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49(3):85-92, 2013
RESUMO ABSTRACT
A presente revisão aborda 17 tipos clínicos de paralisias/paresias fa- The present review discusses 17 different clinical types of facial pa-
ciais divididos em três grupos (grupo I: paralisias faciais periféricas; ralysis/paresis. They were divided into three groups (group I: peri-
grupo II: paralisias faciais centrais; grupo III: outros tipos de parali- pheral facial paralysis; group II: central facial paralysis; and group
sia facial). Devido à extensão do tema, ele é apresentado em duas III: other types of facial paralysis). Because of the extension of this
partes. Neste primeiro artigo são comentados aspectos clínicos das theme it is presented in two parts. In this first article the peripheral
paralisias faciais periféricas e centrais. and central facial paralysis are addressed.
Palavras-chave: paralisia facial, paresia facial, central, periférica Keywords: facial palsy, facial paresis, central, peripheral
1
Professor adjunto IV de Neurologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF/UFRJ) e neurologista do
Instituto Nacional de Câncer (INCA) – Hospital do Câncer (HC) I, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
2
Fisioterapeuta do INCA – HC I e doutoranda do Programa de Clínica Médica, área de concentração Neurologia da UFRJ.
3
Residente do Serviço de Neurologia do HUCFF/UFRJ.
Endereço para correspondência: Dr. Péricles Maranhão-Filho. Av. Prefeito Dulcídio Cardoso, 1680/1802 – 22620-311 – Rio de Janeiro, RJ, Brasil
E-mail: pmaranhaofilho@gmail.com
*
Nicolaus A. Friedreich foi professor de Medicina em Wurz biar24 (também quando se pesquisam os movimentos ocula-
burg no século XIX e, presumivelmente, foi avô do famoso res e, mais ainda, quando se testam os reflexos patelares). É
Nicolaus Friedreich de Heidelberg, que descreveu uma for- boa prática observar não apenas o sorriso espontâneo, mas
ma clássica da ataxia familial nos anos 1860 e 18704. todas as modificações faciais desencadeadas pelas emoções.
vez que, como bem sabemos, ninguém possui dimí- O lacrimejamento normal não exclui lesões pro-
dios idênticos ou é simetricamente perfeito. ximais ao gânglio geniculado, uma vez que, mesmo
após seccionado o nervo intermédio, ainda assim
pode ocorrer lacrimejamento normal9.
PARALISIA FACIAL PERIFÉRICA Diversos processos patogênicos podem gerar
PFP19. Apenas para exemplificar essa enorme diver-
A paralisia facial periférica (PFP) é o tipo mais fre-
sidade e ainda sem esgotar o assunto, Brazis et al.5
quente de paralisia facial15. Com prevalência de 10
catalogaram 85 doenças capazes de originar paralisia
a 30 por 100.000 na população em geral12, ocorre
facial, entre elas: acidente vascular, tumores, trauma,
principalmente entre 15-40 anos de idade – mais en-
doenças da orelha média, doença de Lyme etc. A pa-
tre gestantes22 e cinco vezes mais entre diabéticos6.
ralisia de Bell continua idiopática (70%), mas cada
Caracteriza-se pela paralisia aguda completa ou par-
vez mais se considera a reativação do vírus herpes
cial da hemiface podendo estar associada a dor re-
como importante agente causal17,25.
troauricular, parestesia, disacusia e disgeusia homo-
laterais. Eventualmente, nos casos de PFP de longa dura-
ção, a combinação da paralisia e contratura muscu-
O nervo facial segue seu caminho intrapetroso
lar pode gerar a “paralisia facial invertida”24, ou seja,
pelo canal de mesmo nome e divide-se em três seg-
com a face em repouso acentua-se o sulco nasolabial
mentos separados por duas dobras ou “joelhos exter-
e eleva-se o ângulo da boca do lado comprometido.
nos”. O primeiro segmento ou labiríntico termina na
Tal situação se inverte no movimento facial voluntá-
primeira dobra, onde descansa o gânglio geniculado.
rio (Figura 1).
Nesse segmento origina-se o nervo petroso super-
ficial maior, que se dirige para a glândula lacrimal.
Do segundo segmento, timpânico, emerge o nervo
estapédio, cuja função é proteger a orelha de sons
altos. Por fim, do segmento mastoide origina-se o
nervo da corda do tímpano, responsável pela saliva-
ção e gustação. Na porção extracraniana, o nervo fa-
cial se divide nos ramos auricular posterior, temporal,
zigomático e craniofacial e nos ramos que se dirigem
para os músculos digástrico e estiloide. Lesões nesse
nível (terminal) podem acarretar comprometimento
de subgupos musculares5,6,15,16. A B
Figura 1. (A) Face em repouso evidenciando dissimetria à custa de
Uma síntese topográfica da lesão ao longo do ca-
apagamento do sulco nasolabial, rebaixamento do ângulo da boca e
nal do facial e os principais achados clínicos associa- aparente aumento da rima palpebral, sugerindo PFP à esquerda. (B) Ao
dos podem ser aferidos na tabela 2. esforço voluntário, desvenda-se a mazela e inverte-se a impressão quanto
ao lado parético. PFP à direita com sinal dos cílios e desvio da comissura
labial para a esquerda. (Imagem autorizada)
Tabela 2. Síntese topográfica da localização da lesão e os possíveis
achados
Localização da lesão Possíveis achados PARALISIA FACIAL ALTERNA
Gânglio geniculado Acometimento motor + diminuição do Dentre as diversas formas de plegias alternas, a que
lacrimejamento, hiperacusia,
diminuição da salivação, perda do
tradicionalmente compromete o nervo facial é a sín-
paladar drome de Millard-Gubler. Descrita por ambos os au-
Entre o gânglio geniculado e a origem Acometimento motor + hiperacusia, tores em 1856, a síndrome envolve PFP associada
do nervo estapédio diminuição da salivação, perda do com hemiplegia contralateral. Inicialmente o jovem
paladar
Auguste Millard propôs que a “hemiplegia facial di-
Entre a origem do nervo estapédio e Acometimento motor + diminuição
do nervo para a corda timpânica da salivação, perda do paladar nos
reta” acompanhada por hemiplegia contralateral fos-
dois terços anteriores da língua se um sinal de hemorragia pontina. Logo a seguir,
Distal à origem do nervo para a corda Acometimento motor o professor Adolphe F. Gubler descreveu seis casos
timpânica adicionais de paralisia facial com hemiplegia contra-
lateral (um deles devido a tuberculoma pontino). Os traumas. O nervo facial é frequentemente envolvi-
pacientes originais não apresentavam paralisia do VI do na carcinomatose meníngea, mas o envolvimen-
nervo33. As lesões na base da ponte provavelmente to bilateral é raro (1:50) nessa circunstância20. A DF
afetavam apenas as fibras do fascículo do nervo fa- ocorre apenas em sete de cada 1.000 pacientes com
cial e o trato corticoespinhal. O comprometimento sarcoidose. Embora somente 4% dos pacientes com
associado do nervo abducente, gerando estrabismo sarcoidose apresentem envolvimento neurológico,
convergente homolateral à paralisia facial, surgiu a metade deles apresenta comprometimento do VII
partir da descrição da síndrome de Raymond e Ces- nervo e, nesses casos, a DF é surpreendentemente
tan. A síndrome de Foville, outra hemiplegia alterna, frequente.
se origina do comprometimento do tegmento dorsal DF com abolição dos reflexos profundos é su-
do 1/3 caudal da protuberância e promove proso- gestiva de síndrome de Guillain-Barré. Sífilis,
poplegia e hemiplegia contralateral, além de paralisia mononucleose, leucemia e doença de Lyme também
do olhar conjugado horizontal para o lado da para- são causas que devem ser lembradas.
lisia facial23. As etiologias das paralisias alternas são No rol de recursos investigativos devem constar a
diversas e agrupam: eventos isquêmicos, autoimunes, ressonância magnética cerebral, o exame do líquido
inflamatórios, infecciosos e tumorais. cefalorraquidiano e o exame eletroneuromiográfico
do nervo facial (inclusive).
e possui como principais causas: schwannomas dos queca14 podem fazer parte da síndrome. Os sintomas
nervos vestibular ou facial, meningiomas, cistos epi- costumam surgir na adolescência. A reação vasogêni-
dermoides ou colesteatomas congênitos. Aldrich et ca é evidente, mas a etiologia ainda é desconhecida.
al.2 descreveram o raro caso de uma família cujo pai e O emprego de pulso breve de corticosteroide pode
sete dos 10 filhos apresentaram PFP recorrente, além trazer benefícios em alguns casos21.
do comprometimento também recorrente dos ner- Merece menção o fato de que, no Brasil e em ou-
vos oculomotores. tras áreas endêmicas para lepra, se deve estar atento
A síndrome de Möbius e a amiloidose usualmente para a possibilidade de casos de neuropatia cranial
estão associadas ao comprometimento de múltiplos recidivante pelo bacilo, mimetizando a síndrome de
nervos craniais8,29,38. A infecção bacteriana causada Melkersson-Rosenthal34,36.
pela Borrelia burgdorferi e transmitida pela picada
do carrapato (doença de Lyme) promove o acome-
timento de múltiplos sistemas, e as manifestações PARALISIA FACIAL TRANSITÓRIA
neurológicas tipicamente se iniciam com PFP, que
pode evoluir para o comprometimento de múltiplos A paralisia facial transitória (PFT) altitudinal foi bem
nervos craniais37. documentada tanto em pilotos da aeronáutica3 como
em passageiros de voos de carreira1, ocorrendo entre
5.000 e 11.000 pés de altitude. A PFT geralmente se
acompanha de sensação de adormecimento na hemi-
PARALISIA FACIAL RECORRENTE
face, saliva espessa e “anestesia da língua”. A paralisia
Episódios recorrentes de PFP (ipsilateral) ou que al- facial evolui de minutos a horas (diferente do tipo
ternam de lado ocorrem em aproximadamente 10% recorrente), com recuperação espontânea completa
a 15% dos pacientes, frequentemente no contexto de e exame clínico-neurológico e otorrinolaringológi-
história familiar rica e associada a múltiplos ataques. co normais. Considera-se que o aumento gradual da
O risco de recorrência costuma ser elevado nos casos pressão atmosférica durante certo período de tempo,
familiares2,11,12. na presença de deiscência do canal do facial, exerce
A predisposição para paralisias de Bell em casos de compressão pneumática gerando PFT neuropráxica
hipertensão arterial e diabetes, com ou sem múltiplos (e recorrente) do nervo facial1,3.
ataques, é bem conhecida. No relato de Aldrich et
Um relato de caso no mínimo curioso10 descreve
al.2, já citados anteriormente, o pai e sete filhos apre-
uma mulher de 42 anos que, por manter-se exposta
sentavam PFP recidivante (20 episódios na família),
ao antisséptico clorocresol durante sua atividade de
além do comprometimento paroxístico dos nervos
trabalho, apresentou aproximadamente 50 episódios
oculomotores.
de PFT à esquerda com duração de 15 minutos a 3
A PFP familiar e recorrente pode ocorrer devido horas. Essa substância orgânica (4-cloro-3-metilfe-
a herança autossômica dominante ou recessiva, ou nol) também é utilizada na conservação de soluções
estar associada a resposta imune anormal12. Certos
de heparina, nas pastas de eletrodos e em vários cre-
indivíduos possuem predisposição para inflamação
mes dermatológicos. A causa de tamanha sensibilida-
do nervo facial por algum agente patogênico como:
de farmacológica gerando o bloqueio neural transi-
vírus herpes, citomegalovírus ou vírus Epstein-Barr.
tório carece de explicação.
A possibilidade de um canal do facial anormalmente
estreito é considerada fator coadjuvante de PFP re-
corrente em pessoas com predisposição genética.
A síndrome caracterizada por PFP recorrente com
PARALISIA FACIAL FAMILIAR
edema facial é conhecida como síndrome de Melker- A PFP familiar (PFF) é condição rara, com incidên-
sson-Rosenthal27. Descrita inicialmente pelo primeiro cia que varia de acordo com a pesquisa (de 2,4% até
autor em 1928 a propósito de um homem de 35 anos 28,6%)2. O número absoluto de casos estudados de
com antecedente de episódios de PFP e edema labial, paralisias de Bell familiares sugere que o fenômeno é
foi acrescida três anos depois pelo segundo autor, de real e não é apenas coincidental22. A etiologia dessa
língua plicata. Queilite, glossite, parotidite e enxa- condição não é conhecida2. Vários indivíduos acome-
1924), após cuidadosa análise cinematográfica dos 5. Brazis PW, Masdeu JC, Biller J. Localization in clinical neurology.
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movimentos faciais utilizando o recurso de câmera 6. Campbell WW. DeJong: O exame neurológico. 6ª ed. Rio de
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Nas PFP não ocorre dissociação volitiva/emocio- 7. Cascino GD, Luckstein RR, Sharbrough FW, Jack CR Jr. Facial
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nal tão notável, embora em certos casos se observe o seizures: a temporal lobe epileptic syndrome. Neurology.
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lesão, diferentemente do que ocorre quando os mo- 11. Ekici B, Tatlı B, Özmen M. Familial facial palsy. Turk Arch Ped.
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variações – muito mais do que apenas o tipo cen- 18. Hopf HC, Muller-Forell W, Hopf NJ. Localization of emotional and
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