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DOSSIÊ REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 36: 15-23 JUN.

2010

FEMINISMO, HISTÓRIA E PODER

Céli Regina Jardim Pinto

RESUMO

Este artigo está dividido em duas partes, cada uma com objetivos distintos e específicos: na primeira parte,
farei uma reconstrução, em termos muito gerais, da história do feminismo, colocando o movimento dentro do
processo maior da modernidade; meu objetivo, ao fazê-lo, é exatamente compor o cenário que permite
entender o movimento como parte do campo de forças que formatou as últimas décadas do século XX e os
primeiros anos do século XXI. Na segunda parte, trabalharei com uma questão teórica acerca da relação
entre a mulher e o poder, com o objetivo de discutir o problema tanto tomando as suas especificidades como
a forma como ele interage na complexidade da luta pelo poder e, mormente, da luta política. Concluo com
a afirmação de que urge construir um programa de inclusão das mulheres na vida política, que não pode ser
entendido como mera confecção de cartilhas ou campanhas publicitárias, mas, sim, como um programa
para dar voz às mulheres, para construir espaços para que as mulheres falem.
PALAVRAS-CHAVE: movimento feminista; história do feminismo; poder; mulheres e política.

I. INTRODUÇÃO mento como parte do campo de forças que


formatou as últimas décadas do século XX e os
O movimento feminista tem uma característi-
primeiros anos do século XXI. Na segunda parte,
ca muito particular que deve ser tomada em con-
trabalharei com uma questão teórica sobre a mu-
sideração pelos interessados em entender sua his-
lher e o poder, com o objetivo de discutir a ques-
tória e seus processos: é um movimento que pro-
tão tanto tomando as suas especificidades quanto
duz sua própria reflexão crítica, sua própria teo-
a forma com que interage na complexidade da luta
ria. Esta coincidência entre militância e teoria é
pelo poder e, mormente, na luta política.
rara e deriva-se, entre outras razões, do tipo soci-
al de militante que impulsionou, pelo menos em II. A HISTÓRIA
um primeiro momento, o feminismo da segunda
Ao longo da história ocidental sempre houve
metade do século XX: mulheres de classe média,
mulheres que se rebelaram contra sua condição,
educadas, principalmente, nas áreas das Humani-
que lutaram por liberdade e muitas vezes pagaram
dades, da Crítica Literária e da Psicanálise. Pode
com suas próprias vidas. A Inquisição da Igreja
se conhecer o movimento feminista a partir de
Católica foi implacável com qualquer mulher que
duas vertentes: da história do feminismo, ou seja,
desafiasse os princípios por ela pregados como
da ação do movimento feminista, e da produção
dogmas insofismáveis. Mas a chamada primeira
teórica feminista nas áreas da História, Ciências
onda do feminismo aconteceu a partir das últimas
Sociais, Crítica Literária e Psicanálise. Por esta
décadas do século XIX , quando as mulheres,
sua dupla característica, tanto o movimento fe-
primeiro na Inglaterra, organizaram-se para lutar
minista quanto a sua teoria transbordaram seus
por seus direitos, sendo que o primeiro deles que
limites, provocando um interessante embate e
se popularizou foi o direito ao voto. As sufragetes,
reordenamento de diversas naturezas na história
como ficaram conhecidas, promoveram grandes
dos movimentos sociais e nas próprias teorias das
manifestações em Londres, foram presas várias
Ciências Humanas em geral.
vezes, fizeram greves de fome. Em 1913, na fa-
O artigo que ora introduzo está claramente di- mosa corrida de cavalo em Derby, a feminista
vidido em duas partes com objetivos específicos: Emily Davison atirou-se à frente do cavalo do Rei,
na primeira parte farei um recorrido da história do morrendo. O direito ao voto foi conquistado no
feminismo em termos muito gerais, para colocar Reino Unido em 1918.
o movimento dentro de processo maior da
No Brasil, a primeira onda do feminismo tam-
modernidade; meu objetivo ao fazê-lo é exatamente
bém se manifestou mais publicamente por meio
compor o cenário que permite entender o movi-

Recebido em 13 de julho de 2009.


Aprovado em 10 de dezembro de 2009.
Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 18, n. 36, p. 15-23, jun. 2010
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da luta pelo voto. A sufragetes brasileiras foram manha. A música vivia a revolução dos Beatles e
lideradas por Bertha Lutz, bióloga, cientista de Rolling Stones. Em meio a esta efervescência,
importância, que estudou no exterior e voltou para Betty Friedan lança em 1963 o livro que seria uma
o Brasil na década de 1910, iniciando a luta pelo espécie de “bíblia” do novo feminismo: A mística
voto. Foi uma das fundadoras da Federação Bra- feminina. Durante a década, na Europa e nos Es-
sileira pelo Progresso Feminino, organização que tados Unidos, o movimento feminista surge com
fez campanha pública pelo voto, tendo inclusive toda a força, e as mulheres pela primeira vez fa-
levado, em 1927, um abaixo-assinado ao Senado, lam diretamente sobre a questão das relações de
pedindo a aprovação do Projeto de Lei, de autoria poder entre homens e mulheres. O feminismo
do Senador Juvenal Larmartine, que dava o direi- aparece como um movimento libertário, que não
to de voto às mulheres. Este direito foi conquista- quer só espaço para a mulher – no trabalho, na
do em 1932, quando foi promulgado o Novo Có- vida pública, na educação –, mas que luta, sim,
digo Eleitoral brasileiro. por uma nova forma de relacionamento entre ho-
mens e mulheres, em que esta última tenha liber-
Ainda nesta primeira onda do feminismo no
dade e autonomia para decidir sobre sua vida e
Brasil, vale chamar a atenção para o movimento
seu corpo. Aponta, e isto é o que há de mais origi-
das operárias de ideologia anarquista, reunidas na
nal no movimento, que existe uma outra forma de
“União das Costureiras, Chapeleiras e Classes
dominação – além da clássica dominação de clas-
Anexas”. Em manifesto de 1917, proclamam: “Se
se –, a dominação do homem sobre a mulher – e
refletirdes um momento vereis quão dolorida é a
que uma não pode ser representada pela outra, já
situação da mulher nas fábricas, nas oficinas,
que cada uma tem suas características próprias.
constantemente, amesquinhadas por seres repe-
lentes” (PINTO, 2003, p. 35). Este feminismo No Brasil, a década de 1960 teve uma dinâmi-
inicial, tanto na Europa e nos Estados Unidos como ca diversa em relação ao resto do mundo. O país,
no Brasil, perdeu força a partir da década de 1930 nos primeiros anos da década, teve grande
e só aparecerá novamente, com importância, na efervescência: a música revolucionava-se com a
década de 1960. No decorrer destes trinta anos Bossa Nova, Jânio Quadros, após uma vitória
um livro marcará as mulheres e será fundamental avassaladora, renunciava, Jango chegava ao po-
para a nova onda do feminismo: O segundo sexo, der, aceitando o parlamentarismo, a fim de evitar
de Simone de Beauvoir, publicado pela primeira um golpe de estado. O ano de 1963 foi de
vez em 1949. Nele, Beauvoir estabelece uma das radicalizações: de um lado, a esquerda partidária,
máximas do feminismo: “não se nasce mulher, se os estudantes e o próprio governo; de outro, os
torna mulher”. militares, o governo norte-americano e uma clas-
se média assustada. Em 1964, veio o golpe mili-
A década de 1960 é particularmente importan-
tar, relativamente moderado no seu início, mas
te para o mundo ocidental: os Estados Unidos en-
que se tornaria, no mitológico ano de 1968, uma
travam com todo o seu poderio na Guerra do
ditadura militar das mais rigorosas, por meio do
Vietnã, envolvendo um grande número de jovens.
Ato Institucional n. 5 (AI-5), que transformava o
No mesmo país surgiu o movimento hippie, na
Presidente da República em um ditador.
Califórnia, que propôs uma forma nova de vida,
que contrariava os valores morais e de consumo Portanto, enquanto na Europa e nos Estados
norte-americanos, propagando seu famoso lema: Unidos o cenário era muito propício para o
“paz e amor”. Na Europa, aconteceu o “Maio de surgimento de movimentos libertários, principal-
68”, em Paris, quando estudantes ocuparam a mente aqueles que lutavam por causas identitárias,
Sorbonne, pondo em xeque a ordem acadêmica no Brasil o que tínhamos era um momento de re-
estabelecida há séculos; somou-se a isso, a pró- pressão total da luta política legal, obrigando os
pria desilusão com os partidos burocratizados da grupos de esquerda a irem para a clandestinidade
esquerda comunista. O movimento alastrou-se pela e partirem para a guerrilha. Foi no ambiente do
França, onde os estudantes tentaram uma aliança regime militar e muito limitado pelas condições
com operários, o que teve reflexos em todo o que o país vivia na época, que aconteceram as
mundo. Foi também nos primeiros anos da déca- primeiras manifestações feministas no Brasil na
da que foi lançada a pílula anticoncepcional, pri- década de 1970. O regime militar via com grande
meiro nos Estados Unidos, e logo depois na Ale- desconfiança qualquer manifestação de feminis-

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tas, por entendê-las como política e moralmente teve uma interface com as classes populares, o
perigosas. Em 1975, na I Conferência Internacio- que provocou novas percepções, discursos e ações
nal da Mulher, no México, a Organização das Na- em ambos os lados.
ções Unidas (ONU) declarou os próximos dez anos
Uma das mais significativas vitórias do femi-
como a década da mulher. No Brasil, aconteceu,
nismo brasileiro foi a criação do Conselho Nacio-
naquele ano, uma semana de debates sob o título
nal da Condição da Mulher (CNDM), em 1984,
“O papel e o comportamento da mulher na reali-
que, tendo sua secretária com status de ministro,
dade brasileira”, com o patrocínio do Centro de
promoveu junto com importantes grupos – como
Informações da ONU. No mesmo ano, Terezinha
o Centro Feminista de Estudos e Assessoria
Zerbini lançou o Movimento Feminino pela Anis-
(CFEMEA), de Brasília – uma campanha nacional
tia, que terá papel muito relevante na luta pela anistia,
para a inclusão dos direitos das mulheres na nova
que ocorreu em 1979.
carta constitucional. Do esforço resultou que a
Enquanto as mulheres no Brasil organizavam Constituição de 1988 é uma das que mais garante
as primeiras manifestações, as exiladas, principal- direitos para a mulher no mundo. O CNDM per-
mente em Paris, entravam em contato com o fe- deu completamente a importância com os gover-
minismo europeu e começavam a reunir-se, ape- nos de Fernando Collor de Mello e Fernando
sar da grande oposição dos homens exilados, seus Henrique Cardoso. No primeiro governo de Luiz
companheiros na maioria, que viam o feminismo Inácio Lula da Silva, foi criada a Secretaria Espe-
como um desvio na luta pelo fim da ditadura e cial de Políticas para as Mulheres, com status de
pelo socialismo. A Carta Política, lançada pelo ministério, e foi recriado o Conselho, com carac-
Círculo da Mulher em Paris, em 1976 dá uma terísticas mais próximas do que ele havia sido ori-
medida muito boa da difícil situação em que es- ginalmente.
tas mulheres encontravam-se: “Ninguém melhor
Ainda na última década do século XX, o mo-
que o oprimido está habilitado a lutar contra a
vimento sofreu, seguindo uma tendência mais
sua opressão. Somente nós mulheres organiza-
geral, um processo de profissionalização, por meio
das autonomamente podemos estar na vanguar-
da criação de Organizações Não-Governamentais
da dessa luta, levantando nossas reivindicações
(ONGs), focadas, principalmente, na intervenção
e problemas específicos. Nosso objetivo ao de-
junto ao Estado, a fim de aprovar medidas prote-
fender a organização independente das mulheres
toras para as mulheres e de buscar espaços para a
não é separar, dividir, diferenciar nossas lutas
sua maior participação política. Uma das ques-
das lutas que conjuntamente homens e mulheres
tões centrais dessa época era a luta contra a vio-
travam pela destruição de todas as relações de
lência, de que a mulher é vítima, principalmente a
dominação da sociedade capitalista” (PINTO,
violência doméstica. Além das Delegacias Especi-
2003, p. 54).
ais da Mulher, espalhadas pelo país, a maior con-
Com a redemocratização dos anos 1980, o fe- quista foi a Lei Maria da Penha (Lei n. 11 340, de
minismo no Brasil entra em uma fase de grande 7 de agosto de 2006), que criou mecanismos para
efervescência na luta pelos direitos das mulheres: coibir a violência doméstica e familiar contra a
há inúmeros grupos e coletivos em todas as regi- mulher.
ões tratando de uma gama muito ampla de temas
Ainda é mister apontar para as duas Conferên-
– violência, sexualidade, direito ao trabalho, igual-
cias Nacionais para a Política da Mulher, ocorridas
dade no casamento, direito à terra, direito à saúde
em 2005 e 2007, que mobilizaram mais de 3 000
materno-infantil, luta contra o racismo, opções
mulheres e produziram alentados documentos de
sexuais. Estes grupos organizavam-se, algumas
análise sobre a situação da mulher no Brasil.
vezes, muito próximos dos movimentos popula-
res de mulheres, que estavam nos bairros pobres III. MULHER E PODER
e favelas, lutando por educação, saneamento, ha-
Nesta segunda parte do artigo pretendo fazer
bitação e saúde, fortemente influenciados pelas
uma reflexão sobre o tema “mulher e poder”, a
Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católi-
partir de duas perspectivas que estão estreitamente
ca. Este encontro foi muito importante para os
relacionadas: a primeira diz respeito a questões
dois lados: o movimento feminista brasileiro, ape-
mais concretas do binômio “mulher-poder” e
sar de ter origens na classe média intelectualizada,
concerne à posição das mulheres no espaço pú-

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blico, mais especificamente na arena da luta polí- Iris Young é afirmativa neste ponto, discutin-
tica. A segunda perspectiva refere-se ao binômio do seu conceito de “perspectiva”: “Não é muito
de uma forma mais teórica, buscando comum para pessoas sem atributos descritivos
embasamento para propor questões para reflexão representarem uma perspectiva. [...] Um homem
sobre este binômio, que parece mais um enigma. asiático-americano que cresceu em um bairro pre-
Todo o argumento que tratarei de desenvolver tem dominantemente afro-americano, que tem muitos
como foco central a questão brasileira. amigos afro-americanos e que trabalha em um
serviço comunitário com afro-americanos, por
Uma das questões mais centrais quando o tema
exemplo, pode ser capaz de representar uma pers-
é a presença da mulher na arena pública de deci-
pectiva afro-americana em muitas discussões, mas
são, em geral, ou na política, em particular, é a
a maioria dos homens asiático-americanos não
seguinte: que mulheres queremos nos cenários
poderia, porque eles são muito diferentemente
políticos? Todas as mulheres, independente de
posicionados” (YOUNG, 2000, p. 148)1.
classe, posição política, comprometimento com
as questões de reconhecimento das minorias sem A cientista política Anne Phillips, por sua par-
poder? Ou estamos lutando para elegermos nos te, tem uma reflexão muito sofisticada em relação
parlamentos e nas posições-chave de poder, mu- à questão da presença e/ou da simples idéia no
lheres feministas que defendam as grandes cau- campo político. É sua tese que a idéia pode so-
sas do movimento? breviver sem a presença, isto é, pode haver de-
fensores do feminismo mesmo em um parlamen-
A militância feminista, assim com a militância
to sem mulheres, mas que tal situação é rara e
de outros movimentos sociais, como negros e
limitada. São suas as palavras: “Quando a política
gays, tende a responder afirmativamente à segun-
das idéias é tomada isoladamente do que eu cha-
da parte da questão e a serem muito evasivos so-
marei política de presença, ela não dá conta ade-
bre a primeira, com o argumento de que mulheres
quadamente da experiência daqueles grupos soci-
que não se reconhecem como sujeitos políticos
ais que, em virtude de sua raça, etnicidade, reli-
não lutam pelas causas das mulheres em geral.
gião, gênero, têm sido excluídos do processo de-
Mesmo que a assertiva seja verdadeira, gostaria
mocrático. Inclusão política tem sido cada vez
de partir de outra perspectiva e afirmar que a sim-
mais – e eu acredito que acertadamente – vista
ples presença de mulheres como vitoriosas, se-
em termos que pode ser concretizada somente por
jam elas feministas ou não, em um quadro madu-
política de presença” (PHILLIPS, 1996, p. 146).
ro de concorrência eleitoral, é muito revelador da
posição ocupada pela mulher no espaço público Retomando a questão inicial, podemos identi-
da sociedade. Em países onde o movimento femi- ficar quatro cenários na arena política: 1) Sem
nista teve uma história longa com muita visibilida- idéia nem presença; 2) Com idéia, mas sem pre-
de e com vitórias expressivas no campo dos di- sença; 3) Sem idéia, mas com presença; 4) Com
reitos das mulheres, há um número importante de idéia e com presença. Para meus propósitos, per-
mulheres na disputa eleitoral e nos cargos manecerei com os dois últimos cenários, afirmando
legislativos, executivos e judiciários. que eles são igualmente importantes para a ques-
tão da mulher, sendo complementares e permeá-
Todavia, esta presença não garante que as
veis um ao outro.
mulheres tenham se eleito com plataformas femi-
nistas ou que sejam feministas. Mesmo assim é Isto posto, gostaria de fazer uma inflexão no
muito mais provável que as demandas por direi- argumento, a fim de trazer elementos para uma
tos das mulheres sejam defendidas por mulheres discussão sobre a ausência da mulher na arena
do que por homens, independente da posição po- política brasileira (que acompanha a mesma lógi-
lítica, ideológica e mesmo da inserção no movi- ca de ausência/presença de outros países). Gos-
mento feminista. Se a metade dos 513 deputados taria de colocar a questão da relação entre a mu-
da Câmara Federal brasileira fosse de mulheres, lher e o poder a partir de três perspectivas: a pri-
certamente o tema do aborto teria uma presença meira diz respeito à posição relativa da mulher na
muito maior e haveria um debate de qualidade muito
diferenciada, até porque este cenário tão hipotéti-
co revelaria um campo de forças muito distinto 1 Todas as traduções presentes neste texto foram feitas
do que existe hoje entre homens e mulheres. por mim, para uso exclusivo neste artigo.

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estrutura de dominação, e para tal será assumido para este fim” (idem, p. 43). Em relação a este
a existência de um sujeito unitário “mulher”, em segundo tipo de exercício de poder, Foucault afir-
contraposição a um sujeito unitário “homem”. Esta ma: “Não se trata mais de uma exclusão, se trata
é uma simplificação grosseira, mas que mantenho de uma quarentena. Não se trata mais de caçar, se
porque ela permite discutir a questão do poder na trata, ao contrário, de estabelecer, de fixar, de pre-
sociedade moderna e chegar a alguns pontos que senças esquadrinhadas. Não é rejeição, mas in-
reputo fundamentais para o que estou discutindo clusão” (ibidem).
aqui.
O texto de Foucault apresenta uma forte me-
A segunda perspectiva diz respeito à preten- táfora para quase todas as formas de poder pre-
são de poder da mulher na sociedade moderna. A sentes no mundo contemporâneo. Se tomarmos a
questão norteadora neste momento é a seguinte: posição da mulher no mundo público, essas me-
qual a razão pela qual a mulher tem presença tão táforas são muito valiosas. Dos gineceus coloni-
pequena nos postos poder político? A resposta ais até as exclusões jurídicas na primeira Consti-
estaria exclusivamente na estrutura de dominação, tuição republicana, a metáfora da lepra parece dar
apontada acima? conta da teia de relações de poder em que a mu-
lher brasileira encontrava-se. Ao ser confinada à
E a terceira perspectiva diz respeito a uma
casa, paradoxalmente, a mulher era expulsa dos
questão central da representação: as mulheres
muros da cidade, entre os quais o mundo público
empoderadas têm construído uma identificação
se conformava. Ela, simplesmente, não existia.
com as mulheres em geral capaz de reconstruí-
Quando a Constituição de 1891 estabeleceu que
las como sujeitos de poder? Em outros termos,
todos os cidadãos brasileiros alfabetizados e mai-
capaz de empoderá-las também? Qual é a aproxi-
ores de 18 anos eram eleitores, ficou claro para o
mação identitária entre as mulheres empoderadas
conjunto da população de homens e mulheres e
e as mulheres que se pretende empoderar?
para o regramento jurídico do país que as mulhe-
Em outra oportunidade, discutindo o binômio res não poderiam votar. O direito ao voto só foi
“inclusão e exclusão”, me vali de um texto de obtido em 1932. Não se citou a mulher em 1891,
Foucault para estudar as formas de exercício de não se lhe prescreveu limites, simplesmente se
poder (cf. PINTO, 1999). Trata-se da aula, no excluiu, não se reconheceu sua existência.
Collège de France, de 15 de janeiro de 1975. Nela,
A partir de 1932, a mulher começou a apare-
Foucault exemplifica, historicamente, dois modos
cer na ordem da dominação, do mundo público,
de exercício do poder: o que se constituiu frente à
como uma persona, que deveria ser controlada. A
tentativa de controlar a lepra e o que se constituiu
ela foram atribuídos lugares permitidos e lugares
frente à peste bubônica, ambos na Europa do fim
proibidos. Estaria incluída em alguns discursos e
do medievo. Foucault, no primeiro caso, afirma
excluída em outros. Isto aconteceu por força de
que se excluiu; já, no segundo, que se incluiu.
dois vetores: a dinâmica da construção recente do
Primeiro descreve a ação em relação à lepra na
Estado nacional no Brasil e do próprio capitalismo
Idade Média: “A exclusão da lepra era uma prática
e pela força contrária construída pela luta das
social que comportava uma segregação rigorosa,
mulheres, em geral, e do feminismo, em particu-
um colocar à distância, uma regra de não-contato
lar. Dos lugares proibidos, certamente o espaço
entre um indivíduo (ou grupo de indivíduos ) e
da política era o mais claramente proibido e, por
outro. A rejeição destes indivíduos em um mundo
conseqüência, o mais difícil de romper. Por que
exterior, confuso, para lá dos muros da cidade,
era o mais claramente proibido? Por que o é ainda
para lá dos limites da comunidade” (FOUCAULT,
hoje?
1999, p. 41).
Há dois motivos, um decorrente do outro, que
Em contraposição, ele descreve a ação contra
possuem uma perenidade surpreendente e que até
a peste: “A cidade em estado de peste [...] foi di-
hoje devem ser considerados quando se pensa na
vidida em distritos, os distritos foram divididos
imensa dificuldade da entrada da mulher na políti-
em quarteirões, e dentro destes quarteirões foram
ca no Brasil. O primeiro é o imenso poder pessoal
isoladas as ruas e havia em cada rua os vigilantes;
que adquirem os membros de parlamentos e go-
em cada quarteirão, os inspetores; em cada distri-
vernos. Este poder pessoal não tem correspon-
to e na própria cidade, havia um governador eleito
dência necessária no poder político, mas é funda-

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FEMINISMO, HISTÓRIA E PODER

mental na reprodução de ordens hierárquicas pre- Em 2008, a cidade de Porto Alegre viveu uma
sentes na sociedade brasileira: de classe; de gêne- experiência eleitoral única na sua história, quando
ro; de etnia; entre outras. As razões desse poder teve três candidatas à prefeitura, todas elas depu-
pessoal são complexas e tem como base a própria tadas federais de grande destaque e tendo pelo
hierarquia da sociedade brasileira, que, por meio menos duas delas reais chances de serem eleitas.
de sua história, legitimou a desigualdade tanto dos Em pesquisa realizada, a partir dos programas elei-
mais pobres quanto dos mais ricos, tanto dos sem torais gratuitos veiculados na televisão e nos pro-
poder quanto dos poderosos. No Brasil, não exis- gramas editados nas páginas da internet, verifi-
tem instâncias que tornem todos os seus cida- cou-se uma quase total ausência de referência à
dãos e cidadãs iguais em direitos e deveres de fato. condição de mulher das candidatas, sendo que a
Há um fosso entre as elites que se sentem desi- mulher foi a grande ausente no discurso de cam-
guais, no sentido de se arvorarem direitos especi- panha veiculado na televisão. As razões desta au-
ais, e as camadas populares que se sentem desi- sência devem ser buscadas tanto na postura das
guais, no sentido de não perceberem seus direitos próprias candidatas como na recepção do discur-
e os vivenciarem, muitas vezes, como favores. so pelos eleitores e eleitoras. Tendo em vista que
Estas elites, inicialmente econômicas e sociais, as questões referentes aos direitos das mulheres
depois acrescidas das elites sindicais, acadêmi- aparecem nos programas escritos de algumas des-
cas, entre outras, usufruem e reproduzem essas tas candidatas, até de modo bem detalhado, a au-
“desigualdades para cima” e protegem os limites sência de qualquer referência a eles no programa
dos espaços de exercício de poder. eleitoral de televisão parece indicar que as candi-
daturas não assumem a existência de um número
A entrada, nestes espaços, de personas, de gru-
significativo de eleitoras e eleitores que se sensi-
pos que forjaram lugar no espaço público justa-
bilizariam com este tipo de problemática.
mente desafiando esta ordem hierárquica é freada
de todas as maneiras. Este espaço de poder tem Judith Butler, discutindo o tema da represen-
mostrado uma grande capacidade de conversão tação, dá uma contribuição muito importante para
de novos membros à sua dinâmica de reprodução a discussão sobre a presença da mulher na políti-
de desigualdade, na apropriação, por exemplo, dos ca. A filósofa norte-americana é categórica ao afir-
bens públicos. Para ter este êxito, deve limitar o mar que não basta indagar e fazer uma analítica
acesso aos novos membros. Ao próprio feminis- das condições de reprodução de poder e opressão
mo foi dado um lugar neste arranjo de domina- que estão presentes nas instituições, em que as
ção. As mulheres feministas podem falar algumas mulheres buscam espaços para a sua liberação.
coisas e não outras. As mulheres não-feministas Cito a autora: “Não basta inquirir como as mulhe-
terão poderes outros, porque não-feministas. res podem se fazer representar mais plenamente
Quando uma mulher fala, sua fala tem uma mar- na linguagem política. A crítica feminista também
ca: é a fala de uma mulher; quando uma mulher deve compreender como a categoria das ‘mulhe-
feminista fala, tem duas marcas, de mulher e de res’, o sujeito do feminismo, é produzida e repri-
feminista. A recepção destas falas por homens e mida pelas mesmas estruturas de poder por inter-
mulheres tende a ter a mesma característica, é a médio das quais se busca a emancipação”
recepção de uma fala marcada, portanto particu- (BUTLER, 2003, p. 19).
lar, em oposição à fala masculina/universal. Se for
Tal perspectiva é importante de ser considera-
a fala de uma mulher feminista, é o particular do
da, pois o espaço da política institucional repre-
particular.
sentativa não é um espaço novo conquistado (como
Mesmo quando as mulheres ultrapassam bar- os Conselhos, Delegacias, Secretarias), mas o
reiras pessoais e partidárias e tornam-se candidatas, espaço do outro que tem de ser rompido e trans-
pesquisas que tenho realizado mostram que estas formado. O outro, frente a esta quase invasão,
mulheres não enfatizam nem o fato óbvio de serem perde a sua inviolabilidade, a sua clausura, seu
mulheres e, portanto, de serem uma novidade, nem espaço intacto de reprodução de discurso de po-
articulam, em suas plataformas, com destaque, te- der; torna-se um outro diferente ou perde sua iden-
mas presentes nas lutas feministas (PINTO & tidade, transformando-se em um “nós”. Buscar
MORITZ, 2010). Está é uma questão quase tão emancipação no lugar do outro é uma ação com
fundamental quanto a ausência per se. dificuldades e efeitos muito específicos. Poder-

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se-ia pensar em um cenário alternativo de cons- pectiva feminista sobre a exigência de se cons-
trução de novos espaços pautados por novos acor- truir um sujeito do feminismo”. O que se consti-
dos de vivência, convivência e formas de tomada tuiria como uma ‘perspectiva feminista’? Butler
de decisão, que ao longo do tempo criariam con- não desenvolveu em profundidade o tema, sendo
dições de uma morte por asfixia dos antigos espa- Young quem abordou a questão da perspectiva
ços, os quais definhariam como excrescências ou com muita propriedade, deixando um importan-
tradições sem poder. A título de exercício, pode- tíssimo legado para a reflexão da teoria social con-
ríamos imaginar a construção de espaços paritários temporânea. Para ela, quem identifica grupo com
de deliberação pública, democraticamente identidade não vê um aspecto fundamental: “Tal
construídos, que ocupassem espaços de poder, rígida conceituação de diferenciação de grupo ao
reduzindo, por exemplo, a tradicional forma de mesmo tempo nega as similaridades que muitos
representação liberal. Este processo é complexo e membros do grupo têm com aqueles que não são
necessita acontecer dentro de uma lógica de soma considerados do grupo e nega os muitos gradien-
zero, para não criar enclaves. tes e diferenciações dentro do grupo” (YOUNG,
2000, p. 89).
Butler avança ainda mais em sua análise colo-
cando outro questionamento central: “Se alguém Discutindo o tema da representação, Young
‘é’ mulher, isso certamente não é tudo o que esse identifica três formas por meio das quais a repre-
alguém é; o termo não logra ser exaustivo, não sentação se concretiza: interesse, opinião e pers-
porque os traços pré-definidos de gênero da ‘pes- pectiva. Interesse é “o que afeta ou é importante
soa’ transcendam a parafernália específica de seu para a perspectiva de vida dos indivíduos ou para
gênero, mas porque o gênero nem sempre se cons- os objetivos das organizações”. Tem um fim es-
titui de maneira coerente ou consistente nos dife- pecífico. A opinião é descrita pela autora como
rentes contextos históricos, porque o gênero es- “princípios, valores e prioridades de uma pessoa
tabelece interseções com modalidades raciais, que condiciona seus julgamentos sobre quais po-
classistas, étnicas, sexuais e regionais de identi- líticas devem ser perseguidas e que fins atingi-
dades discursivamente constituídas” (idem, p. 20). dos.” E, finalmente, a perspectiva conforma-se a
partir de “experiências diferentes, histórias e co-
O texto de Butler é provocativo e leva a pensar
nhecimento social derivados de suas posições na
até onde as mulheres, quando saem do privado
estrutura social”. Young, quando analisa as possi-
para enfrentar e/ou construir o público, tornam-
bilidades de representação, está muito preocupa-
se cada vez menos mulheres. Não se trata de de-
da com a questão da diferenciação, tema recor-
fender a existência de uma mulher essencial, mas
rente em toda a sua obra. Para ela, diferenciação é
de uma mulher que se fez mulher historicamente,
um recurso de poder fundamental que não pode
em uma dialética de dominação e resistência. As
ser combatido em nome de um consenso que se
mulheres das quais fala Butler reconstroem no
oporia ao conflito. A autora é categórica: “Contra-
público esta sua condição primeira de mulher e,
riamente àqueles que pensam que políticas de di-
ao saírem do local de recolhimento (o privado),
ferenciação de grupos somente criam divisão e
interagem com outras condições, deixando de ser
conflito, eu argumento que diferenciação de gru-
só mulher. A tese de Bultler permite-me avançar
po oferece recursos para um público comunicati-
em duas direções: a primeira diz respeito ao que
vo democrático que objetiva a justiça, porque pes-
eu estava discutindo anteriormente, a entrada da
soas diferentemente posicionadas têm experiên-
mulher no cenário político como portadora de uma
cias diferentes e conhecimento social e histórico
“identidade” mulher; a segunda, a possibilidade de
derivado deste posicionamento, e eu chamo isto
ver a eleitora também fazendo esta saída do pri-
de perspectiva” (idem, p. 136).
vado para o público, abrindo mão de sua condi-
ção de mulher. IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Afirmaria aqui, a título de tese a ser investigada, Tendo presentes as diversas questões que tra-
que o espaço político, por ser o mais masculino tei de levantar ao longo deste texto, gostaria de
dos espaços, é onde a mulher mais aparece como levantar algumas notas finais para reflexão. Divi-
mulher e mais necessita ser menos mulher para direi este momento em dois conjuntos de ques-
ser candidata e ser eleita. Daí fazer muito sentido tões, o primeiro dizendo respeito à posição da
a proposta de Butler: “Refletir a partir de uma pers- mulher na estrutura de dominação; à possibilidade

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FEMINISMO, HISTÓRIA E PODER

de determinação, por estas características estru- do se pergunta se é necessário um sujeito femi-


turais, da ausência da mulher nos espaços de po- nista. A presença feminista na arena política é de-
der; à existência de aproximação entre mulheres sejável? Ou seria apenas mais uma? É por isso
empoderadas e sem poder. que a noção de “perspectiva”, de Young, possibi-
lita pensar em formas inovadoras de relação entre
O segundo conjunto constitui-se de questões
feministas e não-feministas, entre presença da
de caráter mais procedimentais, informadas pela
mulher e presença da mulher que incorpora a idéia.
discussão levada a efeito neste texto: 1) a demo-
cracia liberal representativa, tal com existente no Em relação ao segundo grupo de questões, que
Brasil, tem potencial para incorporar novos sujei- chamei de caráter mais procedimental, as idéias
tos? 2) quais são os limites e possibilidades da que proponho para reflexão são as seguintes: a
reforma política; 3) quais são os limites e possibi- democracia liberal, tal como existente no Brasil,
lidades de um programa de inclusão política? 4) possui limitações estruturais para incluir novos
quando é imperativo repensar o público como um sujeitos, principalmente, pelos limites que impõe
espaço de emancipação? à participação. Mas, mesmo tendo em conta estes
limites, parece-me que as mulheres não ocupa-
Em relação ao primeiro conjunto de questões,
ram todos os lugares possíveis. E não teríamos
relativos à posição (ausente) da mulher na estru-
esgotado ainda os limites do atual pacto político.
tura de dominação, gostaria de pontuar o seguin-
Quer dizer, a ausência da mulher na esfera políti-
te: não há dúvidas de que existe uma estreita rela-
ca não pode ser posta unicamente na conta dos
ção entre a posição relativa que a mulher ocupa na
limites da democracia liberal.
estrutura de dominação e a sua presença na vida
política. No caso específico do Brasil, esta estru- Na atualidade, há uma maligna tendência de
tura de dominação tem duas características muito ver as reformas políticas como a panacéia para
particulares que provocam efeitos profundos nas os problemas da política brasileira. As reformas
formas de participação da mulher na vida pública: políticas estão focadas em duas questões:
uma desigualdade social abismal e uma hierarquia moralidade e aumento da eficácia dos agentes
rígida em relação ao acesso a direitos. políticos. Não cabe aqui discutir se elas atingirão
estes objetivos, mas certamente não mudarão em
Se esta posição da mulher na estrutura de do-
nada a estrutura das relações de poder que afas-
minação tem efeitos muito evidentes na exclusão
tam as mulheres da esfera política2.
da mulher, todavia não pode ser pensada como
uma determinação, mas, sim, como um dado fun- Tomando como referência as questões até aqui
damental a ser tomando em consideração, tanto levantadas, penso que urge um programa de in-
na análise do problema como na decisão de ações clusão das mulheres na vida política, que não po-
concretas para transformar a posição das mu- der ser entendido como confecção de cartilhas ou
lheres nos espaços de poder. O entendimento do campanhas publicitárias, mas, e eu estou
funcionamento destas hierarquias e dos demais convencida disto, como um programa para dar
condicionantes estruturais possibilita pensar a voz às mulheres, para construir espaços nos quais
construção de estratégias e políticas que avan- as mulheres falem. Dar a palavra para as mulhe-
cem em relação a políticas meramente res – e só as mulheres podem fazê-lo de modo a
procedimentais. não construir novas relações de poder. Esta cer-
tamente não é uma ação suficiente, o “caminho
Desde os seus primeiros passos, a razão de
das pedras”, porque não há tal caminho, mas cer-
ser do movimento feminista foi “empoderar” as
tamente é essencial. Não é difícil fazer isto. Tais
mulheres (mesmo que o conceito tenha sido in-
ações dependem da vontade política e de arcar
corporado como vocabulário muito posteriormen-
te). Se, por uma parte, o movimento logrou con-
quistas indiscutíveis que atingiram as próprias
2 Não estou considerando aqui as propostas feitas pela
estruturas de poder no mundo ocidental, por ou-
tra, tem sido muito tímido em interpelar mulheres comissão tripartite que trabalhou no ano de 2009 a fim de
trazer para a discussão da reforma política as questões
para agirem no mundo público e, principalmente,
referentes ao direito da mulher. A comissão foi instaurada
político. Butler oferece um caminho que acredito pela Secretaria de Políticas para as Mulheres e foi compos-
ser promissor para pensar esta situação, quando ta por representantes dos poderes Legislativo e Executivo
diz que as mulheres não são só mulheres, ou quan- e da sociedade civil.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 36: 15-23 JUN. 2010

com as conseqüências causadas pela desorgani- cipações, no plural, do quarteirão a que a política
zação. Finalmente, gostaria de concluir afirman- do controle da peste bubônica tem limitado as
do que é imperativo repensar o espaço público mulheres historicamente, e isso mesmo apesar das
como um espaço de emancipação, diria de eman- grandes e lutadas vitórias destas.

Céli Regina Jardim Pinto (celirjp@gmail.com) é Doutora em Ciência Política pela University of Essex
(Inglaterra) e Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BUTLER, J. 2003. Problemas de gênero. Femi- com os nossos excluídos. Revista Educação
nismo e subversão da identidade. Rio de Ja- e Realidade, Porto Alegre, v. 24, n. 2, jul.-
neiro: Civilização Brasileira. dez.
FOUCAULT, M. 1999. Les Anormaux. Paris: _____. 2003. Uma história do feminismo no Bra-
Gallimard. sil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo.
PHILLIPS, A. 1996. Dealing with Difference: A PINTO, C. & MORITZ, M. L. 2010. A tímida
Politics of Ideas, or a Politics of Presence? presença da mulher na política brasileira: elei-
In: BENHABIB, S. (ed). Democracy and ções municipais em Porto Alegre de 2008. No
Difference. Princeton: Princeton University. prelo.
PINTO, C. 1999. Foucault e as constituições bra- YOUNG, I. M. 2000. Inclusion and Democracy.
sileiras: quando a lepra e a peste se encontram Oxford: Oxford University.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 36: 295-300 JUN. 2010
ABSTRACTS

FEMINISM, HISTORY AND POWER


Céli Regina Jardim Pinto
This article is divided into two parts, each of which has its distinct and specific objectives. In the first
part, I will perform a general reconstruction of the history of feminism, situating the movement
within the larger process of modernity: my goal, in doing so, is precisely to put together a scenario
which enables us to understand the movement as a force field shaping the latter decades of the 20th
Century and the first few years of the 21st Century. In the second part, I look at a theoretical issue
dealing with the relationship between women and power, in order to discuss the problem in both its
specificities and the way in which it interacts with the complexity of struggles for power, particularly
those pertaining to the realm of the political. I conclude by asserting the need to build a program for
women’s inclusion in political life which cannot be understood as the mere elaboration of material for
political education or publicity campaigns, but rather, as a program to encourage women to make
their voices heard, building spaces where they can speak up and out
KEYWORDS: feminist movement; history of feminism; power; women; politics.
* * *
SOCIAL PERSPECTIVES AND SYMBOLIC DOMINATION: WOMEN’S POLITICAL
PRESENCE, IN IRIS MARION YOUNG AND PIERRE BOURDIEU
Luis Felipe Miguel
This article looks at women’s political participation and presence within political power. In this regard,
we discuss the tension between the emancipatory potential offered by incorporation of multiple
perspectives into political debate and the reproductive action of the field. Starting from a look at causes
that, in our view, may be responsible for the relative absence of women in decision-making circles and
for their alleged “lack of interest” in politics, we discuss perspectives that are, in one way or another,
geared toward solving (improving) this situation. The article is organized into three sections. In the first,
we defend the position that a more promising way to justify the need for women’s presence is offered
by understanding that spaces of deliberation should house a plurality of relevant social perspectives – a
concept that can be most clearly associated with the work of the U.S. political theoretician, Iris Marion
Young. In the second section, we discuss some of the problems contained within this concept, most
particularly, a certain naiveté present in the ideal that derives from it: the creation of a pluralist discussion
and decision-making spaces resulting from electoral quotas. We use the notion of “field”, taken from
Pierre Bourdieu’s work, in order to cleanse Young’s ideas of such naiveté. Within the third section, we
introduce an additional element: Nancy Fraser’s distinction between “affirmative” and “transforming”
policies. As preliminary conclusions, we end with an evaluation of the limitations and potentials of a
politics based on the defense of increased presence of “social perspectives”.
KEYWORDS: social perspectives; political field; political representation; Iris Marion Young; Pierre
Bourdieu.
* * *
GENDER AND FAMILY IN A JUST SOCIETY: ADHERENCE TO AND CRITIQUE OF
IMPARTIALITY IN THE CONTEMPORARY DEBATE ON JUSTICE
Flávia Biroli
This article analyzes debates on justice and their implications for feminist critique. Our focus is on
discussions of the need for an impartial point of view for producing criteria of justice, as they emerge
from the works of John Rawls and Susan Okin. Okin’s critique, as well as her adherence to Rawl’s
perspective, defends conciliating impartiality and feminist critique, in search of fairer gender relations.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 36: 303-309 JUN. 2010
RESUMES

FÉMINISME, HISTOIRE ET POUVOIR


Céli Regina Jardim Pinto
Cet article est divisé en deux parties, chacune avec des objectifs distingués et spécifiques: dans la
première partie, je ferai une reconstruction, en termes très généraux, de l’histoire du féminisme, en
plaçant le mouvement dans le plus grand processus de la modernité ; mon objectif en faisant ça,
c’est justement de composer le scénario qui permet de comprendre le mouvement comme partie du
champ de forces qui a formaté les dernières décennies du XX siècle et les premières années du XXI
siècle. Dans la deuxième partie, je travaillerai avec une question théorique sur la relation entre la
femme et le pouvoir, avec l’objectif de discuter le problème en prennant ses spécificités et aussi la
façon dont il interagit dans la complexité de la lutte pour le pouvoir et surtout, de la lutte politique. Je
conclus avec l’affirmation de qu’il faut absolument construire un programme d’inclusion des femmes
dans la vie politique, ce qui ne peut pas être compris seulement comme une élaboration de campagnes
publicitaires, mais en réalité , comme un programme pour donner la parole aux femmes, pour contruire
des espaces pour que elles puissent en parler.
MOTS-CLES: mouvement féministe; histoire du féminisme; pouvoir; femmes; politique.
* * *
PERSPECTIVES SOCIALES ET DOMINATION SYMBOLIQUE: LA PRÉSENCE
POLITIQUE DES FEMMES ENTRE IRIS MARION YOUNG E PIERRE BOURDIEU
Luis Felipe Miguel
Cet article parle de la participation politique des femmes et leur présence dans le pouvoir politique.
Dans ce thème, on discute la tension entre le potentiel d’émancipation promis par l’incorporation de
multiples perspectives au débat politique et l’action reproductrice du domaine. En partant des cau-
ses, qu’à notre avis, sont responsables par la relative absence de femmes des cercles de décision et
pour leur « désentérêt » par la politique ; nous discutons les perspectives orientées, d’une façon ou
d’une autre, pour la solution (amélioration) de cette situation. L’article s’organise en trois parties.
Dans la première, on défend l’avis de que la voie la plus prometeuse pour justifier la nécessité de la
présence des femmes, passe par la comprehension de que les espaces de délibération doivent loger
une pluralité de perspectives sociales pertinentes – un concept associé, surtout, à l’oeuvre de la
théoricienne américaine Iris Marion Young. Dans la deuxième partie, on discute quelques problèmes
de ce concept, particulièrement, une certaine naïveté qui marque un idéal dérivé à partir de lui : la
génération d’un espace pluriel de discussion et de prise de décisions en fonction de l’adoption de
quotas électoraux. On utilise le concept de « domaine », extrait de l’oeuvre de Pierre Bourdieu, pour
dépurer les idées de Young sur cette naïveté. Dans la trosième partie, on introduit un élement de
plus : la distinction, présentée par Nancy Fraser, entre « politiques affirmatives » et « politiques de
transformation ». Il en résulte, de façon préliminaire, avec un équilibre des limites et des potentialités
d’une politique basée sur la défense de l’ampliation de la présence de « perspectives sociales ».
MOTS-CLES: perspective sociale; domaine politique; représentation politique; Iris Marion Young;
Pierre Bourdieu.
* * *
GENRE ET FAMILLE DANS UNE SOCIÉTÉ JUSTE : ADHÉSION ET CRITIQUE À
L’IMPARTIALITÉ DANS LE DÉBAT CONTEMPORAIN SUR LA JUSTICE
Flávia Biroli
L’article analyse le débat sur la justice et ses implications pour la critique féministe. L’accent est mis
sur la discussion sur la nécessité d’un point de vue impartial pour la production de critères de justice

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