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Carlos Biasotti

Legítima Defesa
(Doutrina e Jurisprudência)

2020
São Paulo, Brasil
O Autor

Carlos Biasotti foi advogado criminalista, presidente da


Acrimesp (Associação dos Advogados Criminalistas do Estado
de São Paulo) e membro efetivo de diversas entidades (OAB,
AASP, IASP, ADESG, UBE, IBCCrim, Sociedade Brasileira de
Criminologia, Associação Americana de Juristas, Academia
Brasileira de Direito Criminal, Academia Brasileira de Arte,
Cultura e História, etc.).

Premiado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo, no


concurso O Melhor Arrazoado Forense, realizado em 1982, é autor
de Lições Práticas de Processo Penal, O Crime da Pedra, Tributo aos
Advogados Criminalistas, Advocacia Criminal (Teoria e Prática), além
de numerosos artigos jurídicos publicados em jornais e revistas.

Juiz do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo


(nomeado pelo critério do quinto constitucional, classe dos
advogados), desde 30.8.1996, foi promovido, por merecimento, em
14.4.2004, ao cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça.

Condecorações e títulos honorícos: Colar do Mérito


Judiciário (instituído e conferido pelo Poder Judiciário do Estado
de São Paulo); medalha cívica da Ordem dos Nobres Cavaleiros de
São Paulo; medalha cultural “ Brasil 500 anos”; medalha “ Prof. Dr.
Antonio Chaves”, etc.
Legítima Defesa
(Doutrina e Jurisprudência)
Carlos Biasotti

Legítima Defesa
(Doutrina e Jurisprudência)

2020
São Paulo, Brasil
Sumário

I. Preâmbulo....................................................................11

II. Legítima Defesa: Ementas............................................15

III. Casos Especiais.............................................................27


Preâmbulo

A legítima defesa, afirmou Cícero num rapto de


eloquência, não tem história, porque é uma lei sagrada,
que nasceu com o homem, anterior à tradição e aos
livros, gravada que está no código imortal da natureza.(1)

Definiu-a nestes termos o Código Penal (art 25):

“Entende-se em legítima defesa quem, usando


moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão,
atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.

“Todas as leis e todos os direitos permitem repelir a força


pela força”, escreveu no bronze eterno o jurisconsulto
Paulo(2): “Vim vi defendere omnes leges omniaque jura
permittunt” (Dig. 9, 2).

(1) “Pro Milone”, cap. IV.


(2) Cf. V. César da Silveira, Dicionário de Direito Romano, 1957, vol.
II, p. 475.
12

Isto mesmo significou o elegante Manuel


Bernardes: “A justiça concede a todos repelir a força com
a força” (3).

De igual sentir, o imenso Vieira(4).

Aquele, portanto, que for injustamente agredido


(ou estiver na iminência de sê-lo), poderá afastar o
ofensor, até com violência, que o autoriza a lei. É a clara
dicção do art. 23, nº II, do Código Penal. Matar,
para não morrer, não é crime! (5)

Todavia, quem invoca a descriminante da defesa


própria, a esse cabe demonstrá-la acima de dúvida, pois
aqui a falta de prova faz as vezes de confissão da prática
do crime.

Não é fora de propósito notar, porém, que, em


pontos de legítima defesa, tem voga desembaraçada nos
círculos pretorianos o entedimento adotado no ven.
acórdão de que foi relator o eminente Desembargador
Manuel Carlos:

(3) Nova Floresta, 1726, t. IV, p. 207.


(4) “Haveis de ferir necessariamente a quem vos afrontou, porque a
mancha de uma bofetada no rosto só com o sangue de quem a deu, se lava”
(Sermões, 1959, t. XIII, p. 135; Lello & Irmão, Editores).
(5) Oráculo do Direito Penal pátrio, escreveu Nélson Hungria:
“Tanto na legítima defesa, quanto no estado de necessidade, não há crime,
o que vale dizer: o fato é objetivamente lícito” (Comentários ao Codigo
Penal, 1981, vol. V, p. 92).
13

“Ainda que a legítima defesa não se apresente com


impecável nitidez, não sendo razoável negá-la, deve o juiz
reconhecer sua existência” (Rev. Tribs., vol. 171, p. 97).

Nos votos, cujas ementas este livrinho reproduz,


achará o distinto leitor breves lições de doutrina e
jurisprudência a respeito do excelso instituto da legítima
defesa.

O Autor
Ementário Forense
(Votos que, em matéria criminal, proferiu o Desembargador
Carlos Biasotti, do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo. Veja a íntegra dos votos no Portal do Tribunal de
Justiça: http://www.tjsp.jus.br).

• Legítima Defesa
(Arts. 23, nº II, e 25 do Cód. Penal)

Voto nº 2763
Apelação Criminal nº 1.230.553/4
Art. 40 da Lei das Contravenções Penais;
art. 25 do Cód. Penal; art. 386, nº V, do Cód. Proc. Penal

—“Mas, essa liberdade (de requerer) não se deve degenerar em abuso, por
forma a paralisar a marcha do processo, com o propósito de retardar a
administração da justiça ou de tumultuar a ordem processual” (Bento de
Faria, Código de Processo Penal, 1960, vol. II, p. 210).
— Não comete a infração penal do art. 40 da Lei de Contravenções
Penais (conduta inconveniente) o árbitro de futebol que, revidando
a agressões físicas e morais de torcedores exaltados, responde-lhes
com gestos indecentes, à guisa de retorsão de injúria.
— Embora a disciplina lhe deva ser a pedra de toque, não há negar ao
árbitro de futebol o exercício do direito que a lei assegura ainda ao
mais vil dos homens: a repulsa à injusta agressão (art. 25 do Cód.
Penal).
— É lícito repelir a força pela força, máxime nos casos de injusta
provocação; trata-se de lei sagrada, que, na frase eloquente de
Cícero, está escrita no código imortal da natureza (“Pro Milone”,
cap. IV).
16

Voto nº 9585
Recurso em Sentido Estrito nº 1.121.393-3/8-00
Arts. 121, § 2º, ns. I e III, e 14, nº II, do Cód. Penal;
arts. 408 (atual 413) e 411 do Cód. Proc. Penal

— A decisão de pronúncia tira ao efeito somente de submeter a


julgamento pelo Júri o acusado da prática de crime doloso contra
a vida (art. 408 do Cód. Proc. Penal). Donde veio a dizer José
Frederico Marques: “A pronúncia é sentença processual de conteúdo
declaratório em que o juiz proclama admissível a acusação, para que esta
seja decidida no plenário do Júri” (Elementos de Direito Processual
Penal, 2a. ed., vol. III, p. 217; Millennium Editora).
— Não é ao Juiz da pronúncia, mas ao Tribunal Popular, juiz natural
da causa, que compete desclassificar tentativa de homicídio para
lesões corporais, se não afastada de plano a hipótese de haver o réu
obrado com intenção homicida ao ferir a vítima em região nobre
do corpo.
— Ainda que, em tese, possa absolver o réu com fundamento na
legítima defesa, ao Juiz da pronúncia não é lícito fazê-lo senão
quando comprovada a descriminante legal acima de toda a dúvida
razoável (art. 23, nº II, do Cód. Penal).
— Na dúvida sobre a desclassificação do crime para outro da
competência do Juiz singular, deve o Magistrado pronunciar o réu,
na forma do art. 408, “caput” (atual 413), do Cód. Proc. Penal.
— É doutrina consagrada nos Tribunais que não se deve excluir
qualificadora articulada na denúncia, salvo se manifestamente
improcedente.
17

Voto nº 10.931
Recurso de Ofício nº 990.08.072157-7
Arts. 121, “caput”, 23, nº II, e 25 do Cód. Penal;
art. 411 do Cód. Proc. Penal

— É maior de toda a censura a decisão que, reconhecendo a existência


de causa excludente de antijuridicidade – legítima defesa (art. 23,
nº II, do Cód. Penal) –, absolve o acusado nos termos da lei (art.
411 do Cód. Proc. Penal). Em verdade, é lícito repelir a força com a
força: “Vim vi repellere licet” (Ulpiano).
—“A justiça concede a todos repelir a força com a força” (Manuel
Bernardes, Nova Floresta, 1726, t. IV, p. 207).
— Todo aquele que for injustamente agredido (ou estiver na
iminência de sê-lo) poderá afastar o ofensor, mesmo com violência,
que o autoriza a lei. É a clara dicção do art. 23, nº II, do Cód. Penal.
Matar, para não morrer, não é crime!
—“A defesa individual contra um ataque violento e sério é um direito, é
mesmo um dever, porque cada um tem não somente o direito, mas
também o dever de velar pela sua própria conservação” (Antônio Lemos
Sobrinho, Legítima Defesa, 1925, p. 28).
18

Voto nº 6695
Apelação Criminal nº 475.552-3/0-00
Arts. 121, § 2º, nº I, e 23 do Cód. Penal;
arts. 1º, nº I, e 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90;
art. 5º, nº XXXVIII, letra c, da Const. Fed.

— Máxime quando produzida perante o Magistrado, “nada traz mais


certeza da autoria de um delito do que uma confissão livre, clara, sincera,
sem qualquer vício” (Hélio Tornaghi, Curso de Processo Penal, 1980,
vol. I, p. 381).
— Decisão dos jurados não se anula, exceto se proferida contra a
evidência dos autos, pois tem por si a força do preceito
constitucional da soberania dos veredictos do Júri, que lhe assegura
a imutabilidade (art. 5º, nº XXXVIII, letra c, da Const. Fed.).
“Manifestamente contrária à prova dos autos” é somente a decisão
que neles não depara fundamento algum, constituindo por isso
formidável desvio da razão lógica e da realidade processual.
— É antiga nos Tribunais a inteligência de que a reação tardia a uma
agressão não configura legítima defesa, senão vingança, inimiga
ingente do Direito (art. 23, nº II, do Cód. Penal).
— Dado que julgam “ex informata conscientia”, não há impugnar a
decisão dos jurados se depara um mínimo de fundamento na prova;
que tal decisão já não será manifestamente contrária à prova dos
autos.
19

Voto nº 6124
Revisão Criminal nº 366.737-3/4-00
Art. 121, § 2º, ns. II e IV, do Cód. Penal;
art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90;
art. 621, nº I, do Cód Proc. Penal

— Àquele que invoca a descriminante legal de legítima defesa cabe


demonstrá-la acima de toda a dúvida, pois aqui a falta de prova faz
as vezes de confissão do crime.
— Na revisão criminal inverte-se o ônus da prova, de arte que ao
condenado, como seu autor, cumpre demonstrar que a sentença
errou ou cometeu injustiça; se não, impossível será julgar-lhe
procedente o pedido.
— Não pode incorrer na censura de contrária à evidência dos
autos sentença condenatória apoiada nas palavras da vítima e
testemunhas presenciais idôneas, antes é de reputar-se bem
fundamentada, pois tem por si prova excelente (art. 621, nº I, do
Cód. Proc. Penal).

Voto nº 4671
Apelação Criminal nº 1.358.385/2
Art. 129 do Cód. Penal; art. 25 do Cód. Penal;
art. 386, nº V, do Cód. Proc. Penal

— Ao réu que alega tese do número das descriminantes legais (art. 23


do Cód. Penal) cabe demonstrá-lo cumpridamente; se não, entende-
-se provado o crime, sua autoria e culpabilidade do agente.
— Responde por crime de lesões corporais a mulher que, movida por
sentimento de ciúme, esbofeteia rival, quebrando-lhe dente.
20

Voto nº 10.047
Revisão Criminal nº 370.910-3/9-00
Arts. 121, § 2º, nº IV, e 59 do Cód. Penal;
arts. 156, 563, 571 e 621, nº I, do Cód. Proc. Penal;
art. 133 da Const. Fed.

— Nulidade de cunho relativo, a ausência do réu preso à audiência,


por motivo de força maior, desde que regularmente requisitado,
somente se reconhece e declara à vista de prova cabal do prejuízo e
oportuna arguição (arts. 563 e 571 do Cód. Proc. Penal).
—“O CPP adotou o princípio de que as nulidades se consideram sanadas,
desde que o interessado as não alegue no momento oportuno” (Damásio
E. de Jesus, Código Penal Anotado, 22a. ed., p. 443).
— Àquele que invoca a descriminante legal de legítima defesa cabe
demonstrá-la acima de toda a dúvida, pois aqui a falta de prova faz
as vezes de confissão do crime.
— Na revisão criminal inverte-se o ônus da prova, de arte que ao
condenado, como seu autor, cumpre demonstrar que a sentença
errou ou cometeu injustiça; se não, impossível será julgar-lhe
procedente o pedido.
— Não é contrária à evidência dos autos decisão condenatória apoiada
em laudo pericial e nas palavras de testemunhas presenciais
idôneas, antes se reputa bem fundamentada, pois tem por si prova
excelente (art. 621, nº I, do Cód. Proc. Penal).
—“Evidência é o brilho da verdade que arrebata a adesão do espírito, logo
à primeira vista” (Hélio Tornaghi, Curso de Processo Penal, 1980,
vol. II, p. 360).
— A Lei nº 11.464/07 atenuou o rigor da Lei dos Crimes Hediondos (Lei
nº 8.072/90), no que respeita à progressão no regime prisional de
cumprimento de pena. Se o sentenciado primário tiver dela
descontado já 2/5 – ou 3/5, se reincidente – e conspiram todos
os requisitos legais, faz jus ao benefício (art. 2º, § 2º).
21

Voto nº 12.188
Recurso de Ofício nº 990.09.081418-7
Arts. 121, § 2º, nº III; 23, nº II; 25 e 29 do Cód. Penal;
art. 415, nº IV, do Cód. Proc. Penal

— É maior de toda a censura a decisão que, reconhecendo a existência


de causa excludente de antijuridicidade – legítima defesa (art. 23,
nº II, do Cód. Penal) –, absolve o acusado nos termos da lei (art.
415, nº IV, do Cód. Proc. Penal). Em verdade, é lícito repelir a força
com a força: “Vim vi repellere licet” (Ulpiano).
—“A justiça concede a todos repelir a força com a força” (Manuel
Bernardes, Nova Floresta, 1726, t. IV, p. 207).
— Todo aquele que for injustamente agredido (ou estiver na
iminência de sê-lo), poderá afastar o ofensor, mesmo com
violência, que o autoriza a lei. É a clara dicção do art. 23, nº II,
do Cód. Penal. Matar, para não morrer, não é crime!
—“A defesa individual contra um ataque violento e sério é um direito, é
mesmo um dever, porque cada um tem não somente o direito, mas
também o dever de velar pela sua própria conservação” (Antônio Lemos
Sobrinho, Legítima Defesa, 1925, p. 28).
—“Na minha casa, sem a minha autorização, só entra o Sol e ninguém
mais!” (Adágio).
22

Voto nº 3362
Apelação Criminal nº 1.285.115/2
Arts. 147 e 23 do Cód. Penal;
art. 21 da Lei das Contravenções Penais

— Aquele que, para defender-se, invoca em seu prol circunstância


excludente da criminalidade deve prová-la cumpridamente, sob pena
de haver-se na conta de réu confesso (art. 23 do Cód. Penal).
—“O estado de ira não exclui a intenção de intimidar” (Damásio E. de
Jesus, Código Penal Anotado, 9a. ed., p. 474).

Voto nº 3453
Revisão Criminal nº 375.688/9
Art. 354 do Cód. Penal (motim de presos);
art. 156 do Cód. Proc. Penal

— Aquele que invoca em sua defesa razão excludente de ilicitude


jurídica, sem demonstrá-la cabalmente, incorre na censura de réu
confesso, pois “a prova da alegação caberá a quem a fizer” (art. 156 do
Cód. Proc. Penal).
— Cometem o crime do art. 354 do Cód. Penal (motim) os sujeitos que,
recolhidos a prisão, rebelam-se contra sua disciplina e pervertem-
-lhe a ordem para satisfação de intuito comum, v.g., reação contra
punições, fuga, etc.
— Em caso de revisão criminal, deve o peticionário provar, além de
dúvida, que a sentença afrontou a evidência dos autos; se não,
prevalecerá a imutabilidade da “res judicata”.
23

Voto nº 4960
Apelação Criminal nº 1.396.959/6
Art. 157, § 2º, nº II, do Cód. Penal;
art. 25 do Cód. Penal

— A palavra da vítima, que reconhece e incrimina com segurança o


autor do roubo, justifica o desfecho condenatório da lide penal, se
não lhe provar a Defesa que mentiu ou caiu em erro crasso. Por ter
sentido os primeiros efeitos da ação delituosa, é a que está em
melhores condições de indicar-lhe o autor, cuja punição reclama,
por ter o cunho de justiça.
— Àquele que invoca a descriminante legal de legítima defesa cabe
demonstrá-la acima de toda a dúvida, pois aqui a falta de prova faz
as vezes de confissão do crime (art. 25 do Cód. Penal).
—“A periculosidade do agente, revelada pela prática do crime de roubo
qualificado pelo uso de arma e concurso de pessoas, pode constituir
motivação bastante para fixação do regime inicial fechado” (Rev. Tribs.,
vol. 790, p. 540; rel. Min. Maurício Corrêa).
24

Voto nº 8073
Recurso em Sentido Estrito nº 477.658-3/8-00
Art. 121, “caput”, do Cód. Penal

—“A culpa consciente se diferencia do dolo eventual. Neste, o agente tolera a


produção do resultado, o evento lhe é indiferente, tanto faz que ocorra ou
não. Ele assume o risco de produzi-lo. Na culpa consciente, ao contrário, o
agente não quer o resultado, não assume o risco nem ele lhe é tolerável
ou indiferente. O evento lhe é representado (previsto), mas confia em sua
não-produção” (Damásio E. de Jesus, Direito Penal, 13a. ed., vol. I,
p. 259).
— No dolo eventual a doutrina imprimiu sempre esta nota conspícua:
não basta a caracterizá-lo tenha o agente assumido o risco de
produzir o resultado lesivo; necessita que nele haja consentido.
— Contra aqueles que se afanam em submeter à barra do Júri todo
homicida, sempre colherá esta advertência de José Frederico
Marques: “Crimes dolosos contra a vida não são, portanto, todos aqueles
em que ocorra o evento morte. Se esta integra a descrição típica de um
crime, nem por isso se torna este um crime doloso contra a vida. Para
que assim seja qualificado, é necessária a existência do dolo direto, em
que a vontade inicial e o evento se casaram, visando ambos à vida”
(A Instituição do Júri, 1963, pp. 130-131).
25

Voto nº 9141
Embargos de Declaração nº 477.658-3/0-01
Arts. 121, “caput”; 23, nº II, e 73 do Cód. Penal;
arts. 41, 43, nº I, e 411 do Cód. Proc. Penal

—“A palavra é mau veículo do pensamento” (Carlos Maximiliano,


Hermenêutica e Aplicação do Direito, 16a. ed., p. 117).
— É não só jurídica senão justa e sensata a decisão que, com
fundamento no art. 43, nº I, do Cód. Proc. Penal, rejeita denúncia
contra sujeito que praticou o fato em situação de legítima defesa
(art. 23, nº II, do Cód. Penal). É lícito repelir a força com a força:
“Vim vi repellere licet” (Ulpiano).
—“Encontrando-se a excludente da ilicitude devidamente comprovada,
entendemos que é caso de arquivamento do inquérito policial ou de rejeição
da denúncia (ou da queixa, se caso). Tendo o sujeito agido licitamente, não
é justo venha a ser processado para provar a final ter agido em legítima
defesa” (Damásio E. de Jesus, Código de Processo Penal Anotado, 22a.
ed., p. 63).
—“É possível que o sujeito, agindo acobertado por uma excludente da
antijuridicidade (legítima defesa, p. ex.), venha a atingir terceiro inocente.
Nesse caso não responde pelo resultado. É como se tivesse atingido o autor
da agressão injusta” (Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, 18a.
ed., p. 270).
26

Voto nº 9412

Recurso de Ofício nº 1.064.148-3/6-00


Arts. 121, “caput”; 23, nº II, e 25 do Cód. Penal;
art. 411 do Cód. Proc. Penal

— É maior de toda a censura a decisão que, reconhecendo a existência


de causa excludente de antijuridicidade – legítima defesa (art. 23, nº
II, do Cód. Penal) –, absolve o acusado nos termos da lei (art. 411 do
Cód. Proc. Penal). Em verdade, é lícito repelir a força com a força:
“Vim vi repellere licet” (Ulpiano).
—“A justiça concede a todos repelir a força com a força” (Manuel Bernardes,
Nova Floresta, 1726, t. IV, p. 207)
— Todo aquele que for injustamente agredido (ou estiver na iminência
de sê-lo), poderá afastar o ofensor, mesmo com violência, que o
autoriza a lei. É a clara dicção do art. 23, nº II, do Cód. Penal. Matar,
para não morrer, não é crime!
—“A defesa individual contra um ataque violento e sério é um direito, é
mesmo um dever, porque cada um tem não somente o direito, mas também
o dever de velar pela sua própria conservação” (Antônio Lemos
Sobrinho, Legítima Defesa, 1925, p. 28).
Casos Especiais
(Reprodução integral do voto)
PODER JUDICIÁRIO

1
TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA CÂMARA

Apelação Criminal nº 1230.553/4


Comarca: Americana
Apelante: ORG
Apelado: Ministério Público

Voto nº 2763
Relator

—“Mas, essa liberdade (de requerer) não se deve


degenerar em abuso, por forma a paralisar a
marcha do processo, com o propósito de retardar a
administração da justiça ou de tumultuar a ordem
processual” (Bento de Faria, Código de Processo
Penal, 1960, vol. II, p. 210).

— Não comete a infração penal do art. 40


da Lei de Contravenções Penais (conduta
inconveniente) o árbitro de futebol que,
revidando a agressões físicas e morais de
torcedores exaltados, responde-lhes com gestos
indecentes, à guisa de retorsão de injúria.
30

— Embora a disciplina lhe deva ser a pedra de


toque, não há negar ao árbitro de futebol o
exercício do direito que a lei assegura ainda ao
mais vil dos homens: a repulsa à injusta
agressão (art. 25 do Cód. Penal).

— É lícito repelir a força pela força, máxime nos


casos de injusta provocação; trata-se de lei
sagrada, que, na frase eloquente de Cícero, está
escrita no código imortal da natureza (“Pro
Milone”, cap. IV).

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de


Direito da 1a. Vara Criminal da Comarca de
Americana, condenando-o à pena de 17 dias de prisão,
no regime semiaberto, substituída a pena privativa de
liberdade pela restritiva de direitos consistente em
prestação pecuniária em favor de entidade privada, no
valor de 10 salários-mínimos, por infração do art. 40 da
Lei das Contravenções Penais (conduta inconveniente),
interpôs recurso para este Egrégio Tribunal, levando a
mira em reformá-la, ORG.

Nas razões de apelação, elaboradas com esmero


por seu distinto e culto patrono (Dr. Wagner Domingos
Camilo), argui, preliminarmente, a conversão do
julgamento em diligência para a inquirição de
testemunha, cujo depoimento reputa relevante para o
deslinde da controvérsia.

Alega ainda que, no particular de que se trata,


houve ofensa ao princípio da indivisibilidade da ação
penal (fl. 179).
31

Pelo que respeita ao mérito, clama por absolvição,


à conta da insuficiência da prova.

Argumenta mais que não conspiraram, no caso, os


elementos típicos da infração penal descrita no libelo.

Acentua, à derradeira, que somente a prova plena e


cabal da culpabilidade do réu pode ensejar a edição do
decreto condenatório.

Destarte, pleiteia a nobre Defesa a absolvição do


apelante (fls. 165/219).

A douta Promotoria de Justiça, após reexame


apurado do conjunto probatório, contrariou os
argumentos do apelante e propugnou a confirmação da
r. sentença de Primeiro Grau (fls. 225/231).

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em


firme e incisivo parecer do Dr. Gabriel Eduardo Scotti,
opina pelo improvimento da apelação (fls. 236/238).

É o relatório.

2. ORG, árbitro de futebol, foi chamado às barras da


Justiça Criminal porque, no dia 8 de março de 1998,
pelas 16h50, na Rua Cármine Feola, Estádio Décio Vitta,
em Americana, portara-se de modo desrespeitoso em
espetáculo público.
32

Rezam os autos que, naquele dia, após o término


da primeira etapa de uma partida de futebol válida
pelo Campeonato Paulista de 1998, entre a Associação
Portuguesa de Desportos e o Rio Branco Esporte Clube, o
réu, em resposta às vaias e apupos dos torcedores,
praticara um gesto ofensivo, que consistiu em mostrar o
dedo médio de uma de suas mãos, perfurando o espaço,
cujo sentido a ciência vulgar traduz pela tremebunda
expressão que a denúncia estampou (e que, por justos
respeitos, me abstenho de aqui reproduzir).

Como o fato desagradasse aos presentes, comunicaram-


-no à autoridade do 1º Distrito Policial de Americana,
que mandou lavrar contra o réu o termo circunstanciado
previsto na Lei dos Juizados Especiais Criminais (fls. 5/7).

Proposta a suspensão condicional do processo,


recusou-a o réu (fl. 72).

Transcorreu o feito segundo os cânones legais; ao


cabo, a r. sentença de fls. 151/156, julgando provada
a denúncia, houve por bem condenar o réu, o qual,
inconformado, comparece perante esta augusta Corte
de Justiça em busca de absolvição.

3. As questões preliminares arguidas pelo combativo


Defensor não procedem, “data venia”, pois carecem de
fomento de Direito.
33

No que toca ao pedido de conversão do


julgamento em diligência para tomar depoimento ao
Delegado de Polícia de Americana, Dr. Alfredo Luiz
Ondas, mostra-se de todo o ponto escusado.

De feito, ainda quando estivera presente ao local


dos fatos e discreteasse com alguns espectadores acerca
do teor do proceder do réu, tal circunstância o não
inabilitava para os atos de seu ofício, notadamente para
prover à instauração da “persecutio criminis” e verificação
da responsabilidade do acusado pela prática de fato
considerado, em tese, infração penal.

Ora, nisto de requerimento das partes, tem sempre


relevo e boa cabida a lição de Bento de Faria:

“Conseguintemente, o defensor tem liberdade de requerer


o que for útil à demonstração de inculpabilidade ou a
restrição da responsabilidade do acusado.

Mas, essa liberdade não se deve degenerar em abuso,


por forma a paralisar a marcha do processo, com o
propósito de retardar a administração da justiça ou de
tumultuar a ordem processual” (Código de Processo
Penal, 1960, vol. II, p. 210).

Ao demais, consoante regra precípua de Direito


“não será declarada a nulidade de ato processual que não
houver influído na apuração da verdade substancial ou na
decisão da causa” (art. 566 do Cód. Proc. Penal).
34

A matéria preliminar arguida pelo apelante,


portanto, não pode prevalecer e, pois, afasto-a.

Quanto à afirmação, de caráter preliminar, de que,


na espécie, houvera violação do princípio da indivisibilidade
da ação penal, é força refutá-la com o argumento que lhe
contrapôs a douta Promotoria de Justiça:

“Não há nos autos qualquer informação concreta ou


mesmo indicação do apelante no sentido de apontar que
este ou aquele torcedor tenha extrapolado, chegando
mesmo a praticar a contravenção do art. 40 da LCP
ou qualquer outra infração penal, o que, por certo,
se houvesse, aí sim poderia ensejar o aditamento da
denúncia” (fl. 228).

4. Está provado o fato, além de toda a disputa: o


apelante, como a torcida do estádio de futebol de
Americana o cobrisse de motejos, baldões e objetos
contundentes, retrucou-lhe com gestos de insolência e
desaforo.

Em suas declarações (fls. 40 e 139), afirmou que,


ao término da partida, quando se encaminhava para
o vestiário, alguns torcedores, com intuito agressivo,
atiraram-lhe palavras e objetos ofensivos (copos
descartáveis, pedras e, conforme a Defesa, até garrafas
com líquido urinário).
35

As testemunhas confirmaram-lhe as palavras;


asseveraram que os torcedores, com ânimo hostil, em
razão de haver o réu assinalado dois pênaltis, entraram
a ofendê-lo física e moralmente (fls. 105, 122, 130 v. e
132 v.).

A tais manifestações de animosidade exacerbada


narram as testemunhas que o apelante revidou.

Fê-lo da maneira que as fotos ilustram (fls. 20/21):


representou com os dedos uma expressão da última
vulgaridade, que não tem curso entre as pessoas bem
formadas e que se regem conforme os preceitos da
urbanidade.

5. No caso, contudo, o teor de proceder do réu foi


reação às agressões morais e também físicas que lhe
desfechou um magote de torcedores.

Ainda que do árbitro de futebol – ao qual


compete, por dever de seu mister, garantir e fomentar a
disciplina entre os atletas – se haja de esperar conduta
edificante no desempenho de suas funções, também está
sujeito a reações próprias do ser humano. Apenas o
morto permanece indiferente e insensível a atos de
franca hostilidade.

É certo, como o significou a mesma denúncia,


que, nas competições desportivas, apupos e assuadas são
“comportamento costumeiro” (fl. 2).
36

Não há negá-lo: nos prélios desportivos é


frequente desmandar-se a plateia, entoando ladainhas
de turpilóquios e coprolalias.

Nem a mãe do árbitro, santa como todas as mães,


é poupada: soem tratá-la torcedores desbocados com
palavras ásperas, que Mafoma não se atrevera a dizer do
toicinho.

Mas a expansão recreativa não autoriza nem


elide (talvez apenas atenue) o cunho ofensivo de tais
expressões.

E, se a esses termos contumeliosos se juntam


movimentos agressivos – como na espécie, onde se
arremessaram até pedras ao réu –, cai na conta de
legítima a reação do ofendido.

O direito de retorsão da injúria não exclui


ninguém; ainda o mais vil dos homens tem a proteção
da lei.

6. Discorrendo da legítima defesa, o sapientíssimo


Francisco Campos advertiu, no pórtico do Código Penal
de 1940, que “uma reação ex improviso não permite uma
escrupulosa escolha de meios, nem comporta cálculos
dosimétricos…” (cap. 17).
37

Bem que dele fosse lícito esperar procedimento


compatível com sua condição de árbitro de futebol –
cuja pedra de toque há de ser a disciplina, em todo o
rigor do vocábulo –, atuou o réu segundo o natural
instinto de defesa, lei sagrada, não escrita, mas que
nasceu com o homem e está gravada no código imortal
da natureza, como afirmou o eloquente Cícero (“Pro
Milone”, cap. IV).

Isto mesmo tem proclamado a jurisprudência do


Pretório Excelso:

“Não mais subsiste dúvida quanto à necessidade de


encarar sempre, o estado subjetivo do agredido. Nem os
mais arraigados tecnicistas contestam atualmente a
influência do subjetivismo do agente ao reagir contra
uma agressão injusta. Essa contestação deriva da
própria natureza do instituto da legítima defesa, que
não se fez para estátuas, mas para seres vivos” (Rev.
Trim. Jurisp., vol. 66, p. 623; rel. Min. Barros
Monteiro).

Ao demais:

“Ainda que a legítima defesa não se apresente com


impecável nitidez, não sendo razoável negá-la, deve o
juiz reconhecer sua existência” (Rev. Tribs., vol. 171,
p. 97).
38

“Em determinadas situações”, escreveu José


Frederico Marques, “a inexigibilidade de outra conduta
torna esta lícita, excluindo assim a antijuridicidade do fato
típico” (Curso de Direito Penal, 1956, vol. II, p. 228).

Pouco mais abaixo diz o mesmo autor:

“A inexigibilidade de outra conduta pode ser invocada,


apesar de não haver texto expresso de lei, como forma
genérica de exclusão da culpabilidade, visto que se trata
de princípio imanente no sistema penal” (p. 230).

Ao conjunto probatório dos autos não repugna


se reconheça a existência, no particular, de causa
excludente de ilicitude jurídica.

7. Pelo exposto, dou provimento à apelação do réu para


absolvê-lo, com fundamento no art. 386, nº V, 3a. fig., do
Cód. Proc. Penal.

São Paulo, 24 de maio de 2001


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

2
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

QUINTA CÂMARA — SEÇÃO CRIMINAL

Recurso de Ofício nº 990.09.081418-7


Comarca: Pedregulho
Recorrente: MM. Juiz de Direito “Ex Officio”
Recorrido: LS

Voto nº 12188
Relator

— É maior de toda a censura a decisão


que, reconhecendo a existência de causa
excludente de antijuridicidade – legítima
defesa (art. 23, nº II, do Cód. Penal) –, absolve
o acusado nos termos da lei (art. 415, nº IV,
do Cód. Proc. Penal). Em verdade, é lícito repelir
a força com a força: “Vim vi repellere licet”
(Ulpiano).

—“A justiça concede a todos repelir a força com a força”


(Manuel Bernardes, Nova Floresta, 1726, t. IV,
p. 207)

— Todo aquele que for injustamente agredido (ou


estiver na iminência de sê-lo), poderá afastar o
ofensor, mesmo com violência, que o autoriza a
lei. É a clara dicção do art. 23, nº II, do Cód.
Penal. Matar, para não morrer, não é crime!
40

—“A defesa individual contra um ataque violento e


sério é um direito, é mesmo um dever, porque cada
um tem não somente o direito, mas também o dever
de velar pela sua própria conservação” (Antônio
Lemos Sobrinho, Legítima Defesa, 1925, p. 28).

—“Na minha casa, sem a minha autorização, só entra


o Sol e ninguém mais!” (Adágio).

1. Da r. sentença que, reconhecendo em seu favor


causa excludente de antijuridicidade (legítima defesa),
absolveu LS da acusação de infrator do art. 121, § 2º, nº
III, combinado com o art. 29, do Código Penal, recorreu
de ofício o MM. Juiz de Direito da Comarca de
Pedregulho.

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em


firme e criterioso parecer do Dr. Gianpaolo Poggio
Smanio, opina pelo improvimento do recurso (fls.
347/349).

É o relatório.

2. Reza a denúncia que o recorrido, no dia 1º de


julho de 2006, pelas 20h30, na Rua Jerônimo Ferreira,
em Pedregulho, obrando “necandi animo”, efetuou
disparos com arma de fogo contra Luciano Domingos,
nele produzindo ferimentos que lhe foram a causa da
morte.
41

A prova coligida (técnica e testemunhal) demonstrou,


além de dúvida, que o recorrido procedera em situação
em legítima defesa (fls. 190/191 e 230).

É dos autos, com efeito, que a vítima Luciano


Domingos – conhecido ferrabrás da cidade de
Pedregulho –, dando expansão às suas bravatas, foi
à casa dos réus e aí se travou de razões com eles.

Acompanhava-se do irmão Vagner e trazia consigo


uma arma branca (faca). Eis senão quando entra a
agredir o réu Lincoln; este, conseguindo livrar-se dos
agressores, pegou uma arma de fogo que estava no
quarto e disparou-a contra a vítima, atingindo-a
mortalmente.

Fatos foram esses que mereceram ao douto


Magistrado não somente feliz escorço, mas observações
juntamente vivazes e verdadeiras:

“Não é aceitável que alguém apanhe de um valentão


dentro da própria casa. Se existe um lugar onde a
legítima defesa deve ser analisada com toda boa vontade
é dentro da própria casa” (fl. 312).

Tem, deveras, carta de antiguidade a parêmia: “Na


minha casa, sem a minha autorização, só entra o Sol e
ninguém mais”!
42

3. As provas obtidas, assim na Polícia como em Juízo,


retrataram uma situação de legítima defesa própria.
Todos os requisitos legais concorreram dessa causa de
exclusão de ilicitude jurídica.

À agressão injusta e atual da vítima o acusado


revidou. O teor de seu proceder, portanto, subsumiu-se
no tipo legal do art. 25 do Código Penal.

Serve ao intento a lição de Antônio Lemos


Sobrinho:

“A defesa individual contra um ataque violento e sério é


direito, é mesmo um dever, porque cada um tem não
somente o direito, mas o também o dever de velar
pela sua própria conservação” (Legítima Defesa, 1925,
p. 28).

Todo aquele que for injustamente agredido (ou


estiver na iminência de sê-lo), poderá, destarte, afastar
o ofensor, não importando se com violência, que o
autoriza a mesma lei. É a clara dicção do art. 23, nº II,
do diploma repressivo.

De igual teor, o clássico Manuel Bernardes:

“A justiça concede a todos repelir força com força” (Nova


Floresta, 1726, t. IV, p. 207).
43

Essa, ao demais, foi sempre a tradição de nossa


jurisprudência. Os arestos a seguir transcritos bem o
persuadem:

a) “Age em legítima defesa quem pratica o crime ao ser


agredido, injustamente, em seu próprio lar, à noite”
(Rev. Forense, vol. 164, p. 393);

b) “Age em legítima defesa quem, injustamente


agredido em sua casa, dispara contra o agressor,
matando-o” (Rev. Forense, vol. 178, p. 409).

A decisão de Primeiro Grau resolveu a questão dos


autos com acerto e rigor jurídico.

Em suma, dada com estrita observância da lei e


após escorreita análise da prova dos autos, quer-se
confirmada a r. sentença de fls. 300/314, que faz honra
o seu prolator, o distinto e culto juiz Dr. Luiz Gustavo
Giuntini de Rezende.

5. Pelo exposto, nego provimento ao recurso necessário.

São Paulo, 2 de setembro de 2009


Des. Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

3
TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA CÂMARA

Apelação Criminal nº 1.358.385/2


Comarca: Presidente Epitácio
Apelante: RDS
Apelado: Ministério Público

Voto nº 4671
Relator

— Ao réu que alega tese do número das


descriminantes legais (art. 23 do Cód. Penal)
cabe demonstrá-lo cumpridamente; se não,
entende-se provado o crime, sua autoria e
culpabilidade do agente.

— Responde por crime de lesões corporais a


mulher que, movida por sentimento de ciúme,
esbofeteia rival, quebrando-lhe dente.
45

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de


Direito da 1a. Vara de Presidente Epitácio, condenando-a
à pena de 6 meses de detenção, substituída por duas
restritivas de direitos, por infração do art. 129, “caput”,
do Código Penal, interpôs recurso para este Egrégio
Tribunal, com o escopo de reformá-la, RDS.

Nas razões de recurso, que lhe apresentou


dedicado e culto patrono, alega que o conjunto
probatório não demonstrara “ad satiem” tivesse
concorrido para o fato que lhe imputou a denúncia; pelo
que, pleiteia a absolvição, com fulcro no art. 386, nº IV,
do Código de Processo Penal.

Se a colenda Câmara, no entanto, não estiver por


esta persuasão, requer absolvição porque praticado o
fato em situação de legítima defesa (art. 386, nº V, do
Cód. Proc. Penal).

À derradeira, argumenta a digna Defesa que a ré


procedeu impelida por motivo de relevante valor social
ou moral e sob o domínio de violenta emoção; tinha
jus, portanto, se mantido o decreto condenatório, à
diminuição da pena, ou à sua substituição por multa
(fls. 90/94).

A douta Promotoria de Justiça, em extenso e


substancioso arrazoado, respondeu ao recurso da Defesa
e propugnou a manutenção da r. sentença de Primeiro
Grau (fls. 98/100).
46

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em


firme e avisado parecer do Dr. Roberto Gomes dos Reis
Ramalho, opinou pelo improvimento do recurso,
corrigindo-se, porém, erro material da r. sentença
(fls. 111/113).

É o relatório.

2. Reza a denúncia que a ré, no dia 14 de setembro


de 2000, pelas 14h, na Rua José Rodrigues de Lima
(Vila Esperança), na cidade de Presidente Epitácio,
ofendeu a integridade física de Dayane Francine
Lourenço, provocando-lhe as lesões corporais leves
descritas na laudo de exame de corpo de delito.

Instaurada a persecução penal, mediante lavratura


de termo circunstanciado, foram os autos remetidos
a Juízo. Intimada pessoalmente para a audiência
preliminar (art. 72 da Lei nº 9.099/95), deixou contudo
de comparecer, por isso não lhe formulou a Justiça
Pública proposta de transação penal.

O processo correu os seus regulares termos; ao


cabo, a r. sentença de fls. 79/83 decretou a condenação
da ré, a qual, inconformada com o resultado do litígio,
manifestou apelação, no intuito de ser absolvida.

3. A absolvição que postula a combativa Defesa, ainda


que amparada em bons argumentos, não tem por si
força probatória que a ampare.
47

Com efeito, examinada à justa luz a controvérsia


entretida nos autos, conclui-se que a ré ofendeu a
integridade física da vítima; comprova-o que farte o
laudo pericial de fls. 10/11: sofreu a vítima lesão
corporal de natureza leve (“fratura com perda subtotal de
2º pré-molar superior esquerdo”).

A própria ré, ouvida na Polícia, admitiu haver


desferido uma bofetada na vítima, porque esta se
comprazia em difamá-la (fl. 9).

Suas palavras foram corroboradas pela ofendida, a


qual, depondo na Polícia, declarou que a ré “lhe desferiu
um tapa muito forte no rosto” (fl. 7).

A causa, pelo que lhe constou, disse a ofendida que


foram ciúmes por seu relacionamento amoroso com o
ex-namorado da ré.

A vítima, em Juízo, reeditou a acusação contra a ré


(fl. 61/62); também sua mãe, ainda que não houvesse
presenciado os fatos, dissertou a respeito deles (fls.
63/64).

O conjunto probatório, bem se vê, não permite


dúvida acerca da veracidade do fato descrito na
denúncia e imputado à ré.
48

4. A alegação, a que seu douto patrono imprimiu


forte relevo, de haver a ré obrado em situação de
legítima defesa da honra, não procede, com a devida
vênia.

Deveras, isto de descriminante legal deve ser


cumpridamente demonstrada, para que se reconheça.

Ora, no caso em exame, não se empenhou a ré em


comprovar ofendera a integridade corporal da vítima
em repulsa a injusta agressão a direito seu. Aliás, sequer
se dignou comparecer a Juízo para responder aos atos e
termos da ação penal que lhe foi intentada.

Tratando-se de causa de exclusão da ilicitude


jurídica do fato, a quem o alega é que compete provar,
acima de dúvida, a ocorrência da legítima defesa, que se
não sustenta em mera alegação.

Esta é a doutrina que prevalece nos pretórios da


Justiça Criminal.

Faz ao propósito o ven. acórdão transcrito por sua


ementa nas contrarrazões de recurso do Ministério
Público (fl. 102):

“Na falta de atualidade ou iminência da ofensa, não age


em legítima defesa da honra a mulher que agride
quem, em ocasião pretérita, lhe assediara o marido com
fins sexuais” (JTACrSP, vol. 99, p. 72; rel. Haroldo
Luz).
49

Outro tanto, não fez prova a ré de que praticasse o


fato por motivo de grande valor social ou moral ou,
ainda, debaixo de violenta emoção, logo em seguida
a injusta provocação da vítima.

Assim, à falta de prova inequívoca de haver


perpetrado o fato com base em descriminante legal,
inaceitável se afigura a argumentação da combativa
Defesa.

Em suma, ao dar pela procedência da pretensão


punitiva, a r. sentença apelada atendeu, sem falta, à
prova dos autos e às leis do raciocínio lógico.

5. Num ponto, contudo, acho razão ao diligente e


culto Dr. Procurador de Justiça: na dosimetria da pena.
Em verdade, suposto fizesse a r. sentença menção dos
bons antecedentes da ré e lhe fixasse a pena no mínimo
legal (3 meses de detenção), constaram do dispositivo
“seis meses”.

Assim, emendo a referência à pena da ré para 3


meses de detenção, mantida a substituição por restritiva de
direitos (prestação pecuniária no valor de duas cestas
básicas).

Afora este ligeiro reparo, mantenho no mais a r.


sentença que proferiu o distinto e culto juiz Dr. Marcos
Augusto Barbosa dos Reis.
50

6. Pelo exposto, nego provimento ao recurso.

São Paulo, 21 de maio de 2003


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

4
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

QUINTA CÂMARA — SEÇÃO CRIMINAL

Apelação Criminal nº 475.552-3/0-00


Comarca: Piracicaba
Apelante: CAPS
Apelada: Justiça Pública

Voto nº 6695
Relator

— Máxime quando produzida perante o Magistrado,


“nada traz mais certeza da autoria de um
delito do que uma confissão livre, clara, sincera,
sem qualquer vício” (Hélio Tornaghi, Curso de
Processo Penal, 1980, vol. I, p. 381).

— Decisão dos jurados não se anula, exceto se


proferida contra a evidência dos autos, pois tem
por si a força do preceito constitucional da
soberania dos veredictos do Júri, que lhe
assegura a imutabilidade (art. 5º, nº XXXVIII,
letra c, da Const. Fed.). “Manifestamente contrária
à prova dos autos” é somente a decisão que neles
não depara fundamento algum, constituindo
por isso formidável desvio da razão lógica e da
realidade processual.
52

— É antiga nos Tribunais a inteligência de que a


reação tardia a uma agressão não configura
legítima defesa, senão vingança, inimiga
ingente do Direito (art. 23, nº II, do Cód. Penal).

— Dado que julgam “ex informata conscientia”, não


há impugnar a decisão dos jurados se depara
um mínimo de fundamento na prova; que tal
decisão já não será manifestamente contrária à
prova dos autos.

1. Da r. decisão que proferiu o Tribunal do Júri da


Comarca de Piracicaba, condenando-o à pena de 12
anos de reclusão por infração do art. 121, § 2º, nº I, do
Código Penal, interpôs CAPS recurso de Apelação para
este Egrégio Tribunal, no intuito de reformá-la.

Afirma, nas razões de apelação, subscritas por


dedicado patrono, que a decisão do júri afrontara a
prova dos autos; pelo que, era força decretar-lhe a
nulidade (fls. 236/243).

A douta Promotoria de Justiça respondeu ao


recurso da Defesa, refutando-lhe os argumentos;
propugnou, ao mesmo tempo, a manutenção da r.
decisão apelada (fls. 247/252).

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em


esmerado e escorreito parecer do Dr. Newton
Reginato, opina pelo improvimento do recurso (fls.
257/258).
53

É o relatório.

2. Foi o réu (que dá pela alcunha de Fuzil) submetido


a processo porque, na primeira hora do dia 21.1.2003,
na Rua João Eugênio Piedade, em Piracicaba, obrando
em concurso e unidade de propósitos com outros
indivíduos não-identificados, por motivo torpe (vingança),
matou José Carlos Fernandes da Silva.

Reza a denúncia que a vítima conversava com um


colega defronte de sua residência, quando o réu e seus
comparsas dela se aproximaram e, armas em punho,
efetuaram-lhe vários disparos.

Após diligências, a Polícia localizou o réu a


caminhar pela via pública; trazia à mão uma camisa,
a modo de quem pretende esconder algo. Como
percebesse a aproximação dos policiais, tentou ocultar-
-se no banheiro de um lava-rápido, onde porém os
policiais lograram deitar-lhe a mão.

Em seu poder, apreenderam um revólver da


marca “Rossi”, calibre 38, sem numeração, totalmente
municiado.

Sem salva nem rodeios, admitiu-lhes o réu ter


eliminado a vítima porque o vinha ameaçando de
morte, em razão de anterior desentendimento entre
ambos.
54

Instaurada a persecução penal, transcorreu o


processo na forma da lei; ao cabo, submetido a
julgamento pelo júri e convicto de homicídio qualificado
(fl. 223), impôs-lhe a r. sentença de fls. 225/226 a pena
de 12 anos de reclusão.

Inconformado com o desfecho adverso da lide


penal, comparece perante esta augusta Corte de Justiça,
na expectativa de que lhe anule o julgamento.

3. Suposto digno de encômios o empenho da Defesa


no intento de modificar a decisão do júri, improcede-
-lhe “data venia”, a pretensão; com efeito, diversamente
do que inculcam as razões do apelo, o edito condenatório
guardou inteira conformidade com os elementos do
processo e as circunstâncias do caso.

É superior a toda a dúvida ter sido o réu o autor


do homicídio praticado contra a vítima. Ouvido no
inquérito, confessou, sem rebuços, a autoria do crime,
ajuntando-lhe ainda a motivação: vingança (fls. 27/28).

Com suas declarações, concordaram as da


testemunha Geilson Fernandes Silva, irmão da vítima, a
qual discorreu dos fatos e suas circunstâncias: ouviu, da
cozinha da residência, que seu irmão falava da rua; logo
depois, percebeu vários tiros. Saiu à rua e encontrou-o
ferido e, a breve trecho, o réu, com arma em punho,
além de dois outros indivíduos, um deles também
armado (fls. 23/24).
55

Os testemunhos dos policiais que o detiveram


(Roger Inocêncio da Silva e Mário Leandro Boscolo)
emprestaram forte relevo ao libelo acusatório, ao
esclarecer que o réu confessara a autoria do homicídio.
Acentuaram mais que, em poder dele, apreenderam
arma de fogo (fls. 132/133).

Destarte, firme na confissão do réu e na prova


testemunhal, o veredicto condenatório não podia ser
impugnado sem afronta do siso comum e do bom
direito.

Em verdade, a confissão, no caso, passa pelo mais


importante elemento de convicção de culpabilidade do
réu, pois “nada traz mais certeza da autoria de um delito do
que uma confissão livre, clara, sincera, sem qualquer vício”
(Hélio Tornaghi, Curso de Processo Penal, 1980, vol. I,
p. 381).

Esta, por igual, é a lição de nossos Tribunais:

“É grande a importância da confissão para o


convencimento da autoria, ainda mais quando ela é
produzida perante um Magistrado, e as palavras do
acusado estão inteiramente alinhadas com as provas
obtidas nos autos” (RJTACrSP, vol. 29, p. 473; rel.
Canellas de Godoy).
56

Portanto, ao sufragar os quesitos da autoria e da


materialidade do homicídio, os jurados abraçaram o
libelo e definiram a responsabilidade do apelante.

No que toca à qualificadora, reconheceu-a, com


boa fortuna, o Conselho de Sentença.

Também ao repelir, por implacável unanimidade


(fl. 223), a tese da legítima defesa própria (3º quesito),
houveram-se com acerto os jurados.

Deveras, é antiga nos Tribunais a inteligência de


que, “a reação tardia a uma agressão injusta a direito próprio
desnatura a excludente da legítima defesa, configurando
vingança, não amparada pelo Direito” (Rev. Tribs., vol.
582, p. 389; rel. Mauro Pereira).

Ainda:

“Não há falar em legítima defesa quando o pretenso


defendente, de algum modo, procede como agente
provocador” (JTACrSP, vol. 62, p. 282; rel. Dirceu
de Mello).

4. A decisão popular não dissentiu, portanto, dos


elementos do processo, antes lhes guardou inteira
conformidade.
57

Manifestamente contrária à prova dos autos é


somente aquela decisão que não depara neles fundamento
algum.

O ven. acórdão, abaixo reproduzido por sua


ementa, faz bem ao propósito:

“Decisão manifestamente contrária à prova dos autos é


aquela que não tem apoio em prova nenhuma, é aquela
proferida ao arrepio de tudo quanto mostram os autos;
é aquela que não tem a suportá-la ou a justificá-la,
um único dado indicativo do acerto da conclusão
adotada” (TJSP; Ap. Crim. nº 160.831-3/Cubatão;
rel. Canguçu de Almeida; j. 30.3.94).

5. À derradeira, o regime prisional não podia ser


outro que o fechado, “ex vi” do art. 2º, § 1º, da Lei
nº 8.072/90¸ que considera hediondo o homicídio
qualificado (art. 1º, nº I).

O ven. aresto, a seguir transcrito por sua ementa,


cai a lanço:

“O Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária do dia


25 de março de 1998, julgando o Habeas Corpus
nº 76.371 – Relator para o acórdão o eminente Min.
Sydney Sanches –, concluiu que a Lei nº 9.455/97
(Lei de Tortura), quanto à execução da pena, não
58

derrogou a Lei nº 8.072/90, não se viabilizando a


progressão do regime de cumprimento da pena para os
delitos tipificados na Lei dos Crimes Hediondos” (STF;
HC nº 77.001-1/SP; rel. Min. Ilmar Galvão; DJU
21.8.98, p. 3).

Em face de complexo probatório tão sólido e


ponderável, a condenação proferida pelo júri satisfez às
leis da lógica e às disposições do Direito e da Justiça.

6. Pelo exposto, nego provimento ao recurso.

São Paulo, 8 de março de 2006


Des. Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

5
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

TERCEIRO GRUPO DE CÂMARAS — SEÇÃO CRIMINAL

Revisão Criminal nº 366.737-3/4-00


Comarca: São José dos Campos
Peticionário: GCS

Voto nº 6124
Relator

— Àquele que invoca a descriminante legal de


legítima defesa cabe demonstrá-la acima de
toda a dúvida, pois aqui a falta de prova faz as
vezes de confissão do crime.

— Na revisão criminal inverte-se o ônus da prova,


de arte que ao condenado, como seu autor,
cumpre demonstrar que a sentença errou ou
cometeu injustiça; se não, impossível será
julgar-lhe procedente o pedido.

— Não pode incorrer na censura de contrária à


evidência dos autos sentença condenatória
apoiada nas palavras da vítima e testemunhas
presenciais idôneas, antes é de reputar-se bem
fundamentada, pois tem por si prova excelente
(art. 621, nº I, do Cód. Proc. Penal).
60

1. GCS, condenado pelo Tribunal do Júri da


Comarca de São José dos Campos à pena de 14 anos de
reclusão, no regime fechado, por infração do art. 121,
§ 2º, ns. II e IV, do Código Penal (homicídio qualificado
por motivo fútil e emprego de recurso que dificultou
a defesa da vítima), requer a este Egrégio Tribunal
Revisão de seu processo.

Nas razões, elaboradas por dedicado e culto


Procurador do Estado (Dr. Gilberto Notário Ligero),
afirma que a decisão do júri contrariou a evidência dos
autos.

Ajunta que a prova reunida no processado,


precária em extremo, não permitia a edição de decreto
condenatório.

Por esta razão, pede e espera que o colendo Grupo


de Câmaras tenha a bem absolvê-lo, como reparação de
injustiça por erro judiciário.

Em caso de confirmação da sentença condenatória,


no entanto, pleiteia a desclassificação do homicídio para
sua forma simples, afastadas as qualificadoras do motivo
fútil e emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima
(fls. 2/10).

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em


firme e escorreito parecer do Dr. Geraldo Luís
Wohlers Silveira, opina pelo indeferimento do pedido
(fls. 40/43).
61

É o relatório.

2. O peticionário foi chamado a prestar estreitas


contas à Justiça Criminal porque, no dia 17.10.1999,
pelas 22h, na Rua Benedito Andrade (Galo Branco), na
cidade de Presidente Prudente, desferiu golpes de faca
em Ronildo Pedro Oliveira, nele produzindo as lesões
corporais descritas no laudo de exame necroscópico, que
lhe causaram a morte.

Reza a denúncia que o peticionário se dirigiu ao


local dos fatos para adquirir bebida alcoólica. A
testemunha Manoel, responsável pela barraca de venda,
não o atendeu. Pouco depois, voltou o réu e insistiu na
compra de cerveja. Ante a recusa da vítima em vender-
-lhe bebida – que no bar não havia cerveja –, o réu
sacou de uma faca e golpeou-a várias vezes, até que
tombasse inânime.

Instaurada a persecução criminal, transcorreu o


processo na conformidade dos cânones legais; ao cabo,
condenado pelo órgão julgador popular, impôs-lhe a
sentença de fls. 27/28 a pena de 14 anos de reclusão,
para cumprimento sob o regime integral fechado.

Com o trânsito em julgado da decisão condenatória


(fl. 32), comparece o peticionário a esta Superior
Instância, clamando por absolvição ou redução da pena,
em razão do afastamento das qualificadoras.
62

3. Tendo para si que a decisão do Júri contrariou a


evidência dos autos, uma vez dera peso e relevo às
palavras de única testemunha —— a qual ainda declarou
antipatizava com o réu ——, pleiteia-lhe a combativa
Defesa a rescisão.

As razões em que se ampara, no entanto, não


autorizam o acolhimento da súplica revisional.

Deveras, no inquérito, após discorrer com firmeza


acerca dos fatos (fl. 19), admitiu o réu ter esfaqueado
a vítima. Manoel Alexandre da Silva e Ana Flávia
da Silva, testemunhas arroladas pela Acusação,
descreveram, em Juízo, as circunstâncias do fato
criminoso, imputando-lhe a autoria ao réu. Visto como
assistiram ao homicídio (fls. 80/85), suas declarações
já autorizavam o veredicto condenatório.

4. A alegação do réu de que atuara em legítima defesa


não colhe, “data venia”.

De feito, ao peticionário corria-lhe o dever de


comprovar todos os requisitos que integram aquela
descriminante legal, convém a saber: agressão injusta ou
atual e uso moderado dos meios necessários ao revide.

Ora, não fez tal prova: limitou-se a expender


simples e inverossímeis alegações, inidôneas para
justificar o ataque fatal à vítima.
63

Em pontos de legítima defesa, merece reproduzido


por sua ementa, ven. aresto do Colendo Supremo
Tribunal Federal:

“Para ser reconhecida, tem a legítima defesa que estadear


com clareza estreme de dúvidas, não sendo os maus
antecedentes da vítima suficientes para gerar a
convicção de que tenha tido iniciativa da agressão”
(DJU 20.11.92, p. 7.670; rel. Min. Barros Monteiro;
apud Alberto Silva Franco et alii, Código Penal e sua
Interpretação Jurisprudencial, 6a. ed., vol. I, t. I,
p. 389).

5. A decisão revidenda fundou-se em prova obtida


com estrita observância dos preceitos legais.

Diferentemente do que asseverou o peticionário,


portanto, não fez rosto à evidência.

Tão só a decisão que se aparte rudemente das


provas sofre a pecha de contrária à evidência dos autos;
não está nesse número, bem se vê, a que faz objeto do
presente pedido.

Ora:

“Decisão contrária à prova dos autos é aquela que se


choca, de modo claro, manifesto e inequívoco, com os
elementos probatórios dos autos e não a que lhes
empresta o justo valor” (Rev. Forense, vol. 187, p.
387).
64

Vem aqui de molde a lição do conspícuo Hélio


Tornaghi:

“A lei, ao conceder a revisão de sentença condenatória


contrária à evidência dos autos, está a exigir que da
prova neles contida surja, desde logo, o antagonismo com
a decisão, que ele brote, que se faça manifesto. Para isso
é necessário que a condenação não se ampare em
nenhuma prova. Se existem elementos probatórios pró
e contra, e se a sentença, certa ou errada, se funda
em algum deles, não se pode afirmar que é contra a
evidência dos autos” (Curso de Processo Penal, 1980,
vol. II, p. 361).

Do que fica expendido, facilmente se conclui que o


fundamento que invocou o peticionário, para pleitear a
rescisão do julgado – afronta à evidência dos autos –,
dista da realidade processual como a terra dos céus!
“Evidência é o brilho da verdade que arrebata a adesão do
espírito, logo à primeira vista” (Hélio Tornaghi, op. cit.,
p. 360).

Este, por igual, é o magistério de nossos Tribunais:

“Tem-se por improcedente a revisão criminal, quando


não ocorre a alegada contradição entre a sentença e a
evidência dos autos” (Rev. Forense, vol. 166, p. 317).
65

6. Também não procede a alegação da esforçada


Defesa respectivamente ao afastamento das qualificadoras,
que ambas, em verdade, ficaram comprovadas.

Com efeito, reconheceu o júri (fl. 163), à vista dos


elementos reunidos no processado, que o réu pôs termo
à vida da vítima por motivo fútil – não lhe vendera
cerveja, que a não havia no bar (fl. 160) – e mediante
recurso que lhe impediu se defendesse: “surpresa”
(fl. 81).

À derradeira, não há que opor à quantidade da


pena fixada ao réu: a mínima cominada ao homicídio
qualificado, acrescida de 1/6 pela incidência de dupla
qualificadora (a segunda operou como agravante).
Donde o total de 14 anos de reclusão.

O regime prisional foi o único legalmente possível,


por tratar-se de crime hediondo: integralmente fechado
(art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90).

Mas, se de tal peso e quilate eram os elementos


que lhe serviram de sustentáculo, somente com injúria
da verdade poderá alguém afirmar que a decisão
revidenda contrariou as provas dos autos!

Em suma: não comprovou o requerente que a


sentença condenatória se desabraçara das provas
amealhadas nos autos do processo-crime a que
respondeu; tampouco demonstrou contivesse erro na
aplicação da pena.
66

7. Pelo exposto, indefiro a revisão criminal.

São Paulo, 16 de julho de 2005


Des. Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

6
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

QUINTA CÂMARA — SEÇÃO CRIMINAL

Embargos de Declaração nº 477.658-3/0-01


Comarca: São Bernardo do Campo
Embargante: Justiça Pública
Embargada: 5a. Câmara Criminal do Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo

Voto nº 9141
Relator

—“A palavra é mau veículo do pensamento” (Carlos


Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito,
16a. ed., p. 117).

— É não só jurídica senão justa e sensata a decisão


que, com fundamento no art. 43, nº I, do Cód.
Proc. Penal, rejeita denúncia contra sujeito que
praticou o fato em situação de legítima defesa
(art. 23, nº II, do Cód. Penal). É lícito repelir
a força com a força: “Vim vi repellere licet”
(Ulpiano).
68

—“Encontrando-se a excludente da ilicitude devidamente


comprovada, entendemos que é caso de arquivamento
do inquérito policial ou de rejeição da denúncia
(ou da queixa, se caso). Tendo o sujeito agido
licitamente, não é justo venha a ser processado para
provar a final ter agido em legítima defesa”
(Damásio E. de Jesus, Código de Processo Penal
Anotado, 22a. ed., p. 63).

—“É possível que o sujeito, agindo acobertado por


uma excludente da antijuridicidade (legítima
defesa, p. ex.), venha a atingir terceiro inocente.
Nesse aso não responde pelo resultado. É como
se tivesse atingido o autor da agressão injusta”
(Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado,
18a. ed., p. 270).

1. Ao ven. acórdão de fls. 320/332, que lhe negou


provimento ao Recurso em Sentido Estrito interposto da
decisão que rejeitara a denúncia oferecida contra
ADV, opôs Embargos de Declaração a Justiça Pública,
averbando-o de omisso.

Nas razões de recurso, elaboradas por diligente e


culta Procuradora de Justiça, afirma, com efeito, que a
decisão colegiada, ao manter a rejeição da denúncia, não
declinara sob que fundamento o fazia.

Citou, em bem de sua argumentação, lugar do


parecer da ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça
(fl. 311), da seguinte substância: “Cabe perguntar pois, se,
no caso ora em exame, está presente alguma das hipóteses do
art. 43 (do Código de Processo Penal) ou ausente alguma
das exigências do art. 41” (fl. 337).
69

Requer, destarte, à colenda Câmara seja servida


apreciar o tema e esclarecer a omissão, “na melhor
forma de direito” (fls. 336/338).

É o relatório.

2. Ao confirmar por seus fundamentos a r. decisão


de Primeiro Grau, o acórdão embargado exarou os
seguintes argumentos (fls. 324/332):

[3. O r. despacho liminar negativo assenta


na afirmação de que o recorrido não obrara
dolosamente, pelo que não havia mandá-lo a
julgamento pelo Tribunal do Júri.

Dos autos consta que, vítima de roubo, reagiu


disparando sua arma contra a motocicleta dos
malfeitores; um dos projéteis, errando o alvo,
atingiu a cabeça de Ricardo Moreira Júnior, que se
encontrava no interior de um veículo Fiat/Palio.

O douto Magistrado teve para si que o


acusado atuara em situação de legítima defesa
própria e de terceiros, e isto de haver ferido pessoa
estranha aos fatos constituía excesso culposo por
imprudência.

Decisão foi essa que o órgão do Ministério


Público não levou a bem: ou porque, cessados já os
“atos de violência” (roubo), não se justificava a reação
do acusado (fl. 269), ou porque, ao disparar sua
arma, “de forma livre e espontânea” contra “duas
70

pessoas” (os roubadores que estavam na motocicleta),


“assumira o risco de matá-las, o que caracteriza o
dolo eventual na conduta do atirador” (fl. 270),
inconciliável com a tese da excludente de ilicitude
jurídica e, pois, do excesso culposo.

Tais razões, não há para que se negue, têm


certa força e brilho; o ponto está em saber se
apresentam a solidez necessária para sobrepor-se aos
fundamentos da decisão recorrida.

4. O argumento-Aquiles do recurso é que,


cessada a violência do roubo, a reação daquele que
a padecera já não configurava legítima defesa;
não podia, por isso, invocar a seu benefício a
descriminante legal.

A premissa maior recebeu reparos da r.


decisão recorrida: “não podemos tratar do contexto
reação-perseguição-tiros apartado do evento anterior:
abordagem-tiros, uma vez que aquele foi natural
desdobramento desta primeira situação” (fl. 259).

Isto mesmo professou a Defesa:

“A separação perpetrada pelo Ministério Público


é um desdobramento artificial do fato (…). O
contexto deve ser tratado de forma una, porque
foi assim que efetivamente aconteceu, e assim que
deve ser tipificado” (fl. 290).
71

Ao revés do que sustenta a esforçada


Acusação, era presente e atual o perigo, pois
ainda subsistia a ameaça infligida ao acusado e a sua
família pelos sujeitos que, tendo-os acabado de
roubar, continuavam a atirar-lhes com arma de fogo
semiautomática.

Nessa conjuntura somente não reage o morto


ou o pusilânime, que sói ler pela cartilha dos
covardes.

O comum dos homens atende à lição do


grande Cícero:

“Há sem dúvida, Juízes, esta lei, não escrita, mas


congênita, que não aprendemos, ouvimos ou
lemos, mas participamos, bebemos e tomamos da
mesma natureza, na qual não fomos ensinados,
mas formados, nem instruídos, mas criados: que
se a nossa vida cair em algumas ciladas, e em
insultos e armas de inimigos e ladrões, todo o
modo de a salvar nos seja lícito” (“Pro Milone”,
cap. IV; trad. Pe. Antônio Joaquim).

Assim falou aquele que, no dizer do nosso Rui,


foi “o mais alto entendimento que tem honrado a nossa
espécie” (Obras Completas, vol. XXXVIII, t. II, p. 66).

5. Pela boa exação lógica e jurídica em que se


ampara, copio este passo da decisão verberada
(fl. 259):

“18. Aí, portanto, o manifesto equívoco que


decorre da denúncia!
72

19. Na verdade, ao dizer que o denunciado


atuou sem justificativa, ignorou a condição
de que ele estava no desdobramento natural
de um contexto em que reagia a uma
agressão atual, defendendo direito seu e de
outrem (seus familiares)”,

A ter havido algum excesso – e dou que o


houvesse –, qual sua natureza: dolosa ou culposa?

Como o douto Magistrado de Primeiro


Grau, sou que o teor de proceder do recorrido
caracterizou excesso culposo:

“E partindo-se da premissa de que aquele que


reagia era um policial, treinado, experiente e
com vários cursos, no Brasil e no Exterior” –
argumenta Sua Excelência –, “evidentemente
que o excesso a que deu causa só pode ser admitido
como culposo, manifestamente imprudente, tanto
mais quanto outro comportamento não lhe era
exigível, na ocasião” (fl. 260).

Ainda:

“Realmente, outra não pode ser a conclusão, diante


da violência de que foi vítima e do perigo e risco
que correu, senão admitir que o denunciado
deixou de observar o dever objetivo de cuidado
que lhe era, nas circunstâncias, exigível, mesmo
porque sua reação se houve utilizando o único
meio que tinha às mãos para tanto” (ibidem).
73

Verdadeira cruz dos penalistas, a distinção entre


dolo eventual e culpa consciente estabeleceu-a,
em seu robusto e circunspecto arrazoado, o culto
Promotor de Justiça Dr. Nelson dos Santos Pereira
Jr. (fls. 149/159):

“A hipótese é bastante clara: Alexandre agiu


com imprudência, que é a prática de um fato
perigoso; logo, a culpa é manifesta, mas deve,
contudo, afastar-se da figura comum, para ser
melhor caracterizada como culpa consciente”
(fl. 157).

É que “este resultado (atingir terceiro), em


momento algum, é manifestado como querido, assumido
ou tolerado por ele, conforme se depreende dos elementos
colhidos” nos autos (ibidem).

A lição de Damásio E. de Jesus é, ao propósito,


constantemente invocada:

“A culpa consciente se diferencia do dolo eventual.


Neste, o agente tolera a produção do resultado, o
evento lhe é indiferente, tanto faz que ocorra ou
não. Ele assume o risco de produzi-lo. Na culpa
consciente, ao contrário, o agente não quer
o resultado, não assume o risco nem ele lhe
é tolerável ou indiferente. O evento lhe é
representado (previsto), mas confia em sua não-
-produção” (Direito Penal, 13a. ed., vol I,
p. 259).

Nélson Hungria, que, sobre todos, tem voto


nesta matéria, ministrou dois exemplos, em seus
preciosos Comentários ao Código Penal (1978, vol. I,
t. II), com que apurou a noção de culpa consciente:
74

a) “Um motorista, dirigindo o seu carro com grande


velocidade, já em atraso para atender ao
compromisso de uns encontros amorosos, divisa à
sua frente um transeunte, que, à aproximação
do veículo, fica atarantado e vacilante, sendo
atropelado e morto. Evidentemente, o motorista
previu a possibilidade desse evento; mas,
deixando de reduzir ou anular a marcha do
carro, teria aceito o risco de matar o transeunte,
ou confiou em que este se desviasse a tempo de
não ser alcançado? Na dúvida, a solução não
pode ser outra senão a do reconhecimento de um
homicídio simplesmente culposo (culpa consciente)”
(p. 120);

b) “Nota-se que, principalmente na justiça de


primeira instância, há uma tendência para dar
elasticidade ao conceito do dolo eventual. Dentre
alguns casos, a cujo respeito fomos chamados a
opinar, pode ser citado o seguinte: três rapazes
apostaram e empreenderam uma corrida de
automóveis pela estrada que liga as cidades
gaúchas de Rio Grande e Pelotas. A certa altura,
um dos competidores não pôde evitar que o
seu carro abalroasse violentamente com outro
que vinha em sentido contrário, resultando a
morte do casal que nele viajava, enquanto o
automobilista era levado, em estado gravíssimo,
para um hospital, onde só várias semanas depois
conseguiu recuperar-se. Denunciados os três
rapazes, vieram a ser pronunciados como
coautores de homicídio doloso, pois teriam
assumido ex ante o risco das mortes ocorridas.
Evidente o excesso de rigor: se eles houvessem
previamente anuído em tal evento, teriam,
75

necessariamente, consentido de antemão na


eventual eliminação de suas próprias vidas, o
que é inadmissível (grifamos). Admita-se que
tivessem previsto a possibilidade do acidente,
mas, evidentemente, confiaram em sua boa
fortuna, afastando de todo a hipótese de que
ocorresse efetivamente. De outro modo, estariam
competindo, in mente, estupidamente, para o
próprio suicídio” (p. 544).

O mesmo passou em relação ao recorrido,


como expôs, com propriedade e fina penetração, a
douta Promotoria de Justiça, ao sustentar a
incompetência do MM. Juízo de Direito da Vara do
Júri da Comarca de São Bernardo do Campo “para
a análise, processamento e julgamento da presente causa”
(fl. 159):

“Ao contrário, depreendemos de sua conduta que


Alexandre, ao tentar conter o meliante e fazer
valer o cumprimento da lei, confiou na sua
capacidade e formação como policial, com
diversos cursos, ao atirar contra o meliante,
imaginando que sua experiência fosse evitar
qualquer incidente, como o ocorrido” (p. 158).

Ou, parafraseando o imenso Hungria: admita-


-se que tivesse “previsto a possibilidade do acidente,
mas, evidentemente”, confiou “em sua boa fortuna,
afastando de todo a hipótese de que ocorresse efetivamente”
(op. cit., p. 544).

No dolo eventual, de feito, a doutrina


imprimiu sempre esta nota conspícua: não basta a
caracterizá-lo tenha o agente assumido o risco de
76

produzir o resultado lesivo; necessita que nele haja


consentido.

Contra aqueles que se afanam em submeter à


barra do Júri todo homicida, sempre colherá esta
advertência de José Frederico Marques:

“Crimes dolosos contra a vida não são, portanto,


todos aqueles em que ocorra o evento morte. Se
esta integra a descrição típica de um crime,
nem por isso se torna este um crime doloso
contra a vida. Para que assim seja qualificado,
é necessária a existência do dolo direto, em que
a vontade inicial e o evento se casaram, visando
ambos à vida” (A Instituição do Júri, 1963,
pp. 130-131).

Em suma, não há que opor à r. decisão


recorrida, que soltou a questão dos autos à luz da
legalidade estrita, com magnífico senso judicante e
segundo a lógica do jurista, “que é, precisamente, a
lógica do razoável e do humano” (Goffredo Telles
Junior, A Folha Dobrada, 1999, p. 162).

6. Pelo exposto, nego provimento ao recurso e


mantenho, por seus próprios fundamentos, que são
jurídicos e estão acordes com a prova dos autos, a r.
decisão que proferiu o distinto e culto Magistrado
Dr. Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi.]

3. A leitura a que procedi do teor literal do acórdão


não me confirmou na dúvida em que alega estar a
esforçada e douta subscritora dos embargos.
77

Mas, dado que, de ordinário, “a palavra é mau


veículo do pensamento” (cf. Carlos Maximiliano, Hermenêutica e
Aplicação do Direito, 16a. ed., pp. 117-118) e a recorrente
protestou não encerravam cunho infringente seus
embargos (fl. 338), e havendo consideração ainda a que
o relator do acórdão pode não ter sido tão claro quanto
presumiu, entro a ferir o ponto controverso, i.e.: o
fundamento legal, qual seria da rejeição da denúncia?

Como o ilustre Magistrado que rejeitou a denúncia


oferecida contra ADV, por infração do art. 121, “caput”,
conjugado com o art. 73, do Código Penal – homicídio
simples, por erro na execução (“aberratio ictus”) –,
entendeu e decidiu a Turma Julgadora que o réu atuara
em situação de legítima defesa (própria e de terceiros),
porém com excesso culposo na modalidade de
imprudência.

De que a conduta do acusado tivera por si causa


excludente de ilicitude jurídica mostra-se induvidoso à
luz da melhor doutrina:

“É possível que o sujeito – escreve Damásio E. de


Jesus –, agindo acobertado por uma excludente da
antijuridicidade (legítima defesa, p. ex.), venha a
atingir terceiro inocente. Nesse caso não responde pelo
resultado. É como se tivesse atingido o autor da agressão
injusta” (Código Penal Anotado, 18a. ed., p. 270).
78

Assim, porque o acusado o praticou em legítima


defesa, o fato narrado na denúncia (homicídio) evidentemente
não constituiu crime (da competência do júri).

Caso era mesmo, portanto, de rejeição da denúncia,


conforme prevê e ordena o art. 43, nº I, do Código de
Processo Penal.

4. De que é admissível a rejeição da denúncia em


caso de legítima defesa, não há negá-lo sem do mesmo
passo fazer tábua rasa do moderno Direito Processual
Penal.

Discorrendo do tema, com sua habitual segurança


e engenho, lecionou Damásio E. de Jesus:

“Encontrando-se a excludente da ilicitude devidamente


comprovada, entendemos que é caso de arquivamento do
inquérito policial ou da rejeição da denúncia (ou da
queixa, se caso). Tendo o sujeito agido licitamente, não é
justo venha a ser processado para provar a final ter
agido em legítima defesa, etc. Como disse o Des. Dante
Busana, o preconceito de que as causas excludentes da
antijuridicidade só devem ser reconhecidas ao término
do processo – durante décadas assim se entendeu – não
tem amparo na lei e ignora a necessidade de que a
acusação venha revestida do indispensável fumus boni
juris – isto é, decorra de suspeita razoável de que um
crime foi cometido. Nem há cercear a liberdade do
79

indivíduo, cuja inocência não comporte dúvida, em


nome de uma falsa prudência (JTACrimSP, 80/146;
RT 698/334). Não tem sentido, como afirmou o Des.
Ary Belfort, sujeitar a processo alguém acobertado por
causa elidente da antijuridicidade, quando se inscreve,
“límpida, impassível, por mínima, de conjuração”
(TJSP, HC nº 126.028, 4a. Câm., RT 698/335).
Realmente, suponha-se a hipótese de o morador haver
matado, em cristalina legítima defesa, o assaltante que,
armado e dentro de sua casa, tentou alvejá-lo. Submetê-
-lo a processo criminal é uma injustiça sem tamanho.
Como a defesa legítima exclui a antijuridicidade, estaria
sendo processado por fato lícito” (Código de Processo
Penal Anotado, 22a. ed., p. 63).

5. À derradeira, porque vem aqui de molde, leve-se à


paciência transcreva lúcido comentário do provecto
Magistrado Darcy Arruda Miranda a julgado que versou
o tema, “in verbis”:

“Há evidente equívoco no acórdão supra, quando diz


que embora não fosse nítida a tentativa de morte, a
competência natural seria do Júri, onde o delito poderia
ser desclassificado, sem prejulgamento. Há um dispositivo
muito claro na lei processual penal que assim soa: se em
qualquer fase do processo o juiz reconhecer motivo que o
torne incompetente, declará-lo-á nos autos, haja ou não
alegação da parte, prosseguindo-se na forma do artigo
anterior (art. 109).
80

Comentando o dispositivo, observa Espínola Filho


que a ação penal tem que ser movida não só no foro
competente, como também em juízo que o seja. Assim,
não é a pessoa do juiz que se opõe em foco – aduz – a
fim de firmar a sua incompatibilidade para o processo
e julgamento. Do que se trata é de apurar se tem ele,
funcionalmente, como titular do Juízo, jurisdição e
competência para tal processo (Código de Processo Penal
Brasileiro Anotado, vol. II, p. 246, nº 252).

O simples fato de a denúncia capitular o crime


como sendo daqueles de privativa competência do Júri
(art. 74, § 1º, do Cód. Proc. Penal) não é bastante para
obrigar o juiz da vara especializada em crimes dessa
natureza, a aceitá-la como vinculativa da competência.
Não há competência natural na espécie e a desclassificação
não é atributo do Tribunal do Júri. É o juiz do processo,
o juiz de direito quem, na fase da pronúncia, ou antes,
“em qualquer fase do processo”, como diz a lei, dirá da
competência do Juízo a que preside.

Inócuas seriam as disposições dos arts. 406 a


441 do Código de Processo Penal se se fosse seguir a
orientação do acórdão. Ressalte-se, por maior, que não é
só nos casos estremes de dúvidas, que se pode subtrair o
julgamento do crime da competência do Tribunal, como
pretende o acórdão. Tanto para pronunciar, como para
impronunciar, desclassificar ou absolver sumariamente,
81

o que interessa é o critério subjetivo, é o convencimento


do juiz do processo, como expressamente determina a lei
nos arts. 408, 409, 410 e 411. Não existe lei alguma
que bitole regras de convencimento” (Repositório de
Jurisprudência do Código Penal, 1962, vol. III, pp.
267-268).

Ao rejeitar a denúncia, a r. decisão de Primeiro


Grau foi não só jurídica, mas ainda justa e sensata.

Com efeito, deverá rejeitá-la o Juiz, na trilha do


art. 43, nº I, do Código de Processo Penal, sempre que
“o fato narrado evidentemente não constituir crime”. E
nenhum crime comete quem repele a violência com a
violência: “Vim vi repellere licet” (Ulpiano).

Pelo que, ao professar o mesmo entendimento do


nobre Magistrado que rejeitou a denúncia – por não
constituir crime o fato nela descrito –, fê-lo o acórdão
com fulcro no art. 43, nº I, do Código de Processo Penal;
o que fica especialmente declarado, por atender às
instâncias da culta e estrênua subscritora dos embargos
de fls. 336/338.

6. Pelo exposto, acolho os embargos para declarar que,


ao negar provimento ao Recurso em Sentido Estrito e,
pois, confirmar a r. decisão que rejeitou a denúncia, a
Turma Julgadora fizera-o com fundamento no art. 43,
82

nº I, do Código de Processo Penal (“o fato narrado evidentemente


não constituir crime”).

São Paulo, 13 de agosto de 2007


Des. Carlos Biasotti
Relator
Trabalhos Jurídicos e Literários de
Carlos Biasotti

1. A Sustentação Oral nos Tribunais: Teoria e Prática;


2. Adauto Suannes: Brasão da Magistratura Paulista;
3. Advocacia: Grandezas e Misérias;
4. Antecedentes Criminais (Doutrina e Jurisprudência);
5. Apartes e Respostas Originais;
6. Apelação em Liberdade (Doutrina e Jurisprudência);
7. Apropriação Indébita (Doutrina e Jurisprudência);
8. Arma de Fogo (Doutrina e Jurisprudência);
9. Cartas do Juiz Eliézer Rosa (1a. Parte);
10. Citação do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
11. Crime Continuado (Doutrina e Jurisprudência);
12. Crimes contra a Honra (Doutrina e Jurisprudência);
13. Crimes de Trânsito (Doutrina e Jurisprudência);
14. Da Confissão do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
15. Da Presunção de Inocência (Doutrina e Jurisprudência);
16. Da Prisão (Doutrina e Jurisprudência);
17. Da Prova (Doutrina e Jurisprudência);
18. Da Vírgula;
19. Denúncia (Doutrina e Jurisprudência);
20. Direito Ambiental (Doutrina e Jurisprudência);
21. Direito de Autor (Doutrina e Jurisprudência);
22. Direito de Defesa (Doutrina e Jurisprudência);
23. Do Roubo (Doutrina e Jurisprudência);
24. Estelionato (Doutrina e Jurisprudência);
25. Furto (Doutrina e Jurisprudência);
26. “Habeas Corpus” (Doutrina e Jurisprudência);
27. Legítima Defesa (Doutrina e Jurisprudência);
28. Liberdade Provisória (Doutrina e Jurisprudência);
29. Mandado de Segurança (Doutrina e Jurisprudência);
30. O Cão na Literatura;
31. O Crime da Pedra (Defesa Criminal em Verso);
32. O Crime de Extorsão e a Tentativa (Doutrina e Jurisprudência);
33. O Erro. O Erro Judiciário. O Erro na Literatura (Lapsos e
Enganos);
34. O Silêncio do Réu. Interpretação (Doutrina e Jurisprudência);
35. Os 80 Anos do Príncipe dos Poetas Brasileiros;
36. Princípio da Insignificância (Doutrina e Jurisprudência);
37. “Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?”;
38. Tópicos de Gramática (Verbos abundantes no particípio;
pronúncias e construções viciosas; fraseologia latina, etc.);
39. Tóxicos (Doutrina e Jurisprudência);
40. Tribunal do Júri (Doutrina e Jurisprudência);
41. Absolvição do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
42. Tributo aos Advogados Criminalistas (Coletânea de Escritos
Jurídicos); Millennium Editora Ltda.;
43. Advocacia Criminal (Teoria e Prática); Millennium Editora
Ltda.;
44. Cartas do Juiz Eliézer Rosa (2a. Parte);
45. Contravenções Penais (Doutrina e Jurisprudência);
46. Crimes contra os Costumes (Doutrina e Jurisprudência);
47. Revisão Criminal (Doutrina e Jurisprudência);
48. Nélson Hungria (Súmula da Vida e da Obra);
49. Ação Penal (Doutrina e Jurisprudência);
50. Crimes de Falsidade (Doutrina e Jurisprudência);
51. Álibi (Doutrina e Jurisprudência);
52. Da Sentença (Doutrina e Jurisprudência);
53. Fraseologia Latina;
54. Da Pena (Doutrina e Jurisprudência);
55. Ilícito Civil e Ilícito Penal (Doutrina e Jurisprudência);
56. Regime Prisional (Doutrina e Jurisprudência);
57. Alimentos (Doutrina e Jurisprudência);
58. Estado de Necessidade (Doutrina e Jurisprudência).
http://www.scribd.com/Biasotti
Legítima Defesa (Doutrina e Jurisprudência) Carlos Biasotti

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