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CAPITULO V

OS PRINCIPAIS ATORES DE POLÍTICAS PÚBLICAS

O ponto de partida comum das várias hipóteses sobre as configurações dos atores relevantes para
a produção de políticas públicas é que políticos e governantes nunca produzem as políticas
públicas sozinhos.

Embora esta afirmação possa ser largamente partilhada, não se pode, contudo, deduzir
automaticamente dela que políticos e governantes se encontram ao mesmo nível dos restantes
atores que participam na produção das politicas públicas, e muito menos que lhes estejam
subordinados.

1. Sistemas do governo do partido (Party Government)


Nos sistemas do governo do partido (Party Government) o papel de decisor das políticas públicas é
atribuído, no todo ou em larguíssima medida, a intervenientes de origem partidária, que são
responsáveis perante os dirigentes dos partidos, pelos quais são controlados e substituíveis.

Como é evidente, a forma mais rígida, mais nítida e mais exclusiva do partido governo encontra o
seu campo de atuação mais concreto, seguro e duradouro nos sistemas bipartidários,
especialmente naqueles que se caracterizam pela disciplina partidária e pelo carácter
marcadamente programático dos próprios partidos.

Todavia, também encontramos indícios de predomínio dos partidos nos processos de produção
das políticas públicas em sistemas que não são bipartidários, como é o atual caso de Moçambique.

O carácter participativo de um modelo decisional não depende tanto do número de partidos


relevantes no sistema político, quanto da relação entre o sistema de partidos, a esfera social e a
esfera económica.

Pelo que é apropriado sublinhar que, se bem que não sejam atores exclusivos e dominantes nos
processos de produção de políticas públicas, os partidos e os seus dirigentes e os representantes
por eles designados também estão sempre presentes, frequentemente em posições de relevo, nos
vários modelos e alternativas do party government.

2. Modelo neocorporativo
Nos anos 70 e 80 obteve grande êxito um outro modelo descritivo interpretativo das modalidades
de produção das políticas públicas: o neocorporativismo.

Dependendo das perspectivas e dos interesses dos vários autores, existem diversas interpretações
e utilizações deste modelo.

O mais interessante é a analise da contraposição entre pluralismo e neocorporativismo formulada


pelo seu maior expoente, Philipp Schmitter (1976).

As pretensões descritivas e explicativas de neocorporativismo chegam a parecer uma tentativa de


delinear uma nova forma de democracia.
Porém, o que aqui nos interessa essencialmente é a maneira como o neocorporativismo chega a
explicação da produção de políticas públicas.

Segundo a versão clássica do pluralismo, as políticas públicas são o produto, sempre em mutação,
da interação entre uma multiplicidade de interesses, grupos e associações também eles em
constante mutação no que diz respeito a composição, à estrutura organizativa, à duração e aos
recursos disponíveis, interação essa de resultados imprevisíveis e na qual o Estado não é mais do
que um destes grupos, por vezes nem se quer o mais importante e o mais poderoso.

Segundo a maior parte dos estudiosos do neocorporativismo, a situação real, pelo menos em
alguns sistemas políticos, é muito diferente.

Só há três grupos a ter em conta: os Governos e os seus aparelhos executivos, as organizações


sindicais e as associações empresariais.

São grupos bem organizados, estáveis ao longo do tempo e dotados de recursos consideráveis (e,
se bem que diferenciados, relativamente equilibrados), que podem permitir-se chegar a acordos
de grande envergadura e, sobretudo, respeitá-los.

Como é evidente, a gama das políticas públicas decididas por meio de arranjos neocorporativos é
muito vasta, mas respeita sobretudo à esfera económica e social, na qual os interesses
empresariais e sindicais poderiam entrar em conflito e onde, simultaneamente, uma resolução
eficaz desses problemas comporta benefícios para todo o sistema.

Portanto, é possível defender que a existência de arranjos neocorporativos permite explicar, pelo
menos a nível geral, uma parte considerável das políticas públicas, o seu sucesso e, em particular,
a sua subsistência ao longo do tempo.

Compreensivelmente, quando o conteúdo das políticas se torna mais complexo e as associações


empresariais e as organizações sindicais se diversificam, torna-se difícil ou mesmo impossível
manter os arranjos neocorporativos na íntegra.

Os desafios culturais, a diferenciação social e a fragmentação dos interesses, muitas vezes ambas
consequências do próprio sucesso do neocorporativismo, assim como as pressões provenientes da
economia internacional, tornam difícil a manutenção de ordenamentos neocorporativos
verdadeiros e próprios.

Alguns acordos neocorporativos poderão sobreviver ao declínio do modelo, mas a maior parte das
políticas acabará por ter outra origem, devendo, portanto, ser interpretada por recursos a outros
modelos.

3. Modelo do “triângulo de Ferro”


Mais abaixo na escala da compreensão da interpretação formulada, encontramos a tese da
existência de “triângulos de ferro” (Jordan, 1981), nos quais teriam origem as políticas mais
relevantes.
A referência aos triângulos justifica-se pela identificação de três agrupamentos principais de
atores:
1. Os grupos de interesses;
2. Os serviços burocráticos e administrativos;
3. As comissões parlamentares.

Quando se carateriza os triângulos como sendo “de ferro”, pretende-se pôr em evidência a solidez
do relacionamento que se estabelece entre os três agrupamentos de protagonistas.

É importante sublinhar que, relativamente ao neocorporativismo, baseado na relação estável


entre três grandes organismos que dominam a produção de políticas públicas, os triângulos de
ferro podem ser bastante numerosos, difusos e dispersos no seio do próprio sistema político.

Teoricamente, pode existir pelo menos um triângulo por cada área significativa das políticas
públicas.

Um pouco como no neocorporativismo, os triângulos de ferro persistem por causa da capacidade


recíproca de cada um dos membros que os compõem para cumprir os compromissos assumidos.

Cada um dos atores contribui para o bom funcionamento do triângulo através de decisões, de
recursos, de votos, da inspiração de confiança resultante da sua atuação;

4. Modelo de “redes Temáticas”


O quarto modelo é descrito sob a forma de “redes temáticas” (issue networks) (Heclo, 1978).

Este modelo diverge do triângulo de ferro por ser muito menos estruturado e mais aberto a toda
uma série de participantes, sendo constituído por interações episódicas e ocasionais destinadas à
exposição pública e a ter curta duração e arriscando-se, assim, a deixar sem resolução muitos
problemas que merecem um tratamento em sede de políticas públicas.

Em geral, as “redes temáticas” estão na origem de políticas públicas instáveis e volúveis,


praticamente imprevisíveis e difíceis de controlar.

Em certa medida, e de acordo com os seus proponentes originais, este modelo seria ideal para
interpretar o processo de decisão americana, pelo menos a nível federal.

5. Modelo Policy Communities


Muito raramente, porém, as redes temáticas e os triângulos de ferro conseguem representar
adequadamente a realidade da Europa Ocidental, onde os processos de produção de políticas
públicas são bastante mais estruturados.

A fim de descrever e explicar a realidade dos diversos sistemas políticos da Europa, foi formulado
um outro modelo, dito das “comunidades de políticas” (policy communities).

Neste modelo, a exemplo do das redes temáticas, os atores continuam a ser bastante numerosos,
mas são geralmente os mesmos.
As policy communities estabelecem-se por meio de contactos entre políticos, funcionários
públicos, representantes dos grupos de interesse e peritos cujo papel é reconhecido de forma
continuada ao longo de grandes períodos de tempo.

Esta continuidade que se traduz num certo espírito comunitário e de interação, garante algumas
das vantagens que derivam do conhecimento pessoal e de possibilidade de estabelecer um
processo de decisão onde se obtenha satisfação recíproca.

Todos ou quase todos os participantes estão conscientes de que eventuais perdas no âmbito de
uma política pública podem ser recuperadas noutros campos igualmente do seu interesse.

As políticas que resultam de “um sistema de negociação estável e consolidado” são precisamente
as que podem ser atribuídas à atuação e à interação de uma ou mais policy communities.

6. Modelo “Comitologia”
Ainda no contexto da União Europeia, a participação de uma grande multiplicidade de atores em
contextos variáveis e com problemas que vão de uma importância mínima a uma importância
máxima deu origem a uma situação confusa, caraterizada pela existência de “comités”
internacionais, supranacionais e transnacionais.

No seu conjunto, o sistema é designado, um tanto impropriamente, por “comitologia”.


Tecnicamente, comitologia deveria significar o estudo da atividade dos comités. Mas o que se
designa com essa expressão é a própria atividade dos comités.

A sobreposição de papéis e de atores nem sempre é fácil de decifrar, já que estes mudam cada vez
que mudam os respectivos governos ou os dirigentes das associações que representam, e isto
traduz-se em políticas públicas criadas, não só pelos seus conteúdos, que sempre poderão ser
revistos, mas também pela falta de transparência dos procedimentos que conduzem à sua
aprovação.

Partindo da panorâmica traçada, seria errado inferir que os modelos e imagens apresentados se
excluem mutuamente ou constituem alternativas drásticas uns dos outros que não admitem
interferências.

É mais correto pensar que, segundo os sistemas políticos e as políticas públicas que estão em
causa, não haverá exclusividade, mas prevalência de um modelo sobre outro.

Esta prevalência será determinada, em boa medida, mais do que pelo tipo de política pública,
sobretudo pela natureza dos arranjos institucionais: forma de governo, tipo de administração
burocrática, forma do Estado, sistema de partidos e modalidades de formação de coligações.
A Tabela 3 sintetiza as características mais importantes de cada um dos modelos interpretativos
no que diz respeito aos participantes na formulação de políticas públicas.

Tabela 3
Modelos do Processo de produção de políticas públicas
Cabinet Neocorporativismo Triângulos Issue Policy Comitologia
government de Ferro networks communities
Espectros Estáveis Estáveis Estáveis Instáveis Variáveis Volúveis
Políticos
Arenas de Segmentadas Segmentadas Segmentadas Fragmentadas Difusas Sobreponível
Decisão
Nº de Limitado Exclusivo Limitado Ilimitado Extensivo Muito
Participantes Extensivo
Autoridade Presente Presente Nenhuma Nenhuma Ausente Incerta
Central
Poder Nos Canais Em Arranjos Desagregado Muito Flutuante Considerável
Políticos Institucionais Desagregado
Decisão Final Centro do Nos Sectores Por Sectores Não Nas Áreas Por Sectores
Governo
(Conselho de
Ministros
Grupos Voluntários Obrigatórios Voluntários Voluntários Espontâneos Matizados;
Marginais Representativos
Acesso às Fechado Fechado Fechado Aberto Permeável Fácil
Decisões
Solução Sim Sim Sim Rara Protelada Frequente
Fonte: Pasquino, G. (2010). Curso de ciência política (2ª ed.). Tradução de Ana Sassetti da Mota. Parede, Portugal:
Principia.
CAPÍTULO VI
PROCESSO DA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Quando se trata de pôr em prática uma política pública, podemos identificar dois modelos de
análise que podem ser vistas como opostas ou complementares entre si.

O primeiro é designado por top down e sugere que o processo de pôr em prática uma política
pública procede quase diretamente do vértice político e burocrático que a formulou e aprovou,
isto é, daqueles encarregados de a executar, de a traduzir em comportamentos efetivos e em
sanções eficazes.

Não é de excluir que, em alguns casos, a execução de uma política pública siga precisamente este
percurso simplificado, sobretudo no que diz respeito aquelas políticas sobre as quais se
concentram a atenção e as espectativas de opinião pública e dos meios de comunicação social, e
nas quais os decisores políticos tenham investido autoridade e prestígio.

Todavia, a maior parte dos estudiosos pensa que, muito frequentemente, o procedimento que
funciona quando se trata de pôr em prática uma política pública é aquele que costuma ser
designado por bowtom up, e que é substancialmente oposto ao anteriormente descrito.

Segundo esta perspectiva, os importantes, e por vezes mesmo decisivos, pormenores da execução
de uma política pública são definidos, selecionados e traduzidos em práticas específicas sobretudo
pelos operadores que atuam em contacto direto com os beneficiários das medidas e que estão,
portanto, submetidos às pressões dos utentes.

Os “operadores de base” gozam frequentemente de uma discricionalidade considerável e difícil de


controlar e tem também frequentemente a experiência e os recursos necessários para pôr em
prática cada política concreta;

habitualmente definidos como strwet level bureaucrats (“ burocratas da estrada ou do bairro”),


têm conhecimentos e poder suficientes para adaptar política pública às características do seu
público de referência e também às suas próprias exigências pessoais, em termos de tempo de
trabalho, de carreira e de segurança na interpretação das normas.

O processo chega, assim a sua última fase, que, nas melhores situações é da avaliação da política
pública.

Os critérios de avaliação são muitos e variados, começando por um que mede a capacidade da
política para atingir os objectivos pretendidos.

Esta capacidade designa-se pôr eficácia, enquanto a eficiência consiste na obtenção daqueles
objectivos ao menor custo possível.

Na era pós-bipolarismo, é possível que a eficácia seja a qualidade que melhor serve para conferir
legitimidade a um governo.

A eficiência, por seu lado é a qualidade que serve para legitimar a existência, as prerrogativas e os
privilégios de uma máquina burocrática.
Em geral, é bastante improvável que os cálculos de tempos, de custos-benefícios e de consecução
dos objectivos se apresentem sem qualquer problema e de que não se prestem a controvérsias.

Descendo ainda a pormenores indispensáveis, tem sido observado que a correta avaliação de uma
política pública também deve medir o impacto, entendido como sequência de acontecimentos
que emanam da promulgação do policy output.

Os impactos podem ser muitos e variados: podem dizer respeito às intenções dos policy-makers e
as suas espectativas; podem beneficiar ou prejudicar, em primeira linha, alguns grupos e alargar-
se depois a outros; podem chegar mesmo a incidir sobre todo o sistema político-económico, como
acontece habitualmente com qualquer reforma que toque aspectos essências das políticas de
assistências e previdência (welfare) e sobre as expectativas e sobre os comportamentos dos
cidadãos que beneficiarão dos seus frutos, atuais e potenciais.

É e também isto que explica a razão porque todas as reformas nestas matérias são altamente
controversas e conflituais.

A linha divisória entre os outputs, ou produtos, e os outcomes, ou resultados, de uma política


pública é por vezes bastante imprecisa.

Na prática, avaliação de uma política pública pode ser efectuada quer em termos de outputs, ou
seja, daquilo que verdadeiramente surgiu no final do processo que se iniciou com a formação da
política e culminou na sua execução, que em termos de outcomes, isto é, daquilo que realmente
resultou na execução daquela específica política e que lhe pode ser diretamente atribuído.

Juntamente com esta distinção, parece importante que voltemos a nossa atenção para o modo
como se efetua a avaliação de uma política pública.

Quem é que se interessa em fazê-la: os próprios decisores ou grupos externos independentes de


peritos?

Avaliação é confiada a outros grupos de decisores, ou a grupos por assim dizer, de executores?
Que parte, em fim dos resultados de avaliação (o chamado feedback) é introduzida no circuito da
decisão a fim de influenciar a eventual reformulação de decisões anteriores ou de outras políticas
públicas?

É sabido, e tem sido repetidamente observado, que raramente se revogam políticas públicas, por
muito más que sejam, mesmo na sequência de avaliações negativas.

A oposição a uma cessação imediata vem dos grupos que delas retiram alguns benefícios(os policy
takers, mas também dos que estiveram envolvidos na sua execução(os policy givers).

Constituem igualmente obstáculos as normas e os procedimentos consolidados, tão lentos na


cessação de uma política pública como o foram na sua formação e produção.
Finalmente, os próprios produtores políticos e administrativos de certa política podem ter
interesse em mante-la viva, eventualmente com algumas alterações, em vez de a fazerem cessar
brusca e totalmente, para não ficarem sem emprego.

Todavia, e vencida esta observação, para abolir uma política é compreensivelmente indispensável
produzir uma nova política pública que a revogue, respeitando todos procedimentos próprios, o
tempo e os custos.

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