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NEOFUNCIONALISMO

Teoria da integração europeia proposta por Ernst Haas (EH) na década de 50,
o neo-funcionalismo assenta o seu valor explicativo numa visão dinâmica da
integração. Segundo EH, a integração era um processo através do qual diversos
atores políticos em diversos sistemas nacionais seriam estimulados a fazer evoluir as
suas lealdades, as suas expectativas e as suas atividades políticas para um novo
centro, cujas instituições detinham ou pretendiam obter um poder jurisdicional
superior ou de substituição ao dos Estados nacionais pré--existentes.
Inspirada dos contributos do “funcionalismo”, a teoria neo-funcionalista
combinava três elementos chave: a noção de “political expectations”; a noção de
“spillover effect”; e a hipótese concreta de uma “transferência de lealdades
políticas”.
As “political expectations” referiam-se ao crédito político que, segundo EH,
uma parte das elites económicas europeias outorgava ao projeto de integração por
este poder significar a edificação de um espaço de interação económica mais forte e
mais independente do poder económico americano e soviético. EH fixava a validade
empírica das “political expectations” numa análise cuidada do contexto geopolítico
em que se operou o início do projeto europeu.
O “spillover effect” permitia explicar um fenómeno bem conhecido na
economia: iniludivelmente, cada decisão técnico-política, ainda que vocacionada para
produzir um determinado resultado primário, causa efeitos secundários cuja não
resolução pode, em quase todas as situações, anular o resultado primário esperado;
por sua vez, a resolução dos efeitos secundários acaba por criar uma situação
semelhante à primeira configurando, deste modo, um efeito de engrenagem. Segundo
EH, o exemplo da integração europeia era neste aspeto muito elucidativo na medida
em que se podia observar a dificuldade de garantir a eficácia de decisões políticas em
áreas específicas sem resolver os problema dos seus efeitos secundários, ou seja, sem
adotar medidas de aprofundamento das competências já atribuídas e medidas
complementares em áreas adjacentes com a sucessiva atribuição de novas
competências.
A “transferência de lealdades políticas” apontava para um interesse
específico das elites europeias em cultivar e aderir aos valores de um
supranacionalismo federativo em detrimento da sua fidelidade ao que se podia
considerar as contingências do nacionalismo. A lógica política desta transferência era
ideologicamente neutra na medida em que se sustentava na dinâmica complexa de um
pluralismo pragmático de interesses de curto, médio e longo prazo.
EH tentou demonstrar empiricamente a articulação dos três elementos chave
através do estudo do período histórico que mediou o momento da criação da
Comunidade europeia do Carvão e do Aço (CECA) e o momento da assinatura dos
tratados da Comunidade Económica Europeia (CEE) e da Comunidade Europeia da
Energia Atómica (EURATOM). A achega teorética de EH consistiu em afirmar que a
crise da extensão dos poderes da CECA, combinada com as expectativas de atores
económicos e políticos, estimulou o desenvolvimento do processo político
conducente à criação da CEE e da EURATOM.
Como ferramenta analítica da integração europeia, o neo-funcionalismo
perdeu parte do seu valor de referencial durante a década de 60 e início da década de
70. A crise da cadeira vazia e o problema da adesão do Reino Unido puseram em
evidência os limites da teoria para explicar o desenvolvimento do processo de
integração europeia. É o próprio EH que, no seu contributo “Obsolescence of
Regional Integration Theory”, o admite indicando a obsolescência da teoria no que à
análise do projeto europeu dizia respeito. No seu prefácio à edição de 1968 do “The
Uniting of the Europe” refere mesmo que a ação política do General De Gaulle
permitiu demonstrar claramente os limites da teoria neo-funcionalista. Estes limites
evidenciavam-se sobretudo por causa do caráter excessivamente determinístico e
apolítico da teoria que ignorava a força do jogo político e ideológico paralelo ao
processo de integração.
Foi Philippe Schmitter (PhS) que integrou no raciocínio neo-funcionalista a
análise da problemática política propriamente dita. Segundo o autor, jogo político
determinava uma noção de estratégia bem mais complexa do que a ideia de escolhas
racionais decorrentes da prossecução de interesses de curto, médio e longo prazo
imanentes ao processo de integração. Neste sentido, o efeito spillover não podia ser
considerado numa lógica de engrenagem continua na medida em que a sua dinâmica
acabava por criar um efeito de politização das decisões. Em situações menos
favoráveis para as estratégias dos atores políticos, o efeito spillover podia dar lugar a
uma situação de indiferença, e mesmo a um efeito spill-back com consequências
negativas ao nível do aprofundamento ou alargamento da autoridade das instituições
supranacionais.
Independentemente das correções feitas por PhS, o problema do neo-
funcionalismo era o de se deixar armadilhar por um certo determinismo analítico cuja
verificação empírica não era, por definição, sempre possível. Os próprios
desenvolvimentos da construção europeia, com o revés nos anos 70 do projeto da
“serpente monetária”, confirmavam esta dificuldade creditando a alternativa das
explicações avançadas pela correntes mais realistas das relações internacionais.
Durante os anos 90 e, sobretudo, a partir dos anos 2000, o neo-funcionalismo
voltou progressivamente a assumir o seu lugar na área privilegiada das referências
explicativas da integração europeia. Autores como Wayne Sandholtz e Alec Stone
Sweet (WS&ASS) inspiram-se das ferramentas analíticas do neo-funcionalismo para
explicitar o incremento da chamada governança supranacional: este incremento
resultava do aumento das trocas transnacionais entre atores, viabilizadas pela
integração europeia, que os estimularam a pressionar os governos a transferirem para
a comunidade maiores responsabilidades regulatórias. A este facto juntavam-se os
recursos regulares ao tribunal de justiça das comunidades para garantir a aplicação do
direito comunitário independentemente da vontade dos Estados. Em ambos os casos é
possível verificar a pressão de atores económicos para gerar um efeito “spillover”, a
constatação de “political expectations” e a hipótese de um certa “transferência de
lealdades”. O argumento de WS&ASS retoma o neo-funcionalismo para explicar o
desenvolvimento de espaços de poder supranacionais onde emergem formas
específicas de governança institucionalizada.
Não obstante a evolução por momentos crítica da teoria neo-funcionalista, a
inteleção que permitiu produzir acerca integração europeia tem permanecido até hoje
como um acervo principal no universo dos estudos europeus.

Bibliografia:

HAAS, Ernst (1958/68/04) – The Uniting of Europe, Political, Social, And


Economic Forces, 1950-1957; Notre Dame, University Of Notre Dame Press, Indiana.

SCHMITTER, Philippe C (1970) – “A Revised Theory of Regional


Integration” in International Organization, Vol. 24, No. 4, Regional Integration:
Theory and Research, Cambridge, Cambridge University Press - pp. 836-868.

SWEET, Alec Stone (ed.), SANDHOLTZ, Wayne (ed.), FLIGSTEIN, Neil


(ed.) (2001) – The Institutionalization of Europe, Oxford, Oxford University Press.
ROSAMOND, Ben (2000) – Theories of European Integration, New York,
Palgrave Macmillan.

WIENER, Antje (ed.) & Diez, Thomas (ed.) (2004) - European Integration
Theory, Oxford, Oxford University Press.

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