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Análise Histórica Da Educação Libertária No Brasil No PDF
Análise Histórica Da Educação Libertária No Brasil No PDF
INÍCIO DO SÉCULO XX
Angela Maria Souza Martins - UNIRIO
Introdução
Há princípios que são comuns nas propostas libertárias: a luta contra a autoridade e a
busca da transformação da sociedade. Esses princípios pretendem destruir a ordem estabelecida
para buscar a renovação e a reconstrução da sociedade. Mas há um ingrediente a mais na
educação libertária, a crença numa racionalidade que pode possibilitar a libertação do homem. A
crença nas possibilidades iluminadoras e libertadoras da razão se consolida a partir do final do
século XVIII, com o movimento Iluminista na Europa. No século XIX, as diferentes tendências
socialistas e anarquistas abraçam a racionalidade como um instrumento imprescindível para
libertação do homem frente as superstições e dogmas. Acreditavam que a razão humana poderia
ser o veículo por meio do qual o homem se educaria para criar uma nova ordem no mundo social
e natural. Desse modo, o homem não se submeteria mais ao crivo da autoridade ou da tradição,
seu guia seria a sua racionalidade, por meio da qual o homem poderia conhecer mais
profundamente a realidade. Acreditavam que a razão humana poderia conduzir o homem na
direção de uma nova organização da realidade social, porque a razão libertava o homem dos
dogmas, por isso um novo tipo de sociedade dependia da intervenção de ações racionais. O
homem consciente guiado pela razão poderia fazer mudanças substanciais na sociedade. No
periódico O Trabalho, publicado em São Paulo, em 1˚ de maio de 1931, um artigo ao analisar os
fatores que conduzem a revolução social dizia:
Neste hino estão alguns princípios comuns entre aqueles que defendiam as propostas
libertárias: a luta contra a opressão e a miséria, a busca da paz e a crença na ciência, como
também são citados diferentes teóricos que inspiraram a filosofia anarquista: Bakunin, Ferrer y
Guardia e Tolstoi.
Acreditam que a fusão entre a racionalidade e a liberdade pode embasar uma proposta
pedagógica que promoverá mudanças básicas na estrutura da sociedade, de modo que possa
substituir o estado autoritário por um modo de cooperação entre indivíduos livres. Esses
princípios poderiam conduzir um novo tipo de educação integral, que tem como meta a
capacitação dos oprimidos (Cf. Guardia, s/d).
Os anarquistas passam a sugerir um novo tipo de educação, que educassem as crianças
com noções positivas e verdadeiras, baseadas na experiência e na demonstração racional, ela
ficaria preparada para qualquer tipo de estudo (Cf. Guardia, s/d). Procuram implantar uma escola
que não trabalhe com limitações e dogmatismo, buscando fundamentar o conteúdo curricular na
ciência. Segundo Ferrer y Guardia (s/d), a ciência possibilita o verdadeiro conhecimento e
confere realidade as coisas, pois faz com que não fiquemos imersos nas ilusões. A ciência deve
ser ensinada à criança desde a mais tenra idade, pois se educamos a criança com ilusões e erros,
essa criança será educada para ser um adulto que impedirá o progresso.
Os defensores da pedagogia racional libertária, entre eles Ferrer y Guardia, consideram a
ciência um patrimônio de todos, porque ela permite dissipar erros e capacita os homens para que
conheçam efetivamente os objetos. Por isso, a educação deve privilegiar o conhecimento
racional, mesmo porque, de acordo com Ferrer y Guardia, geralmente a formação fornecida pela
família e pela escola era cheia de preconceitos, de tradições e dogmatismos, o que fazia com que
os indivíduos ingressassem na sociedade com uma visão deformada. Decide, assim, implantar a
Escola Moderna, na Espanha, para que ela superasse as limitações e o dogmatismo, buscando
fundamentar o conteúdo curricular na ciência. A Escola Moderna foi inaugurada em 8 de
setembro de 1901, com trinta alunos, 12 meninas e 18 meninos, foi instalada em Barcelona, na
Rua Bailén, uma escola que devia ser racional e científica. No Programa da escola revela que a
meta é fazer com que meninos e meninas tornem-se pessoas instruídas, verdadeiras, justas e
livres.
Estimula as atitudes próprias de cada aluno, para que com seu valor individual, cada aluno
seja um membro útil da sociedade. Busca preparar uma humanidade fraternal, sem distinção de
sexos. A escola aceitava crianças a partir de cinco anos. No Programa da Escola Moderna, havia
a proposta para abrir aos domingos, no intuito de oferecer aulas de história geral, ciências, artes e
discutir as lutas pelo progresso. Essas aulas poderiam ser freqüentadas pelas famílias dos alunos.
A escola estava instalada com boas condições de higiene e os alunos teriam inspeção médica ao
ingressar na escola para evitar propagação de enfermidades contagiosas.
Para conduzir a escola foi constituída uma Junta Consultiva e o primeiro número do
Boletim da Escola Moderna foi publicado em 30 de outubro de 1901, onde havia os termos gerais
dos fundamentos da Escola Moderna. Ferrer y Guardia considerava a ciência é um patrimônio de
todos.
• Escola Nova, fundada em 1909, situada na Av. Celso Garcia, 262, São Paulo.
• Escola Moderna n°1, fundada em maio de1912, situada na Rua Saldanha Marinho, 66,
São Paulo.
• Escola Moderna do Ceará, fundada em 1911, situada na Rua Major Fecundo, 186,
Fortaleza.
• Escola Moderna n°2, fundada em 1913, situada na Rua Müller, 74, São Paulo.
• Escola Moderna de Petrópolis, fundada em 1913.
• Escola Moderna de Porto Alegre, funcionava em 1919 à Rua Ramiro Barcelos, 197
• Escola Racional Francisco Ferrer, fundada em 1919, em Belém do Pará.
• Nova Escola, fundada em 1920, no Rio de Janeiro.
• Escola Livre, fundada em 1920 pelos Operários em Fábricas de Tecidos de Petrópolis.
Outras escolas que empregaram métodos semelhantes aos da Escola Moderna, no Brasil:
• Escola Eliseu Réclus, de Porto Alegre.
• Escola da União Operária de Franca, fundada em 1912, por Teófilo Pereira.
• Escola Noturna da Liga Operária de Sorocaba, fundada em 1912.
• Escola Operária 1° de Maio, localizada em Vila Isabel e depois em Olaria, Rio de Janeiro.
• Universidade Popular de Cultura Racional e Científica, fundada em 1915, anexa a Escola
Nova de São Paulo, e que oferecia cursos preparatórios para professores.
• Escola Joaquim Vicente, fundada em 1920, em São Paulo.
• Escola Profissional, fundada em 1920 por iniciativa da União em Fábricas de Tecidos, no
Rio de Janeiro.
• Escolas para Operárias do Centro Feminino Jovens Idealistas (duas), fundadas em 1920,
situadas na Rua Borges de Figueiredo, 37, e na Rua Joli, 125.
• Escola da Liga da Construção Civil, fundada em 1920, em Niterói.
• Grupo Escolar Carlos Dias, "órgão do Sindicato dos Pedreiros, Carpinteiros e Demais
Classes dos Trabalhadores em Geral", em Salvador.
Gostaríamos de ressaltar que estamos em busca de dados mais consistentes sobre essas
escolas, pois recolhemos essas informações de modo esparso em notícias de periódicos ou de
menção em textos de diferentes autores. A título de exemplo podemos citar a notícia de uma
Universidade Popular, na Tribuna do Povo, publicada em Recife, em 21 de junho de 1919:
“Folgamos em noticiar hoje que se cogita entre nós da fundação nesta cidade de
uma Universidade Popular. Pugnando por esse valioso e mais do que nunca oportuno
emprehendimento temos a registrar nomes feitos e acatados na sociedade e no
movimento cultural de Pernambuco. A Universidade Popular vem incontestavelmente
preencher uma lacuna no meio estreito e acanhado em que vivemos. O povo, na sua
grande maioria, permanece inculto. Inculto e supersticioso. Convém, pois, instruir o
povo nos moldes da educação racionalista. Especialmente para o operariado, que é de
todas as classes a mais desprotegida, esse novo centro de cultura vem prestar relevantes
serviços. Daremos no próximo número notícias mais detalhadas”. (Tribuna do Povo,
21/06/1919, p.1)
A educação através da imprensa era possível porque nos sindicatos, nos Centros Culturais
e nas escolas, os anarquistas tinham o costume de fazer sessões de leitura de jornais, após a
leitura era feito o debate sobre os temas lidos. A ação da pedagogia racional libertária tina como
pressuposto uma ampla formação, a formação integral do ser humano, não importando se este ser
era um criança, jovem ou adulto. Os anarquistas organizavam palestras e conferências nos
chamados Centros de Cultura Social. Produziam jornais e outras atividades culturais, ações que
visavam a transformação da sociedade na qual viviam os operários. Havia uma articulação entre a
imprensa, os Centros de Cultura Social, as Ligas dos trabalhadores e as escolas libertárias.
Os diferentes espaços educativos que seguiam os preceitos da proposta racional libertária,
procuravam pautar suas ações em princípios morais que valorizassem a solidariedade, a
cooperação, o respeito ao outro e a liberdade para formar um novo homem que construísse um
novo tipo de formação social. Lembramos que o estudo da ciência era sempre o fio condutor
dessa proposta educativa, porque a meta era atingir uma educação moral orientada pelo
racionalismo científico. Mas, de acordo com a proposta libertária, esse racionalismo deveria
estar a serviço da libertação do homem e nunca podia permitir qualquer processo de alienação ou
opressão.
Assim as escolas tinham como objetivo ministrar uma educação livre de preconceitos. Os
alunos deveriam utilizar educação científica para empreender a crítica a sociedade vigente. Os
anarquistas preconizavam também os métodos baseados na ação, preparavam para o trabalho e
para a militância. Por isso existia um forte vínculo entre a educação anarquista e a produção de
periódicos, porque os anarquistas acreditavam que para efetivar uma mudança de mentalidade era
preciso unir diferentes atividades culturais como: escolas, jornais, centros culturais e outras
atividades, para conseguir transformar a sociedade.
Como já mencionamos anteriormente, nas atividades culturais e nas aulas, a leitura e
discussão de artigos de jornais serviam como um método pedagógico para refletir sobre
problemas do cotidiano e também para sistematizar as idéias e organizar o pensamento. Os
anarquistas possuíam uma intensa produção de periódicos, porque estes eram instrumentos
propagadores de seus princípios.
A produção de periódicos foi importante para o movimento anarquista e a pedagogia
libertária, porque a imprensa permite a construção de uma rede de informações. Nas reuniões em
diferentes espaços, como fábricas, escolas ou centros de cultura, a leitura em voz alta de notícias
de jornais tornou-se uma eficaz ação pedagógica. Os anarquistas acreditavam que essas ações
fortaleciam a luta pela transformação dos princípios que regiam a sociedade burguesa.
Devemos destacar que essas leituras e discussões não ficavam restritas aos
operários que defendiam a causa anarquista, outros trabalhadores participavam dessas atividades,
o que configura um trabalho político importante. As estratégias de caráter pedagógico foram
fundamentais para a ação anarquista. Os anarquistas acreditavam que a educação poderia atuar de
modo significativo na mudança profunda da realidade e seria uma estratégia importante para
implantar um novo tipo de sociedade, sem hierarquia, uma sociedade ácrata, onde cada um seria
responsável pela gestão, ou seja, a educação libertária precisava desenvolver uma consciência
anárquica, que rejeitasse qualquer relação autoritária, formando uma nova forma de organização
social – a autogestão.
Entre os anarquistas, a educação foi a estratégia utilizada para instaurar a reflexão sobre as
desigualdades sociais e econômicas. Acreditamos que esta estratégia devia ser pensada com
maior profundidade, principalmente por aqueles que militam em instituições que pretendem
pensar a transformação social, porque a principal preocupação desses militantes foi a mudança
profunda e radical de seus valores e princípios. Consideramos que a reversão de valores e
princípios é imprescindível caso queiramos instaurar um novo tipo de homem e sociedade. É
preciso empreender uma revolução política e econômica, aliada a uma revolução de princípios
e valores, o que necessariamente nos faz passar pelas mudanças profundas no campo da
educação.
Acreditamos que precisamos refletir no século XXI, algumas idéias que ficaram um
pouco no limbo das discussões pedagógicas como as idéias de Ferrer y Guardia e Kropotkin,
assim como precisamos rever os princípios defendidos pelos educadores da pedagogia racional
libertária.
Sabemos que a educação foi considerada uma das peças fundamentais para a revolução social
anarquista, pois acreditavam firmemente no poder transformador do processo educacional.
Kropotkin, assim como Ferrer y Guardia foram os autores que mais influenciaram a proposta
pedagógica racional libertária que vigorou nas Escolas Modernas brasileiras. Kropotkin sempres
e preocupou em unir teoria a prática, por isso defendeu a relação estreita entre trabalho intelectual
e trabalho manual, nos processos educativos. Segundo ele, os cientistas desprezavam o trabalho
manual, o que fez com que as academias ignorassem a importância da articulação entre esses dois
tipos de trabalho.
Considerava também a educação científica imprescindível para o trabalhador porque todo
ser humano precisa receber uma educação que articule os diferentes conhecimentos. A proposta
educacional de Kropotkin enfatizava o papel central da razão no processo educativo, a
racionalidade científica deveria ser trabalhada em todas as escolas, caso vislumbrássemos formar
todos com a mesma qualidade, com a intenção de dar oportunidades iguais aos trabalhadores.
Kropotkin também defendia a coeducação dos sexos e priorizava a educação integral,
onde não se distinguiria o trabalho intelectual do manual. Criticou o caráter superficial da
aprendizagem, pois acreditava que a escola deveria priorizar o domínio dos mecanismos do
aprender, ou seja, o estudante deve sempre estar em busca dos conhecimentos.
Kropotkin propôs uma espécie de socialização do conhecimento científico por intermédio
da escola. Ele defendia a formação de um grande contingente de pessoas com capacidade crítica
para formar uma espécie de comunidade crítica, com o intuito de ampliar a capacidade de
produção científica.
Ele considerava a educação como um processo que poderia fazer a reversão de valores e
princípios, o que é imprescindível para instaurar um novo tipo de homem e sociedade.
Considerações Finais
MORIYÓN, Félix Garcia (org.). Educação Libertária. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
WOODCOCK, George. História das idéias e movimentos anarquistas. Porto Alegre: L&PM
Pocket, 2002. vol 1 – A Idéia
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