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Dificuldades na Avaliação Neuropsicológica de
Pacientes com Esclerose Múltipla
Difficulty In The Neuropsychological Evaluation of Patients With Multiple Sclerosis
RESUMO ABSTRACT
Objetivo. A avaliação neuropsicológica pode auxiliar no diagnóstico Objective. Neuropsychological assessment can assist in the diagno-
e tratamento de pacientes com transtornos neurodegenerativos, mas sis and treatment of patients with neurodegenerative disorders, but
ainda enfrenta problemas com a escolha e a qualidade dos instrumen- still faces problems with the choice and quality of the instruments,
tos, especialmente ao avaliar patologias específicas, como a Esclero- especially when evaluating specific diseases such as Multiple Sclerosis
se Múltipla (EM). O objetivo do presente trabalho é apresentar os (MS). The aim of this paper is to present the results and the diffi-
resultados e as dificuldades enfrentadas ao realizar a avaliação neu- culties faced when conducting neuropsychological assessment of MS
ropsicológica de pacientes com EM atendidos em um ambulatório patients from an outpatient clinic of a public city in Minas Gerais.
público de uma cidade do interior de Minas Gerais. Método. Apli- Method. Application of neuropsychological assessment battery in 24
cação de bateria de avaliação neuropsicológica em 24 pacientes com patients with MS. Results. Most patients showed some deficits in
EM. Resultados. A maioria dos pacientes apresentou algum déficit executive functions, especially in memory or motor skills. The evalu-
nas funções executivas, especialmente na memória ou na capacidade ation showed evidence a difficulty to long term use in patients suf-
motora. O processo de avaliação evidenciou a dificuldade para utilizar fering from chronic fatigue and for specific equipment validated to
provas de longa duração em pacientes que sofrem de fadiga crônica e assess patients. Conclusions. It is necessary to evaluate patients in the
para obter material validado específico para avaliar pacientes com EM. morning, with less extensive tools and also assess the emotional state
Conclusões. É necessário avaliar os pacientes no período da manhã, of patients with MS.
com instrumentos menos extensos e também avaliar o estado emocio-
nal dos pacientes com EM.
Unitermos. Esclerose Múltipla, Neuropsicologia, Avaliação da Defi- Keywords. Multiple Sclerosis, Neuropsychology, Disability Evalua-
ciência, Sinais e Sintomas, Testes Psicológicos. tion, Signs and Symptoms, Psychological Tests.
Citação. Barroso SM, Ribeiro SBF, Fonseca MCI, Silva DP. Difi- Citation. Barroso SM, Ribeiro SBF, Fonseca MCI, Silva DP. Dif-
culdades na Avaliação Neuropsicológica de Pacientes com Esclerose ficulty In The Neuropsychological Evaluation of Patients With Mul-
Múltipla. tiple Sclerosis.
real idade dos pacientes. Dados como o grau de incapa- da, associando esse resultado a um possível agravamento
cidade dos pacientes também não estavam atualizados, da EM. A literatura20 aponta a correlação negativa entre
tornando os prontuários pouco confiáveis como fonte de ansiedade e a memória, indicando que a alteração emo-
informação e podendo privar os profissionais de saúde cional exacerbada vivenciada pelos pacientes durante a
de um dado potencialmente relevante. Um estudo ante- avaliação pode interferir no resultado de seus testes de
rior20, que buscou avaliar a relação entre saúde mental e memória. O fator emocional referente ao mau desempe-
trabalho, já havia indicado a precariedade das anotações nho pode, ainda, ser fonte de sofrimento e interferir em
nos prontuários e a ausência de informações relevantes outros aspectos do quadro clínico dos pacientes com EM.
nesses documentos. A literatura6 aponta uma maior vulnerabilidade para a de-
Além dos problemas referentes a falta de instru- pressão e demais doenças emocionais nos pacientes com
mentos validados de avaliação, que ultrapassam esse relato EM, contudo, esse não tem sido um aspecto suficiente-
de experiência, sendo sentidos por todos os profissionais mente valorizado e investigado ao planejar as baterias de
que trabalham com avaliação psicológica ou neuropsico- avaliação ou as intervenções para essa população em nos-
lógica no Brasil, bem como todos os que dependem de so contexto.
prontuários para obter informações, nossa vivência mos-
trou a necessidade de considerar outros aspectos ao pla- CONCLUSÕES
nejar uma avaliação de pacientes com EM. Para essa po- A avaliação neuropsicológica já demonstrou seu
pulação, considerar a influência do período do dia sobre potencial para auxiliar no refinamento do tratamento
a fadiga, o impacto da avaliação no estado emocional dos oferecido aos portadores de EM, ajudando a compreen-
pacientes, sua dependência para se deslocar até o local de der melhor a relação entre as lesões cerebrais e os sinto-
avaliação e a interferência familiar mostraram-se tão re- mas comportamentais observados nessa patologia5. Para
levantes quanto pensar os instrumentos para a avaliação. os pacientes avaliados no presente trabalho a identificação
Alguns pacientes avaliados apresentavam difi- de déficits cognitivos, de memória e motores embasaram
culdades de locomoção, criando a necessidade que suas um treinamento cognitivo que foi incorporado ao trata-
avaliações ocorressem em domicílio, mas ao realizar as mento oferecido aos pacientes. Dado este potencial, faz-se
avaliações na casa dos pacientes, tivemos que lidar com necessário investir na consolidação das avaliações neurop-
a interferência dos familiares. Alguns familiares ficavam sicológicas, realizando estudos, construindo e validando
rondando o local de avaliação, distraindo os pacientes, instrumentos para o contexto brasileiro, explicitando as
colocando em risco a garantia de sigilo sobre as avaliações dificuldades para realizar essas avaliações. É também ne-
e potencialmente enviesando os resultados observados. cessário ampliar a discussão entre os profissionais sobre as
Em mais de um caso foi necessário interromper a avalia- características, carências e peculiaridades da avaliação de
ção e pedir com insistência aos familiares que deixassem pessoas com síndromes crônicas ou condições específicas,
o recinto antes de retomá-la. como a EM.
Outro fator de que precisa ser considerado é o ho- Na presente vivência, os instrumentos representa-
rário de realização das avaliações. Como a fadiga é um ram a principal dificuldade enfrentada, levando a con-
sintoma frequente e se manifesta de forma mais acentu- cluir que é necessário desenvolver instrumentos menos
ada ao fim do dia e em horários de pico de calor, várias extensos para avaliar os pacientes com EM. Ao definir a
avaliações inicialmente agendadas para o período da tarde bateria de avaliação os profissionais precisam, ainda, in-
precisaram ser remanejadas para o período da manhã. cluir a checagem do estado emocional dos pacientes. Nos-
A fragilidade emocional dos pacientes também re- sa prática nos mostrou, ainda, a necessidade de manejar
quer atenção durante o planejamento das avaliações. Em a interferência de aspectos característicos da EM durante
nossa avaliação, alguns pacientes apresentaram reações as avaliações, especialmente a fadiga. Recomenda-se aos
emocionais de choro e elevada ansiedade ao perceber que profissionais que desejem avaliar pacientes com EM que
não completavam as tarefas propostas de forma adequa- marquem as avaliações para o período da manhã, orga-
58 Rev Neurocienc 2013;21(1):53-59
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nizem suas sessões de avaliação com duração máxima de Crítica 2011;24(2):367-80.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722011000200019
uma hora por sessão e realizem um rapport para checagem
8.Lima EP, Rodrigues JL, Vasconcelos AG, Lana-Peixoto MA, Haase VG. He-
de humor antes de iniciar as avaliações. Sugerimos, ain- terogeneidade dos déficits cognitivo e motor na esclerose múltipla: um estudo
da, considerar a adoção da MFSC, do teste do relógio, as com a MSFC. Psico. 2008;39(3):371-81.
9.Mendes MF, Tilbery CP, Balsimelli S, Moreira MA, Cruz AMB. Teste de
provas clínicas e encontrar uma alternativa menos extensa
destreza manual da caixa e blocos em indivíduos normais e em pacientes com
que a BAMT-UFMG para avaliar memória. Uma opção esclerose múltipla. Arq Neuropsiquiatr 2001;59(4):889-94.
seria utilizar um ou mais dos subtestes da Escala Weschler http://dx.doi.org/10.1590/S0004-282X2001000600010
10.Oliveira EML, Annes M, Oliveira ASB, Gabbai AA. Estudo clínico de 50
de Inteligência Adulta (WAIS).
pacientes acompanhados no ambulatório de neurologia UNIFESP-EPM. Arq
Este relato refere-se apenas ao relato da avaliação Neuropsiquiatr 1999;5(1):63-7.
neuropsicológica de um grupo de pacientes com EM de 11.Lei Ordinária nº 4119 de 27 de agosto de 1962. Dispõe Sobre os Cursos de
Formação em Psicologia e Regulamenta a Profissão de Psicólogo. Governo Fe-
uma cidade de médio porte do interior de Minas Gerais,
deral do Brasil (citado em: 03/2012; atualizado em: 02/2013). Disponível em:
não podendo ser generalizado para outros contextos. Ain- http://br.vlex.com/vid/cursos-psicologia-regulamenta-psicologo-34144071.
da assim, acreditamos que compartilhar essa experiência 12.Lei Federal nº 5.766 de 20 de dezembro de 1971. Cria o Conselho Federal
e os Conselhos Regionais de Psicologia e dá outras providências. Governo Fe-
pode ajudar a pensar pontos relevantes para a avaliação
deral do Brasil (citado em: 03/2012; atualizado em: 02/2013). Disponível em:
neuropsicológica como um todo, alertando profissionais http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/128508/lei-5766-71.
para aspectos específicos a serem considerados em seus 13.Resolução CFP 002/2003. Define e regulamenta o uso, a elaboração e a
comercialização de testes psicológicos e revoga a Resolução CFP n° 025/2001.
planejamentos de ação.
Conselho Federal de Psicologia (citado em: 04/2012; atualizado em: 02/2013).
Disponível em: http://www.pol.org.br/pol/export/sites/default/pol/legislacao/
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14.Código de Ética Profissional dos profissionais da Psicologia. Conselho Fe-
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