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Dando início à galeria de poemas Os Anjos da Meia-Noite, há um subtítulo que

orientará o método de leitura e por conseguinte sua análise: “fotografias”. O poema


é dividido por oito “sombras” e cada poema é nomeado por uma graça feminina. A
primeira parte traz seis estrofes heterometricas, onde o poeta interpela, assim como
se interpela às Musas, que os amores nostálgicos das mulheres que tiveram
influência em sua mocidade o guiem.

A primeira é Marieta, essa é quem inspira o soneto de abertura. A mulher de “seio


virginal”, portanto de tenra idade, já afoga o poeta na imensidão do prazer que ela
lhe proporciona e o uso poético das interjeições no último terceto transmite essa
sensação de completude. Marieta é uma paixão de segredo e por isso “medo” está
presente numa das sensações do poeta-amante que compara seu romance ao de
Romeu e Julieta.

A segunda sombra é Barborá, a Hetaíra.

Essa rapariga tem raízes clássicas, tanto nas ações de erguer o cálix embebido de
xerez, bem como na sua compleição física que é loira e trançada. Mas apesar disso
tudo seu olhar não possui chama alguma, ou seja, não desperta profunda paixão. Isso
porque Barborá é uma ταίραι1, isto é, uma companheira. Esse adjetivo reforça o
caráter clássico atribuído a Barborá.

Na terceira sombra o poeta nos introduz a Ester, “a musa de Israel”.

“O nardo oriental melhor transpira” assim é caracterizada Ester que pela graça que
lhe é atribuída já dá indícios de sua origem. Mas ela possui um traço fluido , pois o
perfil dela se “esvai”, “voa” e se “escoa”. Talvez seja um amor de momento, um
amor que tem uma data limite para expirar. Ao poeta só resta de Ester um perfume,
um canto, um rastro.

Fabíola, a filha da noite.

Essa mulher evoca um certa presença satânica. As imagens de dor, trevas, cadáveres
traduzem-se num adjetivo obscuro “filha da noite”. Ela é uma “bancante dos

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Hataíras eram, na Grécia antiga, um certo tipo de prostituta, pois não apenas prestavam serviços
sexuais, mas também ofereciam companhia diária e por isso tinham relacionamentos duradouros com
seus clientes e isso as diferencia das prostitutas comuns.
amores” que patrocina orgias satânicas. “Ela enche a noite de horror” nas palavras
do poeta.

Candida e Laura perfazem, respectivamente, a quinta e sexta sombras. As duas são


“como um casal de juritis, que pisa o mesmo ramo no amoroso afago”, ou seja, uma
ménage à trois e por essa razão as duas mulheres dividem o mesmo soneto. São dois
lírios roxos para os olhos do poeta.

Dulce, sétima sombra. Ela já é uma sombra finada, mas a memoria do poeta a traz
de volta a vida. A presença de Dulce traz “ao pântano a corrente pura, musgo ao
rochedo, festa a sepultura”, ainda deixa a donzela casta, saudades na alma de seu
amante.

A oitava sombra não é nomeada pelo poeta, apenas a apresenta como “último
fantasma”. O poema se inicia com interrogações a respeito desse vulto “quem és tu,
quem é tu, que te elevas da noite orvalhada?”. A descrição tem atributos físicos
“bela e branca desposada?”, mas ainda se mantém um “ser misterioso”. As duas
respostas possíveis para as indagações acerca de quem seja o vulto são dadas pelo
poeta no ultimo terceto: “ És a gloria talvez! Talvez a morte”.

O poema-diálogo de Castro Alves é dividido em doze estrofes pares, com rimas


alternadas. Antes de cada diálogo, há uma ambientação da cena. No primeiro par, o
poeta se lança em um romance com a mulher de cabelos negros. O restante do
poema é um categoria decrescente, o início é uma “sublime fantasia”, a paixão o
escraviza da mesma forma que Onfália escraviza Hercules para lhe tecer linho aos
seus pés. Ao se envolver com esta moça inominada percebe que “quando debrucei-
me à beira daquela alma/Pra ver toda riqueza e afetos que lhe dei/ Ai! Mais nada
achaste! O abismo o devorara...”. O poeta a compara à Messalina, persona que tinha
a fama de ser promiscua. O título do poema tem ecos na ultima estrofe ressaltando a
fatalidade das cinquenta Danaides que assassinaram seus maridos.

Ao tratar acerca do romance Alencariano, Lucíola, começarei sobre a estética do


livro que se traduz numa epistola. O próprio narrador-personagem justifica essa
escolha: “Receei também que a palavra viva, rápida, e impressionável não pudesse,
como a pena calma e refletida, perscrutar os mistérios que desejava desvendar-
lhe...”. Esta epístola é endereça a uma Senhora, só isso que se diz sobre remetente de
tal carta. O narrador após chegar ao Rio de Janeiro, ele oriundo de Olinda, se depara
com a parada da Gloria que ocorria na Rua da Lapa. Neste mesmo local avista “uma
linda moça” pela qual já desperta nele o interesse de conhecê-la. Dr. Sá, amigo que
recepciona Paulo, a apresenta ao amigo recém chegado, mas o primeiro contato é
parco. Uma primeira impressão sobre a moça é dita: “ Só então notei que aquela
moça estava só, e que a ausência de um pai, de um marido, ou de um irmão, devia-
me ter feito suspeitar a verdade”.

Paulo é tomado pela paixão num primeiro momento de contato e projeta em Lucia
uma possível companheira “ Como deve ser pura a alma que mora naquele rosto”.
A provincianizada do narrador é expressa diversas vezes de modo direto; quando ele
próprio afirma ser provinciano, ou quando sua atitude o denuncia: “Tal é a força
mística do pudor, que o homem o mais ousado, desde que tem no coração o instinto
da delicadeza, não se anima a amarrotar bruscamente esse véu sutil que resguarda a
fraqueza da mulher.”. “Esta conversa desgostou-me; porque me fez parecer ainda
mais ridículo aos meus olhos. Tinha uma vaga desconfiança, pelo tom do convite, de
que Lúcia iria à casa do Sá; e protestei que antes disso me reabilitaria de minha
estúrdia ingenuidade.”. O narrador se compraz em ser um observador que traduz um
traço provinciano e também sua relação ao pudor do corpo que é sacro segundo sua
visão.

“No esplendor de sua completa nudez, a mais formosa bacante que esmagara outrora
com o pé lascivo as uvas de Corinto.” Assim se dá o primeiro contato sexual de
Paulo com Lúcia. Mas outras cenas sucederão em que essa imagem previamente
construída será refutada. Já no capitulo VI, há um encontro na casa de Sá, junto com
Lúcia, umas outras mulheres, Sr Couto e Sr. Rochinha.

O ambiente é clássico, pois os cercam “duas ordens de quadros representando os


mistérios de Lesbos. E ainda comenta o narrador: “Entretanto, se a senhora não
conhece as odes de Horácio e os Amores de Ovídio, se nunca leu a descrição da
festa de Baco e não tem notícia dos mistérios de Adônis ou do rito afrodísio das
virgens de Pafos, que em comemoração do nascimento da deusa iam certos dias do
ano banhar-se na espuma do mar e oferecer as primícias do seu amor a quem mais
cedo as cobiçava; se ignora tudo isto, rasgue estas folhas, ou antes queime-as, para
que sua neta, achando as` tiras que ficarem sobre a mesa, não se lembre de fazer
delas papelotes. Se ao contrário apreciou esses trechos admiráveis da literatura
clássica, pode continuar a ler, pois não achará imagem, nem palavra que revolte o
bom gosto: sensitiva delicada dos espíritos cultos.” Traduz-se num ato Bacanal, uma
orgia é proposta.

Um banquete Byronista é o contexto dos capítulos. Porém é tudo demais para o


jovem provinciano que não está acostumado aos hábitos de libertinagem que
circundam as cidades da época. Paulo ainda tem uma visão moralizante acerca das
atitude de uma mulher: “Quando a mulher se desnuda para o prazer, os olhos do
amante a vestem de um fluido que cega; quando a mulher se desnuda para a arte, a
inspiração a transporta a mundos ideais, onde a matéria se depara ao hálito de Deus;
quando porém a mulher se desnuda para cevar, mesmo com a vista, a
concupiscência de muitos, há nisto uma profanação da beleza e da criatura humana,
que não tem nome.”. Ele compara a atitude libertina das mulheres a uma ação
equina: “É mais do que a prostituição: é a brutalidade da jumenta ciosa que se
precipita pelo campo, mordendo os cavalos para despertar-lhes o tardo apetite.” Há
um julgamento moral de castidade das emoções por parte de Paulo; o que antes era
uma “virgem grega, se metamorfoseia em uma “fria e gelada bacante”.

Os retratos femininos expressos nos poemas e romance tem pontos em comum. O


primeiro deles é a mulher pura, ou em outras palavras, casta, como bem traduz o
poema Marieta de seio virginal. E dessa mesma forma era a primeira impressão que
Paulo tinha acerca de Lúcia “ Ressumbrava na sua muda contemplação doce
melancolia e não sei que laivos de tão ingênua castidade, que meu olhar repousou
calmo e sereno na mimosa aparição.”. O mesmo se encontra n’O tonel das danaides
quando o poeta afirma “Alegre eu embarquei da vida a rubra flor” essa imagem da
flor remete a virgindade, a flor que ainda está por desabrochar. Entretanto salta aos
olhos a característica da mulher lasciva, tomada pelo έρος que é uma imagem
recorrente tanto no romance quanto nos poemas: “ e eu vi aparecer aos meus olhos
pasmos, nadando em ondas de luz, no esplendor de sua completa nudez, a mais
formosa bacante que esmagara outrora com o pé lascivo as uvas de Corinto.”. Bem
representado no poema Barborá de Castro Alves essa cortesã tomada pelo solta-
membros e com o acompanhamento do vinho para aumentar a libido. Entretanto
Lúcia se aproxima mais da persona representada na quarta sombra dos poemas de
Castro Alves, Fabíola. Nos seguintes versos contraponho passagens do romance:

“ E tu folgas bacante dos amores,

E a orgia, que a mantilha de arregaça,”

E no capítulo IV do romance: “no esplendor de sua completa nudez, a mais formosa


bacante..”

No poema:

“É sangue, que refereve-te na taça!

É sangue, que borrifa-te estas flores!

E este sangue é meu sangue... é meu... Desgraça!

No romance: “Uma vez levantado o cálice, a contração muscular foi tão violenta que
o cristal espedaçou-se entre as falanges delicadas. Tinha-se ferido, e para estancar o
sangue, mergulhou o dedo no meu copo cheio de Sauterne: o áureo licor enrubesceu;
e eu esgotei-o até a última gota num assomo de galanteio romântico. Lúcia
acompanhou o meu movimento com um olhar tão cheio do que olhava, como se eu
lhe bebera a própria vida nessas gotas tintas de seu sangue.”

A construção da imagem do índio no poema de Bernardo Guimarães, O Elixir do


pajé, retrata

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