u luuu|||||||||||m|||u|m
135
z
É'
Se representarmos os enquadramentos sucessivos dados por nossos
cálculos por manipulações de duas bandas de papel, que deslocamos
diante de umarégua graduada, as distâncias serão, respectivamente,
de 1 cm, 0,1 cm, 0,01 cm, 0,001 cm, etc. As duas bandas vão se aproximar
incessantemente, sem nunca se encontrarem de todo. O termo que
simboliza este pseudo-contato, de tamanho menor que qualquer
tamanho dado antecipadamente, é um corte. A imagem é bastante boa.
136
ff zz V Íz' +\zz~
×
11:,
CAPÍTULO QUATRO
/
que neste caso há um recorte (de a sobre 1) que permite um
equacionamento. Mas também poderíamos dizer que não
há necessidade intrínseca, no cálculo da divisão anarmônica,
de que se atinja esta equação num tempo dado. Isso significa
que, seanarrnônica permite uma formalização do
tempo lógico, essa formalização não pode substituir
inteiramente o próprio tempo lógico; com efeito, no tempo
lógico, o tempo para chegar à conclusão é, ele mesmo,
tomado como elemento determinante dessa conclusão.
O aporte da divisão anarmônica ao tempo lógico e
seu interesse com relação ao Sofisma de Aquiles é nomear
o objeto em função do qual se produz esse momento de
concluir. Mas o inverso não é verdadeiro: isso não significa
137
que o momento de concluir esteja na divisão anarmônica:
só é necessário o tempo lógico.
A cifragem de 1973 exclui que os três prisioneiros
sejam uns entre outros (uns). Ela conceme essencialmente
as relações que nodulam os sujeitos entre si na sua relação
ao Outro. Esses sujeitos são posicionados pelo fato de
serem objetos de olhar. Isso não quer dizer jquewios três
/'FMA
sujeitos sejam três objetos a. Eles são três tobjetosèque
tentam encontrar sua ideritidade.Puma medida comum .CEE
-
Mas haverá relação entre o que eles são, como objetos a, e
~ 'li Q
a 1 1 = 2+a= 1 /a2
138 l
série de restos, que vai decrescendo, os a rebatidos sobre 1:
a2, a3, a4 equivalendo a 1 - a, Za - 1, 2 - 3a, ..., na medida em
que A pensa: C fica, B fica
Esse seria, então, o tempo para compreender.
Se f°fmu1fm°S umë3_§1uwêlšfnÇiê,§i9§.êy.i¢.it9S mm
os segmentos da divisãolanarmônica, tal que:
C = soma dos dois segmentos. Aquele que
sairia imediatamente se visse dois pretos,
B = segmento maior,
A = segmento menor,
o raciocínio feito por A pode-se exprimir nos termos da
divisão anarmônica:
1 + 1
1 + 1
1 +
139
"Eu penso: "logo eu sou". O "logo eu sou" não é um
pensamento? Deve-se portanto, escrever: "Eu penso que eu
penso "logo eu sou", logo eu sou". Ê como um jogo de
espelhos, onde o "eu sou" se furta. Será um infinito?
"Certamente que não", responde Lacan, e põe-se a falar
nesse momento de "meu pequeno sofisma pessoal", do
qual ele lembra a função das escansões na "limitação de
todas as possibilidades contraditórias". Para o Cogito, diz
ele, há alguma coisa de análogo: "l\lão é indefinidamente
que se pode incluir todos os "eu penso logo eu sou" num "eu
penso". Onde está o limite?" Como todo o mundo, Descartes
vai tentar uma saída pela identificação, que é a do traço
unário. E Lacan propõe cifrar por um o "eu penso" a fim de
poder decidir como vai se constituir a identificação num "eu
sou": "Se é por um que nós figuramos esse "eu penso",
repito para vocês, na medida em que ele só- nos interessa
enquanto tendo relação com o que se passa na origem da
nomeação, na medida ernmghue o que intere_ssa,çiao
nascimento do sujeito ¬¿¿/o sujeito é o que se nomeia J-
nomear-se é em primeiro ”lü'ga”ralgóique tem a ver com uma
leitura do traço um designando a diferença absoluta,
podemos nos perguntar como cifrar a espécie de "eu sou"
que aqui se constitui, de alguma maneira, retroativamente,
simplesmente pela reprojeção daquilo que se constitui
como significado do "eu penso", a saber, a mesma coisa, o
desconhecido daquilo que está na origem sob a forma de
sujeito”. Êassim que, admitindo pular etapas intermediárias
(!), Lacan escreve a série convergente de:
1 + 1
1 + 1
1 + 1
1 +
140
Como sublinha Lacan em 1973, existe na divisão
anarmônica algo que concerne especialmente aquilo para o
que tende o Sofisma, o momento de concluir, devido ao
hiato entre a dedução pela qual o sujeito se pensa branco e
o ato pelo qual ele o afirma, que se antecipa ã certeza, à falta
do que ele não saberia mais se está ou não incorrendo em
erro.
Nesse momento, há separação entre a e A. No
momento em que o sujeito renuncia à sua hipótese falsa e
se objetiva como ser visto, pensado, dependente do olhar
do Outro, ele inverte essa alienação afirmando uma
identidade. Ele afirma um Eu que deve sua certeza a uma
antecipação, ao vazio de uma antecipação.
Dol de identificação (ol fundamento da identificação
subjetiva original) ao disco branco que ele é, de fato, ao 1
que ele afirma, do "eu penso" ao "eu sou", a relação é
incomensurável. Âap resentação em fração continua é uma
apresentação desse`cõTf€;f,""dššia”frÍítLíraÊ dl\`/Íallswessalllllclivisão
temwüwmllliiriitëfiëñcontrlado depois de duas escansões: o
próprio limite do objeto ao qual o sujeito se identificou
durante seu raciocínio, e que mede a incomensurabilidade
de sua relação ao outro, ao mesmo tempo que a de seu "eu
penso" com seu "eu sou", já que seu "eu penso" é um "ser
pensado" pelo outro.
O ato de nomear um disco de identificação no
momento de concluir supre essa falta de medida comum;
há uma dimensão de falha inerente ao ato, na qual Lacan
insistiu a partir de 19674. A pressa de concluir é função do
objeto a, aqui o olhar“, que se objetiva na defasagem
temporal entre o que seria visto realmente pelo outro e o
- -
que o sujeito supôs ser visto. A conclusão não procede de
uma coincidência entre o visto pelo outro e o suposto
pelo sujeito, mas da discórdia dos dois. A pressa da conclusão
vem do hiato entre a representação (vista pelo outro) e o
representante da representação (o suposto) selando-os como
encontro faltoso.
141
NOTAS
' J. Lacan, "A identificação", 10 de janeiro de 1962, inédito.
2 Ibid.
4 "Minha proposição jaz neste ponto do ato pelo qual se verifica que ele
jamais tem tanto êxito quanto em falhar, o que não implica que a falha
seja o seu equivalente, em outras palavras, que possa ser considerada
como êxito." Discurso à EFP, 6 de dezembro de 1967, in Scilicet 2/3, p.
12-13. Essa passagem sobre o ato está ligada ao tempo lógico. Lacan
fará seu seminário de 1967/68 sobre o ato analítico; ali ele irá frisar que
Freud, na Psicopatologia da Vida Quotídiana, falou precisamente do
ato como ato falho. Os atos falhos são atos significantes. Eles nos
transmitem algo de maneira original, que marca uma luz. Toda tentativa
de interpretação representa, em relação ao modo "não tão idiota" de
dizer do ato falho, uma certa forma de "desconhecimento", que o faz
cair de seu nível.
142
CAPÍTULO c1Nco
143
/ rj
/jr
6?
z
l oculto aquilo que ele esconde: e a Rainha, e depois og
i
‹
ministro. O terceiro, que desses olhares, vê que eles deixam
l
144
Será que a referência ao tempo lógico permite ir mais
longe e, por exemplo, identificar as duas ações às duas
escansões, realizando assim esse modelo formal da Carta
Roubada reunido ao tempo lógico que se desejava?
Não é possível, pois há descontinuidade de
personagens entre a primeira e a segunda cena. Seria como
se, durante a cena dos três prisioneiros, estes fossem
substituídos por três outros prisioneiros. Tal hipótese vai
contra a noção de progresso lógico que a própria noção de
escansão sustenta.
Além disso, Lacan escreve que as duas ações são \
semelhantes. No tempo lógico, as duas ações não são `
146
que cada um se livra ap ressadamente, como de uma ameaça:
o olhar". A ligação entre a pressa e o objeto a, precisamente,
é o resultado da cifragem do tempo lógico em Mais, Ainda.
Partindo, pois, de um mapeamento da ação e das
relações entre os personagens bastante comparável à da
Carta Roubada, Lacan não enfatiza a permutação dos
personagens em função do trajeto de uma carta, mas sim a
relação do sujeito ao objeto a, o olhar, que ele chama de esse
talismã, na medida em que cada um se desembaraça dele às
pressas, e na medida em que não é Lol quem olha, quando
no entanto parece ser ela a observadora, deitada no campo
de centeio diante da janela do hotel onde J. Hold exaure sua
amante, mas onde "o que se passa a realiza".
Nesse sentido, esse "a" que designa Lol, designa-a
como "ser a três". "Onde se vê que a cifra deve ser nodulada
de outra maneira: pois, para compreendê-lo, é preciso
contar-se três".
A fórmula "ser a três", da qual se compreende a
adequação ao tempo lógico, encontra, a nosso ver, sua justa
interpretação com o cálculo da divisão anarmônica. Na
cena do hotel, Lol vê Tatiana como objeto a, objeto do desejo
de J. Hold tomado como Um que ao mesmo tempo a vê, a
ela, Lol: -ela é a diante de 1 + a. Então alguma coisa a realiza,
permite-lhe uma fantasia, vamos compreender, ali mesmo
onde nenhuma fantasia lhe permite, na primeira cena do
baile, tolerar Anne-Marie Stretter, objeto do desejo de M.
Richardson. Mas o que a realiza nesse momento vai
novamente "dissipar-se" ("a crise está aí", diz J. Hold, que se
dá conta: ela "enlouquece", diz Lacan), quando J. Hold faz
par com ela, quando ele quer fazer dois, quando quer
compreendêfla: porque, com efeito, o ser a três de Lol se
sustenta da incomensurabilidade da relação, porque ela
não pode ser compreendida, apreendida, salvo à maneira
de uma garrafa de Kƒlejri ou de um plano projetivo. "Você
foi... o centrdãašlhares. O que esconde essa locução?",
pergunta Lacan, "o centro não é igual em todas as superfícies.
Único num plano, em toda parte numa esfera, numa
superfície mais complexa isso pode dar um nó estranho. É
o nosso. Pois vocês sentem que se trata de um envelope sem
ter dentro nem fora, e que na costura de seu centro se
147
voltam todos os olhares no seu, que eles sao o seu que os
satura que para sempre, Lol, você reclamará a todos os
e
passantes"°.
A multiplicidade de sujeitos do ser a três realiza Lol
como olhar, na fantasia. Na fantasia ($ <> a), há inversão de
a e $, isso que Lacan atualiza, traçando o nó de uma
equivalência entre $ e a em Mais, Ainda. 1° Essa equivalência
dá conta de que o sujeito é, ao mesmo tempo, o suporte
imaginário que o sujeito se dá, no momento em que desfalece
na sua designaçao de sujeito, diante da carência do
signicante que representa seu lugar do Outro, e o objeto
cuja apreensão divide de maneira traumática o sujeito”.
N omeando o objeto a no tempo lógico, Lacan desloca
a noçao de intersubjetividade em direção à fantasia e
contribui, assim, para sua lógica.
Nos últimos seminários de Lacan, vai-se tratar da
fantasia na medida em que, referida a um axioma, ela
constitui um modo de acesso a um real do qual Lacan
procura se assegurar através da topologia do nó
borromeano”. '
NOTAS
l Como lembra Lacan em "Les non-dupes errent", o objeto a é solidário
do grafo. Ele é nomeado como tal por Lacan no final de seu seminário
"As formações do inconsciente" (26 de março de 1958) e retomado
longamente em "O desejo e sua interpretação", em função da fantasia,
de cuja fórmula ($ <> a) participa.
2
O seminário sobre "A Carta Roubada" foi publicado inicialmente em
La psychanalyse, PUF, vol. ll, 1957; em seguida nos Êcrits. A
homenagem foi publicada nos Cahiers Renaud-Barrault, dezembro de
1965. '
3
J. Lacan, Écrits, p. 15.
4
lbid.
5
]. Lacan, "De la structure comme immixion d'une alterité, préalable
z/Í7
148
à quelque sujet que ce soít", Baltimore, 1966, na tradução francesa de
A. Fontaine.
7 ]. Lacan, "I-Iommage".
A inversão de
*° $ e de a na fantasia é apresentada por Lacan em Mais,
Ainda, p. 123.
`
149
Quarta Parte
A RELAÇÃO NÃO
COMPLEMENTAR ENTRE
OS SUJEITOS
Após 1973 E
CAPÍTULO UM
~
Uma Continuaçao à Escritura do
Objeto a i
- o que lhes
dar explicação para isso, senão a partir do fato
de que todos fizeram o mesmo balé para sair. Esta é a única
explicação.
Esta é uma via absolutamente, enfim, absolutamente
encantadora, para explicar isso, isso que é muito mais
evidente, é que isso não comporta entre eles nenhuma
espécie de identidade de natureza, senão a ilustração, o
comentário à margem que eu dou, a saber, que é assim que
os seres imaginam um universalidade qualquer. Não há
-já
-
traço nesse apólogo que é de um apólogo que se trata
não há traço nesse apólogo da mínima relação entre os
prisioneiros, pois que é justamente isso o que lhes é
proibido, comunicar-se entre eles; eles são simplesmente,
identificando-se ou distinguindo-se (outra versão:
identificam-se ou distinguem-se) por ter ou por não ter um
disco branco ou um disco preto às costas.
Que me desculpem por ter-me estendido tanto aqueles
que nunca abriram os Êcrits, deve haver muitos aqui neste
caso, certamente. Definir, pois, aquilo que, num conjunto
154
de dimensões, faz ao mesmo tempo superfície e tempo,
eis o que lhes proponho como continuação, meu Deus,
como continuação ao que eu lhes propunha como o tempo
lógico em meus Escritos (outra versão: ao que lhes propús
sobre o tempo lógico nos meus Escritos).
(...) Este é todo o trabalho da organização, da
organização imaginária, se podemos dizer: simular, simular
com a multidão, porque esta é a outra face do que chamei
há pouco a escolha, o grupo, simular com a multidão -e
-
sempre temos de lidar com isso para daí recolher um
grupo simularcom a multidão algo que funcione como
um corpo"2.
já que Lacan propõe como continuação ao tempo
lógico dos Écrits "fazer a uma só vez superfície e tempo", é
disso que vamos tentar situar a importância para começar.
2°
Fazer a uma só vez superfície e tempoíí//.
s ly)
/ É
de dados espaciais --
si mesmo a apresentação de uma transformação subjetiva
156
planicado numa superfície, e essa planificação está
submetida a regras (por cima-por baixo dos cruzamentos,
orientações. ..) permitindo urna combinatória. Mas essa não
é uma escritura como as outras. Para Lacan, é uma "nova
escritura" que possui um certo grau de autonomia com
relação ao significantefä f
De fato, desde que se pratique a escritura borromeana,
nossa relação com a escritura é modificada. É uma escritura
que nos inclui no corpo, com nosso imaginário, nossa
inibição7, nossas falhas, naquilo que ela escreve, devido ao
vai-e-vem permanente entre as cordas (irnersas no espaço
de três dimensões) e sua planicação. O nó borromeano
não se escreve sozinho e de uma vez por todas, mas se
escreve novamente, com cada um que se dedica a isso. Esta
é uma escritura que se pratica, mas onde o sujeito não pode
se figurar, pois ele é determinado pela figuras. Se o desenho,
a mostração assumem essa importância, é também porque,
no estado atual das matemáticas, a algebrização, mesmo a
mais avançada, não basta para caracterizar todos os nós e
cadeias ao mesmo tempo, para classificar toda a variedade
das cadeias borromeanas, para definir um algoritmo de seu
engendramento. A escritura borromeana de Lacan procede
matematicamente, não sem o imaginário. -
(Õ
Como veremos no próximo capítulo, esse triplo ponto
de estreitamento substitui, no nó borromeano, a noção de
enlaçamento pela qual se imagina que dois anéis se
mantenham juntos. Ali onde se poderia esperar que um
enlaçamento mantivesse juntos os anéis, não se encontra
nenhum enlaçamento, e sim um lugar de estreitamento, de
estiramento, um lugar vazio, um furo, designado pela letra
a. A expressão "de imagem escrita" empregada por Lacan
faz pensar nos hieróglifos. Talvez houvesse, a partir daí,
uma indicação para uma teoria (ainda por se fazer) da
escritura em Lacan. O nó borromeano seria, no instante (de
ver) de seu estreitamento planificado (no entanto, nem
sempre e necessariamente), literalmente um hieróglifo a ser
lido de maneira fonemática: a. Com o nó borromeano,
teríamos igualmente de levar em conta uma temporalidade
da letra ao mesmo tempo pictogramática, fonética e lógica.
A letra inventada, na sua função lógica, seria da ordem de
um pictograma, depósito de um momento de incerteza
entre várias dimensões.
Lacan começa seu seminário de 9 de abril colocando (-
se) a questão sem rodeios:
_
-
objeto a.
"E aí, o que foi que eu inventei?"
Il
II
Vou responder assim, para situar as coisas: o
'
j
l
j
158
essas modalidades em função do escrever-se. Retendo a
homofonia do não cessa no necessário, Lacan define o
"necessário que p" por "a proposição p não cessa de se
escrever", e, nesse sentido, o possível testemunha a falha da
verdade. Se digo "ele pode andar", isso quer dizer, ou que
constato que ele anda, ou que ele não anda, mas poderia
andar; e se digo "ele não pode andar", isso não prova que
seja para sempre.
Segundo um método que é freqüente nele, Lacan vai
relera conexão entre o necessário e o possível em Aristóteles
com a leitura que faz disso um outro autor, no caso,
Hiiitikkam. Lacan não adota o ponto de vista de I-lmtikka,
mas serve-se dele como de uma perspectiva parafazer
surgir aquilo que, sob seu ponto de vista, é uma verdade
originada em Aristóteles.
Em sua leitura de Aristóteles, onde não é fácil separar
as dificuldades de interpretação do texto, do vocabulário, e
as dificuldades intrínsecas ao problema tratado por
Aristóteles, Hintikka estabelece uma ponte, o que não é
feito explicitamente por Aristóteles, entre as modalidades
(necessário e possível) e a temporalidade. I-Iintikka afirma
que, em Aristóteles, a possibilidade tende a confundir-se
com o "às vezes verdadeiro", e o necessário com o "sempre
verdadeiro". Uma vez que há conexão entre o necessário e
o possível, pode-se dizer que há um intrincamento nessa
conexão de dois tempos, como havia sido pressentido por
Cícero”.
Vamos tomar o famoso exemplo da batalha naval,
escolhido por Aristóteles em Sobre a Interpretação: "Que
aquilo que é seja, quando é, e que aquilo que não é não seja,
quando não é, eis o que é verdadeiramente necessário. Mas
isso não quer dizer que tudo aquilo que é deva
necessariamente existir e que tudo o que não é deva
necessariamente não existir; (...) Tomo um exemplo.
Necessariamente, haverá amanhã uma batalha naval, ou
não haverá uma; mas não é necessário que haja amanhã
uma batalha naval, não mais do que é necessário que não
haja uma. Mas que haja ou não haja, amanhã, uma batalha
naval, eis o que é necessário”. Ê possível que a batalha
ocorra. Isso é o possível. Num segundo nível, existe a
159
necessidade. É necessário que a batalha ocorra ou nao
ocorra, que seja uma coisa ou outra. A altemativa aberta
pela existência do possível é necessária. Em Les Non-
Dupes Errent, Lacan radicaliza essa implicação, dizendo:
"Só o possível pode ser necessário". Seja como for, estabelece-
se uma conexão entre necessário e possível, atuando em
dois registros simultaneamente. Esses dois registros se
inscrevem numa temporalidade diferente: a do possível é
a de um tempo indexado (agora, amanhã ...), e a do
necessário é a de um sempre. Esses dois tempos não são
referidos a uma diacronia, passado, presente, futuro, mas
a uma simultaneidade.
É a partir daí, parece-nos, que Lacan pode tirar de sua
leitura de Aristóteles que a conexão entre o necessário e o
possível institui, não dois tempos, presos numa diacronia,
mas um tempo dois: "Longe de fazer o tempo linear, isso
institui um tempo dois, como absolutamente ftmdamental."
Chegado até aí, em 9 de abril de1974, Lacan formula
a questão "como encontrar aquilo que faz função de
superfície e que, em meu dizer, faria ftmção de tempo a
uma só vez", e volta-se então para o tempo lógico,
enunciando o que transcrevemos no começo deste capítulo. i
160
A partir da identificaçao a que procede Lacan, que
nodula tempo e lógica, o tempo lógico constitui resposta à
questão sobre o que faria, a uma só vez, superfície e tempo,
na medida em que ele estabelece que são necessários três
tempos para que se institua o tempo dois: "Se não houver
esses três, não há nada que motive o que manifesta com
clareza o dois, a saber, essa escansão que descrevi, que é a
de uma parada, de um cessar e de Luna nova partida". É
preciso que haja o terceiro tempo, o de concluir, para que
seja motivado _o necessário do possível do objeto a. É
também porque não há necessário (direto) do objeto a que
este surge na pressa.
Assim, em Les Non-Dupes Errent, Lacan toma um
viés diferente daquele de 1973 para nodular tempo e lógica,
e é tomando esse viés que ele introduz a expressão "fazer a
uma só vez superfície e tempo". Entretanto, como em 1973,
é ainda o objeto a que está no centro desse fazer superfície
e tempo, e o objeto a como escrita. Lembremos que Lacan
introduzia a afirmação de 1973 sobre o tempo lógico dizendo:
"Se se escreve, e não apenas se se tem bom ouvido...". A
cada vez, trata-se, como diz Lacan, de dar chance ao objeto
a, "sua chance de que isso cesse para que, se isso não cessar,
isso dê sua prova". Existe, na lógica do objeto a, em sua
escritura, algo de não-necessidade. Daí, vai-se dizer mais
uma vez, o caráter antecipado do ato de concluir.
Essa abordagem do que Lacan nos indica como
continuação ao tempo lógico dos Écrits, parece-nos
suscetível de dar significação ao fato de que os seminários
de 1977 e 1978 levam títulos tomados de empréstimo ao
tempo lógico ("O momento de concluir", "A topologia e (é)
o tempo", "é o tempo que é preciso para compreendê-lo"13).
Apresentando, como ele o faz nesses seminários,
manipulações de nós e de superfícies, ele efetua seu
.
161
O tempo lógico das Meninas
a montagem perspectiva -
Nesse quadro, segundo a análise que dele faz Lacan,
com a temariedade, ponto de
~
distância, ponto de fuga, olho, que a compõe tem o valor
de uma montagem pulsional, o da montagem escópica que
suscita (pode suscitar) no espectador um trajeto pulsional,
instaurando, pois, uma certa maneira de fazer superfície
(quadro) e tempo (pulsão)21.
Esse quadro não funciona somente como domador
do olhar, tendo um certo efeito pacificador, apaziguando o
163
que há de invejoso, de voraz no olhar (em invidere, há
videre), convidando o espectador a "depositar" ali seu
olhar, como se depõem as armas, para repousar os olhos”.
Por seu efeito captador sobre o espectador _ que acredita
fazer parte do quadro: as personagens do quadro, como em
representação, vistas do exterior do quadro, também têm
um olhar dirigido para pontos exteriores à tela, para um
_
lugar que o espectador poderia ocupar "As Meninas" age
também como armadilha para o olhar. Ê o olhar que é o
verdadeiro tema do quadro e o olhar de Velásquez, pintado
na tela, olhar dirigido para o exterior mas voltado para
dentro, é seu suporte e elemento.
i O espectador é capturado pelo quadro, solicitado a
entrar no jogo, o jogo de um "faça ver" tal que poderia ser
pronunciado pela lnfanta Margarida no primeiro plano, no
centro da tela. O espectador, assim, vê suscitado seu olhar
e entra no jogo porque Velasquez desvirou uma carta,
obrigando-nos a baixar as nossas. Tal é a função do quadro
no quadro, da tela virada em frente à qual Velasquez se
figurou, com o pincel na mão. Múltiplas hipóteses foram
formuladas a respeito do que Velasquez estaria pintando
ali. De fato, o mais provável é que ele nada pintasse ali, mas
que aquela velha tela virada sirva de tela de projeção
graças à luz enviada por um grande espelho acionado por
-
Nieto, o homem ao fundo nos degraus, luz que passa em
seguida por um epidiascópio (espécie de lanterna mágica
de aumento) que não se vê _a uma representação já
pintada sobre um quadrinho (ele também escondido com o
epidiascópio) do casal real que se reflete em seguida no
espelho da parede ao fundo”.
O quadro dentro do quadro, virado, permite ao
conjunto do quadro desempenhar a função de representante
da representação; ele libera o resto, o objeto a olhar, daquilo
que é, no quadro, essa função de representação. Ele é uma
falta-a-ver que desempenha o mesmo papel do atributo
negativo no tempo lógico, isto é, o do disco preto, um a
menos com relação ao número de sujeitos. Dessa maneira
se realiza a ida e volta da pulsão escópica que realiza um
certo modo de fazer superfície e tempo.
Vamos observar que Velasquez não se figurou
164
'Y_'“ mm *Í Í Í
NOTAS
* Lembramos a grafia francesa da palavra l'autre, o outro, que explica
o uso da letra a (NT).
165
5 "O analisando só termina fazendo
do objeto a o representante da
f
representação de seu analista", L'etourdit, Scilicet n o 4, Seuil, p. 44.
"Os nós são a coisa contra a qual o espírito mais se rebela. É uma coisa
-
7
°Cf. J.M. LeBlond, Logiq ue et méthode chez Aristote, Vrin, Paris, 1973,
p. 91. Referimo-nos principalmente a Aristóteles, De Pinterprétation,
in Organon, trad. franc. Tricot, Vrin, 1977. Um exemplo de conexão é
citado por J. Hintikka, Time and necessity, Oxford University Press,
Londres, 1973, p. 161. Lacan começa a falar dessa questão no seminário
de 10 de janeiro de 1974 de "Les non-dupes errent".
“ "A própria razão insistirá em dizer que ao mesmo tempo certas coisas
são verdadeiras por toda a eternidade e que elas não estão implicadas
num nó de causas etemas, mas são livres da necessidade do destino".
Cícero, De Fato, 16, 38, citado por J. Hintikka, op. cit., p. 167. Cf. também
J. Hintikka, p. 151 e 171.
166
'7 E. Panofski, La perspective comme forme symbolique, éd. Minuit,
1975, p.l9, 42-43. i
2° "Será para nada que em torno do quadro das Meninas eu lhes tenha
feito uma exposição, sem dúvida difícil, mas que se deve tomar como
apólogo e como exemplo, e como norma de conduta para o psicanalista:
pois o que vem a ser a ilusão do sujeito suposto saber é sempre em
torno daquilo tão facilmente admitido pelo campo da visão. Se, ao
contrário, em torno desta obra exemplar que é o quadro das Meninas,
quís mostrar-lhes a função inscrita do que vem a ser o olhar
do quadro por uma ordem de
-(...)
representação
o que se institui no campo
que nada tem a ver, falando propriamente, com o que qualquer sujeito
pode se representar
de uma disciplina que
-não estará aí o exemplo e o modelo, onde algo
se liga ao mais vivo da posição do psicanalista
poderia se exercer?" ]. Lacan, "O Ato psicanalítico", 20 de março de 1968,
inédito. Vai-se observar que a oposição visão/ olhar duplica a oposição
sujeito suposto saber/ objeto a (olhar), o que vai no sentido de reconhecer
no objeto a um papel determinante no fim de uma análise.
deve
_
num terceiro tempo.
entender assim -
não que já houvesse um, a saber, o sujeito da pulsão, mas que é novo
ver aparecer um sujeito. Este sujeito, que é propriamente o Outro
(retificamos aqui a versão Seuil que escreve: o outro), aparece na medida
em que a pulsão pôde fechar seu curso circular". Para que ir e
vir da
pulsão se possa articular, fechando seu percurso, Lacan suple menta essa
Conceitos Seuil, p. 93, 100, 105. Ed. bras.: Rio de janeiro, Iorge Zahar,
1983.
167
Cf. meu artigo sobre este tema, "L'ana|yste dans I'histoire et dans la
structure du sujet comme Velásquez dans Les Menines", Littoral n°
26, novembro de 1988.
168
cAPiTULo Dois
-
universalidade qualquer. Não existe traço neste apólogo
pois que é de um apólogo que se trata não há traço neste
-
apólogo da minima relação entre os prisioneiros, pois é isso
justamente o que lhes é proibido: comunicar-se entre si; eles
simplesmente se identificam ou se distinguem por ter ou
não ter um disco branco ou um disco preto às costas".
Essa passagem levanta diversos problemas delicados
de interpretação, tanto no nível da sintaxe quanto pelo que
Lacan quis significar. Vamos começar retraçando o
encadeamento de idéias dessa passagem, e em seguida
situaremos aí os problemas de interpretação:
169
- No tempo lógico, cada um dos personagens é
estritamente idêntico aos dois outros;
A maneira pela qual eles o explicam (fizeram todos a
mesma coreografia) explica que isso não comporta entre
-
eles qualquer identidade de natureza;
Isso o explica, porque os prisioneiros não têm
-
relações de comunicação entre eles;
Eles simplesmente se identificam ou se distinguem
por ter ou nao ter um disco branco ou preto às costas.
Imaginar o universal
A primeira dificuldade, de origem sintática, se refere
ao "sobre isso" (o comentário à margem que dou sobre isso)
e o "assim" (é assim que os seres se imaginam). Será que eles
se referem à "identidade de natureza" ou ao "caminho"?
Segundo o caso, teremos uma alternativa diferente.
1- se o "sobre isso" e o "assim" se referem à identidade
de natureza, isso significa que Lacan faz uma oposição
_
entre: la uma universalidade fundada na identidade de
natureza, uma universalidade que se imagina pelo viés da
identidade de natureza, isto é, de modo definitivo, pelo viés
de uma substância comum, partilhada, comunicável, e: lb
--uma identificação fundada de outra maneira pelo tempo
2-
lógico, que pode ou não implicar a universalidade.
Se "sobre isso" e "assim" se referem ao "caminho",
a oposição é entre: 2a- uma identidade de natureza e 2b -
o tempo lógico a partir do qual os seres imaginam uma
universalidade qualquer. Dessa última possibilidade (Zb)
nasceria uma outra altemativa: será que o tempo lógico
explicaria que os seres imaginam o universal? Ou: será que
o tempo lógico explica o universal, mas essa explicação é da
ordem da imaginação? Descartamos essa última hipótese,
que desacreditaria o tempo lógico, pois esse não é,
manifestamente, o objetivo de Lacan.
Restam as outras hipóteses. Podemos escolher. Por
um lado, no nível sintático, por razões de vizinhança, é
mais provável que "sobre isso" e "assim" se refiram ao que
os precede imediatamente ("identidade de natureza"); é
170
mais provável que "assim" se refira à "identidade de
natureza", à qual ele está acoplado e que acompanha, ao
passo que ele precede o que será dito sobre o apólogo. Por
outro lado, o movimento da passagem vai no sentido de
fazer valer a particularidade da identificação no tempo
lógico. Enfim, sempre a favor da altemativa 1, podemos
sustentar que, segundo Lacan, o tempo lógico funda a
universalidade de outra maneira que não pelo viés da
suposição de uma identidade de natureza, mesmo que isso
não suprima, forçosamente, a imaginação. »
no próximo capítulo -e
-
Parece-nos que, ao propor uma lógica da coletividade,
diferente daquela da multidão freudiana de que falarem os
da generalidade, Lacan tenta, para
a psicanálise, dar um passo análogo àquele dado pela
lógica moderna diante da lógica clássica. De maneira
esquemática, como resume Blanche, "a lógica clássica remete
toda proposição elementar à forma atributiva S é P (sujeito-
cópula-predicado): como se todo julgamento se reduzisse,
finalmente, a afirmar ou a negar a 'merência de um atributo
a uma substância"1. A partir de Frege, que lança as bases da
teoria dos conjuntos (1879), produz-se uma inversão. Não
se trata mais de afirmar ou não um atributo, ou qualidades,
a um sujeito cuja essência pré-existe. Essas noções de
sujeito, de atributo, são substituídas pelas noções de função
e de argumento. O sujeito não é mais anterior ao atributo:
ele se torna um "argumento", uma variável, que pode ou
não verificar uma forma ou função proposicional (ou
predicado), assumindo um valor determinado,
transformando assim a forma proposicional em proposição,
verdadeira ou falsa. É a isso que se chama a lógica ou o
cálculo dos predicados. O termo predicado se diferencia,
então, do sentido de atributo na lógica clássica, já que ele é
considerado como uma função.
Lacan apoiou-se na teoria dos conjuntos, observando
ali, com justeza, a tentativa de dissociar o predicado do
atributo? Na teoria dos conjuntos, existe uma dualidade do
Um. O um do conjunto não é o mesmo um do elemento do
conjunto. Pode-se reunir (fazer um) num conjunto elementos
(uns) que não têm entre si qualquer relação. A distinção
operada entre o conjunto e seus elementos tem como
171
conseqüência que o conjunto das partes de um conjunto é
superior ao conjunto dos elementos desse conjunto. Para
um conjunto de n elementos, o conjunto das partes desse
conjunto vai comportar 2” elementos.
Tomemos o exemplo do tempo lógico simplificado:
três sujeitos, A, B e C são brancos. Para a lógica clássica,
"branco" é considerado como um atributo comum a três
sujeitos. O branco faz parte de seu ser, está soldado a ele.
Para a teoria dos conjuntos, "é branco" é a forma
proposicional que vai reunir (fazer um) o conjunto de três
variáveis, sujeitos, tomando os valores A, B, C. Pode-se
escrever: E=(A,B,C). Mas esse um que unifica não é o único
um que se conta. Existe um outro um, um um de diferença
que é contado nas partes do conjunto:
1 ,zz
.‹/"
n Vl.
2
} nenhum
I.
Particular afirmativa:
I , . 1
{ MIWIH Negativa universal:
/Z 7/ ,
|
. ¬""
Particular nega tiva:
.
173
no que concerne a afirmaçao do universal. Mas será de
surpreender se, como mostra Peirce, deve-se pagar o preço
de "não haver sujeito" para validar o universal?
A não-relação complementar
A segunda dificuldade da passagem que estudamos
se refere ao sentido da palavra "relação" e seus laços com a
comunicação. A ausência de traço da minima relação vem
como argumento a favor do fato de que a identificação dos
prisioneiros não está fundada na suposição de uma
identidade de natureza.
O que quer dizer Lacan quando afirma que os
prisioneiros não têm relação entre eles? Vimos que, ao
contrário, os prisioneiros man tinham diversas relações uns
com os outros: estão juntos, olham-se, detêm-se quando os
outros se detêm...
Essas relações, no entanto, não são relações de
comunicação: eles não se comunicam entre si nem por
palavras, nem por sinais. A comunicação implica a
referência7. Os prisioneiros, para chegar ao seu objetivo,
não utilizam um sistema de signos comuns, um código
comum com o qual, dois a dois, pelo menos, eles seriam
capazes de entrar em acordo, com o qual trocariam
informações que os esclareceriam, a cada um, em
reciprocidade com um outro. O que eles têm em comum é
serem prisioneiros, terem sido reunidos ali pelo diretor da
prisão, quererem sair da prisão, e para isso aceitarem
participar do jogo proposto. Ora, jogar esse jogo implica
privar-se do recurso a uma troca de informações, utilizando
um código comum. "Eles não se comunicam" significa que
eles não entram em acordo sobre um código comum. Nesse
sentido, sua comunicação se opõe, realmente, à comunidade
de substância implicada por uma identidade de natureza.
Dito isto, por que Lacan se exprime de uma maneira
que enfatiza a palavra relação tomada negativamente? Em
nossa opinião, Lacan confere um peso a essa palavra, aqui,
pois ele a utiliza com seu valor lógico, isto é, vamos
recordar, um valor que só assume sentido em função de
174
É
f'
Fig. 1
175
.L
l
define uma relação complementar. Ê essa relação
complementar aí que não existe com o nó borromeano,
cujos três elos são ligados sem que nenhum passe pelo furo
do outro, de modo tal que, se soltarmos qualquer um deles,
os três se separam. A relação complementar é o impossível
(o real no sentido de Lacan) do nó borromeano. Se essa
relação complementar se produz entre dois elos, o terceiro
escapa, e não se trata mais de um nó borromeano:
A A A
L/ ,U °Í@ Ú
Fig. 2 Fig. 3
Nó borromeano C0l1S€-:qüênda de uma
inversão de um cruzamento
entre A e B: A e B ficam
enlaçados, complementares, e
C escapa.
BíffFig. 4
/
Em vez de preto branco, vamos formular a oposição
ligado em par/não ligado em par
Fig. 5
Fig. 6
177
equivale a sair (Cf. Fig. 3):
A
Â..
O raciocínio dos prisioneiros seria o seguinte: A sabe
que B e C não estão enlaçados, senão ele já teria saído.
Estará ele ligado a B? A pensa que está ligado em par a B e
que, se B pensasse estar ligado a A, C teria saído (pela razão
de que o terceiro, em relação a dois ligados em par, sai). Ora,
C não sai. Portanto B concluiria daí que ele não está ligado
a A. Poderia ele concluir que está, por isso, ligado a A? Esta
era a hipótese inicial de A, que ele estivesse ligado a B. B não
sai porque, com efeito, foi A quem pensou que se B pensasse
que estava ligado a A, C sairia. Portanto, A conclui que ele
não está ligado a B. Logo, quer sair.
Mas isso pega (em a): primeira escansão, primeira
dúvida: eles estariam, então, ligados assim mesmo. O
raciocínio recomeça. Seria preciso uma segunda escansão,
uma segunda volta para que se objetivasse, absolutamente,
e na pressa, que "é pelos elos não estarem nodulados que
eles se nodulam"“ e que A, B e C são equivalentes.
Segundo Lacan, para o nó de três consistências
(quando sóhá duas consistências, é diferente), a equivalência
-
dos elos se define da seguinte maneira:
Os três elos têm a mesma consistência, são três
toros;
- Existe equivalência de consistências com referência
à consistência do nó: o nó se desata se se cortar qualquer um
dos três elos;
_ Cada elo é permutável com qualquer um dos dois
outros: sempre se terá o mesmo nó. Isso permanece
verdadeiro se acrescentarmos a cada um uma cor, ou uma
nomeação (real, simbólico, imaginário), ou uma orientação.
Em contrapartida, se colorirmos os elos e ao mesmo tempo
os orientaimos, as permutações destes vao pôr em evidência
17s
* " Û»›7%\f\7{@~
'V;j \
/ /f;¿fãf>.zâs¢f››
. í, ,1
zä-A
_
1
z¬-zfz,‹»~»«
a divisão anarmônica -
um. Daí a pressa em afirma-lo, mas aí também _-como com
sem que esta pressa se imponha
fora da dimensão retórica própria ao tempo lógico; esta
dimensão retórica permanece, portanto, irredutível a
qualquer forma de formalização que seja.
A divisão anarmônica chega a uma cifragem do
tempo lógico tal que dá conta ao mesmo tempo de uma
relação de reciprocidade entre os sujeitos e da não medida
comum na qual essa relação se inscreve. Entretanto, este
resultado é obtido ao preço de se perder algum caos na
escritura, a saber, o próprio fato do fcomo um" dos três
prisioneiros, o fato de cada um deles ser a uma só vez o
mesmo que os outros e diferente deles.
Não é este o caso do nó borromeano: já que existe
x equivalência dos elos, se identificarmos cada sujeito a um
elo, o nó borromeano sustenta, pela escritura, a equivalência
dos prisioneiros ao mesmo tempo que a não-relação
complementar entre eles.
179
4J. Lacan, "... Ou Pire", 19 de abril de 1972.
180
Ç--g -
CAPÍTULO TRÊS
É - -
segundo Lacan, são duas formações coletivas diferentes,
mas devido ao fato entre outros de que Freud escreveu
um esquema lógico da estrutura da multidão, vamos
articular essas duas formações coletivas.
Em Psicologia do Grupo e Análise do Ego, Freud
anuncia de saída: "A psicologia individual é também,
inicialmente e simultaneamente, uma psicologia social”. S.
Moscovici compara essa obra de Freud ao trabalho de
Einstein sobre a teoria generalizada da relatividade; Freud
teria passado de uma teoria restrita do indivíduo e da
família para uma teoria generalizada.
181
N esse livro, não som ente a fronteira en tre a psicologia
do indivíduo e a do social se apaga, mas, por outro lado, a
psicologia das multidões é considerada como primeira: "A
psicologia da multidão é a mais antiga psicologia do homem;
o que isolamos enquanto psicologia individual,
negligenciando todos os resíduos da multidão, só veio mais
tarde a se destacar da antiga psicologia da multidão,
progressivamente e, por assim dizer, de uma maneira que
nunca foi mais que parcial”. Não se trata, para Freud, de
avaliar a psicologia social à luz da psicologia individual,
nem de abolir a existência desta última em proveito da
primeira; mas trata-se de considera-la do ponto de vista da
psicologia social com relação à qual ela constitui um avatar,
que dá uma aparência deiunidade, pois "cada indivíduo
tomado isoladamente é uma parte constitutiva de diferentes
multidões".
Existe, entretanto, segundo Freud, um limite para a
"decomposição do ego II , que ef o que ele chama de
_
-
procedimentos (Vorgängen) narcísicos: "A oposição entre
os atos psíquicos sociais e narcísicos Bleuler talvez
dissesse: autísticos se situa, pois, exatamente, no próprio
interior do domínio da psicologia individual e não é de
natureza a separar esta última de uma psicologia social ou
psicologia das multidões”. Em outras palavras, a supressão
da fronteira entre social e individual é correlativa da
manutenção de uma outra fronteira, aquela entre o social-
...W ~;.,do-indivíduo e o narcisismo. Com o estágio do espelho,
Lacan suprime esta última fronteira: para ele, o "auto-
erotismo" não é o sinal de um narcisismo primário, mas, ao
contrário, de uma "falta de si"Õ. Com Lacan, o "auto"
certamente não deve se confundir com o si.
A multidão freudiana se diferencia da coletividade
do tempo lógico em três pontos: o número, o fator do tempo
e a relação entre sujeitos.
O número
182
F__K _
ê
coletividade onde se pode exercer o tempo lógico implica
Ã
um número definido de sujeitos; quanto mais cresce este
número, mais se torna difícil a objetivação, o que constitui
obstáculo a uma lógica coletiva7. Lacan opõe o H carátern
\
definido da coletividade a generalidade, que se define
F u n
O fator tempo _
É
da multidão, este não é para Freud um tempo lógico, e ele
não ocupa o lugar de uma dimensãowsignificante
determinante como em "O Tempo MMWWM
~ ~
A relaçao entre os sujeitos: a medida nao
comum do tempo lógico e o comum da multidão
-
lógico? Uma espécie de apêndice, de resto? Uma função de
público já que se trata de dramatização, de cena, de balé,
e que ele é o observador disso? _ Um avalista da verdade?
O lugar do analista, como sugere, não sem pertinência, E.
Roudinesco?“ Voltaremos a isso na conclusão.
Por ora, digamos que ele representa realmente uma
função que se assemelha à do líder (ele lidera um j ogo” que
se desenvolve sem ele) que reúne, na medida em que essa
função seria a outra face, a face-multidão, da lógica coletiva
do tempo lógico.
E aqui que assume sentido a observação de Lacan, em
Les non-dupes errent, segundo a qual simular com a
multidão seria a outra face do grupo. Seria, segundo nossa
hipótese, a outra face que não a do grupo constituído pela
lógica coletiva do tempo lógico.
O termo "simular" não deixa de lembrar künstlich
(artificial)l3, utilizado por Freud para qualificar precisamente
a multidão. Além, disso, a analogia da multidão com o corpo
não data de Lacan; nãose falaem esprit-de-corps nas multidões
"artificiais"? S. Moscovici diz, quanto a ele, queias "massas
servem de corpo ao inconsciente que corre pelas ruas".
185
Inversamente, pode-se pensar na maneira pela qual
os psicóticos "incorporam " aos seus delírios as perturbações,
os rasgões do tecido social, a ponto de encontrar dessa
forma um esboço de reconhecimento: o delírio do pequeno
trabalhador de Gallardon, perto de Chartres, encontrou
ecos suficientes nos diversos meios sociais para lhe permitir
. . . H I
Servir-se da idealização
Levando-se em conta todos esses elementos, um dos
interesses da aplicação da divisão anarmônica ao tempo
lógico talvez seja permitir levar mais longe a comparação
entre a multidão e o coletivo do tempo lógico, em outras
palavras, permitir efetuar, pela escritura, uma operação
relacionando o esquema freudiano (simplificado) da
/*Ê
multidão com a divisão anarmônica (esquematizada):
----:¡-
I
.í___íÁ--_-íí4
lí-ví-í-1
3
\&_ã,/'
1
186
¡`..._..-_-~ _
2
quatro como conta do três, é o saber do real do três, de seu
laço enigmático. A propósito da introdução do quarto elo
borromeano, em diversas ocasiões, em RSI, Lacan fala em
por em evidencia , demonstrar , fazer a prova do real
do três. *
187
"Mesmo que vocês sejam apenas três, isso dará
quatro", diz Lacan, numa passagem que se relaciona
diretamente com nosso propósito e que, com a expressão
~"nó social", vem ao encontro de nosso ponto de partida: "A
identificação em Freud é simplesmente genial. O que eu
desejo é o quê? A identificação ao grupo, porque é certo
que os seres humanos se identificam a um grupo; quando
eles não se identificam a um grupo, estão ferrados, devem
ser internados. Mas não digo, com isso, a que ponto do
grupo eles têm que se identificar. O ponto de partida de
todo nó social se constitui, digo, pela não-relação sexual
como furo; não há dois, pelo menos três. E o que quero
dizer é que, mesmo que vocês sejam apenas três, isso dará
quatro. A mais-uma estará ali, mesmo que vocês sejam só
três. Daí minha expressão mais-uma. E é retirando uma
,l /_,›;›ú'eal que o grupo será desnodulado; é preciso para isso que
' se possa retirar uma real para fazer a prova de que o nó é
borromeano, e de que são mesmo as três consistências
ff, cfÍ*›f mínimas que o constituem”.
\Í`/ Essas afirmações de Lacan sobre a identificação ao
grupo, a partir da escritura borromeana, recortam em
vários pontos a maneira pela qual interpretamos a
identificação ao grupo dos prisioneiros do tempo lógico: é
necessário um grupo de um número finito de sujeitos,
tomados numa relação não complementar, para que o
sujeito se identifique, e ele o faz contando-se ao menos três,
o que não impede o erro da conta, já que a mais-uma estará
ali.
Se a identificação a um certo ponto do grupo falha,
assim como quando falta uma consistência, então ca-se
louco de hospício, isto é, fica-se prisioneiro. Então, isso é o
inverso do movimento do tempo lógico que, este sim,
realiza essa identificação a um certo ponto do grupo.
A liberdade ganha pelo prisioneiro é uma liberdade
que carrega consigo o seu limite. É uma liberdade que não
é individual, que é social, que está ligada por um nó social,V
e devido a isso carrega nela o seu limite, a loucura, como
ruptura desse nó social, ruptura que seria a liberdade
completamente individual.
188
NOTAS
1I. Lacan, Écrits, op. cit., p. 213. Lacan escreve o título de Freud: Massen:
Psychologie und' Ichanalyse (Multidões: Psicologia e Análise do Eu),
o que é uma maneira de interpretá-lo. Lacan, mais tarde, vai reclamar
da tradução "psicologia coletiva" para Massenpsychologie: "uma
coleção de pérolas, sem dúvida", lançará ele em "L'Insu qui sait".
1° Ibid., p. 171.
189
exterioridade é que Freud emprega o termo "artificial" para qualificar
essas multidões. Em nota de 1923, Freud acrescenta que stabil (estável)
e künstlich parecem coincidir, ou pelo menos depender estreitamente
um do outro. Künstlich significa: feito com arte, engenhoso,
complicado, e também artificial, de imitação, postiço, falso. Com essa
palavra, lança-se de certa forma uma ponte entre a multidão como
estrutura e a arte.
'É A modificação das relações entre o(s) eu, ideal do eu, objeto, vai
permitir a Freud diferenciar a hipnose (objeto em lugar de I, ideal do
eu), o apaixonamento (o eu está absorvido no objeto), a introjeção (objeto
no eu), a mania (confluência entre I e eu) e a melancolia (divisão entre
_
l e eu, identificação do eu ao objeto foracluído verworfenen).
190
Conclusão
i
A dificuldade de contagem encontrada por um sujeito,
se este quiser se contar entre uma multiplicidade de sujeitos,
quando de uma manifestação do inconsciente, expõe a
questão da articulação das relações de sujeito(s) a sujeito(s),
e do sujeito consigo mesmo. Seguir passo a passo a
problemática do tempo lógico no ensinamento de Lacan
permite produzir uma cifragem dessa questão. Em que
essa cifragem implica na necessidade de se passar por um
"contar-se três"?
O termo "sujeito" mudou de sentido no decorrer da
¢
1
192
.¡?_íf ___
u n
sujeitos , e sim de encontrar a chave de seu modo de
l
193
tal, de uma multiplicidade de sujeitos já tomados numa
acepção lógica. 'Tanto mais que à multiplicidade desses
sujeitos, tendo em comum a determinação significante,
deve-se acrescentar o uso, freqüente em Lacan ainda depois
de 1961, do termo "sujeito" para designar aquilo que,
precisamente, a definição do sujeito tivera por função
transformar: o sujeito falante. Por exemplo, em 1964, pode-
se ler: "A questão é, em primeiro lugar, para cada sujeito, de
onde ele se situa para dirigir-se ao sujeito suposto saber"°.
Tomada literalmente, essa frase não implicaria uma
intersubjetividde?
Se quisermos realmente nos separar da noção de
intersubjetividade, no sentido de compreensão e de
suposição de um sujeito por um outro sujeito, é preciso
produzir uma articulação que leve em conta, ao mesmo
tempo, uma multiplicidade de formas do sujeito junto com
a unicidade de sua definição pelo significante, e o equívoco
entre esse sujeito determinado, suposto, e o sujeito falante,
até mesmo a pessoa. É essa articulação que o caso do tempo
lógico permite produzir.
"O Tempo Lógico" expõe ao leitor um problema de
contagem de sujeitos interessados numa prova. Dir-se-ia
que existem três sujeitos, que são todos iguais? Mas erra-se
aí, no fato de que eles só se afirmam iguais depois do ato de
conclusão. Ou será que se trata apenas de um sujeito que
passa por tempos, por modalidades diferentes? Mas então
não se leva em conta o fato de que, assim mesmo, eles são
vários.
Esse problema de contagem encontra sua solução:
inicialmente na cifragem do tempo lógico por Lacan em
1973, com a divisão anarmônica, cifragem que permite
reunir numa relação temária os sujeitos do tempo lógico
numa multiplicidade sem medida comum; depois, no nó
borromeano, de onde se pode deduzir a equivalência dos
sujeitos na relação temária que determina um sujeito1°.
O sujeito que se afirma“, ao temio do tempo lógico,
/t/\ não e um sujeito coletivo da enunciação. Ele o faz de uma
maneira ao mesmo tempo particular e universal: afirmando-
se, eE_c¿úi sob o golpe da definição do sujeito representado
por um significante para um outro significante. A unicidade
194
_ _
195
guiado pela determinaçao de uma objetivaçao de tempo de
qualidades diferentes.
Além do interesse de ressituar "O Tempo lógico" em
seu contexto, a perspectiva histórica faz ressaltar que a
leitura do sofisma é um exercício que não se efetua sem o
ciframento de uma outra escritura: a do simbólico, do
imaginário e do real (1945-1955), da garrafa de Klein (1965),
do significante com a banda de Moebius (1966), da divisão ,fé
anarmônica (1973), do nó borromeano (1974). O ciframento Mig,/'
por uma outra escritura permite, em especial, dar um nome
àquilo que, no tempo lógico, precipita ao ato: 0 objeto
apressado. Entretanto, como se viu, essas escrituras não
podem substituir inteiramente o sofisma. Pode-se escrever
um laço de não-medida comum, ou de não-relação
complementar, pode-se dizer que o objeto a é função da
/
ye? pressa, mas não se pode dar conta completamente do jogo
dos três prisioneiros com a divisão anarmônica nem com o
nó borromeano. Em outras palavras, resta, ineliminável,
uma dimensão retórica que faz se sustentar a afirmação do
,f
A
i
ef cedo demais (no universal, quando não há sujeito algfum; na Õ
`
196
mí, ___ _____
Q íLÉ
/7 certa autonomia com relação ao significante. Há um ponto,
a problemámlicadbwsujeito ao desejo e a da
não relação sexual se recobrem, é o da identificação. Esta,
em caso algum, é dada por antecipação e é (sobre)
determinada pelo significante. Já que, em toda identificação,
' existem três tempos do tempo lógico, a identificação sexual
é também envolvida por este, e mais precisamente na
declaração do sexo. Ora, se em função dessa declaração,
cada um tenta contar-se homem ou mulher, não haveria aí
um erro de contagem na medida em que, para cada um dos
sexos, na sua relação ao outro, o falo é, não complementar,
. mas sim suplementar?
No apólogo do tempo lógico, o erro da conta vai ser
formulado em termos diferentes, durante e depois da
prova. No começo do sofisrna e durante a prova, os
prisioneiros são três para um observador extemo. Mas eles
não se contam três nos tempos subjetivos de resolução do
enigma. Como diz Lacan em 1973, eles são na realidade
2 +a, e este 2 + a se reduz, no ponto do a, a um 1 -
referência a essa contagem, a cifra três aparece como um
a. Com
197
números inteiros, diante dos quais, justamente, a se verifica
um número irracional e incomensurável ao um. É por isso
que a relação entre os sujeitos não é uma intersubjetividade
no sentido em que cada sujeito compreenderia o outro; a
disparidade de sujeitos é cifrada por uma relação
incomensurável. Entretanto, como diz Lacan em Mais,
Ainda, isso é "alguma coisa como uma intersubjetividade".
"Contar-se três" marca duas coisas: por um lado, a
inerência de uma multiplicidade atual, limitada, de sujeitos
na antecipação da asserção identificatória de um sujeito;
por outro lado, o erro de cálculo a que sucumbe este sujeito
quando quer se contar nessa multiplicidade, devidoao
caráter reflexivo e recíproco do se. Nesse sentido, "contar-
se três" significa a subversão introduzida pela divisão
anarmônica numa contagem com os números inteiros. Esta
expressão remete, pois, ao erro de cálculo inerente ao
"contar-se" durante a prova, mas também à saída desta,
quando se trata de fazer inteirar, pelo diretor, a solução
encontrada.
No começo, o diretor reune três prisioneiros que ele
escolheu dizendo que deve libertar um dos três e que, para
decidir qual entre os três, decide submetê-los à prova do
tempo lógico: o primeiro a poder concluir sua cor deve se
5 beneficiar da medida libertária. Ora, ã saída do tempo
os três esentam
logico, não há "um primeiro", mas "três primeiros", já que
em conjunto com a
solução, este "conjunto" sendo, aliás, a prova do êxito para
cada um deles. Na saída da prova, não é mais possível,
portanto, decidir quando à medida libertária nos mesmos
termos que no começo. Isso é sinal de que uma mudança se
operou entre o início e o fim da prova. A questão não é mais
formulada ao final nos mesmos termos que no começo: se
o diretor pode ser considerado no início como uma espécie
de Outro garantidor da verdade, ao final não se pode
remeter-se aos termos enunciados por ele no início para
decidir a questão. Na medida em que o diretor encarna o
lugar de um Outro, iniciador do jogo, garantia de sua
solução, do qual o sujeito espera o assentimento, este
diretor é afetado pelo des-ser pela solução do sofisma.
Observa-se, além disso, que o termo "diretor", introduzido
198
_;_:¬
199
NOTAS
' J. Lacan, Mais, Ainda, op. cit., p. 130 da ed. franc.
2 lbid.
7"A alienação consiste nesse vel que condena (...) o sujeito a só aparecer
nessa divisão se ele aparece de um lado como sentido, produzido
pelo significante, do outro lado (no lugar do Outro) ele aparece como
afânise". J. Lacan, Seminário Xl, op. cit., p. 191. Cf. também p. 189, 199
e 201 da ed. franc.
“200
ANEXO 1
¡› .
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“Í
À*
sí
A /
REFERENCIAS ExPL1c1TAs Ao
-`^
TEMPO Locrco No
ENSINAMENTO DE LACAN
1955 -- Ecrits.
O Eu, seminário de 15 de junho.
1956
1958 - "A Carta roubada", Écrits, pz 15.
"As formações do inconsciente", seminário de 22
de janeiro.
1959 _ "O desejo e sua interpretação", seminário de 27 de
1961
1962
-- maio.
A Transferência, seminário de 14 de junho.
A Identificação", seminários de 10 de janeiro e 16
de maio.
1 964 ~ Os Quatro conceitos fundamentais da psicanálise,
1966
1967
-- de 13 de janeiro.
"O tempo lógico", Êcrits, texto remanejado.
"Proposição de 9 de outubro de 1967", Scilicet 1,
p. 24. Discurso à EPP, 6 de dezembro, Scilicet 2/
3, p. 12-13. Resumo de "A lógica do fantasma",
EPI-IE, p. 192.
201
1973
1974
1975
--- Mais, Ainda, seminário de 16 de janeiro.
"Les non-dupes errent", seminário de 9 de abril.
Conferência em Genebra sobre o sintoma ~ Bloc-
1976
1977
-_ notes de la psychanalyse n° 5, p. 21.
"Le sinthome", seminário de 10 de fevereiroy ZÉ ;
"O momento de concluir", título do seminário.
§4/
1978 _ "A topologia e o tempo", título do seminário.
Abertura do seminário de Deniker, 10 de
novembro de 1978.
202
Ã._f ¬
ANEXO 2
zoa
1
1
*** *%$
-
%$$ **$
2°) o dado de fato ou de
experiência das escansões
suspensivas queequivaleriaa
2°) -
(p. 203)
o dado de experiência
das moções suspensas, que
um sinal pelo qual os sujeitos equivaleria...: a saber, o que
ÍZÚ4
É
if
l;
(Nota 1) _ Meu caro L..., esse (Nota 1) Meu caro Lacan,
bilhete às pressas. esse bilhete às pressas.
%*$ $$$
-205
sinal deveria bastar para a única escolha imposta pela
única discriminação imposta primeira interpretação
pela primeira interpretação errônea, duas escansões são
errônea, duas escansões são necessárias para a verificação
necessárias para a verificação dosdoislapsosimplicados pela
de dois lapsos implicados pela segunda, e única válida.
segunda,eúnica válida. Longe de ser um dado de
Longe, com efeito, de trazer experiência externa no
um dado de experiência processo lógico, as moções
externa ao progresso lógico, as suspensas são aí tão
escansões suspensivas nada necessárias que só a
representam além das instân- experiência pode fazeraí faltar
cias do tempo integradas no o sincronismo por elas
progresso lógico, gravadas na implicado por se produzirem
sua conclusão e que se deumsujeito de puralógicae
desenvolvem numa ver- fazerem fracassar sua função
dadeira experiência lógica no processo da verificação.
para verificá-lo. Como se vê Elasaínadamaisrepresentam,
na sua determinação lógica com efeito, que os níveis de
que, objeção do lógico ou degradação (p. 204) cuja
dúvida do sujeito, se revela a necessidade faz aparecer a
cada vez como a esquiva ordem crescente das
mental de uma instância do instâncias do tempo que se
tempo, ou, melhor dizendo, registram no processo lógico
como suadesintegração lógica para se integrar na sua con-
de um progresso que se clusão.
degradaacada vez em exigên- Como se vê na determinação
cias formais. Como se vê ainda lógica dos tempos de parada
no fato de que as duas que elas constituem, a qual,
escansões, para desempenhar objeção do lógico ou dúvida
seu papel de verificações, dosujeito,serevelaacadavez
devem ser sincrônicas entre como o desenvolvimento
os três sujeitos, e isso desde a subjetivo de umainstância do
sua partida, isto é, exprimir a tempo, ou, melhor dizendo,
reciprocidade lógica dos como a fuga do sujeito numa
sujeitos. exigência formal.
Essas instâncias do tempo Essas instâncias do tempo,
integradas ao progresso lógico constituintes do processo do
do sofisma permitem reco- sofisma, permitem aí
nhecer neste um verdadeiro reconhecer um verdadeiro
movimento lógico: elas movimento lógico. Este
apresentam aí, com efeito, processo exige o exame da
funções propriamente lógicas qualidade de seus tempos.
que fazem sua originalidade
E que VGIIIOS ãgüfã €Xãl1'lÍI\3I'
206
!--_--
branco".
É $** $*$
É
A tensao do tempo na asserçao A tensao do tempo na asserçao
subjetiva e seu valor manifesto subjetiva e seu valor manifesto
›
na experiência lógica. na demonstração do sofisma
r (p. 207)
E
**% $**
E
207
terceira forma do sujeito do do sujeito da enunciação na
conhecimento na lógica, é lógica, é ainda aí a "primeira
ainda aí a "pri1neira pessoa", pessoa", mas tambémaúnicae
mas também a única e a última. a última. Pois a segunda pessoa
Pois a segunda pessoa gramatical provém de uma
gramatical não nos parece outra função da linguagem.
poder ser esvaziada de toda Quanto à terceira pessoa
relatividade psicológica. gramatical, ela é apenas
Quanto à terceira e pretensa pretensa,éumdemonstrativo,
pessoa gramatical, esta é um igualmenteaplicávelaocampo
demonstrativo, igualmente do enunciado e a tudo o que aí
aplicável às pessoas e aos se particulariza.
objetos, para particularizá-los i
numa situação.
ii* **$
O sujeito, com efeito, captou o de um tempo de atraso que o
momento de concluir que ele é faz apressar-se em direção à
um branco sob a evidência saída, mas, se ele não captou
subjetiva de um tempo de este momento, ele não age de
atraso que precipita o ato de outra maneira, sobaevidência
sua partida: mas, senão captou objetiva da saída dos outros.
este momento, nem por isso
ele deixa de precipitar este ato
sob a evidência subjetiva da
saída dos outros.
$$* *ii
Ele será o único a se declarar Ele será o único a se declarar
tal por este motivo. tal nesses termos.
*** ii*
sua certeza se verifica numa (p. 209) sua certeza se verifica
experiência lógica numa precipitação lógica.
determinada pela descarga
dessa tensão.
$$* **$
Inicialmente reapareceotempo como que aspirado entre o
objetivo da intuição inicial do instante de seu começo e a
movimento que, como que as- pressa de seu fim.
pirado entre o instante de seu
começo e a precipitação de seu
fim, parecera estourar como
um balão.
*** $*$
208
ii* $**
Certamente,seadúvida,desde quanto à forma de asserção
Descartes, está integrada ao aqui estudada, esse valor se
valor do juízo, deve-se liga menos à dúvida que a
observar que, quanto à forma suspende que à certeza
de asserção aqui estudada com antecipada que a introduziu.
a experiência que ela Mas, para compreender a
engendra, esse valor se liga função desta dúvida quanto
menos à dúvida provisória que ao sujeito da asserção,vejamos
a suspende que à certeza o que vale objetivamente a
antecipada que a sustenta. primeira suspensão para o
Mas, para compreender a observador que já
funçãodestaprimeiracessação interessamos na moção con-
temporal quanto à certeza junta dos sujeitos. Nada mais
subjetiva da asserção,vejamos que isso é que cada um, se era
o que vale objetivamente esta impossível até então...
primeira escansão para o
observador que já colocamos
em jogo, a propósito de um
qualquer dos sujeitos. Nada
maisqueissoéqueestesujeito,
se era impossível até então
julgar em que sentido ele havia
concluído...
*$* %$*
209
experiência lógica.
` ›‹-x-=‹- =‹-›t-=‹›
É só por dar ao termo lógico (p. 212) Êsó por fazer aparecer
dos outros a menor ao termo lógico dos outros a
relatividade heterogênea para menor disparidade para que
que essa forma manifeste o se manifeste o quanto a
quantoa verdade para todos verdade para todos
depende do rigor de cada um
*il-Si' ilil'
para ver que ele pode se aplicar para ver que ele pode se aplicar
logicamente a um número logicamente a um número
ilimitado de sujeitos, sendo ilimitado de sujeitosl (p. 212),
dado que...“. sendo dado que o atributo
210
-I-__«_ «_ ¬__@_-_
l
5;
211
',L'.l{1
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to . . .
~ "Quantos irmãos você tem.7"
"Tenho três
;, ›^ irmaos, Pedro, Paulo e eu", responde a cnança.
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/l 12 z.\ v ~
Este "erro n nao _,\
deve ser relegado ao nível de um
L
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i , . _ _ .
i¿¿ `,‹z‹}=z$ estagiomfantil qualquer, mas surge dadlculdade
I
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H, I; '-
1 ,;:` . .
lí
_
`
da certeza
antecipada é o primeiro (e o mais depurado) dos
textos de Lacan a abordar essa questão,
amculando, temporalmente e segundo uma logica
do ato, uma multiplicidade de sujeitos com a unicidade de um sujeito que
enuncia: desse modo ele renova a concepção freudiana do indivíduo e do
social com a noção de uma identicação "horizontal" ao grupo.
Acompanhar, passo a passo, a problemática das duas versões ( 1945 e 1966)
deste texto que Lacan chama "meu pequeno sosma pessoal" e a de suas
numerosas retomadas, permite cifrar a contagem do sujeito. Mas esta se terá
efetuado sem erro?
M
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9 lllllllll 861156