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RESENHA

FERRAREZI JÚNIOR, Celso. Pedagogia do silenciamento: a escola brasileira e


o ensino de língua materna. São Paulo: Parábola Editorial, 2014. 118 p
O livro Pedagogia do silenciamento: a escola brasileira e o ensino
de língua materna (Parábola Editorial, 2014; 120 p.) de Celso Ferrarezi Jr.,
aborda os problemas que a educação no nosso país vem sofrendo, nos
problemas enfrentados nas salas de aulas. Aborda também as quatro
habilidades fundamentais e necessárias a uma boa formação. O livro se divide
em quatro capítulos, com diversos subtítulos, introdução e conclusão.
Celso Ferrarezi Jr. é formado em Letras Português/Inglês pela
Universidade Federal de Rondônia (UNIR), mestre em Linguística – Semântica
pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), doutor em Linguística –
Semântica pela UNIR e fez pós-doutorado em Semântica pela UNICAMP.
Atualmente é professor associado da Universidade Federal de Alfenas
(UNIFAL). Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Semântica,
atuando principalmente nos seguintes temas: semântica, educação,
alfabetização, descrição e teoria linguística. Na Amazônia, fez carreira como
professor, a partir dos 16 anos, quando terminou o curso de magistério.
Trabalhou em todas as séries básicas (da Alfabetização ao Ensino Médio), com
povos indígenas, seringueiros e ribeirinhos, em escolas urbanas, no sistema
federal de universidades e em programas de formação de professores.
No primeiro capítulo intitulado “O silencio dos pecadores”, Celso volta no
tempo para nos mostrar um estudo histórico da educação. E segundo o autor,
educação e religião sempre estiveram ligadas desde cerca de mil anos antes
de Cristo. Foi assim que o silencio começou a surgir, o problema não era a
religião, mas a religião colocada acima da educação. Ou seja, “[...]a religião era
uma prática devastadora, ligada a uma profunda violência e à castração quase
total do intelecto” (p. 19). O que se viu foram almas silenciadas, submissas,
que precisavam de salvação, que precisavam se ajoelhar, orar e pagar
penitencias. Ferrarezi que, embora tenham ocorrido muitas mudanças ao longo
do tempo, todo conhecimento sempre foi subordinado à religião e o resultado:
aulas-missas, silenciosas e mortificadoras. E no Brasil, é muito pior porque se
mantem até hoje, um ensino que passa longe da vida real, dispensam os
valores da vida, de suas vontades e sentimentos e que por séculos reproduziu
o castigo físico, aquele que ouvimos de nossos avós e de pessoas que viveram
nessa época, e que não faz tanto tempo assim. Com isso, o autor afirma: “As
escolas, assim, tornaram-se fábricas de conformados” (p.23). No período
militar no Brasil, mesmo com a mudança das aulas de língua portuguesa para
aulas de “comunicação e expressão”, nunca ouve uma real transformação e
nas palavras de Celso:
“O bom aluno era o que entrava calado e saia da escola mais calado
ainda, que cumpria rigorosamente todas as ordens emanadas do
professor, que ficava na fila pela ordem de tamanho [...] que cantava
o Hino Nacional, o da Bandeira, o da Proclamação da República e os
hinos do estado, do munícipio e da escola, que sabia os nomes de
todos os estados divididos por regiões e suas respectivas capitais e
que desfila impecavelmente uniformizado no dia Sete de Setembro,
em demonstração de respeito à pátria”. (p. 24)

Essa foi uma experiência real do autor como aluno das séries inicias na
última década do regime militar, ele lembra das formas de comunicação que os
alunos silenciados criavam para se comunicar: os bilhetinhos, os olhares, os
barulhos, ir até a lixeira para levantar e conversar com os colegas. Talvez isso
soe familiar, aconteceu com Ferrarezi e também aconteceu conosco, porque
mais do que calar as nossas bocas, eles querem calar as nossas mentes.
Nesse capítulo o autor coloca muito de suas experiências pessoais e
profissionais, também de suas transformações e dos “barulhos” que acredita
existir em algumas escolas e em alguns professores, afirmando que:
“Existem bons professores, professores que tentam ser barulhentos
em suas escolas, e muitos dos que conheço também são formados
por nossas universidades públicas. Nossas universidades não devem
ser tão ruins assim, afinal. Mas não posso fechar os olhos para suas
mazelas. Em nossas universidades e em todas as outras que
conheço no Brasil, ainda existem professores que merecem o bilhete
vermelho.” (p.27)

Quanto aos “currículos silenciosos”, o autor analisou os currículos de


língua portuguesa das series iniciais de escolas públicas e privadas, dez anos
após os PCN. E o resultado ainda parece com o de décadas atrás, regidos por
regras que silenciam. A grande ironia é que os professores são obrigados a
frequentar cursos caros para se aperfeiçoarem e ampliarem seus
conhecimentos, regidos pela proposta de um ensino melhor e atual, mas o que
realmente acontece como supõe Ferrarezi: “Depois, os professores voltam para
suas salas, retomam a rotina do dia a dia por décadas e jogam o
‘aperfeiçoamento’ fora, já que os currículos que eles tem que cumprir não
permitem que o conhecimento “moderno” seja aplicado” (p.33). É revoltante
como esses currículos “inúteis” sejam mantidos por tanto tempo. Educação
sem qualidade, currículos criminosos, escolas inúteis, professores acomodados
e por fim, alunos “analfabetos”. Lembrando que como o autor afirma (p.35),
“vivemos em um país de analfabetos”!
Quanto as aulas de língua materna, o que se discute é o conhecimento
totalmente defasado e longe da realidade do aluno, o que leva aquela questão
já conhecida: “Por que aprender isso? Não vou usar isso nunca!”. Então o
aluno memoriza em silencio, obtém a nota em silencio e passa de ano também
em silencio. Ou seja, os alunos só têm a palavra para responder a perguntas
inúteis do tipo “O que é um adverbio?”, que têm vergonha de errar e que, dessa
forma, a escola silencia as consciências, e repetir o texto e dizer o que se acha
não vai ajudar os alunos a entenderem alguma coisa, não permite a eles
pensarem, e é isso que os livros didáticos oferecem: exercícios mecânicos e
repetitivos. Segundo o autor para aprender a ler, é necessário aprender a
compreender e, em seguida, a interpretar.
Para finalizar o primeiro capitulo Celso vai abordar as questões que
rodeiam a escola e a importância delas, mas que estas devem ser colocadas
como prioridades, afirmando que a escola pública está se tornando uma
“agencia de caridade” desta maneira ele ressalva (p.47):
É preciso investir sim na merenda, na medicina escolar, nas
condições pessoais de cada aluno! Mas é preciso investir – muito
mais hoje! – na construção de uma escola inteligente! É preciso
investir numa formação intelectual consistente, madura, idônea e
libertadora para os professores e alunos.

No capítulo 2, “Uma tentativa de mudança”, apresenta-se a construção


dos currículos escolares e as mudanças que ocorreram em sua elaboração nas
competências federais, estaduais e municipais. Segundo Ferrarezi, até 1996,
não existia muita preocupação das secretarias municipais e estaduais na
elaboração dos currículos, o que se via era um trabalho pronto que se repetia
todos os anos levando os professores a aplicarem os mesmos materiais desde
seu início de carreira. Um caso muito interessante apontado pelo autor no livro,
foi o da professora que se recusou a trocar de série depois de 24 anos
lecionando na mesma alegando que já tinha “tudo pronto”. Em 1996, mudanças
muito significativas para a educação ocorreram, se iniciou com a publicação da
Lei 9394/96, tornando os PCN, PCM e PCE uma super ferramenta para
atender os interesses e necessidades de cada região e comunidade. Porém,
como coloca o autor, nem todos fizeram a lição de casa e resultou num
desastre. Os Parâmetros Curriculares Nacionais, apesar de muito bem escritos
e solidamente fundamentados, não saem do papel. Nos PCN, a língua materna
vai muito além da gramatica, prezando os saberes linguísticos, a língua no seu
contexto social e cultural, valorizando e respeitando as diferentes falas
encontradas na comunidade escolar. Contudo, isso não se tornou realidade
(ainda) mas Celso ainda mantem viva a esperança de como seria essa
“revolução” (p.57):
Seria a morte do silencio como regra de conduta escolar. Permitiria
que as vozes individuais e sociais se fizessem ouvir através da
infinidade de textos orais e escritos que a escola ainda tem o dever
de produzir. Seria o grito da liberdade da inteligência dos alunos e
dos professores. Possibilitaria aos alunos entender o que,
efetivamente, estão fazendo na escola. Traria a comunidade e seus
saberes para dentro da escola e levaria a escola para a vida – sim,
porque agora, enfim, existiria essa escola para a vida! – para a vida
de verdade.

O autor lista os quatro piores percalços na implantação dos PCN, e os


fatores que contribuíram para o fracasso e incompetência da sua
implementação sendo a incompreensão da parte dos professores e a falta de
acompanhamento do MEC para o cumprimento das leis para as mudanças
curriculares como principais fatores desse insucesso. Analisa também o
Decreto Presidencial n° 6094-24/04/2007 e reproduz as vinte e oito metas do
governo, para a educação e por fim afirma que (p.62): “Um sujeito que não
sabe ouvir, que não sabe se comunicar falando ou escrevendo, e que não lê
direito, vai capengar e se arrastar na educação pelo resto da vida escolar, e na
‘vida vivida’ por causa de sua educação capenga!”
“As quatro habilidades básicas da comunicação na sala de aula”, título
do terceiro capitulo, vai abordar cada uma das quatro habilidades fundamentais
para a comunicação: Ouvir, falar, ler e escrever. Lembrando que uma é
dependente da outra e não devem ser trabalhadas isoladamente. O autor nos
apresenta e faz considerações de cada habilidade, iniciando pelo ouvir, que
como ele coloca, é muito mais do que apenas “escutar”, elencando algumas
habilidades para a compreensão do mesmo, afirmando que “ouvir é algo
complexo” (p.69), necessita tempo, prática, consciência e responsabilidade. O
falar é uma habilidade que desde muito tempo é reconhecida por seu poder.
“Falar bem” é diferente de “falar bonito”, e quem fala bem tem um instrumento
poderoso nas mãos. Ferrarezi cita Bourdieu, e diz que “as pessoas não falam
por falar: elas falam porque querem ser ouvidas” (p. 71). O dever da escola
aqui é ensinar o aluno “como falar”, derrubando a timidez e construindo seus
valores, assim, desenvolvendo uma fala consciente e responsável. Por fim,
ressalta que além de tudo “é preciso ensinar as crianças a gostar de falar, e ter
prazer em expressar-se [...]” (p.75). A leitura é analisada, inicialmente como
uma atividade que parece sempre sem sentido para os alunos. Existe muitas
discussões a respeito do tema no Brasil e ainda procura-se entender o porquê
de tanta aversão. É irônico como a criança chega na escola ansiosa para ler, e
depois de pouco tempo começam a detestar. A raiz do problema, segundo o
autor não está na leitura em si, mas no valor que é atribuído à ela. A leitura se
inicia nas series iniciais, e para a criança desenvolver esse gosto, ela precisa
ter sentido, ser objetiva, proporcionar prazer e servir para alguma coisa! O
autor ainda destaca algumas das habilidades de leitura que devem ser
valorizadas pela escola e afirma que “O ler escolar precisa ser muito e muito
mais do que o decodificar letras, o conhecer as dificuldades ortográficas e
saber como pronunciar frases que terminam com ponto de interrogação [...] Ler
na escola precisa ser ler-na-vida-e-para-a-vida” (p.80). É, pois, o mais eficiente
meio de se romper o silêncio da mente. O escrever é apresentado como uma
“tecnologia inescapável” e de acordo com Celso, as escolas também não
conseguem ensinar. Vivemos em uma sociedade que valoriza muito o
“escrever bem” e não é para menos já que o mundo é desenhado por letras em
todas as partes, mas precisamos entender os contextos em que vivemos e que
o padrão culto, hoje, não é o único padrão de escrita. A escrita na escola,
assim como a leitura precisa ser “escrita-na-e-para-a-vida”. Isso significa que a
escrita deve ser ensinada nos seus diversos usos individuais e sociais, que vai
de um e-mail a uma carta para a namorada. E assim como as outras
habilidades, é preciso prática e tempo.
No quarto e último capítulo, “A urgência da mudança” Ferrarezi Jr. vai
abordar as mazelas de um ensino de língua materna que não é como deveria
ser e como isso reflete na vida dos alunos. O autor faz uma comparação que
nos leva a pensar que estado em que se encontra a educação é uma epidemia,
a pior de todas as epidemias: a epidemia da deseducação e é preciso ser
tratada com urgência pois grande parte já foi comprometida. Sobre as outras
disciplinas, o autor é sincero e coloca a disciplina da língua materna como a
única com o poder de “desmudificar” e sendo essa a mais importante nas
series iniciais. O professor mostra um material que recolheu dos alunos,
materiais que eles produziram, ou como ele diz “cicatrizes”. O que vemos é
chocante: textos dos terceiro, quarto e quinto anos do Ensino Fundamental I
eram ininteligíveis. Grande parte dos alunos não sabe ouvir, falar, escrever e
ler. A escola está em estado de calamidade e atitudes precisam ser tomadas.
Precisamos escutar os gritos e gritar ainda mais alto, sair da fantasia e entrar
na realidade. No final do capítulo Celso expõe o que considera os princípios
básicos de uma pedagogia da comunicação.

Para concluir o livro o autor propõe cinco ações pedagógicas para o


rompimento da pedagogia do silenciamento a favor da pedagogia da
comunicação, são algumas mudanças que podem ser o começo para a
revolução. 1 . Aprender/ensinar a falar e a responsabilizar-se pelo que fala; 2.
Reconhecer e incentivar divergências e diálogos a fim de possibilitar outras
visões sobre o mesmo tema; 3. Estimular os alunos a seguirem seus próprios
caminhos; 4. Provocar a inteligência dos interlocutores; 5. Demonstrar que
cada aluno, em sua individualidade e identidade, interessa aos professores,
tem seu valor, não sendo apenas mais um, apenas meros números em uma
caderneta de chamada.

O livro Pedagogia do silenciamento: a escola brasileira e o ensino de


língua materna é um texto que expõe de maneira crítica a situação que se
encontra as salas de aulas, o estado alarmante das escolas. De certa maneira
o texto é um “tapa na cara” da sociedade ou um “acorda ai”, abra seus olhos,
bocas e ouvidos! Concluímos que muita coisa pode ser feita, coisas que estão
ao nosso alcance. Um livro essencial para professores em formação, para
formados e também para quem se preocupa com a educação. E para finalizar,
como o próprio autor afirma na introdução, esse livro, “embora mais
especificamente voltado para professores de língua materna, será útil para
qualquer pessoa que se preocupe com a educação brasileira, uma vez que
discute os motivos, as consequências e as possibilidades de mudança de uma
pedagogia do silenciamento para uma pedagogia barulhenta e libertadora” (p.
15).

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