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RACIONALIDADE E RACIONALIZAÇÃO

EM MAX WEBER*

Carlos Eduardo Sell

Em passagem já célebre da “Observação preli- dade específica e explicar a gênese do raciona-


minar” [Vorbemerkung],1 texto que abre e situa os lismo ocidental e, no interior deste, do racio-
escritos reunidos sob a rubrica dos Ensaios reunidos nalismo moderno (gars i, 1988, pp. 11-12;
de sociologia da religião, Max Weber definiu da se- Weber, 2001, p. 21).
guinte forma o problema de sua obra:
Consoante com a própria afirmação de Weber,
Racionalizações têm existido em diferentes o tema da racionalização é atualmente reconhecido
esferas da vida, em uma grande diversidade por um grande segmento da literatura especializada
de formas, em todas as culturas. Caracterís- como uma questão chave, quando não mesmo o
tico para sua diferença histórico-cultural é, tema essencial e primordial do conjunto da sociolo-
em primeiro lugar: em quais esferas e em que gia sistemática e histórico-comparativa deste autor.
direções elas foram racionalizadas. Portanto, No entanto, se até aí podemos assinalar uma notá-
trata-se novamente de identificar a peculiari- vel convergência (ainda que não consenso) da parte
dos especialistas, o mesmo não ocorre quando se
busca definir o tratamento weberiano dos concei-
* Este artigo sistematiza alguns dos principais resultados
de pesquisa realizada entre 2008 a 2010 com auxílio tos de racionalidade [Rationalität] e racionalização
do CNPq (Produtividade em Pesquisa), a quem agra- [Rationalisierung]. Em relação a este aspecto as di-
deço o auxílio financeiro. ficuldades são apontadas pelo próprio Weber que
Artigo recebido em 16/02/2010 não se eximiu de advertir que:
Aprovado em 01/12/2011

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Pois bem, por esta palavra [racionalismo] pode No mesmo texto podemos encontrar ainda um
se entender coisas bastante diversas, como as prefácio de autoria de Cohn (1995)2 que, de forma
próximas exposições tornarão novamente com- similar, aponta que o processo de racionalização,
preensível. Há, por exemplo, “racionalizações” em Weber, se desdobra em dois níveis: a dimensão
da contemplação mística, quer dizer, de um histórico-estrutural que remete à diferenciação das
comportamento que, visto a partir de outros esferas de valor e a dimensão interna de cada es-
âmbitos da vida, é especificamente “irracio- fera específica que remete à sua legalidade própria
nal”, bem como racionalizações da economia, [Eingengesetzlichkeit]. E, não menos importante,
da técnica, do trabalho científico, da educação, as pesquisas de Pierucci (1998, 2003) iluminam o
da guerra, da justiça e da administração. Cada papel central que a categoria “desencantamento do
um desses âmbitos pode “racionalizar-se” sob mundo” (tanto na sua acepção religiosa como cien-
pontos de vista e objetivos últimos da maior tífica) possui no contexto da reflexão weberiana do
diversidade, e o que é “racional” para um pode, processo de racionalização, na medida em que esta
ao ser observado por outro, ser “irracional” é uma variável fundamental e determinante para
(gars i, 1988, p. 11; Weber, 2001, pp. 20-21). explicar as características que esse processo adquire
na sua versão ocidental e moderna.
Também é conhecida a afirmação de Weber, Visando prosseguir nesta mesma direção de
feita já em 1904 (na obra A ética protestante e o trabalho, este artigo aborda alguns aspectos ligados
espírito do capitalismo), de que “o ‘racionalismo’ é à problemática weberiana da racionalidade e da ra-
um conceito histórico que encerra um mundo de cionalização. Tal tarefa, mais do que um hermético
contradições” (2004, p. 69); e mesmo esta outra, exercício hermenêutico, possui a vantagem intrín-
encontrada seu ensaio de 1915 (a Einleitung [In- seca de nos situar em uma perspectiva privilegiada
trodução], conhecida pela sua tradução em inglês para o entendimento do sentido de sua obra, além
como Psicologia social das religiões mundiais), com de contribuir sobremaneira para a busca da com-
a seguinte advertência: “este é o lugar para lembrar preensão do esquema analítico e metodológico que
mais uma vez que ‘racionalismo’ pode significar estrutura a ampla e sistemática sociologia weberia-
coisas bastante diferentes” (mwg i/19, p. 117; We- na dos processos de racionalização social e cultural.
ber, 2001, p. 259). Não bastassem as advertências Por outro lado, trata-se de um exercício assaz com-
do próprio Weber, o simples exercício do levanta- plexo que, exatamente por pretender abarcar o pen-
mento lexical revelaria que os termos em questão samento weberiano em seu cerne e, principalmente,
estão presentes em inúmeras passagens dos textos tomando-o no seu conjunto, comporta uma série
weberianos, elemento que dificulta ainda mais a de questões correlatas. Enfrentar um tema de ta-
tarefa de determinação de um conteúdo unívoco manha centralidade e complexidade nos obrigaria,
associado a estas noções. entre muitas outras tarefas, a refletir a respeito 1)
No Brasil, a literatura que trata da teoria we- da própria concepção weberiana sobre o racional e
beriana sob a perspectiva teórico-analítica vem se o irracional,3 bem como sobre 2) os usos e sentidos
tornando cada vez mais sofisticada e, no bojo destas do conceito de racionalidade em Weber, além de 3)
reflexões, o estudo dos conceitos de racionalidade determinar as relações entre os conceitos de racio-
e da racionalização recebe tratamento detalhado. nalidade e os tipos de ação e, por fim, 4) estabele-
Waizbort (1995), por exemplo, em texto introdu- cer o teor das conexões entre os tipos ideais de “ra-
tório que escreve para a tradução do escrito Os fun- cionalidade” e os processos histórico-empíricos de
damentos racionais e sociológicos da música (Weber, “racionalização”. Isto sem esquecer que todos esses
1995), destaca como a temática weberiana da racio- temas não podem ser concebidos de forma isolada
nalidade emerge no contexto de sua reflexão sobre do restante do pensamento weberiano e envolvem
a arte, acentuando ainda o quanto a ideia de pro- ainda a relação com outros conceitos importantes,
cesso de racionalização se articula no contexto da tais como desencantamento do mundo, intelectua-
diferenciação das esferas de valor e ordens de vida. lização, burocratização, entre outros.

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Longe de enfrentar simultaneamente desafios pelos comentadores e, após, 2) descrevendo como a


tão abrangentes e diversos, este texto pretende compreensão desta noção está intrinsecamente liga-
abordar a questão a partir de uma ótica bastante da à forma como estes mesmos intérpretes explicam
pontual e específica: privilegiando como fio con- a dinâmica que o processo de racionalização adqui-
dutor da exposição os conceitos weberianos de re no pensamento de Max Weber.
racionalidade. Meu objetivo será submeter este
último aspecto aos seguintes exercícios de análise. O sentido da obra
Do ponto de vista hermenêutico, procuro mostrar
de que forma os comentadores têm procurado Para compreender a natureza e a importância
sistematizar os conceitos de racionalidade e racio- deste especializado e, como logo veremos, deveras
nalização em Max Weber (parte 1). Visando sub- intrincado debate entre os comentadores de Weber
meter esta mesma bibliografia a um exame crítico, a respeito da questão aqui proposta, uma rápida
desloco-me para o plano exegético, no qual realizo contextualização histórica do processo de recepção
um inventário do uso e do significado dos concei- de sua obra constitui passo preliminar e necessário.
tos weberianos de racionalidade material e formal No tocante à difusão das obras e da literatura secun-
e racionalidade teórica e prática nos próprios es- dária sobre Weber, dois países exercem, ainda hoje,
critos de Max Weber (parte 2). Ao situar os con- um impacto decisivo: Alemanha e Estados Unidos.
ceitos weberianos de racionalidade em lugares e Na Alemanha, a primeira voz a afirmar que a
momentos diferentes do corpus de sua obra apon- temática da racionalidade constitui o fio condutor
to para alguns limites da bibliografia secundária e de seu pensamento foi nada menos que sua prin-
destaco em que medida este elemento contribui cipal biógrafa: Marianne Weber. Em tom enfático
para entender alguns dos aspectos relacionados é a própria esposa de Weber que afirmará que “o
com a teoria weberiana da racionalização (parte reconhecimento da especificidade do racionalis-
3). A parte final retoma as conclusões do trabalho. mo ocidental e do seu papel crescente na cultu-
ra ocidental [foi] uma de suas mais importantes
descobertas” (1926, p. 349). Talvez seja esta a
As interpretações de Weber: o estado da arte razão para que a primeira geração dos intérpretes
de Weber (Lukács, [1923] 1974; Walther, 1926;
Neste tópico buscarei limitar minha análise Landshut, 1929; Freyer, 1930; Steding, 1932)
da literatura secundária que trata do pensamen- enfatizasse a mesma ideia, levando um autor do
to e da obra de Max Weber a um ângulo bastante porte de Karl Löwith, por exemplo, a dizer que
específico e determinado. Trata-se de descrever o “o fenômeno da racionalização constitui ‘a grande
modo como os analistas têm se dedicado a elucidar linha mestra não só de sua sociologia da religião e
o significado da noção de racionalidade (enquan- de sua doutrina científica, mas, no fundo, de todo
to conceito) em Max Weber e como a partir destas o seu sistema’, e não por último, também de seus
definições também se desdobram formas específicas escritos políticos; ele representa para ele o caráter
de compreender a teoria weberiana da racionaliza- básico do modo de vida ocidental e em especial do
ção (enquanto análise empírica). Ainda que o pro- nosso ‘destino’” ([1929] 1997, p. 19).
blema da racionalização já fosse apontado, desde os No entanto, com os desatinos da Segunda
anos de 1930, como a perspectiva analítica chave da Guerra Mundial, o centro de gravidade da dis-
obra weberiana, tentativas de determinação e siste- cussão em torno do significado da obra de Weber
matização lógico-analítica deste conceito são mais atravessa o Atlântico e, em terras norte-americanas,
recentes e acompanham a vaga intensiva de estudos especialmente por conta da influência de Talcott
da obra de Weber que emerge a partir dos anos de Parsons (1937), a temática da racionalização dá lu-
1970. Este tópico analisa o essencial da literatura es- gar ao conjunto de seus escritos teórico-metodoló-
pecializada a respeito desse assunto,4 1) destacando gicos, passando a teoria weberiana da ação a ocupar
as diferentes tipologias de racionalidade propostas o posto central como chave interpretativa de seu

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pensamento. Até mesmo a onda pós-parsoniana de Não surpreende, portanto, que, diante do al-
leitura de Weber que se inicia nos Estados Unidos cance da disputa em torno do papel determinante
com os escritos de Hans Gerth e Charles Wright que o tema da racionalização assumiu entre os co-
Mills (1946) e passa pela importante obra de Rei- mentadores de Weber, a busca pela determinação
nhard Bendix (1960), desembocando na maior ên- do lugar e da função das noções de racionalidade e
fase em sua sociologia histórico-comparada, ainda da própria racionalização no esquema analítico des-
que reafirme, retoricamente, a importância do tema te autor tenha se tornado um assunto vital. Para en-
da racionalização (Bendix e Roth, 1971), acaba, na frentar o que se supõe ser o elemento estruturante
prática, legando o tema a lugar secundário. da ampla e sistemática sociologia weberiana, uma
É somente com a Weber Renaissance, desen- vasta e complexa literatura especializada vem se
cadeada na Alemanha, desde meados dos anos de desenvolvendo nas últimas décadas, trabalhos que
1970, acompanhando a republicação dos escritos procuro sumarizar nos dois tópicos que seguem.
do autor, que o tema da racionalização volta a ocu-
par o espaço de estatuto central da sociologia webe- O problema da racionalidade
riana. Esta temática emergirá no contexto alemão
e, passando pelos escritos de Seyfarth e Sprondel Não é intento da sociologia weberiana a ela-
(1973), Benjamin Nelson (1974), Friedrich Ten- boração de uma teoria da racionalidade (perspec-
bruck (1975, 1980), Wolfgang Schluchter (1981, tiva filosófica) em si mesma, pois esta é apenas
1989) e Jürgen Habermas (1987), espraiar-se-á condição ou meio para uma tarefa que a engloba e
também no contexto da produção em língua ingle- lhe confere sentido: a explicitação do processo his-
sa, como atestam ainda os textos Glassman e Mur- tórico e sociocultural de racionalização ocidental
var (1984), Lash e Whimster (1987), Bryan Turner e moderno (perspectiva sociológica). Ao mesmo
(1992) e Stephen Turner (2000), entre outros. Des- tempo, em Weber, o processo de racionalização
de então boa parte dos intérpretes e especialistas na não é uma noção que pode ser definida de ma-
obra de Weber retomou a tese de que, em se tratan- neira prévia, como um tipo ideal que precede a
do deste autor, racionalização é, de fato, o fio con- análise, pois se trata de um tópico que o pensa-
dutor que tece as tramas de seus múltiplos escritos dor desenvolve sempre de forma situada, com um
e confere unidade à diversidade de temas teóricos, sentido que emerge sempre em ato, quer dizer,
históricos e empíricos enfrentados pela sua reflexão. embutido no próprio processo de análise. Já em
No entanto, a questão está longe de ser con- relação à noção de racionalidade, uma análise le-
sensual, e tanto na Alemanha como nos Estados xical e epistemológica é possível e, como veremos,
Unidos não faltam vozes discordantes a sustentar não faltam tentativas de sistematizar o sentido dos
que a leitura de Weber sob o foco da racionaliza- conceitos de racionalidade nos escritos de Weber.
ção não constitui mais do que um desvio na com- A tarefa, por certo, é difícil, o que levou até
preensão do escopo de seu pensamento.5 Enquan- mesmo alguns comentadores a evitar a terminolo-
to para Hennis (1996) – outro intérprete alemão gia empregada pelo próprio Weber na suposição de
contemporâneo – o que temos em Weber seria, que a adoção de categorias alternativas favoreceria
na verdade, uma antropologia filosófica (a reflexão nosso entendimento. Modelo deste tipo de pro-
sobre a Humanidade/Menchestum), para um nor- cedimento é o texto de Ann Swidler (1973) que,
te-americano como Kalberg (1994), racionaliza- evitando o que supõe ser uma insuperável confu-
ção constitui tão somente um entre tantos outros são terminológica do próprio Weber, propõe-se a
recursos heurísticos que permeiam a sociologia de reformular sua visão em torno de três categorias
Weber, mas não o centro de sua obra. Há ainda distintas: racionalismo, racionalidade e racionali-
visões bem mais heterodoxas, como a de Swedberg zação. Em sua visão reformulada, o racionalismo
(2005), para quem, ao fim e ao cabo, a obra de é uma atitude pragmática, orientada para a con-
Weber jamais teria deixado o campo da economia secução imediata de objetivos e fins utilitários; a
(ainda que sob uma ótica de tipo sociológico). racionalidade refere-se a objetivos ordenados em

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relação a um sistema consciente de significados e rência lógica (quando não apresenta contradições),
valores, qual seja, um processo de sistematização universalidade (quando abstração, generalidade e
das ideias operado pelos especialistas do campo impessoalidade se opõem ao particularismo) e siste-
religioso; por fim, a racionalidade tem a ver com maticidade (quando as partes da organização estão
sua institucionalização social: a ação racional refe- integradas visando à consecução dos fins almeja-
rente a fins seria produzida apenas pelo controle dos). Cada uma delas possui a mesma base concei-
das ações mediante as ideias. A proposta, como tual e remete-nos, como sustentáculo, ao conceito
fica evidente, em nada contribui para superar a su- de racionalidade formal. Por sinal, o próprio Eisen
posta equivocidade weberiana e redunda, ao final, sustenta que o tipo ideal “racionalidade substanti-
em uma sistematização não apenas confusa, mas va” (assim o autor se refere à racionalidade material)
acima de tudo duvidosa, posto que muito longe exerce apenas função subordinada, apontando para
do que os originais de Weber indicam. critérios que limitam a racionalidade formal: sua
Mais promissora, a via exegética se impôs, mas função consiste apenas em revelar que por trás da
nem por isso dirimiu todas as dúvidas. Um exame racionalidade formal da conduta de vida puritana
global da produção existente apontará que a litera- vicejavam elementos de ordem ética e substantiva.
tura foi se encaminhando para uma razoável con- A mesma tendência de apreender o conteú-
cordância quanto se trata da tarefa preliminar de do do conceito weberiano de racionalidade com
identificar em Weber quatro tipos de racionalidade, base em sua variante formal pode ser identificada
mas sensíveis diferenças aparecem quando se tra- no livro de Roger Brubaker (1984). Também ele
ta de descrever o significado ou conteúdo de cada reconhece a existência de múltiplas conotações na
um dos termos envolvidos. Para um determinado ideia weberiana de racionalidade, o que não signi-
grupo de intérpretes, a dicotomia racionalidade ma- fica qualquer impedimento para que se reconheça
terial e formal recebe um tratamento privilegiado, no interior desta diversidade um substrato comum.
sendo o segundo elemento a chave interpretativa do Em Weber, o sentido de racionalidade pode estar
conceito weberiano de racionalidade. Visão contes- associado a nada mais do que dezesseis conotações
tada por aqueles que tendem a explicar a perspectiva inter-relacionadas: deliberado, sistemático, calcu-
weberiana de racionalidade a partir das suas varian- lável, impessoal, instrumental, exato, quantitativo,
tes teóricas e práticas, com particular privilégio para regido por regras, previsível, metódico, proposital,
as últimas. E, terceira solução possível, também há sóbrio, meticuloso, eficaz, inteligível e consistente.
quem busque diferenciar e descrever cada um dos A conclusão de Brubaker é a mesma de Eisen, qual
quatro tipos ideais de racionalidade propostos por seja, o tipo formal é que responde pelo conteúdo
Weber em sua singularidade e especificidade, renun- do conceito weberiano de racionalidade. Em ambos
ciando a tentativa de reduzi-los a um denominador os autores, a busca por um fundamento conceitual
comum. Vejamos cada uma dessas propostas de para a teoria weberiana da racionalidade contri-
interpretação separadamente. bui para o aprofundamento do entendimento de
O artigo de Arnold Eisen (1978) é um exem- sua dimensão formal, mérito que, todavia, relega sua
plo bastante ilustrativo da primeira tendência. Para dimensão teórica/prática ao esquecimento.
tal intérprete, o conceito de racionalidade de Weber Em direção oposta, também não faltam auto-
é, de fato, múltiplo, mas de forma nenhuma opaco res que concentram sua atenção no par racionali-
ou fluido; ao contrário, sua visão da racionalida- dade teórica/prática e concebem este segundo tipo
de seria perfeitamente coerente e consistente. Para como a chave interpretativa da visão weberiana
Eisen, existem seis diferentes dimensões associadas de racionalidade. Esta é, enfaticamente, a posição
permanentemente ao conceito de racionalização: de Habermas (1987), para quem a visão weberia-
propósito (busca consciente de realização de obje- na de racionalidade se reduz, em última instância,
tivos), calculabilidade (capacidade de adequação de apenas à racionalidade prática. Para sustentar sua
meios e fins), controle (quando a ação é desenvol- posição, passo primeiro, Habermas reduz o alcance
vida de forma autônoma e não heterônoma), coe- da racionalidade teórica: tratar-se-ia apenas de uma

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teoria da cultura que descreve o processo de siste- do conjunto. Porém, as soluções para determinar o
matização das imagens do mundo e a lógica interna conteúdo e o significado de cada um dos tipos de
das esferas de valor. Assim, seria apenas no nível da racionalidade também possuem diferenças entre si.
racionalidade prática que Weber estabeleceria uma Donald Levine (1981), por exemplo, inicia
conexão entre ela e sua teoria da ação, ou seja, ape- sua exposição distinguindo dois níveis distintos nos
nas no plano “prático” é que o conceito weberiano quais Weber insere o problema da racionalidade:
possuiria significado sociológico. Daí que, passo subjetivo e objetivo. O primeiro trata dos tipos de
segundo, o que importa a Habermas é esclarecer ação. Neste caso, a racionalidade como qualidade
o conteúdo da racionalidade prática. Para o autor, mental da ação estaria presente na distinção webe-
como pressuposto da visão weberiana da raciona- riana entre compreensão racional e compreensão
lidade encontra-se um conceito amplo de técnica, empática e na sua diferenciação entre formas racio-
enquanto emprego regulado de meios. A partir des- nais e não racionais de ação social. A racionalidade
ta premissa geral, Habermas diferencia o conceito objetiva, por sua vez, configura-se no nível na histó-
de racionalidade prática em um tríplice aspecto: ria e seria pensada por Weber nas diferentes ordens
1) a racionalidade instrumental refere-se à utiliza- sociais de vida e em seus desenvolvimentos históri-
ção de meios, e seu critério de eficácia é o emprego cos específicos. É somente neste segundo nível que
de meios para fins dados; 2) a racionalidade eletiva Levine distingue quatro diferentes tipos de raciona-
refere-se à eleição de fins e pode ser medida tanto lidade, que ele assim denomina: racionalidade ins-
pela correção do cálculo destes fins em função de trumental (busca metódica de um fim dado median-
valores articulados com precisão, como pela escolha te o cálculo preciso dos meios empregados e de suas
de meios e a concomitante avaliação das condições consequências); racionalidade conceitual (domínio
de contorno; 3) a racionalidade normativa refere- da realidade pela via da abstração e da generaliza-
-se à orientação por valores e é medida pela força ção); racionalidade substantiva (ou também mate-
sistematizadora e unificante desses valores, bem rial, que se move no plano ético e se refere a padrões
como pela capacidade de penetração desses princí- normativos de avaliação da conduta); racionalidade
pios como guia das ações sociais. A partir daí, passo formal (concebida como maximização da previsibili-
terceiro, Habermas apresenta uma nova visão do dade da conduta em esferas sociais específicas).
conjunto, assim disposto. A racionalidade prática Uma proposta muito similar à anterior tam-
possui uma dupla dimensão: por um lado, a racio- bém pode ser encontrada em Stephen Kalberg
nalidade formal (junção entre o aspecto instrumen- (1980). Em sua sistematização, a racionalidade prá-
tal e eletivo da racionalidade prática); por outro, tica é entendida como todo caminho de vida que vê
a racionalidade material (ou seja, a racionalidade e julga a atividade mundana em relação a interesses
normativa). O esquema habermasiano é, de fato, puramente pessoais e pragmáticos. Nesta versão,
complexo, mas em síntese ele consiste em subor- a realidade é aceita como tal e o indivíduo apenas
dinar a dimensão material e a dimensão formal da calcula os meios mais adequados para lidar com as
racionalidade à sua dimensão prática, que passam dificuldades presentes. A racionalidade teórica re-
a ser concebidas como elementos diferentes desta mete a processos cognitivos e envolve a dominação
forma de racionalidade. Habermas não descarta a consciente da realidade mediante a construção e o
terminologia weberiana (todos os tipos ideais de incremento de conceitos cada vez mais precisos e
Weber são apresentados), mas ignora o valor da abstratos. Este tipo decorre da necessidade huma-
racionalidade teórica e subordina os demais tipos na de conferir um significado último à sua ação
(formal e material) a um conceito que a todos inte- no mundo. O terceiro tipo é a racionalidade subs-
gra: a racionalidade prática. tantiva que ordena os padrões de ação a partir de
Nem todos os intérpretes tendem a privilegiar postulados de valor. Ela envolve a adoção de cri-
apenas um dos pares tipológicos de racionalidade térios éticos com o qual a realidade deve ser julga-
propostos por Weber, acentuando ora sua dimensão da e, dessa forma, tende a conformar e orientar a
“formal”, ora sua dimensão “prática” como a base ação. A racionalidade formal subordina a conduta

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autointeressada em referência à aplicação universal Todavia, observando seus textos mais recentes,
de regras, leis ou regulações. A ação formal tende a vemos que a exegese de Schluchter (1999, 2009)
superar o particularismo e o personalismo na dire- sofre nova guinada, retomando a tipologia webe-
ção da universalidade das condutas. Esta forma de riana do racionalismo. Pensada novamente em três
racionalidade é típica da era moderna e se concreti- planos distintos, nesta nova versão o conceito de
za especialmente nos campos da burocracia, da eco- racional em Weber organiza-se da seguinte forma:
nomia, do direito, da ciência e mesmo da religião. no plano da orientação da ação, ele se rege pela
Ainda no interior do terceiro conjunto aqui des- ação racional com relação a valores e pela ação ra-
crito, a sistematização teórica proposta por Wolfgang cional com relação a fins; no plano societário da
Schluchter merece atenção particular, não apenas coordenação da ação (em que operam as institui-
porque se trata de um dos mais notáveis especialistas ções sociais), o racional desdobra-se nos conceitos
na obra de Max Weber, mas também pela oscilação de racionalidade formal e material; no plano cul-
de suas interpretações, fator que por si mesmo já de- tural da coordenação de sentido, ele estaria guiado
monstra a complexidade da questão aqui envolvida. pelos conceitos de racionalidade teórica e prática.
Em seus primeiros trabalhos, Schluchter Nesta nova versão, portanto, a base da concepção
(1981) apresentou uma tipologia do racionalismo weberiana da racionalidade seria sua teoria da ação,
e dos estágios de racionalização segundo três cri- operando os conceitos de racionalidade material e
térios. Em primeiro lugar, o racionalismo refere- formal no contexto societário e os conceitos de ra-
-se à capacidade de controle mediante o cálculo: cionalidade teórica e prática no contexto cultural.
o racionalismo científico-tecnológico seria uma con- Como se depreende da exposição aqui realiza-
sequência do conhecimento empírico e prático. O da, as sistematizações propostas pelos comentadores
segundo tipo é o racionalismo ético-metafísico, que a respeito da visão weberiana sobre a racionalidade
diz respeito à sistematização de modelos de signi- são heterogêneas e divergem em aspectos cruciais,
ficado e envolve a elaboração intelectual e a subli- quanto a sua terminologia, conteúdo e, principal-
mação deliberada dos fins últimos. Como tal, ele mente, significado. O recurso aos próprios textos
é consequência não apenas da compulsão humana de Weber parece ser, pois, um recurso incontor-
para compreender o mundo não só a partir de um nável para tentar dirimir essas diferenças e chegar
sentido ordenador, mas também como um desi- a uma compreensão o mais próxima possível das
derato humano de tomar uma posição unificada intenções deste pensador. Mas, antes de recorrer
e consistente diante da realidade. O racionalismo aos próprios escritos weberianos, destacarei ainda
prático, por sua vez, refere-se à realização do modo como a sistematização dos conceitos de racionali-
metódico de vida e é resultado da institucionaliza- dade reflete e condiciona também as propostas de
ção das configurações de significados e interesses. sistematização da noção weberiana de racionaliza-
Em suas obras posteriores, no entanto, este ção (enquanto processo).
estudioso modifica seu entendimento da questão.
Para ele, a pesquisa de Weber não tem como foco O problema da racionalização
a construção de uma teoria global da racionalida-
de, pois isto implicaria na adoção de uma filosofia Em seu nível empírico, ou seja, compreendida
da história. Por esta razão, a extensa pesquisa de em seu âmbito cultural e social, a teoria weberiana
Schluchter (1989) limita-se a identificar os dife- da racionalização não pode ser considerada deriva-
rentes tipos histórico-culturais de racionalismo ção necessária de uma teoria da racionalidade que
que teriam sido elaborados por Weber para en- a precede. Para elidir tal desvio idealista basta ape-
tender a civilização chinesa, indiana e ocidental nas lembrar que, em sua base, a racionalização que
(judaísmo e protestantismo) e, principalmente, a Weber pretende analisar tem como sustentáculo
explicitação do esquema de fundo no qual opera indispensável sua teoria da ação, este sim o fun-
a pesquisa comparativa de Weber, chamada por damento inequívoco de todo seu edifício socio-
Schluchter de perspectiva “desenvolvimental”.6 lógico. Os conceitos weberianos de racionalidade

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atuam apenas no plano metodológico e operam, Se no trabalho de Brubaker toda a dinâmica


antes, como recurso heurístico e meio de análi- do processo de racionalização na perspectiva we-
se. Trata-se de um dos vários recursos conceitu- beriana se resolve à luz do conceito de racionali-
ais que Weber utilizou para elaborar sua teoria e, dade formal, Kalberg (1980) possui o mérito de
ainda que não sejam exclusivos, eles representam reservar um papel importante não apenas para ela,
um fio condutor privilegiado e determinante para mas também para sua contraparte, a racionalidade
nos ajudar a entender o modus operandi, ou seja, o material (substantiva). Na visão deste intérprete é a
modo como Weber efetivamente entendia a dinâ- racionalidade substantiva que possui a prioridade
mica da racionalização no curso da ação, da histó- analítica no esquema de Weber, embora seja a ra-
ria e da vida social. Dessa forma, boa parte do que cionalidade formal que detenha este posto quando
os intérpretes de Weber explicam sobre a raciona- a questão é posta em termos empíricos. Vejamos de
lização está ligada ao modo como estes mesmos que modo Kalberg formula sua proposta de leitura
intérpretes compreendem o papel dos conceitos da dinâmica da racionalização em Weber.
weberianos de racionalidade no bojo desse proces- No plano analítico, já vimos anteriormente
so. Trata-se de um ponto de vista que nos permite que Kalberg é um dos intérpretes que se insere no
facilmente ordenar a literatura a respeito. grupo dos que apontam quatro diferentes tipos
Para um primeiro grupo, o processo de ra- ideais nos escritos de Weber. Mas, quanto se trata
cionalização é lido como a gênese e a institucio- de apontar de que modo esses quatro conceitos
nalização de formas de conduta orientadas pela operam como recursos analíticos no esquema we-
racionalidade formal. É exatamente esta versão beriano, ele atribui bem menos valor ao primeiro
que vamos encontrar no texto de Roger Brubaker dos pares em questão. Isso decorre do fato de que
(1984). O intérprete realiza um minucioso traba- em sua leitura cada um dos quatro tipos de racio-
lho de descrição dos processos internos analisa- nalidade possui potencial diferenciado de padro-
dos por Weber em esferas distintas da vida social, nização da ação e de conformação de um modo
como a economia, o direito, a política (burocra- metódico de vida. Com base nesses dois critérios
cia) e a religião. Todavia, mais do que a especifici- estaríamos em posse de instrumentos que nos per-
dade que Weber confere a cada um desses campos, mitem avaliar qual a relação entre os quatro con-
o que Brubaker procura captar são as similitudes ceitos de racionalidade e as formas concretas pelas
estruturais, ou seja, os elementos comuns que, se- quais Weber articula teoricamente sua análise do
gundo Weber, subjazem a todo processo. Na leitu- processo de racionalização social. A partir dessas
ra aqui proposta, a legalidade própria das diversas balizas, o exame dos primeiros pares desemboca
ordens de vida e esfera de valor não é negada, mas no seguinte veredicto: a racionalidade teórica não
seu acento recai sobre os traços que, operando em possui maior relevância analítica, pois seus efeitos
cada uma delas, lhes conferem sentido e direção não incidem no plano sociológico da ação (ela é
homogêneos. Dentre esses elementos comuns, significativa apenas quando se trata de sua influên-
Brubaker identifica traços como a despersonaliza- cia entre os segmentos sociais formados por inte-
ção das relações sociais, o refinamento das técni- lectuais). Este não é o caso da racionalidade práti-
cas de cálculo, a importância contínua do conhe- ca, que, a despeito de seu papel histórico, carece
cimento especializado e a crescente extensão das de um caráter metódico e sistemático, deixando a
técnicas de controle racional sobre os processos ação refém de interesses momentâneos (efêmeros)
naturais e sociais. É exatamente esta série de ca- e mutáveis (variáveis). Para Kalberg, bem mais re-
racterísticas que nos permite afirmar que a mul- levante é o papel da segunda tipologia, pois a ra-
tiplicidade e a especificidade das esferas sociais cionalidade material e a racionalidade formal são
modernas se vêm arrastadas por uma dinâmica si- as únicas formas que possuem algum potencial
milar, diagnóstico que Weber formula em termos para padronizar as ações sociais. Porém, há uma
da transição de uma racionalidade material para sensível diferença entre elas, dado que somente a
uma racionalidade formal. racionalidade material (Kalberg prefere o termo

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RACIONALIDADE E RACIONALIZAÇÃO EM MAX WEBER 161

substantiva) pode engendrar um modo metódico Na ampla sistematização de Habermas (1987),


de vida. Concretamente, a racionalidade formal a teoria weberiana da racionalização desdobra-se
até é capaz de subordinar a racionalidade prática em duas dimensões. De um lado temos a racio-
em esferas específicas da vida social (burocracia, nalização cultural como desencantamento das
por exemplo), mas falha em transferir a mesma imagens do mundo e, de outro, a racionalização
lógica para o conjunto da vida do indivíduo e as social como materialização da racionalidade prá-
demais esferas da vida social. Este não é o caso tica no agir social. Tal entendimento é possível
da racionalidade substantiva, que oferece prêmios porque, como já demonstramos, Habermas cinde
psicológicos para a ação ética no mundo. Ela não a racionalidade teórica e a racionalidade prática,
envolve apenas normas formais, na medida em situando a primeira na teoria weberiana da cultu-
que consegue superar o hiato entre o prescrito e a ra e a segunda na teoria weberiana da ação social.
conduta de fato. Trata-se, conforme a visão webe- Habermas entende que a sociologia weberiana
riana, de uma “ética prática”. Em outros termos, a das religiões universais tem como meta analisar a
racionalidade substantiva torna-se efetiva (ampla e maneira pela qual as imagens religiosas de mun-
contínua) quando, através de um processo de ra- do possuem potenciais distintos de racionalização.
cionalização substantiva dos valores, deriva para Tais imagens podem ser diferenciadas segundo
uma ética racional de ação no mundo, quer dizer, suas representações do divino (cosmocêntrica/teo-
quando traduzida em racionalidade ética. cêntrica), do mundo (positiva/negativa), vias de
Apesar de acentuar a prioridade analítica do salvação (mística/ascética) e valoração do mundo
conceito de racionalidade substantiva no esquema (teórica/prática). Segundo Habermas, Weber teria
conceitual weberiano, no plano empírico, Kalberg mostrado que as religiões da China (confucionis-
(1990) julga que a prioridade incide mesmo so- mo e taoismo) e da Índia (hinduísmo e budismo)
bre o conceito de racionalidade formal. Ele acre- distinguem-se da experiência ocidental porque, ao
dita que a teoria weberiana da modernidade tem contrário do protestantismo ascético, não apresen-
como escopo mostrar que a racionalidade ético- tam potenciais positivos de racionalização cultural.
-substantiva do mundo religioso é substituída Esta, efetivamente, ocorreu apenas no Ocidente.
pela racionalidade formal das esferas da ciência, Em seguida, Habermas passa a descrever
da economia, do direito, da burocracia etc. Em como este processo pode ser entendido do pon-
outros termos, a modernização pode ser entendida to de vista sociológico, ou seja, como processo de
como uma suplantação da racionalidade substan- racionalização social. Neste caso o protestantismo
tiva pela racionalidade formal. ocupa papel-chave, pois é o portador histórico da
Apesar das sensíveis diferenças entre as pro- racionalidade prática predominante na moder-
postas de interpretação de Weber que localizamos nidade. O racionalismo prático, potencialmente
em Brubaker e Kalberg, ambos adotam como pre- estimulado pela imagem religiosa vigente no Oci-
missa a tese de que são os conceitos de racionali- dente, institucionalizou-se na vida social moderna
dade material e formal que articulam e estruturam mediante a conduta ético-metódica do protestan-
analiticamente a teoria weberiana do processo de tismo ascético, abrindo caminho para o surgimen-
racionalização social. Esses autores secundarizam to de complexos institucionais, como a economia
a sociologia histórico-comparada das religiões capitalista e o Estado burocrático (esferas sociais
universais de Weber, e a dualidade racionalidade com formas de vida objetivadas e desprovidas de
teórica/racionalidade prática, quando não está au- conteúdo ético). Contudo, ao analisar o conflito
sente, ocupa um lugar marginal. Porém, tudo se entre a dinâmica valorativa das religiões e a legali-
passa de forma completamente diferente quando dade própria das ordens sociais modernas, Haber-
se trata de autores cuja compreensão da visão we- mas não a apresenta em termos do conflito entre
beriana do processo de racionalização é orientada racionalidade material e formal. Mesmo a análise
prioritariamente em função da dualidade “racio- habermasiana da sociologia do direito de Weber,
nalidade teórica e prática”. que indica (na terminologia de Habermas) a falta

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de ancoragem dos sistemas funcionais no mundo teoria weberiana da racionalização se encontra em


da vida, não faz nenhuma referência à dicotomia sua sociologia da religião, ambos os autores con-
material/formal. Em sua formulação, todo o con- fluem para a análise do papel essencial do protes-
junto da teoria weberiana da racionalização é ex- tantismo ascético como fator que está na origem do
plicado em termos da dicotomia teórico/prático, racionalismo prático (Habermas) ou mesmo do ra-
com especial ênfase para o papel preponderante cionalismo da dominação do mundo (Schluchter)
do segundo elemento. que permeiam a modernidade.
A reconstrução analítica do esquema concei- Da mesma maneira que em relação ao con-
tual weberiano, efetuada por Schluchter (1981, ceito de racionalidade, também a literatura que
1989, 2009), também tem como sua marca fun- busca explicitar o cerne da teoria weberiana da ra-
damental o fato de ser desdobrada a partir do cionalização se encontra em franco desacordo, e as
conjunto de sua sociologia da religião. Este autor propostas, além de se utilizarem dos conceitos de
distingue em Weber dois conjuntos no âmbito das racionalidade das formas mais variadas, também
religiões universais: as religiões culturais e as religi- divergem sobre o modo como Weber articulou,
ões de salvação. Esses diferentes sistemas religiosos analiticamente, sua exposição dos processos de ra-
podem ser diferenciados ainda segundo dois fato- cionalização histórica e socioculturais. Neste pon-
res: suas camadas sociais portadoras (que tendem to, a literatura secundária tende para um acentuado
para o racionalismo teórico ou o racionalismo dualismo, e enquanto uma determinada vertente
prático) e suas diferentes imagens religiosas (que deriva sua teoria da racionalização a partir do foco
determinam a relação do homem com o mundo). exclusivo em sua sociologia da religião, outra vai
Da complexa combinação desses fatores, Schlu- buscar o núcleo da teoria na tese da progressiva pre-
chter desenha um amplo quadro sintético dos es- ponderância do tipo formal de racionalidade nas
tudos histórico-comparativos de Weber. Em cada diversas esferas sociais modernas.
uma das principais civilizações mundiais, ele teria
identificado formas culturais específicas de racio-
nalismo. As religiões da China representam uma A racionalidade nos escritos de Weber
forma de racionalismo de acomodação ao mundo;
as da Índia como religiões de salvação de caráter A revisão sistemática do debate sobre o concei-
místico e extramundano, conduzem ao racionalis- to weberiano de racionalidade e sobre sua teoria da
mo da fuga do mundo. Já o protestantismo, como racionalização no seio da bibliografia especializada
religião de salvação de caráter ascético e intramun- mostra o refinamento e a complexidade que pos-
dano, engendra o racionalismo da dominação do sui, atualmente, a hermenêutica da obra de Weber.
mundo. A versão ascético-protestante representa Por outro lado, o estado da questão é de franco de-
um momento diferenciado da evolução do cristia- sacordo, quando não de uma polifonia confusa e
nismo, diferindo-o tanto do monasticismo cató- hermética de tipologias e propostas de elucidação.
lico (religião de salvação ascética e extramundana Diante de tamanha divergência, procuro mostrar
que leva à superação do mundo), como de sua raiz que o exercício de situar o uso que Weber faz de
judaica que, por sinal, possui um caráter muito seus conceitos de racionalidade em locais e mo-
específico, qual seja, trata-se de uma religião de mentos diferentes de seus textos e escritos nos ofe-
salvação (que não é universal) com um sentido in- rece algumas pistas importantes para prosseguir na
tramundano, cuja forma de racionalismo é carac- tarefa de compreensão do modo como se estrutura
terizada como aceitação do mundo. e articula o esquema construído por Weber em tor-
Observadas em conjunto, a leitura herme- no dos processos de racionalização. Meu propósito
nêutica que segue das pesquisas de Habermas e de será demonstrar que, pela via exegética, podemos
Schluchter aponta para outra forma de compreen- confirmar que duas díades estruturam a compreen-
são do processo de racionalização. Tomando como são weberiana da racionalidade: os tipos ideais de
ponto de partida a tese de que a chave de leitura da racionalidade material/formal e teórica/prática.

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RACIONALIDADE E RACIONALIZAÇÃO EM MAX WEBER 163

Racionalidade material e formal deste texto pretendo retomar este ponto, mas, por
ora, chamo a atenção para o assunto central deste
Não encontramos propriamente definições tópico: a compreensão da tipologia weberiana da
prévias do que seja a racionalidade material e for- racionalidade formal e material.
mal nos escritos weberianos. Embora sua ocorrên- É apenas no segundo capítulo, aquele que tra-
cia possa ser rastreada também nos textos de so- ta da esfera econômica, que o texto de Economia e
ciologia da religião de Weber, é em outro âmbito sociedade apresenta, pela primeira vez, a distinção
textual que sua utilização adquire função vital: o entre duas formas de racionalidade:
conjunto inacabado de textos que, postumamente,
Marianne Weber intitulou Economia e sociedade.7 [...] chamamos racionalidade formal [formale
O que podemos verificar analisando este escrito Rationalität] de uma gestão econômica o grau
é que os conceitos aqui em questão já aparecem de cálculo tecnicamente possível e que ela re-
como instrumentos de análise em contextos de- almente aplica. Ao contrário, chamamos ra-
terminados (especialmente no tocante às esferas cionalidade material [materiale Rationalität] o
econômica e jurídica). Deles não encontramos ti- grau em que o abastecimento de bens de de-
pificações preliminares e é somente a partir de sua terminados grupos de pessoas (como quer se
utilização nestes dois âmbitos que podemos deter- definam), mediante uma ação social economi-
minar seu conteúdo. Também é bastante notório camente orientada, ocorra conforme determi-
que a noção de racionalidade ocupa um lugar cen- nados postulados valorativos (qualquer que seja
tral na discussão weberiana dos tipos de ação social sua natureza) que constituem o ponto de re-
e desempenha papel-chave no exame dos tipos de ferência pelo qual este estabelecimento é, foi
dominação. Como pretendo ater-me apenas ao uso ou poderia ser julgado. Esses postulados têm
explícito que Weber faz dos conceitos de racionali- significados extremamente variados (Weber,
dade formal e material, dispensarei sua análise do 1994, p. 52, grifos no original).
Estado moderno burocrático. Porém, como a teoria
da ação possui um vínculo direto com a análise we- Conforme Weber, enquanto o conceito de
beriana dos processos de racionalização, referências racionalidade formal possui um conteúdo ine-
ao tema, mesmo que breves, são imprescindíveis. quívoco, a racionalidade material é inteiramente
A diferenciação entre ação racional com re- vaga. Para ele “uma gestão econômica é formal-
lação a fins, ação racional com relação a valores, mente ‘racional’ na medida em que a ‘previdência’
ação afetiva e ação tradicional envolve a conside- essencial em toda economia racional pode expri-
ração dos diferentes graus de racionalidade pre- mir-se e de fato se exprime em considerações de
sentes na própria ação. O primeiro tipo funciona caráter numérico e calculável” (Idem, p. 52). Já o
como ideal, e os restantes representam um desvio que caracteriza a racionalidade material é que ela
em relação ao primeiro. Seguindo-se a explicação “estabelece exigências éticas, políticas, utilitaris-
de Schluchter (1996), Weber constrói essa escala tas, hedonistas, estamentais, igualitárias ou outras
tendo em mente a articulação entre quatro ele- quaisquer, e as toma como padrão dos resulta-
mentos: os meios, os fins, os valores e as conse- dos da gestão econômica” (Idem, p. 52). Entre os
quências da ação. A ação será tão mais racional exemplos arrolados por Weber estão o comunis-
quanto mais o ator levar em consideração todos mo e o socialismo, bem como os grupos éticos e
tais aspectos. Esta discussão é fundamental, pois igualitários. Weber considerava o dinheiro como
a problemática da racionalidade, em Weber, é “o meio de cálculo econômico ‘mais perfeito’, isto
elaborada tendo-se em vista compreender, a par- é, o meio formalmente mais racional de orienta-
tir dela, a especificidade das ações sociais. Resta, ção da ação econômica” (Idem, p. 53). Em relação
contudo, um problema: qual a relação que Weber ao dinheiro, ele esclarece quais são as condições
estabelece entre os tipos de ação, por um lado, e materiais específicas que sustentam este processo:
os tipos de racionalidade, por outro? No decorrer “o cálculo em dinheiro alcança o grau máximo de

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racionalidade como meio de orientação de caráter formal vigora uma estrita racionalidade lógica e a
calculável [...] com a condição material do máxi- univocidade das características externas do direito
mo de liberdade de mercado” (Idem, p. 68). desaparece. Já no modelo de (4) direito material-
A distinção entre as formas material e formal mente racional temos que as decisões de problemas
de racionalidade também será retomada por Weber jurídicos sofrem a influência de normas qualitati-
no capítulo dedicado à esfera do direito. Na busca vas, como imperativos éticos, regras de convivência
pela determinação das suas qualidades importam (utilitárias ou de outra natureza) ou máximas polí-
ao pensador “o grau e a natureza da racionalidade ticas que rompem com o formalismo jurídico.
do direito, sobretudo, como é claro, do direito eco- A dicotomia entre o aspecto material e formal
nomicamente relevante (o atual ‘direito privado’)” do direito é retomada por Weber para visualizar
(Weber, 1999, p. 11, grifo no original). também a evolução histórica do direito, momento
Do ponto de vista teórico-analítico, “um di- em que ele destaca a influência dos fatores externos
reito pode ser ‘racional’ em sentido muito diverso, na racionalização jurídica. Entre estes, três em espe-
dependendo do rumo que toma a racionalização no cial, são considerados: os fatores políticos, religio-
desenvolvimento do pensamento jurídico” (Idem, p. sos e econômicos. Analisando a racionalização do
11). Visando determinar, pois, seu conteúdo, Weber direito sob uma perspectiva histórica ampla, Weber
apresenta dois critérios para analisar a racionalidade resumiu assim todo este processo:
do direito. O primeiro, a generalização, significa “a
redução das razões que determinam a decisão, no As qualidades formais do direito desenvolvem-
caso concreto, a um ou vários ‘princípios’, que são -se nesse processo a partir da combinação de
as ‘disposições jurídicas’” (Idem, p. 11). O segundo um formalismo magicamente condicionado a
elemento é a sistematização do direito: “ela significa uma irracionalidade determinada pela origem
o inter-relacionamento de todas as disposições jurí- em revelações, no procedimento jurídico pri-
dicas obtidas mediante a análise, de tal modo que mitivo, passando, eventualmente, por uma
formem entre si um sistema de regras logicamente racionalidade material ou não formal, ligada
claro, internamente consistente e, sobretudo, em a um fim e patrimonial ou teocraticamente
princípio, sem lacunas” (Idem, p. 12). condicionada, rumo a uma racionalidade e sis-
A partir destes critérios de formalidade e mate- temática jurídica crescentemente especializada
rialidade (combinados com a racionalidade e a irra- e, portanto, lógica e, por essa via, sob aspectos
cionalidade), Weber desenha sua conhecida tipolo- puramente externos –, ao progresso da subli-
gia das formas do direito: o direito formal irracional mação lógica e do rigor dedutivo do direito e
ou racional e o direito material racional ou irracio- da técnica racional do procedimento jurídico”
nal. Para ao autor são (1) formalmente irracionais as (Idem, p. 143).
formas jurídicas nas quais “são empregados meios
que não podem ser racionalmente controlados –
por exemplo, a consulta a oráculos ou a sucedâneos Racionalidade teórica e prática
destes” (Idem, p. 12). Em um segundo tipo (2) as
formas jurídicas podem ser materialmente irracio- Se no caso da determinação do significado dos
nais, “na medida em que a decisão é determinada tipos ideais racionalidade formal/racionalidade ma-
por avaliações totalmente concretas de cada caso, terial tivemos que determinar seu conteúdo a partir
sejam estas de natureza ético-emocional ou políti- do levantamento do seu uso por parte de Weber, o
cas, em vez de depender de normais gerais” (Idem, mesmo não ocorre com a outra díade em questão: a
p. 13). O terceiro tipo é definido da seguinte for- racionalidade teórica e prática. Também ela é utiliza-
ma: (3) “um direito é “formal” na medida em que da por Weber como instrumental heurístico em um
se limita a considerar, no direito material e no pro- contexto bastante determinado e específico de seu
cesso, as características gerais unívocas dos fatos” corpus textual: seus amplos estudos histórico-com-
(Idem, ibidem). Ou seja, no modelo racionalmente parativos em torno da ética econômica das religiões

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RACIONALIDADE E RACIONALIZAÇÃO EM MAX WEBER 165

mundiais (Gesammelte Aufsätze zur Religionssoziolo- O significado da racionalidade teórica [theoretis-


gie [Ensaios reunidos de sociologia da religião]). Mas, che Rationalität] está correlacionado com os termos
de forma diversa da tipologia anterior, Weber dese- visão, imagem [Weltbild] e observação do mundo
nha claramente seu significado e escopo analíticos. [Weltbetrachtung]. É em cada um desses diferentes
Que os conceitos típico-ideais de racionali- âmbitos que se realiza o domínio conceitual e teó-
dade teórica e prática são instrumentos essenciais rico sobre a realidade, através de conceitos cada vez
para sua investigação neste contexto é o próprio mais precisos e abstratos, aspectos que definem este
Max Weber que no-lo indica quando se refere tipo de racionalidade, como expressam as próprias
explicitamente ao seu significado justamente no palavras de Weber. Nesta medida, ele confere espe-
texto que serve de preâmbulo metodológico aos cial importância ao papel da teodiceia (e a ideia de
seus estudos no âmbito da sociologia da religião: a explicação do sofrimento) no processo de raciona-
“Einleintug”.8Tal documento, além de indicar cla- lização teórica: “Essa religiosidade pressupunha o
ramente para o âmbito específico (a esfera religiosa) mito de um salvador, ou seja, uma (ao menos de
em que tais conceitos operam como recurso analíti- forma relativa) visão racional do mundo” (Idem, p.
co, também indica qual o objetivo da investigação 92; Idem, p. 239, grifo no original). A teodiceia do
weberiana, ao enfatizar que “também as caracterís- sofrimento representa, portanto, um vetor funda-
ticas das religiões que têm importância para a ética mental no processo de racionalização da imagem
econômica devem nos interessar aqui essencialmen- de mundo, pois:
te somente de um ponto de vista determinado: o
tipo de sua relação com o racionalismo econômi- Em determinadas circunstâncias, o poder des-
co” (mwg i/19, p. 117; Weber, 2001, p. 259). Em tes fatores singulares experimentou um grande
outros termos, a dualidade racionalidade prática e incremento devido à necessidade, de urgência
teórica é um dos meios essenciais pelos quais We- paralela à crescente racionalidade da visão de
ber procurou entender “o racionalismo econômico mundo, de um “sentido” ético para distribui-
do tipo que começou a dominar o Ocidente nos ção da fortuna [Glücksgüter] entre os homens.
séculos XVI e XVII como parte da racionalização Ao aumentar a racionalidade do ponto de
burguesa que aqui se instala” (Idem, ibidem, grifo vista ético-religioso e irem se eliminando as
meu). Vejamos, pois, o que este texto indica sobre primitivas ideias mágicas, a teodiceia do so-
o conteúdo e o significado da tipologia weberiana frimento encontrou dificuldades crescentes
teórica e prática de racionalidade. No decorrer des- (Idem, p. 94; Idem, p. 241).
te texto, Weber brinda-nos com uma bela súmula a
respeito deles, ao afirmar que: Fundamental para a compreensão dos diferen-
tes tipos racionalidade também é a sua relação com
[...] o termo [racionalismo] pode fazer pensar fatores sociais, em especial o modo como elas estão
nessa espécie de racionalização que empreen- relacionadas com a influência de diferentes cama-
de, por exemplo, o pensador sistemático com das portadoras [Träger]. Segundo Weber, “os inte-
a imagem do mundo [Weltbild] e que aumen- lectuais e os negociantes (comerciantes, artesãos)
ta seu domínio teórico da realidade [theoretische foram (os primeiros sempre e os outros, às vezes)
Beherrschung der Realität] mediante a utilização sujeitos de um racionalismo, mais teórico no pri-
de conceitos abstratos cada vez mais precisos; meiro caso, mais prático no segundo, configurado
ou ainda na racionalização no sentido de reali- dos modos mais diversos, mas que teve um gran-
zação metódica de um fim determinado, dado de influxo sobre a atitude religiosa” (Idem, p. 101;
na prática, mediante um cálculo cada vez mais Idem, p. 246). Na tipologia weberiana, os dois tipos
preciso dos meios adequados. Trata-se de coisas de racionalidade são construções típico-ideais anco-
bem distintas, apesar do fato de que em última radas na influência de diferentes grupos e camadas
instância estejam inseparavelmente relacionadas sociais na constituição de suas características. Com
(Idem, ibidem, grifos meus). base nesta premissa, podemos entender por que

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existe afinidade entre racionalidade teórica e cama- processo de regulação moral da ação social. Ou,
das intelectuais: “e precisamente esta exigência, a nas palavras do próprio autor: “sobre os motivos
busca do sentido global do cosmos, que é o produ- que determinaram, enquanto tais, os diferentes
to básico do racionalismo propriamente religioso, foi tipos de ‘racionalização’ ética da conduta de vida
inteiramente conduzida pelas camadas intelectuais” [etischer ‘Rationalisierung’ der Lebensführung], fa-
(Idem, p. 102; Idem, p. 247). laremos frequentemente adiante” (Idem, p. 89;
Do ponto de vista de sua definição geral, o Idem, p. 237, grifo meu).
que caracteriza o conceito de racionalismo prático Como a racionalidade teórica, também a for-
[praktische Rationalität], para retomar a formulação ma prática de racionalidade está ligada ao modo
de Weber, é a “realização metódica de um fim de- de vida de camadas específicas. Segundo a explica-
terminado, dado na prática, mediante um cálculo ção de Weber, “completamente distinto foi o que
cada vez mais preciso dos meios adequados” (Idem, ocorreu quando as camadas sociais determinantes
p. 117; Idem, p. 259, grifo meu). Temos, portanto, do desenvolvimento de uma religião foram os es-
dois elementos que o caracterizam: um de caráter tratos de vida ativa” (Idem, p. 104; Idem, p. 249).
dado e prático e outro realizado mediante o cálculo Concretamente, “comum a todos estes tipos tem
preciso dos meios mais adequados para sua conse- sido a tendência à racionalidade prática do estilo
cução. O que Weber persegue ao recorrer à ideia de de vida, condicionada pelo maior alheamento da
racionalismo prático é, segundo suas palavras, uma dependência econômica da natureza. Sua existência
disposição sistemática para certas condutas. Ou, inteira repousa sobre a dominação e o cálculo téc-
como ele enfatiza ainda nesta passagem: nico ou econômico da natureza e dos homens, por
primitivos que sejam seus meios” (Idem, p. 106;
Em geral, todos os tipos de ética prática que se Idem, p. 251).
orientaram sistematicamente e univocamente A dicotomia racionalidade teórica/raciona-
para metas fixas de salvação foram ‘racionais’, lidade prática também permeia este outro im-
em parte no mesmo sentido do método for- portante escrito teórico-reflexivo da sociologia
mal, e em parte também no sentido do nor- histórico-comparada de Weber: a “Zwischenbetra-
mativamente ‘válido’ e do empiricamente chtung” [“Consideração intermediária”].9 Aliás, é
dado. Este tipo de processos de racionalização neste texto que, de forma enfática, uma vez mais,
que acabamos de mencionar é o que nos in- o autor nos lembra do objetivo global de seus es-
teressará a seguir (Idem, p. 118; Idem, p. 260, tudos: “finalmente e, sobretudo, uma busca deste
grifos meus). tipo em sociologia da religião deve e quer ser ao
mesmo tempo uma contribuição para a tipologia
Isto significa que para compreender o processo e a sociologia do próprio racionalismo” (Idem, p.
de racionalização na esfera religiosa Weber deu es- 481; Idem, p. 528). Neste contexto, a dicotomia
pecial ênfase ao papel dos valores éticos enquanto racionalidade teórica e racionalidade prática pos-
meio privilegiado pelo qual ocorreu, historicamen- sui uma função vital: “o racional, no sentido da
te, a sistematização do modo de vida. Em outras ‘coerência’ lógica ou teleológica de uma tomada
palavras, Weber opta por mostrar que é o conteú- de posição [Stellungnahme] teórico-intelectual ou
do moral das religiões que responde pela realização ético-prática, exerce e tem exercido sempre po-
metódica dos fins e pela adoção de cálculos pelos der sobre os homens, por muito limitado e ins-
quais os indivíduos moldaram, ao longo da histó- tável que este seja e tenha sido sempre em face
ria (e, em particular, no Ocidente), sua conduta dos outros poderes da vida histórica” (Idem, p.
de acordo com valores. Note-se que, em sentido 480; Idem, p. 528, grifos meus). Weber diferencia
geral e abstrato, o conceito de racionalidade prá- claramente a racionalidade teórica (associada ao
tica é determinado pela adequação entre meios e aspecto intelectual) e a racionalidade prática (as-
fins; mas, do ponto de vista concreto e histórico- sociada ao aspecto ético), temática da qual tratará,
-empírico, o que interessa a Weber é descrever o extensa e conjuntamente, no trecho seguinte:

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RACIONALIDADE E RACIONALIZAÇÃO EM MAX WEBER 167

Porém, precisamente as interpretações religio- zauberung der Welt]. Com base nesta orientação
sas do mundo [racionalidade teórica] e as éti- sabemos que o conceito típico-ideal de desencan-
cas religiosas com pretensão de racionalidade tamento do mundo está subordinado ao conceito
[racionalidade prática] criadas por intelectuais maior e estruturante de sua sociologia: a racionali-
estão intensamente submetidas ao imperativo zação. É a partir deste contexto que o conceito de
da coerência. Por muito pouco que, em certos desencantamento recebe sua determinação como
casos, tenham satisfeito a exigência de ‘falta “critério” que aponta para o “nível” de racionaliza-
de contradição’ e ainda que tenham deseja- ção de determinado contexto religioso.10
do incluir em seus postulados éticos atitudes
não dedutíveis racionalmente, pode-se obser-
var claramente em todas elas o efeito da ratio, Algumas consequências teóricas
especialmente da dedução teleológica de pos-
tulados práticos (Idem, p. 480; Idem, p. 528, Feito o exame exegético-hermenêutico, retorno
acréscimos meus). ao nível teórico e me pergunto sobre as implicações
que as análises precedentes nos permitem levantar.
Na sequência do texto, sabemos que Weber Embora entenda que a teoria weberiana da raciona-
retomará as interpretações religiosas do mundo lização não possa ser reduzida à mera derivação de
(racionalidade teórica) e, de modo fundamental, a conceitos de racionalidade que a informam (entre
ética das religiões (racionalidade prática), mostran- outros recursos analíticos empregados por Weber),
do de que modo a legalidade própria [Eigengesetzli- nesta terceira parte conduzirei a discussão em torno
chkeit] das ordens sociais modernas colide e se tor- da seguinte questão: o que o exercício de situar os
na autônoma diante das exigências de imperativos conceitos de racionalidade nos escritos de Max We-
morais e religiosos. Contudo, esta análise não é o ber pode nos ensinar a respeito do entendimento
foco deste trabalho: importa sublinhar aqui a pre- destas mesmas categorias e, principalmente, sobre
sença e importância que a tipologia racionalidade a própria ideia de racionalização na sociologia we-
teórica e racionalidade prática adquire no âmbito beriana?
da sociologia weberiana da religião. No tocante ao primeiro aspecto – a racionali-
No tópico final do ensaio Confucionismo e tao- dade –, da análise anteriormente efetuada resulta
ismo (denominado “Resultados: confucionismo e assentado que Weber se utilizou dos pares típico-
puritanismo”) também encontramos outro esclareci- -ideais de racionalidade – material/formal e teó-
mento da maior importância. Nas palavras de Weber: rica/prática – momentos distintos de sua obra: o
primeiro em Economia e sociedade e o segundo em
Para apreciar o nível de racionalização que uma seus Ensaios reunidos de sociologia da religião. O le-
religião representa podemos usar dois critérios vantamento exegético aqui realizado confirma que,
básicos, que se inter-relacionam de várias ma- longe de reduzir-se a apenas um fator, Weber recor-
neiras. O primeiro é o grau em que uma reli- reu a quatro conceitos de racionalidade que estão
gião se despojou da magia; o outro é o grau distribuídos na forma de dois pares típico-ideais.
de coerência sistemática que imprime a relação Este dado já nos permite uma importante crítica
entre Deus e o mundo e, em consonância com da bibliografia especializada. Resultam equivoca-
isso, à sua própria relação ética com o mundo das as interpretações que ignoram um dos pares
(1991, p. 151, grifo meu). em questão e derivam todo o conteúdo do concei-
to weberiano de racionalidade de apenas uma das
Esta passagem é particularmente vital porque díades apresentadas, reduzindo-o apenas ou à sua
se trata de um dos poucos momentos em que We- dimensão material/formal ou à sua dimensão teó-
ber explicita de que forma entende a relação entre rico/prática. Acresce ainda que mesmo as interpre-
estes dois conceitos centrais de sua sociologia: 1) tações que levam em conta a ocorrência dos quatro
racionalização e 2) desencantamento do mundo [Ent- conceitos de racionalidade tendem a um tratamen-

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to global e simultâneo dos mesmos, sem levar em nestas respectivas esferas adquire conotações di-
conta sua inserção em diferentes loci textuais e, em ferentes. Nas suas análises da esfera religiosa (sob
consequência, sem balizar adequadamente a fun- o ângulo comparativo), são os conceitos de racio-
cionalidade teórica distinta à qual estes dois pares nalidade teórica/prática (associados ao não menos
típico-ideais respondem. O conceito weberiano de importante conceito de desencantamento religioso
racionalidade é um recurso heurístico formulado do mundo) que estruturam a análise; enquanto
de modo múltiplo, e sua sistematização típico-ideal nas demais esferas (economia, direito e, sob outra
obedece a imperativos que resultam de finalidades ótica, a própria religião) são os conceitos de racio-
teóricas que Weber se colocou em função de con- nalidade material/formal que articulam a pesqui-
textos de análise diferenciados. sa. Deste fator resulta que o que vem descrito na
Mais amplos e complexos se tornam os pro- esfera religiosa como processo contingente de ins-
blemas quando exploramos os nexos que ligam o titucionalização de um racionalismo prático com
âmbito categorial da racionalidade e a explanação feições culturais distintas de outros tipos de racio-
weberiana dos processos de racionalização. Se- nalismo (no Ocidente predomina o racionalismo
guindo esta trilha, gostaria de chamar a atenção da dominação do mundo) é pensado, sob outro
para três aspectos que dizem respeito ao âmbito, à ângulo, como a transição da racionalidade material
dinâmica e, por fim, ao próprio sentido do tema para a racionalidade formal, processo que recobre
da racionalização em Weber. amplas esferas da vida social em tempos modernos.
Em primeiro lugar, caberia começar lembran- Em suma, a análise weberiana da racionalização
do que os conceitos de racionalidade teórica/prática não apenas contempla sua ocorrência em planos
e material/formal operam em planos distintos das sociais distintos (que poderiam ser pensados in-
análises weberianas que concernem à racionaliza- ternamente de forma homogênea), mas também
ção. O primeiro dos pares em questão é um recurso apanha lógicas distintas de operação e processos de
analítico utilizado por Weber em seus estudos histó- desenvolvimento próprios e específicos. As descri-
rico-comparativos (Ensaios reunidos de sociologia da ções que Weber nos fornece sobre o modo como se
religião) e, como tal, ele se circunscreve a um pla- processa a racionalização são diferentes conforme
no social mais limitado, qual seja, o plano da esfera suas balizas se orientam pelos conceitos de raciona-
religiosa. O mesmo não acontece com os conceitos lidade teórica/prática ou material/formal.
de racionalidade material e formal, os quais podem Em síntese, o que podemos dizer até aqui é que
ser explicitamente identificados em suas análises a análise weberiana dos processos de racionalização
do campo econômico e jurídico, mas também es- é pluridimensional e explora a variedade de dinâ-
tão implicitamente presentes em suas pesquisas, micas que recortam estas diferentes dimensões. Tal
por exemplo, no campo político e científico (temas constatação também nos permite dizer que, sem
desenvolvidos, especialmente, em Economia e socie- negar sua base comum, o próprio sentido da ideia
dade). Em suma, enquanto a díade racionalidade weberiana de racionalização também é múltiplo,
teórica e racionalidade prática possui um âmbito podendo ser desenvolvido e lido em diferentes pla-
de atuação bem mais específico e determinado, a nos e dimensões. Em Weber, a análise do proces-
tipologia racionalidade material e racionalidade for- so de racionalização é sempre típico-ideal e, neste
mal opera em planos mais vastos, atravessando es- prisma, pode-se reconhecer que ele adquire tons e
truturalmente o conjunto das ordens sociais de vida perspectivas diferentes (mas não contraditórios e
que aparecem na pesquisa de Weber. nem excludentes) conforme ele está posto – anali-
A inserção dos conceitos de racionalidade em ticamente – por Weber em Economia e sociedade ou
planos diferenciados indica não apenas que We- nos Ensaios de sociologia da religião.
ber os utilizou para analisar o processo de racio- Tal hipótese de leitura repousa sobre um pres-
nalização em esferas (histórico-sociais) diferentes, suposto anterior: a consideração de que os Ensaios
mas também que a própria dinâmica pela qual o reunidos de sociologia da religião e seu escrito pós-
processo de racionalização é descrito por Weber tumo, Economia e sociedade, constituem escritos

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RACIONALIDADE E RACIONALIZAÇÃO EM MAX WEBER 169

com finalidades distintas, mas também comple- teúdo, concretamente, é adquirido em cada uma
mentares. Ambos os conjuntos de textos foram das esferas pela racionalidade material e pela ra-
concebidos por Weber na fase final de sua vida e, cionalidade formal é questão que fica em aberto,
embora não contraditórios, possuíam um escopo permitindo-nos apenas captar sua legalidade pró-
diferenciado. Enquanto Economia e sociedade é, pria. O resultado final é que Weber apresenta um
essencialmente, um tratado teórico-sistemático de amplo quadro em que descreve a racionalização
sociologia (que discute a relação entre as ordens pensada em sua dimensão histórico-estrutural. Ou
e poderes sociais e a vida econômica), os Ensaios seja, o que temos aqui é uma análise cujo foco
de sociologia da religião representam um programa reside na caracterização sistemático-sociológica
teórico-empírico de pesquisa. No entanto, os tex- das ordens sociais racionalizadas do mundo mo-
tos também se complementam, pois as categorias derno. Já nos Ensaios reunidos de sociologia da re-
sociológicas de Economia e sociedade orientam as ligião, é fato que Weber parte de uma esfera loca-
pesquisas empíricas de Weber e, estas, por sua vez, lizada e determinada (a religião), mas sua análise
servem de substrato material para a construção de não se limita nem se fecha apenas neste campo.
suas categorias analíticas. Trata-se, a meu ver, Ao percorrer a via religiosa, Weber busca contras-
de uma chave de leitura possível, em cujo apoio, tar a experiência ocidental de racionalização com
por ora, posso invocar apenas a pena de um de outras experiências culturais e obtém como resul-
seus principais comentadores: tado final um amplo quadro comparativo que lhe
permite determinar os traços peculiares e contin-
Assim, por meios destes dois projetos, Weber gentes do racionalismo ocidental. Neste caso, é a
perseguiu duas diferentes tarefas no âmbito de dimensão histórico-cultural que ganha relevo. Para
uma abordagem unificada das ciências cultu- retomar a terminologia de Habermas, trata-se de
rais. Isto explica por que eles, em grande parte, uma perspectiva que apanha a racionalização no
se referem aos mesmos objetos de análise e, ao seu duplo aspecto de processo social (Economia e
menos no início, utilizam-se da mesma fonte sociedade) e cultural (Ensaios reunidos de sociologia
material. Não apenas os objetos de análise são da religião).
os mesmos, mas também as questões: qual é
a base do caráter único do Ocidente, especial-
mente do moderno Ocidente? Como ele se de- Considerações finais
senvolve? E, ainda, qual é a sua tendência de
desenvolvimento? (Schluchter, 1989, p. 46). Tomar como fio condutor para a compreen-
são da teoria da racionalização de Max Weber seus
Estando correto o pressuposto, também seria conceitos de racionalidade (teórica/prática e mate-
possível inferir que o sentido da racionalização rial/formal) nem de longe nos permite reconstruir
adquire tonalidades distintas conforme o locus esta teoria em todo seu conteúdo e amplitude.
textual em que se insere. É como se Weber nos Nem este é o caminho que por si só teria o po-
proporcionasse ângulos diferentes do mesmo fe- der de dissolver todas as dúvidas e os problemas
nômeno, mas com preocupações e ênfases diver- que a interpretação da obra de Weber apresenta.
sas. Dessa forma, em Economia e sociedade a aná- Trata-se, a meu ver, de um ângulo privilegiado,
lise da racionalização está presente nas múltiplas mas este é apenas um aspecto de uma questão que
esferas que recobrem desde o direito e a economia envolve muitas outras determinantes.
(onde o tema é nomeado de forma explícita), até Por outro lado, dada a centralidade que o
a ciência, a religião ou mesmo a esfera da polí- tema possui no pensamento de Max Weber, a
tica. Nesses campos, a dinâmica de racionaliza- compreensão da visão weberiana da racionalização
ção percorre um caminho que vai do “material” com base nesses conceitos pode nos ensinar muito
ao “formal”, mas isto não deve ser entendido de sobre a estrutura interna desta teoria, quer dizer,
forma homogeneizante, pois delimitar qual con- a maneira pela qual Weber se serve de diferentes

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aspectos da racionalidade como um (entre outros) 3 Sobre o irracional em Weber, ver Segady (1988) e
dos recursos analíticos que lhe permitem retratar Sica (1992).
os fatores e as vias que modelam histórica e socio- 4 Um levantamento bibliográfico sistemático sobre o
logicamente os processos de racionalização. Pres- tema da racionalidade em Weber está disponível em
tar atenção no papel que os conceitos de racionali- Sica (2000).
dade exercem como subsídio para modelar a visão 5 Exemplo significativo nesse sentido é o da intelectual
weberiana sobre os processos de racionalização francesa Colliot-Thélène (1995).
nos coloca em contato direto com os esquemas 6 Dessa forma, a interpretação de Schluchter busca
metodológicos desta vertente sociológica. Com evitar a redução da sociologia comparativa de We-
base neste pressuposto, procurei demonstrar que o ber a um esquema evolucionista, por um lado, ou
atento exercício exegético de localização dos tipos meramente histórico-descritivo, por outro. Maiores
detalhes sobre este ponto podem ser encontrados em
ideais de racionalidade na obra de Weber fornece
Souza (2000).
indicações importantes para a crítica da bibliogra-
7 A complexa história da elaboração e composição deste
fia especializada e, sobretudo, para a compreensão
escrito é reconstruída por Pierucci (2009).
de seu significado. Ademais, também aponta as-
8 Em português, este texto encontra-se disponível ten-
pectos importantes para a compreensão da temá-
do como fonte a tradução em inglês realizada por Wri-
tica weberiana da racionalização. Trata-se de um
ght e Mills em sua antologia de textos sobre Weber
exercício que desvela as diferentes esferas e dire- (Ensaios de sociologia) sob o título de “A psicologia
ções em que Weber descreve o processo de racio- social das religiões mundiais” (Weber, 1982). Neste
nalização da ação social, ao mesmo tempo em que trabalho utilizo as versões alemã (mwg i/19) e espa-
aponta para os múltiplos sentidos ou leituras que nhola (Weber, 2001).
a tese da racionalização desenvolve. 9 O texto também está na tradução de Wright e Mills
Conclusivamente, o que se pode dizer, com (Weber, 1982), sob o título de “Rejeições religiosas do
certeza, é que o tema da racionalidade e da racio- mundo e suas direções”. Para as traduções utilizei o
nalização, em Max Weber, é um exemplo a mais original alemão (mwg i/19; Weber, 1991) e a tradução
da multiplicidade e, acima de tudo, da riqueza de espanhola da editora Taurus (Weber, 2001).
perspectivas que este pensador utilizava para inter- 10 Neste ponto, sigo a interpretação exposta em Schlu-
pretar, na forma de tipos ideais, a complexidade chter (1999 e 2009). Sobre o desencantamento do
de um real que está sempre para além de qualquer mundo, ver, ainda, Lehmann (2009).
tentativa de reprodução in totum no plano episte-
mológico. Uma lição que, ao preservar o frescor e a
eterna juventude das ciências sociais, nos deixa com BIBLIOGRAFIA
a liberdade e também a tarefa de buscar sempre no-
vos caminhos para a compreensão da multiplicida- BENDIX, Reinhard. (1960), Max Weber: an intel-
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dução” ao escrito A ética protestante e o espírito do ca-
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pitalismo (Weber, 1996, pp. 1-15). No texto utilizo o
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original alemão disponível em (Weber, gars i, 1988,
pp. 1-16). . (2003), “Apêndice: sobre o significa-
do da racionalização”. Crítica e resignação. São
2 O mesmo texto foi republicado em Cohn (2003).
Paulo, Martins Fontes, 2003, pp. 227-242.

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RESUMOS / ABSTRACTS / RESUMÉS 233

RACIONALIDADE E RATIONALITY AND RATIONALITÉ ET


RACIONALIZAÇÃO EM MAX RATIONALIZATION IN MAX RATIONALISATION SELON MAX
WEBER WEBER WEBER

Carlos Eduardo Sell Carlos Eduardo Sell Carlos Eduardo Sell

Palavras-chave: Max Weber; Racionali- Keywords: Weber; Rationality; Rational- Mots-clés: Weber; Rationalité; Rationali-
dade; Racionalização; Intelectualismo. ization; Intellectualism. sation; Intellectualisme.

A interpretação da teoria da racionaliza- The interpretation of Max Weber’s the- L’interprétation de la théorie de la ratio-
ção social de Max Weber constitui um ory of social rationalization is one of the nalisation sociale de Max Weber est l’un
dos tópicos mais controversos da litera- most controversial topics in the special- des thèmes les plus controversés de la
tura especializada no pensamento deste ized literature concerning the thought of littérature chez cet auteur. En vue d’af-
autor. Visando enfrentar este complexo the author. Aiming to address this com- fronter ce thème complexe, cet article
tema, este artigo sumariza as conclusões plex issue, this article summarizes the résume les principales conclusions des
dos principais comentadores que tratam conclusions of the main commentators commentateurs qui abordent cette ques-
da questão, bem como descreve os con- who deal with the issue and describes tion et décrit les concepts wébériens
ceitos weberianos de racionalidade mate- the Weberian concepts of formal and de rationalité matérielle et formelle et de
rial e formal e de racionalidade teórica e material rationality, and theoretical and rationalité théorique et pratique en les
prática situando-os nos escritos de Max practical rationality, placing them in the plaçant dans les écrits de Max Weber.
Weber. Com base neste levantamento writings of Max Weber. Based on this ex- Basé sur cette enquête exégétique,
exegético, apontamos alguns limites da egetical survey, the article points out to l’article souligne certaines limites de la
bibliografia secundária, destacando al- some limits of the secondary literature littérature secondaire et met en lumière
gumas de suas implicações para a com- and highlights some of their implications certaines de ses implications pour la
preensão do sentido que a temática da for understanding the sense that the compréhension du sens que le thème
racionalidade e da racionalização adquire theme of rationality and rationalization de la rationalité et de la rationalisation
no corpus textual weberiano. takes in the corpus of Weber’s works. prend dans le corpus wébérien.

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