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Diversidade

Étnico-Cultural
Material Teórico
Natureza da Cultura

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Rodrigo Medina Zagni

Revisão Técnica:
Profa. Dra. Vivian Fiori

Revisão Textual:
Prof. Ms. Luciano Vieira Francisco
Natureza da Cultura

• Cultura como Componente Indissociável da Condição Humana


• A Cultura como Ação Transformadora do Meio e do Homem
• O Homem, a Natureza e o Meio
• Como a Antropologia Conceitua a Cultura

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Tratar das características da cultura;
· Definir alguns conceitos para cultura;
· Evidenciar a relação homem-natureza e a cultura;
· Tratar da obra de alguns autores sobre população, sociedade e cultura.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE Natureza da Cultura

Cultura como Componente Indissociável da


Condição Humana
A cultura se define, segundo a Antropologia Cultural, como o ato voluntário
humano que é consciente de sua finalidade; ou seja, trata-se da ação humana
consciente de que produzirá resultados.

Isso, por si só, permite-nos empreender uma série de reflexões; vamos realizá-
-las, então, conjuntamente, após observarmos atentamente a Figura abaixo:

Homem Pensamento Ação Resultado


Identidade Sentido Significado Valor
Bom ou mau Bom ou mau Bom ou mau Bom ou mau
transferido de todas transferido da ação transferido do segundo o resultado
as outras etapas resultado que se esperava

Antecipação do Futuro
Experiência

Figura 1
Podemos começar percebendo que o pensar humano se distingue do pensar
de outros seres em natureza exatamente por seu grau de consciência, ou seja, o
homem é consciente de que suas ações têm resultados, ou seja, o ser humano tem
plena capacidade de consciência de que aquilo que fizer trará consequências.

No caso da Figura acima, por exemplo, a consciência de que poderia chover


levou nosso personagem a decidir por levar consigo um guarda-chuva. Tendo
chovido, o resultado de sua ação inicial passa a receber um valor; como o resultado
foi o esperado, ou seja, evitou tomar chuva, o valor atribuído por esse ao resultado
foi positivo, foi bom.

Inicialmente, percebamos que em seu pensar, nosso personagem imaginou


claramente a possibilidade de chover – problema – e imediatamente ponderou em
apanhar um guarda-chuva – a solução mais adequada ao problema. Ao fazer isso,
deu uma espécie de “salto para o futuro” em apenas um pensamento; ou seja, não
havia chovido ainda, mas foi capaz de projetar essa possibilidade de futuro em seu
tempo presente; e mais, de mudar o seu próprio futuro, uma vez que, apanhando
o guarda-chuva, evitou a possibilidade de um futuro indesejado: molhar-se.

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Figura 2
Fonte: iStock/Getty Images

O pensar humano, portanto, possibilita ao homem se projetar nos futuros


possíveis, orientando as ações humanas em direção ao futuro mais desejado – e,
assim, evitando o menos desejado.

Mais do que isso, se essa situação se repetir no futuro – e invariavelmente se


repetirá! –, o indivíduo não precisa realizar a mesma reflexão com o mesmo grau
de profundidade, uma vez que dessa situação retirou aquilo que chamamos de
experiência; e mais, pôde partilhá-la com os outros, ensinando sobre a experiência
vivida e transmitindo o conhecimento gerado para esse tipo de situação para
aqueles que fazem parte de seu convívio social.

No caso de nosso personagem, como vimos, evitou molhar-se e isso foi per-
cebido por ele como algo bom. Esse valor positivo é deslocado pelo indivíduo, do
resultado para a própria ação, dando-lhe, então, um significado de acordo com
a qualidade do resultado, ou seja, tendo sido bom o resultado, aquela foi uma
boa ação.

O próprio pensar recebe, portanto, os valores e significados da ação e de seu


resultado, compondo os sentidos do pensar. Nesse caso, o indivíduo teve bons
pensamentos, que o levaram a uma boa ação, cujo resultado foi positivo.

Tais valores, significados e sentidos, por sua vez, passam a compor a identidade
do próprio indivíduo, ou seja, nesse caso, um homem esperto. No campo da
valoração, identidades podem ser determinadas das formas mais diversas: o
homem bom, mau, mentiroso, verdadeiro, justo, injusto etc. Identidades sociais
são, portanto, determinadas por repertórios de valores, significados e sentidos.

Ocorre que, quem determina o que é bom ou ruim para os resultados de uma
ação? Poderíamos estar em uma sociedade na qual a chuva fosse entendida como
uma dádiva dos deuses e que, portanto, não se deve evitá-la. Poderíamos estar em
uma sociedade para a qual a chuva tem um valor higiênico, de modo que aqueles
que fogem à chuva são entendidos como anti-higiênicos.

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UNIDADE Natureza da Cultura

Figura 3 - Mulheres indianas em cerimônia religiosa


Fonte: RAYMER, Steve; livemint.com

Perceba que valores e morais – tudo aquilo que determina o certo e o errado,
o bom e o ruim, até mesmo o justo do injusto –, sejam quais forem, são relativos
no tempo e no espaço, ou seja, o que é bom e ruim para mim, ou moral e imoral,
pode ter sido entendido de forma completamente diferente por meus antepassados,
o que prova que valores e morais mudam de acordo com o tempo. Logo, tais
condições variam ao longo da história e não são iguais em todas as sociedades,
nem em todos os lugares.

O que é certo e errado para mim, muda também em relação a indivíduos que
vivam em outra parte do mundo, em outra cultura. Para várias sociedades ocidentais,
por exemplo, é natural ingerir carne bovina, inclusive de vaca; enquanto na Índia
esse animal é considerado sagrado; provando que valores e morais também estão
em transformação no espaço. Enfim, morais e valores estão em movimento no
tempo e no espaço.

Mas o que isso tem a ver com cultura? Tudo! Isso porque moral, valores, sentidos,
significados e identidades compõem aquilo que chamamos de sistema cultural.
Como todos os itens acima são relativos no tempo e no espaço, não se pode dizer
que haja uma só cultura; mas complexos de distintos sistemas culturais.

Se todos esses itens são relativos, portanto, todas as culturas também são relativas,
ou seja, não há culturas superiores ou inferiores; mas sim diferentes. Mais do que
isso, se esse pensar é inerente ao humano e a consciência um potencial de todos
os indivíduos – o que ativa todas as relações que identificamos e qualificamos acima
–, logo, não existe indivíduo sem cultura, todos possuem uma cultura: a sua cultura.

Ocorre que a cultura não se localiza, como sistema, apenas no âmbito do


indivíduo: assume uma dimensão coletiva. Isso porque os valores e morais que
mencionamos aqui também são partilhados entre indivíduos, no âmbito de suas
sociedades ou segmentos sociais; portanto, a cultura constitui-se em uma dimensão
sempre coletiva, dado que todos os demais itens também são partilhados: valores,
morais, sentidos, significados e identidades sociais.

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Por isso, não apenas inexistem indivíduos sem cultura; mas inexistem sociedades
sem cultura; da mesma forma como não existem também sociedades mais ou menos
avançadas que outras em termos culturais, mas sim sociedades distintas entre si.

Temos de pensar também que esses valores podem ser gerados pelo indivíduo
ou grupo – e nem sempre podem coincidir. Por exemplo, segundo a moral e os
valores do grupo, a ação que cometi é errada, ou seja, atenta contra a moral do
grupo, portanto, sou alguém imoral para esse grupo. Ocorre que, para mim, a
ação que empreendi pode ser plenamente aceitável segundo os meus valores, o
que me permite perceber-me como alguém pleno de moral. Pelo fato de haver
uma moral dominante e uma moral do indivíduo, é possível que existam duas ou até
mais identidades sociais para o mesmo indivíduo. Ou seja, para o grupo sou alguém
imoral; para mim mesmo, sou um indivíduo moral.

As identidades são, então, não somente autoatribuídas; mas também construídas


social e externamente ao indivíduo, podendo, então, nesses casos, haver conflitos
de identidade para o mesmo sujeito. Assim, todos têm cultura – dado que basta
então ser humano para ser portador de sistemas culturais – e não existem sociedades
menos ou mais evoluídas, em termos culturais, que outras.

Figura 4
Fonte: iStock/Getty Images

Após essa breve análise, podemos então compreender que a condição existencial
humana é cultural. Isso porque o homem atribui sentidos às suas ações, constrói
símbolos, cumula experiência e a transmite por meio da linguagem – oralidade,
iconografia e escrita. A atribuição de significados às ações coloca as experiências em
movimento, podendo ser partilhadas e compor um repertório cultural coletivo. Já a
situação existencial animal está condicionada ao mundo dos fenômenos; obedece a
uma programação biológica, instintiva, na qual a experiência se esgota em si.

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UNIDADE Natureza da Cultura

Você Sabia? Importante!

Que iconografia se refere ao conjunto de imagens, tais como gravuras, fotografias,


desenhos, esculturas, brasões, quadros, pinturas, entre outros? Existe um ramo da
iconografia, denominado religioso, que se refere às diversas imagens, figuras, esculturas
com teor religioso.

A transmissão da experiência humana se dá por meio de uma linguagem em


construção e de sistemas culturais em movimento de perene transformação.
A linguagem permite ao homem acumular a experiência, bem como sua inteligência
abstrata lhe permite elaborar símbolos. Já os animais obedecem a reflexos
condicionados, nos quais há aprendizado, mas por meio de uma inteligência
concreta, que lhes permite tão somente programar índices.

A linguagem, como instrumento maior de cumulação e difusão de experiências e


trocas culturais inerentes ao humano, permite-nos identificar também sintomas de
desumanização, no enfraquecimento da possibilidade de expressão, que revela graus
decrescentes de consciência sobre os resultados das ações humanas, conformando
identidades sociais vazias de sentidos, significados e de repertórios morais.

Figura 5 – Erich Fromm


Fonte: Wikimedia/Commons

Trata-se de um sintoma de desumanização, produzido pela sociedade de consumo


de massa, aquela em que o psicólogo alemão Erich Fromm (1987) identificou, no
livro Ter ou ser, como os valores do consumo determinando as identidades sociais.
O capitalismo ocidental teria falhado em criar valores morais, aprofundando
processos de desumanização que levam a constituições culturais mais de aparência
do que de essência, na vigência dos valores acríticos das sociedades de consumo de
massa e do espetáculo, onde se é aquilo que se tem – que nos leva à frase citada
comumente pela população: “O que importa é o que temos, e não o que somos”.

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A Cultura como Ação Transformadora do
Meio e do Homem
Outra forma de se compreender a constituição cultural das sociedades é a
partir de sua função transformadora do meio ambiente, do meio social e do
próprio homem. Para isso, mais uma vez, analisaremos e refletiremos sobre o
seguinte esquema:
Solução =
Ação Transformadora
Homem Meio Ambiente
Desenvolvimento necessário:
meios materiais + técnicas

Problema = sobrevivência

Necessidades Oferta natural


> Descompasso <
Figura 6
Fonte: Adaptado de Istock/Getty images

Já nos dissera Herbert Spencer que o homem


não é tal qual aquele das pinturas chinesas, ou
seja, solto no espaço, como se estivesse caindo
no nada: o homem existe no meio geográfico.
Mais do que isso, retira desse meio o necessário à
sua sobrevivência. Pensemos, então, a dimensão
cultural humana a partir das relações entre homem
e meio ambiente.

Verifiquemos no quadro que o homem, que é


dotado de necessidades materiais, literalmente
obedecendo a programações biológicas – comer,
evacuar, beber, dormir, procriar etc. –, realiza-as
Figura 7 – Herbert Spencer essencialmente no meio ambiente.
Fonte: Wikimedia/Commons
Pensemos no homem que atende às suas necessidades de sobrevivência no meio
ambiente, mas sem interferir no qual. A caça e a coleta, por exemplo, foram as
atividades econômicas da maior parte do tempo de vida humana sobre a Terra – e
nessas atividades o homem retirava do meio ambiente apenas aquilo que necessi-
tava, sem interferir no qual (ao menos, gravemente).

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UNIDADE Natureza da Cultura

Ocorre que Thomas Malthus identificou que


havia um descompasso nessa relação. Para esse
pensador, se a população continuasse aumentando
de forma crescente e geométrica, faltaria alimentos
para todos. Tal discurso, dos séculos XVIII e XIX,
remete à crescente preocupação dos mais ricos
com o crescimento populacional dos mais pobres.

Desse descompasso resulta um grave problema


à sobrevivência humana, que depende, vitalmente,
Figura 8 – Economista britânico de alimento e água.
Thomas Robert Malthus
Fonte: Wikimedia/Commons A primeira forma encontrada pelo homem para
empreender essa ação transformadora do meio foi a agricultura. Aliando um bastão
de madeira, extraído da natureza, conjugando-o a uma lasca de pedra polida com
o uso de uma amarra feita com tripas secas de um animal abatido, o homem
desenvolveu a enxada. Com o uso adequado desse instrumento, passou a arar a
terra e prepará-la para o plantio de sementes que, por meio da observação,
percebeu que poderiam germinar e dar frutos. Irrigando periodicamente o terreno
plantado, foi possível obter mais alimentos e solucionar o problema do descompasso
identificado por Malthus, possibilitando a própria sobrevivência.

Para que isso ocorresse, foi preciso o


desenvolvimento de materiais e técnicas: o
incremento dos materiais necessários à atividade
do plantio, bem como das técnicas adequadas à
sua utilização. Os materiais constituem, segundo
o filósofo alemão Karl Marx e Engels (1997),
os meios de produção da vida social, junto do
mais importante meio: a terra; as formas ou as
técnicas para utilizá-los consistem na tecnologia
desenvolvida, ambos para o trabalho. Segundo
a definição marxista, o trabalho é a ação
transformadora do meio ambiente que tem a
Figura 9 – Karl Marx finalidade de garantir a sobrevivência humana.
Fonte: Wikimedia/Commons

Contudo, todas essas relações acabam determinando outro aspecto da vida social:
a cultura. O desenvolvimento da agricultura, que aqui mencionamos, implica em
um desenvolvimento cultural, nesse caso, da “cultura da enxada”. Não é por acaso
que o termo “cultura” foi utilizado pela primeira vez para se referir a atividades
econômicas na lavoura, isso porque, ainda segundo Marx, por meio do trabalho, o
homem altera não apenas o meio ambiente, mas a si. E como isso ocorre?

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Figura 10 – Escravos em plantação de algodão (Ilustração)
Fonte: iStock/Getty images

Não dissemos, citando Spencer, que o homem não existe solto no espaço, que
existe no meio geográfico? Assim, sua identidade social se constrói na interação do
indivíduo com o seu entorno, com a natureza, e como esse entorno foi modificado
pelo próprio homem.

Nesse sentido, o homem alterou a si, por conseguinte, alterou suas necessidades
e, sendo novas necessidades, a mesma forma de trabalho não poderia mais dar
conta das quais, de modo que se tornaram necessárias novas ações transformadoras
para atender a esse novo homem e suas novas necessidades.

Por sua vez, o meio foi alterado novamente, criando um novo homem, portador
de inéditas necessidades, formas de trabalho e, essencialmente, sistemas culturais.

É por isso que não existem sociedades estacionadas, todas estão fadadas à
transformação. Mas isso dito, parece que estamos, então, contradizendo Malthus
– citado no início da análise do quadro em questão. Isso porque, tendo alterado o
meio ambiente, o homem teria resolvido o descompasso entre suas necessidades e
aquilo que o meio ambiente poderia lhe oferecer, isso porque suas necessidades não
mais seriam maiores em relação ao que o meio poderia, transformado, fornecer.
Assim, por que, então, as sociedades mudam, se o problema do descompasso teria
deixado de existir?

Mudam e mudarão constantemente, isso porque Malthus demonstrou que o


descompasso mencionado nunca deixaria de existir. Para defender essa tese, Malthus
demonstrou que os homens crescem em progressão geométrica – multiplicando-se
entre si –, enquanto os meios de subsistência cresceriam em progressão aritmética
– por somatória, não por multiplicação.

Desse modo, um novo meio – alterado pela ação humana – traria novos problemas
à existência também humana, demandando sempre novos tipos de soluções, novas
ações transformadoras, de modo que novos sistemas culturais vão se formando daí.

Cabe uma pergunta: faltam alimentos ou estes são mal distribuídos? É preciso
relativizar o discurso de Malthus, considerando de onde veio e da época na qual viveu.

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UNIDADE Natureza da Cultura

Explor
Thomas Robert Malthus nasceu na Inglaterra, em 1766, filho de uma família abastada
e proprietária de terras. É considerado um economista e estudioso de demografia,
bem como foi pastor da igreja anglicana. Publicou sua obra, intitulada Ensaio sobre
população, em 1798, pela qual se tornou conhecido por definir que a população crescia
geometricamente, enquanto os alimentos aumentavam em uma proporção aritmética, o
que levaria à escassez dos recursos. Os adeptos de suas teorias ficaram conhecidos como
teóricos do malthusionismo.

Por que sistemas culturais teriam, então, segundo a visão marxista, uma deter-
minação decorrente das relações de produção? Ora, para Marx a infraestrutura
econômica das sociedades, ou seja, sua base econômica, determinaria a superes-
trutura política e ideológica, sendo a cultura a somatória dessas relações, pois se
inscreveria no modus vivendi das sociedades.

Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), ambos ingleses, produziram


Explor

juntos algumas obras, entre as quais, O capital e o Manifesto do Partido Comunista. Suas
teorias sobre a sociedade e economia política influenciaram várias áreas do conhecimento,
evidenciando a luta de classes entre a burguesia e o proletariado, a relação entre capital e
trabalho, bem como a exploração do trabalhador. Conceitos como mais-valia, valor de uso
e de troca, mercadoria, produção e circulação, divisão social do trabalho, entre outros, são
usados por esses teóricos, cujo conjunto e pensamento ficaram conhecidos como marxismo.

A infraestrutura seria o modo de produção da vida social, ou como aquela


sociedade produz o suficiente à sua existência material, constituindo também
sentidos, significados, valores, morais e identidades que mencionamos no início
deste Material teórico. O modo de produção da vida social seria determinado pelo
modo de produção de bens de consumo, este composto, por sua vez, pelos meios
de produção – instrumentos, terra (incluindo seu regime de propriedade) etc. –,
força de trabalho – se assalariada, escrava, servil, voluntária etc. –, tecnologia –
forma com que a força de trabalho opera os meios de produção –, determinando
os aspectos políticos, ideológicos e culturais dessa sociedade.
Nessa perspectiva, o trabalho é a ação transformadora humana do meio
ambiente, geradora de cultura – que também pode ser definida como trabalho
–, ato exclusivamente humano por ser consciente de sua finalidade, no que é,
portanto, intencional.
É preciso estar claro que, por meio do trabalho, o homem transforma o mundo
e a si, porque ao alterar o meio, o homem altera o próprio homem. É necessário
ficar claro que, transformando o meio e a si, o homem redefine suas dinâmicas
culturais, redefinindo valores, sentidos, significados e identidades.
A ação transformadora humana na natureza passa a ser mediada pelos símbolos
criados pelo homem, que dão sentido às suas ações. Desta forma, a cultura pode
também ser definida como o conjunto desses símbolos, os quais relativos no tempo
e espaço, com múltiplas manifestações. Com isso, o homem, colocando em
movimento o meio, a cultura e, desta forma, a si, é o único ser histórico consciente
de sua condição e, portanto, produtor de sua própria história.

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O Homem, a Natureza e o Meio

Figura 11 – Theodor W. Adorno e Max Horkheimer


Fonte: Wikimedia/Commons

Indubitavelmente, viver em uma grande cidade é sinônimo, hoje, de alienação e


dependência, pois, cada vez mais, distanciamo-nos da natureza, à qual exercemos
domínio como grupo, nunca como seres isolados.

Assim, tendemos a nos distanciar cada vez mais das relações primordiais
geradoras de cultura, para assumir repertórios culturais gerados, em essência,
pela indústria de consumo de massa, conforme identificaram autores da chamada
Escola de Frankfurt, primordialmente Theodor Adorno, no conceito de indústria
cultural, publicado em 1947 no livro Dialética do iluminismo, que escreveu junto
de Max Horkheimer (SANTOS, 2014; PAIXÃO, 2012).

O domínio que o homem exerce sobre a natureza nos processos de ocupação


do espaço, tecnologias, complexas estruturas econômicas e formas de produção,
advém de conhecimentos que indivíduos distintos e tomados isoladamente
desenvolveram ou, por sua vez, adquiriram de outros que os precederam, aos
quais, de forma cumulativa, foram inseridos novos conhecimentos, culminando
em tecnologias avançadas que podem ser utilizadas por todos, mas dificilmente
reconstituídas desde a fase embrionária de seu processo de concepção.

O homem tanto se orgulha de suas grandes obras e monumentos, de sua pretensa


superioridade com relação ao meio em que vive, que se esquece de que, por si só,
não é detentor de conhecimento algum que possa garantir sua sobrevivência se
deixado sozinho, desprotegido em meio a uma densa floresta, cercado por animais
selvagens e predadores, precisando prover-se da caça e da coleta como fizeram
nossos antepassados que, por sua vez, já contavam com formas de transmissão de
conhecimento, como a oralidade, para construção do saber cumulativo.

O distanciamento do homem em relação à natureza é responsável por uma


ilusão de falso domínio: seu isolamento nos centros urbanos constrói uma sensação
de segurança em relação ao meio e de pleno domínio da natureza, que exaure não
mais para sua sobrevivência, mas para atender aos fetiches da acrítica sociedade
de consumo de massa.

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UNIDADE Natureza da Cultura

É perfeitamente possível discordar dessas premissas, pensando o homem como


a “obra-prima” do reino animal, o topo da escala evolutiva e que tudo no passado
foi “pior” e “primitivo” na perspectiva das “realizações” de uma enganosa condição
de pós-modernidade.

Imaginemo-nos seguros em nossas casas ou apartamentos, rodeados de eletro-


eletrônicos e parafernálias que garantem a nossa sobrevivência, trabalho, entrete-
nimento, alimento e até nos convencem a não viver a aventura de ser humano, de
ousar, de ser errante, fazendo-nos viver as aventuras de riscos alheios, nas jornadas
domingueiras dos programas televisivos, nas competições desportivas, em tudo que
está fora de nós, na televisão.

Imaginemos agora se uma voz advinda do além ordenasse: “Acabai a energia


elétrica!” E assim se fizesse? Seríamos capazes de reinventá-la isoladamente, como
aprendemos a viver nos grandes centros, sem construir relações sociais profundas
e duradouras e detentores de parcial e limitado conhecimento?

Vejamos, então, que nosso conhecimento


funciona apenas de forma cumulativa, portanto,
a humanidade funciona enquanto grupo – nunca
isoladamente. Percebamos o quanto é antinatural o
atual ciclo sistêmico do capitalismo, construtor do
que o historiador inglês Eric Hobsbawm chamou de
individualismo associal absoluto, responsável pelo
Figura 12 – Eric Hobsbawm surgimento de indivíduos egocentrados, dissociados
Fonte: Divulgação de sua condição de classe e que competem na espiral
de produção e consumo apenas por si.

Percebamos ainda que o contato com a natureza, exercido nos campos e


vilarejos, continua sendo a melhor forma de proporcionar integração entre seus
indivíduos e de aproximar estes da natureza, à qual devemos nos integrar – e não
dominar (mas, já nem mesmo no campo essa é uma realidade).

No Brasil, sob a égide dos Planos de Desenvolvimento Nacional (PND) dos


governos militares (1964-1985), os pequenos produtores rurais tiveram suas
propriedades para cultivo de subsistência engolidas pelos latifúndios agroexpor-
tadores e seus modus-vivendi, tais propriedades foram trocadas pela lógica da
mecanização das lavouras, que reduziu os indivíduos ali atuantes à condição de
boias-frias, obrigando-os a engrossar as fileiras de miseráveis nos grandes cen-
tros, excedentes populacionais não incorporados à industrialização.

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Esse processo foi brilhantemente mapeado
pelo renomado antropólogo brasileiro, Antônio
Cândido, em sua tese de Doutoramento, intitu-
lada Parceiros do Rio Bonito, na qual estudou
as mudanças culturais da, então chamada, “cul-
tura rústica”, a “cultura do caipira”, em relação
às transformações que estavam em curso e que
acabaram por reduzi-lo à condição de boia-fria,
como dito.
Figura 13 - Antônio Cândido
Devemos rever o conceito de relação do Fonte: Divulgação
homem para com o meio ambiente, que haja integração – e não domínio. Implica
em perceber que o Planeta é um sistema fechado e que o consumo desenfreado
– que é o combustível de um capitalismo aprofundado sobre si e sob a fachada de
socialmente responsável – é a causa da quase inviabilidade da existência humana
sobre a Terra, em uma perspectiva de muito pouco tempo.

Como a Antropologia Conceitua a Cultura


Para a Antropologia, Ciência que estuda o homem e suas obras, em sua área
específica de estudos culturais – a Antropologia Cultural –, a cultura se define como
um processo de aprendizagem. Trata-se de um comportamento apreendido, o que
se defronta com seu contrário: a personalidade, que se pensa como algo já dado.
Trata-se de um conjunto de coisas – materiais, de existência concreta – e de ideias
– imateriais, espirituais, de existência abstrata.

Segundo o que vimos até aqui, conseguimos entender que coisas se refiram
aos materiais fabricados pelo homem para atender às suas necessidades de
sobrevivência, isso porque já sabemos que o homem é portador de necessidades
biológicas. Mas, e as ideias? A qual tipo de necessidades se referem?!

Ora, o homem não é portador apenas de necessidades biológicas, as assim


chamadas necessidades do corpo ou da matéria. Isso porque o homem é feito
também de uma outra substância, de essência imaterial e abstrata, que não podemos
tocar fisicamente, medir ou pesar: nossa alma; exatamente aquilo que preenche
o corpo material, dando-nos caráter, personalidade, sentimentos e emoções.
Trata-se daquilo que nos torna únicos! Essa nossa dimensão imaterial possui
também necessidades, assim como a dimensão material, mas de outra natureza:
amar, ser amado(a), ter amigos, ser solidário(a), ser feliz etc.

O que é cultura?
Explor

Cultura é o sistema integrado de padrões de comportamento aprendidos, os quais são


característicos dos membros de uma sociedade e não o resultado de herança biológica.
A cultura não é geneticamente pré-determinada; é não instintiva. É o resultado da invenção
social que é transmitida e apreendida somente através da comunicação e da aprendizagem
(HOEBEL; FROST, 1976, p. 4).

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UNIDADE Natureza da Cultura

Se a dimensão da existência humana gravita entre material e imaterial, a cultura,


produto da ação humana, constitui-se também nessa dupla dimensão. Temos então
a cultura material – concreta, do universo das coisas – e a imaterial – espiritual, do
universo das ideias.

Material e imaterial:
Explor

Por elementos materiais entendemos, por exemplo, a existência de uma igreja, de um


templo, de uma sinagoga, de um terreiro de umbanda, de um grafite em um muro, de um
monumento, de um teatro, entre tantas outras manifestações que podem ser observadas
nas paisagens e que são materiais e frutos da cultura. Contudo, há também a música, as
formas de se expressar, os idiomas e sotaques, a memória, as crenças, as lendas, os discursos
etc., que são formas e representações imateriais da cultura.

Para entendermos melhor essa distinção, pensemos em dois ambientes essenciais


onde se desenvolve a vida em sociedade:
Quadro 1

Ambiente Locus Características


Necessidades biológicas, físico-orgânicas – excreção, sede,
Primário natural Natureza
alimentação, reprodução, segurança
Necessidades socioculturais ou psicossociais – religião,
Secundário artificial Sociedade educação, política, economia, relacionamento individual
ligado aos sentimentos

Este Quadro demonstra que a cultura é composta por elementos materiais


concretos voltados, basicamente, ao atendimento de um conjunto de necessidades
de curto prazo; enquanto existe aquele conjunto, sobretudo de ordem psicossocial,
relacionado às necessidades orientadoras do comportamento, apreendidas desde os
primeiros anos de existência e que acompanham o indivíduo ao longo de sua vida.

A cultura real revela efetivamente as condições concretas e imediatas de exis-


tência, comportando aspectos positivos e negativos e, essencialmente, resultantes
dos modos como os homens produzem e se relacionam em sociedade. Enquanto
a cultura ideal representa um parâmetro que orienta as condutas no sentido de
atingir condições satisfatórias de vida; entretanto, seus elementos, apenas em casos
excepcionais, são atingidos.

Depois de refletir ao longo dessas páginas sobre a cultura, podemos concluir que:
·· É universal na experiência do homem; entretanto, cada manifestação
local ou regional da cultura é única;
·· É estável e, não obstante, igualmente dinâmica, evidenciando contínua e
constante mudança;
·· Inclui e condiciona amplamente o curso de nossas vidas e, no entanto,
raramente interfere no pensamento consciente.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Sites
Antropologia Cultural
REIS, Nicoli Isabel dos. Resenha de: BOAS, Franz. Antropologia cultural. Org. Celso
Castro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. 109 p. Horizontes Antropológicos, Porto
Alegre, RS, v. 10, n. 22, jul./dez. 2004.
https://goo.gl/flaZVF

Livros
Antropologia Social e Cultural
CHICARINO, Tathiana. Antropologia social e cultural. São Paulo: Pearson Prentice
Hall, 2014.
Cultura e Diversidade
CORRÊA, Rosa Lydia Teixeira. Cultura e diversidade. Curitiba, PR: Intersaberes, 2012.
Antropologia
GOMES, Mércio Pereira. Antropologia. São Paulo: Contexto, 2014.

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UNIDADE Natureza da Cultura

Referências
CHILDE, V. G. A evolução cultural do homem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1966.

FROMM, Erich. Ter ou ser. São Paulo: LTC, 1987.

HOEBEL, E. A.; FROST, E. L. Antropologia cultural e social. São Paulo:


Cultrix, 1976.

MALTHUS, T. R. Princípios de economia política: e considerações sobre sua


aplicação prática; ensaio sobre a população. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. Petrópolis, RJ:


Vozes, 1997.

MEIRA PENNA, J. O. de. Malthus e o princípio de população. Digesto Econômico,


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MELLO, L. G. Antropologia Cultural: iniciação, teoria e temas. Petrópolis, RJ:


Vozes, 2004.

MOURA, M. M. Nascimento da Antropologia Cultural: a obra de Franz Boas.


São Paulo: Hucitec, 2004.

PAIXÃO, Alessandro Iziquiel da. Sociologia geral. Curitiba: InterSaberes, 2012.


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ROCHA,  E.  O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1988. (Col. Pri-
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SANTOS, Tamires Dias dos. Theodor Adorno: uma crítica à indústria cultural.
Revista Trágica: estudos de filosofia da imanência – 2º quadrimestre, v. 7 – nº 2,
2014, p. 25-36.

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Diversidade
Étnico-Cultural
Material Teórico
Teorias sobre Cultura

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Rodrigo Medina Zagni

Revisão Técnica:
Profa. Dra. Vivian Fiori

Revisão Textual:
Prof. Ms. Luciano Vieira Francisco
Teorias sobre Cultura

• Introdução
• Teorias Antropológicas da Cultura
• Evolucionismo Cultural

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Analisar algumas teorias sobre cultura.
· Discutir alguns teóricos e suas obras sobre cultura.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE Teorias sobre Cultura

Introdução
O que explicam as diferenças culturais? Ou seja, por que indivíduos demonstram
serem portadores de sistemas culturais sutis ou completamente distintos uns dos
outros, dependendo do lugar ou do tempo de sua existência?

A hereditariedade explica? Legaríamos características culturais, valores, caráter


e até mesmo inteligência aos nossos descendentes?

A origem geográfica é o determinante? Se tivéssemos nascido em outra


região, teríamos uma cultura completamente diversa da nossa? Ou a questão é
a aprendizagem? Ou seja, todo o nosso repertório cultural nos foi ensinado por
nossos familiares, pelas instituições religiosas, pela educação formal, pela própria
sociedade na qual vivemos?

Para complicar ainda mais essas questões, imagine a seguinte situação: um casal
de franceses tem dois filhos gêmeos idênticos, ocorre que o parto acontece na
Guatemala. Semanas depois, os irmãos são separados dos pais. Um dos quais é
criado por uma tribo na Namíbia, o outro é criado em Tóquio.

Os irmãos gêmeos terão idênticos sistemas culturais, obedecendo à


hereditariedade? Ou seja, terão uma cultura primordialmente francesa – ou, em
linhas gerais, europeia?

Por terem nascido na Guatemala, mesmo que tenham sido transportados para
localidades distintas, terão a mesma cultura por conta de uma origem geográfica
comum? Ou teriam culturas completamente distintas? Um dos quais completamente
inserido em uma cultura tribal africana; outro na complexa sociedade urbana e
cosmopolita de Tóquio?

Nesta Unidade conheceremos as teorias que, de diferentes pontos de vista,


tentaram responder a questões dessa ordem, na Antropologia, Ciência Social cujo
objeto primordial é o homem tomado em sua dimensão cultural.

Em busca das respostas às perguntas aqui elaboradas, discutiremos a seguir


algumas teorias sobre cultura.

Teorias Antropológicas da Cultura


As teorias antropológicas servem de ferramentas para a aplicação do estudo
em Antropologia, Ciência Social cujo objetivo é o estudo do homem e de suas
obras, ou seja, de sua cultura. Nesse contexto, as teorias antropológicas servem
diretamente à compreensão das diversas formas de manifestação cultural em
distintas organizações sociais humanas.

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Os diferentes tipos de organização social, desde os considerados primitivos
até os mais complexos, estão intimamente relacionados às características cul-
turais ali predominantes, para as quais as teorias da cultura servem de instru-
mento compreensivo.

A partir da segunda metade do século XIX, período de consolidação de


importantes conquistas anteriores, como o advento do Renascimento cultural
na Europa (séc. XVI-XVII), das grandes navegações (séc. XVI), da conquista do
Novo Mundo (séc. XVI), do desenvolvimento do método científico (séc. XVI-
XVIII), das luzes da razão iluminista (séc. XVIII) e da consolidação do cientificismo
e da corrente de pensamento positivista (séc. XIX), o espírito humano passou de
uma fase subjetiva de conhecimento, na qual as fundamentações se davam em
termos abstratos, hipotéticos e especulativos para um conhecimento mais objetivo,
visando à constituição de saberes científicos calcados na experimentação empírica,
na identificação de leis explicativas para seus determinantes causais e de sua
generalização – transformação das leis científicas em leis gerais que explicam a
totalidade das possibilidades de ocorrência do fenômeno estudado.

Essa mudança de postura, da qual provêm praticamente todas as teorias da


cultura, foi responsável pelo novo status de Ciência, conferido à Antropologia,
cujo objeto passou a ser tratado como algo observável, mensurável, passível de ser
decodificado estatisticamente, quantificado, teorizado, experimentado e comprova-
do, tratando-se o produto desse sistema de “conhecimento científico”.

Tiveram fundamental importância entre as teorias culturais, a fim de que a


Antropologia fosse reconhecida como Ciência, primeiramente o evolucionismo,
que tratava seu objeto de forma mais ampla, abraçando o estudo de civilizações
inteiras, enquanto outras teorias focavam organizações sociais quantitativamente
menores, lidando com a cultura por meio de aspectos entendidos como evolutivos.

Igual importância teve o difusionismo, que buscava a explicação do desenvolvi-


mento cultural a partir do processo de difusão de elementos culturais de um sistema
para outro.

Figura 1 – Chromolithograph of human races of the World


Fonte: RaremapSandbooks ( Material de Divulgação)

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UNIDADE Teorias sobre Cultura

Já o funcionalismo, que inovou o campo de interpretação antropológica, focava


não mais as origens históricas do estudo da cultura; mas sim seu contexto em dado
momento, com a lógica do sistema focalizado.

Por fim, o estruturalismo, o mais recente movimento em orientação teórica em


Antropologia, adotou posições próprias de natureza predominantemente subjetivas.

São as ferramentas utilizadas pelos antropólogos estudiosos do “homem e suas


obras”, de seu produto direto: a cultura humana; nobilíssimo trabalho ao qual se
agregam conhecimentos de outras tantas ciências afins, com a mesma finalidade:
reconstituir o passado cultural humano, entender a condição presente e projetar
reflexões a respeito dos horizontes do homem.

Evolucionismo Cultural
Com o incremento das navegações no
século XVIII, resultado do avanço do comércio
ultramarino, o transporte de produtos agrícolas
e riquezas minerais entre territórios coloniais na
América, África, Ásia e Europa, a civilização
europeia pôde ter maior contato com povos que
até então desconhecia; pôde saber de práticas
religiosas, hábitos cotidianos e comportamentos
sociais completamente diversos dos seus.

O contato com o diverso possibilitou ao


europeu pensar o homem em termos evolutivos,
ou seja, comparar o homem europeu com os
novos povos que eram dominados permitiu
interpretá-los como se estivessem em distintos
estágios de um mesmo processo: a evolução.
De forma etnocentrista e eurocêntrica, essas
Figura 2 – The perils of Atlantic navigation – diferenças culturais moveram explicações de
the steamship “Columbia’s” encounter with caráter monogenista e poligenista.
an enormous iceberg off the Newfoundland
Banks. From a sketch by an Off A interpretação monogeísta pressupunha
Fonte: Istock/Getty Images
um caminho linear e finalista para o processo
evolutivo, partindo sempre de um estágio menos evoluído – o patamar primitivo
– para o mais evoluído – a civilização. Essa interpretação encontrava respaldo
nas teses do filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e sua defesa da
perfectibilidade humana, como um estágio possível de ser alcançado na esperança
que depositava no homem natural, essencialmente bom.

As diferenças culturais constituiriam, portanto, indicadores de que se encontra-


riam em etapas distintas do mesmo processo evolutivo e nisso consistiu o referen-
cial teórico dos primeiros etnólogos que estudavam os homens do passado, então
como “homens primitivos”.

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Já a poligenia, que não descartava a concepção da evolução, defendia que as
diferenças provinham essencialmente da existência de distintos centros de criação,
onde os homens teriam, portanto, diferentes origens, o que explicaria não apenas
diferenças físicas, mas também prometia elucidar as diferenças morais entre os quais.

Em suas convicções reside ainda a defesa de que mesmo pertencentes a uma


origem em comum, as diferenças que se desenvolveriam no processo evolutivo
levariam à degeneração da espécie no caso de indivíduos pertencentes a distintas
etapas evolutivas que tivessem se entrecruzado.

Sob vários aspectos, o impacto da publicação da obra de Charles Darwin


(1809-1882), intitulada A origem das espécies, em 1859, fez com que a
perspectiva evolucionista penetrasse várias áreas de conhecimento, para além da
Biologia. Sua repercussão nas nascentes Ciências Humanas desdobrou-se no
fenômeno do darwinismo social.

A dominação colonial ganhava uma justificativa


biológica: tratava-se do avanço civilizador do homem
branco sobre a barbárie, que deveria ser civilizada. As
sociedades também poderiam ser escalonadas segundo
diferentes graus evolutivos que demonstrassem em
termos econômicos, tecnológicos, políticos e culturais.

Foi o filósofo inglês Herbert Spencer (1820-1903),


profundo admirador da obra de  Charles Darwin e
criador da expressão “sobrevivência do mais apto”,
quem criou o darwinismo social, em sua busca por
aplicar as leis da evolução em todos os níveis da
atividade humana.
Figura 3 – Herbert Spencer
Fonte: Wikimedia/Commons Nesse esforço, a partir do darwinismo social
Spencer erigiu uma teoria sobre as raças; estendendo critérios de comparação
e diferenciação, utilizados para o estudo de animais, a fim de compreender as
diferenças entre os homens. Estabelecendo que, tal qual os animais, os homens
se subdividiriam em raças e que, aplicando as teses darwinistas, poderiam ser
qualificadas como mais ou menos aptas ou, ainda, primitivas ou civilizadas, de
modo que estaria anulado o poder de livre arbítrio do homem, uma vez que suas
escolhas estariam determinadas pelas características étnico-culturais que teriam
herdado de seus antepassados.

Utilizando esses critérios, o cruzamento inter-racial, a miscigenação, levaria à


degeneração das espécies, enquanto sua perpetuação seria garantida pela valoriza-
ção das raças “puras”, ou seja, intocadas pela miscigenação.

A dominação de um grupo sobre outro ganhava não só uma explicação sistêmica,


pseudocientífica; mas, fundamentalmente, ganhava uma legitimação, pois em
nome da defesa da civilização seria preciso dominar e/ou civilizar a barbárie.
A Antropologia se desenvolveu, em seu período embrionário, orientada exatamente
por esses pressupostos teóricos: evolucionistas.

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UNIDADE Teorias sobre Cultura

Assim, a tarefa do antropólogo, nesse contexto, não consistiria apenas em


determinar a antiguidade do homem, utilizando as recentes descobertas da Química,
senão identificar em que estágio estaria no processo evolutivo. A criação das etapas,
dos estágios culturais segundo as características dos grupos estudados, constituiu
também como tarefa primordial desses primeiros antropólogos – a taxiologia. O
próprio tempo cronológico dava lugar a outra percepção de tempo: o da evolução,
que permitiria a criação de uma escala para a sua determinação.

Nesse esforço de identificar as etapas evolutivas


de distintas sociedades, destaca-se o trabalho do an-
tropólogo e etnólogo norte-americano Lewis Henry
Morgan (1818-1881), considerado um dos fundado-
res da Antropologia moderna, tendo sido um dos pri-
meiros teóricos da cultura e da sociedade no pensa-
mento antropológico.

Na obra Ancient society (1877), Morgan defen-


deu a existência de três estágios evolutivos para as
sociedades humanas, que permitiriam agrupá-las e es-
tudá-las de acordo com critérios rigorosos de análise
Figura 4 – Lewis Henry Morgan e qualificação de seus caracteres: selvageria, barbárie
Fonte: Wikimedia/Commons
e civilização.

Outra contribuição notável, no contexto do evolucionismo na Antropologia,


foi dada pelo antropólogo inglês Edward Burnett Tylor (1832-1917), considerado
o “pai do conceito moderno de cultura”. Condensou, em sua principal obra –
Primitive culture, de 1871 (HOEBEL, E. A.; FROST, 1976) –, ideias que possuem
um longo histórico de fluência no Ocidente, remontando aos primórdios da Filosofia
iluminista e que já faziam a defesa do papel da educação na transmissão cultural –
fenômeno caracterizado como endoculturação.

Ocorre que, na prática, os “selvagens”, ou seja, o “homem primitivo”, não era


estudado in loco. Dito de outra forma, se contemporâneos ao estudioso, não eram
estudados pelo antropólogo onde viviam; mas por meio de documentos escritos:
relatos de cronistas viajantes, missionários religiosos, mercenários etc.; já para
povos do passado, o desafio era ainda maior, uma vez que apenas seus artefatos
poderiam ser estudados e seu estágio evolutivo determinado comparativamente
com aqueles mais evoluídos.

Obviamente, a questão do “mais evoluído” ou da “civilização” tinha como modelo


o homem europeu. Portanto, trata-se de uma visão etnocentrista e eurocêntrica que
comprometia a ideia de progresso, que perpassa ideologicamente esse arcabouço
teórico, como o caminho que levaria a selvageria ao modelo europeu de civilização.

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Difusionismo
Trocando ideias...Importante!
“Cultura é o todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes
ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro de
uma sociedade” (TYLOR, 1871).

O difusionismo se desenvolveu, na Antropologia, como uma violenta resposta


aos pressupostos teóricos do evolucionismo.

Figura 5 – William Halse Rivers


Fonte: Wikimedia/Commons

Data do início do século XX a comunicação das posturas mais radicais dessa corrente.
O primeiro teórico a se engajar na resistência contra o evolucionismo foi o médico,
psicólogo e antropólogo britânico William Halse Rivers Rivers (1864-1922), cujos
discípulos – William James Perry (1887-1949) e Grafton Elliot Smith (1871-1937) –
deram continuidade à sua obra.

Os difusionistas britânicos – Rivers, Perry e Smith – contrapunham-se às


explicações evolucionistas para as diferenças e semelhanças culturais recorrendo a
fenômenos ignorados por essa corrente, como correntes migratórias, deslocamentos
populacionais e contatos interculturais.

Particularmente Elliot Smith, egiptólogo, além de antropólogo, defendeu a tese


de que a civilização egípcia seria portadora de indícios que revelariam ter sido a
África o berço da origem da humanidade, e a partir dali teria se difundido.

O movimento de difusão teria se desencadeado naquele ponto – o Egito –,


culminando em sua difusão por todo o mundo, em ondas de deslocamento que
teriam passado a se diferenciar umas das outras.

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UNIDADE Teorias sobre Cultura

Figura 6 – American Museum of Natural History


Fonte: Wikimedia/Commons

Ainda que tenha sido desmontada, em termos teóricos, a tese de que a diversidade
cultural seria resultado da difusão de características provenientes de um único
centro fez com que o difusionismo tenha cumprido um relevante papel ao oferecer,
no início do século XX, uma alternativa explicativa à questão da diversidade cultural,
tendo sido a primeira a se defrontar com o vigente evolucionismo.

O antropólogo teuto-americano Franz Boas


(1858-1942), defensor da corrente denominada
histórica, pode-se dizer, esteve entre o difusionismo e
o funcionalismo – que veremos a seguir.

Seu trabalho pioneiro, junto de seus discípulos,


consiste no mais importante ponto de inflexão nos
estudos antropológicos, no que tange ao declínio da
Antropologia Rácica Evolucionista, uma vez que sua
proposta relativista desmontava a ideia de proximidade
entre evolução biológica e cultural.

Seu pioneirismo consiste na construção teórica


Figura 7 – Anthropologist Franz Boas
Fonte: Wikimedia/Commonsque assentou métodos radicalmente distintos daqueles
produzidos nos modos de conceber e estudar as culturas humanas, propondo
relativizá-las, ao invés de escaloná-las hierarquicamente.

Não que estudos comparativos não pudessem ser feitos entre distintas culturas,
ou mesmo que não se pudesse identificar uma origem comum para ambas.
O que Boas propunha era um processo indutivo que identificasse as relações
que possibilitariam a comparação, para o então estabelecimento das conexões
históricas pertinentes.

Para Boas o mesmo fenômeno tem sentidos variados em cada cultura. Assim,
o fato de ocorrências semelhantes serem identificadas em distintas culturas não
constitui prova de uma origem comum.

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Consequentemente, não havendo uma única origem cultural, não se pode
mencionar cultura no singular, senão culturas. Ou seja, cada cultura teria sua própria
história; não uma cultura humana universal e originária – como pressupunham os
evolucionistas e até mesmo parte dos difusionistas. Sendo então autônomas, todas
as culturas seriam também dinâmicas em suas transformações ao longo do tempo.

Nesse contexto, suas críticas pesavam mais gravemente sobre os determinismos


biológicos e geográficos, bem como no transporte de categorias explicativas
evolucionistas para o tratamento das relações culturais, o que havia levado ao
fenômeno do evolucionismo cultural.

Contrário a essa explicação evolucionista para a diferenciação das culturas, Boas


demonstrou que cada sistema cultural constituiria uma unidade integrada, resultado
de um desenvolvimento histórico específico.

Com isso, determinou a independência dos fenômenos culturais em relação aos


condicionantes geográficos e biológicos, vigentes como explicação desde o período
formativo da Antropologia. As dinâmicas culturais estariam desatreladas desses
elementos; obedecendo apenas à lógica da interação entre os indivíduos, o meio e
a sociedade.

A concepção evolucionista aplicada à cultura, responsável pelo assentamento


de uma visão etapista linear, na forma de estágios evolutivos pelos quais,
obrigatoriamente, todas as sociedades passariam, assistia ao surgimento de sua
mais severa e consistente crítica.

Esta nova postura teórica deslocou completamente os sentidos gerais da


Antropologia, desde seus objetos, objetivos até o ofício do antropólogo, que
passava a ser o estudo de sistemas culturais particulares – e não da identificação de
uma cultura universal.

Funcionalismo
Uma das mudanças mais significativas para a determinação do fracasso
explicativo do evolucionismo foi o abandono dos relatos de cronistas viajantes e
congêneres como base informativa para estudos antropológicos e a adoção de
métodos de pesquisa de campo.

A excessiva utilização de valores europeus na análise valorativa de povos não


europeus para demarcar sua posição em uma espécie de “corrida” linear e etapista
rumo à civilização, tendo como força motriz o progresso, marcou também o
abandono do evolucionismo como ferramenta explicativa de diferenças não apenas
biológicas ou culturais, mas também psicológicas e intelectuais.

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UNIDADE Teorias sobre Cultura

Nesse contexto, o evolucionismo de Spencer


passou a, gradativamente, dar lugar ao determi-
nismo de uma corrente teórica ascendente: o fun-
cionalismo na Antropologia, cujo precursor foi o
antropólogo polaco Bronislaw Kasper Malinowski
(1884-1942), considerado um dos fundadores da
Antropologia Social.

Apesar de tomar o avanço colonizador como dado,


bem como justificar a necessidade de estudo dos “povos
primitivos” pelo avanço do imperialismo europeu, o
funcionalismo de Malinowski, ainda que comparando
Figura 8 – Bronislaw Malinowski as sociedades estudadas com aquela na qual pertencia
(1884-1942), the polish-born
o estudioso, abandonava a mecanicidade da escala
british anthropologist who studied
folklore and customs evolutiva, focalizando as culturas diversas em situação,
Fonte: Wikimedia/Commons ou seja, a partir de sua própria contextualização.

O próprio etnocentrismo e o eurocentrismo passaram a dar lugar, na Antropolo-


gia, a outra atitude. Malinowski sistematizou o método que passou a tomar a cultura
do “homem primitivo” não a partir do olhar valorativo europeu, ou seja, do antro-
pólogo; o desafio consistiria em determinar o ponto de vista do “homem primitivo”
para, então, empreender a análise de sua cultura.

Sua proposta metodológica consistia ainda na compreensão do todo complexo


de uma sociedade, incluindo sua constituição cultural, identificando suas partes
componentes significativas. Tais seriam estudadas isoladamente, parte por parte
para, em seguida, serem articuladas, construindo-se a partir daí a compreensão
sobre o todo.

Seguindo o exemplo do que fez com as sociedades, dividiu também a existência


social, esta a partir da identificação da natureza das necessidades humanas. Para
Malinowski haveria dois tipos primordiais de necessidades:
·· Primárias, que seriam as necessidades biológicas;
·· Secundárias, as necessidades culturais.

Ocorre que as necessidades primárias é que determinariam as secundárias,


ou seja, a cultura estaria ligada à satisfação das necessidades biológicas, até que
se desenvolveriam dinâmicas tão complexas que passariam a constituir, por si
só, necessidades.

Para empreender esses estudos, o antropólogo necessitaria de um rigoroso


procedimento metodológico. Dada a complexidade dos objetos da Antropologia,
a importação pura e simples dos métodos das Ciências da Natureza e das Ciências
Formais não resolveria, de modo que seria necessário criar novos métodos para as
nascentes Ciências Humanas.

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Assim, o método proposto por Malinowski consiste em três etapas/tarefas:
1. Observar todos os costumes dos nativos;
2. Apreender suas narrativas orais;
3. Utilizar métodos estatísticos.

A observação do comportamento social dos povos estudados possibilitaria ao


antropólogo identificar as referências dos nativos, exatamente o que permitiria ao
pesquisador dessa área estudar uma cultura com o uso de suas próprias referências
– e não as do antropólogo. Tais referências captadas receberam o nome de
imponderáveis da vida real, o cerne de toda a pesquisa.

Isso possibilitaria abandonar as pré-concepções que


caracterizavam as abordagens evolucionistas e as ati-
tudes que possibilitavam valorar negativamente os na-
tivos, comparando-os aos europeus. As comparações
seguiriam possíveis; mas a extensão dos valores euro-
peus aos nativos não seria mais viável. O afastamento
das ideias preconcebidas, os preconceitos, possibilita-
ria à Antropologia galgar, por meio de maior rigor me-
todológico, maior grau empírico.

O cientista social britânico Alfred Reginald Radcliffe-


Brown (1881-1955), tido como um dos maiores
Figura 9 – Alfred Reginald Radcliffe- expoentes da  Antropologia por ter desenvolvido a
Brown teoria do funcionalismo estrutural, imbuído da defesa de
Fonte: Wikimedia/Commons Malinowski à pesquisa de campo, propunha combiná-
la também ao trabalho de gabinete. Isso possibilitaria abrir novos horizontes à
Ciência Antropológica, uma vez que o risco era o de a Antropologia, estudando
culturas isoladamente, tornar-se exaustivamente descritiva. Os novos horizontes
constituiriam as possibilidades de se estudar comparativamente as culturas descritas.

A tarefa seria articular os métodos histórico e comparativo nos estudos


antropológicos. O estudo comparado possibilitaria, por sua vez, a identificação de
regularidades e a proposição de leis gerais para fenômenos recorrentes ou similares.

Entre as possibilidades, então, de identificação de fenômenos gerais, uma lei


geral identificada por Radcliffe-Brown consistiria da natureza e funcionamento das
relações e estruturas sociais baseadas em “oposição”. Enfatizando seus aspectos
funcionais, fenômenos recorrentes como os de hostilidade intergrupal, violência,
estupro, entre outros.

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UNIDADE Teorias sobre Cultura

Figura 10 – Engraving by Theodor de Bry after a weroans or great lord of Virginia by John White
Fonte: Wikimedia/Commons

Problemas do Relativismo
Comparativamente ao evolucionismo, o funcionalismo permitiu a adoção de
uma postura diversa daquela de superioridade entre o estudioso e a cultura estudada.
O desdobramento dessa postura consiste no relativismo que, por sua vez,
distancia o investigador dos questionamentos valorativos sobre os nativos, que
passam a ser meros comunicadores de suas práticas culturais.
Normas e valores, para os relativistas, não devem ser objeto de nenhuma ordem
de questionamento e a postura do antropólogo em campo, portanto, é a de mero
coletor e analista de informações.
O relativismo é radicalmente contrário à tendência universalista do evolucio-
nismo; ou seja, contra seu ímpeto de estender um mesmo repertório cultural – o
europeu, entendido como civilizado – à totalidade das sociedades, taxadas como
inferiores – bárbaras.
Nada a universalizar, tudo a relativizar!
Ocorre que, assim, ao tratar de costumes como o do apedrejamento de
mulheres adúlteras no Irã; o estupro aceito e legalizado no âmbito do matrimônio
no Afeganistão; a condenação à morte de homossexuais em Uganda; a prática da
excisão – mutilação do clitóris e dos pequenos lábios do órgão sexual feminino
– em Djibuti, Etiópia, Somália, Sudão, Egito e Quênia; o racismo desvelado no
Sul dos Estados Unidos; o machismo na sociedade brasileira; a pena de morte
atualmente praticada em diversos países no mundo; não poderiam ser criticados
por cientistas, isso porque valores como a liberdade, igualdade, o direito à vida e à
inviolabilidade do corpo não poderiam ser universalizados.
Ainda hoje essa postura consiste em um problema: parte dos cientistas defende
que se tratam, as práticas de violência acima descritas, de práticas culturais, de
modo que qualquer tentativa de universalização de valores – incluindo a liberdade,
igualdade, o direito à vida e à inviolabilidade do corpo – seria um atentado contra
a autonomia cultural. Outra parte significativa defende que alguns valores devem
ser universalizados.

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Ocorre que, da mesma forma, sociedades que historicamente foram
compreendidas como civilizadas, são também portadoras de culturas violentas
e que atentam contra direitos básicos. Vide o histórico de guerras religiosas,
intolerância, torturas, execuções em fogueiras e enforcamentos que atravessa a
história do cristianismo na Europa. Vide a violência com que negros são tratados
pela polícia nos Estados Unidos de hoje. Para não nos demorarmos nas incontáveis
possibilidades de exemplos que demonstram que culturas de ódio e intolerância são
também fenômenos universais.

Importante pergunta a ser feita é: reconhecido o direito à autonomia cultural e à


necessidade de se relativizar valores, não seria necessário universalizar a liberdade,
igualdade, o direito à vida e à inviolabilidade do corpo?

Estruturalismo

Figura 11 – French philosopher Claude Lévi-Strauss


Fonte: Wikimedia/Commons

O antropólogo, professor e filósofo francês Claude Lévi-Strauss (1908-2009)


foi o fundador da chamada Antropologia Estrutural, corrente que se conformou
a partir de seus estudos sobre os povos indígenas do Brasil. Durante o período
em que aqui permaneceu, integrou a missão francesa que teve como objetivo
estruturar as áreas de Ciências Humanas da recém-criada Universidade de São
Paulo (USP), no período que se estendeu de 1935 a 1939. Durante esses quatro
anos, estudando aspectos sobre a língua, costumes e lendas de povos indígenas,
coletou os dados que permitiram criar uma nova teoria antropológica, elaborada e
apresentada entre o final da década de 1940 e início de 1950.

Estudou os Kaingang, no Norte do Paraná. Os pressupostos dessa nova


corrente teórica foram publicados em duas de suas principais obras: As estruturas
elementares do parentesco, de 1949; e Tristes trópicos, de 1955; que o
notabilizaram mundialmente.

Lévi-Strauss fez uso da chamada teoria estruturalista francesa, a qual pressupunha


que “estruturas universais” estariam por trás de todas as ações humanas, dando forma
às culturas em suas mais variadas manifestações: linguagem, mitos, religiões etc.

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UNIDADE Teorias sobre Cultura

Distinguiu-se gravemente dos demais antropólogos que buscavam revelar as


diferenças entre povos e culturas, nas mais das vezes valorativas; enquanto
Lévi-Strauss procurava as estruturas universais, chamadas também de estrutu-
ras profundas.

Sem se preocupar com as diferenças, os estudos de


Lévi-Strauss colaboraram na relativização entre povos
e culturas, estreitando seus laços pela via da aceitação
do diverso exatamente porque, para esse pesquisador,
as diferenças entre os povos não constituíam o objeto
central de interesse antropológico.

Para Lévi-Strauss a maior parte dos antropólogos


estava preocupada com o que nominou de “aparência”.
Obviamente, utilizou-se de um dos fundamentos do
estruturalismo para fazer tal afirmação, exatamente
a oposição entre essência e aparência. Suas pesquisas
Figura 12 estavam dirigidas aos sentidos profundos das ações
humanas e de seus produtos, na busca pela essência,
encontrando-se com a Psicologia, a Lógica e a Filosofia das sociedades estudadas.
A mera descrição das práticas rituais de uma determinada sociedade, a aparência,
não lhe interessava. Essa nova e revolucionária abordagem encontrou contornos
teóricos acabados na obra O pensamento selvagem, de 1962.

Sobre o impacto que representou, para além da Antropologia, implicava em


como tratar o, até então denominado, homem primitivo. Seu método estruturalista
permitia compreender que sociedades tribais revelavam sistemas lógicos notáveis,
de qualidades mentais, racionais tão sofisticadas quanto às de sociedades até então
tidas como superiores.

Sua teoria desmontava as convicções comumente aceitas de que as sociedades


primitivas seriam intelectualmente deficitárias e temperamentalmente irracionais,
e que suas ações e obras, que constituiriam seus “pobres” repertórios culturais,
tinham por finalidade a satisfação de necessidades imediatas, como as de alimento,
vestimenta e abrigo. Sob esses novos pressupostos teóricos, a visão pejorativa
sobre as tribos primitivas estava fadada a desaparecer.

Finalizando esta Unidade, é importante perceber que existem diferentes teorias


que explicam a cultura e a visão sobre a existência do homem.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Sites
O Nascimento da Antropologia Americana e o Difusionismo: “Franz Boas como Protagonista.”
O nascimento da Antropologia americana e o difusionismo: Franz Boas como
protagonista, do site Nações do Mundo
https://goo.gl/eEZUZU
Difusionismo e Evolucionismo
Difusionismo e evolucionismo, de Dilaze Mirela Fonseca e Marina Rute Pacheco, no
site ant1mcc
https://goo.gl/uD3quY
História e Etnologia. Lévi-Strauss e os embates em região de fronteira
História e Etnologia. Lévi-Strauss e os embates em região de fronteira, de Lilia K.
Moritz Schwarcz, no portal Scielo
https://goo.gl/zPTfMa

Filmes
Brincando nos campos do Senhor
Brincando nos campos do Senhor. Dir. Héctor Babenco, Estados Unidos, drama,
colorido, 1991.
Dança com lobos
Dança com lobos. Dir. Kevin Costner. Estados Unidos, drama, colorido, 1990.
O último dos moicanos
O último dos moicanos. Dir. Michael Mann, Estados Unidos, drama, colorido, 1992.

21
21
UNIDADE Teorias sobre Cultura

Referências
CHICARINO, Tathiana. Antropologia social e cultural. São Paulo: Pearson
Prentice Hall, 2014. (e-book).

FONSECA, Dilaze Mirela; PACHECO, Marina Rute. Difusionismo e evolucionismo.


ant1mcc, 7 abr. 2009. Disponível em: <http://ant1mcc.blogspot.com/2009/04/
difusionismo-e-evolucionismo.html>. Acesso em: 15 jan. 2017.

HOEBEL, E. A.; FROST, E. L. Antropologia cultural e social. São Paulo: Cul-


trix, 1976.

REIS, Nicoli Isabel dos. [Resenha de] BOAS, Franz. Antropologia cultural. Org. Celso
Castro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. 109 p. Horizontes Antropológicos,
Porto Alegre, RS, v. 10, n. 22, jul./dec. 2004. Disponível em: <http://www.
scielo.br/scielo.php?pid=S0104-71832004000200015&script=sci_arttext>.
Acesso em: 15 jan. 2017.

SCHWARCZ, Lilia K. Moritz. História e Etnologia. Lévi-Strauss e os embates


em região de fronteira. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 42, n.
1-2, 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-
77011999000100011&script=sci_arttext>. Acesso em: 15 jan. 2017.

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Diversidade
Étnico-Cultural
Material Teórico
Diversidade Étnico-cultural

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Rodrigo Medina Zagni

Revisão Técnica:
Profa. Dra. Vivian Fiori

Revisão Textual:
Prof. Ms. Luciano Vieira Francisco
Diversidade Étnico-cultural

• Diversidade Cultural
• Explicações para as Diferenças Étnico-Culturais
• Contracultura

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Tratar da diversidade cultural e algumas teorias sobre o assunto.
· Explicar a visão etnocêntrica.
· Evidenciar as formas de contracultura.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE Diversidade Étnico-cultural

Diversidade Cultural
Registros históricos e artefatos possibilitaram aos arqueólogos encontrar
evidências de que os diversos grupos humanos, em sua relação com a natureza e com
o meio no qual viviam, criaram e produziram modos de vida que os diferenciavam
dos demais.

Em contraponto à dimensão biológica e racial, é importante ressaltar que a cultura


diz respeito a uma construção humana, elaborada ao longo do tempo histórico da
existência do homem, em suas diferentes condições do meio geográfico no qual vivia.

O processo de renovação cultural é, por instância, dialético, de forma que não


se pode pensar cultura dos povos – com seus hábitos, costumes, crenças, religiões,
formas de alimentação etc. – sem trazer a sua relação com a sociedade de cada
época, com o meio geográfico e com as condições dos diversos grupos humanos.
Nesse processo há sempre permanências, tradições na cultura, ao mesmo tempo
em que também vai se renovando.

A Antropologia é a Ciência que vem estudando essa dimensão cultural desde o


século XIX, de forma mais pormenorizada, caracterizando-a da seguinte maneira:
·· A cultura não pode ser confundida com caracteres genéticos e/ou
biológicos, como algo que já nascemos; mas sim como aprendizado que
adquirimos de diferentes formas ao longo de nossas vidas;
·· A cultura é uma dimensão humana, já que algumas espécies também
vivem em sociedade – como formigas ou abelhas –, mas não produzem
cultura como o ser humano;
·· O homem e demais animais adaptam-se ao meio no qual vivem, mas o
homem, conforme sua cultura, adapta-se e transforma o meio, produzindo
novas formas de vida – de moradia, vestimenta, explicação do mundo,
meios de produção – mediante técnicas;
·· A cultura produzida pelos povos e sociedades de cada época cria certas
padronizações, tabus, normas – caso das normas da língua, da religião,
entre outras. Tais normas e preceitos das religiões, por exemplo, definem
o comportamento de um indivíduo de determinada religião, diferindo-o
de outro. De modo similar, as normas de linguagem – de como falar e
escrever – são também padronizadas. Há discursos hegemônicos, que
ditam os valores do que deve ser o certo e errado, moldando partes das
características de uma determinada cultura;
·· Há interação da sociedade, economia, cultura, proporcionando transfor-
mação constante e integrada, de forma dialética, ou seja, com a perma-
nência de contradições.

As formas de alimentação são exemplos de como os comportamentos sociais


evoluíram à medida que a sociedade se tornava mais complexa. De homens e

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mulheres coletores, pescadores e caçadores, que tinham grande grau de dependência
da natureza e cujas técnicas eram rudimentares e locais, o ser humano passou a
domesticar animais e plantas, de forma sistemática e em escala mais ampla, no que
viria a ser chamado de agricultura e de pecuária.

Daí vem a palavra agricultura, que era, de fato, uma expressão da cultura dos
povos que, ao domesticarem plantas, em sua relação com a natureza, criaram as
diversas culturas alimentares que distinguem um povo dos outros, mesmo hoje
em dia. Quando mencionamos, por exemplo, culinária italiana, indiana, japonesa,
mineira etc., estamos tratando dessa dimensão da cultura alimentar. Logo, a
palavra cultura foi usada primeiramente com o termo agricultura – como prática
do campo –, tais como cultura do trigo, do milho e assim usada no sentido dessa
prática primordial.

Posteriormente, passou a ser empregada como conceito que exprimia o modo


de vida, em um primeiro momento dos camponeses – do homem que produzia e
praticava agricultura – e depois em um sentido e conotação mais ampla, como a
cultura dos homens e seus modos de vida, hábitos e costumes.

As diversas tradições da cultura alimentar foram hibridizadas, misturadas,


mescladas, com novas descobertas, que surgiam à medida que havia migrações
dos povos. Igualmente pelo processo de colonização e outros movimentos da
população ao longo da história, houve maior contato entre povos que tinham
diferentes hábitos e produtos alimentares.

Foi o caso da batata e do tomate, por exemplo, que são oriundos do Continente
americano e foram levados à Europa mediante o processo de colonização.
Sua cultura foi tão bem absorvida pelos europeus, que é impossível hoje pensar
na culinária italiana sem considerar o molho de tomate, ou na portuguesa sem o
bacalhau com batatas.

E hoje, com uma cultura mais globalizada, vemos alguns hábitos alimentares
tornarem-se hegemônicos, devido à estandardização – padronização – dos
costumes, veiculados pela propaganda, pela mídia em geral, pelas redes sociais e
pela indústria de alimentos.

A Revolução Técnico-Científica, empreendida a partir da segunda metade do


século XX, com o avanço das ciências – Química, Biotecnologia –, das técnicas –
sobretudo da Engenharia Genética –, promoveu transformações nas formas de se
alimentar e também de produzir sinteticamente, de maneira artificial e/ou por meio
de hibridizações e da criação de novos alimentos.

Portanto, não existe uma só cultura, mas uma diversidade de culturas pelo
mundo, que vão sempre mudando ao longo do tempo, considerando as mediações
da família, da sociedade de cada época, da natureza, da escola, entre outras
interações, as quais acabam por alterar os modos de vida, as formas de existência
e, assim, a própria cultura.

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9
UNIDADE Diversidade Étnico-cultural

Logo, um indivíduo imerso em uma determinada cultura nunca tem total


conhecimento da qual, tanto porque esta muda, quanto porque certos traços
lhe escapam. Mesmo fazendo parte de um grupo com o qual nos identificamos,
não somos todos iguais em todos os aspectos dessa cultura, principalmente no
mundo de hoje e aos que vivem nas grandes metrópoles, onde há multiplicidade
de informações que nos chegam, diversidade de eventos que nos trazem diferentes
maneiras de pensar, de viver.

Do mesmo modo que a cultura não passa sempre por uma transformação total,
por isso é dialética, há sempre um pouco do passado em tudo que fazemos, ao
mesmo tempo em que também vamos inovando. Vejamos um exemplo: as formas
de nos expressar na língua portuguesa não são as mesmas desde o século XIX,
pois isto foi sendo modificado; mas, ao mesmo tempo, não é uma linguagem
inteiramente nova, por isso incorporamos novidades a nossa linguagem, mas
também outras normas da língua permanecem. Ou seja, há sempre permanências
e tradições na cultura, ao mesmo tempo em que esta é constantemente recriada.

As bases materiais e técnicas vão também mudando e isso faz com que a cultura
também se altere. O nosso modo de vida urbano, por exemplo, trouxe aos homens
e mulheres novas formas de sobreviver, mas os que vivem na cidade perderam a
cultura do campo, das formas de plantar, de modo que se você pergunta para uma
criança que vive em meio urbano de onde vem uma fruta, é comum que responda:
“Do supermercado”, que é a visão imediata da cultura que cada um possui.

Assim, afirmamos que a cultura tem relação com o tempo histórico, produzido
pelos grupos, povos e sociedade de cada época, como também tem relação com
o espaço e meio geográfico, porque é diferente e diversa nos distintos lugares
do mundo.

Desse modo, as transformações pelas quais determinada cultura passa se


processam sempre em um movimento dialético – interno e externo –, a saber:
·· Interno, endógeno, dentro da mesma cultura, vai se alterando ao longo
da história;
·· Externo, exógeno, devido ao contato com outras culturas, de forma amigável
ou por meio de guerras, saques, domínios etc.

Ambos os modos são condições integradas e ocorrem em um processo contínuo.

10
Explicações para as Diferenças
Étnico-Culturais
Ao tratar do tema das diferenças étnico-culturais, é fundamental conceituar etnia.
Trata-se de um termo que deriva de ethos, palavra grega, e pode ser definido como
um grupo biológico e culturalmente mais homogêneo, que tem o mesmo ethos,
ou seja, costumes, religião, crenças, língua, hábitos, entre outras características
comuns. Dito de outra forma, partilhando certos costumes, tradições, técnicas,
comportamentos em comum.

Tal termo não é sinônimo de raça, já que raça é relacionada exclusivamente


ao sentido biológico, da cor da pele, dos traços físicos – do cabelo, do nariz, das
formas físicas etc. –, sendo um componente do biótipo humano.

Ao longo da história humana, o homem, em sua relação com o meio geográfico,


com a natureza e com outros grupos humanos, foi elaborando formas de viver e
de cultura.

Mediante o processo de colonização, neocolonização ou outros movimentos


migratórios, os diversos grupos humanos foram colocados em maior contato
entre si, levando a questionamentos em relação às diferenças raciais, do biótipo –
características físicas, cor da pele, formato do corpo, do cabelo etc. –, bem como
aspectos étnico e socioculturais, tais como formas de organização social, crenças,
religiões, técnicas usadas, relações familiares, formas de moradia, entre outros.

O surgimento de civilizações em algumas regiões do mundo – caso do Oriente


Próximo (Egito Antigo, Mesopotâmia, Fenícia etc.) e dos vales fluviais na China
e Índia – ocasionou o surgimento de maior separação entre diferentes tipos de
trabalhadores – artesãos, agricultores, escribas, construtores. Essa evolução fa-
voreceu o surgimento das primeiras cidades, nas quais ocorriam contatos entre
diferentes grupos humanos, superando aquela condição na qual os povos viviam
somente em aldeias.

Mesmo entre os que permaneceram em aldeias, as guerras e os saques


promoviam o contato entre diferentes grupos humanos, o que levava sempre aos
questionamentos em relação às diferenças étnico-culturais, bem como das origens
dos seres humanos. Surgiam, assim, mitos e religiões. Em geral, os povos da
Antiguidade buscavam nos mitos, nas crenças animistas, ou nas ideias filosóficas as
explicações para as diferenças raciais, étnico-culturais entre os homens.

Você Sabia? Importante!

Que se entende por crenças animistas aquelas que acreditam na força espiritual de
objetos, tais como pedras, plantas, animais etc., atribuindo-lhes poder espiritual, ou
como amuletos?

11
11
UNIDADE Diversidade Étnico-cultural

Era comum os povos considerarem que estavam no centro do mundo, e a


própria cartografia e seus mapas refletiam tal concepção, no que se define como
visão etnocêntrica.

Na China Antiga, por exemplo, os mapas eram produzidos colocando as


dinastias chinesas no centro do mundo e os demais povos mais distantes eram
definidos como selvagens. Já os esquimós, da mesma forma, colocavam-se no
centro do mundo e se não conheciam outros povos, era porque estes não eram
importantes, diziam.

O etnocentrismo não se resume à produção de desenhos e mapas a partir da


visão de um povo, mas tem relação com a forma de pensar, na qual as pessoas ou
grupos humanos interpretam e leem o mundo a partir da própria ótica, da cultura,
do modo de pensar e de vida – como se a própria cultura fosse o centro do mundo,
a forma correta de agir, o modo de vida adequado.

Conforme afirma o pesquisador Everardo Rocha (1988, p. 18), no livro O que


é etnocentrismo, sobre o conceito do termo: “Etnocentrismo é uma visão de um
mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os
outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas
definições do que é a existência”.

Desse modo, a visão etnocêntrica acaba por levar a extremos de xenofobia –


aversão a estrangeiros –, intolerância social e étnico-cultural e especificamente
religiosa, por aqueles que reconhecem apenas sua cultura como legítima.

O etnocentrismo pode levar à exacerbação de movimentos sociopolíticos que


acabam se tornando intolerantes, perseguindo outras etnias, religiões e/ou mani-
festações culturais, discriminando outros povos, podendo, inclusive, constituir-se
em partidos políticos ou entidades que buscam valorar sua etnia e cultura em julgar
a cultura do “outro”, em um movimento de negação das demais culturas.

Termos como cultura “atrasada”, “inferior”, foram usados ao longo da história


para justificar repressões, ataques, guerras ou, de forma subliminar, discriminações
que aparentemente não são violentas, mas que escondem preconceitos com outros
povos que não têm a mesma cultura do opressor. Pauta-se em um juízo de valor
do que é certo e o que é errado, depreciando e mediado por impressões sobre a
cultura alheia. Quando alguns europeus vieram colonizar a América, por exemplo,
houve várias situações nas quais a visão etnocêntrica do grupo colonizador
predominou, de modo que quando os europeus colonizaram o Novo Mundo –
Continente americano –, fizeram-no com a mesma concepção etnocêntrica, a qual
ficou conhecida como eurocentrismo.

Os mapas elaborados a partir daí, já conhecidos como mapas mundi, devido


ao maior conhecimento do planeta Terra e do mundo, às grandes navegações,
permitiu que se produzissem mapas em escala global. Todavia, a forma de projetar
o Planeta foi o mapa que até hoje conhecemos, com a Europa ao centro, dando
uma visão de maior importância ao Continente europeu. Como se vê no mapa
de Mercator, um belga que elaborou o mapa mundi em 1578 e que reflete tal
visão eurocêntrica:

12
Figura 1 – Mapa mundi de Mercator (1578)
Fonte: worldmapsonline.com

Os viajantes e relatos administrativos davam o tom dos discursos sobre o que


era o Novo Mundo – América –, em geral, com preconceito em relação aos povos
nativos ou oriundos de outras partes que não fosse a Europa. Todos eram vistos
como selvagens, como povos atrasados, como se tivessem culturas que fossem
superiores às demais. Daí expressões equivocadas que eram – e ainda por muito
tempo foram comuns –, tais como do indígena indolente e preguiçoso, do negro
arredio, do turco avarento, entre tantas expressões preconceituosas.

Com o advento da Ciência Moderna, que se produziu principalmente na Europa


e se difundiu pelo mundo mediante os processos de colonização, neocolonialismo
e expansão capitalista, o discurso em torno das diferenças étnico-culturais tomou
caráter de Ciência, muitas vezes imbuído de significativa discriminação.

A teoria do darwinismo social, comum no final do século XIX e meados do


século XX, deu à natureza e ao meio um papel de destaque na existência dos grupos
humanos. O principal representante dessa teoria foi Hebert Spencer (1820-1903).

Tal concepção afirmava, em analogia a uma visão da teoria da evolução


de Darwin, que haveria uma seleção natural entre as espécies e que isto tinha
correspondência à sociedade. Partindo desse princípio, alguns grupos humanos
eram mais fortes do que outros, pois todos passariam por uma seleção natural,
considerando, assim, que a sociedade também tinha evoluído dessa forma. Como
comenta um pesquisador sobre o termo darwinismo social e depois o que se
chamou de pós-darwinistas, temos que:
A obra de Darwin, A origem das espécies por meio da seleção natural,
ou a conservação das raças favorecidas na luta pela vida, publicada
em inglês em novembro de 1859, parecia fornecer caução científica aos
partidários da supremacia da raça branca, tema que, depois do século
XVII, jamais deixou de estar presente, sob diversas formas, na tradição
literária europeia. Os pós-darwinianos ficaram, portanto, encantados: iam
justificar a conquista do que eles chamavam de “raças sujeitas”, ou “raças
não evoluídas”, pela “raça superior”, invocando o processo inelutável da
“seleção natural”, em que o forte domina o fraco na luta pela existência
(UZOIGWE, 2010).

13
13
UNIDADE Diversidade Étnico-cultural

Tais teorias do darwinismo social e determinismo acabaram justificando os


processos de neocolonialismo ou imperialismo dos europeus e norte-americanos,
dominando outros países e povos.

Darwinismo social – baseada nas teorias de Charles Darwin – naturalista britânico,


Explor

quem dizia que as espécies passavam por um processo de seleção natural, no qual os mais
fortes sobreviviam –, esta concepção naturalista de Darwin foi utilizada como padrão de
interpretação da sociedade, por cientistas como Hebert Spencer, originando o darwinismo
social. A partir desta teoria, a explicação era de que a sociedade evoluiria em etapas,
igualmente às diversas espécies, tendo sociedades e grupos sociais que estariam mais aptos
a vencer os obstáculos do meio e a evoluírem, enquanto outros seriam mais fracos. Desse
modo, a sociedade tinha um cunho biológico, natural.

Outra teoria próxima ao darwinismo social e da mesma época foi a determinista,


a qual definia que o meio, ou seja, a natureza, era fundamental nas características
raciais e étnico-culturais dos diversos grupos. O homem, assim, era produto do
meio em que vivia.

Alguns chegavam a afirmar que o caráter dos grupos humanos seria definido
pelas condições do meio. A concepção de que a tropicalidade fazia com que as
pessoas fossem mais indolentes, tornando os povos desses lugares mais atrasados,
sendo a pobreza uma condição que se explicava pelas condições do meio.

Tais discursos, imbuídos do aparato científico, ajudaram europeus e norte-


americanos a expandirem seus limites políticos e geopolíticos na América do Norte
e Central, bem como nos continentes africano e asiático, principalmente.

Você Sabia? Importante!

Que, no começo do século XX, os Estados Unidos ocuparam alguns países da América
Central, caso da Nicarágua, Cuba, entre outros, e os chamaram de protetorados norte-
-americanos, dizendo que buscavam protegê-los dos europeus?
Nos livros produzidos na época, muitos estudiosos diziam que os povos da América
Central eram atrasados, preguiçosos e, por isso, a missão civilizatória norte-americana
era fundamental para trazer os povos desses lugares a uma melhor condição.

É claro que o meio, a natureza e fatores físico-naturais são condicionantes que


podem ser considerados na produção de alimentos, hábitos de alimentação e/ou de
vestimentas, nas formas de vida, mas não são determinantes. Ou seja, as pessoas
não são o que são, nem escolhem suas formas de vida apenas mediadas pelo clima,
condições da natureza e do meio. No entanto, a existência do ser humano não é
apenas biológica, natural, genética, mas também ocorre por meio do aprendizado
que recebe ao longo de sua vida, na família, nas instituições sociais e religiosas, na
escola, na relação com o meio geográfico – não somente com a natureza. É por
meio dessas relações que vamos adquirindo conhecimentos que nos dão identidade

14
cultural – seja pela religião, crenças, formas de se alimentar, de se vestir, pelos
códigos de moral, formas de agir, dos gestos, das expressões.
Enfim, a dificuldade de algumas pessoas ou povos em aceitar o “outro”, em
aceitar a diferença cultural e racial levou a verdadeiros genocídios ao longo da
história humana.

Genocídio é uma forma de extermínio parcial ou total de um povo, de sua cultura,


Explor

considerando-se os componentes étnico-culturais, tais como a religião, as crenças, os


costumes, entre outros. Como define o dicionário:
A palavra genocídio é derivada do grego genos, que significa “raça”,
“tribo” ou “nação” e do termo de raiz latina -cida, que significa “matar”.
O termo foi criado por Raphael Lemkin, um judeu polaco, jurista e que foi
conselheiro no Departamento de Guerra dos Estados Unidos durante a
Segunda Guerra Mundial. A tentativa de extermínio total do povo judeu
pelos nazistas – Holocausto – foi um motivo forte que levou Lemkin a
lutar por leis que punissem a prática de genocídio. A palavra passou a ser
usada após 1944 .

O racismo e o preconceito étnico-cultural dominaram o cenário durante o


período entre guerras mundiais, com fenômenos conhecidos como Holocausto, no
qual milhões de judeus foram mortos durante a Segunda Guerra Mundial (1939-
1945), bem como com a Lei do Apartheid, na África do Sul, institucionalizada
pelos bôeres ou africâneres – descendentes de holandeses – em 1948, que viveram
na África do Sul, contra os negros e outros grupos que não eram brancos e
descendentes de europeus.

Apartheid foi institucionalizado na África do Sul como uma Lei étnica-racial, que segregava
Explor

negros, mestiços e asiáticos que moravam no País a viverem separados nas cidades, em
áreas conhecidas como townships. Além destas áreas nas cidades, os povos negros nativos
de diversas etnias deveriam viver em bantustões, territórios que foram declarados livres
e independentes pelo governo sul-africano para tornar a África do Sul somente branca.
Nesse regime, o negro não tinha direito a voto, nem poderia andar livremente pelas áreas
declaradas brancas, exceto se tivesse um passe para isso. Tal regime racial e étnico durou de
1948 até 1994, quando Nelson Mandela tornou-se presidente eleito.

Rompendo com as teorias deterministas, evolucionistas e darwinistas sociais,


Malinowski (1994-1942) deu ênfase ao relativismo e à pluralidade da cultura,
mostrando que por meio da educação e da cultura os povos aprendem com os
demais, seja na educação formal ou informal, com seus pares – na transmissão de
sua cultura.
Para isso, cada povo foi criando diferentes maneiras de elaborar sua cultura e de
transmiti-la, assim como com o mundo cada vez mais global, muitas dessas formas
de elaborar uma cultura, hábitos, normas e padrões culturais foram também se
tornando mais universais, ou seja, conhecidos por diversas culturas.

15
15
UNIDADE Diversidade Étnico-cultural

Devido aos acontecimentos ocorridos no período da Segunda Guerra Mundial


(1939-1945), foi criado, em 1948, a Organização das Nações Unidas (ONU),
que elaborou o documento conhecido como Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Assim diz o documento, em seus artigos 1º e 2º:
Artigo 1° Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e
em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com
os outros em espírito de fraternidade.

Artigo 2° Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as


liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma,
nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião
política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento
ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma
distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país
ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território
independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação
de soberania.
fonte: <http://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf>

A partir de normas e declarações como estas, podemos dizer que algumas


referências para a questão social, política, racial e étnico-cultural tornaram-se
universais. Não significa que todos os países e povos compartilhem dos princípios
da Declaração Universal dos Direitos Humanos e o pratiquem plenamente, mas
trata-se de uma ótica mais global sobre tais questões.

Apesar de haver culturas que, ao longo da história, sobrepuseram-se a outras, há


também contra racionalidades, como é o caso da contracultura.

Contracultura
Alguns movimentos socioculturais são de oposição ao modo dominante de vida,
ao modo hegemônico, que se contrapõem à cultura vigente em uma época, em um
lugar ou de forma mais universal.

As décadas de 1960 e 1970 corresponderam a um momento de muita ebulição


social e cultural. Fatos como a Guerra do Vietnã, na qual os Estados Unidos foram
lutar, levaram ao surgimento de movimentos pacifistas contra as armas nucleares e
as guerras em si, assim como movimentos sociopolíticos de mulheres, estudantes e
negros. Destes surgiram novas identidades socioculturais, na música, nas artes, no
teatro, nas formas de se vestir, de se alimentar, de viver.

Pode-se dizer que tais movimentos foram de contracultura, pois buscaram ir


contra o mundo das guerras, da cultura imposta pela raça branca e do consumismo
capitalista, enfim, da cultura dominante.

Esse ideário da contracultura levou milhares de estudantes à luta por uma melhor
educação e por outros motivos de melhor vida, fosse no Brasil, nos Estados Unidos,

16
na França e em outros países. Assim como a formas de música e de um jeito de
viver que se contrapunham ao modo de vida cheio de normas e regras advindas de
uma sociedade hierárquica patriarcal, buscaram uma vida alternativa, como dizia a
música de Raul Seixas: “Viva a sociedade alternativa”.

Figura 2 – Casal hippie


Fonte: iStock/Getty Images

Os hippies, o rock, os eventos de música nesse período ajudaram a exemplificar


o que seria a contracultura: uma contraposição à cultura dominante, com um olhar
crítico, questionador do modo de vida vigente, buscando interpretar o mundo sob
outros vieses, outras formas de pensar. Nas artes visuais, por exemplo, com a Pop
Art, o psicodelismo, com o surrealismo e formas gráficas que mexeram com o
inconsciente e que foram contra a arte do consumismo.

Na visão homem-natureza, ou ambiental, buscou-se um modo de vida menos


estressante, mais próximo à natureza, com menos agrotóxicos, menos poluentes
visuais, sonoros e do ar. Contrapôs-se à sociedade de consumo, do capitalismo
exacerbado, das tecnologias, tal qual afirma um pesquisador sobre este assunto:
A contracultura pregou o seu “retorno à natureza”. Diante da
alienação trabalhista e do pragmatismo cientificista, ergueu os valores
da contemplação e da harmonia. Era como se os jovens do mundo
ocidental, especialmente os hippies, estivessem redescobrindo o milagre
diário da natureza. Celebrava-se, na verdade, o mito da pureza do ser
humano em contato com o mundo natural. Um ambientalismo místico,
em suma, integrando a novíssima fantasia utópica da juventude mundial
(RISÉRIO, 2005, p. 27).

Desse modo, diversos movimentos de contracultura buscaram uma vida alterna-


tiva, sobretudo nas sociedades do mundo ocidental – Europa e América do Norte –,
trazendo à tona a contestação – caso dos hippies, dos beatniks e dos punks, cujas
formas de ser e estar eram contrapontos ao mundo ocidental capitalista.

Finalizando esta Unidade, é importante observar que existem diferentes


culturas pelo mundo e, ao longo da história, muitas tornaram-se etnocêntricas;
bem como, além da cultura dominante, hegemônica, existiram – e existem –
movimentos de contracultura.

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UNIDADE Diversidade Étnico-cultural

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

 Livros
Um olhar sobre a diferença: interação, trabalho e cidadania
BIANCHETTI, L.; FREIRE, I. M. (Org.). Um olhar sobre a diferença: interação, trabalho
e cidadania. Campinas, SP: Papirus, 1998.
Antropologia Social e Cultural
CHICARINO, T. Antropologia Social e Cultural. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2014.
Reflexos da globalização na cultura alimentar: considerações sobre as mudanças na alimentação urbana
GARCIA, R. W. D. Reflexos da globalização na cultura alimentar: considerações sobre
as mudanças na alimentação urbana. Rev. Nutrição, Campinas, SP, v. 16, n. 4, p.
483-492, out./dez. 2003.
Educar para a diversidade: entrelaçando redes, saberes e identidade
PAULA, C. R. Educar para a diversidade: entrelaçando redes, saberes e identidade.
Curitiba, PR: Intersaberes, 2013.
O que é contracultura?
PEREIRA, C. A. M. O que é contracultura? São Paulo: Nova Cultural; Brasiliense, 1986.

18
Referências
BOAS, F. Antropologia Cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

KUPER, A. Cultura: a visão dos antropólogos. Bauru, SP: Edusc, 2002.

MELLO, L. G. Antropologia Cultural: iniciação, teoria e temas. Petrópolis, RJ:


Vozes, 2004.

PALTRINIERI, A. C. Imigração, raça e cultura: o ensinamento de Franz Boas.


Outros Tempos, São Luís,  MA, v. 6,  n. 7,  jul.  2009. Disponível em: <http://
www.outrostempos.uema.br/vol.6.7.pdf/Anna%20Casella%20Paltrinieri.pdf>.
Acesso em: 16 jan. 2017.

RISÉRIO, A. Duas ou três coisas sobre a contracultura no Brasil. In: Anos 70:
trajetórias. São Paulo: Itaú Cultural, 2005.

ROCHA,  E.  O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1988. (Col.


Primeiros passos).

ROSZAK, T.  A  contracultura:  reflexões sobre a sociedade tecnocrática e a


oposição juvenil. Petrópolis, RJ: Vozes, 1972.

UZOIGWE, G. N. Partilha europeia e conquista da África: apanhado geral.


2010. Disponível em: <https://goo.gl/JfGk9x>. Acesso em: 16 jan. 2017.

Sites Visitados
https://www.significados.com.br/genocidio

19
19
Diverdidade
Étnico-Cultural
Material Teórico
Cultura Urbana, Rural e as Comunidades Tradicionais

Responsável pelo Conteúdo:


Profa. Dra. Vivian Fiori

Revisão Textual:
Prof. Ms. Luciano Vieira Francisco
Cultura Urbana, Rural e as
Comunidades Tradicionais

• Culturas Urbana e Rural


• Cultura(s) Urbana
• Cultura e Modo de Vida no Campo
• Territorialidades Negras e Quilombolas

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Analisar alguns aspectos da cultura urbana, rural e das comunidades
tradicionais, principalmente no Brasil.
· Discutir sobre os povos indígenas e quilombolas.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE Cultura Urbana, Rural e as Comunidades Tradicionais

Culturas Urbana e Rural


No mundo atual, cada vez mais integrado e global, as culturas urbana e rural,
em muitos casos, fundem-se, hibridizam-se ou influenciam umas as outras.
Assim, quando dizemos que esta Unidade tratará do tema cultura urbana e do
campo, significa que no mundo atual, cada vez mais integrado do ponto de
vista da informação, da circulação de ideias, da criação de redes sociais, que as
culturas urbana e rural estão cada vez mais inter-relacionadas. No entanto, é fato
também que existem características que são específicas de cada cultura, por isso
vamos destacá-las.

Questões sobre os estilos de vida e a cultura em espaços urbanos e rurais


são estudadas por antropólogos, geógrafos, sociólogos, linguistas, etnógrafos,
historiadores, entre outras áreas do conhecimento.

Você Sabia? Importante!

Que etnografia é um ramo da Antropologia que busca descrever as tradições e culturas


dos povos, mediante coleta de dados, análises e interpretações, principalmente a partir
de trabalho de campo feito por um antropólogo?
Não se deve considerar a etnografia como descrição de raças ou da cor da pele. Desse
modo, não existe cultura do negro e do branco, pois cor da pele e/ou raça não é a mesma
coisa que cultura.

A cultura tem relação com o homem, com o tempo, com o ambiente no qual vive
e sua comunidade ou grupo. Como explicam os pesquisadores, usando informações
de Paulo Bernardi (1974, p. 55) sobre a interação entre esses elementos, temos que
[...] o anthropos, ou seja, o homem na sua realidade individual e pessoal;
o ethnos, comunidade ou povo entendido como associação estruturada de
indivíduos; o oikos, o ambiente natural e cósmico dentro do qual o homem
se encontra a atuar; o chronos, o tempo, condição ao longo do qual, em
continuidade de sucessão, se desenvolve a atividade humana. Acrescenta
que um fator por si só não constitui a cultura, mas a ação dos quatro fatores
é uma constante no processo cultural. Cada ação do indivíduo único,
mesmo sendo novo, original ou importante, estaria destinada a perder-se
ou apagar-se se não fosse apropriada pela coletividade, articulada num
conjunto orgânico e transmitida como parte do patrimônio comum.

Trata-se, portanto, de uma interação entre os elementos do tempo, da etnia, da


comunidade, do ambiente que caracterizam uma determinada cultura.

Considera-se também que as formas de existência dos grupos sociais – classes,


castas e/ou outras formas de estratificação ou hierarquia social – contribuem
também para certos hábitos, costumes, modos de vida que lhe são peculiares – de
formas de expressão, hábitos de consumo, alimentação etc.

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Não se trata de ser melhor ou pior, de valorizar essa ou aquela forma de cultura,
por exemplo, se da cultura popular ou da elite, mas há condições ou características
bem díspares entre as quais.

Do mesmo modo, a vida no campo ou das comunidades tradicionais tem algumas


especificidades. Entende-se por comunidades tradicionais aquelas que foram menos
influenciadas por modos capitalistas de vida, universais. É o caso dos povos indígenas,
das comunidades quilombolas, caiçaras, dos faxinais no Sul do Brasil.

Você Sabia? Importante!

Que os faxinais, por exemplo, constituem-se em comunidades tradicionais que vivem no


Centro-Sul do Paraná? Que são formadas por famílias e povos que vivem de atividades
no campo e cujos ascendentes eram povos camponeses que buscavam preservar sua
forma de vida – de reprodução social – mediante uma maneira comunal de viver?
Leia a explicação dos cientistas sociais sobre o tema:
Tais comunidades possuem formas peculiares de apropriação do território
tradicional, baseadas no uso comunal das áreas de criadouros de animais,
recursos florestais e hídricos e no uso privado das áreas de lavoura, onde é
praticada a policultura alimentar de subsistência com venda de pequeno
excedente. Baseados em normas de conduta e de uso ambiental próprias,
sobretudo na combinação de uso comum e privado dos recursos naturais,
os faxinais são considerados uma forma de organização camponesa
diferenciada no Sul do País (ROCHA; MARTINS, 2007, p. 209).
Há um criadouro comunitário, com uso comum das pastagens, sendo que nesse espaço
cercado encontram-se algumas residências com pequenos quintais e produção de
hortaliças e agricultura de subsistência. Ao lado dessa área comum, há os complexos
faxinais com agricultura, principalmente de milho, arroz e feijão. Buscam, assim,
preservar seu direito étnico-cultural de estabelecer relações comunais, do trabalho em
conjunto, de mutirões.

Já o modo de vida urbano, principalmente nas grandes cidades e metrópoles,


sofre inúmeras influências da indústria cultural, do processo capitalista. Não
significa, no entanto, que inexistam contra racionalidades. É o caso de movimentos
de contracultura de caráter eminentemente urbano. Há, de fato, identidades
urbanas, caso de punks, skinheads, góticos, hip hop, rappers, grafiteiros, entre
tantas outras manifestações relacionadas às formas de arte e expressão, bem como
multiplicidade de identidades nas metrópoles do mundo e no Brasil.

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UNIDADE Cultura Urbana, Rural e as Comunidades Tradicionais

Figuras 1 e 2 – Algumas identidades urbanas


Fontes: Wikimedia/Commons e Istock/Getty Images

Cultura(s) Urbana
Compreende-se por cultura(s) urbana as formas de manifestação cultural,
artística, esportiva, de expressão típicas das áreas urbanas.
Alguns autores denominam tribos urbanas – termo este cunhado pelo sociólogo
francês Michel Maffesoli – para os microgrupos que têm como premissa a interação
social entre amigos e/ou de grupos com o mesmo gosto musical, de pensamento,
formas de se vestir, preferência artística em comum, entre outros aspectos. Assim,
teríamos como exemplo os grupos de hip hop.
Outros definem que o termo tribo urbana não é adequado, pois o conceito de
tribo deve estar associado aos povos tradicionais que vivem de maneira tribal, caso
de alguns povos indígenas e de nativos africanos, por exemplo.
Para o antropólogo Magnani (1996) o termo tribo urbana é uma metáfora – e
não um conceito –, porque emprestado das sociedades indígenas e outras não cabe
usá-lo para as identidades socioculturais existentes no espaço urbano.
Identidades urbanas, como roqueiros e góticos, criam espaços de convivência
e modos de se vestir que são peculiares ao grupo, formulando uma identidade
cultural tipicamente urbana.

Trocando ideias...Importante!
Tribo versus tribo urbana?
[...] pode-se dizer que tribo constitui uma forma de organização mais ampla
que vai além das divisões de clã ou linhagem (parentesco) de um lado e da
aldeia de outro. Trata-se de um pacto que aciona lealdades para além dos
particularismos de grupos domésticos locais. E o que vem à mente quando se
fala em“tribos urbanas”? Exatamente o contrário dessa acepção: pensa-se logo
em pequenos grupos bem delimitados, com regras e costumes particulares
em contraste com o caráter homogêneo e massificado que comumente se
atribui ao estilo de vida nas grandes cidades (MAGNANI, 1996, p. 49-50).

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Importante ressaltar que um adepto de estilo gótico, por exemplo, pode se
expressar como tal, por meio de sua vestimenta, forma de pensamento, hábitos,
gosto musical etc.; de outro, no cotidiano, não se relaciona somente com góticos,
pois pode trabalhar em uma empresa com diferentes pessoas, as quais com gostos
e interesses culturais específicos e distintos entre si.

Daí a multidimensionalidade existente nas áreas urbanas, principalmente nas


grandes metrópoles, onde em cada esquina encontramos tipos diferentes de
culturas, espaços específicos para tais identidades urbanas. Por isso, a vida nas
metrópoles é mais complexa, havendo um “bombardeio” diário de informações
sobre maneiras de se vestir, de gostos que são muito variados.

Nas metrópoles, caso de São Paulo, Nova Iorque, Londres e Tóquio, percebe-se
que existem vários grupos ou microgrupos que têm identidades urbanas próprias,
caso dos adeptos do punk, do funk, do hip hop, da arte de rua, do samba, entre
tantas outras manifestações.

O hip hop, por exemplo, é um movimento sociocultural urbano, cuja origem se


deu em Nova Iorque, nas comunidades afrodescendentes e latinas, constituído de
música, dança, pintura e poesia. Tal movimento se espalhou mundo afora, tornando-
se comum em periferias como as de São Paulo, por exemplo, principalmente entre
os jovens. O hip hop é composto do Rhythm and Poetry (RAP) – ritmo e poesia –,
do Disc-Jockey (DJ) – artista que cria os sons das batidas do hip hop –, do grafite
e da breakdance – dança de rua.

Nas metrópoles há heterogeneidade de manifestações culturais, uma especia-


lização de atividades e serviços relacionados à cultura artística, uma divisão social
mais complexa, com grande diversidade étnica, cultural e de identidades urbanas,
inclusive, de microgrupos.

Figura 3 – Grafite, arte pop urbana de rua


Fonte: Istock/Getty Images

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UNIDADE Cultura Urbana, Rural e as Comunidades Tradicionais

O grafite está entre as formas de arte urbana que vem se disseminando nas
grandes cidades, ganhando status nos últimos anos como arte de vanguarda e
tendo, inclusive, apoio de iniciativas públicas e privadas para grafitar paredes
também públicas e privadas, como forma de expressão de arte de rua.

Grafite é um termo que deriva do latim grafitti e no período do Império Romano


era denominação para as inscrições nas paredes de Roma e, a partir da década de
1990, foi se transformando em arte pop urbana de rua.

Outros estudos de cultura urbana estão relacionados às formas de apropriação


do espaço das cidades por diferentes grupos raciais e étnicos, caso dos bairros
típicos de imigrantes comuns em grandes cidades, que trazem consigo um pouco
de sua cultura, criando um enclave cultural típico. É o caso dos bairros denominados
Chinatown, em Los Angeles, Estados Unidos, onde há grupos de chineses vivendo
e dando características asiáticas com suas lojas e restaurantes. Há também bairros
de judeus, latinos, indianos, entre outros, em Nova Iorque, Londres, Paris e em
outras metrópoles.

Figura 4 - Chinatown nos Estados Unidos


Fonte: Istock/Getty Images

Alguns autores denominam tais enclaves de guetos urbanos quando esses


bairros ou espaços são discriminados e desprovidos de infraestrutura urbana ou
segregados socialmente. Um desses pesquisadores é Wacquant, como cita Frugoli
Jr. (2005, p. 147):
Wacquant, sociólogo que, a partir de ampla pesquisa etnográfica sobre um
gueto negro de Chicago (1996), propôs uma concepção institucionalista
do gueto enquanto conceito, que envolveria uma formação étnico-racial
objetivamente inscrita no espaço, com uma população negativamente
tipificada e o desenvolvimento de “instituições paralelas”, opondo-se
claramente às visões de desorganização atribuída aos mesmos e ressaltando
seus princípios constitutivos em meio a diversas coações estruturais, com
a existência de uma racionalidade social local e regular.

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Nos Estados Unidos, os modos de vida dos negros e da cultura norte-americana
dos afrodescendentes deu origem a um estilo de vida que se contrapõe ao dos
norte-americanos brancos e com melhor condição socioeconômica. Há preconceito
racial e cultural, daí a expressão de guetos urbanos para esses bairros em Chicago,
cidade do Meio-Norte dos Estados Unidos.

Desse modo, as questões racial, cultural, social e econômica se fundem, trazendo


particularidades a determinados grupos que vivem nas cidades.

Cultura e Modo de Vida no Campo


Nas sociedades e grupos que vivem no campo, nas áreas rurais, o modo de vida,
em geral, está mais relacionado à natureza, mediatizado pelo tempo da natureza,
um ritmo de vida mais lento do que o da acelerada metrópole.

No Brasil, existem centenas de municípios de pequeno porte onde a vida rural é


maior do que a urbana, nos quais o modo de vida está mais relacionado à natureza,
ao extrativismo – vegetal e/ou animal –, à agricultura, à pecuária ou a atividades
de turismo rural.

É comum, no Brasil, que ocorram festividades tradicionais em pequenas


comunidades, celebrações que podem estar relacionadas à religião ou religiosidade,
ou ainda festas típicas associadas a algum produto agrícola – “festa do morango”,
“da uva”, por exemplo – entre tantas outras conhecidas pelo Brasil.

Ao produzir a festa, a preparação dos alimentos, as danças típicas, os membros


da comunidade buscam reviver um pouco da cultura que tiveram seus antepassados
e, assim, ressignificam sua identidade de cultura do campo.

Algumas dessas festas são transformadas conforme os interesses da indústria


do turismo. Mudam a data ou algumas de suas características a fim de atender
aos interesses do consumo em turismo, de modo que antigas tradições vão sendo
remodeladas. Fundem-se também o campo e a cidade à medida que algumas dessas
tradições do campo vão para a cidade, tornando-se uma festividade do meio rural,
então em ambiente urbano.

Nas últimas décadas do século XX, o capitalismo tem adentrado cada vez mais
no campo e vem alterando alguns costumes, formas de trabalho, tempo, lazer
e modos de cultura. Logo, a ideia de vida mais simples, de um tempo para a
realização da vida mais lenta no campo nem sempre é verdadeira no mundo atual.

Apesar disso, ainda temos, por exemplo, o modo de vida caipira, em alguns
Estados brasileiros das regiões Sul e Sudeste. Tal cultura caipira foi produzida no
período colonial, mediante miscigenações de grupos indígenas – principalmente
Tupi-Guarani com brancos descendentes de europeus, o que originou o chama-
do caboclo.

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UNIDADE Cultura Urbana, Rural e as Comunidades Tradicionais

Cultura que se formou com o ir e vir dos tropeiros pelo território nacional ainda
no período colonial, do charque, do sotaque típico caipira de parte de São Paulo e
Paraná, da música que retratava o cotidiano da roça.

Antônio Cândido (2001), em sua obra Os parceiros do Rio Bonito, retrata o


modo de vida dos paulistas, da “cultura rústica”, expressão usada para designar o
caipira até o século XX. Segundo pesquisadores do tema, até meados do século
XIX, os termos paulista e caipira se equivaliam, com modos de vida e práticas
festivas, organização familiar, práticas agrícolas, religiosidade e músicas típicas do
que veio a ser definido como cultura caipira.

Já nos finais do século XIX, havia alguns estereótipos sobre o que seria o
caipira, envolvendo certo preconceito daqueles que passaram a ser a elite com o
processo de industrialização e urbanização pelo qual passaram algumas cidades
paulistas – preconceito em relação ao sotaque, com o som da letra erre puxado,
em relação ao modo de vida no campo, da vida mais simples, da “moda de viola”,
entre outras características.

Com o processo de urbanização no Brasil, que se intensificou após as décadas


de 1970 e 1980 e com a inserção do capitalismo no campo, houve mais alterações
nesse modo de vida considerado rural e caipira. Do agregado das fazendas,
passamos a ter caseiros; da vida simples, passamos a ter cada vez mais tecnologias
e também muitos expropriados do campo que foram para a cidade; da agricultura
de subsistência ou pequena agricultura comercial derivou o agronegócio, formato
de produção muito ligado à indústria alimentícia em larga escala.

Mais recentemente, nas últimas décadas do século XX, a antiga música caipira,
da moda de viola, passou a ser chamada de sertaneja, sob influência de novos
vieses musicais e uso de inéditos equipamentos, melodias e letras.

Contudo, não é somente no Estado de São Paulo que há esse modo de vivência
e cultura atrelado à vida no campo e cujo estilo vem se alterando. No sertão do
Nordeste há hábitos comuns seculares – de formas de se alimentar, expressões,
vestimentas, por exemplo, do vaqueiro e do sertanejo agricultor (que vive ainda
da agricultura de subsistência), com sua religiosidade católica – que também vem
sendo alterados nos últimos anos.

Já na Amazônia, existem vários povos e etnias indígenas e comunidades


tradicionais de ribeirinhos, cujas tradições remetem a outras formas de religiosidade,
organização social e cultura.

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Explor
Comunidades tradicionais:
Povos e comunidades tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e
que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização
social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição
para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica,
utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos
pela tradição. [...] A Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos
Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT) foi instituída, em 2007, por
meio do Decreto n.º 6.040. A Política é uma ação do governo federal que
busca promover o desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades
tradicionais, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos
seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com
respeito e valorização à sua identidade, suas formas de organização e suas
instituições (Decreto Federal n.º 6.040/2000).

Embora possamos classificar ou identificar alguns grupos como povos ou


comunidades tradicionais, são significativamente diversos em relação aos modos
e organização social e familiar, hábitos, língua, maneiras de se relacionar com a
natureza e com outros grupos, bem como formas de expressão religiosa e artística.

O que une a comunidade tradicional é seu traço de ser mais comunal, de viver
em comunidade, de ser menos influenciada pelo modo capitalista de produção –
com sua cultura globalizada. Em geral, o que caracteriza a comunidade tradicional
é ter um modo de vida mais atrelado à natureza, mais voltado ao mundo rural. Este
é o caso dos ribeirinhos na Amazônia, que são povos descendentes de europeus e
mestiços, que mantêm uma relação muito peculiar com o ambiente, como retratam
os pesquisadores:
Na Amazônia os povos tradicionais não indígenas possuem um modo de
vida baseado na atividade extrativista, seja ela aquática ou florestal, vivendo
grande parte nas margens de rios, igarapés, várzeas e lagos. São povos
que aprenderam por meio do uso dos recursos naturais e das relações
sociais a conviver com o rio, a floresta, fazendo destes, elementos de
representações de sua própria vida, as identidades coletivas. O ribeirinho
também está inserido entre os povos tradicionais da Amazônia, cujo
termo refere-se àquele que anda pelos rios. O rio constitui a base de
sobrevivência dos ribeirinhos, fonte de alimento e via de transporte, graças,
sobretudo, às terras mais férteis de suas margens. Esses povos possuem
estreita relação com os rios nos quais tem muito mais que o alimento,
tem todo um complexo cultural forjado nas suas múltiplas relações que
com ele estabeleceram ao longo da ocupação de suas margens como
localização estratégica e da consolidação das comunidades como forma
de organização social (NASCIMENTO et al., 2013).

Os ribeirinhos mantêm uma relação estreita com o meio no qual vivem, buscando
ter uma interação com a natureza dos rios por meio das atividades praticadas pelos
quais – agricultura, pesca e extrativismo vegetal. Em geral, as casas sobre palafitas,

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UNIDADE Cultura Urbana, Rural e as Comunidades Tradicionais

reconhecendo a subida e descida das águas, sendo o rio usado como meio de
transporte de pessoas e mercadorias e para outras atividades econômicas, bem
como símbolo da cultura dos ribeirinhos amazônidas.

Outros povos amazônidas considerados tradicionais são os indígenas. Não existe


uma cultura indígena em si, mas vários povos e culturas indígenas. Tanto a língua,
quanto os hábitos e crenças variam de um grupo para outro. Por isso, o uso do
termo índio é equivocado, pois trata-se de uma expressão genérica que envolve
uma simplificação do ponto de vista étnico-cultural.

Originalmente, tais grupos ocuparam todo o território brasileiro e se organizaram


em tribos, tendo uma relação mais próxima com a natureza. Comumente,
sobreviviam mediante a caça, pesca, coleta de vegetais e agricultura, como explica
o pesquisador sobre esses povos no período colonial:
Embora pouco se saiba, ao certo, quanto às cifras da população que
habitava o atual território brasileiro em 1500. Se Ángel Rosenblat a
estimou em cerca de 1 milhão de pessoas, houve quem calculasse em 6,8
milhões a população da Amazônia, Brasil Central e Costa Nordeste. De
todo modo, a população nativa, que se contava na casa dos milhões de
pessoas no limiar do século XVI, mal ultrapassa hoje os 300 mil indivíduos.
De população, portanto, ou despovoamento, eis o primeiro grande traço
da história indígena no Brasil, como de resto ocorreu nas Américas em
proporções gigantescas (VAINFAS, 2007, p. 39).

O próprio processo de catequização, empreendido pelos jesuítas, procurava torná-


los cristãos e, de alguma forma, tinha a intenção de criar certa homogeneização dos
diversos grupos indígenas existentes, buscando moldá-los à forma de vida branca e
cristã, ocidentalizando-os.

Durante vários séculos, muitos foram massacrados, outros morreram devido a


doenças trazidas pelos colonizadores – os índios não tinham anticorpos para tais
doenças –, outros tantos resistiram e lutaram por sua identidade.

No século XX e início do XXI, a maioria dos grupos indígenas no território


brasileiro estava situada principalmente na Amazônia, região cuja ocupação ainda
era menor do que outras existentes no Brasil. Grupos indígenas também estavam
distribuídos em pequenos territórios em outras partes do País, alguns mais isolados,
outros mais integrados ao modo de vida social e cultural das regiões brasileiras.

Em 1961, foi criado o Parque Nacional do Xingu, situado no Norte do Mato


Grosso, reunindo algumas etnias indígenas, entre as quais: Kamayurás, Yawalapitís,
Waurás, Kalapalos, Awetis e Ikpengs, sendo o primeiro território indígena
constituído formalmente no Brasil, por Lei.

Em 1967, no período dos governos militares, foi criada a Fundação Nacional


do Índio (Funai), mantendo a tutela dos grupos indígenas e de suas terras por
meio, incialmente, de uma política de assimilação do indígena ao modo de vida do
“branco”, desconsiderando sua diversidade. Trata-se da entidade responsável por

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promover políticas de delimitação, demarcação e regularização dos diferentes tipos
de terras indígenas, bem como de elaborar políticas públicas de proteção a povos
indígenas isolados.

Você Sabia? Importante!

Que a questão das terras indígenas após 1950:


Avançou, porém, o sistema de demarcação de terras de alguma forma articulada
ao conceito de etnias, resultado dos maiores conhecimentos antropológicos
adquiridos sobre os índios nas décadas de 1950 em diante. Os trabalhos dos
Villas-Boas, de Claude Lévi-Strauss, de Darcy Ribeiro e tantos outros jogaram
papel decisivo na repercussão política de conceitos mais ligados à “etnicidade”
dos grupos indígenas, superando-se pouco a pouco a noção genérica de índio,
via de regra estereotipada. Inúmeros processos de legalização e demarcação
de terras indígenas foram levados a cabo, no Norte, Nordeste, Centro-Oeste,
sobretudo a partir do final da década de 1970. A Constituição de 1988
reconheceu a organização social, as crenças, línguas e tradições dos grupos
indígenas, garantindo-lhes a posse das terras tradicionalmente ocupadas.
Pode-se dizer que triunfaram, politicamente, os conceitos ligados à “etnicidade”
e o reconhecimento das alteridades sobre as noções de “aculturação” ou
“civilização” – que pressupunham, na ação política, a eliminação dos índios, ao
menos do ponto de vista cultural (VAINFAS, 2007, p. 57).

Com a Constituição Federal de 1988, formalizou-se um novo tratamento da


questão indígena, garantindo o usufruto exclusivo de seus territórios que foram
tradicionalmente ocupados mediante seus costumes e tradições.

Figura 5 – Povos indígenas (Brasil)


Fonte: Istock/Getty Images

Apesar dos inúmeros conflitos existentes e com perdas territoriais de diversos


grupos indígenas no Brasil, há alguns aspectos positivos ocorridos nas últimas
décadas. Um dos quais se refere à legislação da educação brasileira que, a partir
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) n.º 9.394/96 e das
diretrizes curriculares nacionais da educação escolar indígena (1999), instituiu
especificidades na educação escolar indígena, entre as quais:

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UNIDADE Cultura Urbana, Rural e as Comunidades Tradicionais

·· A educação formal poderá ser em português e também na língua nativa de


cada povo, tornando-se uma educação bilíngue;
·· Uma educação que fortaleça a memória e a cultura dos povos indígenas.

Tal tarefa não é simples, pois há situações bastante variadas de crianças


indígenas que são monolíngues – falantes de um idioma, apenas –, mas não da
língua portuguesa, ocorrendo eventualmente também o contrário.

Além disso, há outras questões em relação de como se dá concretamente a


produção de uma educação indígena. Em que essa educação deve ser diferenciada
e específica em relação à educação escolar comum? Como será o material didático?
Quem será o professor? Como introduzir conhecimentos novos e, ao mesmo
tempo, contribuir para a preservação cultural de uma determinada etnia indígena?

Territorialidades Negras e Quilombolas


Na história brasileira, originalmente, a palavra quilombo se referia aos ambientes
apropriados pelos escravos que fugiam e resistiam à escravidão, e a partir dos quais
constituam espaços e modos de vida próprios.

Muitas vezes eram territórios móveis, pois à medida que tais espaços eram
descobertos, eram buscados novos locais para se viver. O mais conhecido desses
quilombos no Brasil foi o de Palmares, situado na região de Alagoas. Contudo, o
termo quilombola, expressão usada para terras onde negros oriundos de antigas
famílias de escravos ainda vivem atualmente, não tem relação direta somente com
as antigas localidades de fugas de escravos do passado.

Há também casos de terras onde esses se situam e que foram desapropriadas dos
antigos jesuítas, por doação ou concessão de terras de antigos proprietários rurais,
e até mesmo atividades que ficaram enfraquecidas em um determinado período e
cujos proprietários as abandonaram parcialmente, situações comuns, por exemplo,
com a produção do algodão no sertão nordestino (CARVALHO; LIMA, 2013).

Assim, as situações são as mais variadas, incluindo-se casos de áreas ocupadas


próximas à própria casa grande, dos antigos engenhos de cana-de-açúcar.
Logo, tais terras, em diferentes condições de formas de ocupação ao longo da
história brasileira, constituíram-se em territórios quilombolas, conforme explicam
os pesquisadores:
É visto que a identidade quilombola apresenta-se estreitamente vinculada
às formas como esses grupos relacionam-se com seu território, assim
como com sua ancestralidade, tradições e práticas culturais, numa relação
em que território e identidade seriam indissociáveis. A presença de uma
territorialidade específica desses grupos relaciona-se à ocupação da terra
baseada no uso comum e vem sendo construída em face de trajetórias de
afirmação étnica e política (CARVALHO; LIMA, 2013, p. 321).

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Há diversas territorialidades quilombolas, em condições muito distintas, social e
culturalmente, o que nos permite afirmar que se trata de uma “multiterritorialidade
quilombola” no Brasil, pois o que as definem são o fato de serem espaços de
antigos escravos, mesmo que culturalmente tais espaços possam ser muito distintos
entre si.

Com o período de redemocratização do Brasil, no final da ditadura militar –


década de 1980 –, houve novos eventos normativos, legislações e políticas públicas
relacionadas à questão dos territórios remanescentes dos quilombolas no Brasil.
Não foram consideradas apenas aquelas terras que foram antigos quilombos
– áreas onde os negros se refugiavam –, mas também as diferentes formas de
ocupação existentes nas diversas regiões brasileiras – em áreas urbanas após o fim
da escravidão, por exemplo.

Em geral, não se caracterizam por uma ocupação por lotes individuais, mas de
uso comum, obedecendo às características existentes nas formas e modos de vida
e produção, seja agrícola, extrativista ou outro meio de sobrevivência. O modo de
vida e as relações socioculturais se baseiam principalmente em laços de vizinhança
e parentesco.

O Decreto n.º 4.887/2003 define os quilombolas como grupos étnico-raciais


segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de
relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada
à resistência à opressão histórica sofrida.

Conforme afirma o texto do Decreto, a definição de áreas remanescentes


de quilombolas inicia-se pela própria definição do grupo, autoafirmando-se
como comunidade quilombola, havendo depois um processo que deverá ser
institucionalizado, por meio de investigação histórica e antropológica.

Cabe ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), do


governo federal, identificar, reconhecer, delimitar, demarcar e dar o título de terras
quilombolas no Brasil, cabendo aos interessados buscar evidenciar suas situações.
A maioria desses territórios quilombolas situa-se no Maranhão, Bahia, Pará, Minas
Gerais e Pernambuco.

No Maranhão, por exemplo, estima-se1 que existam cerca de 527 comunidades


quilombolas, das quais poucas foram demarcadas, situadas em mais de 130
municípios. Lutam por seus territórios e alguns têm como típica manifestação
cultural a dança “tambor das crioulas”, que inclui dança de roda circular, tambores e
cantos. Essa dança faz parte do patrimônio cultural imaterial do Brasil desde 2007.

1 Fonte: <http://www.cpisp.org.br/comunidades/html/i_brasil_ma.html>.

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UNIDADE Cultura Urbana, Rural e as Comunidades Tradicionais

Figura 5 – Dança “tambor das crioulas” (Maranhão)


Fonte: OLIVEIRA, Leo

Desse modo, ainda que muitos dos territórios quilombolas não tenham sido
reconhecidos formalmente, houve avanços em relação ao reconhecimento dos
quais, por meio da Lei.

Finalizando esta Unidade, reitera-se que atualmente o processo de globalização


vem alterando os modos de vida e cultura no campo e nas cidades. No Brasil,
apesar de as comunidades tradicionais serem expostas ao processo de ocupação
capitalista, com diferentes disputas por territórios, houve avanços em relação às
leis de proteção aos grupos indígenas e quilombolas, mas ainda há muito a ser feito
para que tais leis sejam respeitadas.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Leitura
Quilombos: espaço de resistência de homens e mulheres negros
BRASIL. Ministério da Educação. Quilombos: espaço de resistência de homens e mulheres
negros. Brasília, DF: Rede de Desenvolvimento Humano; Unesco; MEC, 2005.
https://goo.gl/gqU5bC
Diretrizes curriculares nacionais para a educação escolar quilombola: algumas informações
Conselho Nacional de Educação. Diretrizes curriculares nacionais para a educação
escolar quilombola: algumas informações. Brasília, DF, 2011.
https://goo.gl/rmHUSo
De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana
MAGNANI, José Guilherme Cantor. De perto e de dentro: notas para uma etnografia
urbana. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 17, n. 49, jun. 2002.
https://goo.gl/IXI4mq

21
21
UNIDADE Cultura Urbana, Rural e as Comunidades Tradicionais

Referências
BERNARDI, B. Introdução aos estudos etno-antropológicos: perspectivas do
homem. São Paulo: 70, 1974. p. 50-61.
BLASS, L. M. da S.; PAIS, J. M. (Org.). Tribos urbanas:  produção artística e
identidades. São Paulo: Annablume, 2007.
BORJA, C. dos A. Territorialidade quilombola: o direito étnico sobre a terra
na comunidade de Rincão dos Martimianos, RS. 2008. Dissertação (Mestrado) -
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2008.
BRASIL. Decreto n.º 4.887, de 20 de novembro de 2003. Brasília, DF, 2003.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/d4887.
htm>. Acesso em: 7 maio 2015.
______. Ministério da Educação. Diretrizes curriculares gerais para Educação
Básica. Brasília, DF, 2010.
CÂNDIDO, A. Os parceiros do Rio Bonito. São Paulo: Livraria Duas Cidades; 34, 2001.
CARVALHO, R. M. A.; LIMA, G. F. da C. Comunidades quilombolas, territorialidade
e a legislação no Brasil: uma análise histórica. Política & Trabalho, Revista de
Ciências Sociais, n. 39, p. 329-346, out. 2013.
FRUGOLI JR., H. O urbano em questão na Antropologia: interfaces com a Sociologia.
Rev. Antropologia, São Paulo, v. 48, n. 1, jan./jun. 2005.
LIMA, C. M. G. de. Pesquisa etnográfica: iniciando sua compreensão. Rev. Latino-
Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, v. 4, n. 1, p. 21-30, jan. 1996.
MAGNANI, J. G. C. Tribos urbanas: metáfora ou categoria? Cadernos de
Campo, v. 2, n. 2, p. 48-51, 1996. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/
cadernosdecampo/article/view/40303>. Acesso em: 16 jan. 2017.
NASCIMENTO, D. G. et al. Mudança e resistência nos modos de vida
em comunidades rurais: um estudo da comunidade de Vila Manaus, no
Município de Parintins, AM, Brasil. Contribuciones a las Ciencias Sociales,
ago. 2013. Disponível em: <http://www.eumed.net/rev/cccss/25/resistencia.
html>. Acesso em: 16 jan. 2017.
REIS, H. Fronteiras, territórios e espaços interculturais. Texto, n. 10, 2004. Disponível
em: <http://www.intexto.ufrgs.br/n10/a-n10a9.html>. Acesso em: 19 ago. 2007.
ROCHA; E. do P.; MARTINS, R. de S. Terra e território faxinalense no Paraná:
notas sobre a busca de reconhecimento. Campos: Revista de Antropologia Social,
Curitiba, PR, v. 8, n. 1, p. 209-212, 2007.
SANTOS, M. Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico
informacional. São Paulo: Hucitec, 1994.
VAINFAS, R. História indígena: 500 anos de despovoamento. In: INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Centro de Documentação e
Disseminação de Informações. Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro,
2007. p. 35-60. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/
liv6687.pdf>. Acesso em: 16 jan. 2017.

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Diversidade
Étnico-Cultural
Material Teórico
Pluralidade Cultural, Educação e Políticas Públicas no Brasil

Responsável pelo Conteúdo:


Profa. Dra. Vivian Fiori

Revisão Textual:
Prof. Ms. Luciano Vieira Francisco
Pluralidade Cultural, Educação e Políticas
Públicas no Brasil

• Breve História da(s) Cultura(s) Brasileira(s)


• Povos Indígenas
• Negros e suas Diversas Culturas
• Imigrações Europeia e Japonesa
• Políticas Públicas, Educação e Cultura

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Evidenciar alguns aspectos da cultura brasileira.
· Tratar das influências multiculturais do Brasil.
· Discutir a questão da educação e das políticas em relação à pluralidade
cultural no Brasil.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE Pluralidade Cultural, Educação e Políticas Públicas no Brasil

Breve História da(s) Cultura(s) Brasileira(s)


O Brasil é um país onde existem muitas raças e culturas, no qual houve também
grande processo de miscigenação, ou seja, os diversos grupos que vieram para
o Brasil, em menor ou maior grau, foram se mesclando, em um processo de
relações inter-raciais e culturais entre homens e mulheres, ocasionando diferentes
características físicas e culturais ao povo brasileiro.

Contudo, tais processos nem sempre foram ocasionados pelo respeito ao


próximo e à outra cultura, mas também pela coerção a quem foram submetidos os
escravos, por exemplo. Desse processo de miscigenação derivam palavras como
mulato, cafuzo e caboclo.

Quando os colonizadores portugueses chegaram ao que hoje chamamos de


território do Brasil, havia inúmeros povos que passamos a denominar indígenas,
embora alguns ainda os chamem de índios, termo que é genérico demais para
expressar as diferenças culturais existentes entre os quais.

Depois vieram também diferentes grupos oriundos da África, tornados escravos e


igualmente diversos em relação às crenças e aos modos de vida e cultura que tinham.

Figura 1 – Cultura dos escravos negros no Brasil


Fonte: Wikimedia/Commons

Por fim, vários grupos de imigrantes ao longo da história brasileira aqui


aportaram, legal ou ilegalmente, formados principalmente pelos europeus, mas não
exclusivamente. Além de alemães, italianos, espanhóis, portugueses, ucranianos e
poloneses, europeus que vieram em maior número, houve também imigração de
judeus, árabes – sírio-libaneses, principalmente –, japoneses, chineses, coreanos,
bolivianos, entre tantos outros.

Assim, existem diversos grupos e territorialidades no Brasil, vivendo de formas


variadas em diferentes condições no território nacional, sob as leis do marco
jurídico-político brasileiro.

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O povo brasileiro, desde o período colonial, é formado pela miscigenação
de diferentes grupos humanos, sob distintas influências culturais que foram se
mesclando, ou que se sobrepuseram às demais formas de identidades culturais.

De forma resumida, delinearemos três questões que, em geral, são tratadas nos
livros da Educação Básica e no mundo acadêmico, a saber: os grupos indígenas,
os negros e sua diversidade cultural e, por fim, as imigrações europeia e japonesa.

Embora o título se refira à cultura brasileira, é importante ressaltar que não


existe uma única cultura nacional, sendo esta multicultural, multifacetada, diversa.

É fato, também, que há traços mais comuns e que nos distinguem como brasileiros
quando somos comparados a outros povos. A maioria tem na língua portuguesa
seu principal idioma, alguns hábitos e crenças comuns, do conhecimento da cultura
esportiva atrelada ao futebol, da religiosidade, entre outros aspectos, os quais tidos
como importantes referências culturais.

Há também os regionalismos culturais, não somente das macrorregiões – Norte,


Sul, Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste –, mas também internamente a essas
regiões. Caso, por exemplo, do Pantanal mato-grossense, que tem no ir e vir das
águas dos rios um ritmo de vida que está em boa parte atrelado a essa condição da
natureza; ou do gaúcho das planícies dos pampas, com a cultura do churrasco e
chimarrão, os quais não são apenas partes de uma cultura alimentar, mas também
de gestos, expressões, linguajares próprios.

Figura 2 – Pantanal do Mato Grosso


Fonte: Istock/Getty Images

Há especificidades com os sotaques e expressões da língua que são marcas de


determinadas regiões; das formas de se alimentar, que têm inúmeras características
regionais, todas baseadas em uma relação que se estabelece com a história, com a
economia e com a natureza do lugar; entre outros fatores.

A seguir, delinearemos um pouco dessas culturas.

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UNIDADE Pluralidade Cultural, Educação e Políticas Públicas no Brasil

Povos Indígenas
Quando os portugueses e outros migraram para este território – onde atualmente
chamamos de Brasil – havia inúmeras tribos indígenas falando várias línguas.

Houve miscigenação desde o princípio, entre brancos europeus e indígenas,


principalmente os que habitavam próximo ao litoral, onde a ocupação do
empreendimento colonizador foi maior. Isso resultou em um choque de culturas
logo de início, pois os grupos indígenas, em geral, tinham crenças animistas e
maior relação com a natureza; ao contrário dos portugueses que eram cristãos, em
sua grande maioria.

Imperava entre os colonizadores a lógica da catequese, feita pelos jesuítas, os quais


buscavam cristianizar os povos indígenas e salvar suas almas, dentro da premissa
cristã da época e, ao mesmo tempo, tentando homogeneizar as diferenças entre
os diversos grupos indígenas existentes, como explica o pesquisador sobre o tema:
De todo modo, a necessidade de identificar os povos que habitavam o
Brasil, fosse para melhor catequizá-los, escravizá-los, combatê-los ou
mesmo aliar-se a eles, levou os colonizadores, leigos ou eclesiásticos, a
rascunhar classificações minimamente etnográficas. A que mais prosperou,
sem escapar da nominação genérica, foi a que distinguiu os Tupis dos
Tapuias, correspondendo os primeiros aos povos que, pela semelhança
de língua e costumes, predominavam no litoral brasílico no século XVI, e
os segundos correspondendo aos “outros”. Aos que não falavam o que
os jesuítas chamaram de “língua geral” ou “língua mais usada na costa do
Brasil”, nas palavras de Anchieta, o primeiro a compor uma gramática
da língua tupi. De maneira que, na verdade, nunca houve um grupo
cultural ou lingüístico “tapuia”, que nada mais era do que, basicamente, o
vocábulo tupi utilizado para designar os que não falavam essa língua, ou
seja, povos de outros troncos ou famílias linguísticas (VAINFAS, 2007, p.
38, grifos do autor).

Aos poucos, os grupos de origem tupi foram chamados de tupinambás,


tupiniquins, potiguares, caetés, tamoios etc., ocupando um vasto território do
Ceará ao litoral de Santa Catarina.

Aldeias inteiras foram flageladas, devido a doenças como gripes e outras


infecções, já que os nativos não tinham anticorpos naturais para as doenças de
origem europeia. Isso resultou em um declínio demográfico indígena, principalmente
nas regiões próximas ao litoral brasileiro.

Em 1755, D. José I aprovou um documento que deveria ser usado para os


grupos indígenas da Capitania do Grão-Pará e Maranhão e que posteriormente
foi estendido para todo o território ocupado pelos portugueses. Em tal documento
proibia-se a escravidão de indígenas, acabava-se então com a tutela das missões
religiosas sobre esses grupos e determinava que os indígenas seriam vassalos livres
da Coroa Portuguesa, como diz Vainfas (2007, p. 51):

10
Por meio dele, a Coroa planejava, com o auxílio dos novos vassalos,
preservar as fronteiras, incrementar e diversificar a agricultura e converter
os índios em mão-de-obra disciplinada para as frentes de expansão colonial,
sobretudo na região amazônica. Cada povoação teria o seu diretor,
nomeado pelo governador e capitão-geral do Estado. A língua portuguesa
tornava-se obrigatória, os ritos e crenças indígenas considerados práticas
condenáveis, a bigamia perseguida e os casamentos mistos incentivados.
Os índios seriam incluídos na “civilização” por intermédio da agricultura,
comercialização de produtos agrícolas e pagamento de tributos.
Complementarmente, o Alvará de 4 de abril de 1755 estabeleceu que os
portugueses que se casassem com índias não perderiam seus privilégios,
nem cairiam em infâmia, antes seriam preferidos nas terras onde se
estabelecessem com a família.

As legislações posteriores, no período imperial, buscavam também que os grupos


indígenas fossem assimilados à cultura brasileira – considerada cristã. A própria
identidade nacional foi sendo construída após a Independência do Brasil (1822) e a
literatura de autores como José de Alencar, com a obra O guarani, publicada em
1857, teve um papel importante em relação à assimilação dos grupos indígenas.
Por exemplo, tal obra literária trata de um indígena que aceita os valores cristãos e
uma portuguesa que aceita os valores do Novo Mundo sobre a natureza, fundando-
se, assim, a visão de uma nação luso-tupi.

Importante ressaltar que nessa época a concepção do indígena que aceitasse o


cristianismo era vista de forma positiva; já os outros eram considerados selvagens;
ao passo que os negros e suas formas de expressão cultural não eram aceitos pela
sociedade da época, porque eram escravos.

Nas décadas de 1940 e 1950, com as pesquisas dos irmãos Villas Bôas e com o
interesse dos governos em ocupar a Amazônia, instituiu-se a criação do Parque do
Xingu, com várias etnias em uma reserva indígena delimitada formalmente.

Figura 3 – Parque do Xingu


Fonte: Istock/Getty Images

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UNIDADE Pluralidade Cultural, Educação e Políticas Públicas no Brasil

Mais recentemente, com o novo período de democratização, a Constituição de


1988 reconheceu as línguas, tradições e crenças indígenas, bem como houve o
reconhecimento da etnicidade dos diversos grupos, no lugar da visão de assimilação
e aculturação existente anteriormente.

Apesar de na prática haver inúmeros conflitos sobre essas territorialidades


indígenas, formais ou não, nas últimas décadas houve avanços em relação às
políticas indigenistas no Brasil, caso da possibilidade de Educação Especial para os
grupos indígenas, que tem permitido o resgate cultural desses povos.

Negros e suas Diversas Culturas


Em relação aos negros, houve também inúmeras formas de simplificação e
preconceito em relação à cor da pele – característica racial – e também cultural.
Dito de outra forma, do mesmo modo que não existe o índio em si, o negro é uma
expressão que se refere à cor da pele, aos traços raciais, mas é importante ressaltar
que estes podem ter diversas características étnico-culturais.

Os negros foram trazidos para o Brasil para serem escravizados, advindos


principalmente da costa ocidental e do Sudoeste da África. Eram de diversas
etnias que compunham, grosso modo, dois grupos principais: os bantos, do Sul
do Continente africano; e os sudaneses, da costa ocidental na região próxima à
atual Nigéria.

Entre essa população trazida da África, havia aqueles que tinham crenças
animistas, outros fetichistas, e ainda grupos que seguiam a religião islâmica.
Aqui, vieram para trabalhar na cana-de-açúcar da zona da mata nordestina e,
posteriormente, grandes grupos foram para as minas – nas cidades mineiras – e
para o Vale do Paraíba – em São Paulo – e Rio de Janeiro para o trabalho com
o café.

No Maranhão, especialmente em São Luís – que fora a capital da Capitania do


Grão-Pará e Maranhão – houve também grande concentração de escravos negros,
tanto no campo como nas cidades.

Na Bahia predominavam os negros da região do Golfo do Benin – atual área


próxima à Nigéria –; já para o Rio de Janeiro, então capital, vinham de Luanda
e Moçambique. Tais condições propiciaram diversas diferenças culturais entre os
grupos, muito embora sejam chamados comumente – pela literatura – de “negros”,
como se fossem todos iguais.

Do Golfo do Benin vieram os Dogomés, Jejes, Ussás, Bornos, Tapas e Nagôs,


entre outros. Alguns desses acreditavam em orixás, que eram considerados deuses,
em uma crença politeísta. Como havia proibição dessas crenças se estabelecerem
formalmente, criou-se o chamado sincretismo religioso, com a prevalência dos
preceitos e deuses – orixás – africanos, pela substituição desses por nomes de santos

12
da igreja católica, como forma de disfarçar suas crenças, o que posteriormente
originaria o candomblé e a umbanda, religiões brasileiras.

Em relação à escravidão, algumas poesias e obras dos séculos XVIII e XIX foram
contra tal condição, caso de Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, na qual
retrata uma escrava de cor de pele branca, mas de ascendência negra, que sofre
as consequências da origem negra de sua mãe escrava. Bernardo Guimarães criou
a personagem Isaura como escrava branca buscando evidenciar que qualquer um
pode ser submetido à escravidão. Trouxe à tona tal discussão, mas, ainda assim,
com uma escrava branca – e não negra.

As alforrias tornaram-se mais comuns no século XVIII, principalmente na região


de Minas Gerais, mas apenas no século XIX houve o fim da escravidão no Brasil de
modo formal, especificamente a partir de 1850 – com o fim do tráfico de escravos
– e em 13 de maio de 1888 – com a abolição da escravidão no País.

Figura 4 – Escravidão no Brasil


Fonte: Wikimedia/Commons

Nesse período houve negros e mulatos que tiveram grande importância para
a sociedade brasileira, caso dos irmãos Rebouças, engenheiros que construíram
importantes redes ferroviárias no Brasil; Machado de Assis, atualmente reconhecido
como um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos; Teodoro Sampaio,
geógrafo, historiador e engenheiro, entre outros, como afirma Reis (2007, p. 88):
Nas cidades ela ocupava vários importantes setores da estrutura de
trabalho, era a mão-de-obra qualificada — os chamados “oficiais
mecânicos” — e aos poucos forçou sua entrada em ambientes que
constituíam espaços exclusivamente brancos, como eram as profissões
liberais. Muitos foram os mulatos que ao longo do século XIX alçaram
posições de médicos, professores, advogados, engenheiros, periodistas,
escritores, alguns ocupando também funções políticas e administrativas
no Legislativo e no Executivo. Mesmo que não exibissem e defendessem
causas sociais ligadas aos de sua cor — gente como os abolicionistas
negros Luiz Gama, José do Patrocínio e o pardo André Rebouças —,
muitas vezes brilhavam em círculos quase inteiramente brancos, como
foi o caso de Machado de Assis no mundo das letras. Todos, no entanto,
enfrentaram preconceitos raciais que certamente barraram a maioria de
também ascender socialmente, de ir além das ocupações manuais.

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UNIDADE Pluralidade Cultural, Educação e Políticas Públicas no Brasil

Você Sabia? Importante!

Quem foi Teodoro Sampaio?


Foi um dos maiores engenheiros do País, além de geógrafo e historiador, Teodoro foi
o primeiro a mapear a região da Chapada Diamantina. Suas anotações ajudaram
Euclides da Cunha a escrever Os sertões. Foi também um dos homens públicos de
maior importância nos debates e projetos urbanísticos do País, no final do século XIX
e início do XX. Hoje, municípios em São Paulo e na Bahia carregam seu nome, além
de escolas, túnel, ruas e travessas de cinco bairros da Cidade de Salvador e ruas de
cidades como Feira de Santana, Curitiba, Londrina, Rio de Janeiro e Santos, entre outras.
Em 1879, foi criada a Comissão Hidráulica do Império, para melhorar os portos e a
navegação dos grandes rios do interior brasileiro. Teodoro Sampaio fez parte da equipe,
como engenheiro de segunda classe, mas seu nome não apareceu no Diário Oficial junto
dos demais integrantes, por ser o único negro. Somente após a interferência do senador
Viriato de Medeiros é que foi incluído no Diário. Em 1881, foi nomeado engenheiro de
primeira classe. Na Comissão, participou de uma expedição pelo Rio São Francisco e
suas anotações serviram de base para seus livros O Rio São Francisco e A Chapada
Diamantina, de 1905. Em 1883, integrou a Comissão de Melhoramentos do Rio São
Francisco, como primeiro engenheiro-ajudante. Lá colaborou nas obras de barragem e
desobstrução dos trechos encachoeirados do rio.
Em 1886, Teodoro integrou a Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo, como primeiro
engenheiro e chefe de topografia. No governo de Prudente de Morais (1890), assumiu
a chefia dos Serviços de Água e Esgoto da Cidade de São Paulo. A partir da década de
1890, Teodoro ganhou reconhecimento intelectual cada vez maior, devido, entre outros
fatores, à sua participação na comissão que organizou a Escola Politécnica de São Paulo.
Em 1901, lançou o livro O tupy na geografia nacional, obra reconhecida como
referência fundamental no estudo do tupy e de sua influência na formação cultural do
País (COSTA, 2003; TELLES, [20--]).

No final do século XIX e começo do XX, iniciou-se um período de forte imigração


europeia para o Brasil, principalmente de italianos, alemães, espanhóis, poloneses,
ucranianos. Havia uma ideologia de “branquear” a população brasileira e trazer
europeus que detinham conhecimento em agricultura.

Obras como O mulato, de Aluísio Azevedo, retratam um pouco da visão


preconceituosa contra o negro, mas via no mulato uma forma de ascensão cultural
em relação aos negros, como explica Fiorin (2016, p. 21):
Observa-se em O mulato, de Aluísio Azevedo, que é preciso acabar com
o preconceito contra o mulato, porque a mistura do negro com branco é
uma melhoração e não uma pejoração, como pensava a tacanha sociedade
de São Luís. A melhoração era o afastamento do negro, considerado
rude, sem cultura, incivilizado, e a aproximação com o branco, modelo da
sociedade brasileira.

Nesse livro evidenciam-se expressões depreciativas, como a de que os negros


tinham alma negra, além de expressões pejorativas de todo tipo, retratando um

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discurso da época, ao mesmo tempo em que ilustra o branqueamento do mulato
por meio da mestiçagem entre brancos e negros como algo positivo.

Apenas mais recentemente a legislação brasileira tratou da questão na educação,


de forma a se evidenciar a pluralidade cultural no Brasil e se reconhecer a importância
dos negros e suas culturas para o País.

Imigrações Europeia e Japonesa


Entende-se por imigrante aquela pessoa que se deslocou de uma região ou país
para outro, chegando a um novo lugar, geralmente buscando fixar residência.

A mudança de território é sempre um impacto para quem migra. Em lugares


diferentes há diferenças culturais, socioeconômicas, políticas, espaciais, entre
outras, que modificam, de alguma forma, a existência do migrante.

As referências socioculturais as quais são elaboradas ao longo da história, nos


diferentes lugares do mundo, e nas quais vivemos, confrontam-se a outras referências
em outros lugares. Seja na materialidade, no jeito de se vestir, na comida, nas
formas de construção etc., seja nos hábitos, nos costumes, nas crenças, nas formas
de linguagem, no idioma, na religião, no clima, entre outras condições.

Tais elementos socioculturais trazem ao morador que lá vive há algum tempo


certa referência cultural, do convívio, das relações sociais e do espaço vivido no
cotidiano. Então, o migrante vai conhecendo novas referências e, ao mesmo tempo,
marcando o espaço em que convive para, a partir daí, criar novas territorialidades.

No século XIX houve as primeiras grandes levas de imigração para o Brasil.


Vieram para o território brasileiro principalmente imigrantes europeus: italianos,
suíços, alemães, espanhóis etc.; bem como sírio-libaneses – à época denomina-
dos turcos.

Esse processo se intensificou na década de 1850, devido à Lei de terras no


Brasil (1850) e ao fim do tráfico de escravos, imposto pela Inglaterra. Desse
modo, havia um interesse pela substituição da mão de obra imigrante no lugar dos
escravos, que se tornaram mais difíceis de serem adquiridos. Assim, o governo
brasileiro e também empreendedores que buscavam mão de obra passaram a fazer
propagandas externas tentando atrair estrangeiros.

Para o “empreendimento” capitalista do café, por exemplo, era interessante


ter trabalhadores imigrantes, assim como, por uma questão racial, optou-se
principalmente por imigrantes europeus, que eram brancos. Alguns autores dizem
que essa questão serviria então para branquear a população brasileira que, de certo
modo, era bastante miscigenada e com cor de pele mais escura, ou seja, imperou
também o preconceito racial e cultural nesse caso. Houve então a entrada de milhares
de imigrantes europeus, principalmente para São Paulo e o Sul do Brasil. Em São
Paulo, vieram trabalhar especialmente em lavouras do café, no interior do Estado.

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15
UNIDADE Pluralidade Cultural, Educação e Políticas Públicas no Brasil

No Sul do Brasil, como decorrência de disputas territoriais com os países


vizinhos, no século XIX, o governo brasileiro tentou criar colônias de povoamento,
em regiões cuja ocupação era menos densa, iniciada, por exemplo, com alemães,
em São Leopoldo, RS, em 1824.

Em geral, no Sul os imigrantes ganhavam pequenos lotes de terra no campo e


também ajudavam a fundar cidades que aos poucos foram adquirindo características
culturais e cujas paisagens retratavam um pouco de suas culturas. Os alemães, por
exemplo, instalaram-se no Vale do Itajaí, em Santa Catarina, em cidades de Brusque,
Blumenau e Joinville, e também em São Leopoldo e Novo Hamburgo, RS.

Outro grupo bastante comum em São Paulo e no Sul foram os italianos. Em São
Paulo, vieram para trabalhar na produção do café e no Sul, tornaram-se colonos,
por exemplo, na serra gaúcha, em cidades como Flores da Cunha, Caxias do Sul
e Bento Gonçalves.

Para os italianos e seus descendentes a construção de sua territorialidade no


Sul do Brasil se fez principalmente pelas construções, pela inserção de alimentos
e pratos que eram comuns na Itália – ainda que adaptados à realidade brasileira –
e também pela religiosidade católica. Ao passo que para os alemães o resgate se
voltou à língua materna, inclusive, ensinada em muitas escolas bilíngues que têm
descendentes de imigrantes, na comida e nas construções que lembram um pouco
a arquitetura de seu país de origem.

Atualmente, muitas dessas territorialidades alemães e italianas no Sul do


Brasil se situam em lugares “turistificados”, caso das cidades do circuito das
serras gaúchas, onde encontramos Gramado, Caxias do Sul e Bento Gonçalves,
municípios conhecidos pelas vinícolas, produção de uva e vinho, além da culinária
principalmente italiana.

Figura 5
Fonte: Wikimedia/Commons

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Já no Vale do Itajaí, SC, em Blumenau e Joinville prevalece a ocupação dos
descendentes de alemães, com as casas e construções que remetem às antigas
edificações aos moldes germânicos, bem como a Oktoberfest, que se tornou
conhecida nacionalmente.

A imigração japonesa para o Brasil foi posterior às europeias do século XIX.


Iniciou-se no século XX, com o primeiro navio vindo em 1908, cujos trabalhadores
foram atuar, principalmente, nas lavouras de café e de algodão no Oeste paulista,
por meio de contratos.

A reestruturação proposta pelo imperador japonês Meiji (1868-1912) produziu


profundas transformações na sociedade e no território japonês, modernizando
o País e buscando industrializá-lo. Isso ocasionou problemas sociais que levaram
pequenos agricultores, comerciantes e artesãos a tentarem a vida no Brasil. Ao
longo das décadas de 1920 e 1930 vieram grupos maiores, indo para cidades do
Oeste paulista e também para o Norte do Paraná.

Culturalmente, além da língua, trouxeram para o Brasil hábitos alimentares que


se tornaram comuns nas grandes cidades, caso de várias hortaliças e também da
comida propriamente japonesa – como o sushi e o sashimi – aqui no Brasil.

Não podemos dizer que é cultura brasileira, mas que é cultura japonesa inserida
em território brasileiro, ressignificada. Essa influência nipônica se deu também nas
filosofias de vida e na religião, caso da seicho-no-ie ou do budismo, muito praticado
em países do Extremo Oriente – Leste da Ásia.

A produção da cultura é um processo, portanto, dinâmico. Alguns traços mais


brasileiros vão se mesclando, produzindo uma multiculturalidade no território
brasileiro. De culturas europeias que aqui foram transformadas, ou de culturas
africanas que também foram sendo remodeladas ao longo do tempo, ora se
mesclando, ora sendo subjugadas. Por isso, afirmamos que o Brasil é uma país
multicultural, onde existem influências de inúmeras etnias, povos e culturas.

Políticas Públicas, Educação e Cultura


Existem culturas que assimilam melhor as diferenças, reconhecem a diversidade
e outras que são mais fechadas, menos suscetíveis a compreender o “outro”, a
diferença, a mistura, a miscigenação.

Em 1948, foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) a Declaração
dos Direitos Humanos como um marco importante no entendimento da busca da
cidadania, da igualdade e da fraternidade no mundo, embora concretamente ainda
há muito a ser feito em diversos países.

Há muito tempo o Brasil é visto, tanto pelos próprios brasileiros como em


outros países, como uma nação tolerante racial e culturalmente, com grande
miscigenação, de convívio harmônico com outros povos.

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UNIDADE Pluralidade Cultural, Educação e Políticas Públicas no Brasil

Se compararmos o que ocorre no Brasil ao que acontece a alguns povos e em


dados momentos da história, realmente podemos nos considerar mais tolerantes.
Basta comparar a rotina brasileira com eventos tais como guerras tribais entre
hutus e tutsis em Ruanda, que dizimaram milhões de pessoas na década de 1990,
ou de países onde movimentos políticos de extrema direita foram intolerantes com
outros povos migrantes – caso da Alemanha nazista –, enfim, teríamos inúmeros
exemplos no mundo sobre essa questão.

No governo Vargas (1930-1945) essa condição brasileira foi forjada com a


criação de símbolos que servissem de identidade nacional. Muita dessa simbologia
sobre o que é ser brasileiro está presente em nosso cotidiano, caso da feijoada, do
carnaval e do futebol, dando a ideia da existência de um único “povo brasileiro”.

Ao longo do século XX foi se construindo a ideia da formação do povo brasileiro


com as três raças – branco, negro e índio. Tais termos, em si, não retratam nem
a questão étnica, tampouco a raça – apenas a cor da pele. Contudo, tanto nos
livros quanto na mídia e também no senso comum foi se construindo a imagem
de “democracia racial”, de país tolerante. Basta, no entanto, um olhar mais
aprofundado em nossa história para percebermos que tivemos – e ainda temos
– vários problemas em relação a aceitar o “outro”. Há casos de preconceitos e
também de intolerância social, cultural e especificamente religiosa.

Em 1951, elaboraram no Brasil uma Lei que ficou conhecida como Lei Afonso
Arinos, promulgada no governo Vargas e que proíbe a discriminação racial ou por
cor da pele no País, cuja punição ocorre somente por meio de flagrante.

No Brasil, principalmente após a nova Constituição Federal, de 1988, e com


o processo de redemocratização, com eleições livres para a presidência, novas
políticas relacionadas à cultura e à educação foram construídas. Nessas políticas
referentes à diversidade cultural, termos como multiculturalismo, pluralidade,
diferença, intolerância passaram a ser mais comuns em livros didáticos, na mídia,
nas redes sociais e no cotidiano.

Tais normas, leis e políticas representam o reconhecimento de que o Brasil


é um país plural, diverso, formado por diferentes etnias e culturas. Há enfoque,
por exemplo, nos povos indígenas, quilombolas, nas comunidades tradicionais
rurais, na questão do negro e da afrodescendência, nas políticas afirmativas e de
cotas, na pluralidade cultural como tema transversal, na Educação Especial, na
ética e cidadania.

Este novo período se coaduna com mudanças no mundo e com as transformações


políticas no Brasil, com o final dos governos militares (1964-1985). Em 2010, por
exemplo, foi criado o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a propiciar condições
de igualdade de oportunidades aos negros no Brasil, em defesa dos direitos étnicos,
contra a intolerância e discriminação étnico-racial, social e no trabalho.

18
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), de 1996, trouxe
novas preocupações relativas à pluralidade e respeito às diferenças. E nos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) surgiu a pluralidade cultural como tema
transversal. Contudo, em um modelo de ensino ainda muito tradicional, reproduz-
se a ideia das três raças, sem discutir questões como racismo, intolerância religiosa
e cultural, bem como os preconceitos de todo o tipo, que ainda faltam ser melhor
debatidos na Educação Básica e nas universidades.

Promoveu-se uma política de maior acesso à educação, com maior universalização


da escolarização, mas pouco se alterou a metodologia de ensino, os conteúdos e
maneiras de se refletir o currículo definido.

Os valores dominantes e hegemônicos ainda são dos brancos, cristãos e


das classes sociais mais abastadas – e aqueles que divergirem disso enfrentarão
preconceito, ainda que velado, caso das religiões que foram influenciadas pelos
negros no Brasil (candomblé, por exemplo).

Recentemente, com o aumento de imigrantes africanos e também de haitianos


que vieram ao Brasil, detectou-se entre os quais que muitos perceberam o
preconceito racial e cultural existente em nosso país – ainda que em alguns casos
apareça de forma sutil. Ou seja, na prática se trata de pouca pluralidade cultural e
uma visão monocultural da sociedade brasileira.

Para que seja multiculturalista, ou com pluralidade cultural, é fundamental


reconhecermos que o Brasil é um Estado com muitas nações e diferentes culturas
regionais, de grupos socioculturais diversos, com povos que são minorias e precisam
ser respeitados em suas diferenças, em suas formas de expressão cultural.

Não buscando uma essencialidade, pois sabemos que não existe nem raça, nem
cultura “pura”, há sempre transformações, assimilações de costumes de um ou
outro povo; mas que isso possa ocorrer dentro de princípios éticos, democráticos
– e não por meio da imposição de uma cultura sobre a outra.

Nos PCN há um tema transversal – temas que devem ser tratados de maneira
transdisciplinar – denominado pluralidade cultural, objetivando a valorização
das diferentes características étnico-culturais dos diversos grupos existentes em
território brasileiro. Como afirma esse documento, nas escolas brasileiras ainda há
muitas formas de discriminação e preconceitos produzidos por alunos, professores,
diretores, funcionários e também por familiares dos alunos, que ocorrem de forma
consciente ou não.

Por isso, é necessário que a educação, em todos os níveis de ensino, trate


dessa diversidade cultural no Brasil, da intolerância religiosa, racial e cultural,
buscando criar novos comportamentos em relação à questão, como se afirma no
próprio documento:

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UNIDADE Pluralidade Cultural, Educação e Políticas Públicas no Brasil

A criança na escola convive com a diversidade e poderá aprender com


ela. Singularidades presentes nas características de cultura, de etnias, de
regiões, de famílias, são de fato percebidas com mais clareza quando
colocadas junto a outras. A percepção de cada um, individualmente,
elabora-se com maior precisão graças ao Outro, que se coloca como limite
e possibilidade. Limite, de quem efetivamente cada um é. Possibilidade,
de vínculos, realizações de “vir-a-ser”. Para tanto, há necessidade de a
escola instrumentalizar-se para fornecer informações mais precisas a
questões que vêm sendo indevidamente respondidas pelo senso comum,
quando não ignoradas por um silencioso constrangimento. Esta proposta
traz a necessidade imperiosa da formação de professores no tema da
pluralidade cultural. Provocar essa demanda específica na formação
docente é exercício de cidadania. É investimento importante e precisa
ser um compromisso político-pedagógico de qualquer planejamento
educacional/escolar para formação e/ou desenvolvimento profissional
dos professores (BRASIL, 1997, p. 123).

Evitando-se expressões de cunho racista ou que depreciem determinada cultura,


buscando se imaginar no lugar do “outro”, da outra pessoa, da outra cultura.

Pessoas e diferentes grupos socioculturais têm se tornado alvos de ataques racistas


e culturais que depreciam povos, etnias e culturas nas redes sociais. Deveríamos
nos preocupar em melhorar nossas vidas, ao invés de buscar, por meio de discursos
em redes sociais, depreciar ou atacar outros grupos sociais e pessoas que sejam
diferentes de nós.

Figura 6
Fonte: Istock/Getty Images

Edgar Morin (2000), em sua obra Os sete saberes necessários à educação


do futuro, comenta sobre a importância da educação voltada à paz, que discuta
temas como racismo, xenofobia, desprezo, principalmente no mundo atual, onde
o processo de globalização tem colocado muitos povos em contato, por conta das
migrações. Como afirma esse autor:

20
O etnocentrismo e o sociocentrismo nutrem xenofobias e racismos e po-
dem até mesmo despojar o estrangeiro da qualidade de ser humano. Por
isso, a verdadeira luta contra os racismos se operaria mais contra suas raí-
zes ego-sócio-cêntricas do que contra seus sintomas. As idéias preconcebi-
das, as racionalizações com base em premissas arbitrárias, a autojustifica-
ção frenética, a incapacidade de se autocriticar, os raciocínios paranóicos,
a arrogância, a recusa, o desprezo, a fabricação e a condenação de culpa-
dos são as causas e as conseqüências das piores incompreensões, oriundas
tanto do egocentrismo quanto do etnocentrismo (MORIN, 2000, p. 98).

São valores egocêntricos, do individualismo, da visão a partir de seu povo –


etnocentrismo – e sociedade – sociocentrismo –, sem respeitar o outro; essas
concepções têm ocorrido em muitos lugares no Brasil e no mundo.

Então, nessa educação para a compreensão, é fundamental revermos conceitos,


termos pejorativos que usamos como se fossem corretos, buscando a solidariedade
moral e intelectual da humanidade, como diz Morin (2000).

É ainda essencial aceitarmos a pluralidade cultural, o multiculturalismo existente


no território brasileiro, em suas múltiplas identidades socioculturais, respeitando a
diversidade existente.

Finalizando, nesta Unidade abordamos de forma sucinta algumas características


das diversas culturas existentes no Brasil, bem como a relação entre pluralidade
cultural e educação.

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UNIDADE Pluralidade Cultural, Educação e Políticas Públicas no Brasil

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

 Vídeos
Parque do Xingu. Dir. Paula Saldanha. [20--]. 25min28. (Série Expedições).
https://goo.gl/GXWdbu

 Filmes
Xingu
Xingu. Dir. Cao Hamburger, 2011.

 Leitura
Brasil: 500 anos de povoamento
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Centro de Documen-
tação e Disseminação de Informações. Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Ja-
neiro, 2007.
https://goo.gl/WRCkH5
Pertencimento étnico e territorialidade: italianos na região central do Rio Grande do Sul (Brasil)
ZANINI, Maria Catarina Chitolina. Pertencimento étnico e territorialidade: italianos na
região central do Rio Grande do Sul (Brasil). Redes, Santa Cruz do Sul, RS, v. 13, n.
3, p. 140-163, set./dez. 2008.
https://goo.gl/Tsj7eW

22
Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
curriculares nacionais: pluralidade cultural, orientação sexual. Brasília, DF, 1997.

CORRÊA, Rosa Lydia Teixeira. Cultura e diversidade. Curitiba, PR: Intersaberes, 2012.

COSTA, Luiz Augusto Maia. O ideário urbano paulista na virada do século – o


engenheiro Teodoro Sampaio. São Paulo: Rima, 2003.

FIORIN, José Luiz. Identidade nacional e exclusão racial. In: LARA, Gláucia Muniz
Proença; LIMBERTI, Rita de Cássia Pacheco (Org.). Representações do outro:
discurso, (des)igualdade e exclusão. Belo Horizonte, MG: Autêntica, 2016. p. 13-24.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Centro de


Documentação e Disseminação de Informações. Brasil: 500 anos de povoamento.
Rio de Janeiro, 2007. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/
livros/liv6687.pdf>. Acesso em: 11 maio 2014.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo:


Cortez, 2000.

REIS, João José. Presença negra: conflitos e encontros. In: INSTITUTO


BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Centro de Documentação e
Disseminação de Informações. Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro,
2007. p. 81-99. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/
livros/liv6687.pdf>. Acesso em: 11 maio 2014.

TELLES, Pedro C. da Silva. História da Engenharia no Brasil. Rio de Janeiro:


Clube de Engenharia, [20--]. Disponível em: <http://antigo.acordacultura.org.br/
herois/heroi/teodorosampaio>. Acesso em: 11 maio 2014.

VAINFAS, Ronaldo. História indígena: 500 anos de despovoamento. In: INSTITUTO


BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Centro de Documentação e
Disseminação de Informações. Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro,
2007. p. 35-60. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/
livros/liv6687.pdf>. Acesso em: 11 maio 2014.

23
23
Diversidade
Étnico Cultural
Material Teórico
Condição Humana e Diversidade das Culturas
em Tempos de Globalização

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Ricardo Medina Zagni

Revisão Técnica
Profa. Ms. Vivian Fiori

Revisão Textual:
Prof. Ms. Luciano Vieira Francisco
Condição Humana e Diversidade das Culturas
em Tempos De Globalização

• Individualismo e globalização;
• Globalização tecnológica;
• Globalização e política;
• Globalização e diversidade cultural;
• Dimensão econômica da globalização;
• Globalização e sociedade;
• A mais dura crítica à globalização;
• Intolerância em sociedades globais.

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Evidenciar as formas de globalização no mundo atual.
· Destacar as influências na cultura a partir da globalização.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE Condição Humana e Diversidade das Culturas

Condição Humana e Diversidade das


Culturas em Tempos de Globalização
Nesta Unidade trataremos das influências do processo de globalização na cul-
tura, nas sociedades, na economia que, de maneira integrada, interferem nas
condições humanas.

Individualismo e Globalização
O historiador inglês Eric Hobsbawm (1917-
2012) afirmava que, com a globalização, surgiu
uma espécie de dissolidarização de classes,
constituída pelo que classificou como “valores
de um individualismo associal absoluto”. Com
isso, Hobsbawm (1995) problematizou um novo
ciclo sistêmico do capitalismo, caracterizado
pelo fenômeno da circulação global de capital,
de modo a lançar luzes em seus sintomas sociais,
na forma de indivíduos egocentrados.

As novas necessidades de manutenção do frágil


e já consolidado modo de produção moldaram
inéditas relações sociais, em uma espécie de
isolamento em que os indivíduos se alienam da
Figura 1 – Eric Hobsbawm condição de classe, ou seja, de pertencerem a
Fonte: BBC.co.uk grupos de interesses comuns.

O movimento trabalhista teve força quando havia condições de


desenvolvimento, quando sindicatos e partidos podiam levar suas
reivindicações a Estados capazes de fazer concessões. Tudo isso terminou
por conta da transformação nos modelos de produção. Como foram
reduzidos em número, também passou a ser menor a sua ação política.
Há uma diferença também no tipo da população trabalhadora, por causa,
especialmente, dos progressos da educação em massa. Uma das coisas
que eram características do movimento operário no passado era a boa
qualidade de seus líderes, que eram cultivados e mantidos pelos sindicatos.
Hoje, os mais inteligentes vão para a universidade sem compromisso de
voltar, e viram outras coisas. Podem continuar a ser de esquerda, mas já
não são mais operários. Isso faz diferença (HOBSBAWM, 1995).

Como, então, poderíamos definir globalização sem nos prendermos somente


aos aspectos econômicos superestruturais e à frágil ideia de “aldeia global”,
buscando como paradigma o exercício de Hobsbawm em aproximar a distante

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retórica sobre globalização do cotidiano de uma sociedade que privilegia o
consumo de massa de tudo o que é amoedável pelo capital, incluindo desejos,
pessoas, ideias e sentimentos?

Figura 2 - Fredric Jameson


Fonte: Wikimedia Commons

Definiremos globalização a partir dos estudos do crítico literário e político


marxista Fredric Jameson (1934-), tratando dos cinco níveis que a caracterizariam
para demonstrar a coesão e articular políticas de resistência à globalização e seus
efeitos negativos. São os níveis tecnológico, político, cultural, econômico e social.

Globalização Tecnológica
Sintetizando a metodologia de Fredric Jameson no estudo Globalização e
estratégia política, o autor elege, como dissemos, cinco níveis a partir dos quais
discorre sobre os resultados de sua análise.

O primeiro nível é o tecnológico e, logo de início, o termo já evidencia um dos


principais antagonismos do conceito de globalização, que supõe a totalidade de algo.

A Revolução da Informática e as novas tecnologias de informação, apesar de


terem se constituído de forma irreversível na produção e organização industriais e
comercialização de produtos, não atingem a totalidade da população mundial, em
sua grande maioria excluída não apenas do dialeto digital, mas do próprio mercado
de consumo para esses produtos.

A exclusão digital produzida no bojo de um sistema que se pretende totalizante,


assiste ainda à formação de um exército de analfabetos digitais, cada vez mais
excluídos das relações de produção mecanizadas e de acesso restrito à mão de obra
extremamente especializada.

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UNIDADE Condição Humana e Diversidade das Culturas

Globalização e Política
Da tecnologia para a política, Jameson dedica parte de seu estudo ao papel
desempenhado pelo Estado-nação que, segundo alguns teóricos, teria dado
lugar às corporações transnacionais – conhecidas na década de 1970 apenas
como multinacionais.
O neoliberalismo – ou a doutrina de livre mercado – defendido para que referidas
corporações pudessem operar circulando capitais em âmbito global, ilusoriamente
faz pensar em um distanciamento do Estado nas medidas econômicas para a
autorregulação do mercado.

Por outro lado, o Estado passou a ser um agente fundamental nesse sistema,
a partir da instituição de mecanismos legais e medidas intervencionistas que
contraditoriamente garantem a “autogestão” das economias, requerendo, para
tanto, uma efetiva intervenção governamental e um Estado centralizador.

Outro antagonismo é o papel nacionalista visivelmente exercido pelos povos


e governos europeus e o estadunidense. Ao passo do frágil discurso de “aldeia
global”, temos a ascensão de partidos políticos de extrema direita, ligados muitas
vezes a grupos religiosos intolerantes, políticas racistas e xenófobas, na maior parte
da Europa e também no Novo Mundo.

Figura 3 – Durante discurso pronunciado no campo histórico do Rütli,


durante feriado nacional, Samuel Schmid, atual presidente da Confederação Helvética
e ministro da Defesa, é vaiado e insultado por setecentos neonazistas.
Fonte: Acervo do Conteudista

Há um evidente descompasso entre o discurso de aceitação da diversidade


cultural em um mundo “cada vez menor” e o comportamento de povos europeus,
notadamente cultos, tais como franceses, ingleses e alemães, repudiando
publicamente africanos, hindus e latino-americanos; ou estadunidenses, que
levantam barreiras físicas e legais para impedir a imigração de mexicanos, os quais
comumente morrem nas fronteiras.

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Na Alemanha, os neonazistas do Nationaldemokratische Partei Deutschlands
(NPD), liderados por Peter Marx – jurista e secretário geral do grupo parlamentar
do NPD –, conquistaram doze cadeiras no Parlamento Regional do Estado da
Saxônia, o Landtag, em Dresden, denunciando a assustadora aceitação de
9,2% dos eleitores, ou seja, 19.087 almas, aos preceitos da causa nazista que se
pensava adormecidos.

No discurso político do partido inclui-se a atribuição do desemprego que


atinge boa parte dos jovens alemães aos imigrantes, ao contrário do que qualquer
estatística racional possa concluir em relação à proporção entre a força de trabalho
estrangeira e a alemã naquele Estado.

Figura 4 – Jean Marie Le Pen


Fonte: BBC.co.uk

Em 2002, quando foram divulgados os resultados do primeiro turno da eleição


presidencial francesa, o mundo “prendeu a respiração” com o sucesso de Jean-
Marie Le Pen, da Frente Nacional francesa, grupo político de extrema direita com
intrínsecas relações com a NPD. O mesmo ocorreu na Áustria, com a eleição de
um primeiro-ministro neonazista.

Na Inglaterra, basta que jogadores latino-americanos ou africanos toquem na


bola, em partidas de futebol, para que hooligans imitem grunhidos aludidos a
macacos – o mesmo fenômeno ocorre na Espanha.

Globalização e Diversidade Cultural


O discurso pró-globalização nos Estados Unidos constitui-se cuidadosamente
sobre uma base “politicamente correta”, fundamentalmente em relação às
diferenças étnicas, pregando uma aceitação que, de início, sabe-se frágil em um
país que tem profundas tradições racistas.

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UNIDADE Condição Humana e Diversidade das Culturas

Outro ponto central no discurso pró-globalização é o papel das unidades


caracterizadas como Estados-nações e seu ficcional desaparecimento.

Para Eric Hobsbawm (1995) as economias nacionais seriam “unidades mais


velhas”, definidas por políticas territoriais de Estado, que estariam reduzidas às
complicações decorrentes de atividades transnacionais. Nos argumentos de Fredric
Jameson (2001) percebemos que essas unidades políticas são desestruturadas
pela ideia e políticas neoliberais em virtude das necessidades do grande capital
para a promoção de um estágio de comercialização mundial, com a formação de
gigantescos blocos econômicos.

Na prática, o que vemos é o enfraquecimento desses governos, alimentando


a hegemonia de Estados centrais nessa nova ordem econômica, estabelecida por
meio de comércios agressivos. Ao invés de desaparecerem os limites nacionais, os
Estados-nações são paulatinamente subordinados a Estados centrais.

Como explicar o desaparecimento da ideia de nação com o ressurgimento do


nacionalismo politicamente à direita dos movimentos sociais? Como coexistir a
concepção de aceitação das diversidades étnicas e culturais com as graves condutas
de intolerância religiosa, perseguição a homossexuais, negros e latino-americanos
em diversas realidades nacionais.

Enquanto o discurso neoliberal, na periferia do sistema capitalista, defende a


abertura de suas fronteiras fiscais e de seus mercados para a penetração de seus
produtos e tecnologias, no centro do sistema vigora o nacionalismo econômico.

A hegemonia política de Estados centrais no sistema capitalista caminha ao passo


do chamado imperialismo cultural, ascendente principalmente após o término da
Segunda Guerra Mundial, com os tratados de concessão para emissoras televisivas
norte-americanas e de garantia de mercado para produções cinematográficas
hollywoodianas, em acordos firmados com diversos países.
As indústrias culturais locais de entretenimento dificilmente irão suplantar
Hollywood com uma forma global bem-sucedida no mundo inteiro, em
especial devido ao fato de que o próprio sistema americano sempre
incorpora elementos exóticos do estrangeiro, um pouco de cultura
samurai, outro de música sul-africana, o cinema de John Woo, comida
tailandesa, e assim por diante (JAMESON, 2001).

A globalização cultural, lê-se no discurso de Jameson (2001), atua como tentativa


de uniformizar o mundo a um modelo de cultura de massa, no campo televisivo,
musical, comportamental, gastronômico, da indumentária e em todos os outros.

Não se trataria de uma tentativa ingênua de tomada de mercados, evidenciando


que a cultura, na Era do capital, constitui produto, é amoedável e, portanto, caminha
ao passo da economia; mas a destruição de culturas locais onde se estabelece.
Implica no desaparecimento de restaurantes típicos onde se fixam os fast foods; no
desestímulo à produção cinematográfica de países antes tradicionais nesse ramo.

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Dimensão Econômica da Globalização
Para tratarmos da dimensão econômica da globalização, segundo Fredric
Jameson (2001), temos que retomar o princípio de que não houve o desapa-
recimento dos Estados-nações diante das corporações transnacionais, afinal: o
autor nos mostra que há uma notória cumplicidade entre ambos e os discursos
em torno de sua inexistência mascaram seus interesses individuais, com o uso
da fantasia criada pela ideia da globalização que, grosso modo, pode ser de-
finida como um novo ciclo sistêmico no modo de produção vigente, no qual
há necessidades de circulação global de capital, cuja acumulação primitiva tem
novo lugar nas megacorporações.

O Estado tem o papel de garantir a quebra de barreiras para seu livre fluxo. Não
se trata de um movimento natural: há um grande interesse das corporações em se
estabelecer em países pobres, alimentando-se de miseráveis e desesperados como
mão de obra barata e semiescrava, de isenções fiscais e concessões de governos
corruptos e de multidões de desempregados nos locais de onde migraram. O mesmo
ciclo se desencadearia novamente quando as mesmas corporações abandonassem
esses novos locais, já não mais tão pobres com a criação de um mercado consumidor
a partir da instituição de mão de obra assalariada, seguindo em busca de novos
miseráveis que aceitassem uma espécie de “escravidão voluntária”.

Para Fredric Jameson (2001), da mesma forma que, em nível cultural, o


estabelecimento econômico em áreas de exploração e a transferência de operações
para locais mais baratos minariam as economias e destruiriam os mercados
nacionais, evidenciando um dos vários aspectos perigosos da globalização, como
a especulação destrutiva de moedas estrangeiras e a dependência econômica de
países subdesenvolvidos, submissos às políticas econômicas dos países do Primeiro
Mundo, em troca de empréstimos e investimentos. No mundo economicamente
globalizado, nesses termos, transferências instantâneas de capital poderiam
empobrecer, da noite para o dia, regiões inteiras.

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Globalização e Sociedade

Figura 5
Fonte: iStock/Getty Images

O último nível caracterizado por Fredric Jameson em sua análise sobre a


globalização é o social e, neste aspecto, a destruição do que se convencionou como
tecido cotidiano faz-se evidente com o distanciamento do indivíduo do conceito
de grupo e classe. Os padrões de unidades nucleares de família e clã cederam
à sociedade moderna impessoal de consumo que, em seus próprios dizeres,
“individualiza e atomiza”, negando o zõom politikòs de Aristóteles.

Para Fredric Jameson trata-se do elemento-chave que desencadearia toda a


configuração de nossa sociedade, explicando-a melhor do que os conceitos de base
moralista de “individualismo corrosivo” ou “materialismo consumista”.

A Mais Dura Crítica à Globalização


John Peter Berger (1926-), crítico de arte, romancista, pintor e escritor inglês,
prefaciando a obra Fahrenheit 11 de setembro, do cineasta estadunidense Michael
Francis Moore (1954-), caracterizou o papel dos Estados Unidos sob o governo
George W. Bush (1946-), em relação à globalização e às megacorporações, como
uma “quadrilha” que teria tomado de assalto – pela fraude eleitoral denunciada
no filme – a Casa Branca e o Pentágono “[...] para que o poder dos Estados
Unidos dali em diante estivesse a serviço, prioritariamente, dos interesses globais
das grandes empresas” (MOORE, 2004).

A afirmação parece dura pelas adjetivações que traz; porém, sintetiza os inte-
resses que levaram à formação de um grupo político a serviço das megacorpora-
ções, que teria conduzido o poder da nação economicamente mais desenvolvida

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e que se pretenderia a “polícia do mundo”, nos dizeres de Jameson, dando o
tom de uma globalização extremadamente violenta, na defesa de um modelo de
mundo, o que possibilitaria dizer de uma espécie de “globalitarismo”.

Sua percepção é a de que a globalização se caracterizaria como um embuste que


mascararia uma nova fase do capital, no interesse das megacorporações aliadas aos
Estados-nações mais ricos e industrializados do sistema capitalista, subordinados
aos Estados Unidos que, de forma predatória, alimentar-se-ia das economias dos
países pobres, da mão de obra semiescrava, aculturando povos inteiros no escopo
de aliciar o consentimento unânime a todo e qualquer intervencionismo para o
estabelecimento e manutenção de um modelo de hegemonia político-econômica,
que prescindiria da dominação cultural.

Intolerância em Sociedades Globais


Como vimos até aqui, o que nos constitui essencialmente são as diferenças. O
imperativo, para a construção de uma sociedade tolerante é, portanto, a aceitação
do outro, do diverso.

É impensável, nesses termos, que sociedades plurais, como a brasileira, convivam


com graves problemas de intolerância exatamente ao diverso. Nos grandes centros
urbanos, em cidades consideradas como globais, grupos religiosos profanam
imagens e símbolos rituais de outras religiões, o racismo velado ou desvelado
circulando como “enlatados culturais”, condutas de violência contra homossexuais
– dos espancamentos ao assassínio –, o trato dos estrangeiros como inferiores e
uma série de outros exemplos revelam que as sociedades que se dizem planetárias
convivem mal com a diversidade.

Figura 6 – Erich Fromm (1900-1980) foi um Psicólogo Alemão


Fonte: erichfromm.net

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Podemos afirmar, sob vários aspectos, que ao invés de valores de tolerância


à diversidade, estamos na vigência de uma cultura de ódio expresso, vazado nos
mais variados âmbitos da vida social, o que nos impõe uma imensa e urgente
tarefa a fazer: construir uma contracultura da tolerância para reafirmar o homem,
os próprios valores humanísticos, no seio de uma sociedade planetária que
desumaniza, valorando o “ser” pelo “ter”, como nos disse o psicanalista e escritor
alemão Erich Fromm.

Nos casos de guerras ideológicas, religiosas e étnicas, a intolerância chega a


ultrapassar os limites da irracionalidade com relação a indivíduos ou grupos específicos.

Apesar de as guerras serem extremamente racionalizadas, de os morticínios


na modernidade serem perpetrados com o recurso fundamental da técnica e de
a intolerância ter se desenvolvido, como nos disse o escritor, filósofo, semiólogo,
linguista e bibliófilo italiano Humberto Eco (1932-), de tipo selvagem para
categórico, não podemos deixar de verificar que os argumentos sobre os quais
tentam se ancorar condutas de intolerância em alguma base de cientificidade,
fazem-no construindo ou se reapropriando de pseudociências, criadas em essência
para legitimar seculares preconceitos ou ideias de superioridade civilizacional.

Infelizmente, os exemplos de intolerância concreta em sociedades que se


apresentam como globais são vários. A modernidade pode ser caracterizada,
primordialmente, por essas ocorrências.

Figura 7
Fonte: Wikimedia Commons

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Os nazistas, durante a Segunda Guerra Mundial, ao perpetrarem o abominável:
o Holocausto; os conflitos étnico-nacionalistas na África; as sistemáticas tentativas
de “limpeza étnica” nos Bálcãs; e o “barril de pólvora” que se tornou o Oriente
Médio, entre tantos outros exemplos.

Temos graves questões humanitárias em jogo, que não devem ser preteridas em
relação às ideologias, convicções religiosas ou pertenças étnicas. O homem universal e
seus direitos inalienáveis devem ser o cerne das reflexões sobre a política, não apenas
um dos elementos componentes de um sistema mecânico-funcionalista.

Nesse contexto conturbado por ocorrências de ódio expresso em uma sociedade


que propagandeia valores universais e totalizantes, seria possível estabelecer uma
cultura de paz em favor da tolerância? Sociedades fragmentadas por diferentes
grupos sociais, como é o caso, por exemplo, dos países que constituem a América
Latina, experimentariam qual tipo de globalização?

O modelo de desenvolvimento, ou de progresso que adotou a civilização


ocidental, entende tal progresso como puramente técnico, como o meio capaz de
promover o progresso humano.

Em verdade, a própria ideia de progresso deve ser repensada para incorporar


uma gama muito mais variada de relações, para além dos processos produtivos.
É preciso, então, pensar o progresso em termos totalizantes e meios para sua
consecução, que abarque o homem e suas aspirações, não meras modernizações
abstratas: é preciso repensar o homem para repensar a própria ideia de civilização,
tendo como horizonte o mundo que queremos.

Figura 8
Fonte: freepalestinemovement.org

Atualmente, os exemplos mais latentes de intolerância no mundo globalizado


são as constantes epidemias de fome em países periféricos do sistema capitalista; o
reinventado imperialismo e o velho discurso civilizador dos países ricos; a ascensão
de uma direita ultrarreacionária como força política na Europa; o conflito israelense-

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palestino; a retórica de negação iraniana em relação ao Holocausto judeu durante a


Segunda Guerra Mundial; a ascensão do terrorismo como ameaça global; os novos/
velhos terrorismos de Estado; os conflitos étnico-nacionalistas na África; golpes
militares; a hiperexploração de trabalhadores pobres em vários lugares do mundo;
o trabalho infantil e a pedofilia; a pena de morte nos Estados Unidos e em tantos
outros países; o estupro legalizado no matrimônio afegão; o fundamentalismo em
qualquer religião; a ideia de que matar pode ter um propósito divino, entre tantos
outros exemplos possíveis.

Figura 9
Fonte: memoriasdaditadura.org.br

Obviamente, pensar a tolerância em sociedades duais, em formações sociais


eivadas de contradições e com gravíssimos problemas de subdesenvolvimento e
dependência, é uma tarefa muito mais difícil, mas que faz muito mais sentido.
Isso porque temos, na América Latina, uma das mais violentas histórias de
conflitos civilizacionais, desde a colonização; a hecatombe que vitimou civilizações
antiquíssimas; a escravidão; as guerras de independência – excluindo-se daí a
experiência lusófona –; o ciclo de civilização e barbárie; o caudilhismo; o populismo;
as ditaduras; as revoluções sociais; a organização dos setores subalternos, oprimidos,
como forças políticas etc.

A América Latina é complexa, apaixonante e pode ter ainda muito que ensinar
aos povos da Terra em termos de multiculturalismo, hibridismo, aceitação das
diferenças e consecutivas superações operadas pelos “de baixo” que tantas vezes
“assaltaram o céu”, termo muito adequado, embora originalmente utilizado em
outro contexto, do filósofo alemão Karl Marx (1818-1883), referindo-se ao efêmero
– mas significativo – sucesso da Comuna de Paris, em 1871.

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Seria preciso, portanto, para os novos tempos de circulação mundializada do
capital, ou como queira, de globalização, repensar o homem na adversidade e
frente os desafios a serem superados pelas novas/velhas sociedades.

Entendendo a intolerância como um dos maiores desafios a serem superados


em um contexto de multiculturalismo, devemos observar sua ocorrência também no
plano político, como o recurso a meios excessivamente coercitivos para a garantia,
pela força ou ameaça do uso da força, de apenas uma interpretação de mundo, o
que leva à ideia de civilidade ou cidadania como a adoção de comportamentos de
obediência plena e irreflexiva.

Seria preciso repensar o indivíduo de forma plena, exatamente como aquele que
deve tomar as rédeas do destino em suas mãos, o agente de sua própria história –
e não aquele que anula a si, as suas particularidades, aquilo que o constitui como
único, em nome de uma ideologia que uniformize corações e mentes e que o torne
estupidamente obediente, como gado.

Figura 10
Fonte: memoriasdaditadura.org.br

Essa obediência não se manifesta apenas em relação aos Estados; mas à própria
sociedade de consumo de massa na difusão de seus valores. Podemos utilizar,
para a análise desse aspecto, o conceito de globalitarismo, cunhado pelo geógrafo
brasileiro Milton Santos (1926-2001), quem entendia o consumo de massa como
o “fundamentalismo” dos novos tempos. Não seriam as ideologias políticas os
controladores desse “não admirável mundo novo”: o que nos uniformiza, padroniza
e nos torna subservientes seriam os valores partilhados por essa sociedade
materialista, difundidos pelas megacorporações, que nos submeteriam à ditadura
da aparência, que entenderiam indivíduos, valorizando-os e lhes atribuindo a
própria existência social em relação ao repertório de bens tridimensionais que
conseguissem concentrar no tempo efêmero de sua existência.

A ideologia vigente não seria política, totalitarista; mas do consumo acrítico,


sem sentido e nocivo ao próprio Planeta, igualmente fundamentalista.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

 Livros
Mundialização e Cultura
ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura. São Paulo: Brasiliense, 1996.

Por uma outra Globalização: Do Pensamento Único à Consciência Universal


SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal.
São Paulo: Record, 2005.

 Filmes
Encontro com Milton Santos
Encontro com Milton Santos, ou o mundo global visto do lado de cá (89 min., 2007). Documen-
tário feito a partir da entrevista de Milton Santos sobre a globalização.

Entre os Muros da Escola


Entre os muros da escola. François Marin (François Bégaudeau) trabalha como professor de
Língua Francesa em uma escola de Ensino Médio, localizada na periferia de Paris, onde há um
choque de culturas, já que há franceses e outros imigrantes provenientes de diferentes países.

Hotel Ruanda (2004)


Hotel Ruanda (2004). Em 1994, um conflito político em Ruanda levou à morte de quase um
milhão de pessoas em apenas cem dias. Sem apoio dos demais países, os ruandenses tiveram
de buscar saídas em seu próprio cotidiano para sobreviver. Uma das quais foi oferecida por Paul
Rusesabagina (Don Cheadle), que era gerente do hotel Milles Collines, localizado na capital do
País. Paul abrigou no hotel mais de 1.200 pessoas durante o conflito.

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Referências
ARRIGHI, G.; SILVER, B. J. Caos e governabilidade no moderno sistema
mundial. Rio de Janeiro: Contraponto; UFRJ, [20--?].

HOBSBAWM, E. Era dos extremos: o breve século XX, 1914-1991. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.

JAMESON, F. A cultura do dinheiro. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.

MOORE, M. O livro oficial do filme Fahrenheit 11 de setembro. São Paulo:


Francis, 2004.

MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo:


Cortez, 2000.

SANTOS, M. Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico


informacional. São Paulo: Hucitec, 1994.

SEGATO, R. L. Formações de diversidade: nação e opções religiosas no contexto


da globalização. In: JORNADA SOBRE ALTERNATIVAS RELIGIOSAS NA
AMÉRICA LATINA, 6., 6-8 nov. 1996, Porto Alegre, RS.

VOLTAIRE. Cartas filosóficas. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

WERNECK, J. Da diáspora globalizada: notas sobre os afrodescendentes no


Brasil e o início do século XXI. 2003. Paper (Curso A Teoria Crítica da Cultura
Hoje: Alguns Caminhos Possíveis) - Escola de Comunicação da Universidade Fed-
eral do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003.

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