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20 Efeitos Subjetivos Da Campanha de Nacionalização de Getúlio Vargas Sobre Os Imigrantes Alemães PDF
20 Efeitos Subjetivos Da Campanha de Nacionalização de Getúlio Vargas Sobre Os Imigrantes Alemães PDF
nas instituições de ensino na cidade de Santa Cruz do Sul, no período de 1937 a 1945,
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Psicóloga, aluna de Mestrado em Educação pela UFSM/RS.
considerava os núcleos de imigração uma séria ameaça para a integridade cultural e territorial
do país.
Partindo da história do início das imigrações dos estados do sul do Brasil e da política
imigratório e seus efeitos sobre os imigrantes. Ao reconstruir todo este período histórico
núcleos de cultura imigrante homogênea, já, em outro momento, pelo menos no início, isto
foi até estimulado. Uma certa autonomia era considerado favorável pois o Estado não tinha as
condições econômicas para fazer cumprir todas as “promessas” das propagandas difundidas
Neste contexto, a criação das primeiras escolas do estado do Rio Grande do Sul
devem-se ao esforço solitário e solidário dos primeiros colonizadores imigrantes. Por ser a
educação um dos tripés dos valores germânicos ( assim como os valores de língua e religião2),
seus filhos.
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As escolas particulares teuto-brasileiras estavam embuidas na preservação da
identificação com a cultura e o povo alemão, a nacionalidade alemã. Existia, assim, uma
do Direito:
dos estrangeiros no Brasil. No começo ficaram submetidos as leis e critérios de saída de cada
estado do Império Alemão pois o cidadão alemão só passa a existir a partir de 1871 com a
Kreutz4, houve uma série de decretos estaduais e federais, dirigidos, principalmente, para as
escolas rurais, que pareciam oferecer maior perigo. Os decretos permitiam licença somente
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para professores brasileiros natos, material didático em português e uso obrigatório do idioma
A educação no sul do Brasil sofre, neste episódio, uma brusca modificação. A partir da
culturais na busca de uma identidade homogênea. A área educacional foi o espaço usado para
servir de exemplo.
uso da língua de origem. O acesso ao português era considerado difícil e haviam poucos
Esta pesquisa toma como base, para análise teórica, as categorias históricas e os
partir de suas identificações simbólicas que se formam nos laços sociais que estabelecem na
sua história.
Calligaris5 coloca que a estrutura simbólica que nos faz sujeito está tomada numa rede
maior, que é a rede que uma história nacional organiza. Esta rede também inclui o pai singular
de cada um, reconhecido na rede social, e de onde o sujeito espera que lhe reconheçam. A
função paterna esta na própria transmissão da cultura instauradora da lei simbólica e de uma
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Para alguns autores da psicanálise, o brasileiro é resultante de repetitivas trocas de
referências paternas. Somos um país de vários pais (o pai imigrante – monoteísta, o pai da
senzala – fazendeiro, o pai da umbanda – candomblé e o pai tupi6). Este conceito de filiação
Melman7 descreve a figura do imigrante como alguém que tendo renunciado seu pai
para ele quanto à natureza do pai, pai da sua linguagem ou o pai da realidade na qual esta
A impossibilidade de “servir” a dois mestres dificulta a ação do simbólico. Este fato pode ter
Outro efeito que aponta o autor é que ao renunciar seu pai de origem, os sentimentos
de frustração da renuncia dos seus próprios desejos, podem colocar o imigrante em uma
As relações familiares, para Melman8, também sofrem efeitos, pois, na medida que os
pais integram seus filhos na nova língua, correm o risco de perderem a sua dignidade
unificadora, levando os filhos a não reconhecerem mais seus pais ou a tratarem sua origem de
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impasse e seus desdobramentos transformam-se em um trauma que reflete em várias gerações
e sentidos.
como sintoma, como uma falta. “Os filhos tendem a negar o recalcamento dos seus genitores
para serem reconhecidos como brasileiros mas é na terceira geração que se observa o retorno
deste recalcamento e o retorno dos ideais dos avós de fazer valer o pai da origem e ser
abrupta com que foram introduzidos os novos professores e a língua portuguesa, houve a
figura do professor. Para o Sr. G, filho de professor da comunidade de Rio Pardinho, distrito
de Santa Cruz do Sul, seu pai era uma figura respeitada na comunidade: “O professor era um
faz tudo. Dirigia coral, grupos de teatro, presidência do clube de futebol, era tudo. Até
aprendizagem.
presentes nas colônias e cidades de teutos assim como o uso do alemão diminuiu rapidamente
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Freud, citado por Calligaris11, coloca que toda a educação é reacionária, pois pretende
constituir uma filiação simbólica “restauradora de uma ordem passada, (que nunca existiu
pois cada um educa como imagina que seus pais pretendiam educar), e que permite assim aos
filhos encontrar um lugar de onde poder desejar”. Aprende-se para restaurar um passado e
Me lembro a primeira fiscalização quando veio um tal Sra. T., era fiscal,
quando a recém tínhamos deixado de falar o alemão, lembro-me que foi
uma catástrofe! Os alunos ficavam tão assustados que não conseguiam se
defender. Naquela época usávamos lousa. Então a fiscal perguntou: “Quem
descobriu o Brasil?”. Um aluno estava tão assustado com esta coisa que ele
falou errado e esta Sra. falou com uma grosseria: “Não sabe nada, não
sabe nada!”. Então veio uma fase de matemática e eu era bem perita nisto.
“A Sra. pode me perguntar!”. Peguei meu lápis – “A Sra. coloca aqui o que
tenho que fazer”. Ela me colocou e (gesto enérgico de mão como quem
escreve em uma lousa) achei o resultado. “Ah, finalmente uma aluna deu o
bom resultado”. Mas depois foi assustador, o professor se sentiu arrasado
por que o pessoal ficou tão assustado quando eles entraram como agentes,
como os policiais entravam. Eu acho que era uma concepção que de
psicologia nada!
Outra forma de pensarmos os efeitos da Campanha foi escrita por Cesa et al12 que
inscrição do pai brasileiro, apesar de seu efeito traumático. E segue dizendo que “para que o
novo pai fosse reconhecido e elevado a condição de simbólico” foi necessário que o pai de
origem fosse recalcado. A eficácia da função paterna é quando ela interdita e não quando
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Assim o português torna-se a língua que possibilita as trocas sociais e passa a ser então
a língua paterna. O esforço dos teutos em falar bem o português, principalmente na educação
de Santa Cruz do Sul em 1940, aparece caracterizado o ensino dados aos alunos durante a
Campanha:
Outro aspecto positivo da Campanha, levantado por Roche13 foi que o Governo ao
impor a Nacionalização do ensino possibilitou aos teutos o estudos dos filhos e fazê-los
chegar a funções públicas, profissões liberais e formar uma classe social dotada de mais
cultura, fica claro que os caminhos de construção social sofreram, e possivelmente ainda
sofrem, efeitos de um trauma que esta bem presente no discurso dos sujeitos envolvidos no
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A partir da análise destas categorias e da histórias dos sujeitos envolvidos será
possível ampliar o conhecimento e compreender os efeitos deste episódio que proibiu uma
descendentes alemães:
que foram abandonados ou recalcados. Assim podemos dizer que o que percebemos como
estranho, longe de ser desconhecido, na verdade é nos muito familiar, íntimo no sentido de
recalcado.
também soa como uma análise “estranhamente familiar” para quem realiza pesquisa.
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NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1 Expressão usada por SEYFERT, G. no seu artigo “Colonização alemã no Brasil: etnicidade
e conflito”. In: FAUSTO, Boris (org.). Fazer a América. A imigração em massa para a
América Latina. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999. Pp 273-313.
2
Vide MEYER, D. E. E. Identidades traduzidas: cultura e docência teuto-brasileiro-
evangêlico no Rio Grande do Sul. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, São Leopoldo: Editora
Sinodal, 2000.
3
Vide GERTZ, R. E. A construção de uma nova cidadania. In: MAUCH C.,
VASCONCELLOS, N. (orgs.) Os alemães no sul do Brasil: cultura, etnicidade, história.
Canoas: Ed. da Ulbra, 1994, p. 30.
4
Vide KREUTZ, L. A escola teuto-brasileira católica e a nacionalização do ensino. In:
MÜLLER, T. (org.). Nacionalização e imigração alemã. São Leopoldo: Ed. UNISINOS,
1994, p. 60.
5
Vide CALLIGARIS, C. Hello Brasil! Notas de um psicanalista europeu viajando ao Brasil,
São Paulo, Escuta, 1992.
6
Conceito trabalhado por JERUSALINSKY, A. N. In: BACKES, C. O que é ser brasileiro?
São Paulo: Escuta, 2000, p. 57.
7
MELMAN, C. Imigrantes. São Paulo: Escuta, 1992, p. 27.
8
Ibid., p. 27.
9
Vide CESA, A. L. S. et al. O recalcamento do dialeto: seu retorno num lugar Outro. In:
ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGRE (APPOA). Imigração e
fundações. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2000, p. 148.
10
Vide KREUTZ, L. In Müller (org.), op. cit., p. 61.
11
FREUD, S. In CALLIGARIS, op.cit., p. 42.
12
CESA et al In APPOA, op. cit., p. 148.
13
ROCHE, J. A colonização alemã e o Rio Grande do Sul. Tradução de Emery Ruas. Porto
Alegre: Globo, 1969. V. 1 e 2.
14
Vide FREUD, S. Lo ominoso, Obras Completas, Amorrortu Editores, 1919, vol. XVII.
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