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O mais nu dos

artistas
Dimitri

Se não for engraçado, o clown não é um clown. Afora isto, ele tem todos os
direitos, e também um dever: ser muito pessoal, com sua própria silhueta, seu
estilo único, sua expressão particular. Quanto a mim, tento utilizar o máximo de
meios: acrobacia, funambulismo, música, palavra... e mímica, é claro. Já fui
criticado por isto, mas acredito que o clown tenha feito mímica bem antes dos
mímicos. Essa mímica e quase todas as especialidades dos artistas do picadeiro,
nós encontramos nos artistas da commedia dell'arte, mas a commedia, por mais
engraçada que seja, não é clownesca. Um excêntrico como Georges Carl é
hilariante, mas não é um clown. Há uns quinze anos, vi a peça de Marcel Achard
"Voulez-vous jouer avec moá?"; os comediantes eram extraordinariamente
cômicos, melhores que a maioria dos clowns, mas... não havia clowns, eram clowns
representados por atores.

Tomemos um contra-exemplo: Charlie Rivel. Por natureza, ele é "o" clown, a


quintessência do clown, em seu ser, sua maneira de viver, de se exprimir. Talvez
ele não fosse um perfeito ator, no sentido clássico da palavra, mas tinha o estilo
clown, como o tinha Grock, o maior de todos. Atualmente, ele movimenta-se com
dificuldade; sua filha Paulina tem que maquiá-lo. Mas o pouco que se move, sua
maneira de desenvolver as gags lentamente, de comportar-se como uma criança,
engraçada, má, poética, esperta, terna..., é um clown!

Os Colombaioni abandonaram o circo. Eles tiveram o desembaraço de não se


caracterizarem mais; depois de um minuto com eles em cena, você pensa: não são
excêntricos, nem burlescos, nem comediantes que representam clowns, mas
verdadeiros clowns.

É apenas com exemplos como esses que se pode tentar explicar, definir. Mas é
extremamente difícil pois os clowns têm um segredo que somente eles conhecem!
Ele caiu sobre os seus narizes, quando estavam no berço! Eles só têm mérito se
exploram-no bem, se cultivam-no. Tenho tanto respeito por esse ofício que não
suporto aqueles que imaginam que basta, para merecer o nome de clown, colocar
um nariz vermelho e sapatos monstruosos. Tenho horror de certas trupes, algumas
bem conceituadas, em que os atores caracterizam-se até o topo da cabeça, em que
utilizam-se um monte de acessórios mecânicos complicados que não cabem em
uma camionete. Grock contentava-se com um violino e uma cadeira, mas Grock era
um ponto culminante de nossa arte.

Eu procuro, como ele, respirar, durante meu número, como na vida. Não se deve
ter medo de perder seu tempo. O público está deformado, sobretudo por causa da
televisão: ele quer ver tudo rápido, quer ter tudo rápido, a vida já digerida; e as
crianças são como os adultos. Não devemos nos deixar enganar por essa onda.
Quando se consegue impor seu próprio ritmo, quando se vence a partida, é
maravilhoso porque as pessoas, então, dão-se conta de que se trata de outra coisa.

Um dos meus "truques" é sorrir freqüentemente porque eu gostaria de transmitir


isso: quero tanto, aliás, que, afinal, não é um truque! Quando, em um país em que
ninguém me conhece, num botequim, chego a fazer rir não importa quem, uma
pessoa, uma só - ou uma criança - fico todo feliz: tenho a impressão que realmente
fiz alguma coisa, que consegui construir uma ponte com os outros. Atrás de meu
sorriso, há essa vontade. Há muita vontade - nunca o bastante - e uma grande
concentração. Sobre este ponto, estou longe, ai!, de igualar um iogue ou um monge
zen, mas sou bastante auxiliado pela crença que inculcou-me minha mãe em um
mundo onde as forças espirituais são, com toda a naturalidade, as mais influentes.

Cada um tem sua pequena filosofia... A minha é não poder conceber meu trabalho
senão como um clown honesto e verdadeiro: sua atitude e seu caráter transmitem-
se através de sua arte, portanto é interessante tentar mostrar-se humano, gentil,
com humor. Minha vida, meu ofício, tudo está no mesmo saco! Eu não represento
um papel: estou nu; o clown é o mais nu de todos os artistas porque põe em jogo a
si mesmo, sem poder trapacear. Para não decepcionar o público, ele tem o dever de
ser autêntico, de ter a impressão de estar sempre oferecendo muito pouco. É meu
ideal de clown. Um ideal que vocês podem notar em outras pessoas que têm ofícios
bem obscuros: pessoas honestas, boas, trabalhadoras. Elas tentam cumprir sua
tarefa humildemente: são personalidades tão grandes quanto os mais célebres
artistas do mundo.

Além do mais, para mim - um pouco à maneira desse santo que dizia: "Ama a Deus
e faze o que quiseres" - é isto: "Sê engraçado, e faze o que quiseres." Sê
engraçado!!!

(Depoimento dado a André Sallée.)

In "Clowns & Farceurs", Ed. Bordas, Paris, 1982, p. 36-37. Tradução de Roberto
Mallet.

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